Aquele jornalista era sem dúvida o mais cão-de-fila de toda a cáfila jornalística que pululava pelas principais redacções de televisão.
Tinha uma postura agressiva sempre que o seu entrevistado parecesse estar numa posição antagónica à sua. Se estivesse então conotado, ou fizesse mesmo parte daquilo que é hoje considerada a nova direita, mordia.
Era agressivo, mal-educado, interrompia, sentia-se a vontade insolente de cuspir para cima do interlocutor e isso verificava-se num franzir de olhos bastante nervoso, sendo mesmo acometido por esse movimento muscular frequentemente, sobretudo defronte de entrevistados alvo.
Mas o jornalista era baixinho e parecia não ter físico que garantisse em caso de luta, uma vitória fácil, mesmo que se tratasse de uma mulher.
Para estes feministas de estúdio, ser mulher não interessa se não partilharem das mesmas ideias. Nesse caso o universo feminino não é para defender.
Imaginava-se até que fosse medroso e provocador tipo “Ò Evaristo tens cá disto?”
Um toca-e-foge sempre que não tivesse as costas quentes de um estúdio ou de uma voz gélida a dar ordens no seu auricular.
Mas desta vez a entrevistada vinha do Partido Socialista e era Presidente de Câmara de uma pequena cidade. A realização da entrevista devia-se à senhora ter gerado alguma polémica por ter proferido na rádio local da sua cidade que existiam muitas pessoas dessa região a usufruírem de subsídio, quando se sabia que algumas ostentavam casas com piscina, ou vivendas caras, ou mesmo carros de luxo, incluindo Teslas e Audis.
A Presidente da Câmara denunciava-o de uma forma até convencional, pausada e calma, sem grandes oscilações térmicas tanto na voz como nas expressões faciais. Parecia querer aproveitar o facto de estar na televisão para apelar a que se resolvessem este tipo de situações que muito prejudicavam os verdadeiros pobres. Não denunciava nenhuma etnia em particular e embora fosse uma política ligada a um partido do Poder, parecia querer mostrar alguma sensibilidade para com o problema e queria torná-lo público.
Queixava-se também de certa forma do pouco orçamento que a sua autarquia tinha para poder ajudar a resolver o assunto.
Queria apenas que se investigassem essas pessoas, de forma que a investigação se certificasse de onde provinham os sinais de riqueza dos suspeitos para que se pudesse fazer justiça e uma outra redistribuição mais equitativa e justa pelos mais necessitados.
Pelo que parecia, era uma socialista convicta.
Mas o jornalista não estava a gostar da conversa. Interrompia constantemente e alegava com razão eventualmente, não fosse o seu tom, que as pessoas podiam ter smartphones e serem pobres. Não estava a perceber muito bem onde a Presidente queria chegar. Será que a senhora pretendia denunciar alguma etnia em particular?
No entanto percebia-se que a senhora queria sobretudo alertar os espectadores para essa situação anómala e desprestigiante para o ser humano. Isso era claro.
Infortúnio que o jornalista se recusava a aceitar como sendo prática comum e até parecia duvidar se alguma vez isso poderia vir a ocorrer, chegando mesmo a evocar a possibilidade caso acontecesse, de ser uma excepção com a qual não nos devíamos preocupar para assim se confirmar a regra da não existência desse tipo de abusos. O Estado é hoje um dos grandes financiadores das televisões.
Percebe-se.
Mas, no entanto, não deixa de ser absurdo.
No meio da entrevista sob o fundo verde-croma, a senhora entrevistada respondeu a uma pergunta idiota e ainda acrescentou:
—… Até lhe digo mais… Há por lá pela cidade um caso muito conhecido de um cidadão que aufere desse subsidio, mas que no entanto ostenta um Audi, eléctrico e tudo. Portanto é até um cidadão com cuidados ecológicos por sinal.
—Mas não pode, é?
Perguntou o jornalista cão-de-fila, mal ouviu falar em ecologia.
—Nada disso. Apenas estou a dizer que normalmente esses carros são mais caros e que pessoas muito necessitadas nem sequer se podem dar ao luxo de ter prioridades ecológicas por muito que o queiram.
Por momentos parecia até que o jornalista estava a deixar passar a ideia de que não gostava de pobres, tendo nesse caso uma doença chamada aparofobia, e é sabido que hoje muita gente padece dessa patologia. Até pobres.
Aparecia o reino do nonsense mais uma vez para pautar uma entrevista grotesca. Coisa comum hoje em dia nos canais televisivos cheios de estagiários, embora não fosse este o caso. Este jornalista já se arrastava há uns anos pelas cadeiras de pivot.
—Mas então como é que a senhora sabe que o carro não é emprestado?
Perguntou o jornalista convicto de estar a fazer a melhor pergunta de sempre.
A Presidente fez uma cara de espanto não querendo acreditar naquilo que acabara de ouvir e antes que pudesse responder, houve um apagão geral. Uma parte do mundo ficou sem energia. Podia ser um simulacro também.
Um Cyber Polygon.
Assim de um momento para o outro.
Trássss!! Puffff!!!
Vários sons estridentes e desconhecidos potenciaram o frenesim generalizado das pessoas que se encontravam na redacção e no estúdio.
Mas mesmo depois de o jornalista constatar que já não estavam no ar, começando a sentir-se o caos associado a um apagão de grande extensão, com quase tudo às escuras, em off ainda insistiu com a senhora autarca:
—Sim, responda-me. Como é que a senhora sabe que o Audi do cigano não é emprestado?
Hum!!!
Ruy Otero é artista media
Ilustrações de Ruy Otero
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Espelho meu, espelho meu, diz-me quem é que gosta mais de bater nos media do que eu.
É claro que o meu smartphone (espelho) ficou calado.
E cá estou eu numa aula de boxe. Onde é que está o Rodrigo Guedes de Carvalho? Olha, dizem que fugiu da aula e não está para calçar as luvas. Mas cuidado que ele é mau.
Talvez ande por aí o Germano de Sousa… Olha, dizem que está em casa lavado em lágrimas gritando por Káaamala em frente ao televisor.
Mas o que é isto? Agora o Rui Calafate depois de saber que perdeu, já diz mal da senhora Harris e casca na pouca influência da Beyoncé nos consumidores-eleitores. Bolas, Rui, deixa ao menos passar umas horas. Pode ser que não percas o emprego, mas da forma como as coisas marcham, parece infelizmente que isso pode ser uma possibilidade. Mas estar indignado pode ser bom… Por uns dias.
Estava a brincar, claro.
Eles é que não pareciam andar muito para brincadeiras sempre que aparecia alguém a criticar subtilmente a candidata democrata mesmo que, segundo as regras do marketing, o contraditório seja bom para vender o produto.
Por muito que alguns soubessem tratar-se de um guião vindo da cantera globalista sempre com o kit completo dentro da mala a acompanhar a venda, outros acreditavam mesmo naquilo que iam dizendo sempre cheios de humanismo prêt-à-porter e até rangiam os dentes quando tinham de proferir a palavra maldita começada por T antecedida por um nome de desenho animado da Disney. Ao pé desse até o Bush já era bom.
Mas as coisas não são assim tão simples, como costuma dizer-me um primo meu, bastante simplório, até por sinal, quando se refere à política.
Mas o quê? O Elon Musk não faz parte do elenco? E agora é pela liberdade de expressão e é do Trump? Reconheço que para os mais incautos seja esquisito, está certo. O homem da Neuralink não parece de confiança e é o mais rico do mundo mas os seus projectos dão sempre para o torto. Investirão os contribuintes através do Estado assim tanto nele? É estranho.
Mas o quê?… Agora o Zuckerberg já não apoia os democratas e até fala da censura a que foi sujeito durante a pandemia sobretudo durante o governo Biden?
Um uber-boy de esquerda dirá que eles querem todos é dinheiro e que a culpa é do capitalismo. Um taxista do Chega dirá que eles são é todos filhos da p… e que só estão bem a mamar do contribuinte, ainda que agora tenha muito para dizer vomitando à vontadex para o caixote-do-lixo que já foi o Twitter. E onde pode dizer o que lhe apetecer como se fossemos os seus clientes do banco de trás.
Os jornalistas e apresentadores contribuem hoje muito certamente, para o aumento do consumo de anti-depressivos e até de psicotrópicos em geral.
A Pfizer gosta da SICK, já se sabe, basta ler o PÁGINA UM. Isto para fazer um jogo de palavras à antiga.
A política e o desejo já coexistem e mantém uma relação há muito. E o Ser Humano é frágil, sabemos. Temos de perdoar, sendo essa acção, coisa um pouco cristã e por isso mal vista pela elite que não anda muito “caótica”, como se costuma dizer quando as coisas não andam a correr bem.
Acontece que os media, ainda que não pareça, são compostos por pessoas, mesmo que ande também por lá a classe mais desrespeitada do momento — os jornalistas, claro.
Uma coisa é comentário (aquilo que faço aqui), outra coisa é jornalismo (aquilo que não faço aqui).
Nas televisões e jornais mainstream em geral, uma coisa confunde-se com a outra à grande e à americana.
Durante meses assisti a uma campanha pelo partido democrata, apresentando sempre Donald Trump como um doido varrido, um mentiroso compulsivo, um ególatra e até pior.
Ok, eu até posso achar isso, mas não sou jornalista.
Mas também acho que Kamala é pouco mais que do piorio, basta investigar sobre ela. Eu e muita gente, até hispânicos, negros e judeus que votam nos Estados Unidos. É assim. Temos direito de não gostar de ninguém.
Mas venha de lá o menos mau. Sempre ouvi dizer.
Acontece que o mundo político ja não se coaduna com essa perspectiva há muito.
O delay ainda é mais evidente que numa trovoada.
Há quem saiba disso. O Ricardo Costa que nada tem de idiota útil, julgo que sabe, até porque é irmão de António Costa, que já passou por mais ministérios que o Manuel Cajuda por clubes de futebol, mas é um ser humano e por isso também tem as suas fraquezas e de vez em quando lá vai a real politik dar uma volta até ao bilhar grande.
Ele foi um daqueles enviados para os Estados Unidos que acompanhou a parte final das campanhas e tinha que “medir o pulso” às populações (como gostam de dizer os correspondentes) achando que quem votava em Trump era porque estaria desinformado, tipo não via a SIC, e depois ia dar uma volta até àquilo que eles chamam de América real e decepcionava-se porque os reais andavam desinformados. Às vezes dizem tratar-se da América profunda. As terminologias vão mudando conforme o “clima”.
Vi-o ir ter com portugueses imigrantes que diziam quase todos votar no Trump e serem contra a emigração. Às vezes podia jurar ver o jornalista-irmão ficar com os óculos embaciados de tanta realidade (irrealidade) ao mesmo tempo. Ou então eram os meus.
O mesmo já se tinha passado em Portugal com o fenómeno do Partido Chega. Os media gostam do povo e por isso subestima-o. Pelo menos quando dá jeito lá vão eles ter com as pessoas, cada vez mais velhotas, é certo, mas que ainda conseguem achar piada ao “caçador” Miguel Sousa Tavares por exemplo e querem selfies com o Marcelo. Mas de boas intenções anda o cemitério cheio, como se diz na Turquia.
O mundo não anda para brincadeiras mas uma parte do povo ainda não sabe mas já desconfia e anda farto de selfies e já não tem paciência assim tanto para bigbrothers.
E quem irá ganhar com tanta desconfiança?
Está-se mesmo a ver. E há uns por aí que não brincam em serviço e que são muito piores que o Orban. Basta apanhar o avião até à Alemanha.
Alguém anda a brincar com fósforos e a querer aquecer o planeta confirmando assim que a acção humana contribui para as famosas alterações.
No entanto os de sempre é que ganharam com estas eleições, os media aqui são só peixe muito pequeno para a camioneta do Poder.
Benjamin Netanyahu é um deles. As grandes famílias também saem sempre vitoriosas, e até há quem diga que financiam tanto vencedores como vencidos.
Mas isto aqui não é o YouTube e eu tenho mais que fazer do que andar a vasculhar no abstrato.
Cá por mim falo do que sei e tentarei assumir uma posição neutra quanto às opções políticas do momento, mas não deixarei de ser pouco neutro numa avaliação aos trapalhões do costume que são aqueles que vocês já sabem e que têm sido um alvo permanente deste órgão de informação (P1) que tem dívida zero e prescinde de uma visão ideológica, preferindo fazer aquilo que em tempos se chamou de jornalismo, trazendo um fogacho de esperança ao próprio meio. Ao copo que anda meio vazio mas cheio de si.
É só a minha opinião, calma. Estamos na zona da opinião.
Qualquer dia e a ver pelas parcas audiências, esses são mesmo o ceguinho, e aí e por questões de ética já não vou poder bater, correndo ainda o risco de levar com umas bengaladas, mesmo que pouco pujantes e desprovidas de pontaria tipo a personagem Darryl Hanna quando tenta desesperadamente atingir Uma Thurman sem nada ver no Kill Bill.
O que era mais estranho há uns dias mas não surpreendente, era ver indicadores que não as sondagens do New York Times ou do Washington Post, a mostrarem outra realidade como por exemplo as casa de apostas que tinham Trump como favorito muito à frente de Kamala Harris, ou mesmo as muito fracas prestações da candidata na CNN, ainda que levada ao colo e não serem comentadas. Como se na verdade pouco soubéssemos sobre o país em que as eleições iriam acontecer.
Mais estranho ainda era o comportamento das televisões no plano inclinado como se os portugueses votassem nestas eleições. Para quê perderem tanto tempo na campanha clara ao partido democrata se uma boa parte da população portuguesa nem mesmo cá vota.
Cheguei mesmo a ver tudólogos a pedirem a morte de Trump, justificando que seria a única forma de nos vermos livres dele. Mas, Cara Ferreira Alves, já pensaste que muitos milhões de americanos não pensam assim. A ideia até pode ser boa mas têm de arranjar um puto que tenha mais pontaria que aquele caixa-de-óculos que parecia saído de um filme da saga Carry on.
E pelos vistos, Beyoncé, Jennifer Lopez, Bruce Springsteen e sobretudo a influencer e cantora Taylor Swift já não conseguem mobilizar parte da juventude que se vê sem dinheiro nos bolsos e que já não suporta a conduta e as regras da ideologia woke (segundo estudos).
Não parece que Trump tenha melhores soluções mas é o que há.
Patriotas ou globalistas, parece não haver muitas opções ao centro, sobretudo a um centro que chegou a denominar-se por Tony Blair de radical. Mas também Tony Blair nunca enganou alguns com as suas políticas invasoras e cúmplices do Deep State.
Se até ao ano 2000 ainda era fácil acreditar em esquerda e direita por exemplo, com a eleição de Bush que ganhou a Algore com recontagens dos votos umas atrás das outras, sendo, no entanto, verificável a diferença ideológica de ambos, paulatinamente de lá para cá as coisas foram-se aclarando ou até complexizando de forma a ter havido uma inversão até mesmo léxical, quanto aos sentidos para onde as coisas estavam a ir.
E os media ou não percebiam nada, ou percebiam tudo e estavam a lutar no pódio da hipocrisia. As redes sociais como foram ficando cada vez mais anti-sociais viraram o feitiço contra o feiticeiro, mas a verdade é que o mundo foi sempre para a frente.
Até ao Covid.
Ruy Otero é artista media
Ilustrações de Ruy Otero
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Aquele centro comercial dos anos 80, edificado num período em que o futuro parecia ter futuro, só tinha cinco lojas a funcionar. As demais pareciam ser para arrumações ou estavam simplesmente fechadas a sete chaves. A covid-19 e a respectiva crise encerraram alguns espaços que depois não voltaram a abrir. Chovia no átrio, e pouca gente entrava nos estabelecimentos abertos que ainda mantinham actividade.
Um cabeleireiro, uma esteticista, um oculista e um estranho e sinistro consultório de um suposto médico homeopata mantinham o centro comercial de dois andares meio morto, ou meio vivo para quem gosta de pensar na imagem do copo, enfim, em estado quase zombie.
Mas uma galeria vocacionada para a arte era a última novidade do centro comercial e a esperança, quiçá ingénua, dos lojistas de um rejuvenescimento pulsante do lugar.
A esteticista, de quando em vez, e porque o processo de construção do novo espaço fora demorado, ia até à galeria em obras e divagava sobre arte abstracta que via em feiras de antiguidades, e fazia declarações alucinadas, por exemplo que o Citröen Xsara Picasso havia sido desenhado pelo próprio artista espanhol. Estava convencida de que Matisse estava vivo e aparecia na ¡Hola! , confundindo certamente o artista com algum socialite e mantinha que Marlon Brando morrera num acidente de automóvel com vinte e poucos anos. O alegado homeopata reforçava-lhe as crenças, garantindo-lhe que Matisse (que não era ninguém) não só era habitué da ¡Hola! como era graças a si que ele ainda podia andar e conservava aquele fantástico aspecto. Coisa de loucos mas que chegava a ser divertido.
A galeria iria abrir no mês seguinte, e, num dia em que um dos artistas estava com a porta aberta, uma senhora, na casa dos quarenta, rompeu pelo átrio adentro e dirigiu-se à porta da galeria. Explicou ao jovem artista que estava muito curiosa quanto à recente loja, ou lá o que era, que parecia ir abrir. Fez ainda referência a um grupo ao qual pertencia que gostava muito de eventos e que certamente iriam ser clientes da loja, ou do que aquilo viesse a ser. Com um timbre quase formal, acrescentou:
— Desculpe, posso entrar para resolver o mistério?
— De que mistério se trata?
— É que eu já passei várias vezes ali na rua e vi que vocês têm nas montras uns televisores… Quer dizer, às vezes, noutros dias têm uns bonecos de madeira, umas máscaras e até umas roupas dispostas de uma forma tão estranha, sempre em mutação, e isso estimulou a minha curiosidade por isso finalmente decidi entrar para saber de que loja estamos a falar. Você é o dono, certo?
— Isto é mais uma associação. Não há donos.
— Mas é uma loja vintage? De fora, parece.
— Não. Isto é uma galeria de arte que vai abrir em breve com exposições.
— Ai sim? Posso entrar para ver? Se não me levar a mal…
— Ainda não tem muita coisa. Tem só umas experiências que estamos a fazer para perceber que tipo de luz vamos instalar e para perceber melhor a disposição.
A senhora entrou sem pedir licença e deu uma breve vista de olhos ao espaço. Estava desconfiada.
— Pois. Vejo que sim. Vocês têm isto nas redes sociais? Facebook, Instagram…
— Sim. Tem aí na montra a morada.
A senhora deu um passo curioso até à montra e tirou o smartphone da mala.
— Sim. Aqui estão os links, muito bem. Estou a ver.
Olhou para o seu smartphone com um ar intrigado e ao mesmo tempo ia dando uns esgares bastante estranhos para alguns pormenores que faziam parte da galeria. Fixou o olhar numa zona onde se acumularam umas infiltrações, ao que o rapaz, tendo reparado no olhar atento da senhora, disse que já estava previsto o arranjo. E depois de forma simpática ainda rematou:
— Tem aí já alguma informação acerca do que iremos apresentar. Sobretudo no Instagram. Está para breve a inauguração.
— Sim, sim. Estou a ver. Não usam o Tik-Tok?
—Por enquanto não.
—Estou a ver. Sim senhor.
Ao fim de uns segundos, comentou com um rosto que oscilava entre a desilusão e o desdém:
— Mas vocês só têm vinte e um likes aqui.
— Por enquanto, sim.
— Só?
— Sim.
— E nem stories têm.
— Não se pode ter tudo.
Ainda gracejou o rapaz com um sorriso nervoso.
— Vinte e um! Como é que se pode ter só vinte e um likes? E só têm cinquenta seguidores! E depois querem o quê! Eu até gostei de algumas coisas e até comprava mas com vinte e um likes… Não.
O rapaz já nem respondeu.
A senhora apressou-se a sair pelas escadas que davam para a saída do primeiro andar, totalmente incrédula. Enquanto subia, ainda olhava para a porta da galeria, e o jovem continuava a ouvir a sua voz.
— Vinte e um! Tch! Vinte e um. Vinte e um likes?! Como é que é possível… Tch! Cinquenta seguidores até o meu sobrinho de oito anos tem. Não quero acreditar. Vinte e um likes… Ridículo!
O jovem artista, até então entusiasmadíssimo com a galeria, teve um clarão: valia um 0,0000001 do que valia a Cristina Ferreira e 0,0000000000000000000001 do que valia o Ronaldo. Entrou numa espiral de pensamentos negativos, com ressonâncias de versos pessoanos.
«Não sou nada, nunca serei nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo, mas quase nenhum like. Vinte e um likes? E só temos cinquenta seguidores. Cinquenta! Que sentido tem isto? Que sentido tem a minha vida? O que é uma vida sem likes?»
Ruy Otero é artista media
Ilustrações de Ruy Otero
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Confirmei também que a palavra gralhas aparece escrita no texto que anuncia a conversa em áudio com um erro. Em vez de gralhas está gralhar. Uma gralha na gralha. Teriam os dois autores feito de propósito? Ou toda a gente tem direito à sua gralha? Mesmo que nas gralhas?
O mundo das palavras e da linguagem tanto pode ser formal como rebelde, até pode ser os dois ao mesmo tempo e por isso declaro o meu amor profundo às palavras e a minha amizade enorme pelos dois intervenientes do podcast que tornam a vida mais gramaticalmente correcta, ainda que também mais politicamente incorrecta. É maravilhoso.
Isto a propósito das palavras usadas pelo primeiro-ministro numa recente conferência em que aproveitou, e já que estava num simpósio cujo título era O Futuro dos Media, organizado pela Plataforma dos Media Privados, para dizer que certos comportamentos dos jornalistas “não valorizam a profissão”, referindo-se ao uso de auriculares por parte dos mesmos e ao facto de receberem perguntas sopradas pelos superiores.
Deixou assim uma espécie de recado para que os jornalistas fossem mais “tranquilos” e “não tão ofegantes”, palavras suas, na hora de insistirem, por exemplo, com perguntas aos primeiros-ministros.
Tranquilos e ofegantes…
Não é que as palavras estejam erradas no contexto, mas…
Referiu-se também ao facto de muitas vezes terem as perguntas escritas no telemóvel, estando a ler no momento do confronto sem sequer olharem de frente para o visado, deixando a entender que não é uma profissão conhecida por ter grande liberdade, pelo menos pelos soldados todo-o-terreno.
Luís Montenegro deve saber bem do que fala e está a mentir. Ou a contar uma inverdade como se costuma eufemisticamente dizer nos corredores dos antigos raios catódicos, isto para usar uma liberdade meio digital… vá. Fica sempre bem.
Toda a gente sabe que os primeiros-ministros gostam é de perguntas originais e incomodativas e até espontâneas vindas dos profissionais da comunicação que estão no plateau. Mas como o primeiro-ministro anda nisto há muito tempo, acha que as perguntas são feitas sempre pelo topo da pirâmide, pirâmide essa que os governos alimentam com dinheiro público.
Não, Luís Montenegro. És, como diz o Presidente, um saloio que não percebe nada de auriculares (sempre quis tratar por tu um chefe de governo).
Assim, não serão muitas as vezes que me verão a defender jornalistas, mas é que aqui, coitados deles, que mais uma vez estão a ser tramados pela mentira, ou pelo conceito de pós-verdade a que se sujeitam enquanto profissionais da palavra (senão mesmo da antiga verdade), e já agora, vitimas do ódio destilado pelos primeiros-ministros sempre cheios de medo dessa classe que qualquer dia só terá lugar cativo em Sundance (para quem não sabe, é um festival de cinema independente com actores de Hollywood).
Para confirmar o que digo, faço um apelo à memória, pedindo para os leitores recordarem a agreste acutilância senão mesmo a severidade generalizada, na hora de os jornalistas questionarem o anterior primeiro-ministro, tanto em estúdio como noutros espaços. Mas quiçá esse estivesse à altura, e até diziam que queria era livrar-se do país, portanto, viessem as balas.
Toda a gente sabe ou devia saber que é mentira. Os jornalistas são conhecidos pela sua independência e pela imaginação na hora de questionar o Poder. São pagos para isso, doa a quem doer, mesmo que seja para arrasar os donos das empresas às quais pertencem.
Como prova disso, o jornalista e pivot João Póvoa Marinheiro deixou isso muito claro quando leu um texto ao finalizar o seu telejornal, em que acentuava o carácter independente do jornalismo. Declaração essa, vinda da direcção de informação da CNN, empresa conhecida pela sua liberdade informativa.
Estou com o jornalismo e com os jornalistas neste episódio rocambolesco em que o primeiro-ministro devia era ser segundo ou terceiro ministro.
Se há coisa à qual os jornalistas ainda não sucumbiram foi à sua singular independência. Há mesmo quem defenda que a classe devia mostrar mais o seu clubismo ou mesmo a sua ideologia, já que falamos também de seres humanos que têm sentimentos e posições políticas em democracia, mas quanto a mim… não.
Devem continuar como estão. A verdade tem sempre um preço e raramente está em saldos.
Está bem, nem sempre vestem muito bem, ok.
Está bem, nem sempre têm a carteira profissional actualizada, ok.
Nem sempre têm uma boa dicção e dou mesmo de barato que alguns escrevam e falem com muitos erros (isto para fazer raccord com o início do texto), e não articulem muito bem certas palavras, mas se há coisa importante a que devem agarrar-se é à autonomia e imparcialidade sempre difícil de manter também por causa de primeiros-ministros que deviam saber que a liberdade informativa é uma pérola fruto de uma conquista com muito derrame de sangue, suor e lágrimas por parte dos profissionais do sector.
Como foi frisado em comunicado por várias redacções e direcções entre as quais a da RTP, os primeiros-ministros não percebem nada de trâmites técnicos e este em particular teve de sujeitar-se a uma humilhação com uma explicação técnica à frente de toda a gente no canal público.
Os auriculares servem para os profissionais perceberem quando estão no ar ou mesmo para ficarem a saber dos atrasos dos primeiros-ministros.
Servem sobretudo para a gestão da logística.
Acredito mesmo que haja jornalistas que enquanto esperam pelos primeiros-ministros, façam dos auriculares receptores para ouvirem Vivaldi ou Beethoven antes dos embates que se aproximam.
Já quanto aos telemóveis, não acredito que tenham lá as perguntas escritas por alguém. De certeza que estão é a informar-se até à última hora, acerca do assunto para o qual foram destacados.
Sim, têm muitos defeitos, mas esse não será um deles.
A Kamala Harris é que tem sempre um brinco para disfarçar a presença de um auricular. E como é que sabemos disso? Claro, pelos jornalistas que não brincam em serviço.
Está certo, nem sempre os jornalistas estão bem maquilhados… mas o que é que isso importa? Também é verdade que alguns se aventuram em livros de receitas e até em romances cabalísticos, já para não falar de outros que são poetas em horário nobre. Está certo, há um certo abuso provavelmente fruto mais da vaidade do que do conhecimento, mas neste caso estou com eles.
Concluo esta defesa, propondo que larguem de vez os auriculares para provarem aos primeiros-ministros dos diferentes países que não recebem recados de ninguém.
Aliás proponho também que tanto primeiros-ministros, como jornalistas, comecem a usar apenas nas suas encenações e conferências, um nariz de palhaço.
Nada de tecnologia. Polui demais.
Ruy Otero é artista media
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Num palco um actor muito parecido fisicamente com Biden está deitado na sua cama meio presidencial, parecendo ter um edredon roto a cobri-lo. Uma televisão Sony de tamanho médio está por cima de uma cómoda de estilo clássico em madeira de nogueira Bassano, totalmente feita em Itália por mestres artesãos, da qual se orgulha muito. Pelo menos parece, mas é tudo feito em esferovite.
Tipo Teatro.
A televisão Sony é mesmo Sony.
No momento em que o telefone vermelho toca, Biden ensaia alguns movimentos de ginástica típicos para a idade, fazendo com que pareça uma aranha a tentar escapulir de uma armadilha com uma estranha coreografia, embora cómica e meio atabalhoada. O publico ri.
Biden parece estar bem disposto e atende.
-Jo, como estás?
É Trump. O conhecido Donald. A voz é igualzinha e não é feita pela A.I.
O público bate palmas.
-Estava a ver que não dizias nada, velho cowboy!
-Viste?
-Sim. Calma. Mas só vi hoje porque àquela hora, sabes como é que é…
-Não, por acaso não sei Jo.
Exclama Trump intrigado, parecendo, no entanto, estar a ser verdadeiro.
-Um dia saberás. Já não falta muito.
Trump, pelo silêncio manifestado, mostra um certo desconforto não parecendo entender a frase misteriosa de Biden.
-Sabes cowboy, tenho estado entretido com aquele país ao lado de Espanha…
Continua o actual presidente.
-Sim. Marrocos.
Atira Trump sem acertar no alvo.
-Não. Mais para cima.
-Mais para cima é mar.
O publico ri.
Não interessa. Na televisão não param de dar uma notícia sobre um gang que fugiu de uma prisão de alta segurança, até parece uma cena de um filme com o velho Clint. Tinha lá um argentino que se disfarçava e tudo, com operações e não sei quê. E um inglês ou que é, que era bom até a mãe lhe dar uma pistola para as mãos. E confesso que ia alternando o teu debate com as noticias parvas desse país. E como tenho tradutor automático… Posso ver o mundo inteiro com todas as línguas.
-Ok. Compreendo.
Responde Trump um pouco aturdido.
-É aquele país que tem aquele presidente amalucado que já cá veio uma ou outra vez. Até acho que o conheceste. (Pigarreia para aclarar a voz).
-Sim, sim. Portugal. Já sei.
Lembra-se depois de fazer um esforço para avivar a memória.
-Pois é. Portugal, temos lá numa das ilhas, coisas militares.
-Esse país é muita maluco. É dos que mais devem e fazem tudo o que lhes dizem lá os outros, mas é conhecido por ter boas praias no Sul, tipo Flórida.
Remata o homem do cabelo laranja.
-Sim, isso mesmo. Jogam bem à bola. A Madonna vive ou vivia lá.
Confirma Biden, contente pelo amigo ter acertado.
-Sim, sim. Essa cab…
Trump anui, embora se auto censure quando vai referir-se à cantora, e claro que o público ri. Depois continua:
-Esse Presidente foi dos que mais disparates disse quando estive com ele numa cimeira qualquer. Mas era divertido, tentava dizer piadas e falava daquele jogador que tem a mãe sempre atrás e mais não sei quê… Ninguém lhe ligava.
Remata Trump, ficando ligeiramente menos sério.
-Mas era dos mais lambe-botas e não parecia regular muito bem. Não admira que nesse pequeno país, os criminosas fujam da prisão como quem vai a um acampamento tomar uma vacina.
-Essa tá boa.
Interrompe Trump enquanto Biden pigarreia novamente. Uma parte da audiência assobia quando ouve falar em vacina.
-Donald, queres acreditar que fugiram nas calmas por uma escada enquanto fumavam uns cigarros americanos. E que o arame electrificado não estava ligado porque senão toda a energia da prisão ia abaixo, já para não falar dos infravermelhos que também estavam estragados.
-Bolas! Foi de noite?
-Não! Foi logo de manha à luz do dia. Tipo 10.
-Inacreditável!
-O director ou que é, estava de férias e outro qualquer que mandava estava doente há montes de tempo. Tenho-me divertido muito a ver televisão ultimamente. Já nem vou à net.
-Estou a ver Jo.
-Ah. Escuta… E quase ao mesmo tempo nesse país assaltaram o Ministério da Administração Inte…
-O que é isso?
É aquele Ministério que controla as policias.
-Não acredito. Pensava que esse tipo de coisas acontecia no Cazaquistão.
-Não. A Europa agora está assim. E sabes o que é que roubaram do Ministério?
Tcham, tcham…
-Dinheiro.
Arrisca Trump.
-Não. 8 computadores.
-O mundo anda mesmo maluco.
Conclui o dono da Trump Tower.
-E esse tarado do presidente deles ainda veio minimizar o problema, ou qualquer coisa assim e toda a gente gozou. Sempre gostei do Teatro do Absurdo, de Ionesco.
-Eu já tinha ouvido dizer que nesse país atrasado, os prisioneiros de um estabelecimento qualquer, é que montaram o sistema de vigilância, com câmaras e tal, tipo esse teatro que tu gostas.
O publico ri.
-Acho que sim. Tenho rido muito com notícias desse tipo, agora que tenho mais tempo. Outro país meio maluco é a Espanha. O catalão não sei quantos, não podia entrar no país senão ía preso e foi lá fazer um colóquio ou que é, numa praça, e depois fugiu. É muito cómico.
-Mas o que é que achaste do debate?
Biden cai um pouco em si.
-Desculpa, Donald. Mas é que isto tudo o que está acontecer na Europa é tão entretido e sabendo que eles gozavam tanto connosco, sobretudo os franceses, que eu não dei assim tanta atenção ao teu show. Estou muito atento à queda deles.
-Percebo.
Biden continua e é assaltado por uma súbita energia.
-Por exemplo a França e aquele com nome de marca desportiva que trabalhou cá na Goldman…
-O Macron!..
Dispara Trump peremptoriamente.
-Pois esse. Agora nomeou um qualquer para primeiro-ministro que ninguém quer. E é só problemas lá com a esquerda deles. Não viste os Jogos Olímpicos? Nós sabemos porque é que tem de ser assim esta confusão toda. Mas os europeus estão a exagerar. Ainda vão acabar com aquilo mais cedo que o previsto. É muito giro Donald. Tens de aceitar. Eu já nem preciso de ver filmes. Os telejornais estão cada vez melhores.
-E na Bélgica viste aquilo da Audi?
Pergunta Trump
-Mais ou menos. Conta lá.
-Os operários da fábrica da Audi roubaram para aí mais de 200 chaves dos novos carro para que os clientes não possam entrar nesse mesmos carros e fizeram greve e agora a Audi não pode enviar as viaturas aos novos donos. Acho que foi na Bélgica sim. É qualquer coisa do género. A Europa é isso. Carros brutais sem chaves.
O público bate palmas,
-Pois, até a Audi… Os alemães… Ou os belgas, quem diria. Biden dá uma gargalhada e quase que se engasga. E depois remata meio atabalhoadamente:
-Isto cada vez lá na Europa está mais parecido com sei lá o quê…
-Sim. Eu sei. Mas viste ou não com alguma atenção o nosso programa de ontem?
Pergunta o ex-Presidente, mudando assim o tom da conversa.
-Mais ou menos. Aquela mulher irrita-me muito. Tem uma voz muito nasalada acompanhada de umas flutuações estranhas para o meu gosto, e ao vivo também, ainda parece que faz de propósito para ser pior. Evito muito estar com ela, acho que sabes isso. E juro-te, quase não a consigo ouvir. Sabes que nunca gostei muito da Kamala e acho que a gentalha já percebeu. Também aqueles moderadores que faziam as perguntas deviam ter-te mais posto em causa com o fact-checking.
-Sim. Chatearam pouco. Pensava que iam provocar mais. Isso até estava meio combinado.
-Claro.
-Mas são um bocado estúpidos.
-Sabes como é que é a maralha da ABC… Mas deixa estar, já ninguém liga muito a isso. Está tudo quase a acabar e é melhor divertirmo-nos, mas é. Para problemas já basta Israel.
-Sim, sim. Isso é um problema sério Jo.
Confirma Trump.
-E já agora é melhor ir ali ver os meus cães que podem não estar seguros e ainda aparece aí um haitiano esfomeado…
-Pára Jo! Ouviste essa?
-Foi muito boa. Mas como é verdade vou mesmo ver se o Duffy está ali no jardim.
-E já agora não tens gatos?
-Pára, Donald!
Mas Biden não tira os olhos da televisão enquanto ri e conversa com Donald, pois passam mais noticias de Portugal. Desta vez dizem que os policias foram informados da fuga dos criminosos através de um canal dúbio de televisão, umas horas depois.
O público aplaude de pé, em êxtase.
Ruy Otero é artista media
Ilustrações de Ruy Otero e Alex Farac
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Haverá muitas pessoas que não conhecem Julian Assange, outras só se lembrarão do filme ficcionado sobre o hacker-jornalista em que é representado como uma pessoa vaidosa e difícil. Não vi o filme, mas pelo estilo e depois de uma passagem na diagonal, acho que é daqueles cujo trailer é melhor que o próprio filme.
Outros fixaram-se no suposto assédio sexual sobre uma mulher, ainda que anos mais tarde essa acusação se revelasse falsa, constatando-se ter sido orquestrada pela CIA.
Também haverá cabeleireiros que se devem lembrar do seu cabelo louro, dourado ou quase branco e dos seus cortes trendy.
Para outras pessoas mais incautas, a WikiLeaks poderá ser uma ilha paradisíaca no Pacífico que urge visitar porque deve ter resorts incríveis.
Por outro lado, muitos jornalistas ao início viram na plataforma (impossível de desencriptar), informação de borla e verdadeira, não havendo forma de deturpá-la, uma vez que conduzia ao acesso às próprias fontes, a documentos e emails sigilosos por exemplo, passando sempre pela casa de partida como no velho Monopólio.
Depois de Assange ser preso, foram deixando de o fazer, o que só nos elucida acerca da força do Poder, porque a informação é eterna no planeta virtual, onde tudo vai desaguar. Está lá, é só clicar.
Não há político ou potência que não tenha sido interpelada por esta revolução tecnológica, que é a WikiLeaks, denunciando políticos que antes estavam completamente impunes, fazendo com que o jornalista mais tarde fosse acusado de espionagem por Biden, ainda quando era vice-presidente de Obama.
Nunca se provou que tenha colaborado com qualquer organização ou país.
As pessoas do Livre deveriam consultar mais vezes a plataforma. Quem diz do Livre, diz do Chega, porque para Assange não havia bons e maus, dizem. Para outros será um terrorista que favoreceu uns em prol de outros, como se a vida não fosse assim quase sempre.
Para muitos é um criminoso anarcocapitalista.
Um exibicionista.
Um megalómano.
O western do australiano talvez seja mais parecido com aquelas coboiadas em que a personagem central é um justiceiro como nos filmes chunga spaghetti, já que de qualidade são poucos.
Mas esses heróis não acabavam na prisão com derrames cerebrais. É o preço de ter aceitado a toma da cicuta como o Sócrates de Atenas, preferindo ser morto, ou ser preso no caso de Assange, já que ser cobarde e ter de viver conhecendo as miseráveis atrocidades do Poder, pode não dar boas noites de sono se não se fizer nada, e o melhor é sacrificar-se pelos valores e pela liberdade de expressão, que com ou sem WikiLeaks continua a ser posta em causa a toda a hora. Não é para todos.
Mas está aí uma das diferenças entre o cinema e a vida real. O que interessa sobretudo é o que consta nos documentos. Factos.
Mas quem sou eu?… Algum jornalista, algum cyber-bófia?
Nada disso, apenas um parolo que de vez em quando está preocupado com a vida e com a ficção.
Fica mal dizê-lo, mas as injustiças e a ignorância… Enfim, é melhor não… Vou parecer um cripto-romântico!
A WikiLeaks é sem dúvida o melhor polígrafo de todos e não é feito por estagiários e vigaristas. Foi através da WikiLeaks, que ficámos a saber da proposta da senhora Hillary para bombardear a embaixada do Equador em Inglaterra com o objectivo de assassinar Assange através do uso de drones.
Para muitos, Hillary Clinton é uma humanista e pacifista que teve o azar de ser enganada pelo outro senhor do Arkansas também humanista e sensível que até tocava trompete. Mas felizmente apareceu o psicólogo de massas Obama que bombardeou mais países do que a droga que o Lou Reed consumiu.
A grande vitória de Assange foi a pior derrota da História para as agências de inteligência como a CIA, e o seu crime foi ser jornalista e expor o que os assassinos planetários em massa fazem sem que os media tradicionais denunciem, tornando-se eles mesmos até coniventes com o que escondem. Mas é tudo conspiração quando não rima com o verbo oficial, já sabemos.
Mas que é verdade que a CNN em tempos publicou os crimes de guerra atrozes dos EUA no Afeganistão e no Iraque e depois deixou de o fazer, sabemos; que mostrou a aniquilação massiva de civis em vários locais do mundo, também sabemos; que Israel financiou o Hamas não é novidade para poucos, mas será para a maioria; que a plataforma expõe a forma como os governos da América Latina são completamente controlados pelos EUA também só não sabe quem não quiser. Mesmo os políticos mais esquerdistas, como Obrador, do México, que quis militarizar o país em conluio total com a presidência dos EUA ou Alberto Fernandez da Argentina também lá estão a fazer das suas, mas sempre com a conversa dos trabalhadores e das boas intenções esquerdistas a adocicar os discursos.
Até os Kissinger papers da década de 70 por lá navegam como se fosse um barco que nunca vai ao fundo, já para não falar da informação secreta das monarquias europeias e até da saudita.
Há também informação que baste acerca da tortura e do assassinato sem piedade de jornalistas e civis por parte de muitos que têm a bênção dos media mainstream em geral.
Enfim, quem quiser ler a WikiLeaks despenderá mais tempo a fazê-lo que nos Miseráveis de Victor Hugo.
Assange só ficou oficialmente preso no governo Trump em 2019. O próprio Trump aproveitou informação da WikiLeaks para derrotar Hillary, mas depois não quis mais saber do jornalista, tendo inclusivamente prometido libertá-lo antes de ser presidente. Ainda há quem pense que o americano saído da casca é uma alternativa ao Deep State. É tão só um plano B de um traidor que gosta da Playboy e que chegou a dizer que nem conhecia a Wikileaks anos depois.
Não é fácil libertarmo-nos desta gente, cujo desporto preferido é contrair dívida e alimentar bancos centrais.
Numa entrevista, respondendo sobre quem era o seu maior inimigo, Assange disse tratar-se da ignorância. O jornalista, com nacionalidade equatoriana, não brinca em serviço, mas há quem não veja isso assim, considerando que revelar segredos de Estado não é a melhor via para se ser feliz e pode ser um crime grave. Mas isso seria tinta para outro papel, como dizem os polacos.
Voltando um pouco atrás, sabe-se que antes de ser acolhido pela Embaixada do Equador esteve a viver durante anos disfarçado num bosque, numa cabana e movendo-se em hotéis com uma identidade falsa.
Entre 2012 e 2019, esteve, então, “preso” num quarto nessa Embaixada latina, mas suspeita-se que o presidente Rafael Correa, espiava-o através uma empresa espanhola vinculada à CIA dentro da própria embaixada. É tramado ser presidente.
Há cinco anos Assange foi direitinho para uma cela de três metros por dois em Inglaterra.
Uns anos antes e já detido, ainda conseguiu participar na fuga de Snowden para a Rússia, planeando o resgate do informático num avião de John McAfee, outro hacker que depois apareceu morto em condições muito estranhas numa prisão em Barcelona.
McAfee é o responsável pelo anti-vírus que temos no computador chamado… McAfee.
Se Assange não conseguiu um asilo na Rússia foi porque nunca cedeu a ninguém e quis expor também as cumplicidades de Putin com os Clinton e com Bush, revelando a história do urânio por exemplo. Mas certamente haveria muito mais para expor da Rússia e de Putin. Nas condições em que Assange ficou, eu tentaria logo arranjar protecção, não sou maluco. Ser neutro, neste mundo, nem num poema. Por isso há quem jure que beneficiou Putin.
Mas ao invés de se informarem melhor, as pessoas em geral preferem continuar a consultar sites pornográficos e vídeos de gatos a tocar piano. Não tem mal, é certo, mas há mais coisas interessantes para fazer.
Uma das conquistas do Poder tecno-político foi esse. Esvaziou a mente humana com distracção, mas isso é ar para outro balão, como dizem os alemães.
Ora eu cá também gosto de me distrair, mas prefiro um corneto de chocolate na praia mesmo sabendo que tanto a praia como o gelado devem estar cheios de químicos.
Vás para onde vás, és sempre passível de ser sabotado. Até a alimentação saudável hoje já é uma doença. Uma obsessão… Vá. Obsessão também é doença segundo o DSM , mas para esse manual também tudo é doença mental e estamos todos a precisar de psicotrópicos. Sobretudo quem os inventa. Aqui estou a fugir do tema, ou talvez não.
Entretanto, há dois meses e meio, o jornalista saiu da prisão voando directamente para a Austrália, o seu país de origem onde se juntou à sua mulher Stella que deu há uns tempos uma entrevista ao PÁGINA UM e que poderá ser vista aqui.
Devo acrescentar que esse país dos cangurus, não é muito seguro. Criou “campos de concentração” para dissidentes do covid. Mas vamos ver se lhe corre bem a estadia, de forma que possa assistir em paz um dia a um encontro de ténis jogado por outro “herói” do nosso tempo, o tenista Djokovic, que não quis ser patrocinado pela Pfizer, dando um match point à pseudo-ciência.
Há esperança para a humanidade de vez em quando, mesmo que hoje uma parte significativa do mundo na sua auto-representação ache que tem os dias contados. Eu não penso isso e continuo a gostar de ver ténis mesmo que a Adidas agora se considere humanista e tenha entrado no desporto da moda da filantropia e do politicamente correcto. Talvez seja bom consultar a WikiLeaks e ver se há algum email da Adidas para a Coreia do Norte, nunca se sabe. Ir dar uma volta até à WikiLeaks deveria ser um desporto universal, mas também não quer dizer que esteja lá tudo. E se não estiver, não quer dizer que não tenha acontecido. A WikiLeaks não é Deus nem pretende formar uma religião.
A notícia da libertação do jornalista australiano parece ter trazido alguma novidade ao mundo, pelo menos no dia em que isso aconteceu foi notícia nalguns órgãos. Depois já não se falou de Assange porque ainda andam por aí muitos gatos à solta a tocar piano à espera de visualizações e muitos vírus mortais à espera do seu dia triunfal para sair do meio do “gelo” como anunciado, para começarem a assustar pessoas.
Passando pela Wikipédia para ver o que se diz sobre o australiano e fiquei a saber alguma coisa, mas entretanto fui ver o que é que a Wikipédia diz da Wikipédia já que este texto é um pouco wiki até. Diz o seguinte:
A Wikipédia é um projeto de enciclopédia colaborativa, universal e multilíngue estabelecido na internet sob o princípio wiki. Tem como propósito fornecer um conteúdo livre, objetivo e verificável, que todos possam editar e melhorar. O projeto é definido pelos princípios fundadores e o conteúdo é disponibilizado sob a licença Creative Commons BY-SA e pode ser reutilizado sob a mesma licença, desde que respeitando os termos de uso. Todos podem publicar conteúdo on-line desde que criem uma conta e sigam as regras básicas, como verificabilidade ou notoriedade.
Desisti. Se nem a própria Wikipédia diz a verdade sobre a Wikipédia quanto mais sobre o Assange.
Vários políticos e até presidentes de países deram as graças pela libertação de Assange, entre eles Lula da Silva, mas parece estranho políticos darem graças pelo jornalismo livre. O The Guardian também o fez, mas lembro-me da perseguição feita por esse órgão e quase todos, a quem não concordasse com as políticas abusivas inconstitucionais durante a pandemia, abrindo precedentes perigosos em nome de sabe-se lá de quê, chegando a ser escorraçados.
É certo que há muita mentira e desinformação por aí, a começar pelo jornalismo mainstream e por malucos ligados à extrema-direita, por exemplo, e não será fácil lidar com essa esquizofrenia galopante. A única coisa que muitas pessoas pedem, estando eu aí incluído, é que os assuntos sejam discutidos com transparência e neutralidade, apanágio do verdadeiro jornalismo que quando foi nobre, adorava a diversidade de opinião e o contraditório. E depois que cada um tome as suas decisões e aí a plataforma de que falo pode ajudar a que todos sejamos um pouco jornalistas já que estamos a precisar de ir ao cinema outra vez, mas para ver filmes com princípio, meio e fim.
Filmes que tragam novamente alguma poética ao espectador, e já agora alguma coerência. Porque isso de a realidade ser uma sala de cinema, já chega. Tem piada, mas cansa muito. Qualquer dia está tudo aos tiros. E é chato.
Anda muita gente a ver-se ao espelho, mas a usar um espelho turvo e cheio de ferrugem ao qual nos estamos a começar a habituar. Precisávamos, mas era de um espelho feito de areia, é certo, mas não daquela que nos andam constantemente a atirar para os olhos.
Thoreau disse que perante uma lei injusta é uma obrigação e um dever desobedecer.
Assange certamente leu Thoreau.
Ruy Otero é artista media
Ilustrações de Manuel Silva
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O tédio era uma palavra ainda tida em conta e vinha no dicionário. Ligava-se a televisão em horário nobre, e a notícia principal era… o calor.
Lembro-me, há pelo menos vinte anos, de todos os telejornais abrirem em prime time, num dia normal de Agosto, com os repórteres perguntando às pessoas comuns que estavam nas praias do país, nomeadamente Carcavelos e praia da Rocha (ainda hoje essas praias servem para as mesmas reportagens), sobre o que achavam do tempo que fazia.
Invariavelmente, as pessoas olhavam para o céu, e a resposta era sempre a mesma – que estava calor, que o sol brilhava em pleno e a água, embora estivesse um bocadinho fria, no caso de Carcavelos, ornamentava-se sempre de uma temperatura bastante convidativa para o mergulho. E assim foi durante anos a fio. Todos os anos lá iam os pobres dos repórteres às mesmas praias fazer as mesmas perguntas nos mesmos dias de sol. Tanto que já não conseguíamos passar sem isso. Numa ou noutra época, podia haver uma ou outra variante balnear, como o famoso arrastão de Carcavelos, que até se veio a revelar mentiroso ou exagerado. Mas nada de novo debaixo do sol.
A repórter invariavelmente falava na temperatura, normalmente acima dos trinta graus e incentivava estupidamente os telespectadores a irem até lá, esquecendo-se que a maioria da população estava a trabalhar ou não morava na zona da linha do Estoril ou em Portimão. Depois passava para o pivot, que já podia ser o Rodrigo Guedes de Carvalho ou a Clara de Sousa, e se não houvesse algum incêndio espectacular digno do envio de piquetes, a notícia seguinte podia mesmo tratar-se de uma tartaruga-de-couro salva nas Caraíbas por um grupo de excursionistas japoneses, acompanhada por um piscar de olhos do José Rodrigues dos Santos, caso fosse a pública RTP ou de uma lamechice pegada com melodrama Moulinex à mistura do Rodrigo G. C., o famoso poeta da SIC.
A TVI nos anos noventa andava a rezar noutras paróquias pela falta de audiências até ao milagre do BB e pouco acrescentava ao estilo dominante.
Os leitores estarão a pensar que hoje também se fazem estas reportagens, e é certo, mas até certa altura elas eram totalitárias, conseguiam preencher um telejornal inteiro, não existiam alternativas e actualmente estas notícias e reportagens aparecem no meio de outras, diluídas em formatos informativos cada vez com menos audiência. Até aos anos 2000 (não é óbvio situar), o fenómeno da televisão era determinante, e parecia ser mais credível para os consumidores. Se havia Silly Seasons é porque o mundo estava em silly season e a democracia era tão certinha que se chegava ao pico do Verão e o mundo puro e duro ia de férias.
Dava-se também importância às férias de famosos, por exemplo do Paulo Portas ou do Figo, e os portugueses pareciam gostar de vê-los a beber “refrescos de whiskey” no Algarve. Mais uma vez, é certo que hoje também existem essas reportagens, mas com credibilidade zero. O planeta-Verão já não é acompanhado por uma banda sonora de música ligeira. O mundo comprou outra novela e por isso a presença assídua de fantasmas nestas crónicas.
Nessa época, ainda antes da nova moeda, Santana Lopes era capaz de transformar uma cidade normal como a Figueira, num Rio de Janeiro, tal era o incentivo à dívida e ao Carnaval permanente.
Até o Eric Cantona nos Verões santanistas, não saía da Figueira, arrastando-se espectacularmente na areia do futebol de praia e nas pistas do Casino, antes de se dedicar ao cinema de autor.
Toda esta festarola era sempre acompanhada pelos diferentes canais que viam nessa cidade o exemplo colorido a seguir. O Santana Lopes e a Cinha Jardim tinham um rumo para o Verão dos portugueses. O futuro era para cima, diziam os mais optimistas, o próprio Santana Lopes até falava em altos astrais para a política, até bater com a cara de frente na Serra da Boa Viagem, claro…
Nesse período de fim de século, avizinhava-se sempre o grande acontecimento do Pontal em que os protagonistas do PSD apareciam todos bronzeados em mangas de camisa branca, ou às riscas, a abrir as primeiras hostilidades da época contra o PS, pairando sempre a sombra do Cavaco, que podia aparecer com um carro novo a fazer rodagem, fosse qual fosse o contexto ou a função do algarvio. O Cavaco sempre meteu medo ao PSD.
Neste Agosto também como sempre houve Pontal, e o elenco do costume andou por lá certamente, mas… Ninguém viu. O Pontal não funciona em 4K.
Já nesses anos dourados, o campeonato de futebol começava e os primeiros jogos aconteciam sem grande significado. Convém lembrar que havia poucos canais e o mundo ocidental ainda navegava em algum romantismo ainda que abstrato, em que as coisas tinham nome de coisas.
Mas também existiam Big Show Sics e a canção do Iran Costa, “É o Bicho”, animava as discotecas com coreografias estúpidas e infantilizadas, embora os psicólogos de serviço já adivinhassem ali algum erotismo inapropriado. Mas sempre dentro do mesmo género soft banana split.
Também havia crises, claro, e pequenas nebulosas, tipo um súbito aparecimento de uma alga na Ria de Aveiro que punha em causa a apanha de amêijoa branca. Podíamos estar em 96 ou 97 e o mundo parecia uma fábula de Walt Disney, em Agosto, ainda com Brancas de Neve e Sete Anões contadas às crianças, houvesse ou não guerras, houvesse ou não hospitais febris, houvesse ou não Clintons com bombardeiros prontinhos a agredir países, ou houvesse mesmo uma pobreza encapotada típica de Portugal. As tartarugas e a venda de bronzeadores estavam primeiro, e as férias eram um direito adquirido, sobretudo em família. As crianças eram entrevistadas para dar boa disposição ao telejornal e 35 graus eram uma bênção da natureza, tornando-se urgente desfrutar a consolidação da euforia perpétua proposta. Hoje, os mesmos dizem tratar-se do Inferno.
Acabavam sempre as reportagens acentuando o cuidado a ter com a hora de mais calor, incentivando os mais velhotes a ficar em casa uma horita ou outra e a beberem muita água, que pelos vistos havia por todo o lado. O mundo de Verão era um carrossel que era preciso manter oleado. Hoje, as horitas são dias a fio, e a água, dos velhotes e não só, é da Nestlé e custa os olhos da cara. O sol parece fazer sempre mal e os raios dourados já não lhes pertencem. O céu é da NASA e do Elon Musk.
Portugal continuava a endividar-se, mas o futuro parecia trazer sempre luz e a dívida permanente era apenas assunto para conversa dos chefes de família enquanto bebiam umas cervejas e comiam uns tremoços nas esplanadas de praia, como se isso fosse uma brincadeira para meninos que desse apenas umas boas piadas de Verão com a finalidade de chatear os comunistas.
A guerra da Jugoslávia só voltaria no Outono, parecia que fechava para férias também, e os grandes acontecimentos paravam porque era Verão, que curiosamente era sempre azul, como a série espanhola do Chanquete.
Anos depois, o mais parecido, mas do lado inverso, foi a pandemia Covid, em que o mundo também fez férias todo ao mesmo tempo, parando guerras, massacres e catástrofes naturais, mas ao invés de as pessoas irem para a praia, foram para casa ver o sol aos quadradinhos. O céu, que fora outrora azul, ficou mais que cinzento e pleno de drones autoritários que até falavam. No fundo, a pandemia foi a Silly Season do Inverno. Ainda hoje não acredito que tenhamos vivido naquela dimensão.
Só de pensar nas regras… do Fauci.
No Verão de 2020 cheguei a ver na televisão, por exemplo, como numa praia do sul de Espanha, um funcionário balnear de megafone na mão assinalava quem devia ou não ir ao banho, tipo “agora a senhora de azul pode ir para a toalha, o senhor de calções pretos pode tirar a máscara e ir dar um mergulho, mas vá em segurança e tire o pano só na água. O menino aí da direita, afaste-se do outro menino, por favor, e deixe de jogar à bola”. Vi também um jihadista suicida a dizer que tinha mais medo duma constipação do que de um soldado da ONU. E que depois, caso fosse contaminado, queixava-se ele, não parava de espirrar para cima da avó, uma velha também jihadista. “Deixa mas é lá isto passar que depois volto a dar uns tiros de bazuca, posso ser jihadista, mas não sou parvo”.
O vírus não foi só digital e assustou mesmo, se não foi de uma maneira, foi de outra. As máscaras do Carnaval da Figueira da Foz foram substituídas por outras bem mais fúnebres.
E, paulatinamente, desde a crise de Setembro de 2001, acompanhada pelo aparecimento da nova euro-moeda, que tem sido um a-ver-se-te-avias digital.
Primeiro, o aparecimento de canais tanto televisivos como na net, não deu descanso às férias, depois o aparecimento das redes sociais, generalizando-se o Facebook por exemplo lá para 2007 ou 2008, que também acompanharam a crise do subprime, começaram a fazer das suas e as comidas exóticas e mesmo o típico bife com ovo a cavalo passaram para o planeta digital para serem comidos com os olhos. Já para não falar dos pôres-do-sol que se viam ao espelho nas lentes empoeiradas dos mortais, tornando-se banais e menos laranja.
De lá para cá, os Verões vão ficando mais “gélidos” (quentes, segundo a versão oficial), e o mundo ainda está mais fragmentado do que o computador de Hunter Biden.
Como estamos em 2024, façamos um apanhado de um dia normal de Verão, englobando todos os media, em que qualquer semelhança com aquela realidade de outrora é pura ficção, como dizem os brasileiros.
Trump é quase assassinado por um puto com três nomes, como é da praxe. Guerra iminente entre o Irão e Israel. Puigemont foge de Espanha para Waterloo, sem que os moços de esquadra deem por ela. Um adolescente mata três crianças no Reino Unido gerando uma onda de violência da extrema-direita. A polícia propõe aos emigrantes que troquem as facas por uma assinatura à borla da Netflix, devolvendo os objetos cortantes na polícia local em troca da subscrição. Mais uma pandemia assumida pela OMS, desta vez a varíola dos macacos.
Mais uma data de mortos na Ucrânia. Apagão informático que põe em causa o funcionamento de aeroportos e as partidas de aviões. Musk fala no fim do mundo e ele mesmo entrevista Donald Trump. Não sei quantos mortos nas praias portuguesas. Praias interditadas com salmonela; o fantasma do dentista da TVI a continuar a assustar e a pairar nos dentes dos portugueses sem, contudo, ouvirmos uma palavra da Cristina Ferreira ou da Fátima Lopes, que bem o promoveram durante anos a fio. Discussões intermináveis de comentadores sobre orçamentos preocupantes. As eternas dívidas dos clubes, as dívidas do FCP, a falta de água e a seca no Alentejo de sempre, os recordes de temperatura em Bilbao, ainda que os autóctones achem normal. A demência de Biden, a vida cada vez mais cara. Os jogos olímpicos mais woke de sempre. As lástimas de Pichardo e o Benfica. O Fogo da Madeira que é o mais “quente” de sempre.
Enfim, podia continuar até ao infinito.
Mas o que vale é que é Verão. Ainda assim, se tiver sorte e para refrescar, uma vez que o calor me chateia, talvez caia um bocado de granizo lá pelo fim da tarde já que o tempo não anda para brincadeiras.
Ruy Otero é artista media
Ilustrações de Manuel Silva
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Estava na rua e vi um amigo. Parei para o cumprimentar.
Ao fim de um minuto, e depois de umas banalidades sobre se a vida corre bem ou mal, e uma ou outra sobre o tempo, passando pelo badminton, perguntou-me por que não fazia eu um texto sobre O Eixo do Mal, o programa da SIC Notícias que se arrasta há anos.
Disse-lhe que não estava interessado, que não via o programa há muito e que só a ideia de o voltar a ver me deixava mal-disposto. É claro que, às vezes, ainda ouço ou vejo ao longe, num café ou numa sala de espera, os comentadores a dispararem balas secas para algum lado, e até sinto a velha cumplicidade amiga entre eles, o que até podia ter piada. Mas depois, só de ouvir uns minutos, vem logo ao de cima a energia má onda da Clara Ferreira Alves, em que parece que as veias do pescoço vão rebentar para cima da mesa; as banalidades assertivas do Pedro Marques Lopes, com a sua voz tremendamente irritante; as lições de moral em ponto de ebulição do Daniel Oliveira, com o seu ar de sabichão marxista; e as mexidelas neuróticas na cadeira, com alguma verve à mistura, do jovem cinquentão Luís Pedro Nunes. Não mudaram muito desde a última vez que vi um programa completo para aí em 2010. Continuam exaltados a fingir que são cool.
Na verdade, as fisionomias não mudaram muito.
Acrescentei ainda que o apresentador não era o mesmo, sobre o qual nada tinha a dizer por desconhecimento da personagem. Mas tinha bom ar, e lembro-me vagamente dele numas entrevistas aparentemente bem conduzidas no Canal Q e já agora, Aurélio é um nome com alguma piada fonética. Este programa não era certamente como os bons vinhos que ficam melhores com a idade. Fiz notar.
Ele voltou a insistir para que escrevesse um texto, ainda que curto, só para dizer mais ou menos aquilo que acabara de ouvir como resposta. Nem era preciso desenvolver muito, era só para ficar a nota, palavra aliás muito usada no programa, fez-me saber.
Este amigo nunca me levava a sério. Enquanto lhe ia dizendo estas coisas, ele só se ria, mas estranhamente via o programa como um acto masoquista, dizia ele com um flácido sorriso nos lábios. Era o hábito.
Gostava da música do genérico e tinha um especial prazer em tentar adivinhar as roupas que iria ostentar a Clara Ferreira Alves em cada novo episódio, já que tinha alguma irreverência para a idade e até surpreendia nas cores e nas lãs. Disse-me até que já tinha adivinhado umas quantas vezes, num jogo absurdo de adivinhas fashion que mantinha com a namorada.
Também jogava noutros canais e acertava com alguma frequência no prognóstico que fazia aos penteados da Raquel Varela, noutro programa similar na RTP3.
A historiadora do trabalho, garantiu-me o meu amigo, mudava de penteado a cada semana e já lá iam mais de dez anos de programa. Portanto mais de 200 penteados pelo menos, deduzi. Garantiu-me que sim. Mas o que andava eu a perder… Não há cabeça que aguente tanto secador.
Primeiro, eu não sou critico de televisão, disse-lhe aumentando o tom da minha voz só de pensar nos actores do programa com nome de Bush, ainda não aprendi a moderar-me. As coisas continuam a enervar-me como se ainda fosse um adolescente, embora, tenha já escrito alguns artigos sobre situações televisivas, já que ser critico da televisão é uma redundância, uma obrigação porque toda a gente devia ser critica de televisão por natureza. A televisão nasceu para ser criticada mesmo antes de a ligar. Quem inventou a caixa negra foi um génio, pertencia certamente ao Eixo do Mal. Inventou o melhor sonífero de sempre para que se sonhe acordado. Depois quem desenvolveu os programas de comentário devia ter muita raiva ao mundo.
É verdade que exerce algum fascínio catódico sobre mim claro, a caixa idiota está feita para isso e vejo mais rapidamente os programas cor-de-rosa da Maya que os noticiários e programas de debate. É que nos eixos-do-bem somos obrigados a ouvir, por muito que não queiramos.
O Rui Santos de blazer a falar de futebol consegue ser menos previsível que os do Expresso da Meia-Noite, de camisa e mangas arregaçadas na descontra, mas também calma, não vejo o jornalista desportivo a pregar moral futebolística todas as semanas, era o que mais faltava.
Pareço aquela personagem do Caro Diário do Nanni Moretti que não conhecia as ilhas que deviam visitar, mas sabia tudo acerca delas, inclusivamente onde ficavam as melhores pastelarias, acrescentou o meu amigo em tom de gozo. Nunca via os programas, mas sabia tudo, género síndrome Big Brother em que no fundo toda a gente passa por lá, mas ninguém assume. A coscuvilhice funciona. É universal e a Endemol estudou em Tavistock.
Lembrei-me dessa personagem do filme italiano e ri-me. Aliás, esse filme antigo ataca bem a televisão. Mas em 1994 ainda não havia Internet e redes sociais eram discotecas controladas por profissionais de relações publicas. O mundo mudou.
O Eixo do Mal não.
Escrever sobre um programa é estar a dar importância ao programa, embora ache que ninguém leia as minhas crónicas-ou-lá-o-que-isso-é, não o posso saber, não estou nas redes, não existo, o que para mim é igual ao litro.
Escrevo porque gosto de escrever e assim posso mudar de estilo quando quiser. Até posso mentir que ninguém me chateia. Posso dizer mal, bem, mais ou menos mal, mais ou menos bem, posso até exagerar que ninguém me censura, muito menos o director do PÁGINA UM, que é um herói contemporâneo. Um Clint Eastwood do Macintosh sem os excessos musculados do americano. Um justiceiro que é preciso levar a sério mesmo que não tenha as paisagens do Texas atrás em planos heróicos e comprometedores como só o cinema sabe fazer. Precisamente uma coisa que me irrita nesses programas é nunca pegarem em nada que saia daqui do jornal online, como se os jornalistas do P1 andassem a brincar aos jornalismo. E por saber disso por dentro ainda me afasto mais. As Lusas e Reuters produzem, os Ricardos realizam, e os Oliveiras actuam. E amanhã será igual.
Mas por outro lado, a verdade é que percebo bem qual o papel atribuído àquela gente no Matrix. Esquecemo-nos muitas vezes, mas todos eles recebem um cheque no fim do mês, ainda que vá ficando cada vez mais magro. O próprio “papel” começa a escassear. Há muitas alterações não só climáticas no horizonte e os comentadores têm de comer, o que torna a compreensão mais compreensível para ser redundante sem ninguém me chatear com o redundamento. Para regras, basta ver o Eixo do Mal semanalmente. Quem nos dera que não as seguissem.
Já ninguém é punk? Charles Bukowski era.
Se não houvesse uma Clara haveria outra obscura qualquer, vinda das universidades a fazer o que é preciso.
Os agentes de casting não param para comer uma sandes mista. O relógio chega a ter mais de 24h. O incrível aqui é o programa durar há tanto tempo. Ser um dinossauro em 16 por 9, catapultado ainda do 4 por 3, há-de ter algum segredo. E não deve ter grandes audiências como aliás muito poucos programas fora dos big brothers, têm. Já para não falar das dividas acumuladas pelos grupos mediáticos que sobrevivem sabe Deus como.
Deus… E o PÁGINA UM.
Todo um mistério… Para quem não leia o PÁGINA UM.
A minha dúvida é se eles sabem do seu papel, se têm consciência do que representam, alguém tem de o fazer, é certo.
Chego à conclusão que se trata de teatro, o problema é que já está toda a gente cansada da dramaturgia e não é fácil mudarem paulatinamente de peça. Os actores vão mudando de vez em quando, parece a série Neighbours. E o Shakespeare aqui não manda nada. Se há coisa que estes programas não têm é elegância. Às vezes é uma gritaria desenfreada, ouve-se na rua.
Lembra mais Marquês de Sade representado pela Comuna.
A Realidade também não é assim tão profícua, pelo menos da forma como a estratégia está montada. Já adivinhamos no futuro próximo as alterações climáticas ainda mais alteradas a ser debatidas com a culpa do Trump e da ganância capitalista, as fake news, as eleições dos EUA, as observações em falsete do Pedro, as indignações do Daniel, as irritações nervosas com olhares fugidios para o tecto da Clara, e o ar blasé como se nada tivesse a ver com aquilo do Luís.
Uma seca expectável descomunal.
E os cães ladram, mas qualquer dia as caravanas passam-se.
Se é para jogar a sério ao Matrix mais vale ver uns putos conspirativos da terra plana no YouTube, é bem mais divertido, ao menos tem semelhanças com um filme de acção americano, com ritmo, suspense e finais inesperados. Se é para seguir a telenovela informativa do costume, aconselho os velhos e passarem pela plataforma e deixarem-se ir pelo algoritmo, que hão-de aprender alguma coisa, nem que seja que os répteis andam aí, tomam café connosco, os extraterrestres têm a cabeça na Lua e que os pássaros assim como a morte não existem, já que para mim quem não “existe” são estes 4.
Não, definitivamente não vou escrever, disse eu ao meu amigo que se despediu a rir, sem mais uma vez me levar a sério.
Ruy Otero é artista media
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Donald Trump está na sua Trump Tower. Toca o telefone vermelho feito de carbono.
Uma das raparigas que desfila pelo luxuoso espaço aveludado, encaminha-se até ao telefone, a mando de Trump.
A rapariga vê o número e diz ao ex. Presidente que é Jo Bi quem está a ligar. O homem do cabelo laranja veste o roupão e dirige-se para a mesinha onde está o telefone. Atende.
– Olá, Jo. Se é para gozares comigo, mais vale ligares para o Martin.
Atira logo à queima-roupa.
– Não, aliás estou cansado demais para isso.
Responde Jo Biden.
E continua, depois de uma pausa em que pigarreia para aclarar a voz.
– Queria mesmo era falar do debate. Uma boa parte do mundo viu mas fomos os menos vistos dos últimos anos.
– Que se foda!
Responde Trump.
– Digo-te já que não gostei nada daquilo que disseste do meu filho.
– Jo… Eu não queria…
Biden interrompe.
– É que ele é muito pior do que insinuaste.
E desata a rir.
– Ah bom! Quase me assustaste.
Trump sente uma espécie de alívio.
– O anormal do Hunter só não está preso por causa de mim. Sempre foi estúpido o parvo do rapaz.
– É como a Melania. As pessoas acham que ela é esperta só porque não fala muito.
– Mas ainda é gira.
– Que se foda! A beleza para mim é coisa do departamento da filosofia.
– Sim, eu sei. Não gostei foi daquilo que disseste a propósito do golf, sabes que tenho um grande orgulho do meu jogo. Aí mentiste mesmo… Ou é impressão minha?
– Não, não. É mesmo verdade que estou menos gordo e ainda bato bem. Talvez tu carregues melhor e sejas mais perspicaz na análise dos buracos, mas eu sou bom no green. O meu pai ensinou-me a jogar e eu sempre fiz tudo para ser melhor que ele.
– Também disseste que eu próprio não percebia o que dizia às vezes. Tinhas razão. Eles deram-me uma merda esquisita para não sei quê, e estive um bocado à toa. Quase que dizia que era contra o aborto.
– Mas tu és contra o aborto Jo.
Riem ambos.
– Jo… Sabes… Acho que vou ganhar, man.
Disse Trump sem grande entusiasmo.
– Espero bem que sim. Eu disse-lhes que, ou metem o holograma, ou não faço mais o espectáculo. Estas merdas já me cansam e eu agora queria desfrutar um bocado da vida. Sempre fui um desgraçado, tu sabes. E ainda tens cabedal para aquilo. Tu és um bom palhaço Donald, nunca te esqueças.
– Obrigado, Jo. E já agora, sabes que temos aí um plano muito interessante na manga…
– Boa!
– Já alguma vez levaste com uma bala?
– O que é isso?
– Um balázio Jo!
– Oh claro. Só de raspão.
– Dói?
– Depende. Porquê?
– Tive um sonho muito estranho. Nada de importante.
Diz Trump cabisbaixo.
– Ouve, está a resultar isto das pessoas acharem que me estou a agarrar ao lugar.
Trump mostra algum desconforto por Jo não ter dado muita importância ao tema do sonho. Biden continua.
– Sempre foste é um desastre nos negócios, um looser… Tive de o dizer. Foi mais forte que eu. Ninguém me escreveu a frase. Saiu-me.
– Não tens de estar a lembrar-me sempre disso. O Obama também tem essa mania. E o Michael ainda é pior.
– Tens razão. Já me esquecia. Não digo mais “verdades”, pelo menos sem audiência por perto.
– Certo. Andas muito esquecido, Presidente!.. E já agora… Verdades?.. É para gozar, não?
Desatam a rir.
– Claro. Ainda damos cabo da pós-verdade.
– Qual pós verdade? Andamos mesmo muitos esquecidos, não é Jolito?
Jo está deveras bem disposto. A amizade é o melhor do mundo. Jo continua:
– E ainda não viste nada. No outro dia lá na Casa Branca confundi uma girafa com uma jarra. O pior é que fui dar festinhas à jarra como se fosse a Molly.
– Oh! Quando estive lá, aconteceu-me muito pior. Nem te vou contar as coboiadas man. Tu até estás bem. Acho que a táctica está a resultar. Deixa a maralha pensar que estás demente enquanto o próprio mundo se medica. Não tomes é aquelas merdas verdes. Esses comprimidos são perigosos. São cristais. Se tiveres problemas, já sabes que a lixívia resulta.
– Essa história da lixívia foi muita bem metida.
– Sim eu sei.
Responde Trump.
– Sim, eu sei também… Quanto aos comprimidos, claro. Não estou maluco.
Responde Biden.
– Já agora Jo, não gostei muito de teres dito aquilo referente à prostituta.
Ataca Trump sem atacar.
– O que é que eu disse? Queres ver que cometi uma gafe das minhas outra vez!..
– De certa maneira sim. Disseste que eu devia estar com a minha família, enquanto estava com a prostituta.
– Desculpa. Foi sem intenção.
Lastima Biden.
– Devias era ter dito a verdade. Que eu estava com dez.
Desatam a rir novamente.
– Mas se eu ganhar, aquela ameaça que fiz ao Zelensky é para manter. Ainda ninguém me deu ordens do contrário. O anão não leva mais papel.
– Claro, claro.
Responde Biden sem qualquer emoção.
– É que o ucraniano já anda a abusar. E depois vai para a Vogue fazer aquelas figuras. Não achas, Jo?
– Sim, sim. Está a levar-se muito a sério. Ando a pensar um dia chamar-lhe Putin, como se fosse uma das minhas gafes
– Essa é muita boa.
– E à Kamala vou chamar-lhe… Adivinha!
– Tina Turner?
– Não. Trump.
– Pára Jo. Ainda tenho um enfarte, só de rir.
– Sabes que lá em Hollywood já estão a preparar um filme com o Zel?
Pergunta Jo
– Sim. Mas não vai ser bem ele, pois não?
– Sim, vai. O contrato era esse. Ele gosta mesmo de representar. Não está velho como nós. Mas não é grande actor, digo-te já. O Putin safa-se melhor, mas é frio como tudo. Eu falei com o KGBs (alcunha de Putin no meio diplomático), e parece muito em baixo. O tempo lá em Moscovo também não ajuda, e os aviões têm andado parados. Há umas greves e não sei quê… Comunistas; sabes como é que é. Boa gente, mas…
– Ai sim?
– O último filme do Clint Eastwood já foi com A.I. não foi Jo?
– Dizem que sim. Até acho que o Clint já morreu. Ele e os westerns.
– Pena. Mas não é morrer, morrer.
Lamenta Trump.
– Não. Mas não te liguei para falar de codrilhices digitais. Queria mesmo saber se vais amanhã ver os Chicago Bulls?
– Posso ir sim. Tenho tido bastante tempo desde que sou um avatar de mim mesmo.
Riem, e Biden quase que se engasga.
– Essa… Está…. bo… a!
– Está não está? Saiu-me.
Diz Trump nitidamente contente com a frase
– Agora me lembro, foi também por isso que te liguei.
Continua Jo, que, entretanto, superara a tosse do engasgo. E continuou.
– Queria ter uma vida normal. Começo a ficar seriamente cansado desta palhaçada. Levo a outra cara, se é que me entendes…
– Entendo muito bem.
– …E até posso pedir cachorros que ninguém me reconhece. Donald, a tecnologia foi o melhor que nos aconteceu. Esta vida no século XX dava mesmo trabalho e não se ganhava muito. As pessoas nem imaginam. Tu aí nem querias sab…
Trump interrompe.
– Jo, desculpa, mas vou ter de atender mesmo. É o Musk. Ele está em Marte e se não atender em 10 segundos, a merda da chamada ainda não aguenta mais tempo de espera e cai.
– Sim atende. Eu também já falei há uns dias com ele. Está a apanhar uma grande seca lá em Marte.
Confirma Jo.
– Então deixa-me atender. Tchau, meu velho!
– Velho, eu?
(CAI O PANO. O PÚBLICO BATE PALMAS ENQUANTO TRUMP E BIDEN AGRADECEM, MAS TRUMP QUANDO SE AGACHA PARA O AGRADECIMENTO TEM UMA DOR NAS COSTAS QUE O PARALISA. O PÚBLICO RI E BIDEN AJUDA. O PÚBLICO RI AINDA MAIS).
FIM
Ruy Otero é artista media
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
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[Pode, ou se calhar deve, ler a primeira parte desta crónica AQUI]
O mundo dos humoristas não anda lá muito católico – isto já para não falar do mundo dos católicos, que anda para poucas brincadeiras. Isso é missa para outra igreja, como se costuma dizer nos Himalaias.
Nem de propósito, ou a despropósito, o nosso RAP (Ricardo Araújo Pereira) foi ver o Papa, e tentei pesquisar alguma coisa de interesse na Net sobre esta epopeia a Roma. Nada encontrei de relevante, mas tropecei no óbvio, reparei que qualquer pessoa no planeta virtual tem os seus detractores, e como se trata ainda para mais de alguém famoso, sobretudo através dos típicos comentários, é natural que traga à tona o pecado da inveja, que dizem ser pecado mui português.
Eu acho que é pecado universal, mas, propositadamente, acho que o humor do RAP nem é pecaminoso nem universal.
É coiso… Só.
Mas agora até tem a benção… do Papa.
Temos então um humorista nada crente, que vai ver o Papa quando o Papa manda, e quase agrada a gregos e a “não sei quem que há-de vir”, como vociferava o José Mário Branco aos “cabrões de vindouros“. Quando disse gregos deveria dizer esquerda (donde ele vem), e direita (donde o Papa deveria vir) era “não sei quem que há-de vir”, mas, e porque os pontos cardeais andam tortos e como duvido que o cómico saiba hoje definir geografias políticas actualizadas e demarcadas, (o que não quer dizer acertadas), já nem se percebe para onde vai o seu humor.
Estará ele a ficar jesuíta?… como o Papa.
Continuemos. Em política, a fantasia continua a ser a norma. E nada melhor que o comunismo e os seus ideais de igualdade para nos permitirem pensar diferente. Todos diferentes, todos iguais foi uma frase instalada no território de uma certa juventude nos anos 90, tendo a Benetton sido a marca (verde) associada. Foi um capitalismo até dizer chega, disfarçado de comunismo até dizer basta. Daí não ser difícil agradar a gregos e a “não sei quem que há-de vir”, quando se disputa o jogo da democracia abstracta, do humanismo à-la-carte. Mas o papel do Bobo da Corte já era. O Tempo não anda para brincadeiras.
Na verdade, é ser bobo da corte estar sempre a dizer que se é Bobo da Corte. Mas como os reis alteraram a morada do palácio, talvez os bobos já nem com GPS se safem. Não faz rir – e já não é uma boa desculpa, uma vez que o RAP se assumiu muitas vezes como tal.
Caramba: se houvesse Comunismo a sério e já agora, Liberalismo, é que era.
Ao menos podia-se discutir política nos moldes clássicos, em que dizer barbaridades até podia cair bem, consoante os contextos, como ainda foi possível nos anos 90, e mesmo nos 00 deste século, que pesam muito num tipo de “artistas” nascidos profissionalmente numa época onde se permitia quase tudo no humor. Sinal dos tempos, alguns habituaram-se mal (bem).
Mas faça-se justiça e traga-se, já agora, também o Herman para as contas desse rosário num Portugal que andava a tentar acertar o passo europeu com Euros e Expos.
Houve liberdade quando o Ricardo começou a escrever para o Herman. Aprendeu alguma coisa.
Ao Herman, estranhamente, perdoa-se tudo.
Gosta-se. Faz parte, não sei explicar. Falava dos seus relógios e dos seus iates, mas não dizia que era comunista. Mesmo não cantando assim tão bem, e tendo o hábito de interromper vezes demais os seus convidados, ainda que muitos nada tivessem para dizer. Hoje não o imaginamos sem o seu piano algures num Music Hall a encarnar o Feiticeiro de Oz.
Mas outros, não vá o trabalho faltar, ainda têm de andar a pedir desculpa pelo que fizeram e disseram nesses anos loucos de liberdade, coisa que o RAP julgo nunca o fez. Ganha pontos aí.
O estatuto é realmente uma conquista. Como o fez para sobreviver já não sei, uma vez que a minha especialidade é analisar crustáceos do Curdistão para o Porto Canal.
A cultura woke que prolifera na atmosfera do poder mediático, fechou certamente os olhos a certos sketches dos Gato Fedorento, até porque, num ou noutro, chegou a fazer de africano. E a parodiar.
Ainda bem.
A cultura do cancelamento quase sempre é exagerada, senão mesmo estúpida, e aí percebemos que o Ricardo é ainda Charlie Hebdo.
Recuemos. Assisti com interesse ao aparecimento do fenómeno Gato Fedorento, momento de explosão de vários humoristas em Portugal, e que se deveu a dois factores: à influência das Produções Fictícias, que praticamente dominavam o mercado de humor com o chefe e dúbio Nuno Artur Silva à frente de um grande elenco, e também ao Levanta-te e Ri da SIC, onde cabia todo o tipo de humoristas, desde os péssimos e brejeiros, até aos mais sofisticados que viam o Seinfeld e sabiam quem era o John Cleese, incluindo o próprio RAP e até o Bruno Nogueira, que era muito jovem dando nesse programa os primeiros passos.
Ficou conhecido com a piada do senhor do bolo que era o Balsemão, o nosso intocável chairman dos Bilderberg.
Para quem não souber o que é isso com nome de hotel, pode comprar o livro de Frederico Duarte Carvalho que anda por aí à venda, e talvez se surpreenda e até aprenda alguma coisa sobre o mundo, mesmo que sendo a Wikileaks dos pobres (porque ninguém pode lá entrar) conspira o suficiente para acreditarmos na literatura. Já não é pouco. E o Frederico é bastante bem humorado e faz bem à vida. Aqui no PÁGINA UM é um herói para mim.
A boa comédia é uma conspiração, se virmos bem.
A boa vida é uma conspiração contra ela própria, se ainda virmos melhor.
Duvido que o RAP tenha lido esse livro. E se o leu não diz a ninguém.
O Poder existe, e o Poder tem poder e talvez ele conheça a redundância toda-poderosa.
O Bruno saberá, porque também teve de comer a fatia do bolo que a SIC amassou, mas sempre arriscou muito mais do que o rapaz do kickboxing. Há, apesar de tudo, mais sofisticação no Bruno, mesmo que tenha sido um radical covidiano atentando contra as liberdades individuais, princípio que o humor não deverá abdicar nunca. Tiramos o chapéu ao Rui Sinel de Cordes e à sua incompreendida coragem.
O morcego não devia ter chamado um figo ao pangolim e os humoristas deviam ficar às vezes sossegadinhos nos seus escritórios a inventar piadas masé.
Ainda assim nunca esqueceremos O Último a Sair.
Avancemos. O RAP é o cómico dos pobres, mesmo se os menos pobres junto com os betos também se riam, mas estamos peranta uma evidência: Portugal dança uma permanente valsa com a pobreza. Ainda assim, sejamos justos, bate aos pontos o Markl: esse é mesmo insosso, ou sonso, e faz parte da maralha tipo Unas, que riem das próprias piadas e pedem desculpa por serem irreverentes, quando ainda por cima nunca o foram.
Vão ver o Cabaret da Coxa e o enxovalho generalizados aos homossexuais, por exemplo. Outros tenpos.
Nem ele, nem quase ninguém se mete com o obscuro. E aí reside a pobreza. Lembro-me logo de Lenny Bruce e da sua luta.
O Poder é tramado e criticar os alvos certos não é para todos, não rende como a Worten. Dá trabalho e depois ainda gozam connosco.
E isso percebo e aceito bem; pode até custar caro. A História tem sido pródiga em criar vítimas. É mesmo a doer.
Também encontro valor em manter o status quo, o problema é que o humor devia ser um desporto diferente num mundo mais sustentado.
Em humor devíamos jogar hóquei patins sem os patins, e usar o stick para dar outras stickadas.
Dá trabalho e perde-se trabalho. É tramado. É que o humor tem poder e é estranho tanto desperdício, sobretudo quando há talento.
Mas Worten sempre.
O Ricardo luta pelo comunismo na SIC e fez do Chega o seu Vietname.
Mas, por outro lado, parece evidente que nos canais actuais, com as dividas e agendas do nosso zeitgeist, não seja lógico (ou prudente) gozar com quem controla. Assim, opta-se claramente por gozar com quem baralha. Ou trabalha – já estou baralhado.
Só em países mais sofisticados se pode exercer essa arte dentro do mainstream. Mas é paradoxal.
É assim a vida, mas terá sempre a sua poética, esteja o vento para sul ou norte. Ou mesmo a norte de nenhum sul.
Intróito. Aconselho a ler o Fernando Pessoa e o seu Banqueiro Anarquista para perceber a contradição. Segundo um grande amigo, Ricardo Escarduça, que já foi e ainda é engenheiro do tempo perdido, o humor é uma pulsão que convida à relação, que lança no descobrimento e faz luzir o cuidado afectuoso do ser humano com o outro, com as coisas e consigo. Une – ou deverá.
Portanto, RAP está demasiado ocupado a olhar o espelho encontrado no lixo, gosta de gozar com quem fala dos Illuminati por exemplo. É fácil gozar com aquilo que não se vê. E há por aí muitos tarados (chalupas como se banalizou) a precisar de psicotrópicos. Sabemo-lo bem. É fácil demais.
O elo mais fraco, é mesmo mais fraco. E nas redes, através dos comentários, as marés estão sempre a voltar-se contra os marinheiros.
E o RAP não é maré. Mas também não é bem marinheiro, nem de água doce. Haverá algum mistério, dê-se ainda o benefício da dúvida ao matulão. A vida tem coisas…
O Herman gosta demasiado de humor para navegar nas águas turvas cujo fundo não se vê, e quando vende o peixe, percebemos sempre que é da lota errada. É estranho, mas é assim. O Mr. Watch tem um dom.
Mas nas redes existem inúmeros canais que fazem outro desenho, até o próprio ex-Gato Fedorento Tiago Dores é um exemplo – e parece bem mais honesto, intelectualmente, do que o kickboxer. E é mesmo cómico nos seus esquiços (sketches).
Bom, mas mesmo assim, tem de vender a Prozis, mas, enfim, isso na área mais liberal é normal, não se tendo ainda arranjado outra fórmula de subsistência, já que em Portugal é difícil viver dos consumidores quando o produto cultural a consumir é de qualidade acima da média.
Eu compro Prozis.
Não compro nada: estava a brincar!
Continuemos. Ao nosso Ricardo Araújo não lhe falta mais liberalismo – sendo esta uma palavra mal conotada hoje, estupidamente. Na verdade, falta-lhe é liberdade, porque somos capazes de reconhecer no cómico bastante potencial evolutivo. Noutro contexto, se o medo não fosse um dos actores principais, acho que estávamos a falar de alguém mais aberto à linguagem.
O medo devora a alma disse o Fassbinder. Para mim, esconde.
O problema em Portugal éque ninguém puxa por ninguém. É um país pobre de espírito, e o humorista sofre as consequências disso.
Quando muito, iria parar ao Porta dos Fundos, mas ainda assim, ele é melhor que o franchise brasileiro.
Não percamos o fio à meada. RAP pouco deve ao HIP-HOP, foi comunista, e talvez ainda o seja, mas gosta de fazer publicidade ao “Capitalismo”. Comprem um telemóvel da Worten, mas dividam-no pelos cinco que vivem aí em casa. Tem é de ser na Worten, certo? Mas se todos puderem comprar um cada um, ainda melhor.
Mesmo aos imigrantes que o Portugal do Ricardo não sabe acolher, deixando-os na rua, ele vende sem compaixão. No negócio, não há pudor ainda que as marcas vistam bandeiras coloridas.
Para eles, tudo o que vier à rede é peixe. Mesmo que os filetes, ou os douradito do Capitão Iglo, não tenham sal. É essa a regra instalada. Comprem lá mas é uma máquina de café.
Portugal, afinal de contas, é a sua propriedade privada. Estranho para quem gosta de dividir. O RAP e alguma esquerda indefinida que todos conhecemos gostam é de dividir o Expresso no Frutalmeidas. Talvez a única coisa que sejam capazes de dividir num mundo que já tresanda a partilha.
Dividir para reinar – é isso!
O comunismo afinal é um chalé. O verdadeiro comunismo, uma dádiva.
Mas não aquele comunismo que matou Eisenstein, ou Meyerhold, passando por Maiakovski. Outro qualquer que um dia apareça, que una em vez de dividir, mas que tenha lido e assimilado Shakespeare.
O RAP vende tudo o que puder menos a extrema-direita, isso já se percebeu.
Um dia que tenha de entrevistar por obrigação o líder dos “feios, porcos e maus”, terá de levar colete à prova de bala. Mas não devia ter medo de reavivar os western spaghetti, dando-lhe cor, crítica e humor. O humor devia existir para lá da política também.
Podia aproveitar e mostrar-se culto, se o for, claro. Hoje os padrões estão muito baixos.
Basta dizer Hemingway, e o Jornal de Letras quer logo fazer uma entrevista. Se disseres Simone de Beauvoir ficas logo lá a trabalhar… Sem salário, claro.
Mas se tiver de acontecer por obrigação alguma entrevista à força, o RAP sairá por cima, certamente, porque jogará mais uma vez em casa.
Aliás o RAP nunca jogou fora. Nunca esteve para levar goleadas e tanto ele como o líder tipo western spaghetti do twitter jogam no mesmo campeonato, mas em campos diferentes. Visto de um drone a voar alto, são ambos pequenos.
E são um bocado doidos pelo Benfica. Gritam golo em uníssono.
Visto de um drone… Da Worten, claro.
O actor é sem dúvida inteligente para não se dar à humilhação, mas não percebeu que o futuro não está privado de história, e tanto paradoxo à flor da pele um dia rebentará. Os estilhaços cairão provavelmente em cima da festa do Avante.
Tal como o Benfica, o cómico é forte com os fracos e fraco com os fortes, disse-me um amigo meu que não brinca em serviço, mas é do Sporting, que há pouco tempo era fraco com os fracos.
Como actor, RAP não é fantástico, mas usa os clichés certos – de facto, alguns foram inventados por ele e tem alguns trejeitos, mas que são quase sempre os mesmos. Não evoluem.
Nisto, o Herman é muito mais versátil, soando a verdadeiro na sua artificialidade, no seu exagero. Mas, como a vida, ficou exagerada… Hoje, quase achamos o Herman um artista plástico. Numa época de curadores, talvez lhe saia a sorte grande.
É inevitável a comparação com o alemão. O pai e tio deles todos.
E para concluir, ainda que eu não seja especialista (aliás a minha única especialidades são os cannellonis à Lagareiro, confirmada pela TripAdvisor da Brandoa), aceita-se o jogo mediático do humorista, aceita-se os trejeitos em que os gozados são sempre do norte e fazem ‘ch’.
Aceita-se o pouco ecletismo facial, os tiques na voz e as subidas de volume acompanhadas pelas caretas do costume, o bater na mesa antes de o programa começar tal qual o Jon Stewart faz, a forma como passa de um tema para o outro é pouco menos que catastrófica, e adivinhamos sempre o tom apalhaçado com uma vozinha reconhecível, sendo nestes pormenores que devia aparecer a arte. Também não é fixe o dress code, que colou como imagem de marca. Na verdadem pesa-lhe, não é humoristicamente ergonométrico. Enfim, de uma forma geral, não se devia colar tanto ao Jon Stewart, o papa da maralha do humor, que voltou, entretanto, às lides do infotainment, talvez para chatear o Trump.
Não fica bem.
Conclusão: Ricardo, não me conheces, mas por aqui não passa nada. Eu escrevi isto antes do jogo da Eslovénia, mas hoje, dia da publicação, até o Diogo Costa concorda comigo. Eu já te vi: eu é que sou o gajo de Alfama.
Ruy Otero é artista media
Este texto foi inspirado por este aquida magnífica jornalista Elisabete Tavares.
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