Etiqueta: Crónica

  • Famalicão 3.0

    Famalicão 3.0


    Tenho um carinho especial pelo Famalicão, benfiquista me confesso. E já agora também confesso ser um adepto (secundário) do Leixões – não me perguntem a razão, não tenho dali quaisquer raízes, mas vem de infância, talvez porque a equipa de futebol tinha um tipo que dava cambalhotas quando marcava golos (o Folha), além de um guarda-redes chamado Tibi, e ainda um médio habilidoso chamado Frasco. Talvez também por os chamarem de ‘bebés de Matosinhos’, se bem que os fervorosos adeptos no Estádio do Mar fossem mais conhecidos por cascar até em árbitros. Além disso, o emblema é estranho, por meter uma raquete de ténis, um pau de críquete e uma bola que mais parece de basquetebol, embora o clube seja mais famoso no voleibol, com vários títulos de campeão.

    Enfim, mas se o carinho pelo Leixões e por Matosinhos vem da infância e não é explicável, já o do Famalicão vem também da infância e é explicável, embora nada tenha a ver com futebol e com Vila Nova de Famalicão, de onde vêm os jogadores que agora mesmo começaram a pelejar com o Benfica, esperando eu que levem o mesmo número de golos que o número do ticket do meu farnel: 14.

    (por agora, 11 minutos, duas ameaças para marcar, mas ainda faltam 14 golos… o melhor é dar uma trinca na baguete de panado de aves com alface)

    Portanto, vamos à explicação sobre a minha infância e Famalicão. Como não há apenas uma Maria na Terra, também não há somente um Famalicão (ou uma…. ou será ‘ume’?) em Portugal, e dessa sorte a ‘minha’ Famalicão, ali no concelho de Anadia, é terra que viu os meus pais conhecerem-se nos idos de 50 (século passado, claro) – e tenho a impressão de que isso me foi favorável – e também onde se localiza(va) a escola primária onde estive três anos, não sendo preciso o quarto (‘gaba-te cesto’ por teres feito a primeira e segunda classe em apenas um ano).

    Assim sendo, aqui fica a minha homenagem a Famalicão (de Anadia), e à sua escola que me viu começar a contar e a escrever (não foi bem assim, porque, ‘gaba-te cesto’ outra vez, já lia legendas da TV e contava pelos dedos antes da ida para a primária).

    (goloooooooooo… Arthur Cabral, já com veia goleadora… o que faz um dedo do meio)

    Continuemos depois deste introito do primeiro do Benfica contra este Famalicão que não me interessa nada, excepto quando joga contra o Sporting, o Porto e o Braga. Aí sou adepto ‘deste’ Famalicão desde pequenino.

    Escola primária de Famalicão, no concelho de Anadia.

    Já que estamos aqui numa de recordar a infância, e para isto ter a ver com bola, e sobretudo, com o Benfica, informo também que ‘este’ (ou ‘esta’ ou… espera… como uso, neste caso pronome demonstrativo inclusivo?) Famalicão ficava paredes-meias com a Malaposta, aldeia atravessada pela famosa Estrada Nacional, então percorrida (antes da auto-estrada) por todos aqueles que queriam ir para o Norte (e para o Sul, claro), entre os quais os jogadores do Benfica, que, nos tempos da minha infância, tinham como habitual poiso para almoço (os jogos eram quase sempre ao domingo à tarde, todos à mesma hora) o restaurante Pompeu do Frangos, famoso pelos churrascos em terras de leitão à Bairrada. Acredito que por recomendação de um senhor de seu nome António José Conceição Oliveira, Toni para os amigos (e todos os demais, onde me incluo), nado e criado em Mogofores, a menos de 500 metros onde morei até aos 10 anos.

    (entretanto, sem glória, e desesperançado dos 14 a zero, e vejam como já nem almejo o mítico 15 a zero, acaba a primeira parte; menos mal, estamos a ganhar)

    Adiantada que vai a crónica, fui gastar os 15 minutos de intervalo a contornar as filas para a casa de banho e para os comes-e-bebes, até dar um abraço ao nosso colunista Tiago Franco, que das terras suecas (e de Santa Maria, de quando em vez), aqui está pela Grande Lisboa, e não perde oportunidade para se exasperar ao vivo e in loco com as opções do Robert Schmidt, enquanto zurze na ‘tosquicidade’ do João Mário e de mais uns quantos…

    Aspecto de um bom arroz de molho pardo.

    (e a segunda parte avança enquanto escrevo, e tirando um ‘tiro ao boneco’, leia-se ao guarda-redes, do Arthur Cabral, que devia ter feito melhor, o melhor que se viram foram as defesa do Trubin, por sinal guarda-redes benfiquista, que contribui para que do 14 a zero desejado, pelo menos que no zero à direita se acerte)

    Como bons benfiquistas, este um a zero não nos satisfaz nada. ‘Parece que estão todos de férias como o Di Maria na Argentina’, digo-lhe, enquanto lhe peço dois ‘linguados’ (gíria jornalística) para compor esta crónica para ficar com maior sapiência na arte do bitate futebolês.

    Escreve-me ele, na bancada Emirates, de esguelha, por ser o sector 4, que “durante toda a semana a discussão centrou-se no casamento da irmã de Di Maria”, que eu ignorava, avisando que “se déssemos tamanha atenção ao nosso próprio matrimónio, a taxa de divórcios no país cairia a pique”. E remata dizendo que agora percebe afinal, “aqui no estádio, qual era o real problema da ausência do astro argentino” nesse do jogo contra o Famalicão.

    Tiago Franco, comigo numa selfie, em pleno intervalo, sempre pouco satisfeito com as exibições do Benfica.

    E concretiza: “A julgar pela amostra dos primeiros 45 minutos”, opina ainda o Tiago, “o Di Maria seria provavelmente o único com disponibilidade para jogar”, pois “em campo estão nove rapazes a passar um serão entre amigos, Trubin a defender os poucos ataques do Famalicão, e anda ali o João Neves a jogar sozinho outra partida, a uma velocidade totalmente diferente”.

    Como a escrever sobre Famalicão, Malaposta, Mogofores e o Pompeu dos Frangos (onde há uns anos lá comi um arroz de molho pardo, que é como se chama ao arroz de cabidela, de se chorar por mais…), quase não vi a primeira parte, vou aproveitar todos os comentários do Tiago. Ainda me diz que o seu homónimo, o jovem Tiago Gouveia, “está a desperdiçar esta oportunidade, enquanto o Rafa, para lá dos arranques, falha em tudo o resto”.

    Quanto ao Arthur Cabral, afiança-me o Tiago que ele “consegue tropeçar mais na bola do que correr com ela”, e sobre o João Mário, ó surpresa?, digo eu, não é mais meigo: “continua a passar para trás com uma elegância sublime”. Na defensiva, diz ainda que o “Morato, a quem ninguém passa a bola, não tem culpa porque, como diz o meu colega de bancada, ‘ele não sabe mais’”.

    Deu para o farnel, mas não deu para o desejado 14 a zero.

    (eu confesso que, enquanto escrevo as crónicas não tenho muito tempo para perceber estes detalhes, além de que não detenho o sarcasmo futebolístico do Tiago em falar mal de quem se ama)

    Enfim, bela análise, Tiago. Depois disto, vou mesmo tentar ver como consigo que venhas para a bancada de imprensa, para esta Varanda da Luz, fazer análises futebolísticas com direito ao competente farnel (a maçã hoje está um pouco ‘farinácea’ ao contrário do habitual). Talvez envie um e-mail à Presidência da República, e, se não der a cunha, vou então falar directamente com o Lacerda Sales, ou com outro qualquer que prove que Marcelo Rebelo de Sousa é imune a cunhas, venham elas do Doutor Nuno ou de outro qualquer mafarrico.

    (goloooooooo! Rafa com um remate de belíssimo efeito… Vá, Tiago, diz mal agora do nosso Rafinha, que conta, segundo o speaker, 300 jogos de encarnado vestido, made in Luz, porque ainda teve uns quantos pelo Braga)

    Finalmente, estou mais aliviado. Já não aguentava mais nenhum empate com este tipo de equipas, como sucedeu com o Casa Pia e o Farense. Esta época, o Benfica consegue fazer jogos num ritmo sonambúlico, mas que permite, paradoxalmente, pelos sucessivos calafrios causados pelos ataques adversários (de qualquer um), manter-nos sempre activos, na expectativa… de um desastre… ou de uma alegria. Rafa lá consegue garantir-nos descanso ao minuto 85… espero…

    (goloooooo. Musa!, aos 89 minutos…ai agora, quando isto está a acabar?!)

    Enfim, ufa! Não está nada mal, afinal: 3-0 parece-me bem.

    (e só não foi o quarto antes do apito final porque não calhou… ou, melhor dizendo, o Musa falhou escandalosamente na cara do guarda-redes)

    E tu, que me dizes agora, Tiago? Valeu a pena?

    Ai agora já não me dizes nada?

    (…)

    Tarde, mas ainda a tempo, porque ainda demora alinhavar o texto, escolher fotos, e editar tudo, e enquanto os suplentes não utilizados andam ali a correr no relvado, com as bancadas vazias e o Paulo Gonzo aos berros nos altifalantes, responde-me o Tiago:

    “Nunca fico satisfeito com serviços mínimos, mas agrada-me ver o Rafa no papel de herói. Há cinco anos que o ataque depende das arrancadas dele e, enfim, se precisa de 10 oportunidades para concretizar uma… paciência. Se a eficácia fosse outra, nunca teria cumprido 300 jogos (hoje) de águia ao peito [porque seria contratado por um ‘tubarão europeu’, digo eu] . Agora satisfeito, mesmo satisfeito, era se hoje tivesse sido a despedida do João Mário e do Jurasek”.

    És terrível, Tiago, és terrível. Se estivesses aqui no meu lugar, já te tinham posto estricnina na baguete…


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  • Farense 1.1

    Farense 1.1


    Isto de ser um jornal independente, logo de parca capacidade de endividamento – o que, por norma, significa depois ter de se pagar em juros ou em ‘serviços’ –, traz como consequência problemas de agenda quando a Liga, o Glorioso e o… deixa-me ver com está ali no relvado… Farense, decidem marcar um jogo para as 18 horas, mesmo se num feriado, mesmo se santo, mesmo se em honra de Nossa Senhora de Fátima (também conhecida por Imaculada Conceição). Não dá para tudo, mesmo se o percurso entre o PÁGINA UM se faz célere em modo ‘sardinha em lata’ nas carruagens do metropolitano.

    Entre análises, leituras, edições de artigos de opinião, e um prazenteiro almoço com um dos mais consagrados ‘jornalistas de guerra’ (e outras coisas mais) da nossa praça – e sobre o qual teremos novidades em breve aqui no PÁGINA UM –, não consegui acabar o artigo sobre a Global Media, as rescisões e a desastrosa evolução das vendas dos ‘seus’ Diário de Notícias e Jornal de Notícias. Esteve quase pronto, mas ainda sem edição. Teve de ficar para este sábado.

    Lamento-me à Elisabete que não aprecio manter uma manchete no PÁGINA UM por mais de um dia. “Metes a tua crónica do Benfica”, sugere-me. “Não me parece”, respondo: “Só se suceder algo anormal, um 15 a zero; isso sim”. E aqui estou agora, portanto, esperançoso em assistir ao quimérico 15 a zero, aqui da varanda da Luz, embora milagres sejam milagres por raros serem, e por aqui já tivemos um há quase um mês com os dois golos nos descontos contra o Sporting. Melhor será que corram em vez de confiarem na Virgem.

    (além disso, entre ir buscar o ‘farnel’, subir as escadarias, passar por um colega mais ‘avantajado’ na tribuna, assentar arrais, incluindo ligar o computador à corrente, dar umas mordidas na ‘sandocha’, desta vez de paio e queijo, e escrever os três primeiros parágrafos da crónica, já se passaram 27 minutos, e o ‘melhor’ que veio foi um golo anulado por evidente fora-de-jogo do Tengstedt, mais uns habituais falhanços do Rafa)

    Deixemos a utopia, e desçamos à triste e actual realidade que é ambicionar ganhar apenas, apenas ganhar, sendo que agora, neste nosso Benfica, nem com três golos nos primeiros 45 minutos as coisas estão garantidas – o que até se mostra mais emocionante… e irritante.

    Enquanto ali em baixo se continua num rame-rame – que ‘anunciam’ os 15 golos do Benfica somente para a segunda parte –, quero deixar aqui um registo que muito me apraz, e que talvez me tenha passado desapercebido nos outros jogos: muita criançada veio à bola. Temo, porém, que a jogarmos assim, e com os tempos agrestes que se avizinham do ponto de vista financeiro – com a fraquíssima receita da Liga dos Campeões e um grande punhado de jogadores que nem à Imaculada Conceição e ao seu filho interessam –, não tenham muitas alegrias na adolescência, isto para não irmos já para umas décadas mais avançadas.

    (portanto, vamos então ter necessidade de marcar um golo em cada três minutos para os 15 a zero, já que não se conseguiu nenhum em quarenta e cinco)

    Entretanto, como o jogo esteve mesmo uma porcaria, em 17 remates nem um golo, e eu não sei quem foi o mais desastrado – se o Tengstedt, se o Rafa, se o João Mário, se o Kökçü, se o Di Maria, ou se o árbitro ou o VAR –, vou ali ao Facebook ver em quem está o nosso colunista e benfiquista Tiago Franco a desancar.

    Ora bolas! Acabou ele de escrever um post mas apenas para divulgar a sua crónica de hoje no PÁGINA UM. Sobre a Ucrânia. Vale a pena ler

    (raios!, começa a segunda parte com um falhanço incrível do Rafa; ainda ali houve uma carambola, e a bola não entra porque vai parar às mãos do guarda-redes caído… e entretanto, mais uma grande defesa do guarda-redes do Farense… isto nos primeiros três minutos da segunda parte)

    Vou pedir uma opinião por Messenger ao Tiago sobre as ‘incidências’ do jogo…

    (não sei se vale a pena… deve estar agora furibundo com o golo do Farense, por ironia marcado por um Falcão…não é o Radamel, aquele que foi do Porto e agora se arrasta pelo Rayo Vallecano, na segunda metade da tabela classificativa da La Liga)

    Enquanto aguardo pelo comentário do Tiago, e sabendo já que o mais próximo possível da utopia será ganhar agora por 15 a um, convenhamos, os meus fracos conhecimentos de bola me permitem garantir que começa a ser confrangedor assistir à ineficácia atacante deste Benfica, tudo aos repelões, passes mal medidos, centros esquizofrénicos, uma total ausência de um ponta de lança de jeito, ninguém sabe cabecear…

    (assobiadela monumental com as substituições engendradas pelo Robert Schmidt, que manda o João Neves para o banco, além do Tengstedt, por troca com Musa e Gonçalo Guedes… acho que o alemão se está a candidatar à indemnização por despedimento)

    O Tiago, entretanto, assegura-me que o João Mário e o Morato fazem uma ala esquerda que não entrava sequer na equipa do Carcavelinhos, que convém dizer ganhou o Campeonato de Portugal na época de 1927/28 e foi extinto em 1942. E diz-me também que o Tengstedt nos marcou o golo mais caro – o 2-1 contra o Sporting –, presumo que por assim ir jogar muitas mais vezes e falhar ainda mais.

    (goloooooooooooooooooo!!! Rafa!!! Ao décimo remate marca… grita-se Glorioso SLB, julgo que os mesmo que vaiaram o Schmidt há minutos)

    Só faltam agora 14 para o 15 a um… Ou mais um para vencermos à rasca. Pergunto ao Tiago, por Messenger, se está esperançoso. Diz que sim: “Golo do Guedes”, que posso ir escrevendo isso mesmo, e mais se lamenta pelas perdas de tempo.

    (por agora estamos com 88 minutos de jogo, mas com tantas perdas de tempo, os descontos só podem ser uns 10 minutos)

    Portanto, aqui temos mais uma crónica atípica, com o Benfica a deixar o escriba nervoso, e a querer assistir a mais um milagre… Assim, deixo desta vez a sorte ou a desdita do Glorioso nas mãos da Imaculada Conceição nestes… sete minutos de desconto concedidos pelo árbitro. ‘Hora’ para me concentrar, ou pior, minutos para me concentrar. Ou rezar.

    (um desperdício do Musa incrível!!!)

    (e mais outro falhanço, desta vez no fim da festa, nem sei bem de quem; apenas sei de alguém com falta de jeito)

    E pronto: não houve milagre. O Tiago manda entretanto dizer que “este alemão dá-me vontade de partir coisas”. Fica dito. E eu mal visto, porque meti-me em ‘caganças’ com o 15 a zero, e sai-me um empate destes, com o Benfica a rematar 14 bolas à baliza e outras tantas para fora…

    E aquilo que me custa mais é saber que isto não é azar: é aselhice. Mas como o masoquismo faz parte da vida de um adepto, e eu quis armar-me em cronista da bola, levo com estes miseráveis jogos, e ainda tenho de escrever sobre eles. Bem feito… para aprender a dedicar-me, aqui no PÁGINA UM, apenas àquilo que sei: o jornalismo.

    Portanto, até daqui a três semanas, quando voltar a escrever nova crónica que, assim espero, venha a titular Famalicão 15.0… Haja esperança! De milagres, claro.

  • Sporting 2.1

    Sporting 2.1


    Hoje, nem um piu sobre ser eu talismã, até porque para se ser amuleto devemos ter um comportamento à água Vitória, esvoaçando uma meia hora antes do apoio, e não chegar 12 minutos atrasado, por vergonhosas vicissitudes e demais afazeres (sempre me valeu uma conversa sobre o Brasileirão, com o condutor do Uber, adepto do Cruzeiro, que anda pelas ruas da amargura, sob risco de descida), embora ainda a tempo de assistir ao remate do Rafa à barra da baliza do Sporting – quer dizer, a baliza é do Benfica.

    (seria divertido as equipas trazerem, além do equipamento, a própria baliza; só assim faria verdadeiro sentido a expressão ‘golo na própria baliza’)

    Parece que perdi outra oportunidade anterior, aos 9 minutos, mas de oportunidades perdidas é o que o Benfica mais tem feito nos últimos meses, a começar por perder quatro jogos na Champions. Enfim, mas o lance do Rafa foi antes de eu pegar a minha senha, com o número 15 – faz-me sempre lembrar a rábula do 15 a zero dos Gato Fedorento – para sacar veniaga… não! Isso é outra coisa! A senha é para sacar o tradicional lanche, o ‘clássico’ repasto daqui da Varanda da Luz, o qual diga-se ainda não conferi, porquanto assentei arraiais e comecei a adiantar serviço. E, além disso, nas três tribunas da imprensa está tudo bem composto.

    A minha chegada tardia sempre permitiu ter uma perspectiva diferente das imediações do estádio, entendendo que há gente que só vem pela bejeca e sandes de courato. E de ver que, mesmo num jogo desta natureza, há uns poucos retardatários, como eu.

    (lá em baixo, o jogo está, estranhamente, em ritmo frenético, nem parece um jogo do campeonato português, com excepção da eficácia das assistências ou dos remates à baliza, não tanto do Sporting, mas especialmente do Benfica)

    Confesso que nem sequer sei bem que enquadramento devo a esta crónica no decurso de um derby histórico, enquanto tivemos uma semana complicada para o ânimo do país, a saber: a quarta derrota do Benfica na Champions. Dinheiro a voar e, se a fase dos oitavos já é uma miragem, um rombo financeiro para a época já está garantido.

    Ah, e parece que houve também um governo que caiu, acho que de podre, porque quando se encontram 78.500 euros em notas no gabinete do chefe de gabinete do primeiro-ministro, o grau de depravação de uma democracia atinge o fundo… ou o topo.

    (e pronto, estava o intervalo a avizinhar-se, e sai-me isto: João Mário perde a bola e lá seguiu um contra-ataque até ao sueco Gyokeres que, sem perguntar a Trubin ‘para onde a queres’, mandou um fuzil às redes da baliza do Benfica)

    E, pronto, chega o intervalo, e eu atrasado, e estremunhado, ainda nem sequer consegui delinear um fio condutor a esta crónica. Devia ter seguido a minha preguiçosa sugestão interna, anunciando que somente escreveria a partir do primeiro golo do Benfica na baliza do Adán – quer dizer, a baliza é um activo fixo do Benfica, ou imobilizado como se dizia em tempos de antanho (esta ficou-me desta notícia) . Enfim, estou agora aqui de cima, durante o intervalo com pena das valorosas jogadoras da equipa de futsal e de andebol e também dos pujantes (ou pulantes) jogadores de voleibol, que ganharam as respectivas supertaças, mas que são silenciosamente recebidos por um público ainda em choque com o fuzil do sueco.

    (recomeça entretanto a segunda parte)

    Volto a confessar – segunda confissão na mesma crónica (bom seria que outras pessoas sobre outros assuntos mais prementes e relevantes para a democracia portuguesa confessassem também, mas não a um padre para evitar o segredo da confissão) – que estou hoje pouco animado e esperançado neste jogo. Cheira a fim de ciclo e ao início de um período nebuloso para as hostes benfiquistas. Se isto não se endireita, prevejo que, esgotados os dois dérbis, até ao fim do campeonato vai isto andar em meia-casa.

    (Deus existe e é benfiquista, embora com limitações, porquanto não conseguindo que o Musa dê uma para a caixa, sempre permite que o sportinguista Gonçalo Inácio se permita a levar o segundo amarelo, e a sair para o banho mais cedo)

    Mesmo contra 10, o meu ânimo não é muito. Nem me apetece escrever, a bem da verdade. Fico a assistir a uns minutos de jogo sem escrever para ver a reacção do Benfica à superioridade numérica, mas nada: nenhum lampejo. Olho para a cobertura para ver se há ali uma nesga para uma intervenção divina.

    Enfim, para compor a crónica, recorro ao Tiago Franco, também aqui presente, mas na bancada defronte (BTV). Escreve ele no Facebook não ser “um génio da estatística”, mas que está “em condições de afirmar que o João Mário perdeu todas, repito todas, as bolas que disputou”, sendo assim “o principal municiador do contra-ataque lagarto. Alguma teria que entrar.” E acrescenta que “no terceiro anel, qualquer pessoa com dois olhos percebe que o jogo termina nas alas. João Mário é menos um e Di Maria, hoje, também. Florentino está reduzido a passes de cinco metros e João Neves joga sozinho contra o meio-campo do Sporting (e por incrível que pareça, chega)”.

    Ainda diz que “o jogo está a pedir Tiago Gouveia e [Gonçalo] Guedes por troca com João Mario e Di Maria. Agora, já, não aos 83 minutos. O jogo também pedia um treinador no banco do Benfica, mas não entremos em extravagâncias”.

    Em corrosivo post scriptum, adita, por fim, que “com o Sporting reduzido a 10 e mais espaço para jogar, [Roger Schmidt] deixa o Guedes e o Gouveia no banco e mete o Tengstedt, o maior manco que chegou à Luz depois do Pringle. Se isto não é justa causa para o despedimento, não sei o que será”.

    E não escrevendo eu tão bem como ele sobre matérias futebolísticas, concedo que tenha razão.

    (concedo o caraças! Golo do menino João Neves, ao quarto minuto dos descontos. Ufa,ufa, ufa!)

    Acho que devia retirar tudo o que o Tiago escreveu, até porque me informa ter saído do estádio, envergonhado, ainda antes dos descontos… Um incréu! Mas, enfim, eis o problema de uma crónica em directo: os seus comentários despacharam-me umas boas linhas, que agora teria de substituir. Além disso, o golo do miúdo Neves não muda um triste desempenho. Um empate do Benfica, ainda mais na Luz, sabe sempre a pouco, ó Roger! Como se fosse uma derrota…

    (GOLOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!! MILAGREEEEEEEE!!!!)

    Ai coração! Tive de censurar uns palavrões… Marcou fora de jogo o fiscal-de-linha. Não pode ser!… Espera, o Soares Dias em conversações com o VAR… ai ai ai ai, tu queres lá ver que o VAR vai ver melhor?

    (GOLOOOOOOOOOOOOOOOOO!!! É mesmo golo. Deus existe. Existe porque escolheu o ‘manco’ dinamarquês Tengstedt para revelar mais um milagre)

    Tiago, estás despedido! De comentador de futebol daqui da Varanda da Luz, só, claro! Mas já te serviu não teres assistido à maior reviravolta dos tempos recentes. Roger é, afinal, grande! Ou Deus, talvez.

    Vou desandar. Prefiro as minhas investigações jornalísticas…

  • Casa Pia 1.1

    Casa Pia 1.1


    Algo transformar-se, no decurso do tique-taque do universo, num clássico não é, na verdade, necessariamente positivo. Por exemplo, o farnel com que sou presenteado nas minhas visitas à Varanda da Luz, para escrever esta crónica, é chapa-três: baguette, barrita de cereais, peça de fruta e água ou sumo. Hoje foi água. Não me estou a queixar, apenas a constatar que tem sido sempre a mesma ementa, qualquer que seja o jogo, Porto ou Casa Pia – ou seja, sempre a mesma coisa quer nos jogos mais fáceis quer nos jogos mais difíceis. Por esta ordem.

    Eu estou verdadeiramente confiante que, com o tal tique-taque em curso, discorrendo o tempo, a realidade ilumine o córtex, os lobos temporal, parietal e occipital, os gânglios de base e o corpo caloso, mesmo dos mais cépticos e crédulos, incluindo os adversários do Benfica, de sorte que a todos assim fique patente a minha capacidade de talismã – ou seja, estando eu na Varanda da Luz, sai sempre vitória…

    (nem de propósito, esvoaça a águia Vitória, não sei se com reforço alimentar)

    … e que, provando-se isso, e quero que seja com critérios objectivos, revistos pelos pares, comecem a ofertar-me acepipes a preceito, a saber: caviar de beluga ou sevruga do Mar Cáspio, foie gras Mont d’Or, salmão defumado escocês, que o da Noruega dá-me azia, e uns queijinhos Roquefort, Gruyère e Parmigiano-Reggiano; e para molhar o bico, talvez um Dom Pérignon e um Moët & Chandon, para não ser demasiado exigente, e talvez também um Bordeuax à falta de um Château Mouton-Rothschild. Dispenso uísque e bourbon.

    (entretanto, começa o jogo… Di Maria no banco, Arthur Cabral como terceiro central do Casa Pia)

    Já estou a imaginar os leitores, incrédulos, aqueles poucos que acompanham futebol (e fazem muito bem): então, mas o Benfica já não vai em quatro derrotas esta época em jogos oficiais? Claro que vai! Uma desgraça… Ainda mais porque bem perdidos, porque muito mal jogados… Mas eu nunca assisti ao vivo a nenhuma desses desaires, nem àquelas duas que já ali em baixo sucederam, no caseiro gramado, onde, aliás, se desenrola um jogo de passes falhados e pouca objectividade.

    (objectividade: lá estou eu com os jargões futebolísticos)

    Portanto, não vi a derrota no Boavista, em Agosto, nem as derrotas contra o Salzburgo, em Setembro, e em Milão, contra o Inter, e nem sequer a derrota desta semana contra a Real Sociedad. Comigo aqui sentadinho, a escrevinhar bitates, só vitórias… E assim se escreverá daqui a cerca de uma hora… Espero, senão desespero.

    (vamos lá ver se não me estatelo com esta minha decisão de hoje dissertar sobre ser eu um porta-sorte para o Benfica… ali em baixo, o jogo já vai nos 38 minutos, e, apesar de umas boas oportunidades, falta-nos um Gonçalo Ramos, ou um Félix do Barça)

    Está, de facto, o intervalo a chegar – e eu a ver isto mal encaminhado…

    (goloooooooo… chiça, estava difícil… ainda por cima, um remate de belo efeito, mais um jargão, do João Mário, que nos jogos mais recentes andava que metia nojo)

    Ufa! Agora que estou mais calmo – e a vitória se começa a desenhar –, vou revelar porque estava, e estou, tão confiante, pelo menos neste jogo em concreto, sobre a minha presença nesta Catedral manter a invencibilidade, melhor ainda, ser-se invicto. Hm! invicto, não! Isso faz lembrar a coragem do Porto nas Guerras Liberais do século XIX, e agora estamos no século XXI e quem fala de Porto numa crónica futebolística, logo se remete para o Futebol Clube do Porto, que aqui na Luz deu, há umas poucas semanas, menos trabalho do que este Casa Pia. Fiquemo-nos, enfim, por imbatível.

    (entretanto, lá temos a segunda parte a começar)

    A confiança provém, na verdade, da Estatística que, no futebol, não ganha golos mas é um ‘posto’…

    (merda! O Florentino a fazer porcaria com uma rasteira clássica dentro da grande área; nesta nem VAR é preciso, que até eu míope daqui de cima vi… E estava eu confiante… esqueço-me da existência de jogadores com paragens cerebrais… ai… ai… ai… GRANDA DEFESA DO Trubin!!! Como se chamava mesmo aquele grego que foi recambiado para o Nottingham Forest?)

    Portanto, continuando isto em versão Casa Pia 1.0, expliquemos que, pela Estatística, o Benfica tem 100% de probabilidades de vencer este jogo…

    (Jesus! Maria! José! Isto hoje vai ser só sobressaltos. Mais uma grande intervenção do Trubin)

    Repitamos, que já me estou a irritar: o Benfica já antes defrontou o Casa Pia por 11 vezes, embora apenas três vezes neste século. Não interessa: sempre vitórias, sendo que a duas últimas foram na época passada e a mais recente em Fevereiro passado, com um seco 3-0. Presumo, pelo andar da carruagem, mesmo se agora entrou o Di Maria, que isto chegue a esse patamar sequer. E não vai ser, desta vez, que trucidamos com um 10-1, como as águias fizeram aos pobres casapianos no longínquo 16 de Abril de 1939, pouco mais de quatro meses antes de Hitler invadir a Polónia…

    (e agora se não se importam, interrompo isto um bocadinho, para dar uma olhadela mais atenta ao jogo, e começar a paginar, que hoje ainda tenho de ir a um jantar e discursar sobre liberdade de expressão, informação e jornalismo)

    Faltam 15 minutos, e agora já só me interessa a vitória, para manter a esperança no ‘meu’ beluga no saquinho do farnel….

    (e lá se vai o beluga… depois de fazer excelentes defesas, incluindo um penalty, o Trubin leva com um remate defensável por baixo da ‘rata’… Regressa Vlachodimos, que estás perdoado!)

    Enfim, faltam sete minutos até aos 90, e já que a Estatística não resolve, e nem os jogadores, e muito menos o Schmidt, comecemos a ter Fé… num milagre.

    (entretanto, sete minutos de desconto para que Deus Nosso Senhor tenha piedade do Benfica, mesmo se o adversário é o Casa Pia)

    Não houve milagres…

    Sai um coro de assobios para a mesa do Roger Schmidt e jogadores, à conta de um péssimo jogo com pior resultado. Mas têm a minha promessa de regresso no próximo jogo, com direito, espero, ao farnel habitual… que está sempre muito saboroso e aconchega, diga-se. Parafraseando Ilsa Lund, interpretada por Ingrid Bergman no filme Casablanca, aqui na Varanda da Luz, mesmo com maus resultados, “we’ll always have baguette“…

  • Futebol Clube do Porto 1.0

    Futebol Clube do Porto 1.0


    Vislumbro – melhor dizendo, até diviso – relevantes vantagens de se ser cronista. De futebol ou de outra qualquer coisa, mas neste caso falo nas belas-artes de matraquear bitaites sobre bola, que ademais nem sequer têm de ser sobre tácticas e incidências, sobre os quais agora me agarro por desfastio, descontração e descompressão.

    Por exemplo, por uma crónica futebolística, se eu meter o Lagardère (não é a Lagarde) no meio do título, para caracterizar uma forma destemida e irresponsável de gestão do jogo pelo árbitro, certamente não terei uma queixa na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) nem outra a ser tratada pelo Provedor do Adepto do Rio Ave, que por uma daquelas circunstâncias infelizes preside também ao  Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) e, como a vida é feita de engulhos, há jovens que ainda o têm como professor.

    Por outro lado, presumo que, mesmo vindo a escrever de forma desfavorável sobre um qualquer agente desportivo, e venha ele a ser alvo de um inquérito disciplinar, não fará certamente como o Dr. Filipe Froes que por ter sido visado num inquérito disciplinar pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), no decurso de notícias em outros jornais, veio aos autos acusar-me de ser eu um dos “jornalistas negacionistas difamadores”, e daí difama-me, a despropósito, incluindo no seu processo uma queixa contra mim na ERC, estúpida e ridiculamente apresentada por ele próprio, e ainda, não satisfeito, um vergonhoso parecer do CD-SJ que vale tanto como quem o pariu: nada. Nem chegou a ser um aborto; saiu de lá o produto de uma gravidez histérica… Isto está tudo ligado – sou eu a dizer, que nem sequer sou de teorias da conspiração.

    Falemos de bola.

    (entretanto, lá começou o jogo; ambiente fantástico, mas o estádio não está lotado, pelo menos vislumbro, ou diviso, umas clareiras, sobretudo atrás da baliza do lado sul)

    Mas, já agora, a grandíssima vantagem de se ser cronista é aqui poder prescindir de certos princípios de isenção e eliminar exigências de credulidade, e daí, mesmo num escrito que será apenas publicado ao fim de 90 minutos – mais os 20 prováveis minutos de acréscimo que o Futebol Clube do Porto necessitar se lhe estiver a correr mal a vida –, poder usar, e até abusar, de uma certa linguagem mais criativa. E também me socorrerei de fontes anónimas, das mais suspeitas, como convém a uma crónica pouco objectiva e mais recreativa.

    (os very lights já estão a fazer das suas, e daqui da Varanda da Luz, uma fumaça das diabos enevoa o relvado; lá em baixo, jogo repartido, mas ainda não tive grande tempo para olhar o gramado)

    Portanto, tenho desde já que antecipar que, por fontes anónimas mas conhecedoras dos meandros mais esotéricos, me foi garantido que isto hoje vai dar para o torto.

    (não vão acreditar em mim, mas estava a escrever a palavra “torto” e o Fábio Cardoso dá uma sarrafada no David Neres, que se escapulia pela ala esquerda: directo para o balneário. O Cardoso, não o Neres, porque este recuperou. Estranho que em quatro minutos de sururu o Sérgio Conceição se mantenha no banco… O Porto já está a ganhar 1-0 em cartões vermelhos… Entretanto, livre sem perigo)

    Mas qual a razão de eu antecipar, por via das minhas fontes esotéricas, que isto – leia-se, jogo – vai dar para o torto, quando nem sequer terminou o primeiro quarto do jogo (ou o primeiro quinto, se estimarmos já os prováveis descontos à Porto)? E mais ainda: sem estar o Pepe a jogar?

    Por ser Lua cheia. Ainda mais uma super-Lua cheia, a última do ano, como bem avisa o sempre atento Público, mais rigoroso em assuntos astrológicos – ou astrais ou astronómicos, eu sei lá, para eles deve ser o mesmo – do que a quantificar verdadeiramente os desperdícios financeiros dos negócios das vacinas.

    Bem sei não ser conveniente a um jornal sério, e defensor da Ciência, como se arroga o PÁGINA UM, alegar agora com questões astronómicas, às quais estão também associadas assuntos da Astrologia – embora, hélas, o nosso Galileu Galilei até foi, além de tudo aquilo que se sabe, um profundo estudioso dessas matérias ditas esotéricas, sendo famosas as cartas astrológicas que delineou para as suas filhas e muitos poderosos.

    (ui, isto está mesmo a ficar lindo… Rafa a meter o turbo, pelo lado direito, uma alegada sarrafada de David Carmo, que corta um possível isolamento. O árbitro dá apenas amarelo; é chamado pelo VAR para possível vermelho. João Pinheiro mantém a decisão, mas dá outro amarelo a Taremi por protestos; temos assunto para a semana nas tertúlias futebolísticas)

    Enfim, já nem vale a pena estar a fazer previsões sobre o caldo entornado, porque agora já só falta o Benfica marcar um golo…

    (e ia sendo um, chuto em esforço de David Neres ao lado, com Rafa a estorvar)

    … para que tudo fique num pandemónio.

    Neste momento, em abono da verdade, já só espero que não se comprove as “previsões” do cronista do PÁGINA UM, Diogo Cabrita, que no Facebook ainda agora vaticinou: “O meu sonho agora era: jogo quezílento, três vermelhos, estádio da Luz interdito por very lights, Sérgio Conceição três jogos de suspensão, resultado final dois a dois, adeptos dos dois lados tristes, frango do ucraniano…”

    (intervalo… ah, entretanto, lembram-se da última crónica sobre o fresquinho de Setembro, que convidava a trazer um casaquinho da próxima vez? Assim fiz: está um calor de ananases!)

    Entretanto, entre descer esta Varanda da Luz, de onde vos escrevo e o reabastecimento de água, passa-se o intervalo, Então ‘amlá ver‘ – como o nosso cronista Tiago Franco, indefectível benfiquista diz que o António Costa fala – esta segunda parte… Ou isto anima ou vou ter de encontrar tema paralelo para dissertar… Vou dar uns minutos, entre pôr o olho no relvado, onde o Benfica porfia poucochinho, e as fotos que vou seleccionar, entre as quais um muro das lamentações em redor da estação de metropolitano do Alto dos Moinhos, onde um montão de benfiquistas se foi lamentar, fisiologicamente falando, de ser humano. Em pé, claro…

    (já agora, sobre os meus colegas de varanda de hoje, isto é, os da bancada de imprensa, tudo muito calmo e contido. E o Benfica a começar a perder oportunidades, agora mesmo foi o Otamendi a rematar para fora sem oposição, às tantas a recordar-se dos cortes defensivos quando estava no Porto; e antes disso, o Diogo Costa a fazer uma excelente mancha a remate subtil de Neres)

    Enfim, ou isto melhora, ou vai haver noite desagradável, e não é por ser eu benfiquista, que somente satisfeito se fica com uma vitória, ainda mais sobre o grande rival. Digo isto porque, enfim, vivendo um benfiquista com uma portista, mesmo se ma non troppo

    (e pronto: goloooooo! Di Maria! Grande regresso. O homem está a fazer aquele percurso do bom filho à casa retorna…. Agora é que isto vai aquecer. Imaginemos a cabeça do Sérgio Conceição… Ouve-se pirotecnia; o que significa que a Liga esfrega as mãos com a multa a aplicar ao Benfica; talvez devesse ser como noutros países para haver mais controlo de entradas)

    Esta crónica está a ficar mesmo gira, pelo menos para mim, porquanto se começo a dissertar sobre um tema, sucede algo que muda o rumo.

    (entretanto, mais uma “boa” intervenção do Otamendi: remate isolado na grande área, depois de uma jogada de canto estudada, mas para cima. Com o Otamendi, como há uns anos, a baliza do Porto fica segura!)

    Queria eu dizer que, coabitando benfiquista com portista – um escândalo o wokismo não defender que eu seja benfiquistO e um homem como o Luís Gomes não seja um portistO; a sociedade tem muito a evoluir… – nunca um empate, parecendo um dividir o mal pelas aldeias, é um bom desfecho. Um empate vale sempre como derrota, pelo que haja sempre um vencedor, e fé em Deus para não irritar em demasia o perdedor…

    (entretanto, três substituições em simultâneo do Benfica ao minuto 84, incluindo Di Maria para a ovação, e Roger Schmidt a congeminar estratégia de contenção para os últimos 30 minutos de jogo…)

    Veremos entretanto como será a minha recepção caseira depois dos 96 minutos (deram só seis minutos… mais um escândalo que alimentará debates pela semana), se janto, na verdade, porquanto a porção do farnel do Benfica aos jornalistas se esfumou sem se perder a esfaima.

    (e pronto, antes de acabar, o Francisco Conceição dá uma cuzada em pleno ar contra o Otamendi… foi cómico, porque o filho do Sérgio Conceição tem um metro e setenta, enquanto o brutamontes do Otamendi, que lhe mandou beijinhos em troca, um metro e oitenta e três. Serenou tudo; afinal não se confirmaram os prognósticos da super-Lua cheia)

    E pronto: סליתא וסליתא – está consumado. Giro: o WordPress aceita caracteres de aramaico.

    (e a equipa do Futebol Clube do Porto lá foi fazer o seu número de provocação, com gritos de união, junto às claques do Benfica; coro normal de assobios e vaias dos adeptos benfiquistas, muito teatro, mas eu até compreendo os jogadores e equipa técnica do FCP: os assobios dos nossos antagonistas, mesmo quando parecemos derrotados, são o que nos dá força para continuar… portanto, força, Porto: queremos ganhar-vos na segunda volta, convosco fortes, mas, claro, atrás de nós na classificação. Como agora justamente estão…)

    Tenham todos uma boa noite. Mesmo os portistas. E sobretudo os portistas. E sobretudo um aviso: isto é só um jogo; coisas a sério é aquilo que vou escrevendo durante os dias da semana… Não levem tão a sério o futebol.

  • O PÁGINA UM foi à bola… e conta como foi

    O PÁGINA UM foi à bola… e conta como foi


    Por um dia, pelo menos por um dia (vamos ver se não me habituo mal) vale bem a pena ser jornalista desportivo, sabendo-se que, para minha felicidade, sou o director do periódico para onde trabalho (PÁGINA UM), e não me impus nenhum planeamento nem horário de publicação.

    Ademais, sabendo não ser o futebol o nosso core business – por muitas caneladas que ande a apanhar, por muitos golos que marque nas balizas adversárias, por muito que seja o entusiasmo das minhas hostes (leia-se leitores) para enfrentar manobras de bastidores e golpes de secretaria. Tudo isto com um único doping: os apoios dos leitores.

    Enfim, primeira vantagem de se ser jornalista desportivo: não tive de ir apanhar filas nem acordar pela manhã da terça-feira da passada semana para tentar, como sócio, comprar um bilhete no site do clube. Para felicidade, tive a ideia de escrever uma crónica em pleno Estádio da Luz, solicitando acreditação, fazendo assim “passar” por jornalista desportivo – sonho de criança apanhado quando, pela rádio, ouvia os relatos de Artur Agostinho e Ribeiro Cristóvão, para assim imaginar como teriam sido os golos antes de ver, muito mais tarde, os resumos na televisão sob a batuta do Mário Zambujal.

    (onde já vão os tempos do Artur Agostinho, do Ribeiro Cristóvão e do Mário Zambujal [e já agora do saudoso Rui Tovar, que tem um filho que agora ainda é mais refinado no saber, e também do inigualável Gabriel Alves… estou a ficar velho]… ah, e se a memória não me falha, o sonho de relatador desvaneceu-se no tempo das rádios piratas, após testar os meus dotes: um desastre – nunca fixo bem nomes, a voz nunca se mostrou muito sincronizada para as ondas hertzianas radiofónicas e a eloquência ritmada, por força da juvenil timidez, também não serviu de alento)

    Corrijo-me (que não é apenas o António Costa a corrigir-se): é errado, e até deontologicamente censurável, eu dizer que me fiz passar por jornalista desportivo, pois pode soar a (des)qualificativo. Todo o cuidado é pouco, e declaro aqui haver somente dois tipos de jornalistas – os bons e os maus. Além disso, não quero aqui usurpar funções nem escrever nada que possa ser interpretado como depreciativo, e vai daí lá tenho o senhor juiz da ERC a chatear-me, a senhora jurista “de mérito” da CCPJ a azucrinar-me e os anónimos senhores do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas a quererem tramar-me.

    (entretanto, Gonçalo Ramos marca aos 7 minutos, de cabeça, ao segundo poste, num cruzamento clássico de Bah pela direita. Euforia nas bancadas. Não sei se ainda cheguei a levantar o braço esquerdo, como acto involuntário (deontologia obligé); talvez não: estava a escrever esta crónica)

    Enfim, recebida a acreditação, o habitual: apanhar metro na Baixa-Chiado, com as escadas habitualmente avariadas (incrível como a administração do Metropolitano de Lisboa insiste, qualquer que seja a equipa, pensa que nos convence das suas capacidades de gestão de um meio de transporte quando nem o raio de umas escadas rolantes mete a rolar sem interrupções constantes), e sair no Alto dos Moinhos. Um mar de gente – soa a lugar-comum, bem sei. Muito vermelho, como convém e se esperava. Até aqui nada surpreendente para um adepto – pouco assíduo desde os tempos de pandemia.

    Apesar da turba encarnada, mas ordeira por serem do mesmo “rebanho” (que o Estádio da Luz costuma ser um bom redil, este é dos bons, apesar de por cá já terem passado pessoas que bem mereciam estar atrás de grades), atravessar a ponte de acesso ao recinto, através do Alto do Moinhos, deu logo para perceber que seria dramático que houvesse uma surpresa: a derrota do Benfica contra o último (e já condenado à despromoção), o Santa Clara, que também anda de águia no emblema. Alguém perguntar a um daqueles vestidos a rigor (eu não estive assim) se temia alguma surpresa seria, para um jornalista, acto tão ridiculamente idiota como questionar um desafortunado sobre o que sente depois de um tsunami lhe levar a casa.

    Acreditação recolhida, o rookie do jornalismo desportivo andou um pouco às aranhas, e teve de perguntar a um assistente por onde raio andava o elevador para subir do piso -2 para o terceiro na porta 30. Pior ainda quando, já no piso correcto de acesso à bancada central, um steward lhe entrega uma senha de refeição para ir levantar, que a fome pode apertar. Quer dizer, para sacar um pequeno farnel. Não sabia eu que havia e que se recolhia no bar.

    O melhor, nestas coisas, quando se é rookie é ser uma “Maria vai com as outras”: segue-se um tipo com uma acreditação de jornalista e faz-se o que ele faz. Enfim, foi assim que aprendi a ser jornalista nos anos 90, vindo de um curso, Engenharia, onde se fica com a fama, e amiúde o proveito, de escrever mal. Da próxima já sei como se faz e até ajudo quem não saiba.

    Mesmo depois disto, não soube ao certo ainda onde era a tribuna da imprensa. Quem tem boca chega a Roma, e lá cheguei, às tribunas, não a Roma, quase ao nível do Terceiro Anel do antigo estádio, mas neste, mesmo no topo, fica-se com uma visão fenomenal.

    Ainda bem que vim cedo. Aconcheguei-me numa das vastas mesas corridas, muito espaço, puxei computador, e o lanchezinho, a saber: um Compal de laranja do Algarve, uma maçã, uma barrinha de cereais e uma baguete de cereais com paio, queijo cheddar e espinafres; nada mau, embora fosse preferível uma cerveja preta e uns tremoços ali no Café da D. Lina.

    (aos 28 minutos, Rafa marca, em contra-ataque, com a sua habitual mas eficaz sorte; o remate ressalta num defesa; se assim não fosse o guarda-redes do Santa Clara apanharia a bola, pois o chuto saiu atabalhoado).

    Enquanto escrevo a crónica – ou o que se quiser chamar a isto que vos apresento –, fico a pensar que, se calhar, ser jornalista desportivo somente será interessante para quem, na verdade, não o é. Ponho-me aqui a cogitar, em simultâneo a um jogo que ali em baixo decorre molemente, que, de facto, se me enviassem aqui para escrever mesmo sobre as incidências do jogo, eu estava feito. Não conheço nem um dos jogadores do Santa Clara. Não sei sequer o nome do guarda-redes (agora já sei, chama-se Gabriel Batista, brasileiro de 24 anos, fui ali ao site do Record), e além disso, daqui de onde escrevinho, por força (ou impedimento; não no sentido de fora-de-jogo do português do Brasil) da minha miopia e astigmatismo, tenho até dificuldades de reconhecer os números das camisolas dos jogadores.

    (Um relato de futebol feito por um míope arrisca a ser uma ficção… Lá teria eu a CCPJ, a ERC e o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas à perna, ou a morderem-me as canelas)

    Além de todas estas lacunas, físicas e talvez de outra índole, não tenho conhecimentos suficientes da Ciência Ludopédica para dissertar sobre os esquemas tácticos do Roger Schmidt, e já é uma sorte saber pronunciar o nome do Odisseas Vlachodimos (porque já está por aqui há uns anos, embora ainda não saiba falar português, porque parece que, para ele, o português é pior do que grego), e nem sequer sei muito bem soletrar a nominata do Aursnes, compatriota do secretário-geral da NATO, quanto mais opinar sobre a sua polivalência.

    (entretanto, a primeira parte terminou, seguiu-se o intervalo, e já o Grimaldo marcou o seu penalti aos 60 minutos, depois do VAR assinalar mão na bola de um jogador do Santa Clara, não me perguntem quem, pois teria de ir ver. Aviso já que vi o penalti ser concretizado seis segundos antes de vocês verem a bola entrar na baliza, pela televisão; vantagens de se estar no estádio)

    Na segunda parte, não se joga nem nada se vê de bola; só se faz festa rija, com petardos, luzes e cânticos. Talvez desde o primeiro golo do Gonçalo Ramos se sente um clima de festa, eliminados em definitivo os fantasmas que sobrevoaram um campeonato que pareceu, em certa fase da época, um passeio, mas que teve ali umas jornadas em que se andou a chamar pelo tio…

    Na tribuna da imprensa, tudo calmo. Não conheço ninguém, a bem dizer. Há uns que serão de rádio – embora as transmissões e relatos sejam feitas noutro nível. Outros da imprensa, mas alguns não estão a escrever nada. Sinto-me, a bem dizer, um ET, o que acho a melhor forma de se ser jornalista, porque me foco apenas na observação.

    (última substituição, com a entrada de Samuel Soares, um jovem guarda-redes negro de 20 anos; pelas ovações que recebeu, e sempre que tocou na bola, espera-se que seja mais acarinhado do que Neno e sobretudo Bruno Varela)

    Apito final.

    Canta-se e dança-se ao ritmo de música techno, enquanto, em baixo, jogadores, equipa técnica e dirigentes celebram. Posso garantir-vos que a estrutura do Estádio da Luz foi bem pensada, e feita para aguentar um terramoto: abana mas não cai. E “o campeão voltou”, grita-se em uníssono.

    Mais de meia hora depois do apito final, poucos arredaram os pés das bancadas, aguardando ainda pelo regresso dos jogadores para mais festejos. Já passam das 21 horas e prepara-se o relvado para nova recepção depois do banho tomado.

    Estiveram aqui, segundo informações do speaker, 64.012 pessoas. Não sei se contaram comigo; talvez não, porque não sou adepto, porque supostamente estou aqui como jornalista imparcial e independente, bastando-me o disclaimer.

    (se calhar, para demonstrar verdadeira independência, teria de ter conhecimento de algum escândalo do Benfica para depois noticiar… assim é que se prova a independência; não é com declarações e bateres no peito)

    Depois de tudo isto, segue-se o Marquês de Pombal, onde a Feira do Livro teve, enfim, de fechar portas mais cedo por causa dos festejos dos benfiquistas.

    (estou agora a recordar que, em 2010, tive de adiar o lançamento do meu romance “Corja Maldita”, por razões ponderosas: o Benfica jogava o seu derradeiro jogo também no Estádio da Luz contra o Rio Ave; de quando em vez, a Cultura pode esperar, mas não demasiado).

    Por mim, bastou por agora a experiência. Fico-me por casa, a descansar e a divertir-me em família, enquanto também penso como ultimar uma reportagem sobre os meandros da promiscuidade entre a indústria farmacêutica, certas sociedades médicas (e médicos) e a imprensa.

    (às 20h34, o Rui Costa, presidente do Benfica, compromete-me a isenção, enviando-me o seguinte SMS: “Parabéns Pedro! Somos Campeões! Esta conquista é dos Sócios. Obrigado por fazeres parte desta grande família. Parabéns a todos nós! Viva o SL Benfica!”… Ó Rui, ó pá, não me lixes com estas intimidades… olha que já tenho os reguladores à perna por menos)

  • Vitória de Guimarães 4.0

    Vitória de Guimarães 4.0


    A experiência é um posto – um lugar-comum que, vistas as coisas como são, se usa (o lugar-comum) por isso mesmo: por se aplicar em muitos casos, e ainda melhor no caso em apreço deste cronista, eu, que, ainda esta tarde, munido da experiência, andei à caça dos abusos em ajustes directos em contratos públicos, e agora aqui estou, muito célere na viagem, graças à experiência, de já saber todos os ritos, neste preciso momento, a ver a aquilina Vitória (que já foi buzzard) esvoaçando.

    Sinal, portanto, de chegada bem antes do apito inicial, e sem ter de encetar jornada duas horas antes para compensar percalços e engulhos. Ou seja, já calejado pela experiência anterior, mais lesto e em passo decidido me vi, e mais quem quis ver (que deve ter sido só os seguranças), assomar à tribuna de imprensa, não direi em apoteose, mas já munido do corriqueiro e usual, mas mesmo assim aconchegante, lanchezinho para recuperar as energias derretidas nas escadarias. Não tive de descer para o ir buscar como há duas semanas, que me esquecera de pedir a senha.

    Mas nem me estava muito a lembrar de experiências deste jaez; nesta minha novel e nobre função de cronista da bola tenho ainda muito a aprender, a saber: trazer um casaquinho a partir de Setembro, que aqui na Varanda da Luz, ventando, já faz um fresquinho incómodo…

    (entretanto, começa o jogo; podem ver a concorrência para conhecerem as formações iniciais das equipas…)

    Na verdade, falava mais na “bagagem” que trouxe, na mochila, para tema a propósito, ou ter um tema de propósito: sendo a peleja contra Vitória Sport Clube, achei que poderia haver algum alinhamento favorável, não sei bem a quê, se trouxesse o livro saído do prelo e dado sogrinha mesmo à estampa pela Kathartika, uma editora de Guimarães, sobre um certo espanhol do mundo de futebol vítima de alopecia totalis.

    (ai, ai, ai, ai, que o Vitória quase marcava… bola ao poste; estivesse o Vlachodimos na baliza e com o azar do grego seria golo, e o Roger Schmidt culpá-lo-ia da abébia do defesa benfiquista… e às tantas ainda era golo.

    Entretanto, como não posso estar a interromper a escrita em cada parágrafo, acrescento só agora que, minutos atrás, o Di Maria quis fazer um chapéu ao Bruno Varela, mais outro antigo guarda-redes do Benfica algo maltratado, mas saiu-lhe copa baixa).

    Retomando a meada ao fio. Não, não estou a falar do famigerado ou facinoroso Luis Rubiales, mas sim do mais comedido e discreto Roberto Martínez, o agora seleccionador português de quem sei muito pouco, ou quase nada, a não ser que fora um mediano médio do Wigan, e de outros clubes secundários das Terras de Sua Majestade, antes de enveredar pela carreira de treinador da Bélgica, e nos ter eliminado no Europeu de 2020, que afinal foi no ano seguinte. Enfim, estranho mundo da Ludopédia, onde se contratam os generais que outrora nos derrotaram os sonhos…   

    (Goloooo… caraças, grande trivela do Di Maria, e excelente cabeçada de Jorge Fernandes, cuja folha salarial ainda por cima não é assinada pelo Rui Costa mas sim pelo presidente do Vitória de Guimarães, que não sei quem é [fui ver: chama-se António Miguel Cardoso; eu desde o filósofo Pimenta “o que hoje é verdade, amanhã é mentira” Machado que pouco sei das lideranças vimaranenses)

    Tenho a insuspeita esperança de não ter tempo de dar uma leitura ou folheadela nesta biografia do espanhol, escrita por um jornalista belga (Benoit Delhauteur), mesmo se adianto que, por curiosidade, já vi que tem bonecos (fotos) e que termina na actualidade, porquanto fala no CR7, e garante já que Portugal está apurado e que, por isso, aparentemente o jogo da próxima na Eslováquia será a feijões. “Marquemos então encontro para assistir ao episódio seguinte da saga, na Alemanha, onde terá lugar o próximo Campeonato da Europa, em 2024” – esta é a derradeira frase…

    (tenho um feeling que não vou ter tempo, porque entretanto um [imprudente] golpe de artes marciais do João Mendes sobre o Otamendi, com o competente cartão vermelho subsequente, leva-me a pensar que isto hoje vai ser mais fácil do que as três vitórias do Vitória nas três primeiras jornadas do campeonato poderiam pressagiar)

    Até porque, na verdade, trazia aqui preparado um discurso sobre treinadores espanhóis que, no caso do Benfica, não trazem boas memórias: José António Camacho, que andou por aqui duas épocas há duas décadas, não conseguindo melhor do que o segundo lugar na Liga – o que para um benfiquista que se preze é um rotundo fracasso –, e Quique Flores, que, em 2008-2009, melhor não fez, com um triste terceiro lugar, apesar do então apoio da Orsi Fehér

    (olha, dito e feito: golo do Di Maria. Isto promete ser jogo fácil, até porque, enfim, mesmo em ritmo pouco intenso [isto sou eu aqui a dizer, refastelado numa cadeira], o Benfica está agora a jogar bem, com bom entrosamento [caramba, já escrevo futebolês à segunda crónica] e objectividade)

    Diga-se, também, que o Porto teve os “seus” espanhóis: estava aqui a pesquisar, na memória e na Internet, e apanho o Víctor Fernández, na época de 2004-2005, e sobretudo o Julen Lopetegui, entre 2014 e 2016, que deveria ter ficado mais anos para maior felicidade do Jorge Jesus aqui na Luz.

    Confesso que sou, porém, um optimista, porque, mesmo trazendo algum trabalho feito de casa e alinhavado umas ideias sobre aquilo que seria uma crónica sobre este jogo contra o Vitória, esta se mostra difícil de compor quando se tem de “tener un ojo al gato y otro al garabato” – expressão que melhor fica aqui, não só por andar em castelhanices, mas sobretudo por, desta sorte, evitar o uso do mais problemático “ter um olho no burro e outra no cigano” –, porque as “incidências” até estão a ser agradáveis, e pouco apetece tirar os olhos do relvado.

    (e nem de propósito, o turco Köckü faz um golo de “belo efeito” [estou a ficar lindo, com repetidos idiotismos futebolísticos] ao “fechar do pano” [irra!] já nos descontos, que agora são à meia dúzia, mesmo quando na primeira parte)

    Entretanto, o intervalo sempre serve para ir dando uma mirada no texto já escrito e para sacar incorrecções e gralhas, bem como para complementar um ou outro “apontamento”. E…

    (e… o Aursnes nem me dá tempo para escrever mais um parágrafo para compor melhor a estrutura da crónica, marcando o quarto para o Benfica logo a abrir o segundo tempo. Será hoje o mítico 15 a 0?)

    Isto hoje, de facto, vai ser uma crónica estranha – se é que seria suposto não ser –, o que agrava as expectativas para as seguintes, porque saindo-me mal nesta segunda da presente época, por não conseguir estancar o entusiasmo de lampião por uma noite agradável, acabo por hipotecar as seguintes, porque vou granjear ódios de leitores portistas, sportinguistas – e quiçá, vimaranenses, se forem muitos (acho que não) –, e não demonstro um pingo de equidistância e independência clubística. Ao cuidado da CCPJ e da ERC…

    Que seja! Ganho por 4, ganho por mil.

    Enfim, e logo eu que até estava a pensar, depois de falar mais do livro do Roberto Martínez – ainda por cima com a capa onde se destaca o vermelho e branco, apenas com o dito espanhol com parte da cabeça em perfil –, que ainda teria tempo para abordar a situação financeira do jornal desportivo A Bola, que tem jornalistas e o Sindicato em polvorosa por os novos donos, os suíços da Ringier Sports Media Group, quererem mandar dois terços da força de trabalho para o olho da rua.

    Pudera! A empresa de A Bola está em piores trabalhos do que o Vitória de Guimarães hoje na Luz, e nem sequer vê uma luz salvadora ao fundo do túnel. Pelo que vejo das contas do ano passado (e trouxe os papéis para cotejar o “desastre”), tem um capital próprio negativo de quase 1,7 milhões de euros, contabilizou receitas de 8,6 milhões de euros, e depois gastos de cerca de 3,6 milhões de euros para pessoal e um pouco mais de 3,9 milhões de euros em serviços externos, além de um serviço da dívida (devido ao elevado endividamento) que lhe “comeu” o parco valor positivo dos resultados operacionais. Tem ainda uma dívida ao Estado de 252 mil euros. Já vimos pior, não vimos, Luís Delgado? Já vimos pior, não vimos, Marco Galinha?

    A empresa de A Bola parece uma equipa de futebol português, com a diferença de que a administração de um clube de futebol não despede dois terços dos jogadores esperando que as receitas se mantenham e os lucros venham… Enfim, voltarei ao tema nas páginas normais do PÁGINA UM sobre a situação financeira das empresas de media.

    (depois do quarto golo, tudo mais calmo… vou agora descansar um pouco, e desfrutar da Varanda da Luz, enquanto termino o lanche)

    Entretanto, isto animou aqui para os lados da tribuna da imprensa, ao minuto 76, onde estou rodeado por radialistas, que agora confirmo serem garantidamente de Guimarães, porquanto um atabalhoado golo do Vitória acaba de ser celebrado com um entusiasmo semelhante ao relato de Victor Hugo Morales do “El Gol del Siglo”, com que Maradona sentenciou a vitória da Argentina no Mundial de 1986. Enfim, pena que o resultado já estava no 4 a 0; e 4 a 0 continuará, porque o Nélson da Luz (Luz, caramba!, os astros estão todos ao favor da Luz) meteu mão à bola. Valeu pela foto que tirei ao radialista, que até veste vermelho, e que não parecia tão empenhado a gritar golo quando foram os outros quatro do Benfica. E esses valeram…

    (e, passando o tempo, a acertar mais uns pormenores, um penalti a favor do Benfica; Di Maria já com a bola na mão para facturar o bis… e o VAR anula a decisão. Bolas: era uma mão-cheia hoje)

    Fica para a próxima. E por aqui me fico, que ainda se tem de fazer mais uns acertos e caçar gralhas – e eu nem tenho olhos de águia. E meter isto no site do PÁGINA UM ainda demora uns minutos, e se não me despacho ainda me apagam… a Luz.

    Ah! e a próxima crónica, se não me engano, será com o Futebol Clube do Porto… se me deixarem vir ou se me concederem a devida acreditação.

    As luzes vermelhas, entretanto, ainda continuam acesas, só vejo ali um companheiro em escritas, e eu tenho de regressar a casa para descansar, e estar também com quem desejo estar, que a vida não é só futebol… Digo eu, que não paro de escrever.

  • Os verdes monos de Lisboa: feios, porcos e maus

    Os verdes monos de Lisboa: feios, porcos e maus


    Escrevo num domingo, manhã alta, num dia amplo de luz suave, em que, sobre os telhados da cidade interrompida, o azul do céu sempre inédito fecha no esquecimento a existência misteriosa de astros…“, assim surge Lisboa retratada no Livro do Desassossego, de Bernardo Soares, pseudónimo de Fernando Pessoa.

    E acrescentava o grande poeta: “É domingo em mim também…

    Rua de Santa Catarina (Miradouro do Adamastor).

    E em mim também é domingo. E, por isso, caro leitor, neste azulado dia, dei por mim deambulando por esta Lisboa antiga, com supostos toques de modernidade. Porém, cada vez mais porca. Mais feia. Mais má. E a escrever sobre o que vi. E sobretudo sobre o que senti.

    Confesso que tenho um defeito: embora costume andar muito em nefelibatices, sigo a praxe de escrutinar o chão, ou aquilo que o rodeia, mais do que esticar o nariz para o céu. Mesmo nos dias como os de hoje: lindos de querer mais.

    E, hélas, irrita-me esta Lisboa que me faz sempre recordar o olhar crítico do meu oitocentista amigo Guilherme Centazzi que, no seu romance A alma do justo, publicado em 1861, assim já retratava a capital: “Lisboa, que todos nós estamos vendo, e que os estrangeiros e os vindouros hão-de julgar pelo que lerem… Lisboa (não se faça do preto branco, nem se queira embutir gato por lebre), examinada em globo é uma coisa; em detalhe, é outra. Em globo, ninguém lhe negará aparato, beleza, opulência, grandeza, etc., etc. Em detalhe, de fora para dentro, é tal e qual como esse famigerado siciliano que, no domingo, se paramentava com luzentes vestiduras, sem despir a camisa com que tinha andado a mariscar os anzóis durante a semana. Lisboa, em síntese, é majestosa; em análise, é um covil lastimoso de miséria e lama.

    Eis-me então deambulando hoje por esta Lisboa antiga do século XXI, embora com milhões para limpezas. E que teve mais 614 mil euros em reforço que voaram para uma empresa de trabalho temporário por causa de uma semana de Jornada Mundial da Juventude. Sim, o mesmo município que destinou só para este ano quase 33,8 milhões de euros para a limpeza urbana. Sim, o mesmo município que, em Abril passado, aprovou a transferência de 2,4 milhões de euros até 2025 para as juntas de freguesia da cidade.

    Aliás, é sempre muito instrutivo ler os comunicados do Departamento de Marca e Comunicação da autarquia, que nos custará 2 milhões de euros só este ano. Coisa pouca. Na mesma notícia de finais de Abril, assim catalogam os comunicados, escreve alguém desse departamento que “para responder ao aumento da produção de resíduos, provocados pelo turismo, foram ainda aprovados na reunião os contratos interadministrativos para um aumento das rotinas de limpeza urbana, como o despejo de papeleiras e varredura de vias. Estes contratos totalizam 7,858 milhões de euros para as 24 Juntas de Freguesia.”

    Rua do Almada, Bica.

    E acrescentam ainda que “as Juntas de Freguesia estão na primeira linha de contacto com os lisboetas, verificando as necessidades imediatas nos seus territórios. Neste sentido, há aspetos específicos no setor da higiene urbana, como a recolha de resíduos, que podem ter uma resposta mais rápida e eficaz por parte das juntas.”

    Dinheiro não falta. Aliás, parafraseando Almada Negreiros: “Quando eu nasci, as decisões que hão-de limpar as ruas já estavam todas tomadas, só faltava uma coisa – limpar as ruas.”

    Eu, morador lisboeta desde os idos de 1994, na antiga freguesia de Santa Catarina, agora Misericórdia, tenho vindo a pedir misericórdia para uma cidade decente, com um pingo de estética e aprumo. Veja-se: não se peça demasiado a autarquias, quer sejamos munícipes quer sejamos fregueses.

    Do Governo deve exigir-se mais, muito mais, mas das Câmaras Municipais e das Juntas de Freguesia somente que nos limpem e cuidem do espaço público, e que não chateiem o nosso quotidiano. Na verdade, espera-se deles que, não conseguindo facilitar-nos a vida, pelo menos não a compliquem.

    Rua da Bica de Duarte Belo

    Ora, durante muitos anos, as autarquias de Lisboa (a mastodôntica e as mais pequeninas), pelo menos não complicavam. Mas também os problemas eram menores. A turba turística que surgiu na última década e meia, que nos traz coisas boas, também as trouxe menos agradáveis, sendo a limpeza urbana uma delas.

    Ora, e que fizeram as autarquias alfacinhas perante este novo problema, sabendo também que cobram agora 2 euros diários por cada turista que pernoita. Nas zonas históricas eliminaram em 2019 (salvo erro) a recolha selectiva periódica de recicláveis e a diária de indiferenciados, através de sacos resistentes disponibilizados pelos serviços camarários, e começaram a pespegar, sem nexo e sem qualquer avaliação, contentores verdes, em grande parte “colando” estruturas metálicas em edifícios privados.

    Recordo-me ainda que, na minha rua, e depois de muitas reuniões – era Duarte Cordeiro, actual ministro do Ambiente, o vereador responsável na autarquia por este feito –, queria a Junta da Freguesia da Misericórdia grudar três contentores verdes mesmo ao lado da porta de casa.

    Eu, que nem sou muito sensível a lixos – porque já muito vi, como se pode comprovar em intervenção histórica de 1994, histórica por já estar na RTP Arquivos –, sabia muito bem no que aquilo daria, mesmo a despeito das promessas de limpeza, desinfecções, fumigações, tudo asséptico, e nem sei já bem se me prometeram lavar o rabinho com água de rosas.

    Rua da Emenda, Chiado.

    E, portanto, lá tive eu de arrancar à força de braços, em certo dia de Fevereiro de 2019, as ditas estruturas de metal que me quiseram prender ao meu edifício, que nem sequer era público, e nem autorização pediram ou aviso deram, e entregando-as assim na Junta de Freguesia da Misericórdia, sob competente documento, a ser assinado, à laia de guia de devolução.

    Convém aqui declarar que o “à força de braços” se deveu mais à ainda frescura do cimento, e não tanto aos meus poderes físicos, apesar de ter compreendido melhor a activação emocional do doutor Bruce Banner quando o chateiam…

    A doutora Carla Madeira, a “presidenta da Junta”, bem ameaçou que havia um processo judicial contra mim, mas deve ter dado no mesmo dos dois que o juiz Sebastião Póvoas, ex-presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, me pôs: em água de bacalhau. Ou, se se quiser, deram com os burrinhos na água.

    Bendigo, quase benzendo-me, aquela tarde em que arranquei pela raiz aquelas estruturas, de contrário, estaria agora, e irremediavelmente, com os verdes monos acoplados à porta de minha casa, competindo em desmazelo, feiura e perigo à saúde públicas com os que se espalham nas demais vias de Lisboa antiga, mesmo se vazios de lixo. Na verdade, conspurcados, esventrados e espalhados como quase todos estão, admira-me até que nenhum almeida – atenção, eu sou Almeida! – os varra dali…

    Agora a sério: aquilo que se assiste, ou já nem se nota, tamanho o desleixo, é de uma atroz falta de sentido de serviço público quer da Câmara Municipal de Lisboa e das suas Juntas de Freguesia – neste caso, da Misericórdia.

    Ali nas redondezas de onde vivo, até já dava de barato aceitar a triste ideia, com absoluta ausência de sentido estético, em se colocar ecopontos subterrâneos (mas com a parte metálica bem visível, na parte leste do pequeno largo na desembocadura da Rua de Santa Catarina com a Rua Marechal Saldanha, tendo a norte o restaurante da Associação Nacional das Farmácias, a este o Hotel Verride e a sul o miradouro do Adamastor. Quem foi a aventesma com aquela ideia? Quem foi a criatura que a aprovou?

    Travessa das Mercês, Bairro Alto.

    Ainda mais, colocaram depois, em redor, mais uns famigerados monos verdes. Á volta, e alguns já em cima. Deve ser por alguma combinação que ainda não descortinei.

    Diz o provérbio lusitano que quem torto nasce, nunca ou tarde se endireita. Curiosamente, os brasileiros, aprendi há anos, são menos esperançosos, e dizem que aquilo que torto brota não tem remissão: nunca se endireitará.

    E assim, cá temos, todos têm, as ruas de Lisboa com contentores verdes.

    Quer dizer, verdes ou esverdeados de diversas tonalidades, consoante os grafittis, o verdete, o sujo encardido, e os lixos que escorrem e borbotam.

    Lisboa antiga está, portanto, assim: com uma paisagem de contentores feitos monos. Muitos já sem tampa, outros esventrados, outros tantos deslocados das tais estruturas metálicas. Todos sujos. Muito sujos.

    É certo que não seria suposto a tal água de rosas para lavar contentores, mas o desmazelo é absoluto. As pedras das estradas em derredor, e a calçada dos passeios, enfim, têm agora entranhado não um passado de pés e pneus, mas sim as cores e os odores das águas lixiviantes. Um nojo. Uma vergonha. Um perigo público, sobretudo quando paredes-meias com restaurantes, comércio… e portas de casa. Quem foi que disse mesmo “aqui mora gente”?

    Aquilo que se mostra mais surreal é que, sobretudo na Bica, pouco antes da operação de embutimento (ou embrutecimento) dos contentores nas paredes, a autarquia tinha despendido não sei quanto (mas serão sempre milhões, que tudo o que for inferior não é obra digna de se fazer) a redefinir e pavimentar passeios.

    Travessa da Espera, Bairro Alto.

    Nas zonas históricas, os passeios são agora para os monos verdes, tal como há umas décadas eram para os pneus de carros mal estacionados. Agora como antes, não havendo passeios, os transeuntes – feita palavras, mas que serve para o efeito de jocoso jogo de palavras a uso – transitam por onde o tráfego passa ou passeia. Um salutar convívio.

    E, portanto, por vezes é uma sorte se alguns dos monos se forem perdendo, ou se se retirarem para uma troca nunca mais feita. Sempre se livram os passeios, embora as tais estruturas se mantenham perenes.

    Será talvez interessante classificar como património essas estruturas para que os vindouros se mostrem estupefactos com as burrices cometidas em pleno século XXI. A conservação da estupidez tem uma função didáctica para o futuro.

    Eu não consigo imaginar que Moedas e a sua equipa de vereação andem por Lisboa. Ou um qualquer governante, ou político (e de qualquer quadrante).

    Eu acho que não andam. Não podem andar, e ainda mais num dia como o de hoje, bonito, azul, brilhante, mas com as ruas desmazeladas e os omnipresentes monos sujos, porcos e maus e maltratarem uma cidade que até tem recursos financeiros para se lavar e limpar.

    Rua do Norte, Bairro Alto.

    Vejo na Pordata que Lisboa teve 13.334.237 milhões de dormidas em 2022. Só aqui, em taxas de turismo, Carlos Moedas – sem incluir os munícipes, que pagam taxa de recolha e tratamento de lixos por indexação à conta da água – sacou quase 27 milhões de euros.

    Ora, façamos ainda umas contas para perceber o desafogo autárquico com base no tarifário do serviço de gestão de resíduos urbanos em Lisboa relativo a 2022, composto por tarifas variáveis e tarifas de disponibilidade. Sabendo-se que cada lisboeta, segundo a EPAL, consome 135 litros de água por dia, e que a população da capital é de cerca de 546 mil habitantes, temos então uma receita anual de 4,6 milhões de euros apenas de tarifas variáveis. Considerando a tarifa de disponibilidade, e só contando habitações (cerca de 320 mil), a autarquia encaixa mais quase 8,6 milhões de euros.

    Portanto, só por turistas e habitantes, a Câmara Municipal de Lisboa saca mais de 30 milhões, depreendendo que mais uns quantos milhões surgirão de pagamentos do sector de serviços, sobretudo comércio e restauração.

    Não se diga, portanto, que não há dinheiro para comprar uns esfregões para lavar decentemente, de quando em vez, os tampos dos contentores que, obrigatoriamente, são tocados por quem quer colocar os sacos de lixos nos verdes monos.

    Tantos mil cuidados na pandemia, e estes atentados à saúde pública ao virar de cada esquina… e não só nas esquinas.

    Rua do Diário de Notícias, Bairro Alto.
  • Estrela da Amadora 2.0

    Estrela da Amadora 2.0


    E pensar que esta tarde estive a revelar as promiscuidades do Dr. Filipe Froes e mais as suas 324 colaborações com farmacêuticas desde 2013 e os 453.635,37 euros arrecadados, fora eventuais prebendas não declaradas no Portal da Transparência do Infarmed… e eis-me aqui, agora, no Estádio da Luz, para assistir ao primeiro jogo em casa do Benfica no campeonato de futebol da época da graça de 2023 e 2024. Numa varanda com boa vista.

    (Chiça: boa vista faz lembrar Boavista e a aziaga segunda-feira passada)

    Meto-me em tortuosos caminhos, seguindo por estes trilhos, quando os que tinha espinhosos já eram. Não exageremos. Meto-me porque quero. Ou sou impelido por certas forças, que não já as minhas. Enfim, “de um abismo ressoa para outro abismo o fragor das tuas cascatas; todas as tuas vagas e torrentes passaram sobre mim.”

    Exagero, mais uma vez. Sempre assim sucederá, prometo, daqui de onde vos escrevo: da Varanda do Benfica, ou da Varanda da Luz – logo me decidirei até ao fim do jogo. Se calhar intercalo. Ou calo-me.

    (entretanto, muito calmo, por aqui. Em 15 minutos, um livre do turco Köckü contra a barreira… e estava eu a escrever isto e quase marcava o Rafa, para grande defesa do guarda-redes do Estrela… e a seguir um remate bem esgalhado de…  acho eu, João Neves, ligeiramente ao lado… continuemos…)

    Portanto, tirando a impossibilidade de exagerar no resultado – que, por aí, terei de ser rigoroso, e isto por agora está num inquietante nulo –, servirá esta primeira crónica para, airosamente, com alguma aisance, assim espero, justificar aquilo que estou para aqui fazendo. E, ainda por cima, escrevendo. E prometendo repetir in saecula saeculorum.

    Primeiro, estou tentando juntar o útil ao agradável, não sabendo bem qual a parte da utilidade e a parte da agradabilidade – e isto, assumindo, por antecipação, que algum proveito e prazer daqui virá. Exige-me o corpo e a mente sair dos árduos labores das investigações jornalísticas, das burocracias, das arrelias, embora temperadas pelos apoios dos leitores (dá-lhes já graxa), e dessa sorte me pareceu ideia acertada aproveitar-me do estatuto de jornalista e sacar uma acreditação que, mais do que poupar dinheiro, me poupa tempo, porquanto o pedido de acreditação se faz em segundos, o levantamento da acreditação num ápice é, e depois um passeio de cão por vinha vindimada até à tribuna de imprensa – e ainda mais com direito a lanche de reforço. Um figo. Quer dizer, o sumo é de pêssego.

    (até porque, neste ínterim, se acumulam oportunidades para o Benfica; temo que o golo surja… ou não… já se escafederam 35 minutos e a asa do cântaro dos homens da Amadora [não lhes chamemos da Porcalhota, à antiga, mesmo se usando nesta narração, um estilo barroco] anda não se escaqueirou na fonte)

    Segundo, tenho o ensejo de me armar em cronista de banalidades e coisas fúteis nesta aventura pela crónica futebolística. Concretizo: não percebo grande coisa de tácticas – embora seja curioso das minudências dos intérpretes da bola (e, portanto, seguirei a novela da bernarda entre o Schmidt e o Vlachodimos, com a mesma curiosidade com que acompanhei os efeitos da birra do Sérgio Conceição) –, e nem se justificaria um relato de um jogo específico (ainda mais do meu clube) num jornal independente que anda por outros campeonatos e em outras modalidades. Portanto, isto será uma espécie de crónica à la Nelson Rodrigues, mas sem os conhecimentos do dito, sem o sotaque do dito e, provavelmente, sem a qualidade do dito – conquanto me divirta e me faça espairecer.

    (e temos o intervalo)

    Terceiro, tenho, perante o meu olhar – ou melhor, sou eu o observado –, a crítica inquisitiva de alguns leitores, que, prevejo já, me podem – e muito justamente – acusar de uma reles parceria comercial, sendo certo que, esses, enfim, só poderão ser uns lagartos invejosos e ou ciumentos tripeiros.

    (ai Jesus! Não… não é o do Al Hilal. É mesmo o do Céu: pênalti contra o Benfica… revertido pelo VAR. Ah, sportinguistas!: este VAR “pia” diferente; funciona bem…)

    Mas, continuando – e mesmo se brincando –, tenho consciência da existência de um conflito de interesses. Podendo, como jornalista, escrever em qualquer estádio, por que motivo escolho eu logo o Estádio da Luz? Caramba, desculpem-me o pecadilho: é pelas vistas;  também não me podem exigir clausura integral e absoluta imaculidade.

    (além disso, escrever aqui é um teste aos nervos, sobretudo se, como no jogo desta noite, o Benfica pensa que se ganha pelas oportunidades – e não pelos golos… e entretanto: GOLOOOOOO. Golo do Casper Tengstedt [como se pronuncia mesmo o nome deste dinamarquês?])

    Mesmo assim, e pelas tosses e prevenções, fiz já o trabalho de casa, e fui ler a Deliberação ERC/2023/266, divulgada este mês, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, sobre a renovação da licença da BenficaTV à cata de qualquer irregularidade grave para propagar aos sete ventos no PÁGINA UM. Mas daqui não consegui sacar o “alvará” da minha independência perante a dependência (desde a infância) clubística: a ERC escreve, na dita deliberação, que “em conclusão e face ao exposto considera-se que o operador Benfica TV, S.A., tem tido um desempenho, ao longo dos quinze anos de exercício de atividade, conformado e consentâneo com o normativo legal aplicável, sendo de conferir deferimento ao pedido de renovação da autorização para o exercício da atividade de televisão através do serviço de programas BTV 1”. Má, mas mesmo má, foi a recente avaliação à CMTV, similar no objectivo, feita pela mesma ERC. Estive a ler aquilo e ainda pensei que cassavam a licença à Cofina.

    (o estádio está mais aliviado; estranho jogo, que poderia ter dado para uma cabazada das antigas, e acaba numa coisa poucochinha)

    Mas deixemos o regulador em paz, cujos membros merecem terminar o mandato em tranquilidade. Em todo o caso, escrevi-lhes ontem…

     (e para fechar, parecendo coisa fácil, já nos descontos [que são agora à dúzia, os minutos] um golo de belo efeito de Rafa, com um ainda mais belo movimento e passe de David Neres… e logo a seguir, depois da reposição, quase seguia outro; bola ao poste esquerdo, remate do Rafa. Ó Rafa, os outros tipos querem ir a banhos e agora é que metes o gás todo?)

    Em todo o caso, ó Rui Costa, reparei, entretanto, que as entidades responsáveis pela Benfica TV (como registo da ERC nº 523392), pela BNews (com registo da ERC nº 127919) e pel’O Benfica (com o número de registo da ERC nº 101759) não preencheram ainda os indicadores financeiros e económicos no Portal da Transparência dos Media relativos ao ano passado. Os que lá estão vão até 2021. E sabes quem é o responsável máximo desta lacuna, não sabes?… Claro!

    Mas não te apoquentes em demasia: no teu campeonato há iguais e piores. A Avenida dos Aliados, do Porto Canal (vulgo, canal do FCP, com o registo da ERC nº 523388), também não entregou os dados económicos do ano passado. O jornal do Sporting (com registo da ERC nº 100313) não entrega contas na ERC desde 2019. Salva-se a empresa da Sporting TV (com registo da ERC nº 523408), que tem as contas em dia no regulador. E descansa que há pior onde nem seria de supor: nas empresas de media… e algumas até devem milhões ao Fisco…

     (fim do jogo: Benfica ganha por 2 a 0; talvez a parte mais interessante da primeira crónica de uma colecção cuja ideia “nasceu” quando o Benfica, na passada segunda-feira, ganhava ao intervalo ao Boavista…)

    Enfim, e com isto o estádio esvazia, e eu vou ter de me pôr na alheta. Só mais uns acertos. Não sei como me saí. Se mal me saí hoje, tentarei melhorar na próxima. Se não se endireitar – enfim, considerem isto como terapêutico: para mim, claro.

    Queiram, portanto, leitores benévolos (ou beneméritos, que melhores serão), abrir as vossas piedosas portas da compreensão e acender a lâmpada da vossa paciência, para que a minha saúde melhore com a escrita destas crónicas, enquanto vejo futebol. E se não fizer bem à saúde (prevejo que o Benfica vai ter um campeonato trémulo), pelo menos que o meu ego se exalte, que arredado anda de carícias literárias.

    Ah, e decidi-me por Da Varanda da Luz. É título mais esotérico.

    E reparo que nem sequer tive tempo para comentar as incidências dos meus colegas de carteira, sobretudo o do lado esquerdo, muito compenetrado no relato para uma rádio (local, presumo…). Inveja: ele parecia conhecer todos os jogadores. Ou, pelo menos, inventou com convicção. E sem gaguejos.

    Entretanto, lá em baixo, treinam os jogadores do Benfica que não entraram, as bancadas estão vazias, tirando dois ou três jornalistas, enquanto na televisão os treinadores palram. Esta vida não me parece má de todo. Talvez regresse mesmo daqui a duas semanas. Acho que será contra o Vitória de Guimarães. Qualquer um servirá para este desiderato…

  • No cantinho do Cristiano

    No cantinho do Cristiano


    Como adepto, decidi boicotar o Mundial do Catar; mas como jornalista decidi ver o jogo de Portugal contra o Gana no único sítio possível à face da Terra para uma reportagem: o “CR7 Corner”, na Baixa Pombalina. Esta é a crónica de um jogo histórico. 


    Sentados ao balcão, os sul-coreanos vibravam com os minutos finais da partida entre o seu país e o Uruguai. O ex-benfiquista Darwin Nuñez bem que se esforçava, mas não conseguia desfazer o 0-0, enquanto o treinador da selecção asiática, o nosso Paulo Bento, “com tranquilidade”, esbracejava para todos os lados.

    O árbitro termina a partida e os coreanos celebram o empate frente a uma das equipas candidata ao primeiro lugar do mesmo grupo onde está Portugal. Um ponto que poderá ser precioso para o resto dos jogos do grupo H. O tempo o dirá, quando tivermos de fazer contas no último jogo – que é sempre uma fortíssima probabilidade estatística do nosso fado –, que será contra a Coreia do Sul, após a nossa partida contra o Uruguai, na segunda-feira, dia 28.

    Antes disso, há que despachar o jogo contra o Gana, aquele que venho assistir no bar do Hotel Pestana CR7, o “CR7 Corner”, na Baixa Pombalina. É o único local onde estaria disposto a ver uma partida do Mundial do Catar. A partida histórica vai começar: é o primeiro jogo daquele que será – não é arriscado mencionar como facto – o último Mundial de Cristiano Ronaldo, mas o primeiro em que está desempregado. Em todo o caso, acho que nunca o iremos ver na fila de um centro de emprego.

    Para além dos já mencionados clientes sul-coreanos, o bar parece um mundo em miniatura: consigo identificar canadianos (que falam o inconfundível francês do Quebeque); há outros que dizem ser irlandeses e falam com turistas que afirmam viver nos Estados Unidos. Também se sentam portugueses à minha volta, com a camisola da selecção. Fazem-se prognósticos: “Acho que vai ficar 3-1”, diz um. “Acho que Ronaldo já tem clube e quando anunciar vai ser uma bomba”, acrescenta outro. Especula-se que seja o PSG, para jogar com o argentino Messi e o brasileiro Neymar. Logo se verá. Para já, aguarda-se pelo começo do jogo frente ao Gana.

    Existem 10 ecrãs espalhados pelo bar; seis deles estão no tecto, em círculo, de modo a garantir a visibilidade a partir de vários ângulos. É mesmo um bar para se ver futebol e, à falta de alternativa ao Estádio 974, onde a acção está a desenrolar-se em tempo real, não haveria outro local no Mundo para ver este espectáculo. Digo eu. E estamos lá. Acrescento.    

    Ronaldo aparece finalmente no ecrã e o bar anima-se. São pessoas que estão aqui a puxar por Portugal apenas pelo facto de, por acaso, ser este o país que deu ao Mundo este vulto. Os mesmos sul-coreanos sentados ao balcão, como que numa primeira fila, apontam a câmara do telemóvel para onde surge o herói dos tempos modernos. Tento olhar para um televisor que não esteja escondido pelas cabeças à minha frente, e alterno ainda entre as televisões do tecto. As equipas alinham-se no túnel de acesso ao relvado e Ronaldo é o único obrigado a cumprimentar as crianças que vão entrar em campo de mão dada com os restantes jogadores.

    Ele faz isso, vejo, com prazer. São as crianças que o procuram. Que o exigem. O capitão da equipa de Portugal vai para a frente da fila e as câmaras focam a sua cara. “Está concentrado”, dizem ao meu lado.

    O hino faz-se ouvir e os portugueses presentes acompanham os jogadores numa cantoria tímida. Os estrangeiros respeitam o momento. Nota-se a emoção na expressão do número 7 enquanto entoa “A Portuguesa”. O jogo começa de forma calma e os primeiros aplausos fazem-se escutar no bar quando, ao minuto 9, Ronaldo consegue ficar de frente para o guarda-redes do Gana. Não concretiza.

    São “19 minutos de paciência”, diz o narrador. O jogo permanece empatado. Será que vai ser assim até ao fim? Um resultado idêntico aos dos outros adversários do grupo. Ronaldo irá fazer a diferença? Já não finta como antigamente, já não faz grande jogadas em campo. Mas aos 30 minutos parece que vai responder a quem ainda tem dúvidas, só que o golo que marca é anulado, por falta sobre o adversário. Discute-se se foi mesmo assim, mas o árbitro norte-americano não teve dúvidas.

    Golo anulado, mas que tem o condão de acordar o ambiente no “CR7 Corner”. As vozes elevam-se e o jogo, finalmente, está a ficar mais competitivo. Dez minutos depois, Ronaldo está no caminho da bola na pequena área, onde ia a passo. Não chega. Noutros tempos, a bola acabaria dentro da baliza sem que as leis da física conseguissem explicar.

    Quem chega é o intervalo, e tudo empatado. E há uma pessoa com uma camisola de Ronaldo. E há estrangeiros com cachecóis de Portugal. As bebidas e a comida seguem para as mesas. Os 15 minutos passam, rápidos, recomeça a partida. Olhos focados no homem do bar, ou melhor, do que lhe dá o nome. 

    Aos 53 minutos, no mesmo momento em que um remate do Gana coloca em perigo a baliza de Portugal, ouvem-se gritos. São maioritariamente femininos. “Há quem esteja a ver futebol de outra forma”, comentam os portugueses. Os gritos repetem-se sem que haja qualquer jogada que os justifiquem e percebe-se que, os anteriores, foram uma coincidência. O jogo continua sem empolgar e a única expectativa é mesmo continuar à espera do que poderá ou não acontecer se CR7 tocar na bola de forma, enfim, eficaz.

    Fernando Santos, o homem que manda nisto tudo – vulgo seleccionador – faz entrar o defesa William e sou obrigado a ouvir: “Temos dois trincos a jogar. Não percebo nada disto!”

    Quando me preparava para aceitar o empate como o menos mau dos resultados – dando caminho à tradição nacional que, no passado, já nos rendeu um Europeu na França – ouço uns aplausos tímidos quando árbitro assinala penálti sobre Ronaldo.

    Faço então como muitos presentes no bar: aponto o meu telemóvel aos ecrãs em modo de filme na expectativa de registar o “momento” do jogador desempregado mais famoso do Mundo, e que se prepara para ser o primeiro jogador masculino a marcar golos em cinco Mundiais. Aguarda-se. Com ansiedade. Apela-se ao golo. Incentiva-se o atleta como se nos ouvisse. Como se estivéssemos no estádio. Ronaldo parte para a bola aos ziguezagues… o guarda-redes estica-se… para o lado da bola… e… golo! A potência do remate não deu hipóteses.

    Festa no bar da Baixa Pombalina ao minuto 65 da partida. “That was amazing”, diz a estrangeira atrás de mim depois da dança da vitória.

    (Numa repetição do momento da celebração, vista da perspectiva do banco da selecção nacional, o “mister” Fernando Santos não comemora o golo. É a emoção gerida de forma diferente, pois sabe que o jogo ainda não acabou. E tinha razão).

    Aos 71 minutos, o guarda-redes Diogo Costa faz com que pareça fácil a tarefa de defender, mas dois minutos volvidos, passando como manteiga entre centrais, a bola ficou ao alcance do homólogo de Ronaldo. O capitão ganês, André Ayew juntou o seu nome a feitos dignos de registos estatísticos. Siga o primeiro golo de uma equipa africana neste Mundial. Tinha mesmo de ser contra Portugal?

    low angle photography of brown concrete building

    Sente-se que o ambiente ficou mais empolgado. O jogo está aberto. O Gana acredita e mostra – passe o óbvio jogo de palavras, que se deveria evitar – bem mais ganas do que Portugal.

    Teme-se o pior… Afinal, numa visão pessimista, este pode ser o antepenúltimo jogo de Ronaldo num Mundial. O verdadeiro adepto português é aquele que duvida sempre. Aquele que é pessimista. Aquele que sofre. Mas tem de sofrer de forma profissional, preparar mentalmente convenientes desculpas para se convencer depois que era só um jogo.

    Todos os clientes do bar, ainda assim, esperam o próximo golo. Que seja do CR7. Mas são os pés de João Félix que nos fazem felizes – eis mais um jogo de palavras perfeitamente evitável…

    E fazendo uso de toda uma cultura e gíria futebolística, dou por mim a pensar que o “ketchup” saltou no minuto 80 com o terceiro golo português, marcado pelo recém-entrado Rafael Leão – e desculpem pelo novo jogo de palavras: que entrada de leão!

    Com isto, o ambiente fica menos tenso. As conversas no bar tornam-se soltas. Muito mais. Afinal, parece que vamos vencer. Assim não vai dar para o empate. E há muito que não entrávamos num Campeonato do Mundo com uma vitória.

    (Ui! E quele jogo contra a Alemanha, em 2014 no Brasil, que vi no Parque Eduardo VII? 4-0, não foi?)

    Entretanto, Ronaldo ameaça marcar, de novo, mas os aplausos para o melhor do Mundo acabavam por se ouvir outra vez ao minuto 87, quando é, enfim, substituído.

    O jogo, porém, não acabou para o Gana: 3-2. Mau! Mau! A tensão em campo aumenta. No bar também. Há amarelos divididos pelo árbitro norte-americano para Danilo para o ganês Iñaki Williams.

    A placa com o tempo extra aponta o 9; nove minutos suplementares. Como está, é coisa suficiente para o Gana empatar e, quem sabe – já se viu de tudo no mundo futebol – para ganhar. Lá vem o pessimismo. Nota-se o nervosismo na selecção; Bruno Fernandes leva amarelo. Não há soluções; e bar suspenso. O som da festa já não se ouve. As conversas são feitas em tom mais suave. Receoso.

    Depois, o silêncio, nos últimos quatro minutos. As imagens de Ronaldo no banco mostram a imagem da apreensão. O cronómetro no canto superior esquerdo dos ecrãs, tic-tac, tic-tac, a correr devagar, devagarinho… Dois minutos em falta e uma bola batida por um ganês passa por cima da rede da baliza lusa.  

    CR7 está de pé a dar indicações para o campo. Lembra-me outros tempos. No “CR7 Corner”, há uma comunhão, mas de medo. Susto! Gritos! Diogo Costa escapa por um triz de se associar ao golo mais ridículo do Mundial, e logo na primeira jornada, ao rolar docemente a bola no relvado sem se aperceber do sorrateiro adversário atrás de si. Um clássico para se eternizar no YouTube. Salva-se ele, Diogo Costa, da perpétua chacota, porque o seu anjo-da-guarda faz o ganês escorregar ao roubar a bola, e perde-se o remate fatal.

    Para alívio de corações palpitantes, o árbitro dá a partida como terminada. Alívio, finalmente.

    Mas só até segunda-feira. Até ao jogo contra a equipa do Uruguai, de má memória, que nos eliminou no Mundial da Rússia. Se não resolvermos logo aí a passagem à fase seguinte, temo que os coreanos, aqui na primeira fila, já não estarão a vibrar tanto pelo nosso Ronaldo.

    Entretanto, saio para ver como corre o resto do mundo. Na Baixa Pombalina.

    Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


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