Etiqueta: Correio Trivial

  • Justiça no futebol: uma treta

    Justiça no futebol: uma treta


    O futebol, como se sabe, há muito deixou de ser um desporto-espectáculo para passar a uma das mais lucrativas indústrias a nível global.

    Os contratos feitos diariamente, em todo o mundo, só terão paralelo com as áreas onde o dinheiro se conta pelos biliões (armas, petróleo, drogas lícitas e ilícitas).

    Pensar que um clube pode oferecer, pela contratação de um jogador, para o período de um ano, mil milhões de euros, sendo trezentos milhões para o seu clube e setecentos milhões para o atleta, é algo que soa a irreal.

    three white-and-black soccer balls on field

    E esse foi o valor que um clube (um país, na realidade) ofereceu a Kylian Mbappé para, durante um ano, envergar a camisola de uma equipa de futebol.

    Para percebermos bem, o atleta receberia cerca de dois milhões de euros… por dia!

    Estes exageros escandalosos poderão resultar na morte de uma galinha de ovos de ouro se os responsáveis máximos da FIFA e UEFA não colocarem um travão a estes absurdos.

    O problema maior é que a justiça desportiva consegue, por incrível que pareça, ser ainda pior do que a que rege a vida na sociedade civil.

    Os negócios das contratações, principalmente, com milhões de euros a serem distribuídos por empresários e dirigentes, sem um controle apertado das autoridades desportivas, são de todos conhecidos, mas ficam, sempre, impunes.

    A “justiça desportiva”, e em especial no futebol, é uma treta aceitando sem o mais pequeno sinal de desagrado, as maiores vergonhas que se possam imaginar.

    Desde logo não reage ao aumento constante de uma violência vergonhosa porque assente no facciosismo.

    Impedir, por exemplo, que uma criança, por pequena que seja, possa entrar num estádio vestindo a camisola do seu clube, somente porque este é o adversário da equipa “da casa”, é inconcebível.

    Mas acontece, todas as semanas, em dezenas de campos, mesmo nos das equipas de topo.

    A falta de rigor na vigilância à entrada dos estádios, principalmente em dias de jogos entre equipas de conhecida rivalidade, é outro problema grave porque permite a entrada de objectos e artefactos que a Lei proíbe e que põem em causa a segurança dos espectadores.

    O aumento escandaloso dos preços de bilhetes para adeptos do clube rival, muitas vezes enviados para as zonas com pior visibilidade são, também, habituais sem a intervenção de quem de direito.

    Mas o pior de todos os males é, sem dúvida, o desdém com que os Conselhos de Disciplina (?) analisam e “punem” futebolistas, treinadores e dirigentes que não cumprem a Lei nem, muitas vezes, as regras mais básicas da educação e do desportivismo.

    a large crowd of people

    Aceitar que se lute pela vitória usando uma “agressividade” que roça a violência, os insultos mais soezes, as ameaças mais criticáveis, é inadmissível.

    Tanto mais que se sabe que tudo isso é visto, hoje em dia, por milhões de pessoas em todo o mundo.

    Isto para não falar das substâncias ilícitas que algumas equipas dão aos seus atletas com o único intuito de poderem aumentar, no momento, os seus índices físicos ainda que tal possa provocar males irreparáveis à saúde destes num futuro próximo.

    A vitória num jogo sobrepõe-se, para alguns, a tudo o mais incluindo a vida dos seus próprios atletas.

    O discurso do ódio e as atitudes irracionais dentro dos estádios, por vezes em jogos transmitidos para todo o mundo, são frequentes e, também elas, punidas com pequenas reprimendas ou castigos menores.

    Tudo isto pode levar a afastar, dos campos de futebol, milhares de adeptos ou simples apreciadores de futebol.

    Ninguém, no seu perfeito juízo, quer correr o risco de levar a família, principalmente crianças, para locais onde, a qualquer momento, pode haver uma luta entre dezenas de energúmenos.

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    Tudo isto porque a Justiça Desportiva é branda com os prevaricadores.

    Várias vezes escrevi que os clubes deveriam deixar entrar, gratuitamente, em todos os jogos, as crianças, e jovens, até 15 anos.

    Encheriam estádios, na maior parte das vezes vazios, valorizando o espectáculo, para além de criarem futuros fiéis espectadores.  

    De uma coisa estou seguro, enquanto os responsáveis máximos não criarem regras que impeçam, de uma vez, a impunidade de todos quantos incumprem em relação a todas as regras de civismo e desportivismo no futebol, este não deixará de perder adeptos.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Este Papa não merecia tanto!

    Este Papa não merecia tanto!


    A visita do Papa Francisco a Portugal criou enormes expectativas e teve, como sempre acontece neste nosso país, defensores acérrimos, críticos acirrados, polémicas várias e custos extraordinários.

    Eu, que estou longe de poder ser considerado um católico, na verdadeira acepção da palavra, tinha esperança de que a vinda de Francisco fosse uma festa.

    Tenho uma extraordinária admiração pelo Papa.

    E pelo Homem.

    Já escrevi, várias vezes, que o vejo como um Avô bem-disposto, com sentido de humor, simples, simpático e de uma inteligência fulgurante.

    Poderia ficar a ouvi-lo, e a tentar aprender, durante horas.

    As suas análises, as suas metáforas, os seus conhecimentos sobre tantas matérias, tornam-no naquele Mestre que todos gostaríamos de ter tido.

    O modo como encara a Juventude, razão principal da sua vinda a Portugal, deveria servir de exemplo aos nossos políticos.

    Dar lições como se falasse de igual para igual, responder a questões complicadas como se estivesse a perguntar, ou a tentar descobrir a resposta em comunhão com quem questiona, são sinais de uma superioridade intelectual que não pretende exibir, mas que surge naturalmente.

    O aceitar das diferenças, nos mais pequenos pormenores, por vezes com uma frase irónica é, também, uma característica do Papa.

    Como exemplo, a frase com que, numa escola, se despediu de alunos de muitas religiões:

    “Rezem por mim ou, se não souberem, ou quiserem rezar, pelo menos mandem uma boa onda!”

    Plateia conquistada.

    Depois, as muitas horas em que, apesar da idade e das maleitas, andou de lado para lado, sempre no meio de multidões querendo tocá-lo, cumprimentá-lo, abraçá-lo, sempre com um sorriso tranquilo e olhos nos olhos com quem pronunciava o seu nome.

    As centenas de milhares de jovens que encheram Lisboa de alegria, expressaram bem a sua admiração com a frase que gritavam aos quatro ventos:

    “Esta é a juventude do Papa!”

    O Papa mereceu tudo isto, mas… não merecia muitas outras coisas que a sua viagem deu a conhecer.

    Não merecia que um Presidente quisesse parte da atenção que toda a população, e em especial os jovens, queria dar, exclusivamente, ao seu Convidado.

    A presença constante, a tentativa absurda de se fazer notar, o modo, mais que efusivo, absolutamente desadequado, com que o cumprimentava, a tentativa exagerada de se mostrar “próximo” de Francisco tornou-se deprimente. 

    Não merecia, também, que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa escondesse os sem-abrigo da cidade.

    Disse que foi uma operação planeada, há muitos meses, e que todos aqueles pobres tinham sido abrigados em locais decentes.

    Veremos, na semana seguinte ao regresso do Papa, a Roma, se à Baixa de Lisboa não regressam as camas de cartão, as barracas e os pedintes.

    Não merecia que uma Associação, que ninguém conhece, espalhasse cartazes a falar do número de crimes cometidos por padres já condenados, veementemente, por este Papa.

    Ninguém, muito menos um grupo de anónimos justiceiros, terá legitimidade para apontar o dedo a Francisco, nesta matéria.

    Os cinco minutos de fama que todos os idiotas procuram, não podem justificar tudo.

    Não merecia o Papa que, em todos as Cerimónias da Quaresma, lava os pés a doze presos (“todos podemos ser reclusos um dia”, já o repetiu várias vezes), e não a doze políticos, a doze padres, a doze empresários, que – para além de ficar a conhecer a vergonha da Lei de Amnistia aprovado sob o pretexto da sua vinda – não tivesse, no seu programa, a visita a uma cadeia.

    Sendo as Jornadas da Juventude poderia ir, e gostaria de ter ido, por exemplo, à Prisão Escola de Leiria, ou ao Estabelecimento Prisional do Linhó. Dois locais repletos de jovens.

    Esse gesto seria mais eficaz, na luta pela reabilitação, do que todo o trabalho que pudesse ser feito por psicólogos, durante meses.

    Não merecia, finalmente, este Papa, que o padre da Igreja de São João de Brito, na Praça de Londres, em Lisboa, expulsasse de um espaço dessa igreja, desde há muito usado por centenas de sem-abrigo, que ali tomavam banho, comiam graças ao apoio de Associações como a “Vida e Paz” e dormiam, para ali alojar dois mil peregrinos.

    Um gesto que, estou certo, causaria uma enorme tristeza ao Papa Francisco.

    Não fosse a vaidade de alguns, a subserviência de outros, a ignorância de muitos, no que concerne aos verdadeiros valores que o Papa defende, e a viagem teria sido ainda mais extraordinária.

    É difícil ter a grandeza de Francisco, há que reconhecer.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A exibição da incompetência

    A exibição da incompetência


    Uma vez mais fomos confrontados com o espectáculo de buscas levadas a cabo por elementos do Ministério Público, a casas de suspeitos de actividades criminosas, em directo, pela televisão.

    Desta vez, os visitados foram a casa do antigo dirigente do PSD, Rui Rio, e a Sede do seu Partido.

    Não vou tecer qualquer consideração sobre o motivo das buscas, porque só conheço o que a imprensa divulgou, mas pretendo analisar o método de trabalho de alguns Magistrados do Ministério Público, em Portugal.

    Desde logo porque, finalmente, houve críticas públicas, e da parte do Poder Político, que, como é sabido, só reage quando lhe toca na pele.

    Rui Rio, ex-presidente do PSD

    A prática da Justiça-Espectáculo, tão do agrado destes Magistrados, que querem aparecer como lutadores intransigentes contra o crime, merece ser analisada e, ela própria, julgada.

    O esquema é facilmente explicado: na suspeita de um crime, mesmo que baseada numa queixa anónima, o Ministério Público deve agir analisando todos os factos.

    Caso apareçam, entre os denunciados, nomes de figuras públicas, a investigação chega, por vias estranhas, a alguma comunicação social que, a partir daí, os divulga como “suspeitos de crimes”.

    “Suspeitos” que passam, de imediato, à categoria de criminosos porque, o Povo ensina, “não há fumo sem fogo”.

    Ou seja, se o Ministério Público investiga é mais que certo que há um crime à espera de ser descoberto.

    Mas, será assim?

    Números provenientes do Ministério da Justiça provam o contrário.

    Preto-no-branco esclarecem que 47% das acusações do Ministério Público terminam com a absolvição dos investigados.

    Muitos acabam por nem ir a Julgamento, mesmo depois de verem os seus nomes divulgados em jornais, rádios e televisões.

    Alguns chegam a passar por prisão preventiva até serem inocentados.

    Em sete anos foram mais de 150.000 os portugueses que viveram este drama.

    Sessenta e cinco, por dia.

    Sendo que nenhum dos Magistrados detentor desses processos sofreu, com essa incompetência, qualquer chamada de atenção.

    Esta situação só é possível porque o acordo entre estes e os órgãos de comunicação social termina na fase em que a acusação deixa de parecer credível.

    Obviamente não é do interesse de nenhum destes dois “parceiros” a demonstração de falhanço.

    Na melhor das hipóteses, às centenas de parangonas em primeiras páginas e aberturas de telejornais, corresponderá, no fim, uma nota de rodapé, ou uma notícia de segundos, sobre o arquivamento do processo.

    Como se chegou a este ponto?

    Para a notícia essencial ter impacto, as buscas são levadas a cabo por muitas dezenas de polícias e peritos, sob a orientação de um Procurador, ou Juiz, e com transmissão em directo pelas televisões.

    Uma operação que tem de ser preparada no maior dos segredos, para evitar que os suspeitos se livrem de documentos, ou equipamentos, que possam ser essenciais para os investigadores, chega, no entanto, e sempre que o caso é considerado mediático, ao conhecimento antecipado de jornalistas que, por vezes, aparecem nos locais das buscas ANTES das autoridades.

    O que faria corar de vergonha qualquer Magistrado num país civilizado é, em Portugal, considerado normal.

    A falta de pudor que há neste procedimento é assustadora.

    Mas de tremenda eficácia para quem pretende acusar.

    Qualquer investigação que corra o risco de ter que ilibar os potenciais arguidos, por falta de indícios suficientemente fortes para tornarem credível uma acusação, socorre-se de uma opinião pública, instrumentalizada pela opinião publicada que aceita participar numa troca de favores: eu dou-te uma “cacha”, que te faz aumentar as audiências, e tu dás a entender que as minhas suspeitas são fundamentadas.

    Lucília Gago, procuradora-geral da República desde 2018.

    Mais cedo ou mais tarde, muitas destas notícias bombásticas acabam por cair no esquecimento só sendo recordadas, em escassos minutos, quando se reparam os erros ilibando os acusados.

    Mas, semanas a fio com as fotografias e nome estampados em jornais, ou em programas televisivos, não perdoam e esses acusados, sem critério, ficam, para sempre, com o nome destruído e as suas carreiras destroçadas.

    Ao contrário de quem, por absoluta incompetência (não quero acreditar que seja má-fé), continua, serena, segura e impunemente a subir na carreira.

    Este país, até que, entre os investigados, comecem a surgir políticos com poder, vai estar muito perigoso!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os efeitos secundários do relatório à TAP

    Os efeitos secundários do relatório à TAP


    A Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP reuniu, durante centenas de horas, ouvindo inúmeras pessoas para tentar saber, fundamentalmente, se a atribuição de uma indemnização de meio milhão de euros a uma administradora, que passados uns dias já trabalhava noutra empresa, da mesma Tutela, era legítima.

    Tivessem perguntado aos catraios de uma qualquer escola primária, e teriam a resposta em segundos: “Não!”  

    Só que o Parlamento é, sobretudo, uma Feira de Vaidades e quando chega às narinas daqueles deputados o cheiro a sangue… nada os faz parar.

    A verdade é que, na análise à entrega daquele dinheiro todo, se foram descobrindo pormenores rocambolescos que, para uma Oposição sedenta de uma oportunidade “de ir ao pote”, eram ouro sobre azul.

    Tanto mais que havia a garantia de cobertura televisiva em directo e integral.

    Durante semanas assistimos a uma caricatura de um qualquer Tribunal Judicial do nosso País onde, ao arrepio da Lei, os arguidos entram como condenados tendo que provar, aos ilustres Magistrados, que estão inocentes.

    O que não é fácil dada a convicção antecipada de Juízes e Procuradores.

    Na Comissão Parlamentar os Deputados seguiram essa estratégia.

    Todos os interrogados que não se revissem nas teses de cada um dos Deputados Inquiridores passavam à categoria de adversários vendo todas as suas declarações serem postas em causa.

    Nuno Pedro Santos, ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação.

    Necessário era fazer cair, no descrédito total, toda a estrutura governativa da área em análise.

    Nem que se tivesse de inquirir sobre factos para além do que estava estabelecido.

    Ainda assim, houve diferenças entre os Juízes dos nossos Tribunais e os Deputados da Comissão de Inquérito?

    Desde logo, os primeiros têm legitimidade para interrogar os arguidos sobre (quase) todos os factos, ao contrário dos Deputados.

    Depois, os Juízes só devem preocupar-se com a verdade enquanto os Deputados se preocupam com a “verdade” que mais favorável seja para o seu Partido.

    Finalmente, os Juízes interrogam (na imensa maioria das vezes) num tom sereno, educado, profissional.  

    Já na Comissão de Inquérito houve interrogatórios feitos com sobranceria, arrogância, desdém, apartes mal-educados, por parte de Deputados interessados em mostrar quem era o mais agressivo, o mais contundente o mais temível.

    Fernando Medina, ministro das Finanças.

    Mais importante que fazer com que o interrogado caísse em descrédito era levar o cidadão espectador a admirar a sua coragem no enfrentar os representantes do Poder.

    A tentativa infantil de mostrar que se conheciam os dossiers era outra imagem de marca destes inquiridores.

    “O Senhor diz que isso aconteceu às 21.30 mas parece que há provas de que foi às 21.25. O que tem a dizer sobre isto?”

    Perguntas só possíveis a quem desconhece que o pior que pode acontecer a um político é ele cair no ridículo.

    Semanas com o mesmo tipo de perguntas, com a agressividade a subir de tom, começaram a cansar quem, de início, apoiava a Comissão.

    Até que esta se tornou insuportável.

    Na memória de quem assistia só ficava a repetição das mesmas perguntas, os insultos constantes aos interrogados, o ar professoral, ou de gozo, dos interrogadores.

    João Galamba, ministro das Infraestruturas.

    Não foi admiração quando o tom de crítica generalizada, a quem era alvo de inquérito, passou a alguma compreensão e, mesmo, simpatia.

    Chegámos a um ponto em que o Primeiro Ministro, para sair vencedor de todas as lutas que tem que travar com estes oposicionistas, só tem que ficar quieto à espera que eles se destruam uns aos outros.

    O relatório preliminar da Comissão mostra isto mesmo à evidência.

    Desde logo porque garante que, “o Governo não interferiu na gestão da TAP”, “não sabia do valor da indemnização paga à sua administradora”, “não se conseguiu provar, por falta de evidências, que o Ministério das Finanças sabia da indemnização”.

    Depois, porque optou por não fazer considerações sobre o caso ocorrido no gabinete do Ministro João Galamba.

    Finalmente, não teve em conta inúmeras horas de debate na Comissão porque os assuntos abordados não estavam no âmbito desta.

    Ou seja, o Relatório final – redigido, como se sabia que iria acontecer, por uma Senhora Deputada do Partido Socialista – está longe de ser tão crítico para o Governo como a Oposição esperava e, em parte, compreende-se a fúria dos seus Deputados.

    António Costa, ao centro, ladeado por Ana Abrunhosa (ministra da Coesão Territorial) e Manuel Pizarro (ministro da Saúde).

    Todavia são eles os grandes culpados deste fracasso e dos efeitos secundários por ele provocado.

    Ao pretenderem extravasar as suas funções, ao quererem fazer um julgamento em praça pública em vez de um inquérito, ao quererem aparecer como grandes paladinos da Verdade, da Justiça, da Honra, esqueceram-se de olhar para baixo e verem a quantidade de pés de barro que os espectadores tão bem conhecem há tantos anos.

    Pobres diabos!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Como matar um sonho!

    Como matar um sonho!


    Não creio que haja algo de mais gratificante do que podermos exercer uma profissão de que se goste tanto que nem dê para definir como “trabalho”.

    Se a conseguirmos desempenhar, ao longo da vida, sendo ainda principescamente remunerado por tal e, graças a ela, ganharmos o estatuto de “pessoa mediática”, é o cúmulo da felicidade.

    Essa será, provavelmente, a principal razão que leva centenas de pais, por todo o mundo, a investir fortunas para que os seus filhos possam tentar vencer nessas carreiras.

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    Principalmente se considerarem que têm essas vocações.

    O futebol será, provavelmente, o exemplo mais forte.

    Não deve haver espectáculo, em todo o mundo, com tantos seguidores nem onde se invista mais dinheiro.

    A quantidade de jornais, revistas, programas de rádio e televisão que vivem deste fenómeno é caso único.

    A ligação dos adeptos às diversas equipas supera, em muito, a que os crentes têm para com as suas igrejas.

    Um adepto que se revolta quando se levanta a hipótese de aumento de uns euros aos seus governantes, considera da mais elementar justiça que se assinem contratos, com jovens de dezoito anos, com salários mensais superiores ao de todos os membros do Governo do país durante um ano.

    Obviamente que este cenário só poderia levar ao aparecimento de oportunistas querendo facturar com as expectativas das famílias de jovens a quem se aponta talento.

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    Portugal não é diferente e os casos de exploração sucedem-se.

    Nenhum com a gravidade do último caso conhecido.

    Gente importante, e com cargos na estrutura futebolística nacional, e na política, criaram uma escola, pomposamente chamada de “Academia”, para jovens a quem se reconhecesse o dom para este desporto.

    O presidente da “Academia” era, nem mais nem menos do que, o Presidente da Mesa da Assembleia-Geral da Liga Portugal.

    Entre os seus “embaixadores” constava um ex-Secretário de Estado e ex-Presidente da AICEP e TAP cujas funções, segundo o próprio, consistiam em fazer contactos com vários players nacionais e internacionais, institucionais e empresariais”, estando, entre essas entidades, “Embaixadas de Portugal no estrangeiro, Embaixadas do estrangeiro em Portugal, SEF, Ministérios e Departamentos Governamentais e empresas privadas nacionais e internacionais”.

    4 women playing soccer on green grass field during daytime

    Estes nomes e cargos, que eram apresentados aos potenciais interessados, levaram a que muitos pais, de países estrangeiros e longínquos, lhes confiassem os filhos, pagando propinas que chegavam aos dois mil euros mensais, para os formarem como futebolistas.

    O destino era uma “escola” em Riba de Ave que, veio a saber-se agora, não passava de um esquema, que as autoridades consideram criminoso, com o único intuito de ganhar dinheiro.   

    Nas buscas ao local as autoridades encontraram mais de cem jovens atletas, estrangeiros, muitos deles menores, que dormiam em camaratas fechadas a cadeado.

    Os jovens tinham acesso limitado ao exterior, tinham ficado sem os documentos e eram muitas vezes sujeitos a medidas disciplinares.

    Alguns deles, em entrevista à Rádio Renascença denunciaram a prática de retenção de passaportes dos atletas, por parte da direção, e queixaram-se de má alimentação e de restrições de circulação.

    Pelo que as autoridades concluíram que eram, alegadamente, vítimas de uma rede de tráfico de seres humanos.

    yellow and black soccer ball

    Ao contrário do “Embaixador” distraído, o Presidente do Sindicato dos Futebolistas não se mostrou surpreendido.

    Até porque já tinha denunciado estas situações, em 2021, quando alertou o então Secretário de Estado da Juventude e do Desporto para o problema.

    Garantiu que, na altura, foram convocadas as organizações, directa ou indirectamente envolvidas neste caso, nomeadamente o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Segurança Social e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que “houve uma reunião”, mas que “nada mais foi feito”.

    O terminar (ou o adiar) da concretização dos sonhos desta centena de jovens é muito preocupante.

    Os prejuízos, que este episódio pode trazer para as Academias dos clubes profissionais, que tanto têm dado ao desporto e a centenas de jovens, são incalculáveis.

    Nada que mereça a milésima parte da atenção concedida, quer pelos nossos políticos quer pelas nossas televisões, por exemplo, ao célebre roubo de um computador do gabinete de um ministro.

    timelapse photo of soccer player kicking ball

    O Governo, pelo Secretário de Estado da Juventude e Desporto, já veio considerar que “é inaceitável, chocante e condenável a situação que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nos deu a conhecer, publicamente, através de uma operação de tráfico de seres humanos numa academia”.

    Que teste magnífico para a nossa Justiça.

    Vai ser curioso conhecermos a decisão, lá para 2040!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A educação em Portugal

    A educação em Portugal


    A greve dos professores levou-me a prestar um pouco mais de atenção à Educação que se pratica no Portugal de hoje.

    Como sempre que decidi analisar, com algum cuidado, o que se passa no meu País, o resultado foi uma tremenda decepção, uma dolorosa angústia e imensas perguntas para as quais não consegui resposta.

    Começo por dizer que, não sendo expert (também) nesta área, é possível que algumas das minhas dúvidas possam parecer disparatadas à maioria daqueles que tenham a suficiente pachorra para me ler.

    red apple fruit on four pyle books

    Há, até, a hipótese de algumas das minhas observações parecerem “estranhas” (para não ser o primeiro a insultar as minhas próprias ideias).

    Ainda assim, deixo aqui algumas das questões para as quais não vislumbro resposta.

    Comecei por comparar a minha passagem pelas diversas escolas com o dia-a-dia dos estudantes de hoje.

    Lembro a escola primária do meu tempo.

    Recordo que todos os alunos do Minho ao Algarve, Ilhas e Colónias, tinham as mesmíssimas disciplinas e estudavam pelos mesmos livros.

    Desde há muito que cada escola tem os livros que o professor selecciona para cada disciplina.

    A “explicação” mais comum é que as realidades são diferentes nas diversas regiões.

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    Num país do tamanho de uma caixa de fósforos (das pequenas) a explicação não faz muito sentido.

    Menos ainda quando sabemos que os exames (ou provas, ou lá como é que se chamam, hoje) são iguais para todas as escolas do país.

    Não vejo grande problema em haver livros únicos, para cada disciplina, desde que elaborados por educadores qualificados e que não tenham, como missão, quaisquer tentativas de criação de “pensamento único” ou, pior, de incutir, nas crianças em idade escolar, as grandes linhas políticas e sociológicas de qualquer área política.

    O livro único tinha, pelo menos, a enorme vantagem de ser muito mais barato por ser editado em grandes quantidades.

    O grande murro no estômago que apanha quem começa a analisar a escola dos nossos dias é, todavia, o facilitismo, a falta de exigência, a ausência de qualidade.

    Das escolas desapareceram livros essenciais como a gramática e, até, a tabuada.

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    Hoje, um aluno vai do primeiro ano da escola primária ao último ano da universidade sem ter, nas mãos, uma gramática.

    O resultado é conhecido.

    Os erros gramaticais, mesmo de profissionais que deveriam ser mais exigentes (professores e jornalistas, por exemplo), são constantes.

    A matemática é a disciplina mais temida e odiada porque exige método, atenção e disciplina.

    Tudo o que não existe na maioria das salas de aulas onde se presta mais atenção aos telemóveis do que aos professores.

    E será “estranho” acreditar que haja material escolar “ridículo”, aos olhos de alunos, pais e professores de hoje, a fazer falta nos primeiros anos de ensino?

    Pode parecer absurdo, mas lembrei-me, por exemplo, do “caderno de duas linhas”, onde aprendíamos a escrever direito, e com letra legível, quando li que testes de miúdos de sete anos, vou escrever de novo, sete anos, serão feitos, este ano, com respostas à base de cruzinhas, em computadores.

    woman wearing blue denim jacket holding book

    Gravíssimo é, também, constatar o desdém pelo esforço e trabalho dos alunos com a ausência do prémio ao mérito e castigo ao desleixo.

    Como se pode compreender que, no fim de um ano escolar, todos os alunos passem para o ano seguinte sem se ter em conta o trabalho desenvolvido?

    Com o fim das reprovações o esforço deixou de ser valorizado e, logicamente, a qualidade do ensino baixou assustadoramente.

    A medida, recorde-se, foi tomada para poupar, aos cofres do Estado, cerca de 250 milhões de euros, visto que era estimado que cada um dos 50 mil alunos do 9º ano que, em média, reprovava todos os anos, custasse cerca de 5 mil euros.

    Fizeram contas a uma poupança imediata esquecendo os custos dessa estupidez no futuro.

    Os pais têm, por tudo o acima dito, e muitas mais razões que uma crónica não permite desenvolver, um papel cada vez mais preponderante no acompanhamento escolar dos seus filhos.

    woman in black jacket sitting on blue chair

    Tentemos perceber porque raio é que, actualmente, entre os melhores alunos das escolas portuguesas, de norte a sul, uma enorme percentagem seja de jovens chineses e ucranianos.

    Não nos preocuparmos com estas realidades, não pormos a Educação como a grande prioridade do País, vai fazer com que nos afastemos, cada vez mais, dos países desenvolvidos.

    Nada que não seja conhecido de todos.

    Apesar de tudo, vamos continuar na mesma pela simples razão que nos falta… Educação.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A maldição das condecorações

    A maldição das condecorações


    Chegou o 10 de Junho e os fornecedores de medalhas e comendas da Presidência da República esfregam as mãos numa demonstração de felicidade.

    Este é o Natal dos empresários do ramo.

    As encomendas, que foram sempre volumosas, passaram a ser extraordinárias com o Presidente dos afectos e selfies.

    Desde o 25 de Abril, as medalhas distribuídas rondam as vinte mil.

    Eanes, um militar circunspecto, entregou 4.602, Mário Soares, 5.145, Jorge Sampaio 4307 e Cavaco Silva 2.325.

    Espera-se um recorde absoluto do actual Presidente.

    Portugal, como se sabe, está cheio de gente empenhada na luta pela melhoria da vida dos seus conterrâneos, de cientistas brilhantes e com descobertas marcantes, de desportistas aclamados pelo talento reconhecido internacionalmente, de escritores consagrados por obras notáveis, de actores prestigiados por interpretações aplaudidas à exaustão, de músicos ilustres criadores de obras que todo o mundo conhece, de actores procurados por todas as grandes companhias de teatro ou realizadores de cinema.

    Isto para não falar dos inúmeros políticos que nos enchem de orgulho cada vez que se pronunciam no Parlamento, nos diversos Ministérios ou na Presidência da República.

    Quem não se curvou, respeitosamente, depois de ouvir algumas intervenções de Parlamentares, na Casa da Democracia?

    Quem não levantou, alguma vez, a cabeça e olhou, de modo sobranceiro, para um pobre estrangeiro com quem se tenha cruzado, depois de escutar, enlevado, as palavras de um qualquer Ministro, a explicar, de modo simples e pragmático, as medidas tomadas para resolver o mais complicado dos problemas?

    Quem não aguardou, com impaciência, que o Presidente Marcelo se dirigisse à Nação, quer num discurso patriótico quer numa ida a comprar gelados, certo de que as suas palavas dissipariam as mais preocupantes dúvidas e acalmariam os mais tenebrosos receios?

    Quem não aplaudiu, veementemente, o regresso, ainda que fugaz, de Cavaco, que nos permitiu concluir que, por mal que pensemos estar, estamos muito melhor do que no tempo áureo do homem de Boliqueime?

    Toda esta gente é merecedora de uma medalha no peito.

    É tudo gente que o Povo quer ver justamente agraciado com um penduricalho ou um colar.

    A ânsia com que a população aguarda os nomes dos seleccionados este ano é enorme.

    Mais, o Povo estaria receptivo a outros nomes e a outras profissões.

    Desde logo, por exemplo, os comentadores televisivos que nos esclarecem as dúvidas, nos indicam o caminho, nos sugerem interpretações.

    Começando por Marques Mendes, um crítico à sua dimensão, que fala convictamente sobre qualquer tema.

    Há, pois, uma quantidade enorme de portugueses que merecem e esperam, ansiosamente, por uma condecoração.

    Pessoalmente os nomes interessam-me por uma única razão:

    Vendo a lista dos condecorados eu sei quem serão os arguidos em processos judiciais nos próximos meses.

    É da praxe.

    O Presidente condecora, o Ministério Público acusa.

    Não sei se por causa da conhecida inveja dos portugueses, a verdade é que, nos últimos anos, condecorado mediático torna-se, em pouco tempo, arguido.

    Muitas vezes condenado.

    Recordo alguns nomes com o cuidado de os colocar por ordem alfabética porque sei que as suas acusações são de gravidades muitíssimo diferentes e acreditando, até, que alguns acabarão por ser considerados inocentes:

    António Mexia, Armando Vara, Carlos Cruz, Cristiano Ronaldo, Dias Loureiro, Diogo Gaspar, Duarte Lima, Helder Bataglia, Henrique Granadeiro, Jardim Gonçalves, João Pereira Coutinho, Joe Berardo, Jorge Ritto, José Mourinho, José Sócrates, Lino Maia, Macário Correia, Manuel Maria Carrilho, Mesquita Machado, Narciso Miranda, Ricardo Salgado, Rovisco Duarte, Valentim Loureiro e Zeinal Bava.

    Tenho a certeza de que faltarão alguns, mas esta lista dá para entender que há uma maldição nas condecorações.

    Tenho a certeza de que não passará pela cabeça de qualquer um dos responsáveis pela distribuição destas distinções, depois de ler os meus textos, ousar pensar, sequer, em entregar-me a mais insignificante delas.

    O meu mais sincero bem-haja.

    E faço votos de que o Presidente o condecore por essa inteligente decisão.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os almoços do Isaltino

    Os almoços do Isaltino


    Está difícil a vida para alguma comunicação social.

    As vendas dos jornais caíram abruptamente com a covid-19, que levou à desabituação da leitura destes, até pela proibição de passarem de mão em mão nos cafés, e as audiências nas televisões são disputadas de modo feroz e sem se olhar a meios.

    A busca de notícias sensacionalistas é uma constante.

    São raríssimas as informações correctas sobre o estado do País, os artigos de opinião, independentemente dos autores, são lidos por um número cada vez mais reduzido de interessados e as entrevistas, com especialistas nas matérias que preocupam os cidadãos mais atentos, pura e simplesmente desapareceram.

    As capas dos jornais trazem, sempre, o mesmo tipo de parangonas: o dia a dia dos futebolistas, os amores e desamores das vedetas da televisão, os crimes mais escabrosos e os escândalos políticos.

    Tudo em títulos escritos em maiúsculas e com as cores mais berrantes, nos dois primeiros casos, ou mais sombrias, nos outros.

    O que interessa é captar a atenção dos incautos.

    Na imensa maioria das vezes, depois de lida a notícia, percebe-se que o título é exageradíssimo.

    Muitas vezes absolutamente falso.

    O grande problema é que são muitos mais o que ficam pelo título do que os que se dão ao trabalho de ler todo o texto.

    E, destes últimos, uma grande parte não se preocupa em analisar todo o conteúdo.

    Quando se fala de políticos, então, tudo o que acima se escreve atinge proporções vergonhosas.

    Desde sempre que, em Portugal, falar mal dos políticos é receita fácil para o sucesso.

    Se o alvo for alguém competente, com mérito reconhecido, há que procurar qualquer facto que o faça baixar na consideração da população.

    Ao fim e ao cabo tudo se resume à conhecida inveja dos portugueses.

    A recente notícia de “gastos sumptuosos” em almoços da Câmara Municipal de Oeiras é, disso, exemplo.

    Título da notícia:

    “OEIRAS – O que mostram milhares de faturas do Executivo Autárquico

    6 ANOS DE ISALTINO €139 MIL GASTOS EM 1.441 ALMOÇOS

    Muito lavagante, sapateira, lagostas, ostras, sushi, leitão e camarão-tigre.“

    No texto da notícia falavam de uma dúzia desses mil e quatrocentos almoços “esquecendo” o mais importante.

    Analisemos, então, calmamente:

    Oeiras é um pequeno concelho com um tão grande sucesso que é, por muitos, considerado um caso de estudo.

    Em quatro décadas passou de um dormitório de Lisboa, repleto de bairros de barracas sem saneamento básico (que desapareceram por completo), para o segundo concelho cujas empresas financeiras mais facturam (vinte e cinco mil milhões de euros, ano).

    É o segundo concelho mais exportador de Portugal.

    É um concelho com os maiores índices de nível educacional do país.

    A Câmara de Oeiras é visitada, semanalmente, por políticos dos quatro cantos do Mundo, incluindo Presidentes, Primeiros-Ministros, Ministros, Embaixadores, Autarcas.

    Por artistas, escritores, desportistas, cientistas.

    Os membros do Executivo são constantemente convidados para reuniões, palestras e debates, nos mais variados países.

    A imagem do concelho é uma extraordinária mais-valia para Portugal.

    Quando todas estas personalidades visitam Oeiras, o Executivo, chefiado por Isaltino Morais, faz o que qualquer pessoa educada deve fazer, recebê-las com a qualidade que o Concelho deve exigir aos seus dirigentes.

    E não fazem mais do que a sua obrigação porque, com toda a certeza, tratamento idêntico lhes será dado quando forem eles os visitantes.

    O jornalista, autor da notícia, considera os valores gastos nestas refeições como exagerado.

    Na realidade, 139 mil euros é um número que faz pensar.

    Pelo menos até fazermos contas.

    Falamos de seis anos, 1.560 dias úteis.

    Feitas as contas, os almoços de trabalho dos membros do Executivo, e os destinados aos mais diversos convidados, custaram, ao Município, na totalidade, menos de 90 euros por dia útil.  

    Se o título tivesse estes valores qual seria o impacto da notícia?

    Felizmente a população do concelho conhece os seus autarcas e tem demonstrado uma absoluta confiança neles, o que leva a que vá aumentando, em todas as eleições, a percentagem dos seus votantes.

    Mas, apesar de anos e anos a ser perseguido de maneira ignóbil, Isaltino deve sofrer com estes ataques.

    Não sou ninguém para lhe dar conselhos, mas se ele aceitasse dir-lhe-ia que esquecesse tudo à mesa de um bom restaurante, com um bom lavagante e Moet & Chandon de entrada.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A lei da Saúde Mental

    A lei da Saúde Mental


    Foi, finalmente, publicada uma nova Lei da Saúde Mental.

    Apesar de toda a fragilidade do texto, que fica longe de resolver uma situação degradante, de imediato surgiram as mais diferenciadas reacções.

    O que é surpreendente já que, se pensarmos por uns minutos, iremos concluir que o bom senso, e algum sentido humanitário, seria mais que suficiente para uma concordância generalizada sobre o modo de encarar o problema dos doentes mentais acusados de cometerem crimes.

    woman sitting on black chair in front of glass-panel window with white curtains

    Se um cidadão prevarica terá que, obviamente, ser levado a Tribunal.

    Caso haja a suspeita de que, por doença mental, não é responsável pelo seu acto, os juízes, depois de consultados os peritos médicos, deverão determinar se é imputável ou inimputável.

    Por outras palavras, se tinha, ou não, a faculdade de perceber a gravidade do delito que cometera.

    Se o Tribunal concluir que é imputável, ou seja, que tinha perfeita consciência do seu crime, deve condená-lo e enviá-lo, em cumprimento de pena, para o Estabelecimento Prisional mais apropriado.

    Se, pelo contrário, o considerar inimputável, concluindo que o crime foi cometido sem que o cidadão tivesse consciência do seu acto, deve entregá-lo, de imediato, aos cuidados médicos de modo a que possa ser internado num Hospital apropriado à sua doença.

    A partir desse momento só os médicos devem ser responsáveis pelo futuro do doente.

    yellow smiley emoji on gray textile

    A explicação é simples: se for imputável deverá ser considerado criminoso, se for inimputável deve ser considerado doente.

    E o lugar de internamento de doentes deverá ser um hospital (nestes casos um hospital psiquiátrico) e não uma cadeia.

    Até porque, em casos de extrema gravidade, ele poderá continuar internado, em ambiente hospitalar, rodeado de enfermeiros e médicos que lhe poderão garantir a dignidade e os cuidados devidos a todos os cidadãos, até ser considerado curado.

    Mesmo que isso signifique até ao fim da sua vida.

    Só desse modo a Sociedade ficará salvaguardada de alguém perigoso.

    Algo impossível de acontecer se optarem pela reclusão já que não poderá, neste caso, ultrapassar a pena máxima de vinte e cinco anos, que a Lei estipula, devendo ser libertado ao fim desse período, independentemente do perigo que a sua libertação possa causar, quer para os outros cidadãos quer para ele próprio, já que pode ser vítima de alguém que se defenda das suas investidas, de modo mais agressivo.

    a man's hand with a handcuffs and a glass of water

    A solução lógica, portanto, é que o autor de um qualquer crime, por grave que seja, sendo imputável deva ficar sob a responsabilidade dos Tribunais mas, sendo inimputável, deverá passar, de imediato, para a responsabilidade do Ministério da Saúde.

    Prender alguém pelo “crime” de ser doente é que é contra tudo o que um Estado Democrático pode aceitar.

    No entanto, o que acontecia e a Lei agora aprovada mantém, era a hipótese de um inimputável ficar “internado” numa cadeia.

    A única alteração, com as novas regras, é o facto de não poder continuar em reclusão depois de terminar o tempo da sua pena e até ser considerado curado.

    Desde logo porque não se percebia porque é que teria de ser um Magistrado a decidir se um Inimputável poderia ser considerado curado, ao ponto de reintegrar a Sociedade, ou não.

    Até agora o documento que tornava isso possível era um mandato de libertação assinado por um Juiz.

    Parece óbvio que essa decisão deveria ser um documento de alta, assinada por médicos, e sob a responsabilidade única destes.

    Photo Of Woman Resting On The Couch

    Argumentam, alguns, que o Juiz, antes de decidir, ouvia peritos médicos.

    Porém, das duas um: ou o parecer dos médicos era vinculativo, e então não se percebe o papel do Juiz já que, neste caso, teria de obedecer aqueles, ou era simplesmente consultivo, e então há que perceber porque é que a opinião do Juiz, num caso de saúde, podia ser mais determinante do que a dos médicos.

    Esta Lei, que anula a hipótese de prisão perpétua para reclusos doentes, vai permitir, contudo, que as nossas cadeias continuem a ter, nas suas celas, dezenas de doentes, inimputáveis.

    Embora, a partir de agora, não se possa prolongar o tempo de prisão a que tiverem sido condenados em julgamento.

    E aí a questão torna a colocar-se: se o condenado era inimputável, nos momentos do crime e em que foi julgado, como pode ser possível que haja uma qualquer condenação?

    Red Haired Woman in Dark Room

    Logo, não seria este o momento certo para a Lei obrigar à transferência de todos estes cidadãos para hospitais psiquiátricos, passando a ficar exclusivamente sob a dependência do Ministério da Saúde e não de Tribunais?

    A realidade é que os reclusos são os cidadãos mais excluídos da nossa sociedade e que os inimputáveis são os mais desprotegidos entre aqueles.

    Uma tristeza.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A canonização para Carlos Moedas, já!

    A canonização para Carlos Moedas, já!


    Recordo Mário Soares a repetir, à exaustão, que “Portugal é um País Republicano e Laico!”

    (Tudo com letras maiúsculas para ficar claro.)

    Também não esqueço que a maioria do Povo português é católica.

    Que a imensa maioria de nós teve uma educação cristã.

    Que, nos momentos de maiores dificuldades, ou de temor, invocamos o nome de Deus.

    Muitas vezes, em vão.

    A Jornada Mundial da Juventude pode ser um marco importante para centenas de milhares de jovens e, logo, das suas Famílias.

    E, reconheço, tenho pelo Papa Francisco admiração e respeito.

    Gosto de muitas das suas atitudes como Homem.

    Considero-o um Avô simpático, carinhoso, com uma palavra sábia no momento certo e, sobretudo, dotado de sentido de humor, o que, para mim, é essencial.

    Como representante máximo da Igreja Católica… estou em desacordo com muito do que ele defende.

    Dito isto, reconheço que fiquei feliz com a vinda de Sua Santidade o Papa Francisco a Portugal.

    Tenho tentado seguir todos os preparativos para esta Festa (porque tem que ser uma Festa) mas, a pouco e pouco, fui ficando menos entusiasmado.

    person wearing white cap looking down under cloudy sky during daytime

    Não foi surpresa a ânsia dos políticos a quererem mostrar empenho no apoio às Jornadas, sempre com a intenção de procurarem o título de anfitrião-mor!

    O Presidente do Município de Lisboa, que há uns tempos é quase o Presidente das Jornadas, não se tem cansado nessa busca.

    Todos os dias apresentando projectos grandiosos, programas ultra-ambiciosos, ideias superlativas.

    Lembro, por exemplo, o “Melga-Palco” que, depois de reduzido no seu tamanho inicial, por gente mais consciente, digamos assim para sermos simpáticos, ficou, ainda assim, um melga-palco.

    Quase quatro milhões de euros por um mamarracho que servirá para um único dia – por muito que tentem convencer-me do contrário não consigo imaginar qualquer utilidade para aquela coisa – mais vinte e cinco milhões (antes das derrapagens) para outras obras, é quanto o Município de Lisboa vai “investir” nas Jornadas.

    Uma gota de água se compararmos com o custo final, mas isso, como dizem na minha terra, “são outros trezentos”!

    Porém, as preocupações de Carlos Moedas não se ficam pelo Parque Tejo.

    Lisboa tem imensa necessidade de obras para receber, dignamente, o Sumo Pontífice, concluiu depois de viajar pela capital, quiçá pela primeira vez.

    Preocupações enormes foram surgindo à medida que a percorria.

    “Que falo é este?” perguntou num grito, e de olhos esbugalhados, quando vislumbrou a peça com que João Cutileiro resolveu comemorar o 25 de Abril de 1974.  

    De imediato concluiu que aquela obra não conjugava com o segundo altar onde o Papa rezará, no Parque Eduardo VII, e que estava previsto ficar exactamente onde se encontra o monumento de noventa toneladas.

    Nada que demovesse o Presidente de agradar à Igreja pelo que decidiu pedir à família do escultor para autorizar a que a Obra fosse retirada daquele local.

    A família até anuiu sem colocar qualquer entrave.

    a large body of water with a tall building in the background

    Talvez por isso, resolveu optar por medida “mais em conta”, propondo tapar o monumento, provavelmente para que os jovens não venham a saber que foi aquela a maneira como o escultor resolveu homenagear a “virilidade e solidez dos Capitães de Abril”!

    Mas, obviamente, arranjou uma desculpa mais “politicamente correcta”: “O monumento precisa de obras urgentes e a Câmara Municipal de Lisboa admite que pode vir a ser tapado durante o evento. Negamos que a ideia seja escondê-lo do Papa Francisco”.

    Finalmente passou pela Baixa e… cúmulo dos cúmulos, descobriu que havia sem-abrigos a dormir na rua, em tendas!

    Como se Lisboa fosse uma cidade africana!!!

    A Polícia Municipal retirou as centenas de camas improvisadas, barracas e camas de cartão deixando as avenidas a brilhar.

    À pergunta se isso se devia à vinda do Papa, a resposta esperada:

    “Só por má-fé se pode dizer isso. É uma Operação planeada há muito tempo e só por coincidência levada a cabo na véspera da chegada de Sua Santidade. A nossa preocupação é dar um sítio digno para estes cidadãos viverem”.

    gold and black cross on white concrete building

    Esqueceu-se de dizer onde vão ficar, agora, aqueles infelizes, mas uma pessoa não se pode lembrar de tudo.

    Não sei se, por muito bem que corram as Jornadas, esta actuação de Moedas o levará a ficar na fila para ser canonizado.

    Mas o que ele se tem esforçado!…

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.