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  • Jornalistas no fim da linha

    Jornalistas no fim da linha

    De vez em quando ainda faço umas viagens sem sair do sofá, pelas canais generalistas, e em certo domingo passei pela TVI, que comemorava os seus 31 anos com uma gala. Este tipo de eventos, só consigo ver em directo, e sem fazer rewind com o comando, talvez para me recordar de quando apenas havia canais generalistas, e de desfrutar dessa memória encantada do tempo real, em que tínhamos de mamar com a publicidade toda, acabando por sabê-la de cor, isto se não quiséssemos perder pitada daquilo que estivéssemos a ver.

    Apanhei a gala quase no início. Fui ler a sinopse que dizia:

    O Casino Estoril é o palco escolhido para a grande Gala do trigésimo primeiro Aniversário da TVI, que será conduzida por Cristina Ferreira e Manuel Luís Goucha. Muitos dos rostos do canal subirão ao palco para momentos que prometem marcar para sempre a história da estação.”

    Marcaram, mas não pela razão esperada.

    Nesse directo, víamos uma espécie de espectáculo auto elogioso, (como é comum a todos os canais nestes eventos), que ia sustentando a ideia de glamour, palavra proferida muitas vezes pelos actores e jornalistas que desfilavam efectivamente pelo palco do Casino Estoril, sendo pagos para isso, suponho. Há mais glamour na secção de roupas do Continente, embora a Maya me desminta, certamente.

    Sim, é um exagero.

    A transmissão, que paulatinamente, começava a ter laivos de barbárie para quem tivesse de enfrentar o palco e consequentemente, a audiência ao vivo feita de si própria, começou a deixar-me interessado, mas é evidente que também se começou a apoderar de mim um certo ardor.

    Há um efeito adverso sadomasoquista, do qual sou acometido por vezes, e que creio, todos temos, dependendo do objecto em questão e que mudará efetivamente de pessoa para pessoa.

    No meu caso é a televisão a fonte de singela perversidade.

    Há um estudo que diz que existem mais telespectadores a ver as novelas pelo ódio, que pela adoração. Vivemos uma época em que há estudos para tudo. Não sei se será verdade, mas naquele caso ajustava-se o princípio.

    Também não sei muito bem explicar estes fenómenos (e há anos que faço auto-psicanálise), mas tenho uma noção clara do problema, admitindo-o (regra primordial para iniciar tratamento), embora seja verdade que só mergulhando no lodo, e dando por lá umas braçadas, é que ganhamos alguma autoridade para falar do pântano, e dos organismos que pululam nessa zona húmida.

    Enfim, naquele espectáculo pouco entretido havia biodiversidade do melhor, como se esses organismos estivessem aos encontrões uns aos outros, nuns carrinhos de choque meio gastos, cuja viagem não parecia ter fim à vista, embora hoje, já se vislumbre melhor o destino e o fim anunciado da euforia perpétua (permitam-me a contradição), à qual estivemos sujeitos nas últimas décadas. Pelo menos é um fim, que já não se confunde com o meio.

    Quando vemos estas transmissões, podemos achar que estamos naquelas salas de espelhos do jardim zoológico que aumentam e diminuem a nossa imagem, deformando-a, sendo que ela, já por si, pode ser uma caricatura. Muitas vezes, basta ter de dizer o que não pensamos e fazer o que não queremos durante a vida as vezes suficientes, fugindo à nossa verdade intrínseca, para acabarmos no psiquiatra, sendo essa sim, a nova normalidade tão estafada.

    Se pensarmos assim, e aludindo aos espelhos-monstro, estamos dentro da pura semiótica, isto para a tentativa de elevação desta análise, não querendo, porém, torná-la pseudo-académica e arrogante.

    Como conheço bastantes actores que estão no mercado, sei de antemão que a sua maioria não gosta de fazer figuras tristes, como as de domingo em prime-time. Tenho mesmo um amigo actor que, conhecendo uma boa parte dos colegas de profissão que por lá se arrastavam, recusa-se sempre ver este tipo de galas, muito menos a ir, sendo constantemente atacado à traição pelo triste e inoportuno sentimento da vergonha alheia.

    Eu ainda julguei que as coisas más podiam ser boas, depois de ver o filme Ed Wood do Tim Burton, um filme genial por muitas razões, mas também porque transmitia a ideia de que o realizador e personagem do filme era sobretudo ingénuo, e isso aos olhos do realizador parecia interessante. Ed Wood é considerado o pior realizador de todos os tempos.

    Quando o vi, parecia ser possível desenvolver actividade artística entre o lado cerebral e matemático de Stanley Kubrick e a idiotice enérgica do Ed Wood.

    Anos depois vi um filme real do próprio e não foi fácil chegar ao fim, porque era mesmo mau.

    A verdade é que se pode fazer um bom filme sobre um mau realizador, mas nunca um bom filme por um mau realizador.

    Sem com isto querer comparar a gala com um filme mau, apenas faço uma analogia com certos critérios de qualidade. Não é que aqui fosse essa a situação, porque não havia efectivamente ingenuidade e pureza na execução do espectáculo como no olhar do Tim Burton sobre o Ed Wood, no sentido do princípio pós-moderno de que tudo o que é muito mau pode ser bom.

    O fenómeno sadomasoquista explica melhor certas situações de angústia que, supostamente também são remixes de prazer, o que pode justificar a minha atenção à gala, como aquelas pessoas que vão à tourada na esperança, de ver o touro agredir o toureiro.

    Acho é que a estação quis mesmo dar uns tiros aos jornalistas, mas também, se nos fixarmos na cara do director José Eduardo  Moniz, podemos constatar que se assemelha cada vez mais a um velho samurai que perdeu a espada e a barba, e anda a norte de nenhum sul, ainda que lidere audiências, sempre confirmadas por audiometrias discutíveis pelo próprio sector.

    Mas a vida é feita de acordos.  

    Eu aqui, não queria mal a ninguém, nem sei como é que isso seria possível.

    Caírem? Não saberem o texto? Um incêndio no teleponto?

    Bem, pior só mesmo pôr jornalistas a fazer de políticos de forma revisteira…

    E não é que minutos depois o desejo se tornou “real”…

    De um momento para o outro, apareceram seis jornalistas com péssimos textos, a fazer de pessoas que estão no Big Brother, que por acaso são os políticos líderes do momento e candidatos a primeiro-ministro. Políticos que alguns terão certamente de entrevistar no futuro.

    Mas também basta o Araújo Pereira (RAP) querer, e consegue meter inversamente os políticos a fazer de jornalistas no programa dele à vontadex.

    A televisão ainda é um prontuário que dá para tudo.

    Aproveito a ocasião para dizer que o RAP está mesmo a ficar repetitivo, e cada vez mais parece imitar os trejeitos do Jon Stewart, no seu Daily Show da Comedy Central, de há mais de uma década, quando ainda parecia credível e fracturante fazer este tipo de programas. Agora parece que o americano voltou ao local do crime e não é certamente porque viu o RAP a traduzir Portugal para o pequeno ecrã.

    Comecei a perceber paulatinamente que estava a ver um espelho da realidade ali a passar diante de mim e em directo.

    Esfreguei as mãos.

    Aquilo era demasiado real para ser uma encenação, onde é que já vai o tempo das encenações!

    Não estamos a falar de uma gala deprimente encenada pelo Filipe Lá Féria, mas sim de outra coisa bem mais triste e soturna, sobretudo para os actores de profissão, não incluindo evidentemente os jornalistas, que similarmente tinham papeis atribuídos, mas para a área do Shakespeare e não da do Pulitzer.

    Só faltava lá o Daniel Oliveira, que nessa semana tinha feito em directo um mea culpa, no Eixo do Mal, referindo-se à catástrofe do espectáculo da política em que nos encontrávamos, aludindo à proliferação de comentadores que analisavam os debates, que eram mais que as mães, matematicamente falando.

    Dias depois, lá estava ele na SIC a exorcizar-se e… E a comentar.

    Só agora o exorcismo?

    O Paulo Salvador, jornalista e editor da TVI, também se retratou muito recentemente, enviando um artigo aqui para o PÁGINA UM, com um texto suicida para o jornalismo. Ainda assim bastante mais nobre e verdadeiro que a declaração inesperada e traiçoeira do tudólogo da SIC. 

    Estará alguma coisa a mudar? Não creio.

    O mundo ainda precisa desta psicose colectiva para o seu desequilíbrio estável e para o seu normal funcionamento. Acho é que vai havendo menos dinheiro para a festarola e as dívidas vão-se acumulando. Há é muito Xanax e Prozac para suportar a ressaca. Como sempre, ganha a Big Pharma.

    De certa forma todas as principais caras televisivas do canal andavam por lá, mas parecia que nenhum deles queria acreditar no momento.

    Com o andamento da carruagem, parecia um comboio suburbano desnorteado a andar aos solavancos (cheia de ferrugem pelos vistos).

    Por vezes o relógio faz partidas e transforma o ponteiro dos segundos em minutos e começava a ficar chato, mas imaginando que ninguém iria criticar aquilo, talvez o Cintra Torres no Correio da Manhã o fizesse, mas era no Correio da Manhã… E a fazê-lo, seria enquanto critico de televisão em que é difícil dar um tiro no próprio regimento. Decidi então investir um pouco mais, imbuído até de espirito de missão e cheguei ao fim da emissão. Agora só faltava escrever qualquer coisa para assinalar o momento. E eis-nos aqui. 

    O mais absurdo era, o som cacofónico vindo da plateia, estar sempre presente, num péssimo trabalho de sonoplastia, o que denunciava um certo desinteresse por aquilo que ia sucedendo em palco, que na verdade, e aí posso entender a audiência, era… Nada.

    Ao menos escondessem esse som estridente que pouco acrescentava ao espectáculo. Parecia a FIL-Auto com o seu caos sonoro assumido.

    Quando a câmara focava alguém, era inevitável essas pessoas conhecidas, esboçarem um sorriso televisivo Colgate, voltando depois à actividade social natural, na qual comiam, falavam e olhavam para os seus pequenos ecrãs tácteis.

    Os textos não tinham interesse nem piada, já vi muito melhor noutras ocasiões (nos Globos de Ouro da SIC, por exemplo), e os actores lá iam fazendo o seu trabalho, debitando deixas, em conjunto com as outras caras conhecidas do canal, neste caso jornalistas.

    Creio que os actores em Portugal têm uma qualidade inegável, tanto que faziam o seu trabalho com a dignidade possível para a ocasião.

    O Eduardo Madeira e a Paula Neves, com um texto que envergonhava um doente em coma, esforçaram-se enormemente, já que foi na actuação dele que o público mais ignorou e bebeu champagne. Foi penoso verificar que literalmente ninguém lhes prestava atenção. Os inserts da plateia, revelavam essa situação sem pudor. Até parecia de propósito.

    Considero o Eduardo Madeira um excelente cómico e intérprete, o que me fez ter vergonha alheia e perceber o meu amigo que citei há pouco. Não se pode dizer o mesmo dos jornalistas a quem foram atribuídas várias tarefas, como por exemplo, a de cómicos de serviço.

    O mais degradante ainda, foi o facto de terem de fazer de políticos, como já atrás tinha referido, parecendo ser essas intromissões a cereja no topo do bolo estragado que nunca ninguém comeu.

    A Sandra Felgueiras, a melhor ainda assim a cumprir a tarefa, fazia de Mariana Mortágua, usando para isso uma peruca semelhante ao cabelo liso e comprido que a política nos habituou. O jornalista desportivo e agora director Sousa Martins, fazia de líder do PCP, estando mesmo sem cabelo para interpretar o Paulo Raimundo… mas se nem o próprio Paulo sabe fazer de Raimundo!

    Parecia, no entanto, que se vingava de uma prestação que o político,  ainda jovem e com cabelo à CDS, teve nos anos 90, no programa da Cornélia, descoberto pela equipa do cómico oficial, RAP e exibido com algum desdém, uma semana antes, no seu programa dos domingos.

    Dificilmente me lembro de uma charge tão má como esta dos jornalistas a tentar imitar políticos, mesmo contando com os piores sketches do Prédio do Vasco.

    Havia uns que nem os mínimos faziam para se assemelharem aos originais. Ninguém se ria nesses supostos directos à falsa casa do Big Brother.

    Fez o Big Brother, que está agora na grelha do canal, parecer um filme do Ingmar Bergman em comparação, e elevou o La Féria a Bob Wilson.

    É assim que o mundo por comparação funciona, as coisas parecem sempre melhores do que aquilo que são.

    Exemplo disso, foi o aparecimento da CMTV, que fez parecer os outros canais, obras de arte. Mas por pouco tempo.

    Não percebo como é que canais tão grandes, para a dimensão do país, passam pelos pingos da chuva que por sinal… Escasseia.

    Uma hora antes tinha assistido ao programa do RAP em que gozava com o líder do PS, porque tinha chorado no programa do Daniel Oliveira (director de conteúdos da SIC), programa esse, conhecido pela actividade lacrimal, que todos os portugueses já ouviram falar alguma vez, e que dura há décadas.

    Mas será que os convidados não sabem ao que vão? Claro que sabem, mas chorar fica sempre bem, é catártico e depurador.

    Ainda assim o Pedro Nuno Santos fazia melhor de Pedro Nuno Santos que o jornalista destacado pela direção para esse papel. Mas se este putativo primeiro-ministro chora assim tão facilmente, podemos prever uma epopeia de lágrimas numa eventual catástrofe sísmica, ou na eventualidade de outra visita da Troika, não nos deixando esse cenário muito seguros quanto à frieza necessária para combater tais hipotéticos teatros de operações. Será assim? Noutros tempos é que se exigia aos políticos mais capacidade de raciocínio e menos espectáculo. A mudança dos paradigmas também não é necessariamente sempre para pior, até porque isso seria absurdo, mas depois de ver jornalistas a fazerem de políticos sem qualquer possibilidade de humor, que havendo, até poderia suavizar a actuação, fiquei aturdido. Por outro lado, parecia ser um espelho bastante realista do nosso momento actual, em que a verdade levou um pontapé e foi dar uma volta ao bilhar grande.

    Agora, quando vir esses jornalistas a debitarem a moral do costume envoltos em chroma key a falar da Palestina, não sei…

    Ainda assim, nada supera as performances “covidianas” do Rodrigo Guedes de Carvalho nas noites informativas e poéticas da SIC por altura da pandemia.

    Logo no início, o Goucha e o Cláudio Ramos fizeram uma brincadeira com uma conhecida música brasileira, em que cantavam e dançavam. Cantar e dançar? Teríamos de rever o dicionário.

    Mas o mais incrível de tudo é que imaginamos que tenha havido ensaios. Ensaios? Abram novamente o dicionário. Foi um pesadelo.

    Gostava de ver a cara dos criativos, quando conceberam o guião, a exultar de alegria com as ideias. Então naquela de pôr jornalistas a fazer de políticos, devem ter aberto uma garrafa de… Espumante.

    Confrangedor também foi ver o director José Eduardo Moniz, que ia aparecendo no palco, a dizer umas piadas escritas, (o improviso parece ser proibido nestes eventos), para festejar e elogiar os 31 anos da estação. Convém lembrar que quando esta estação apareceu, ainda ligada à Igreja, um ano depois da SIC, ele era o director da RTP, encetando uma concorrência severa e desleal aos canais privados, sobretudo à SIC, com dinheiro publico, facto pelo qual foi bastante criticado. E agora quem diria, estava à frente do canal concorrente, a exultar os resultados e a liderança de audiências.

    A memória em Portugal parece ser apenas coisa do canal com o mesmo nome, canal esse que ninguém deve ver, muito menos o José Eduardo.

    Jornalistas a cantar e a anunciar bandas, jornalistas a dizer piadas, jornalistas a dançar, jornalistas sem responsabilidade a massacrar a arte da representação, deve ter sido um vexame para os actores, que, coitados, lá têm de andar de novela em novela a comer o pão que o Rangel amassou.

    O desfile ia ficando cada vez mais grotesco, mas a Cristina Ferreira era a única que se ria, só que das próprias piadas, com um humor pouco refinado e requentado como é habitual, no meio de auto-elogios ao próprio evento, aludindo ao cuidado que tiveram na execução.

    Qual execução? Estava tudo mal.

    Os Anjos e os D´zrt, entre muitos outros, também animaram a festa, e era nesses momentos de música, com as bandas e os cantores em acção, em que não se ouvia o ruído suicida de fundo, que parecia um programa normal e fluído, tanto que os inserts mostravam pessoas a cantar com os artistas, a bater palmas e a rir que nem loucos sempre que a câmara os focava.

    Este modelo de eventos televisivos, inventado pelos americanos, já teve melhores dias, mas como a falta de imaginação parece ser um dos atributos das funestas estações, nada de anormal então na ‘frente ocidental’.

    A promiscuidade cada vez mais intensa entre o espectáculo e a política, com a contaminação daquilo que já foi o jornalismo, é que me parecem bastante preocupantes.

    Ficamos à espera de uma análise mais detalhada do Daniel comentador, que muito terá a dizer sobre o assunto.

    Dizem que temos milhões de anos de existência, mas cada vez estamos mais infantis, e agora é que parece mesmo que estamos a brincar com os dinossauros.

    Ruy Otero é artista media

    Ilustrações de ©Ruy Otero


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  • Uma foto, ou um fundo no fundo

    Uma foto, ou um fundo no fundo

    Se há uma coisa que me fascina são as cores, outra são os insetos, mas  desses invertebrados pouco amigáveis nada direi neste texto.

    Fascinante também, é o mundo atual e as suas incongruências.,

    Diz a ciência que cada um vê a sua cor. Cada um tem a cor que merece, acrescento, não querendo ser profundo. Saiu-me assim de rompante, da massa cinzenta, sem mais nem menos. Sei também que para uns, mais é menos, mas não quero entrar por essa porta fonética, cheia de pregos ferrugentos quando mal aberta, ou fechada, que para esta coluna, quer dizer o mesmo. 

    No mundo das cores só sei que, se aquilo para mim é verde-eucalipto, pode não ser para o outro(a). Se aquela jarra é violeta para o João, pode perfeitamente ser rosa para a Carla. Se aquele carro elétrico a lítio é azul céu para o E. Musk, não quer dizer que para o B. Clinton o seja, nem mesmo para a H. Clinton, já agora. Aliás, ‘adoro’ mesmo muito este casal muito democrático e muito colorido, se me é permitida a redundância… Poderia até ser vermelho, para eles, e serem um caso grave de daltonismo, mas isso será sempre especulativo (conspirativo) e também não interessa aqui para este espaço que pretende, apesar de tudo, ser pouco monocromático e não político.

    Até neste tema das cores, haverá sempre argumentos para os seres humanos discordarem uns dos outros e arranjarem confusão. 

    Se até por causa de um verde alface podem pessoas andar à porrada e acabarem a enfiarem uma garrafa partida pela goela abaixo de um(a) desgraçado(a), que apenas proferiu uma banalidade, por exemplo, sobre o arco-íris. Imaginemos então, o que não poderia suceder, numa discussão sobre identidade de género, mais acalorada, ou numa em que se usassem terminologias políticas, tipo capitalismo ou liberalismo.

    Mas ainda assim, eu quero falar de cores e de um recente episódio que me aconteceu, que até me quis fazer mudar aquilo que estão a ver aí em cima deste texto, bem redondinho que é… A minha cara. 

    Sim, hoje deveria constar uma bola preta, sem qualquer tipo de interesse para a maioria das pessoas. Para mim, continuaria a ter interesse, porque essa não-cor mesmo que seja discutível, ainda, é uma cor, ou não? E remete para a arte conceptual. Arte simplória e complexa, dependendo sempre de quem a faz e olha.

    Mas não.

    A programação do site não o permite, mudaria para sempre a minha face aí dentro da bolinha, Daí a necessidade deste texto. 

    Terei todo o cuidado na abordagem deste assunto, e peço que não abandonem já a leitura – primeiro porque não vou entrar, nem por questões polémicas e fracturantes, de raça ou de género, tipo se as cores são masculinas ou femininas, como já vi a matemática ser tratada. Aí não me apanham. Sou completamente normal e pela igualdade de tudo.  Ponto final. E segundo… não há segundo.

    Gostaria mesmo de referir-me a duas cores, o azul e o amarelo, duas cores que estão no meu top-colour. 

    Se estiverem atentos a pormenores, e fizerem zoom à minha cara, para verem o que quiserem nela, percebem certamente que o fundo é uma publicidade, cujo amarelo e o azul são predominantes. 

    Ou não…

    Ilustração de Rita Belchior

    Tenho um amigo que percebe bastante de fundos e também da mente humana. Depois do meu primeiro texto publicado aqui, ele ligou-me no dia seguinte à publicação. 

    Disse-me:

    – Tu agora és daqueles que estão a favor da Ucrânia?

    Entrou logo a matar. 

    – Não. Nem a favor nem contra. Não percebo nada desta guerra. Mas não gosto de invasões, é claro. Não estou a perceber! Não é preciso entrares assim a matar só porque estás a falar de guerras. 

    Disse eu, deveras intrigado, porque vindo dele era estranha a entrada à bruta e sem subtileza.  

    – Não estás?

    – Não. Mas já agora, tu é que sempre foste deliberadamente a favor da Ucrânia e naturalmente contra a Rússia, embora até sejas do PCP. 

    – Não estás mesmo a perceber? E calma, já não sou do PCP. E era dos Verdes, já que estamos na atmosfera das cores. 

    Respondeu com aquele tom irónico que lhe é característico. 

    – Não. Até me estás a chatear. Diz lá. 

    – A tua fotografia que acompanha o texto anterior, vista assim e à primeira, parece que tem a bandeira da Ucrânia atrás.

    – O quê? Aquilo é uma publicidade à Fidelidade, ou lá o que é. 

    Respondi de rajada. Jamais gostaria de estar conotado com bandeiras. A minha costela de esquerda nunca o permitiria. Para a esquerda não há pátrias, há a Internacional Socialista. 

    – Mas visto assim não parece e pode gerar equívocos. 

    – Quais equívocos?

    – Não é bom para o teu tipo de textos, que te associem a movimentos e tendências e até a países. É um conselho que te dou, depois é contigo. Aposta na ambiguidade, é amiga do tempo.

    – Então se eu tiver uma parede vermelha atrás, vão associar-me imediatamente ao Benfica?

    – Não. Mas aqui trata-se de outra coisa. Muita gente vestiu a camisola da Ucrânia para protestar contra o que está a acontecer, inclusivamente eu, e essas cores tornaram-se icónicas de um tempo. Por isso… Está dito. Não imponho nada. Tu é que sabes… .

    – Estou aqui a ver a foto no meu iPhone, e realmente tem as mesmas cores da Ucrânia, e até tem aqui uma risca que parece de uma bandeira. 

    Mas, e fazendo zoom, isto mesmo assim, só tem para aí uns 8mm de azul por exemplo, ou de amarelo. Não sei se é assim tão evidente. Pelo menos no telemóvel. 

    -Tu é que sabes. 

    Disse, peremptório e com algum enigma à mistura. 

    -Mas eu é que sei, o quê?

    -Não digo mais nada. Tenho de ir à piscina nadar crawl

    E desligou. 

    Ilustração de Rita Belchior.

    Fiquei a pensar. Normalmente, o Filipe fazia-me pensar nas coisas, encontrava sempre uns ângulos interessantes sob os quais olhar, mas desta vez surpreendeu-me deveras. Andaria a ver coisas novas na Net? A verdade é que já não falávamos há algum tempo. 

    A alternativa seria meter um fundo de uma só cor, mas também, no caso de alguém ter reparado no pormenor, também seria estranho agora alterar o fundo. 

    Ainda pensei em arranjar outra fotografia, tenho muitas, mas inequivocamente aquela era de longe a melhor.

    O programa tiraria esta foto do texto anterior, e assim este texto perderia o sentido. E ainda para mais, naquela eu reconhecia-me totalmente. É raro encontrar uma fotografia justa em relação às pessoas. Ou fazem muitas poses, ou usam os programas de edição em demasia, ou não têm cuidado algum e vai a que for, mesmo que o efeito da grande angular lhes meta o nariz do tamanho de um porta aviões. Tenho um amigo que tem tão pouco cuidado com a sua imagem que já chegou a dar para o bilhete de identidade a fotografia de outro, por engano, ainda por cima, muito mais gordo e com cara de vilão da Disney. 

    Odeio quando conheço ao vivo uma pessoa e já vi a fotografia dela, normalmente é uma desilusão, embora já me tenha habituado ao fenómeno. 

    Encontrar a fotografia justa, não é óbvio nem comum. A luz, o ângulo, as olheiras anormais desse dia, a expressão tensa, enfim, imensas variáveis em que não é fácil ajustarem-se todas à mesma hora para uma boa “flashada”.  Mas aquela fotografia era perfeita. Quem me visse ao vivo, iria automaticamente reconhecer-me. E isso é reconfortante. Não haveria cá tangas… Mesmo que ao vivo tenha olheiras, ou a barba feita, ou o cabelo mais curto, ou mesmo um olho negro por ter tido uma discussão sobre… Cores. 

    Será bem assim? Às vezes  claro que tenho dúvidas. Quando uma pessoa se olha ao espelho, ou se vê numa foto, tende a deformar-se, tende a não gostar.

    Quando uns olhos olham outros, que são os mesmos, não vêm nada. Este é um dos dramas do mundo. O outro é a raiva que me mete aquelas pessoas que no Inverno, mal aparece um bocadinho de sol e calor, calçam logo os chinelos e põem manga curta.

    Como é que um pouco de azul ou de amarelo, tem a capacidade de quase me estragar o dia. 

    Estarei a exagerar?

    Aquilo é tão pequeno, e duvido que as pessoas façam zoom para ver caras. Por dia já vêm, sem querer, um milhão. Quem é que procura caras?.. Os do tinder ainda percebo. Será que aí faria mal, ou bem, ter a bandeira da Ucrânia por trás da carantonha? Nunca se sabe.

    Mas também quem está no tinder não está bem à procura de grandes debates sobre geopolítica. Digo eu. Bem, mas também há todo o tipo de fantasias…

    Tentei fazer uma foto novamente da minha cara, da qual me orgulhasse, e que não fosse mais uma corriqueira. A primeira selfie saiu logo mal, demasiada pose, a segunda desfocou demais, a terceira queimou, na quarta, eu por estar tão irritado com o falhanço das anteriores, tinha uma cara de chateado. Não estava a resultar de forma nenhuma. A única vantagem em relação à “ucraniana” era o fundo que realmente escolhi bem. Era branco e neutro. Sei que há apps no telemóvel que já põem o fundo que quisermos, mas não gosto de usar apps, a minha costela de direita conservadora está sempre a fazer soar o alarme. 

    Ilustração de Nuno Bettencourt

    À quinta, fiz uma cara nojenta que, de certeza não é a minha, e se for, mete nojo.

    Delete.

    Espero que tenha sido da lente, estes iPhones às vezes…

    Não é a minha cara que está deformada, é a lente. Reconforta-me este tipo de pensamentos. À vigésima desisti, e pensei ir a um programa de IA para dar uns retoques na original, e manter a alma. Mas pensei melhor, e arrependi-me. O algoritmo de alma não percebe um caracol. 

    Também, qual é o problema se uma parte dos leitores me associarem eventualmente à defesa desse país, ostracizado pelos russos?

    Até podia ser justo. Claro que seria sempre sem querer, dessa guerra não tenho grande conhecimento. Uma vez até, tentei ver aquele programa com o José Milhazes e o Nuno Rogeiro, para adquirir alguma informação relevante, mas não consegui. Parecia que estava a ver um sketch dos Malucos do Riso. 

    Nunca gostei do Putin, que já anda aí ao tempo, do Zelensky nada sabia, até ter estoirado a guerra, mas, e tenho esse direito, odeio as t-shirts que ele usa, e soa-me a falso demais. Fez umas fotos para a Vogue que não me caíram lá muito bem, e a voz irrita-me, mas daí a saber se tem razão ou não…

    Ainda para mais, não sei nada desse país que uns dizem que tem imensos Neonazis lá metidos ao barulho. Dizem, não sei. Nunca gastei o dedo a pesquisar.

    Claro que os ucranianos não têm culpa disso, e poderia perfeitamente estar a dar o meu contributo desta forma imagetica à causa, sem que venha daí mal ao mundo.  Não será por oportunismo, tratou-se de um acaso, já está, mas não, por outro lado… Ficaria mal, sem dúvida. Poderia efetivamente ser visto como oportunismo digital, um oportunismo bastante na moda. 

    Sei, no entanto, que até cairia bem a muita gente, hoje as guerrilhas são feitas assim no sofá, mas os leitores do PÁGINA UM, parecem diferentes. 

    No entanto, sei lá eu quem são. 

    O mundo é hoje muito pequeno, mas o desconhecimento geral é muito grande, como o meu por exemplo, em relação a esta guerra da qual não sei nada. Uma vez um amigo perguntou-me por quem estava, e respondi aquilo que me pareceu evidente – pelos mais fracos. Mas pensando hoje sobre o assunto, será que é uma questão de fortes e fracos, tipo, Benfica contra o Arouca!.. . Não será tudo mais complexo?

    É confuso.

    Ilustração de Rita Belchior

    Seria até simplista demais da minha parte, depois do meu texto sobre Davos, ver a coisa sem o mínimo de complexidade, mas a verdade é que me parece difícil saber realmente o que está a acontecer naquela zona. É deplorável um país invadir outro, disso estou seguro.

    Até depois de uma pesquisa rápida na Net, percebi que até agora, morreram várias centenas de milhares de soldados russos, o que também é estranho, uma vez que são pintados como uma potência militar. Sei que na Rússia, quem não estiver com o presidente acaba invariavelmente na prisão. E eu cá não quero ter nada a ver com isso. Mas, e se estiver, ainda que sem querer, do lado dos ucranianos, será que não estou a ser injusto com outros ucranianos que até se sentem russos? Mas porque é que uma pessoa tem de estar sempre do lado de alguma coisa? Já me chegam as dificuldades que por vezes acarreta ter de apoiar os amigos. 

    Perguntei a uma amiga se a fotografia lhe remetia para a Ucrânia. Disse que não, que isso já era coisa do passado, que agora devia era dar apoio à Palestina. Mas desse assunto também sei pouco, senti-me até culpado depois. Já tenho tanta coisa em que pensar, e mesmo julgando ter informação sobre outros acontecimentos do mundo político, não me é fácil relacionar as coisas. Ela insinuou até, que eu, agora, era sionista. Vi logo onde é que o prolongamento daquela conversa iria dar e fui nadar crawl.  

    Umas horas depois, perguntei à minha mãe se a fotografia de facto me conotava com a Ucrânia, e ela disse que sim. Acontece, que ela é uma fervorosa apoiante do Putin. Ficou chateada e não me deu a mais pequena chance de contrariá-la. Disse-me ainda, quando saía, que eu era facilmente manipulável pela televisão. Já nem respondi. 

    Se virem bem, a coisa está negra, ou será só um exagero da minha parte?

    Há uns anos, esta questão não se teria posto. Era amarelo e azul, e então?

    A maior parte das pessoas que reparasse nisso, iria achar que eu era apoiante e adepto do Estoril Praia, quando muito, e seria motivo de gozo. Mas hoje as coisas não se passam bem assim. 

    Hoje, por um lado, até é melhor, se virmos bem e pelo ângulo certo. Hoje podemos escrever um texto sobre essa ficção em que a realidade não só se confunde, como facilmente a penetra, ao ponto de sermos nós próprios a linguagem. 

    E isso, lamento, mas é bom. 

    Não sei nada sobre a Ucrânia, ok, qual é o problema!

    Ilustração de Rita Belchior

    A maior parte das pessoas também tenho dúvidas que saibam, mesmo os que andaram a carregar com as cores da bandeira às costas. Então, mas a guerra continua e já não se vê grandes apoios nas janelas e nos computadores, que são outras janelas, mas onde é que andam hoje as bandeiras?

    Não sou contra, evidentemente, que se apoie seja o que for, sobretudo se  parecer justo, mas convém saber do que se fala. Eu, nesse caso, estarei sempre à vontade, porque em todo o tempo, fui contra todas as guerras. Nem a tropa fiz. 

    Já saber as regras do trânsito é um problema, ou escrever sem erros ortográficos, quanto mais ter de reconhecer Dombass no mapa político, ou ter de saber se o Shaktar Donetsk ainda joga à bola. A vida não pode ser a metáfora da entrada num supermercado.

    Não. Deixo ficar a foto e pronto, não se fala mais nisso. Se calhar também ninguém repara, nem mesmo depois da leitura do texto.

    Acho que o mundo precisa mais de cor, anda tudo muito a preto e branco. Estamos quase dentro de um filme mudo, em que todos gritam ao mesmo tempo mas ninguém consegue ouvir o realizador. 

    Ruy Otero é artista media


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  • Davos Hotel

    Davos Hotel

    Pedro Sanchez toma o pequeno almoço enquanto passa a vista pelo seu El País. Depara com um par de fotografias da sua cara bastante animadoras, certamente dadas pelos seus spins, que têm excelentes relações com o jornal castelhano. Este Presidente de Governo tem muito know-how, dizem os experts. Prepara-se para ir de Falcon até à Suíça, onde será um dos participantes. Entretanto, compõe a gravata com a qual se apresentará no Fórum, embora tenha durante o Verão pedido de urgência aos Espanhóis para não a usarem por causa do clima cambiático (alterações climáticas na boca da dissidência espanhola).

    Há uns dias, aconteceu o Fórum Económico Mundial de 2024, em que se reúniu a flora e a nata da política e economia mundial, uma «coisa» fundada em 1971 por Klaus Schwab (KS), ainda que tenha começado por se chamar Fórum Europeu de Gestão, mas desde 1973 que tem o seu actual nome. Ainda é o mesmo presidente 53 anos depois. Klaus Schwab é também membro da importante família Rothschild. Como sempre, e mais uma vez, além de outros assuntos fulcrais para o nosso tempo de bem-estar e insegurança, falou-se da pegada de carbono, a grande obsessão de Davos e de Schwab, embora seja já comum, nomeadamente através de activistas da Net ligados muitas vezes às extremas-direitas, (pelo menos, assim denominados pelas extremas-esquerdas), a crítica à quantidade de aviões privados dos actores principais e secundários que aterram na zona. Neste departamento, e muito estranhamente (ou não), as «esquerdas» (ou sinistras) não se metem. Não querem voar nesses aeroportos cheios de algoritmos humanos desinformativos que são a maioria dos canais de YouTube com visibilidade. Escrevo isto, mas posso assegurar que não sou de nenhum extremo político. Aliás, digo já que nem sou de direita, nem de esquerda, sou normal.

    Queres ver os últimos e impressionantes modelos de aviões do mercado? Dá uma volta até ao aeroporto, leva os teus óculos escuros cheios de style e echa un vistazo, como dizem os Espanhóis e mesmo os Catalães. Vais ficar surpreendido com os últimos modelos ultra, mega, espectacularmente sónicos desses ecomultimilionários, enquanto descansam as asas nesses não-lugares cheios de estilo pós-moderno. Esses jactos têm, no mínimo, só para abrir o apetite, serviços de mensagens de texto e telefone NetJets Connects, tecnologia Wi-Fi e Bluetooth à discrição, sistemas de entretenimento em voo on-demand, tablets iPadCozinha completa, com assistente de bordo, chega? Ou os Falcon 50, por exemplo, cujo modelo PW307A tem, só para começar, a Honeywell a trabalhar para a arquitectura de avionics, tem Auxiliary Power Unit (APU), e sistema de gestão do ar, brincamos? Parker Hannifin para o sistema gerador de energia e freios, e a TRW Aeronautical Systems para os sistemas de Flap hidromecânico… Não é preciso dizer mais nada, pois não?

    O Fórum, neste ano, ofereceu-nos sinais de mão beijada acerca da direcção das políticas no imediato. Se o mundo fosse ainda mais redondo e justo, saberíamos, pelos canais mainstream oficiais, mais sobre esses encontros de contornos duvidosos, não ignorando de antemão, que muitas coisas são sempre negociadas por baixo da mesa, o que não é nenhuma ilegalidade em si, e se for, também quem é que está acima daquela gente?… Só Deus… mas como vi num programa da National Geographic, Ele não existe, por isso, não se pode fazer nada. Não estou a ver também a bófia a entrar por ali, muito menos a bófia suíça, que deve andar preocupada com canivetes o tempo inteiro.

    A maior parte das pessoas que conheço, quando muito, acha que Davos é uma estância na Suíça em que se podem partir umas pernas em cima de um ski e pouco mais. Quanto a partir umas pernas, talvez estejam certos, economicamente falando, para ser bonzinho, já que não estou a falar da Cosa Nostra nem de Francis Ford Copolla. Nem tão-pouco, a realidade atingiu o glamour do cinema. Se há gente sem glamour é aquela, basta tirar uma foto ao KS e ficar à espera da revelação para percebermos que, quando muito, estamos perante um daqueles vilões dos anos 70 com passado duvidoso, que fumam o cigarro entre os dedos anelar e o médio (nunca percebi se os nazis fumavam mesmo assim ou se é uma criação do cinema).

    O sotaque kissingeriano de KS é, por si só, assustador. Também é verdade que a maior parte das pessoas não sabe quem é o KS. Para alguns mais velhos a quem perguntei, foi um jogador do Fortuna Düsseldorf, dos anos 80 do século passado. Errado, metam-lhe uma bola nos pés e vislumbrará logo um planeta verde (negro) cheio de futuro, em que não terás nada e serás feliz, expressão inventada pelo menino, que entretanto fez parte de um vídeo com os dez novos mandamentos da Agenda 2030, mas já retirado de circulação. Os conspiradores e fascistas da Net devoraram e partilharam até à medula esse vídeo(game), a ponto de termos até tido pena do pobre KS, que para alguns, muito se esforça para que tenhamos um futuro verde sustentável, assegurado. Ele certamente quer morrer com a consciência tranquila de que fez tudo para nos proteger. Como não sou romântico, fico-me só pela parte do fez tudo. Uma vez, tentei melhorar a imagem do KS no Photoshop, e ainda veio pior. Talvez só a Inteligência Artificial lhe consiga melhorar a imagem. Ele agora também nos quer salvar da má imagem da IA, quando usada e ensinada pelos desinformadores.

    Estará mesmo o mundo a precisar de tanta salvação?. O António Guterres não fala de outra coisa. O planeta é um pântano.

    Web 2.0 já não nos dá a hipótese de ver sempre o sol sem quadradinhos quando nos apetecer. E esperem pela Web 3.0, ela virá como um asteróide a alta velocidade contra o planeta, que por acaso, para uns nem redondo é.

    Às vezes, pergunto-me, se esta gente não se achará uma espécie de anjos na terra, ou anjos caídos, ou se não serão mesmo um bando de psicopatas que perdeu o norte e agora está com medo de perder a Antárctida.

    A verdade é que estas elites estão a entrar a pés juntos à boa maneira do Paulinho Santos, é tudo muito rápido. Agora vem aí o vírus X, outro tema de passadeira vermelha, mas ainda não sabem bem o que é, ainda que nos garantam que é vinte vezes pior do que o coronavírus, e pelo que imagino, já terão na manga, medidas vinte vezes mais radicais do que as «choninhas» do covid, que até deixavam as pessoas sair, se fosse para ir comprar Sonasol ao Pingo Doce.

    Klaus e companhia, neste ano, estão a passar mensagens e ideias, de forma que se perceba efectivamente que têm um projecto bem definido.

    O pior é que não é nada bom para as pessoas a curto prazo, vejamos: combate ruidoso à desinformação, que já se sabe que é tudo aquilo que não coincide com as ideias deles; alterações climáticas, que vão trazer mais restrições às pessoas em grosso modo e à classe média particularmente; vírus que agora será o X, um vírus virtual hipotético, mas que infunde vinte vezes mais medo; combate às guerras, embora a guerra à desinformação seja considerada a principal; imigração; mundo árabe; Irão… Enfim, urge combater os maus, sendo eles naturalmente os bons. Tudo isto até soa a cómico, uma vez que vivo finalmente em Gotham City, e posso desfrutar do filme por dentro sem o incómodo dos óculos RV, que ainda não acertaram no alvo, já que desfocam demasiadamente e causam muitas tonturas, para não falar da porcaria do joystick. Não sei é se há outra realidade à minha espera.

    Mas acho que as pessoas estão a perceber aos poucos que nesta saga, infonarrativa, aos «bons» também se vira, de vez em quando, o feitiço contra o feiticeiro. Sim, a IA faz ricochete e tem efeitos boomerang.

    Andam preocupados com o GPT, e por isso o seu CEO estará lá neste ano. Outro actor importante desta saga é Yuval Harari, um filósofo israelita que pinta uma realidade bastante virtual com hackeamentos radicais à mistura e deuses na Terra, que até imaginamos que seja a velha guarda do costume mais os outros invisíveis que ninguém há-de conhecer, o que é bom para a especulação matrix da nossa era, e para os conspiranóicos do QAnnon, de origem duvidosa. Há quem jure a pés juntos que esta espécie de organização se trata de dissidência controlada, mas também quem o jura pertence à esfera da conspiração. O mundo já é a sua própria conspiração e, às vezes, respirar ar puro digital torna-se difícil, se não tiveres um dogma prêt-à-porter a dar-te guarida… digital. Esqueçamos o puro.

    Será tudo isto uma questão de entretenimento? De quando em quando, pergunto ao espelho negro que tenho em casa, à imagem da série de televisão (que também tenho em casa com o mesmo nome), e não percebo bem se ainda estamos na sociedade do espectáculo debordiano, que as esquerdas sociais tanto citavam, ou se já não somos mesmo a carne para o canhão do cinema moribundo com guiões de série B pouco recomendáveis.

    É que eu não preciso de mais entretenimento. Não fui daqueles que se agarraram à Netflix nos confinamentos, nem muito menos dos que fizeram o pão que o Diabo amassou, enquanto os padeiros faziam as carcaças e as vianinhas do costume, sem câmaras a bombardear as redes exibicionistas. Tanto entretenimento também farta. Agora, queria um bocadinho de descanso. E já agora paz como pediria o Mister Universo.

    Sem dúvida, o globalismo é isto. Eu até gosto da palavra, mas quando percebi que o globalismo é a tentativa de controlar a globalização, ou seja, de controlar o livre intercâmbio de recursos, ideias, pessoas e produtos, fiquei a achar que estes voadores hipersónicos, na verdade, nunca o quiseram, ao contrário do que se pensa, porque isso implicaria diversidade, e não hegemonia das multinacionais às quais pertencem, tendo assim os pobres dos Estados na mão, com a conivência dos políticos e das políticas, em que se inclui a comunicação social, claro. Isto tudo baseado num sistema económico fraudulento na sua essência, que está alicerçado na ideia de dinheiro fácil criado do nada, sujeito a crises recorrentes controláveis e até antecipáveis como o vírus X. Mas que se mantém, porque permite os agarrados à liquidez (e estamos a vê-lo com Wall Street), a manutenção de modelos de negócio obsoletos que só podem funcionar com a manipulação dos juros.

    Também percebo que é difícil parar o tsunâmi, sobretudo quando ele vem cheio de ideias de paz e de amendoeiras em flor, em que um pássaro vale mais do que uma pessoa, e até do que mil palavras. O pior e mais estranho é que são pessoas que votam, e não pássaros. Este sistema, quanto a mim, já deu sinais de ser problemático em 2001 e causou crises como a de 2008, que trouxe consequências graves para Portugal, deixando os Portugueses sem frangos no congelador, trocando-os pelos ordenados. O mundo ficou em respiração assistida, como os doentes covid anos mais tarde. O problema, como sempre, são os efeitos secundários do uso e abuso de tubos a entrar-nos pelos pulmões. Começámos finalmente a acelerar com uma scooter numa auto-estrada, mas em segunda. Já para não falar da inflação e da corrupção institucional. E agora usam como argumento a religião climática que até vem pôr Picassos em apuros, não fossem os vidros hiper-sofisticados a proteger as obras dos climáticos do lítio. É bom ter inimigos externos contra os quais não podemos lutar.

    Pessoalmente, tento lutar contra as alterações climáticas e até contra o clima, embora tudo me pareça cada vez mais gelado na aproximação (aludindo a um antigo jogo da minha infância), mas não sei muito bem como, se isto está sempre em mudança. Ainda pensei em comprar um carro a lítio, sabendo também que o lítio é a substância usada para as crises disfuncionais da bipolaridade. Ainda faria um dois em um, antecipando a crise nervosa que virá inevitavelmente, depois de perceber definitivamente que estes carros poluem sete vezes mais do que os Vauxhall Deluxe dos anos 70 do século passado. Ao menos, nesses, simulávamos assaltos a bancos como nos filmes, e a brincar, uma vez lá dentro, pensávamos que éramos gangsters, longe de imaginarmos fóruns de Davos. Eram cá umas banheiras… que hoje só me fazem lembrar, por livre associação, água ou a falta dela. Mas abro a torneira e saem-me imediatamente inúmeros Vauxhalls em catadupa. Ou melhor, segundo os conspiradores, água cheia de metais pesados.

    É tudo muito confuso. É tudo associação, é tudo psicanálise, é tudo fado. É tudo infância.

    Acho que as alterações climáticas são uma inevitabilidade. A esquerda caviar acha que não, acha que podemos ficar sempre com sol à vista sem que produza queimaduras. Basta… não consumir. Problema do capitalismo. Então mas Davos é o quê? Não me parece que os actores cheguem de trenó nem lanchem uma tostinha de alface com queijo Philadelphia.

    É frequente pensar, que esta esquerda sensível é composta por uma espécie de neoliberais… de esquerda… como Davos. Mas também há quem tivesse previsto este romance. O que ninguém previu, que eu saiba, é que o Bill Gates e o Bill Clinton, dois frequentadores assíduos do Fórum, não parassem de entrar no Lolita Express como quem entra nas Amoreiras, e se viesse a descobrir. Mas não sei se as Amoreiras são uma boa metáfora. São grandes, altas e estão um bocado envelhecidas. Há coisas que convém não dizer nesta democracia totalitária. A verdade é que ambos os Bills têm muito que dizer sobre o Fórum Económico Mundial. Uma vez que falei neles, também devo dizer que este ano, os organizadores garantiram que não haveria prostituição de luxo, à semelhança do ano anterior. O Fórum é assumidamente feminista.

    Mas a ementa deste Fórum, foi o ataque às redes de desinformação, ainda por cima em ano de eleições trumpistas.

    A ideia, no fundo, é que a opinião pública seja igual à opinião publicada. Se não for assim, seremos dissidentes e agentes da desinformação. Tenho a certeza de que este texto, mais tarde ou mais cedo, caso seja lido por um algoritmo, será varrido do mapa. Rock and roll hoje, só com camisolas da Zara. Tenho uma dos Clash comprada lá. Mas também tenho uma da NASA. Na pós-modernidade, é tudo uma festa, desde que não digas mal da Pfizer e da Apple. Tens de concordar com o Great Reset, caso contrário és um conservas de primeira apanha. Great Reset é um livro escrito por KS, e publicado três meses depois do início da pandemia. Só um génio para escrever em três meses um livro daquela envergadura e importância, que explica abertamente que o grande cancro da nossa era somos nós, os humanos. Até parece que ele não é!…

    Um dos temas preferidos destas elites foi precisamente o da desinformação. Discutiu-se a ideia de dares os teus dados primeiro para acederes à Net, tipo, dispara primeiro e pergunta depois à boa maneira do Dirty Harry, que por sinal, também lutava contra os maus. O próprio Bush dizia que se não aceitasses a invasão ao Iraque, estavas contra os Estados Unidos, e se dissesses que o país do Saddam podia não ter armas nucleares, eras persona non grata. Ou estás connosco ou és contra nós, e se fores contra, o teu avatar vai direitinho para a prisão do silêncio. O que vale é que eu sou o meu próprio avatar e raramente discutimos em público.

    De vez em quando, penso se não terão mesmo administrado clorofórmio à grande maioria da população, uma vez que parecem tão absurdos certos paradoxos vindos destes encontros. Não digo que dormir não seja bom, mas por vezes, convém acordar para desentorpecer as pernas, isto para não falar do cérebro. Por outro lado, se a grande maioria, pelo menos em Portugal, não se revela crítica destes paradoxos, pode querer dizer que até está tudo bem.

    E os académicos, onde andam os académicos? Se calhar, estão todos a jogar na Académica, que anda a arrastar-se por ligas menores há muito tempo, sem nenhum fulgor. Efectivamente, não estou na cabeça de milhões de pessoas para o saber, mas também não quero que esses milhões invadam a minha. Para isso, basta não ver televisão e não ler jornais. Quanto às redes sociais, também não sou grande adepto. Não gosto de discutir penáltis nem foras-de-jogo, prefiro meter uns golos de quando em vez, nem que seja na própria baliza.

    O mundo está a precisar de um checkup. Parece que estamos como no Titanic: enquanto o barco se afundava, ainda havia passageiros a fazer planos para o futuro. Estamos na era do complexo Titanic. O mundo é uma selfie meio desfocada. Mas eu não. Eu vejo o guião como literatura. Sempre é mais libertador. Hoje é tudo uma questão de dados. Estás sempre a enviá-los, são a tua corrente sanguínea. Os dados são o poker, os truques és tu. Se quiseres, ou não, és o próprio produto. A diferença é que ninguém tem trinta dias para a reclamação. Os dados, para mim não são o lixo, são os camiões do lixo todos a trabalhar ao mesmo tempo. Os dados são as discotecas em que os cavalos nunca se abatem. Estás sempre ligado à corrente. Se a corrente vai para um lado, embora para esse lado. Só um estúpido é que rema contra a maré. Já não há bem marés. Hoje há mais marinheiros e bots. Há mesmo mais bots do que marinheiros. A táctica é seres mais dados do que os próprios dados. Ser mais banqueiro do que os banqueiros. Seres um único e grandioso dado.

    Um BOT-PLUS.

    Enfim, ser o próprio Banco e ficar lá sentado à espera de que tudo se desmorone. Por isso, eu até posso compreender esta passagem para o mundo twilight definido pelo Fórum, e até de o desejar, é certamente uma forma de ser o actor e espectador ao mesmo tempo, ainda para mais com a possibilidade de viver para sempre. Mas assim não dá.

    Claro que quero um robot escravo a trabalhar para mim movido a hidrogénio. Claro que quero uma torradeira high tech com design do Philippe Starck a dizer piadas sobre a liga de carbono. E se, no meio disto, puder comer hambúrgueres de oxigénio com sabor a carne de vaca, melhor ainda. Se puder viajar no tempo, ui!… Ia de imediato até ao paraíso Viking, chamava-lhes nomes, gozava com os capacetes e pisgava-me logo, accionando a mente e nunca um botão anacrónico, como se vê nos filmes, antes que eles me dessem uma espadeirada. Mas assim não dá. A vossa táctica parece a do treinador do Fafe.

    Por muito estúpidas e incultas que as pessoas sejam, vocês estão a exagerar. Eh pá, aviões supersónicos e converseta do carbono? Vírus inexistentes vinte vezes piores do que o monstro de Lochness? Eh pá, não terás nada e serás feliz? Fogo… crises recorrentes? Ameaças? Blackrocks, Vanguards? Os juros da dívida dos países a subir em flecha… Eh pá… qualquer dia, a maralha percebe, e lá se vai o nosso futuro quântico e cyborg 4.0, cheio de novas possibilidades narrativas para o galheiro.

    Ruy Otero é artista media

    Ilustrações da autoria de Ruy Otero com a colaboração de Nuno Bettencourt.


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