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  • Serviço Nacional de Saúde: as saudades que tenho do ‘SNS do Arnaut’

    Serviço Nacional de Saúde: as saudades que tenho do ‘SNS do Arnaut’


    O que se passa com a Saúde em Portugal?

    Ouvimos críticas diárias da população, em geral, e de praticamente todos os políticos que não sejam os do Partido no Poder.

    Os médicos e os enfermeiros andam em luta, há meses, com reivindicações que o Governo considera impossíveis de atender.

    doctor holding red stethoscope

    Os Bombeiros não conseguem fazer o seu trabalho em condições, já não só por falta de verba mas porque as suas ambulâncias ficam paradas, durante horas, às portas dos hospitais, porque os doentes que transportam têm de ficar nas macas das viaturas por não haver camas vagas no edifício.

    A maior parte dos hospitais vão perdendo médicos especialistas levando a que os seus antigos utentes se tenham que deslocar para outras localidades, muitas vezes a dezenas de quilómetros de distância. 

    No entanto, sempre que o Primeiro-Ministro se debruça sobre este tema é peremptório: nunca houve tantos médicos em Portugal, o número de consultas tem aumentado em dezenas de milhares todos os anos, tal como as cirurgias e, mais, nunca se investiu tanto na saúde como nos dias de hoje com o Orçamento do Serviço Nacional de Saúde a chegar aos 14 mil milhões de euros.

    Fiquei um pouco mais esclarecido – sobre o que tem levado a esta aparente contradição, de haver cada vez mais médicos, consultas, cirurgias e dinheiro, mas, em simultâneo, um aumento nas queixas por dificuldades nos atendimentos, incluindo aos doentes em risco, e um descontentamento generalizado de médicos, enfermeiros e utentes – quando li um texto do Professor Miguel Gouveia, da Universidade Católica de Lisboa.

    Escreveu ele:

    O problema é que no SNS estes profissionais de saúde têm uma produtividade baixa. A raiz do problema não é apenas a redução do horário de trabalho de alguns profissionais para as 35 horas semanais. As estimativas da produtividade por hora trabalhada indicam que mesmo nesta perspetiva mais específica a situação se deteriorou.

    Porque é que a produtividade dos profissionais de saúde baixou? Não é por falta de esforço ou pelas poucas horas de trabalho. Pelo contrário, as preocupações são que muitos profissionais de saúde estão em situação de “burn out”, ou seja, no limiar ou para lá do esgotamento. Como se explica então que haja mais médicos, que estes trabalhem tão intensamente e que tantos problemas de saúde não sejam resolvidos?”

    Quando eu pensava que o Professor Miguel Gouveia seria mais um a apontar para o envelhecimento da população como razão principal para o problema, fiquei surpreendido ao constatar que, sendo este um dos motivos apontados, os dois principais culpados deste caos, para ele, são a má gestão dos hospitais e “o não financiar de forma razoável as unidades de cuidados continuados, na sua grande maioria não estatais” fazendo com que “o Estado tenha estado a estrangular estas unidades e a reduzir a sua capacidade de oferta de cuidados e logo a forçar o desvio para dentro do SNS de muitos consumos de recursos”.

    Este texto, que devia ser de leitura obrigatória, é elucidativo sobre a criação e ampliação deste enorme problema, mas dá, também, algumas pistas para a sua correcção.

    Se, pelo menos, os responsáveis o tivessem em conta, talvez fossem evitados alguns dos dramas que se vivem nos nossos hospitais e que já vão sendo de tal modo frequentes que começamos a ser cúmplices das maiores vergonhas e humilhações a que os cidadãos que procuram cuidados médicos estão sujeitos.

    Nem que seja pelo silêncio e pelo engolir da revolta.

    É que a remodelação profunda no Serviço Nacional de Saúde também passa, ou deveria começar, pela consciência que todos os que ali trabalham deveriam ter pela gente fragilizada, muitas vezes em pânico, que a eles recorre como sendo a sua última esperança.

    Sim, muitas vezes estes profissionais estão esgotados, e legitimamente zangados, pelo modo como o Estado, e alguns utentes, os tratam.

    Sim, muitas vezes sentem-se impotentes por não terem os meios para o cumprimento escrupuloso da sua missão e têm que improvisar, que fazer horas extraordinárias e deixarem a sua vida, e a dos seus, para trás.

    No entanto, há linhas limite que não podem ser ultrapassadas. Custe o que custar.

    Esta semana atingiu-se o apogeu da falta de profissionalismo no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, onde uma jovem de 32 anos, grávida de oito meses, foi informada, numa consulta de rotina, que a filha “não tinha batimentos cardíacos”.  

    Foi medicada “para induzir o parto” e mandada para casa.

    No dia seguinte regressou ao hospital para o parto mas, por não haver pessoal para o realizar, voltou para a sua residência com o feto na barriga.

    A jovem optou por não ficar na enfermaria porque iria ficar “com outras mulheres grávidas ou recém-mães com os seus bebés” o que, obviamente, iria aumentar o seu terrível trauma.

    Só três dias depois o parto foi feito.

    woman in white lace sleeveless dress standing beside brown wooden crib

    Sou um acérrimo defensor do Serviço Nacional de Saúde e estou imensamente grato aos seus fundadores e a todos os profissionais com que me tenho cruzado.

    Mas sei que nem eles se revêm naquilo em que ele se transformou.

    Tenho saudades do meu SNS.

    Do SNS de António Arnaut.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • ISS: Impostos sobre sucata

    ISS: Impostos sobre sucata


    A imaginação do Ministro das Finanças não tem limites.

    Descobriu (também não era difícil) que os portugueses, há muito, tinham deixado de poder comprar veículos novos, muito pela sobrecarga dos impostos que têm de pagar, e encontrou uma solução para aumentar as receitas: cobrar impostos mais elevados aos carros com data de matrícula anterior a 2007.

    Segundo as contas de Fernando Medina, o Imposto Único de Circulação aumentará, para todos, à taxa de inflação, mas será mais penalizador para os mais antigos.

    Vintage rusty broken car on gravel

    Contas feitas por especialistas garantem, no entanto, que há a possibilidade de veículos, a gasóleo, anteriores a 2007, terem um agravamento do IUC de 1.746%.

    Vou escrever por extenso para se perceber bem: mil setecentos e quarenta e seis por cento!

    Esperemos que a inflação não chegue a esses números…

    O jornal ECO fez contas e concluiu que o IUC dos automóveis a gasolina aumentará, em média, 347% e os carros a gasóleo contarão com um aumento médio do imposto de 591% durante os próximos anos”.

    A “desculpa” dada para este aumento prende-se com a diferença actualmente existente no imposto pago entre alguns carros, a gasóleo, com matrículas anteriores a 2007 e os mais recentes.

    Garante o Governo que, por uma questão de justiça, se deveria diminuir essa diferença que chega a ser de sete vezes menos para os mais antigos.

    “Esquecem”, todavia, que os carros com matrícula anterior a julho de 2007 pagam hoje menos IUC (tal como nos últimos 16 anos) porque pagaram mais impostos no momento da sua aquisição.

    selective focus photography of assorted-color vehicles

    A realidade é que os carros velhos, de modo geral, são usados pelos portugueses de meia idade e idosos, muitos deles sobrevivendo, unicamente, com reduzidas pensões.

    Ou por trabalhadores com salários baixos, que precisam do seu automóvel para a labuta diária, mas sem dinheiro para o mudar por um mais novo.

    Tudo gente que raramente recebe uma boa notícia e que, quando tal acontece, sabe convictamente que a sua alegria não vai demorar muito.

    Aumento na pensão?

    Em breve chegará um aviso das Finanças com um novo imposto de valor superior a tal aumento.

    Fim das taxas moderadoras?

    Aumento substancial nos medicamentos.

    Muitíssimos trabalhadores portugueses, bem como praticamente todos os pequenos empresários, repito, têm o seu automóvel como uma “ferramenta” absolutamente essencial para o desempenho da sua profissão.

    wrecked single cab pickup truck on field

    Custa-lhes caro.

    Os combustíveis não param de aumentar, as reparações são absurdamente caras, tal como os seguros.

    Com este aumento num dos impostos a situação vai piorar ao nível do incomportável.

    Pode optar por mandar a viatura para abate, a troco de cem euros, e passar a andar de transportes públicos.

    Se e quando os houver.

    Se, porque em muitas localidades são uma miragem.

    Quando, porque são imensos os dias em que estes não cumprem os horários, seja pelo número de greves, seja por avarias ou, simplesmente, pela incompetência de gestores e preguiça dos motoristas.

    Tentei deixar de lado estas notícias, para não deteriorar, ainda mais, a minha saúde e começar a pensar em coisas mais agradáveis.

    green car

    Decidi preparar um petisco e sentar-me a ler um bom livro.

    Chegado à cozinha, olhando em volta, fiquei em pânico.

    Quando é que o Medina vai pensar em criar impostos sobre os electrodomésticos antigos?

    Se não pelo ambiente (desculpa que tem servido para tudo), por razões estéticas, por exemplo.

    É que o meu frigorífico já não vai para novo, o fogão tem o forno a trabalhar a cinquenta por cento e o micro-ondas faz birras.

    Sabendo que a diferença entre um cidadão vulgar e um membro do Governo é que enquanto aqueles se deparam com problemas estes arregalam os olhos perante oportunidades de fazer dinheiro, a constatação do estado destes aparelhos é um péssimo presságio.

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    Este país não é o mais indicado para a “peste grisalha”, avisou-nos um deputado, que muitos apelidaram de imbecil, mas que, com toda a certeza, não corre o risco de ver aumentar o imposto dos seus automóveis.

    É menino para ter vários, mas todos comprados nos últimos anos.

    Tivesse eu força e coragem e seguiria o conselho de outro político, não menos imbecil, e emigraria.

    Vítor Ilharco é assessor


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  • Um catraio de fato de treino

    Um catraio de fato de treino


    O Orçamento de Estado é, indiscutivelmente, um dos principais documentos políticos, elaborado pelo Governo, para posterior análise e aprovação da Assembleia da República.

    Nele são definidas as grandes prioridades do Executivo e é a sua leitura que permite saber, com exactidão, quais as reais prioridades de quem nos governa pois ali são discriminadas todas as verbas destinadas a cada um dos sectores da nossa vida em comum.

    A leitura atenta e a análise profunda, são uma obrigação óbvia dos políticos de todas as tendências, mas também dos empresários, sindicalistas, economistas, jornalistas e, de um modo geral, de todos quantos se preocupam com o dia-a-dia do País.

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    A verificação, até ao mais ínfimo pormenor, que pode até ser considerada científica, é uma obrigação para quem tenha como intuito uma carreira política.

    Até porque, é sabido, o Orçamento de Estado é analisado, com toda a minúcia, também na Comunidade Internacional, em geral, e na Europeia em particular.

    A Oposição espera, com ansiedade, a divulgação do documento.

    De um modo geral para poder demonstrar as divergências que tem com o Executivo na escolha dos principais objectivos e nas verbas a atribuir a cada área.

    A população, nomeadamente a mais esclarecida, fica a aguardar as explicações do Governo, que tentará provar o rigor e a correção das suas opções, mas também, as críticas da Oposição indicando eventuais más escolhas nas preferências do Executivo.

    A apresentação do Orçamento para 2024 não fugiu à regra.

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    Logo após a entrega na Assembleia da República, e distribuído pelos Grupos Parlamentares, o Orçamento começou a receber todo o género de críticas.

    A primeira surpresa veio da velocidade com que os deputados conseguiram ler um documento extenso e que, como ensinam na Faculdade, “contém três documentos essenciais: a Lei do Orçamento do Estado, o Relatório Descritivo e os Mapas de Previsões”, sendo que “cada um destes documentos desempenha uma missão fundamental para a rigorosa e organizada gestão das finanças nacionais, sendo alvo do escrutínio e análise das diferentes instituições democráticas. O conjunto de todos os documentos, com diferentes graus de detalhe, reúne não só informação analítica relacionada com o Orçamento, mas também várias definições estratégicas e políticas que estão na sua base.”

    Nada que deputados, e líderes políticos, não tenham conseguido apreender em poucos minutos.

    Ouvi, atentamente, os representantes de todos os partidos na Oposição.

    De um modo geral foram muito críticos aos autores do documento e prometendo, desde logo, um inócuo voto contra a aprovação do mesmo.

    Inócuo porque, tendo o Partido do Executivo uma maioria absoluta no Parlamento, o Orçamento será, evidentemente, aprovado.

    Ainda assim, ouvi com interesse e toda a atenção, as críticas sendo que, com muitas delas, estava de acordo.

    Aguardei, com pouca expectativa, reconheço, a análise do líder da Oposição que, por enquanto, ainda é o Presidente do PSD.

    Por absoluta deficiência da qualidade da imagem do meu televisor, apareceu um catraio, vestido com um fato de treino, com um palito ao canto da boca, que definiu , deste modo, o documento:

    “É assim uma espécie, mais uma vez, de um orçamento pipi, de um orçamento que aparece bem vestidinho, muito apresentadinho, mas que é só aparência, é assim muito betinho.”

    Os responsáveis de Escolas e Universidades, Hospitais e Centros de Saúde, Polícias e Forças Armadas, Investigação, Cultura, Desporto, Prevenção e Combate aos Incêndios, Transportes Públicos e Justiça ficaram esclarecidos sobre a alternativa ao Governo actual.

    Este candidato a Primeiro-Ministro de Portugal já tinha aparecido, há dias, nas televisões, para dar a sua opinião sobre as diferenças políticas entre o Partido Socialista e o Chega.

    Dizia o rapaz de fato de treino e palito ao canto da boca, que António Costa e André Ventura eram “um casal de namorados que andavam aos beijinhos um ao outro” só para fazerem ciúmes ao seu Partido.

    Como ninguém tem coragem para o impedir de se chegar a um microfone só espero, para bem de todos, que este Governo tenha, no momento do debate sobre o Orçamento para 2025, um outro líder de Oposição e que esse não se veja forçado a descer de um andaime de obras para falar em nome do seu Partido.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ensaio sobre os chalupas

    Ensaio sobre os chalupas


    Os dicionários ensinam que chalupa é “uma pequena embarcação com um ou dois mastros, usada sobretudo para navegação de cabotagem”.

    Depois, acrescentam que a palavra também pode definir “pessoa que perdeu o uso da razão, que não tem sanidade mental, que é demente, doido, maluco”.

    Conheço gente, cruzo-me diariamente com muita, a quem o segundo significado fica que nem uma luva.

    Não conseguirei distinguir a chalupa/embarcação, de um cacilheiro ou de um barco de pesca.

    Preferia que fosse o contrário, mas não sou conhecido pela minha sorte.

    man in black crew neck shirt

    Vem isto a propósito de um comentário do nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aos jornalistas do “Tal & Qual”, quando estes o questionaram sobre o seu equilíbrio mental, devido ao comentário que fez sobre o decote de uma jovem lusodescendente, no Canadá: “Ainda apanha uma gripe, já viu bem, com esse decote?”

    A questão, que tem a sua pertinência porque, a provar-se tal deficiência, seria motivo para a sua destituição do cargo, mereceu a seguinte resposta:

    Não estou maluco, estou igual ao que sempre fui, mas prometo quando tiver o primeiro sinal avalizado por especialistas, ou sentido por mim, telefono ao Tal&Qual e aviso que estou chalupa“.

    Foi pouco esclarecedor e confuso.

    Em primeiro lugar, o facto de dizer que está “igual ao que sempre foi” tanto pode provar que “ele não está chalupa” como “ele sempre foi chalupa”.

    Dúvida que fica mais forte depois do relato do jornal sobre caso idêntico passado em 2005.

    “Enquanto estava num jantar-conferência da Universidade de Verão do PSD, uma aluna de 19 anos, disse o seguinte ao então professor e comentador político: Gostava de dizer que o grupo azul não está hipnotizado, mas ouviu com toda a atenção e todo o prazer.

    Marcelo respondeu na altura: “Começo por dizer que hipnotizado estou eu com o decote da companheira! Obviamente não pelo decote, mas pela beleza da companheira!”.

    Em segundo lugar porque admite a hipótese de alertar a população para o facto de estar chalupa no caso de se sentir tal.

    Tanto quanto julgo saber, qualquer chalupa negará, sempre, que é chalupa.

    Pior, quanto mais chalupa for, mais veementemente se recusará a admitir que o é.

    Muitíssimo pior, se chegar ao apogeu da “chalupice” (seja lá isso o que for) até nos especialistas deixar de acreditar.

    Sei que o texto a que me estou a referir foi escrito em termos simpáticos, bem-humorados e a tentar tornar inócuos estes episódios.

    Comigo resultaria se, ao mesmo tempo, não houvesse outras frases bombásticas do nosso Presidente.

    Infelizmente, houve.

    O último exemplar da revista “Sábado” traz a seguinte citação de uma frase proferida pelo Presidente, na conferência da Confederação do Turismo:

    “Pela primeira vez estou optimista. Temia chegar ao fim do mandato sem sequer ver a primeira pedra do aeroporto.”

    A frase é ambígua, outra vez, porque não esclarece de que aeroporto fala e não é óbvio que a primeira pedra que ambiciona ver seja a indicadora da construção de um novo.

    Pode, muito bem, estar a falar da primeira pedra, lançada há décadas, no início da construção de um já existente.

    Pelo que se conhece de Marcelo Rebelo de Sousa, parece óbvio, todavia, que ele se refere ao sempre anunciado novo aeroporto de Lisboa.

    O Aeroporto Santa Engrácia.

    E isso é muito preocupante.

    Se se confirmar esta última hipótese seria caso para ser “avalizado” pelos especialistas de saúde mental.

    O seu segundo mandato – que é, como se sabe, de cinco anos – começou em 2021, pelo que dois desses anos já se passaram, e terminará, se tudo correr normalmente, em 2026.

    Marcelo pensará que, durante esse período, vai assistir, quiçá participar, ao lançamento da primeira pedra do novo aeroporto de Lisboa (digamos assim), que ainda ninguém sabe, ao fim de décadas de estudos, propostas e concursos, onde será construído.

    E diz isso sem se rir?…

    Há quem diga que “muito riso, pouco siso”.

    Neste caso, é exactamente o contrário.

    Dizer o que disse, sem se rir, é preocupante porque, quem não o conheça bem, vai pensar que falou depois de ponderar.

    E até acreditar no que diz.

    As suas palavras não serão tão graves como as garantias do seu antecessor sobre a qualidade das contas do BES, há que reconhecer.

    Todavia, a simples hipótese de acreditar na possibilidade que anunciou, vai deixar muita gente a pensar que, a qualquer momento, o “Tal & Qual” irá receber uma chamada preocupante de Marcelo Rebelo de Sousa.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ecologistas radicais

    Ecologistas radicais


    Acredito que não haja um único cidadão, com um nível de cultura médio, que não esteja de acordo com a necessidade da defesa do ambiente.

    O problema é que, de igual modo, mesmo entre estes, uma grande maioria pensa que o simples facto da mudança individual de hábitos, em prol deste objectivo, tenha resultados significativos a nível global.

    Que importância terá que eu compre um carro de que gosto embora saiba que é mais poluidor do que o habitual?

    Que mal vem ao mundo se eu estiver quinze minutos, diariamente, debaixo do chuveiro para um duche retemperador?

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    Separar o lixo, em casa, é importante mesmo sabendo que, depois, em muitos concelhos, a recolha é feita misturando tudo por falta de viaturas apropriadas para levar o processo até ao fim?

    Porque é que eu não poderei comprar computadores, ou telemóveis, de última geração, mesmo tendo outros em bom estado e com todas as condições para todos os meus trabalhos?

    Regressar aos sacos de pano, para evitar, numa ida às compras, o gasto de alguns sacos de plástico, que importância pode ter a nível global?

    As respostas a estas, e a tantas outras perguntas acerca do despesismo desenfreado em água, material plástico, produtos petrolíferos, transportes, seria extraordinariamente surpreendente.

    A consciência colectiva só pode existir, obviamente, com o apoio de todos e cada um dos cidadãos.

    É fácil culpar as grandes empresas e os governos dos países mais poluidores.

    Evidentemente que são eles os culpados. Mas só porque há milhões de “eus” a optar pelos seus produtos.

    Os radicalistas começaram a explicar tudo isto de modo simples e sentido.

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    Quase sempre com o apoio de uma juventude cada vez mais culta e interventiva.

    A mensagem começou a passar e a ganhar força.

    Começou, até, a ser moda.

    Às manifestações públicas aderiam dezenas de milhares de cidadãos.

    As televisões divulgavam.

    Os políticos começaram a prestar atenção (e um apoio envergonhado) ao Movimento.

    Os partidos Verdes começaram a ganhar força e militantes.

    Como seria de esperar as grandes empresas industriais, para quem o lucro é o essencial, reagiram.

    E fizeram-no com profissionalismo e grandes investimentos, tentando pôr em causa as informações de cientistas de diversos países.

    Chegou-se ao ponto de um Vice-Presidente dos Estados Unidos, se apresentar como candidato à Presidência usando o combate contra a política ambiental como bandeira na campanha eleitoral.

    Al Gore em debate contra George Bush nas eleições presidenciais norte-americanas de 2000.

    Este, Al Gore, Vice-Presidente de Bill Clinton, perdeu contra George W. Bush por uma percentagem de 0,009 dos votos.

    A ecologia acabou, de novo, derrotada pelo apoio da indústria petrolífera e de todas aquelas que sentiam poder perder lucros fabulosos se fossem criadas as restrições que se impunham em prol da conservação ambiental.

    Campanhas fortíssimas de publicidade, denegrindo os esforços de ecologistas, pondo em causa todas as suas informações e teorias, muitas vezes sem permitir contraditório, começaram a fazer com que estes perdessem algum do seu protagonismo e espaço na comunicação social.

    Contra isso, iniciaram uma luta que se mostrou desastrosa porque baseada num radicalismo que uma grande franja dos seus apoiantes não entendia e considerava exagerada e, mesmo, ilegal.

    Acções como as da Greenpeace e da Just Stop Oil, atacando petroleiros, ou, noutra proporção, invadindo e destruindo, propriedades privadas, como aconteceu em Portugal, num campo de milho transgénico de uma herdade de Silves, fizeram milhares de pessoas descrer destes activistas e, por arrastamento, deixarem de apoiar a sua luta.

    man in green hoodie walking on street during daytime

    Nos Estados Unidos, por exemplo, o FBI considera alguns movimentos ecológicos como “terroristas” acusando-os de envolvimento em incêndios criminosos, em empresas revendedoras de veículos desportivos de vários estados americanos, de ataques contra laboratórios que usam animais em pesquisas e contra a indústria farmacêutica e cosmética. Os ataques não terão causado mortos, mas, de acordo com o FBI, esses atentados têm-se tornado maiores e mais frequentes nos últimos tempos.

    A ânsia de dar nas vistas leva alguns activistas à tomada de medidas que a população critica e que, muitas vezes, fazem passar uma imagem de infantilidade e má-educação que acaba por se virar contra eles.

    A última cena, com um grupo de imbecis atirando ovos com tinta verde ao Ministro do Ambiente, em Portugal, é disso um exemplo.

    Para mais, este nem sequer apresentou queixa fazendo passar a ideia que considerava os agressores uns desmiolados inimputáveis.

    O radicalismo é, sempre, uma prova de menoridade.

    green leafed plant in egg shell

    Os ecologistas terão, para defesa de todos, de regressar à actividade com base num trabalho de esclarecimento credível, porque assente em estudo, seguindo os conselhos dos cientistas e estudiosos do tema, e sem facilitarem nos seus posicionamentos pessoais.

    O seu comportamento, no dia-a-dia, tem de ser condizente com o que dizem defender.

    Um ecologista “Frei Tomás, faz o que ele diz e não faças o que ele faz” não só não merece qualquer crédito como é o principal inimigo da comunidade científica.

    E isso, aqueles que querem um Planeta melhor, não lhes podem perdoar.

    Vítor Ilharco é assessor


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  • Estou com os azeites

    Estou com os azeites


    As últimas notícias, sobre o aumento em produtos essenciais, têm feito com que a minha tensão arterial suba, os nervos fiquem descontrolados e a raiva me invada.

    Sempre que algum Governo anuncia um aumento de três, ou quatro, por cento, nos salários ou nas reformas, logo aparecem responsáveis pela produção e venda de produtos de primeira necessidade a apontar para subidas vertiginosas nos produtos essenciais à nossa vida.

    Hoje, a notícia é a de que o azeite deve chegar, em breve, aos dez euros por litro. Talvez mais.

    Em Espanha já optaram por assaltar um armazém para roubar azeite no valor de 420.000 €.

    Conseguiram mais do que se tivessem levado todo o conteúdo de um cofre bancário.

    Sou um português idoso e, para aqueles que dizem que a vida, hoje, está difícil, quero garantir que este é o estado normal de Portugal desde que me conheço.

    Lembro bem o saudoso Raul Solnado a queixar-se do custo de vida, em relação ao seu ordenado, que estaria longe de ser dos mais baixos:

    “Com este meu salário, e o aumento do custo de vida, passo grandes dificuldades nos últimos dias de cada mês. Principalmente nos últimos vinte e nove!”

    A vida melhorou imenso nestas últimas décadas, há que reconhecer, mas é nossa sina nunca conseguirmos apanhar os países mais desenvolvidos.

    10 and 20 banknotes on concrete surface

    E sem que consigamos estar de acordo quanto às verdadeiras razões desse falhanço.

    A dimensão do país?

    Mas há países muito mais pequenos e muito mais evoluídos.

    As riquezas naturais?

    Há países com muito menos que nós e onde os habitantes têm uma vida melhor.

    Será pela capacidade intelectual dos portugueses?

    Mas como, se em todos os países de referência, há portugueses em lugares de destaque e tornando os países para onde imigraram mais ricos e poderosos?

    A explicação mais coerente, pelo menos para mim, é que Portugal tem sido, ao longo de séculos, mal governado.

    Os portugueses consideraram, sempre, os políticos como indivíduos à procura de “tachos” e dos proveitos que poderão ter, depois de saírem do Governo (“a posta, depois da pasta”, dizia-se no tempo de Salazar).

    E têm alguma razão.

    close-up photo of assorted coins

    Não querem é entender o porquê desta situação.

    E a resposta é simples se formos analisando, friamente, o que se passa.

    Portugal tem gente competente para constituir um muito bom Governo?

    Resposta: “Sim, sem dúvida!”

    Essas pessoas seguem essa carreira?

    Resposta: “A imensa maioria, não!”

    Sabemos porquê?

    Resposta: “Sim. Porque consideram que os cargos de ministros, secretários de Estado, deputados, autarcas, são mal pagos e conseguem ordenados muito superiores nas empresas privadas.”

    Devíamos pensar nisto.

    Não pagar, a um putativo Ministro – capaz de apresentar obra, com aptidão para fazer evoluir o país, que seja competente, culto e com provas dadas na sua área – um ordenado equiparado ao que as empresas privadas lhe oferecem, optando pela solução mais barata, que é o escolher jovens acabados de sair das faculdades ou das “juventudes partidárias”, sem experiência de vida, sem cultura, sem curriculum, não pode dar bom resultado.

    Apostamos na poupança imediata e perdemos, pela incompetência dos escolhidos, milhões de euros e anos de progresso a médio e longo prazo.

    E o pior é que tudo isto acontece, de igual modo, nas diversas oposições.

    Salvo raríssimas excepções, os líderes dos partidos fora do Governo são igualmente maus, pelo que os eleitores não têm qualquer esperança numa mudança radical, a curto prazo.    

    Os discursos destes são, de um modo geral, de uma pobreza atroz.

    Alguém lhes terá dito que uma frase com sentido de humor é eficaz, esquecendo-se de os informar que o humor é irmão siamês da inteligência.

    O resultado, muitas vezes, é catastrófico.

    Montenegro, por exemplo, considerou hilariante dizer que o actual Primeiro-Ministro e o líder do Chega “são namorados e andam aos beijinhos”.

    Não deu vontade de rir mas, sim, de lhe calçar uns patins a jacto que o levassem até Boliqueime para sabermos se Cavaco Silva repetiria que o rapaz está mais preparado para ser Primeiro-Ministro do que ele estava quando assumiu esse cargo pela primeira vez?

    Para mim seria um empate técnico, mas espero não ter que vir a descobrir se estou certo porque isso seria sinal de que o povo português tinha ensandecido no momento da votação.

    Os últimos dias têm sido penosos.

    Tivemos que acompanhar o debate da Moção de Censura ao Governo, que resultou nas oposições a censurarem-se entre elas, para gáudio dos militantes do PS, ouvir a intervenção de Marcelo, dizendo que “we are bacalhau, we are caldo verde, we are cozido à portuguesa, we are vira, we are corridinho e fandango”, esquecendo-se de acrescentar “we are os idiotas da Europa” e ficámos a saber que Cavaco Silva escreveu um livro intitulado O Primeiro-Ministro e a arte de governar.

    Fiquei convencido de que este país não tem cura.

    Desculpem o meu desalento, mas, como sabem, eu costumo andar em contramão e, hoje, estou com os azeites.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O ridículo mata

    O ridículo mata


    Um professor de História, nos meus tempos de Liceu, garantiu à sua turma de alunos que Winston Churchill teria afirmado que “Governo que não cai com um Golpe de Estado pode cair pelo ridículo”.

    Não consegui encontrar essa citação em mais lado nenhum, mas acredito que a frase tem lógica.

    Quando um governante, ou um chefe, toma uma atitude ridícula, seja para se promover seja para se justificar, consegue unicamente que se ponha em causa a sua sanidade mental.

    Por alguma razão os políticos actuais contratam assessores com a intenção de que estes os alertem para os riscos que alguns discursos, ou atitudes, possam causar.

    Ainda assim, somos confrontados, diariamente, com situações que nos fazem questionar o bom senso de alguns deles.

    Lembro as inúmeras intervenções dos líderes de todos os partidos da oposição ao Governo sobre o que consideravam ser, na altura, o único problema do País: o caso Galamba!

    Com a ânsia de abrir brechas no Governo, de o enfraquecer, de o derrubar, esmiuçaram uma parvoíce passada no gabinete daquele Ministro.

    Conscientes do baixo nível cultural e político de muitos portugueses apelaram ao populismo e ao ódio para os tentarem arregimentar.

    Semanas seguidas a discutirem todas as nuances de um caso de polícia, como se este fosse o grande problema da Nação.

    white and brown hallway with white columns

    Não devem ter parado um minuto para pensar que, por muito que as suas críticas tivessem algum fundamento, o tom dos seus discursos e a repetição, até à náusea, dos mesmos, fariam com que um cidadão, que vai às cinco da manhã para uma fila num qualquer Posto Médico, na ânsia de conseguir uma consulta, fique com vontade de atirar com o rádio portátil que levou para o ajudar a passar aquelas horas, às trombas do primeiro político que com ele se cruzasse, mesmo que fosse o secretário da sua Junta de Freguesia.

    Meses depois de António Costa decidir não aceitar a demissão que o Ministro lhe pediu (até este, farto de todo aquele Carnaval), confrontando o próprio Presidente da República, mostrando quem era ele, o líder do Governo, quem fala em Galamba que continua no seu posto?

    Este caso serviu de exemplo?

    Nada!

    Os políticos continuam, diariamente, a debitar conselhos, promessas, ameaças, a um Governo que não lhes dá qualquer atenção porque sabe que o Povo já não pode ouvir Montenegro, Mortágua e aqueles novos líderes, do Partido Comunista e da Iniciativa Liberal, cujo nome ninguém conhece.

    Gente que vai cair pelo ridículo.

    O Presidente está seguro no seu lugar. Unicamente porque essa é a regra.

    Mas são tantas as situações caricatas em que tem sido protagonista que o seu capital político acabou por se desvanecer e, hoje, os portugueses olham-no com um misto de desconforto e tristeza.

    Ver o seu modo de cumprimentar as diversas personalidades com quem tem de se cruzar, com um aperto de mão seguido de um movimento de tal modo brusco que lhes provoca desequilíbrio, ouvi-lo a dar opiniões sobre tudo e sobre todos, em qualquer lugar e em todas as circunstâncias, é deprimente.

    Recordar a sua presença, constante e forçada, ao lado do Papa Francisco, não percebendo o desconforto que isso provocava, é angustiante.

    Não há dia em que não fale demais ou não tenha uma atitude deselegante.

    E ainda faltam uns largos meses para a sua rendição, pelo que o nível de ridículo pode vir a atingir proporções alarmantes.

    Na linha do seu antecessor que, agora, conseguiu bater todos os recordes do caricato com a ideia de publicar um livro sobre “A Arte de Governar”!

    Decisão terrível e que pode abrir a porta a outros portugueses com ambições idênticas.

    Imagino a Maria Leal a escrever um livro sobre “A Arte de Cantar” ou o Jorge Jesus um outro, sobre “A Arte da Eloquência”!

    Os exemplos da falta de noção dos perigos de cair no burlesco são inúmeros e continuam a surgir em catadupa.

    O actual Primeiro-Ministro promete ajudar os estudantes a optarem por Portugal, em vez de emigrarem à procura de melhor vida, acenando-lhes com o prémio de quatro viagens na CP (ainda se a promessa fosse só para os que reprovam, e como castigo…)!

    O líder da Oposição jura que, se for eleito, baixará drasticamente os impostos. Terrível ameaça para quem se lembra de Passos Coelho.

    O comentador Marques Mendes promete que se irá candidatar ao lugar de “Mais Alto Magistrado da Nação” sem que um único amigo lhe chame a atenção para a risota que vai pelo país.

    Que Deus me ajude.

    Se tiver que morrer pobre, que seja.

    Mas que não deixe que eu perca o juízo ao ponto de fazer destas figuras. 

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Cavaco Silva: a arte de pavonear

    Cavaco Silva: a arte de pavonear


    A reforma traz destes riscos: Cavaco Silva conseguiu tempo, e disposição, para escrever mais um livro.

    Nada de grave.

    Todos os dias aparecem dezenas de títulos novos e raro será o português que não tenha publicado um livro.

    Ou tenha algum guardado com a esperança de haver uma editora que lhe pegue ou de arranjar dinheiro para uma edição de autor.

    Cavaco Silva não é excepção.

    Para mal dos nossos pecados há o pequeno risco de ele continuar a publicar às quintas feiras e outros dias, como já ameaçou, aliás.

    Sendo assim algo com pouquíssima importância, porque é que eu decidi, então, escrever sobre isto?

    Simplesmente porque, desta vez, Cavaco Silva promete bater todos os recordes no que toca ao seu narcisismo doentio.

    Pelo título podemos prever um texto onde o exibicionismo, imodéstia e cabotinismo atingirão o auge do descaramento.

    “O Primeiro Ministro e a Arte de Governar”, chama-se aquela coisa.

    Conhecendo o personagem, parece óbvio que o tal Primeiro-Ministro de que se propõe falar, com arte para governar, só poderá ser a mesma pessoa que tem, na capa, o nome que o identifica como autor.

    E essa “arte” é conhecida por todos os cidadãos deste país.

    Porque a sofreram na pele.

    Foi Cavaco quem teve a “arte”, enquanto Primeiro-Ministro, de acabar com a pesca e a agricultura em Portugal.

    Graças a ele, o número de pescadores passou de 41 mil para 17 mil e Portugal chegou a um défice anual, nas pescas, de 800 milhões de euros.

    Fernando Nobre garantiu, na altura, e os factos vieram a dar-lhe razão, que “nada tendo contra os nossos irmãos espanhóis” não compreendia que estes conseguissem mais licenças de pesca, e de pescado, nas costas nacionais, do que os pescadores portugueses.

    Também, durante os seus mandatos, defendeu o abandono da agricultura a “troco de indemnizações” que chegavam da Europa.

    Anos mais tarde, um Presidente da República, curiosamente com o mesmo nome, Aníbal Cavaco Silva, arrasou estas medidas num discurso lido no dia de Camões.

    Artur Coimbra, num texto publicado no “Correio do Minho”, dizia não haver ninguém melhor do que “o coveiro da agricultura portuguesa e da actividade pesqueira, enquanto primeiro-ministro, para apelar à necessidade de o país voltar a pegar nas máquinas e nas rabiças do arado de modo a dar a volta à situação calamitosa em que os portugueses se encontram, em resultado de políticas destruidoras do que melhor o país tinha, apenas porque a ganância da União Europeia impunha a lei do mais forte”.

    Para o Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Cavaco, na década em que governou o país, “ora apoiava a plantação de pomares, ora incentivava o arranque das macieiras, ora mandava investir na vinha, ora pagava para erradicar a vinha, em decisões irracionais e criminosas, meramente economicistas, que ainda hoje estamos a pagar e a lamentar”.

    E concluía, “pelo meio, desde o cavaquismo, ficaram os cadáveres de centenas de milhares de pequenas e médias explorações agrícolas familiares, que os programas europeus destruíram, inapelavelmente”.

    Também há “arte” para governar quando, com a maior descontração, se tenta desmentir algo que todos, sem excepção, sabem ser verdade.

    Não há um português que não tenha visto, dezenas de vezes, as imagens de Cavaco a garantir, nas televisões, que “dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa, os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo”.

    Apesar disso não hesitou em garantir, mais tarde, com toda a calma, que não falou do BES antes deste entrar em situação de crise.

    Até Marcelo Rebelo de Sousa veio lembrar que, na realidade, falara.

    “Falou e em termos que levaram a acreditar que o aumento de capital era para levar a sério”, esclareceu.

    Também há alguma “arte” a governar quando se consegue que o Meo Arena fique nas mãos de um empresário capaz de o transformar num local de grandes espectáculos. Mesmo que, este, seja seu genro.

    Juntou-se o útil ao agradável e acabou por ser um bom dote (ou indemnização), há que reconhecer. 

    E os exemplos poderiam suceder-se “ad aeternum”.

    O livro pode, assim, ser uma obra esclarecedora já que escrita por quem sabe da matéria indicada no título.

    Ainda assim, só o comprarei (está em pré-venda a 15,98 €) se a sua lombada tiver, exactamente, três centímetros e vinte e oito milímetros.

    É a altura necessária para servir de calço a uma mesa de cozinha com uma perna mais curta, exactamente com essa medida.

    Pode ser que tenha sorte!

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O pão e a broa

    O pão e a broa


    O pão é o alimento, por excelência, do português.

    Lembro, na infância, o prazer que me dava assistir a todo o cerimonial da sua preparação.

    As mulheres da casa, depois de lavarem as mãos com mil cuidados, preparavam a farinha, acrescentavam o fermento, água e sal, misturavam tudo, com as mãos, durante larguíssimos minutos.

    Depois, na mesa de madeira, colocavam a massa que “sovavam” durante vários minutos até que a consideravam preparada.

    Depois, davam-lhe o feitio que queriam. De um modo geral umas bolas de diversos tamanhos.

    cereal and three buns

    Antes de ir para o forno o pão era benzido.

    As mulheres faziam, nele, o sinal da cruz e rezavam a Oração do Pão:

    “São Mamede te levede, São Vicente te acrescente, São João te faça bom pão, a Virgem Nossa Senhora te deite a Santa Bênção.”

    Nalguns locais, acrescentavam:

    “Em louvor de São Gonçalo que não saia insosso nem salgado. Que Deus te acrescente que é para comer muita gente.”

    Na maior parte das aldeias o pão era preparado em fornos comunitários sendo que cada família tinha o seu próprio dia para o cozer.

    Só as casas ricas tinham o seu próprio forno a lenha onde eram, igualmente, preparados outros petiscos, como os assados.

    Depois de pronto, o pão era guardado em arcas de madeira e dava para toda a semana.

    Por incrível que possa parecer a qualidade até melhorava a cada dia que passava.

    Para os cristãos o Pão é “o Corpo de Deus” e daí o imenso respeito que merecia, quer quando dele se falava quer no modo como era tratado, por todos, desde a infância.

    Ao lado de cada prato, no início das refeições, havia sempre uma fatia de pão, que não podia ser cortado de qualquer maneira.

    Como se dizia na altura, “comida sem pão, só no Inferno a dão”.

    Se no fim sobrava um pouco, ou se algum bocado de pão caía ao chão, nunca, mas nunca, se deitaria fora sem, primeiro, lhe ser dado um beijo.

    Ainda hoje, dezenas de anos passados, reconheço com humildade que sigo esses preceitos, mesmo sabendo que “este” pão nada tem a ver com aquele de que venho falando.

    Hoje compramos um produto industrial que, por muito saboroso que pareça, quando sai do forno e é comido ainda quente, é intragável à tarde.

    Só que, o verdadeiro apreciador do pão não o come enquanto quente.

    “Pão quente, muito na mão e pouco no ventre” ou “Pão quente, nem a são nem a doente”.

    Na verdade, o pão é insubstituível.

    Não há tortas, bolos, croissants ou brioches que se lhe comparem.

    Só em casos de total impossibilidade de o ter à disposição se deve recorrer a um desses sucedâneos.

    Acabo por dar razão a Maria Antonieta, quando, ouvindo nos seus aposentos a manifestação de um povo esfomeado a pedir pão, terá perguntado:

    “Tanto ruído por não terem pão? Porque não comem brioches?”

    Não fosse a pergunta feita por ignorância (ou sobranceria) e até era justificada.

    Não creio que tenha sido por isso que a decapitaram, mas…

    De qualquer maneira, esta semana pensei no pão, que tenho à minha frente a todas as refeições, pela triste informação da contaminação de um dos meus preferidos: a broa de milho.

    A Direcção-Geral de Saúde (DGS) e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) alertaram, no passado dia 10 de Agosto, a população para o não consumo da broa de milho nos distritos de Leiria (aquele onde moro), Santarém, Coimbra e Aveiro, por haver o risco de estar contaminada.

    Segundo os especialistas todos aqueles que tivessem comido broa e sentissem sintomas de “secura da boca, alterações visuais, tonturas, confusão mental e diminuição da força muscular” deviam deslocar-se, de imediato às urgências “uma vez que estamos perante uma toxinfeção que ainda está a ser estudada, e tendo em conta que cada organismo é diferente de outro”.

    (Esqueceram-se de dizer que deviam levar um lanchezinho para aguentaram as horas de espera até serem atendidos e que, obviamente, este não devia ter mais broa.)

    Depois desse alerta, todavia, passaram-se semanas sem nunca mais se ouvir falar deste problema.

    O que me levou a crer que tanto o pessoal da DGS como a da ASAE se teriam oferecido para, como cobaias, experimentarem algumas broas e tivessem ficado com tonturas e confusão mental, esquecendo o propósito do estudo.

    person's hand with dust during daytime

    Vieram, agora, dizer que o problema estava solucionado.

    Na realidade, apesar do silêncio prolongado das autoridades, depois do comunicado de alerta para uma possível intoxicação em (e na) massa, continuei a ver muita gente a comprar broas em padarias e supermercados.

    Eu, que não deixo de comer a minha ração do pão nosso de cada dia, também ia comendo algumas dessas broas, confesso.

    Qual era o problema?

    Mesmo que me calhasse uma das broas contaminadas ninguém estranharia o meu comportamento dado que os sintomas que me provocaria já os mostro no meu estado normal… 

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os incêndios são um negócio?

    Os incêndios são um negócio?


    Esta é a pergunta que os portugueses fazem amiúde.

    Na realidade, como se pode justificar o número de incêndios em Portugal.

    Claro que o fogo pode deflagrar, em qualquer local, pelas mais diversas razões, e sabemos ser praticamente impossível evitar todas as ignições ao longo do país.

    Mas quando, durante a noite, vários focos acontecem numa mesma mata, dificilmente se aceitará que não haja intervenção de mão criminosa.

    Quando os especialistas analisam a situação conseguem apontar alguns problemas graves e de relativamente fácil solução.

    Fire Fighters

    Segundo um trabalho, do “Blogger” Francisco Lampreia, publicado em Agosto de 2022, “nas últimas duas décadas, de acordo com o relatório “O Mediterrâneo Arde”, de 2019, a média de área ardida do nosso país mais do que duplicou em comparação com a época de 1980 a 1989.

    Será esse o resultado do surgimento de uma onda de piromaníacos em Portugal? Talvez.

    Ou estará Portugal cada vez mais vulnerável a incêndios?

    Se olharmos para o FWI (um índice de perigo de incêndio rural que quantifica o efeito da humidade do combustível e do vento no comportamento do fogo) de Portugal, disponível no site do IPMA, é possível ver que praticamente todo o país apresenta um índice de FWI muito elevado.”

    A Polícia Judiciária, todavia, não descartava a hipótese de fogo posto.

    O diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária, igualmente em Agosto de 2022 (dia 18) revelava que, “este ano, está a registar-se um aumento das ignições” e informava que “com a época de incêndios ainda a meio, Portugal é, nesta altura, o terceiro país da União Europeia com a maior área ardida. Crimes muitas vezes cometidos por pessoas de idades diferentes, mas com um perfil semelhante.”

    Aproveitou para, contrariando as notícias mais frequentes, garantir que “quando os alegados incendiários são presentes às autoridades, as medidas de coação aplicadas costumam levar a mais detenções do que noutros tipos de crimes.”

    Por sua vez a TSF emitiu, a 4 de Março do corrente ano de 2023, uma reportagem intitulada “Metade dos incêndios florestais em Portugal tiveram origem criminosa”.

    Outdoor Fireplace during Nighttime

    O que deixava sobressaltado qualquer cidadão atento.

    Segundo os jornalistas, “os dados revelados pela Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIFR) mostram que houve 4892 fogos com origem criminosa e foram detidas 51 pessoas pelo crime de incêndio florestal.

    A AGIFR apresentou o relatório de balanço do ano onde adianta que se registaram em 2020, 6.257 autos, 4.892 crimes e 51 detidos por crime de incêndio florestal, num ano que existiram 9.690 incêndios rurais, dos “quais resultaram 67 mil hectares de área ardida”.

    A questão que importava esclarecer era se o número de pirómanos, em Portugal, era mais elevado do que nos restantes países ou se, pelo contrário, os incêndios podiam ser “encomendados” a delinquentes e, nesse caso, por quem?

    É que, se tal acontecesse, a prisão dos incendiários não resolveria, por si só, o problema já que seriam facilmente substituídos.

    A solução seria, também aqui, seguir o rasto do dinheiro.

    Tentar saber quem ganha com os incêndios.

    A “vox populi” acusa, sempre, os madeireiros.

    Qual a realidade?

    bare trees on rocky hill under white sky during daytime

    É verdade que, por exemplo, depois dos fogos em Pedrogão, o preço da madeira queimada baixou de modo acentuado (de 36 para 27 euros a tonelada, menos de 25%) mas com as Associações destes empresários, que a compram aos produtores, a garantir que os preços eram impostos pela indústria.

    O Presidente da Associação de Produtores Florestais de Vila de Reis garantia que “É um mito que apareceu e ainda não morreu. Para os madeireiros isto não é nada interessante. Podem fazer um bom negócio agora, mas são precisos anos para que a floresta volte a crescer. Para quê aproveitar agora para comprar madeira queimada mais barata se isso acaba e se ficam anos sem nada, nada para ninguém?”

    A notícia que, acreditava eu, iria ser um grande choque, mas que depressa foi esquecida, veio de Espanha, em 2017.

    O Jornal “El Mundo” publicou, então, um artigo sobre os concursos para aquisição de meios de combate ao fogo em Portugal com o título “Quem ganha dinheiro quando arde Portugal?”.

    Aí escrevia, preto no branco, que “Portugal recorre ao sector privado para ter apoio aéreo no combate aos fogos, mas que o problema, conhecido da Polícia Judiciária Portuguesa, está em que as empresas manipulam os concursos públicos o que, nos últimos 12 anos, teria rendido 821 milhões de euros.”

    a red plane is flying over a mountain

    Continuando sem se saber quem ganha muito com os fogos, podemos dizer, todavia, e com toda a segurança, quem ganha pouco: os Bombeiros.

    Um Bombeiro Sapador aufere menos de mil euros por mês.

    Um Bombeiro Voluntário recebe 2,5 euros por hora ou 61 euros por dia, mas desde que trabalhe as 24 horas!

    Para além disso, claro, todos os elogios dos políticos que enchem a boca de extraordinários adjectivos sempre que qualificam o trabalho dos “Soldados da Paz”.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


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