Etiqueta: Correio Trivial

  • Terrorismo à portuguesa

    Terrorismo à portuguesa


    Não há crime mais criticado, em todo o Mundo, do que o de terrorismo.

    Por ser ultra-violento e cobarde.

    De modo geral, quem coloca uma bomba – por exemplo – não faz ideia de quem poderão ser as vítimas.

    Quem mata, sem se preocupar com danos colaterais, tem que ser considerado como duplamente criminoso.

    photo of person holding teal smoke grenade

    O terrorismo é a arma dos amorais. Dos que pretendem conseguir os seus objectivos sem olhar a meios.

    Daí que os Estados, e bem, se tenham preparado contra este flagelo com Leis fortemente punitivas e dissuasoras da prática deste crime.

    O problema é que “alguns” Estados optaram por aproveitar esta oportunidade para aprovarem uma Lei que lhes permite contornar alguns dos mais sagrados Direitos conseguidos durante anos de luta.

    Uma Lei sobre “terrorismos” devia estar escrita de modo a não permitir interpretações dúbias, sempre em desfavor dos inimigos políticos de quem esteja no Poder.

    Nem dar a oportunidade a magistrados sem preparação, que, por incompetência ou maldade, a possam usar como arma de destruição de arguidos que, sem ela, dificilmente poderiam ser pronunciados.

    Vem isto a propósito de dois casos recentes.

    white printer paper

    O primeiro tem, como figura principal, um jovem muito doente, complexado, com uma necessidade enorme de começar a ser respeitado pelos seus colegas de estudo, que terá feito ameaças de matar uma série de alunos da sua Faculdade.

    E terá confessado isso a alguém dos Estados Unidos que, por sua vez, alertou o FBI, que avisou a Polícia Judiciária.

    Os inspectores portugueses prenderam-no e, durante semanas, as principais figuras da nossa Polícia pintaram, para a comunicação social, o quadro da prisão de um novo Bin Laden que tinha, como objectivo, fazer um massacre na Universidade.

    Não mencionaram que o jovem é um doente, que sofre de Síndrome da Asperger.

    Não convinha dar qualquer hipótese a um perigoso “terrorista”, que ficou preso, até ao julgamento, onde foi condenado a dois anos e meio de prisão com necessidade de tratamento psiquiátrico.

    Mais um recluso a elevar o número de doentes mentais presos em cadeias por falta de hospitais psiquiátricos.

    Este caso fez lembrar uma outra decisão de prisão, por terrorismo.

    Lembro o conhecido “ataque” à Academia do Sporting, em Alcochete, levado a cabo por quatro dezenas de adeptos idiotas, zangados com a má qualidade do jogo que a equipa de futebol vinha praticando.

    Quarenta parvos invadiram a Academia, e um deles agrediu com um cinto um atleta, fazendo-lhe um golpe na cabeça.

    Outro, atirou uma tocha incendiária para dentro da Academia.

    Foram, os quarenta, presos preventivamente por terrorismo.

    A única explicação para este absurdo é que, quando acusados de terroristas, as leis mudam para os arguidos.

    Podem ficar sujeitos a prisão preventiva e podem ver as suas casas revistadas a qualquer hora  

    Um maná para quem considere importante a prisão de alguém sem poder contar com uma Lei que a permita.

    Os quarenta jovens ficaram presos por mais de um ano.

    Muitos deles perderam um ano de estudo.

    Outros, os seus empregos.

    people walking on the street during daytime

    No final, como não podia deixar de ser, os “terroristas” foram absolvidos.

    Os incompetentes que fizeram a investigação, a acusação e a pronúncia, continuaram nos seus postos. Excepto os que foram promovidos.        

    Para quem analisa estes casos como “um falhanço da Justiça”, quero deixar um alerta: esta Lei tem de passar a ser fortemente criticada e punida.

    A sua actual interpretação permite que, com base em suspeitas de terrorismo, seja lá por aquilo que for, qualquer cidadão seja apanhado de surpresa numa busca a sua casa, pelas três ou quatro da manhã, levado para uma cela onde pode ficar impedido de contactar quem quer que seja, enquanto uma comunicação social, colaborante, vai destruindo a sua imagem para a opinião pública.

    Passados uns anos, quando houver a certeza de que está destruído politicamente, até pode ser libertado.

    in flight dove

    Mas nunca mais será considerado um cidadão credível porque, sabe-se, “não há fumo sem fogo” e para ter estado preso… algo fez.

    Na verdade, a interpretação que alguns investigadores e magistrados dão às Leis, e o apoio que recebem de alguma comunicação social a legitimar essa leitura, funciona como a legalização de métodos usados na ditadura.

    E, isso sim, é que é um verdadeiro terrorismo.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Heróis assim à força?

    Heróis assim à força?


    Duas verdades inquestionáveis: a História é escrita pelos vencedores, e os políticos, todos, sem excepção, aproveitam-se dessa vantagem.

    Lembro-me, amiúde, disso quando falo da Guerra Colonial.

    Salazar e Marcelo Caetano obrigaram todos os jovens portugueses, que não fossem seus familiares, ou descendentes das famílias donas do país, ao serviço militar e à guerra nas colónias.

    Para eles, províncias ultramarinas.

    Os que se recusavam tinham de emigrar e passavam a ser considerados desertores e impossibilitados de regressar à Pátria, sob pena de prisão imediata, por terem optado pela deserção em vez de “lutarem pela manutenção da integridade nacional”.

    Com o 25 de Abril, e derrota daquele regime, os tais “criminosos desertores” não só regressaram ao seu país como foram recebidos como heróis, “por se terem recusado a participar numa guerra injusta, que pretendia manter, na sua posse, algumas colónias usurpadas aos seus legítimos proprietários”. 

    Passando a carga negativa para os antigos combatentes, muitos dos quais escondem, hoje, as medalhas que lhes tinham sido atribuídas, em pomposas cerimónias oficiais, e que antes ostentavam com orgulho.

    O grande problema das guerras foi brilhantemente sintetizado por Erich Hartmann – considerado o melhor piloto alemão que, durante a Segunda Guerra Mundial, voou em 1.404 missões e participou em 825 combates aéreos – numa única frase: “A guerra é um lugar onde jovens, que não se conhecem e não se odeiam, se matam, por decisões de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam.”

    Salazar e Marcelo Caetano eram dois desses velhos e que recolhiam ensinamentos de outros velhos, seus antepassados, que admiravam.

    Um afilhado do velho Marcelo Caetano, o actual Presidente da República Portuguesa, lembrou, no dia da Restauração, um outro episódio reescrito pelos historiadores e que teve como principal figura o velho D. João IV.

    O Rei português, sabendo que os ciganos portugueses, já em 1640, tinham grandes ligações, incluindo familiares, à comunidade cigana espanhola, não quis correr o risco de não só deixar de poder contar com o seu apoio na luta que teria de travar como, bem pelo contrário, os ver tomar partido pelo inimigo.

    E obrigou-os a alistarem-se no exército nacional.

    As opções eram simples: os que recusassem a incorporação seriam presos, os que a “aceitassem” passavam a ter – e os seus – a possibilidade de poderem viver livremente, depois, em todo o território nacional.

    Colocados entre a espada e a parede, os ciganos acederam.

    Muitos deles, como se sabe, acabaram por ser mortos nas batalhas que se seguiram.

    Os 250 ciganos, agora elogiados por Marcelo Rebelo de Sousa, não pelos seus actos de heroísmo – e alguns deles até podem ter sido heróis, que isto de ver a morte de frente tanto pode dar uma grande velocidade na fuga como uma força enorme para combater quem se lhe oponha –, mas por serem verdadeiros patriotas, o que, repete-se, não eram de todo, deviam ter uma convicção tão forte na necessidade do seu empenho em prol da Pátria como os combatentes de Viseu, Pinhel, Beja e Chaves na Guiné, Angola ou Moçambique.

    Saberiam tanto da casa dos Habsburgo e dos problemas causados pela morte de D. Sebastião, último herdeiro da Dinastia de Avis, como os soldados portugueses das décadas de 60 e 70 do século passado sabiam das lutas de libertação dos povos das colónias.

    Não faziam, quer uns quer outros, a mais pequena ideia do que os levara à guerra e só sonhavam em regressar, com vida, às suas casas. 

    No fim, os que sobreviveram, tiveram agradecimentos idênticos da Monarquia e da República.

    D. João IV, por alvará de 1649, determinou que “as ordens de prisão e degredo aplicáveis em geral aos portugueses ciganos não deveriam ser aplicadas aos mais de 250 ciganos alistados que estavam servindo nas fronteiras, procedendo na forma de traje e lugar dos naturais e, por isso, receberam licença dos governadores das armas para morar em lugares e vilas do Reino naturalizados com cartas de vizinhança”.

    Puderam, portanto, a partir daí, passar a ser “quase” iguais aos restantes portugueses.

    Incluindo um que se destacou pelo seu heroísmo, Jerónimo da Costa, de quem Tomé Pinheiro da Veiga, político, escritor e procurador da Coroa, durante o reinado de D. João IV, que o tratava por “aquelle pobre cigano”, dizia que serviu a sua pátria “três anos contínuos com suas armas e cavallo à sua custa, sem soldo”.

    Os militares da Guerra Colonial, mesmo os condecorados pelo Poder, não tiveram melhor reconhecimento.

    Falta de apoio psiquiátrico, pensões de miséria, total desdém de quem manda.  

    Comparar, por exemplo, o tratamento dado aos ex-militares norte-americanos – e nem falo de recompensas mas, tão só, de respeito – com o que se passa no nosso país, provoca depressão a qualquer um.

    Não sei se o discurso do velho Marcelo Rebelo de Sousa teve como intenção elogiar aqueles 250 portugueses.

    O que fica é, uma vez mais, percebermos que os separou dos restantes milhares de homens que, como eles, lutaram pela Restauração.

    Alguns destes a merecer elogios políticos, porque o fizeram convictamente.

    Os 250 que citou, e muitos outros não-ciganos, mereciam somente um pedido de desculpas por terem sido forçados a uma guerra que não queriam.

    Não creio que haja motivo para orgulho em ser “herói à força”.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vou boicotar o Campeonato do Mundo de Futebol

    Vou boicotar o Campeonato do Mundo de Futebol


    Finalmente estou de acordo com a imensa maioria do povo português incluindo, obviamente, os experts de Facebook, comentadores de café, taxistas e barbeiros.

    É absolutamente condenável que se aceite que o Qatar – um país que viola constantemente os Direitos Humanos, considera as mulheres como seres inferiores, não admite liberdade sexual e explora os imigrantes – organize um campeonato de futebol.

    Por acaso é o mesmo país que foi visitado por um nosso ministro dos Negócios Estrangeiros numa altura em que fomos mendigar que nos comprassem a nossa dívida soberana.

    woman in white dress standing on gray concrete pathway during daytime

    E também um dos mais visitados por empresários portugueses desejosos de conseguirem ganhar os concursos para construção de empreendimentos megalómanos.

    E ainda aquele que é procurado por centenas de jovens recém-formados, portugueses e de outros países modernos, democráticos e europeus, que o consideram o país ideal para reconhecer os seus talentos e lhes pagarem o valor merecido pelos seus desempenhos.

    Mas isso não é para aqui chamado.

    Independentemente dessas realidades, estou de acordo em que um cidadão consciente não deverá assistir a jogos de futebol em países onde haja tamanho desrespeito pelos verdadeiros valores da democracia.

    Essa chamada de atenção, dos críticos do Mundial em Qatar, funcionou, para mim e para muitos milhares de adeptos do futebol, como uma verdadeira epifania.

    Por mim, já decidi, não tornarei a entrar num estádio de futebol em Portugal.

    Continuarei a apoiar o meu Benfica (tal como continuarei a apoiar a Selecção Nacional), mas agora, depois destes alertas sobre o Qatar, não poderei esquecer os milhares de imigrantes explorados no nosso país, onde trabalham de sol a sol, dormindo em camaratas nojentas, em troca de um salário mínimo, ao qual é descontado o valor da comida e “alojamento”.

    Nem como são qualificados por alguns políticos democraticamente eleitos pelos meus concidadãos, na “Casa da Democracia”.

    Também terei de recordar os números assustadores das mulheres espancadas e assassinadas, em casos de violência doméstica, no nosso país, e, principalmente, as decisões de alguns magistrados que tentam justificar esses actos.

    Mesmo que quisesse – e não quero –, também não esquecerei o “bullying” de que são alvo, desde as escolas, aqueles que têm preferências diferentes no que ao sexo diz respeito.

    Problema que acompanha essas minorias ao longo de toda a vida, independentemente da sua profissão e classe social.

    Ainda há dias um ex-ministro denunciou um Procurador da República que terá afirmado que aquele só estava em liberdade porque o Juiz que tal decidira o fizera por ser gay.

    close-up photography of person lifting hands

    Logo, não merecedor de credibilidade.

    Portugal é, a exemplo do Qatar, um país racista, xenófobo, machista.

    Para mais… pobre.

    Tem todos os defeitos do Qatar, mas falta-lhe o dinheiro para comprar as consciências dos críticos.

    Os dirigentes do Qatar quiseram o Mundial e compraram os votos necessários para tal, há doze anos! Em 2010!

    Durante todo este período, ninguém se revoltou.

    Todos os pequenos sinais de desagrado foram sendo silenciados com centenas de milhares de dólares.

    As obras de construção dos estádios e infraestruturas causaram 15.000 mortos, garante uma Amnistia Internacional que, ao que parece, só soube disso depois de todos os estádios estarem construídos e de todas as empresas construtoras terem recebido as fortunas que cada um deles custou.

    brown game pieces on white surface

    Algumas consciências podem ter sono pesado ao ponto de só despertarem quando as horas de descanso deixam de ser pagas.

    Resta saber se era pior o seu silêncio ou este despertar carregado de hipocrisia.

    A luta contra os males apontados ao Qatar é absolutamente imperiosa e urgente.

    Podíamos começar lutando, no nosso país, contra todos e cada um deles ao invés de nos querermos mostrar superiores.

    Eu próprio, que informo, em título, que irei boicotar o Campeonato Nacional, poderei abrir uma excepção se me oferecerem os bilhetes.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Um troféu chamado Isaltino 

    Um troféu chamado Isaltino 


    Portugal é um país estranho.

    Lamentamos o atraso de décadas em relação aos nossos vizinhos europeus, criticamos a falta de arrojo dos nossos governantes, desesperamos com a baixa produtividade das nossas empresas, arrasamos a gestão dos patrões, rebaixamos os preguiçosos dos trabalhadores, mas, sobretudo, trucidamos aqueles que se conseguem distinguir pela excelência.

    train passing in between buildings

    Podemos perdoar, sempre com um ar de superioridade ofendida, aos que falham por incompetência ou inércia, mas jamais a quem se distingue por obras meritórias.

    Somos um país de medíocres invejosos.

    Nada nos causa mais raiva, ódio, vontade de destruir a todo o custo do que o êxito de alguém.

    E quanto mais próximo de nós, maior a vontade de denegrir, caluniar, enxovalhar.

    Podemos ter um Ronaldo a bater todos os recordes do mundo que encontraremos sempre um qualquer jogador que lhe é muito superior, “na nossa óptica”!

    A um dos nossos pode ser atribuído o Prémio Nobel da Literatura que logo descobriremos dezenas de escritores “muito superiores”, e que sabem usar a pontuação, embora nunca tenhamos lido um único livro quer do premiado quer dos “nossos favoritos”.

    Se um conhecido consegue enriquecer, é certo e sabido que só o conseguiu por se dedicar a negócios ilícitos.

    Se um amigo é promovido, tal só se pode dever a cunhas ou por ser um “lambe-botas”.

    Daí que, se pedirmos nomes de portugueses com sucesso, dificilmente se encontrará algum a exercer a sua actividade em Portugal.

    Os exemplos acima, de Cristiano Ronaldo e José Saramago, são prova disso mesmo.

    O primeiro porque em Portugal não havia quem o respeitasse como ele merece e o segundo por estar farto dos Laras das nossas vidas.

    Mas podíamos citar dezenas e dezenas de grandes figuras portuguesas que se viram forçadas a deixar um país que adoram para não terem de suportar a maledicência dos seus compatriotas.

    Vieira da Silva e Paula Rego foram pintar para Paris e Londres; Maria João Pires seguiu-lhe as pisadas para encantar meio mundo com a sua arte; António Damásio pôs a sua inteligência ao serviço dos americanos; Felipe Oliveira Baptista, um ilustre desconhecido em Portugal, foi nomeado director artístico da Lacoste; Carlos Tavares é uma das mais influentes personalidades da indústria automóvel (CEO da PSA, a detentora da Peugeot e da Citroën); António Horta Osório é, de acordo com o Financial Times, o nono banqueiro mais bem pago do mundo, em Inglaterra e Suíça, com uma remuneração anual de 12,9 milhões de dólares.

    Os exemplos podiam suceder-se por várias páginas.

    O que têm, então, em comum, os melhores de nós?

    Optaram por emigrar.

    O que ganharam com isso?

    Para além de dinheiro, reconhecimento e admiração.

    Tivessem ficado em Portugal e seriam alvo de todas as perseguições, ódios e invejas por parte de uma multidão de avarentos insignificantes.

    A perseguição ignóbil de que tem sido alvo Isaltino Morais é disso o exemplo máximo.

    Político reconhecido, a nível nacional e internacional, como um visionário que transformou uma zona que servia de dormitório de Lisboa no principal concelho do país, em várias vertentes, é alvo de constantes ataques desprezíveis, soezes e abjectos por parte de quem quer ficar conhecido por o derrubar.

    O facto de saberem que a população do concelho, que ele lidera, o venera, como provam os resultados eleitorais, com maiorias absolutas sucessivas e cada vez maiores, não conta, para os que pretendem, como objectivo na vida, destruir, incapazes que são de criar seja o que for nas suas vidinhas sumíticas e infelizes.

    É impressionante o número de “corajosos anónimos”, brilhantes investigadores, estudiosos magistrados, minorcas comentadores, aprendizes de políticos, candidatos a canonizações, porque acima de qualquer suspeita (até lhes sair um esqueleto do armário), buscam, rebuscam, revistam, mexem e remexem em documentos, computadores, telefones, à procura de uma prova que lhes permita pôr em causa uma obra exemplar.

    Ao passarem por Oeiras nem têm tempo para reparar que, onde antes havia barracas e lixo, casas sem saneamento básico ou electricidade, está hoje o Tagus Park, o Jardim dos Poetas, bairros esplêndidos, escolas, postos médicos.

    Tudo obra de um pequeno grupo de gente profissional e empenhada, que ama a sua terra e tem sido liderada por um Homem superior.

    Para os seus concidadãos, Isaltino Morais é um património único.

    Para os invejosos, é um troféu que querem conseguir, a qualquer custo, para serem recompensados com trinta moedas de alguns tiranos.

    Pobres falhados!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Um país de masoquistas 

    Um país de masoquistas 


    Somos um país de gente que adora sofrer. Que exibe o seu sofrimento como se de um acto de heroísmo se tratasse.

    Fazemos alarde das nossas dificuldades procurando, sempre, deixar evidente que os nossos problemas, todos causados por motivos a que somos alheios, são superiores aos de quem quer que nos escute.

    O português é masoquista e gosta de o ser.

    men's white dress shirt

    Nas salas de espera dos hospitais, as conversas sobre as doenças de cada um levariam a ataques cardíacos qualquer estrangeiro que ali passasse.

    Nenhum português tem doenças normais.

    Todos passaram por intervenções cirúrgicas complicadas, todos sofrem de doenças consideradas incuráveis, todos enfrentam a morte a cada momento.

    E todos se queixam do péssimo atendimento, do desleixo de médicos, enfermeiros e auxiliares, dos preços dos medicamentos, das listas de espera.

    Porém, ninguém se dispõe a ir além dos lamentos para tentar alterar o que condena com veemência.

    Nos cafés, as conversas limitam-se ao aumento do custo de vida, do desemprego, da impossibilidade de pagar todas as contas necessárias à vida de uma família normal.

    A revolta termina quando, cabisbaixos, regressam a casa.

    white blue and orange medication pill

    Se confrontados com a possibilidade de lutarem pela mudança as respostas são, sempre, as mesmas:

    “São todos iguais, isto não tem solução!”

    – “Temos de ter fé. Melhores dias virão!”

    A aceitação deste “fado” é algo que nunca consegui compreender e que me repugna enquanto cidadão.

    Entramos num supermercado e tomamos consciência de que os preços aumentam, diariamente, de forma escandalosa.

    Todos os problemas a nível mundial servem para “justificar” esses roubos.

    A pandemia da covid-19 fez parar o mundo. Os preços subiram 15 a 20 por cento.

    A Rússia invadiu a Ucrânia, o que causou problemas com a falta de energia. Os preços aumentaram 20 a 25 %.

    O povo deixa de poder comer carne e peixe todos os dias, reduz o número de viagens, deixa de poder comprar todos os medicamentos e não goza férias.

    a man holds his head while sitting on a sofa

    Inexplicavelmente, as grandes superfícies aumentam os seus lucros em centenas de milhões de euros, tal como as companhias petrolíferas e, claro, o Estado no que concerne a impostos.

    O Povo, sereno, vangloria-se das suas desgraças.

    As autoridades ajudam colocando-se ao lado dos mais fortes, na tentativa da recolha de migalhas que caiam da mesa dos ricos.

    O polícia prende (e bem) o José, ou a Maria, que rouba uma lata de atum de um supermercado, mas perdoa, com um sorriso nos lábios (“veja lá se para a outra vez tem mais cuidado!”), o rico que conduz acima da velocidade permitida, na estrada.

    O Juiz condena (e bem), com uma ordem de despejo, a família que não paga a renda, mas amnistia o “empresário” que deixou de pagar uns milhões de imposto.

    Os ricos, todos sabem, nunca passarão pelas cadeias.

    Os magistrados regem-se por Códigos escritos de um modo que seja inexistente essa possibilidade.

    silhouette of road signage during golden hour

    Um banqueiro, que é responsável por um roubo de um valor superior à soma de todos os levados a cabo em Portugal, desde que existem prisões, nunca entrará numa delas, enquanto recluso.

    Provavelmente nem sequer chegará a ser julgado.

    É mais do que certo que os processos se irão arrastar até prescreverem.

    Não, muitas das vezes, por culpa dos juízes que, masoquistas também eles, se esforçam para cumprirem o seu dever contra tudo e contra todos.

    Só que, por um lado há dezenas de bandidos a roubarem latas de atum e leite nos supermercados, e, como há que acabar com esse flagelo, gastam-se centenas de horas com esses casos.

    Depois, a falta de dinheiro para a compra de papel para os mandados de busca tem impedido essas diligências como reconheceu, recentemente, o Presidente da Associação Sindical dos Juízes.

    Queixou-se, até, que em Lisboa, na nossa capital, os magistrados têm de levar, de casa, o seu papel higiénico, porque a verba dos tribunais não permite esse gasto.

    Eu, no lugar deles, resolvia dois casos ao mesmo tempo, limpando-me aos processos parados.

    Às tantas já houve outros com despachos semelhantes e ninguém se atreveu a contestar.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As promoções em Portugal 

    As promoções em Portugal 


    Chegar ao topo das carreiras é o objectivo da maioria dos portugueses.

    Pretensão que seria legítima, e de elogiar, se acreditássemos que tal exigiria empenho, talento e muito trabalho.

    Só que, também neste campo, o nosso país é diferente.

    Em Portugal as promoções raramente se fazem por mérito e, no que toca a funcionários do Estado, nunca esse critério é o essencial sendo substituído pela “antiguidade”.

    person standing near the stairs

    As promoções são, na imensa maioria das vezes, automáticas e baseadas nesse único preceito.

    Um funcionário com 10 anos de carreira, por mais calão, incompetente e acéfalo que seja, atingirá primeiro um lugar de chefia do que um outro com oito anos “de casa” e que seja responsável, qualificado e inteligente.

    Vejamos, por exemplo, as nossas Forças Armadas.

    Uma tropa fandanga com 27.741 efectivos.

    Destes, 49% (13.593) são “Praças” sendo que os restantes 51% (14.148) são Sargentos ou Oficiais.

    Os últimos dados, conhecidos, do Ministério da Defesa revelam que estão em efetividade de funções 106 generais, assim distribuídos: cinco almirantes/ generais (quatro estrelas), 20 vice-almirantes/ tenente-generais (três estrelas), 47 contra-almirantes/ major-generais (duas estrelas) e 34 comodoros/ brigadeiro-generais (uma estrela).

    crowd walking at sunset

    Mais, que aos 106 generais em efetividade de funções, acrescem 114 na reserva, dos quais 40 estão na efetividade de serviço. Ou seja, exercem funções.

    Outros países, obviamente menos preocupados com a defesa dos seus territórios, contentam-se com números inferiores. Muito inferiores, alguns deles.

    Vejamos: a Espanha tem 28 generais, a França tem 55, o Brasil tem 100 e a Alemanha, 189.

    O que me deixou boquiaberto foi o número de generais nos Estados Unidos da América: 31!

    Como é que umas Forças Armadas, com 1.390.000 militares, pode ser eficiente com, somente, 31 generais?

    A média é de um general para cada 44.838 militares.

    O mais certo é que nenhum desses generais se venha a cruzar, ao longo da sua carreira, com a maioria dos militares que comanda!

    soldiers in truck

    Já as Forças Militares Portuguesas, com os seus 27.741 efectivos, funcionam como uma família.

    Um general comanda 261 militares. Deve saber o nome de todos.

    Se seguíssemos o péssimo exemplo dos Estados Unidos nem um general poderíamos ter.

    Os nossos 27.000 militares seriam comandados, na melhor das hipóteses, por um major.

    Tentei perceber a lógica da opção dos Estados Unidos.

    A primeira ideia foi a falta de verba para pagar a generais.

    Sei que são caros porque os portugueses custam, ao Estado, mais de 14 milhões de euros anualmente.

    Fui ver o Orçamento que os americanos têm para as suas Forças Armadas: 706 mil milhões de dólares para o ano de 2022.

    Sinceramente, nem sei o que isso significa.

    black and gray canon near body of water during daytime

    Mas acredito que não seja por falta de dinheiro que não aumentam o número de generais.

    Ser militar nos Estados Unidos deve ser deprimente!

    Mas não se pense que é só nesta área que tal acontece.

    Se estivermos atentos veremos que, por exemplo, qualquer quartel de bombeiros tem mais comandantes, segundos comandantes, chefes e sub-chefes do que bombeiros.

    Nas empresas não é diferente.

    A TAP tem 11 administradores – e não 79 como espalharam pelas redes sociais – e 94 aviões.

    A média não está má, pensaríamos, até sabermos que a Lufthansa tem 6 administradores e 763 aviões.

    white and red passenger plane on airport during daytime

    Como toda a gente sabe, os germânicos, com a mania de quererem ser superiores, são capazes de trabalhar oito horas por dia sem uma distração, ou uma pausa para o café, e nem sequer compreendem o que é passar pelas brasas depois de um “almoço de negócios” com um uísque velho, para brindar, no final. 

    Continuam a trabalhar como se estivessem no século XIX.

    Mesmo as nossas micro e pequenas empresas, como diz o “partido das classes trabalhadoras”, são exemplares no modo como tratam os seus funcionários.

    Uma empresa “unipessoal” tem a dirigi-la um “sócio-gerente”.

    Se tiver um funcionário, ele será o “director de vendas”.

    Se tiver dois, o segundo será o “director de compras”.

    Um terceiro ocupará o cargo de “director de recursos humanos”.

    people sitting on chair in front of computer

    Não poder ter um título para poder exibir no cartão de visita é, em Portugal, só por si, motivo para não aceitar um qualquer cargo.

    Eu mesmo estou a pensar, seriamente. em exigir, dada a qualidade das minhas crónicas, o cargo de Director-Adjunto do Página Um (dado o respeito que tenho pelo actual Director não pretendo o seu lugar… ainda).

    Se estão à espera que passem dez anos para chegar a sub-chefe de redacção, estão muito enganados…

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.