Categoria: Política

  • Ministério Público arquiva processo instaurado por ministra da Saúde contra o PÁGINA UM

    Ministério Público arquiva processo instaurado por ministra da Saúde contra o PÁGINA UM


    O Ministério Público arquivou o inquérito-crime por alegada difamação movido contra o director do PÁGINA UM, que juntava, no mesmo lado da barricada, a actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, o deputado social-democrata Miguel Guimarães, Eurico Castro Alves — amigo pessoal de Luís Montenegro, com quem passou férias no Brasil —, a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Farmacêuticos e a indústria farmacêutica, através da APIFARMA. A decisão, saída do DIAP de Lisboa e firmada em despacho com cerca de 72 páginas, conclui, sem ambiguidades, que a investigação jornalística do jornalista Pedro Almeida Vieira não preenche o tipo legal de crime de difamação.

    Em causa estava um conjunto de reportagens e artigos de opinião sobre a campanha “Todos por Quem Cuida”, nascida sob os melhores propósitos em Março de 2020 e transformada, com o correr dos meses, num labirinto de regras elásticas, contabilidade paralela e uma arquitectura bancária difícil de explicar em qualquer manual de boas práticas. Na altura, a ministra da Saúde era bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e Miguel Guimarães ocupava a mesma função na Ordem dos Médicos, e foram os estrategos e ‘gerentes’ da referida campanha, que lhes concedeu reconhecimento público.

    Ana Paula Martins, ministra da Saúde, juntou-se à indústria farmacêutica para processar o PÁGINA UM. O Ministério Público arquivou o processo-crime. / Foto: D.R.

    A narrativa oficial foi durante muito tempo a do altruísmo: num país então assustado e um sistema de saúde sob pressão, duas ordens profissionais — a dos Médicos e a dos Farmacêuticos —, com o apoio da indústria farmacêutica, ergueram um canal para comprar e fazer chegar equipamento a quem dele carecia. A narrativa factual, reconstituída pelo PÁGINA UM com base em documentação administrativa, bancária e contabilística — que somente foi obtida após uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa —, revelou um esqueleto muito diferente escondido num armário de promiscuidades e impunidades.

    Desde logo, a conta por onde circularam cerca de 1,4 milhões de euros não era institucional. Não pertencia à Ordem dos Médicos, nem à Ordem dos Farmacêuticos, nem sequer à APIFARMA. Era uma conta particular, aberta a 2 de Abril de 2020, titulada por Miguel Guimarães (como primeiro titular), Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, movimentada com duas assinaturas. Estavam, portanto, três pessoas — independentemente dos cargos que ocupavam — a gerir donativos que o público associava a duas corporações profissionais.

    Acresce que, a par desta singularidade, foram emitidas facturas em nome da Ordem dos Médicos, que deram entrada na sua contabilidade, mas os pagamentos eram satisfeitos através daquela conta privada, criando um “entre-dois” contabilístico que vem nos livros com outro nome: contabilidade paralela com possibilidade de criação de um ‘saco azul’ na Ordem dos Médicos. Nestas circunstâncias, e por definição, a linha entre a excepcionalidade administrativa e o expediente torna-se demasiado ténue.

    Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado do PSD: a pandemia, onde inquisitorialmente perseguiu colegas médicos com opiniões contrárias à sua, apesar de ser um mero urologista, deu-lhe projecção política. / Foto: D.R.

    É aqui que a investigação jornalística assinalou — e documentou — outras fracturas. Os donativos superiores a 500 euros estavam sujeitos a Imposto do Selo de 10%; a estimativa conservadora apontava para cerca de 125 mil euros não liquidados ao qual Ana Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves se furtaram, independentemente da campanha ser altruísta. Além disso, a esmagadora maioria dos apoios de origem farmacêutica não foi publicitada no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, como a lei exige, e foi montada uma coreografia de declarações de mecenato para que as doadoras pudessem aproveitar benefícios fiscais reforçados, sem que houvesse o correspondente espelho documental de compras efectuadas por essas mesmas doadoras.

    Isto é, o dinheiro entrou na conta de três particulares (Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves), as aquisições foram pagas por essa conta, os bens foram entregues a hospitais, IPSS e outros destinatários, embora as declarações destinadas a sacar benefícios fiscais tenham aparecido em nome das farmacêuticas. O efeito combinado foi o de maximizar deduções, à margem da lei e das regras fiscais, de quem deu o dinheiro e dissolver o lastro financeiro entre quem pagou, quem facturou e quem recebeu.

    Uma posterior auditoria encomendada pela Ordem dos Médicos à BDO — apresentada como “prestação de serviços de auditoria às actividades e contas do fundo solidário” — confirmou o IBAN público, mas não equacionou a anomalia essencial: a conta não era institucional. E, no capítulo crucial, não enfrentou o desfasamento entre facturação na Ordem dos Médicos e pagamentos por terceiros, como se a mecânica fosse irrelevante para o relato da lisura. Quando o PÁGINA UM questionou a BDO sobre estas matérias, o seu representante legal, Pedro Guerra Alves, ameaçou com um processo judicial antes mesmo de ter sido publicada a notícia.

    João Almeida Lopes, presidente da Apifarma: a indústria farmacêutica, que enviou cerca de 1,3 milhões de euros para uma conta conjunta de Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves durante a pandemia, conseguiu depois articular-se com os ‘gerentes’ da campanha “Todos por Quem Cuida” e as duas ordens profissionais, para contratarem a onerosa sociedade de advogados Morais Leitão. / Foto: D.R.

    Saliente-se que a documentação operacional da campanha “Todos por Quem Cuida” esteve blindada cerca de dois anos. O acesso só sucedeu por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, circunstância que, por si, diz muito sobre a cultura de transparência a Ordem dos Médicos e da Ordem dos Farmacêuticos, na altura dirigidos por Miguel Guimarães e Ana Paula Martins, respectivamente.

    Já sob a liderança de Carlos Cortes, os relatórios e contas de 2022 e 2023 da Ordem dos Médicos introduziram, pela primeira vez, uma nota às demonstrações financeiras a explicar que os três responsáveis pela campanha “ficaram fiéis depositários” de contribuições e, no “uso criterioso desses fundos”, canalizaram material para instituições e profissionais. Uma ‘lavagem’ mal feita.

    Com efeito, a expressão — “fiéis depositários” — não tem, neste contexto, enquadramento judicial, não correspondendo ao que o Código Civil chama depósito, e mais parece uma retroversão narrativa para dar cobertura a um desenho que, em termos formais, jamais deveria ter acontecido. Tão relevante como o que se escreve é o que não se escrevia antes: nos relatórios de 2020 e 2021, a mesma campanha surge sem rasto equivalente, como se a sua dimensão financeira e o circuito dos pagamentos coubessem numa nota de rodapé invisível. O contraste não é um detalhe; é um indício.

    Eurico Castro Alves, ao centro (o único sem máscara): amigo especial de Luís Montenegro, ministro-sombra da Saúde, foi o elo de ligação da indústria farmacêutica na campanha “Todos por Quem Cuida” que geriu 1,4 milhões de euros com contabilidade paralela, fuga aos impostos e benefícios fiscais indevidos.

    No âmbito da campanha, houve possibilidade para vários ‘favores’. Por exemplo, Miguel Guimarães permitiu que um donativo de máscaras se transformasse num esquema lucrativo da farmacêutica Merck. Também com dinheiros da campanha negociou-se com Gouveia e Melo, e com o Hospital das Forças Armadas, a vacinação de médicos não prioritários em Março de 2021, ultrapassando-se competências e a norma da Direcção-Geral da Saúde.

    No âmbito desse processo, Miguel Guimarães — que ascenderia depois a deputado social-democrata — aproveitou também para dar uma ‘boleia ilegal’ a uma “personalidade política” para que lhe fosse administrada uma dose de vacina contra a covid-19, não estando nas prioridades, por uma “questão de necessidade e oportunidade”. Nunca foi revelada a identidade nem de que “necessidade e oportunidade” se tratavam, e uma auditoria da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), liderada por Carlos Carapeto, não se mostrou interessada em desvendar. Passou uma esponja sobre este assunto.

    Foi neste contexto que, perante a baixa repercussão pública e mesmo judicial das denúncias do PÁGINA UM, os visados se sentiram seguros da sua impunidade e se juntaram numa queixa por difamação, pedindo ao direito penal que tratasse como delito o que é, por natureza, escrutínio público. E curiosamente, todos se juntaram para serem representados pela sociedade de advogados Morais Leitão. Ou seja, a indústria farmacêutica e a ministra da Saúde fizeram uma ‘vaquinha’ para contratarem o mesmo advogado.

    Carlos Cortes, actual bastonário da Ordem dos Médicos: apesar de as queixas contra o PÁGINA UM terem provindo do seu antecessor, Miguel Guimarães, nunca explicou a contabilidade paralela da campanha “Todos por Quem Cuida” que fez entrar facturas sem fluxo financeiro de saída, o que permitia a criação de um ‘saco azul’. Apesar deste arquivamento, a Ordem dos Médicos tem outro processo activo contra o PÁGINA UM que irá para julgamento em Novembro. / Foto: D.R.

    Porém, o Ministério Público não se comoveu com a procissão de títulos, cargos e poder financeiro e político dos acusadores. O procurador Nuno Morna de Oliveira arrolou as peças jornalísticas com data e hora, reuniu as versões em confronto, cotejou documentos, anotou justificações sobre a urgência pandémica, a dupla assinatura nos movimentos bancários, a existência de regulamentos e comissões e as alegadas isenções fiscais, e fez o que a lei manda: ponderou honra e liberdade de expressão, direito penal e interesse público.

    O despacho do procurador recupera a Constituição, invoca a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que tem, há décadas, uma linha firme: figuras públicas e instituições com poderes e dinheiros devem suportar um nível mais elevado de crítica; a crítica pode ser dura, pode recorrer à hipérbole e à ironia, desde que ancorada em base factual suficiente e dirigida à conduta pública, não ao insulto gratuito. E foi nesta moldura que o magistrado escreve o essencial: “a conduta imputada ao arguido [Pedro Almeida Vieira] não integra o crime de difamação”, pelo que se determinou o arquivamento do processo.

    A relevância deste despacho ultrapassa o seu efeito imediato. Primeiro, porque não é um cheque em branco passado às práticas que foram expostas. O Ministério Público considera que não é difamação, no contexto dos factos revelados pelo PÁGINA UM, revelar que não é valida nem legal a opção da ministra da Saúde e do agora deputado social-democrata Miguel Guimarães por uma conta privada para gerir donativos que o público associava às ordens profissionais, de acusar a omissão no Portal do Infarmed, de destacar o não pagamento de Imposto do Selo, e de apontar contabilidade paralela e declarações falsas destinadas a benefícios fiscais.

    Extracto do e-mail de 17 de Março de 2021 enviado por Miguel Guimarães a Gouveia, admitindo a administração de uma dose “em Lisboa a uma personalidade política, por uma questão de necessidade e oportunidade”. Este e-mail era um dos documentos a que o PÁGINA UM teve acesso, por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, para verificar a gestão da campanha “Todos por Quem Cuida”, cujo dinheiro serviu para negociar com Gouveia e Melo, a troco de 27 mil euros entregues ao Hospital das Forças Armadas, a vacinação de médicos não-prioritários contra as normas então em vigor da Direcção-Geral da Saúde (DGS).

    Diz apenas — e é muito — que não se criminaliza jornalismo que trabalha com documentos, cronologia, números e perguntas legítimas. Segundo, porque reinstala a liberdade de imprensa como função institucional do Estado de Direito: onde há dinheiro, função pública, apoios e regulação, há interesse público máximo e, por isso, tolerância reforçada para a crítica que desmonta narrativas convenientes.

    Há, ainda, a pedagogia que interessa reter. Quando duas ordens profissionais, com capacidade financeira e influência pública, optam por uma engenharia financeira que dispensa as suas próprias contas oficiais e deposita 1,4 milhões de euros numa conta de três pessoas, o ónus de explicação não é de quem pergunta: é de quem decidiu, assinou e geriu – e depois ainda é ‘galardoado’ com cargos públicos que mexem com verbas que tornam 1,4 milhões de euros em trocos.

    Note-se, contudo, que a ministra da Saúde, em articulação com a indústria farmacêutica (Apifarma), e demais queixosos, pode requisitar à sociedade de advogados Morais Leitão para que requeira abertura de instrução para levar o caso à barra do tribunal. Dinheiro para isso, não faltará nunca, certamente.

    ***

    Artigos analisados pelo Ministério Público publicados pelo PÁGINA UM

    i) em 09.12.2022, um artigo com o título “Fundo solidário de farmacêuticas deu condições para criar “saco azul” de mais de 968 mil euros na Ordem dos Médicos… e há muito mais”;

    ii) em 11.12.2022, um artigo de opinião com o título “Senhor Doutor Miguel Guimarães, o seu fundo é de barro e não é nada à prova de bala”;

    iii) em 23.02.2024, um artigo com o título “Miguel Guimarães e Ana Paula Martins geriram em conta pessoa fundo solidário de 1,4 milhões pejado de irregularidades. Não se sabe onde para a auditoria prometida”;

    iv) em 03.04.2024 e 04.04.2025, respectivamente, um artigo intitulado “campanha solidária na pandemia pejada de ilegalidades e irregularidades fiscais – Ministra da Saúde geriu em conta pessoal 1,3 milhões de euros dados por farmacêuticas sem pagar imposto de selo” e “Das forças e das fraquezas da imprensa mastodôntica”;

    v) em 19.07.2024, um artigo intitulado “Farmacêuticas doaram cerca de 1,3 milhões de euros a Ana Paula Martins e Miguel Guimarães – Pseudo-auditoria da BDO tenta limpar ilegalidades de campanha gerida por conta pessoal da ministra da Saúde e de Deputado do PSD”.

  • A fortuna de Dino d’Santiago: em cinco anos, Estado dá-lhe 1,6 milhões de euros para ‘empoderamento social’

    A fortuna de Dino d’Santiago: em cinco anos, Estado dá-lhe 1,6 milhões de euros para ‘empoderamento social’


    No final de 2021, Dino d’Santiago — o músico português nascido no Algarve mas com orgulhosas raízes cabo-verdianas — dizia ao Observador: “Hoje já me sinto merecedor de tudo.” E tem sido isso mesmo que sucedeu a Claudino Jesus Borges Pereira, hoje com 42 anos.

    Ao sucesso musical, Dino d’Santiago somou o reconhecimento político, tendo sido, em 2023, condecorado com a Medalha de Mérito Cultural, é agora membro da Comissão para a Igualdade e Luta Contra a Discriminação Racial e até do Conselho Geral da Universidade de Aveiro . Tudo isto muito por ter assumido um papel de relevância pública nos projectos sociais em que se envolveu, sobretudo nas áreas da raça e da discriminação. Publicou recentemente o livro Cicatrizes, com prefácio da escritora (e conselheira de Estado) Lídia Jorge, e recebeu ainda um convite para conceber uma ópera “estrelada” no Centro Cultural de Belém, numa encomenda da Bienal de Artes Contemporâneas. Por isso, é amiúde visto em companhia de figuras públicas e de poder.

    Dino d’Santiago com Carlos Moedas em Osaka, numa acção social da Mundu Nôbu, que levou um jovem á Exposição Mundial de Osaka: Foto: DR.

    Mas há outro lado da história: Dino d’Santiago tem sido copiosamente apoiado, como poucos, pelos poderes públicos. E o apoio não é apenas de solidariedade e ‘pancadinhas nas costas’. É com ‘txeu dinheru’ – como se dirá na ilha de Santiago para ‘”muito dinheiro”. Com efeito, ao longo dos últimos cinco anos, Dino d’Santiago tem conseguido implementar, graças à sua popularidades nos corredores da política, um modelo de financiamento que, sendo formalmente escorreito, choca pelas verbas envolvidas.

    Na passada terça-feira, o PÁGINA UM revelou que, através da associação Mundu Nôbu — que fundou em finais de 2023 e que preside, sem se conhecerem outros membros da direcção além de Liliana Valpaços —, Dino d’Santiago conseguiu garantir, nos últimos 13 meses, 481 mil euros de duas empresas municipais (Gebalis e EGEAC) para a prestação de serviços sociais e para dois espectáculos musicais contratualizados por valores inflacionados. Mas essa era apenas uma parte da história.

    Uma investigação mais aprofundada nos últimos dias apurou que, de forma directa e indirecta, desde 2021, Dino d’Santiago já garantiu muito mais em subsídios e contratos públicos: quase 1,6 milhões de euros, grande parte através de uma empresa da qual é o único sócio.

    Ligações privilegiadas ao poder não têm trazido apenas capacidade de intervenção, mas também muito dinheiro. Foto: DR.

    Antes de fundar a associação Mundu Nôbu — nome retirado do álbum homónimo de 2018 —, o músico criou, em 2019, a empresa unipessoal Batuku Roots, com sede em Albufeira, que incluía, além das actividades musicais, o arrendamento de imóveis e a comercialização de vestuário e brindes. Contudo, foi em Lisboa, e sobretudo a partir de 2021, que a empresa começou a facturar em grande escala.

    Nesse ano, ainda com fortes limitações impostas pela pandemia — período em que muitos artistas foram severamente penalizados —, a Câmara Municipal de Lisboa entregou-lhe 250 mil euros de subsídio para lançar um projecto online denominado “Lisboa Criola”. No mesmo ano, o Turismo de Portugal, no âmbito das medidas de mitigação dos efeitos económicos da pandemia, concedeu-lhe mais de 20 mil euros.

    Em 2022, já sem restrições sanitárias, o projecto de Dino d’Santiago manteve-se activo, centrando-se num festival de música com workshops e conferências durante três dias. Resultado: mais 250 mil euros atribuídos à Batuku Roots, valor que, segundo as demonstrações financeiras consultadas pelo PÁGINA UM, representou praticamente a totalidade das suas receitas desse ano. E, como não há duas sem três, em 2023 a empresa de Dino d’Santiago voltou a receber 250 mil euros da autarquia liderada por Carlos Moedas. Nesse exercício, a Batuku Roots registou receitas de 346 mil euros, não se sabendo se os cerca de 100 mil euros adicionais provêm de actividade empresarial ou de outros subsídios públicos.

    Em três edições da ‘Lisboa Criola’, uma das quais online, a empresa unipessoal de Dino d’Santiago, a Batuku Roots, recebeu 750 mil euros da autarquia liderada por Carlos Moedas.

    Na lista de entidades subvencionadas em 2024 pela autarquia de Lisboa, a Batuku Roots já não surge, mas a razão parece simples: com a criação da associação Mundu Nôbu no final de 2023, Dino d’Santiago deslocou as suas atenções e passou a beneficiar de um estatuto ainda mais privilegiado nos corredores do poder — deixando de necessitar de apresentar candidaturas e passando a celebrar contratos directos com a Câmara de Lisboa, através da Gebalis e da EGEAC. Entre 2024 e 2025, essas contratações já totalizam 481 mil euros.

    A associação Mundu Nôbu recebeu ainda, em Setembro de 2023, um apoio adicional de 314.863 euros no âmbito do Portugal Inovação Social, destinado a um projecto de “empoderamento e capacitação de jovens afrodescendentes” com duração de três anos. O projecto é um dos que a autarquia de Lisboa apoiou este ano.

    Contas feitas, e não tendo sido possível confirmar se houve outros financiamentos por outras entidades públicas de menor dimensão, Dino d’Santiago obteve, através da empresa e da associação, cerca de 1,6 milhões de euros em apoios e contratos públicos desde 2021, sendo que no caso da Mundu Nôbu a verba de subsídios atinge quase 800 mil euros. E a autarquia de Lisboa é, de longe, o principal financiador:Ç mais de 1,2 milhões de euros, entre a Batuku Roots e a Mundu Nôbu. No caso da associação, são também divulgadas mais de uma dezena de entidades privadas como parceiras, designadamente o Banco BPI, a Fundação La Caixa, o BNP Paribas, a Fundação Calouste Gulbenkian, a FNAC, a Emerald Group, a PwC, a Microsoft, a IKEA, a Worten, a Randstad, a Euro M e o ISPA. Mas nada se indica sobre os montantes envolvidos ou se se trata de prestação de serviços ‘pro bono’.

    Concerto do ano passado, que incluiu uma conferência, que deu à Mundu Nôbu 130 mil euros pagos pela EGEAC. Como artista, Dino d’Santiago recebe, por norma, menos de 20 mil euros.

    Contactados novamente a associação Mundu Nôbu e Dino d’Santiago, houve desta vez resposta — embora evasiva. O PÁGINA UM quis saber o valor total dos financiamentos públicos obtidos desde 2021, quer através da associação, quer da empresa, bem como as respectivas proveniências. Foi ainda questionado se, dado que a Batuku Roots deixou de receber financiamento da autarquia em 2024, Dino d’Santiago passou a prestar serviços remunerados à associação Mundu Nôbu. Reiterou-se também o pedido de relatório e contas de 2024 — que já deveriam estar aprovados até Março —, bem como a lista de membros dos órgãos sociais e o número de associados, informações que continuam a não ser divulgadas.

    Em resposta individual, Dino d’Santiago afirmou que “a Batuku Roots é a empresa onde desenvolvo a minha actividade profissional e artística, sendo a Mundu Nôbu uma associação privada sem fins lucrativos, no âmbito da qual procuro, enquanto cidadão, contribuir com o meu empenho cívico, social e solidário”. Garantiu ainda que “até à data, nem eu, nem a minha empresa ou qualquer familiar meu, recebemos qualquer verba por parte da Mundu Nôbu”, acrescentando que, “pelo contrário, tal como a minha co-fundadora Liliana Valpaços, aloquei verbas significativas na Mundu Nôbu, a título pessoal”.

    Contudo, sem relatório e contas aprovados nem documentos contabilísticos disponíveis, esta declaração não é comprovável. O PÁGINA UM voltou a questionar Dino d’Santiago sobre os montantes que ele e a sua parceira Liliana Valpaços supostamente alocaram à associação, e que modelo contabilístico foi usado, mas não houve ainda resposta.

    O empoderamento de jovens tem incluído visitas de Dino d’Santiago e dos jovens dos projectos da Mundu Nôbu à Presidência da República. Foto: DR.

    Já na resposta conjunta de Dino d’Santiago e Liliana Valpaços, enquanto representantes da associação Mundu Nôbu, foram repetidos os mesmos argumentos, e acrescentaram que, quanto às informações financeiras e plano de actividades, “agindo com a transparência que caracteriza a associação, após aprovação em Assembleia Geral, o que se prevê ocorrer a curto prazo, aquela poderá ser disponibilizada para consulta, verificados os pressupostos para tal aplicáveis”.

    Importa salientar que os planos de actividades devem ser elaborados no início do ano a que dizem respeito, e os relatórios e contas de um determinado exercício têm de ser aprovados até Março do ano seguinte. Ora, já passaram mais de seis meses do prazo.

    Uma associação não está obrigada à mesma transparência que uma empresa privada – e esse modelo está cada a enraizar-se mais -, mas o facto de a Mundu Nôbu receber avultados apoios públicos coloca-a sob a alçada da Inspecção-Geral das Finanças e do Tribunal de Contas, para eventual verificação da boa aplicação dos dinheiros públicos.

    Acresce ainda que, recebendo já mais de 800 mil euros em tão pouco tempo, a associação aparenta ser uma estrutura fechada, porque repetidamente Dino d’Santiago não responde aos pedidos de divulgação dos membros dos distintos órgãos sociais. E o facto de, por lei, uma associação não poder distribuir lucros, tão não significa que esteja impedida de desviar receitas através de fornecimentos de serviços ou mesmo remunerações dos seus dirigentes.

    Site do Mundu Nôbu com informações genéricas e sem qualquer menção aos órgãos sociais nem ao plano de actividades nem a contas. A equipa não inclui sequer o nome da directora executiva, Liliana Valpaços, e Dino d’Santiago surge como fundador, não havendo indicação dos órgãos sociais.

    E apesar de não terem respondido a parte das questões nem revelado documentos sobre a associação — que, mesmo admitindo mérito social, se mantém envolta em opacidade —, Dino d’Santiago e Liliana Valpaços deixam um aviso ao PÁGINA UM: “Gostaríamos de sublinhar que qualquer informação que venha a ser veiculada em canais públicos com carácter difamatório, ofensivo ou contrária à realidade dos factos, bem como os prejuízos, designadamente financeiros, da mesma decorrentes, serão tratados em sede própria. Não pode a Mundu Nôbu permitir que uma missão que se quer humanitária seja alvo de qualquer acção de descredibilização, com impacto em todos os que para a mesma contribuem.

    Ou seja, uma associação que já recebeu quase 800 mil euros de dinheiros públicos foi convidada por um jornal a mostrar transparência e, em vez disso, ameaça com um processo judicial – algo que, aliás, pode ser até patrocinada pela pbbr — Sociedade de Advogados, outra das parceiras do Mundu Nôbu.

  • Associação de Dino d’Santiago já ‘sacou’ 481 mil euros à autarquia de Lisboa em prestação de serviços e cantorias

    Associação de Dino d’Santiago já ‘sacou’ 481 mil euros à autarquia de Lisboa em prestação de serviços e cantorias


    Nos últimos 13 meses, a associação Mundu Nôbu, presidida pelo músico Dino D’Santiago e gerida pela sua parceira Liliana Valpaços, conseguiu encontrar um verdadeiro mundo novo de financiamento público através de alegadas prestações de serviços a empresas municipais de Lisboa.

    À margem dos habituais concursos e candidaturas públicas, a que estão sujeitas dezenas de organizações não-governamentais, a associação criada no final de 2023 pelo músico residente no Algarve, mas com forte projecção mediática na capital, já conseguiu firmar, desde Agosto do ano passado, quatro contratos directos com estruturas da Câmara Municipal de Lisboa, no montante global de 481 mil euros (equivalente a 385 mil euros acrescidos de IVA).

    Carlos Moedas e Dino d’Santiago no ano passado num concerto na Praça do Município. Foto: CML.

    O expediente foi simples: em vez de subsídios ou apoios sujeitos a regras de concurso, a Mundu Nôbu passou a figurar como prestadora de serviços, assinando contratos de aquisição directa — ora para a execução de projectos sociais com a Gebalis, empresa municipal de habitação, ora para a organização de concertos a preços manifestamente inflacionados com a EGEAC, responsável pela gestão cultural da cidade.

    O primeiro grande contrato surgiu em Agosto do ano passado, quando a EGEAC assinou com a recém-criada associação um acordo de 130 mil euros para a “concepção, coprodução e apresentação ao público do Festival Mundo Novo 2024”. O evento, integrado nas Festas na Rua, foi apresentado com o tema “A interculturalidade portuguesa no topo do Spotify”, mas, na prática, resumiu-se a uma conferência com Dino D’Santiago e convidados, seguida de um concerto nocturno na Praça do Município, com actuações de Dino D’Santiago, Irma, Soluna, Crioulo, Maro e Bateu Matou. Pelas imagens disponíveis, o público presente não terá ultrapassado o milhar de pessoas, embora o evento tenha contado com a presença do presidente da autarquia, Carlos Moedas.

    O ritmo de contratos acelerou este ano. Em Junho, a Gebalis adjudicou à Mundu Nôbu um contrato de 20 mil euros, por ajuste directo, para um projecto de intervenção comunitária denominado “O Teu Lugar no Mundo”, destinado a jovens entre os 14 e os 22 anos. A descrição contratual era vaga: realização de reuniões semanais de duas horas com até 160 participantes, divididos por grupos. Não há registos fotográficos nem informação sobre o local de realização das sessões, mas a empresa municipal pagou integralmente a verba correspondente a oito encontros, uma vez que o contrato teve a duração de 60 dias. Curiosamente, o valor adjudicado coincidiu com o limite máximo legal que dispensa concurso público.

    Concerto do ano passado, que incluiu uma conferência, que deu à Mundu Nôbu 130 mil euros pagos pela EGEAC. Como artista, Dino d’Santiago recebe, por norma, menos de 20 mil euros.

    Mal terminou esse contrato, a Gebalis renovou a prestação de serviços por mais doze meses, agora no valor de 125 mil euros, sob a designação “fase de desenvolvimento”. Este novo acordo, celebrado em Agosto, foi classificado como uma “contratação excluída” — expressão que, na prática, significa um procedimento fora das regras habituais da contratação pública, situação de legalidade duvidosa no contexto deste serviço. Assim, um apoio temporário transformou-se num contrato anual que assegura mais de 10 mil euros mensais à associação de Dino D’Santiago, com cláusulas invulgares.

    Mais do que um instrumento de intervenção social, o contrato revela-se um veículo de promoção da própria associação. De acordo com o documento, e sob o pretexto de “articulação” com a empresa municipal, prevê-se a realização de visitas mensais aos bairros para “apresentar o projecto e convidar jovens e famílias a conhecer a Mundu Nôbu”, bem como a produção de conteúdos digitais com menções expressas à entidade.

    Em vez de actividades concretas e metas mensuráveis, o contrato estabelece uma rotina de reuniões, relatórios e intercâmbios vagos, que acabam por servir sobretudo para dar visibilidade e notoriedade à associação beneficiária, mais do que para gerar resultados tangíveis junto dos moradores dos bairros municipais.

    Dino d’Santiago e Liliana Valpaços: uma associação em Lisboa que encontrou um expediente para não ter de andar com arrelias e burocracias em candidaturas para apoios públicos: basta fazerprestação de serviços à Gebalis e uns concertos inflacionados para a EGEAC. Foto: CML.

    O quarto e mais recente contrato foi assinado no passado dia 19 de Setembro, novamente com a EGEAC, para a coprodução e apresentação do “Mundo Nôbu Experience 2025”, por um valor total de 110 mil euros. O evento, previsto para 12 de Novembro no Capitólio, está descrito apenas como um “concerto” entre as 20h30 e as 23h00. O documento não especifica o conteúdo artístico, nem há qualquer referência a orçamentos detalhados. Curiosamente, nem o Capitólio, nem a EGEAC, nem a Agenda Cultural de Lisboa incluem o espectáculo nas respectivas programações, o que levanta dúvidas quanto à efectiva execução do contrato.

    Mais surpreendente ainda é o contraste entre estes valores e os cachês de Dino D’Santiago. Nos últimos anos, os concertos do músico, de ascendência cabo-verdiana, têm oscilado geralmente abaixo dos 20 mil euros. A Câmara de Lisboa pagou-lhe 6.000 euros em 2018, no âmbito da Moda Lisboa; em 2019, recebeu 5.500 euros da Associação Vicentina, 17.000 euros da Câmara de Alcobaça e 15.000 euros da de Aveiro (num espectáculo conjunto com Branko). Em Viana do Castelo o valor foi de 10.500 euros, na Figueira da Foz de 5.000 euros, e apenas em Albufeira, sua região natal, atingiu o valor excepcional de 71.400 euros no ano passado. Em 2024, só se encontra um contrato público de espectáculo, com a Câmara de São João da Madeira, no montante de 9.000 euros.

    A associação Mundu Nôbu parece, assim, ter descoberto um modelo engenhoso: usar uma figura pública de grande visibilidade para obter financiamentos públicos regulares, com um modelo de gestão pouco transparente, sem depender de candidaturas competitivas ou de voluntariado associativo. Apresentando-se como uma organização sem fins lucrativos, actua de facto como uma estrutura profissional, concentrada e opaca. Apesar de se afirmar aberta a novos sócios, apenas duas figuras estão visivelmente associadas ao projecto: Dino D’Santiago, presidente, e Liliana Valpaços, responsável pela execução dos contratos e, desde o ano passado, alegadamente remunerada após uma alteração estatutária.

    Site do Mundu Nôbu com informações genéricas e sem qualquer menção aos órgãos sociais nem ao plano de actividades nem a contas. A equipa não inclui sequer o nome da directora executiva, Liliana Valpaços, e Dino d’Santiago surge como fundador, não havendo indicação dos órgãos sociais.

    O PÁGINA UM contactou por duas vezes a associação Mundu Nôbu, solicitando esclarecimentos sobre as contas do exercício de 2024, o plano de actividades dos seus dois anos de existência, os órgãos sociais e o número de sócios efectivos. Não houve qualquer resposta — talvez por se entender que não é necessário prestar contas à imprensa quando se gerem dinheiros públicos.

    No site da associação surge a equipa da Mundu Nôbu constituída por uma psicóloga, uma responsável pela comunicação e marketing, um responsável administrativo e financeiro e três monitores. Nada consta de relatórios, nem os nomes dos órgãos sociais (direcção, assembleia geral, conselho consultivo e fiscal único), nem planos de actividades. Apenas se exibem fotografias genéricas e frases inspiracionais sobre “interculturalidade” e “empoderamento”.

    Não há sequer referências a eventos realizados nem a iniciativas futuras, e mesmo o anunciado concerto de 12 de Novembro no Capitólio permanece envolto em silêncio. Já a lista de parceiros institucionais e privados é extensa e bem exposta — mais de uma dezena —, uma espécie de convite da Mundu Nôbu para se apoiar uma história de sucesso: só com sorrisos, palmadinhas das costas, dinheiro público… e sem questionamentos.

  • E o vencedor em ano autárquico é… Tony Carreira, mas por pouco

    E o vencedor em ano autárquico é… Tony Carreira, mas por pouco


    Se dantes o ano autárquico era o calendário das inaugurações — a rotunda pintada, o jardim rematado, a piscina municipal com fita para cortar —, em 2025 a música tomou de assalto a praxe. Às vésperas do voto deste domingo, 12 de Outubro, uma boa parte das câmaras e juntas de freguesia abriu os cordões à bolsa para contratar artistas “a rodos”, sob o pretexto das festas populares e de uma programação “gratuita” que, como sempre, sai do dinheiro público.

    Nunca antes — e muito menos em 2021, quando a pandemia tolheu agendas — se assistiu a tal euforia de espectáculos suportados por contratos públicos.

    Em ano de autárquicas, em pouco mais de nove meses, Tony Carreira triplicou a sua receita em comparação com todo o ano de 2024.

    O PÁGINA UM analisou os contratos publicados no Portal BASE até 10 de Outubro, incluindo ajustes directos e concursos para “animação” cultural, considerando os valores sem IVA e, quando o contrato abrangeu vários artistas no mesmo cartaz, atribuindo ao cabeça-de-cartaz o valor médio por actuação em 2025. E encontrou o top 20, por coincidência aqueles que facturaram, este ano, mais de 200 mil euros.

    E, em vez de começarmos de baixo para cima, vamos mesmo para o vencedor do ‘arraial autárquico’: Tony Carreira é o campeão do ano. Trinta concertos contratados por entidades públicas somam 1.332.203 euros, pulverizando as marcas recentes do próprio artista nos anos anteriores: em 2023, tinha facturado 492.050 euros por 13 actuações; no ano passado, 426.901 euros por 11. Além do volume, subiu o cachet médio, que este ano ronda os 44.407 euros por espectáculo (face a cerca de 37.850 em 2023 e 38.809 em 2024).

    Ou seja, Tony Carreira praticamente triplicou a sua facturação, e ainda faltam quase três meses e a Passagem de Ano que sempre dá para encaixar ainda mais do que o cachet habitual.

    Os Calema estão perto de destronar Tony Carreira na preferência dos autarcas.

    A perseguição ao trono está perto e só surpreende quem não percorre a ‘moda musical: dupla são-tomense Calema, que se tornou coqueluche do circuito municipal com pop lusófona de acento dançável, contabiliza 25 concertos este ano, tendo já facturado, segundo as contas do PÁGINA UM, cerca de 1,24 milhões de euros, um cachet médio próximo dos 50 mil euros por concerto. Logo depois surgem os Xutos & Pontapés – decanos do rock português, que assinaram 23 actuações por ajuste directo de autarquias, totalizando 1.125.635 euros, quase tanto quanto os Calema em média por concerto) – e Pedro Abrunhosa, com a sua pop-rock de sala cheia, a igualar o patamar de 30 espectáculos, com os quais facturou um pouco mais de 1,1 milhões de euros, com um cachet médio próximo dos 37 mil euros.

    Estes quatro são os únicos que superaram já a fasquia de um milhão de euros de concertos pagos pelos contribuientes, mas Nininho Vaz Maia — pop de pulsação latina e raízes ciganas — está próximo desses valores. Para já, o ano de 2025 está a correr-lhe de feição em termos de contratos públicos: já contabiliza 22 concertos e uma facturação de 845.174 euros, com um crescimento de 63% face ao ano passado, onde registou 518.191 euros por 12 actuações). Comparando com 2023, quando surgiu em força, a facturação mais do que triplicou e o cachet médio passou de 22 mil euros para 38 mil euros por espectáculo.

    O mapa dos mais contratados pelas autarquias completa-se com nomes que dispensam apresentações e cobrem quase todo o espectro da música popular e da canção de autor.

    Xutos & Pontapés continuam a fazer ‘casinhas’ magníficas para os autarcas que os contratam.

    Na faixa acima do meio milhão de euros estão os Quatro e Meia – o sexteto de antigos estudantes de Coimbra, dos quais três são médicos – registam, neste ano de eleições autárquicas, 15 concertos e 569.086 euros, com um cachet médio de 38 mil euros euros por noite; António Zambujo – um dos mais conhecidos fadistas contemporâneos – que soma 18 espectáculos por 553.307 euros, com o cachet médio a rondar os 31 mil euros); o histórico Rui Veloso com 13 espectáculos e uma facturação de 538.778 euros, onde se destaca o concerto nas escadarias da Assembleia da República; a fadista Mariza que marca este ano em solo lusitano um total de 11 concertos por 514.645 euros, com um cachet médio a rondar os 47 mil euros); e ainda o cantor pop Fernando Daniel que se apresentou em 22 concertos com uma facturação total de 510.686 euros, sendo que, do top 10, é aquele que exige um cachet mais baixo: cerca de 23 mil euros por espectáculo.

    Na segunda metade do top 20, estão cantores e músicos de várias gerações. O 11.ª posição é ocupada por Diogo Piçarra que, por 16 concertos ‘públicos’ facturou 437.584 euros, estando com um cachet próximo dos 27 mil euros, seguindo-se Carolina Deslandes (16 concertos e 385.742 euros), Bárbara Tinoco 15 concertos e 328.314 euros).

    Abaixo dos 300 mil euros surgem Miguel Araújo (13 concertos e 287.588 euros), Carminho (12 concertos e 256.300 euros, incluindo um espectáculo em Osaka pago pelo Turismo de Portugal), Bárbara Bandeira (10 concertos e 254.000 euros), Marisa Liz (15 concertos e 227.252 euros), Toy (17 concertos e 216.233 euros), Jorge Palma (14 concertos e 213.420 euros) e, fechando a lista do top 20, José Cid, que aos 83 anos está para dar e durar: este ano já fez 11 concertos e facturou 200.860 euros.

    Top 20 dos grupos e cantores por valor contratualizado este ano até 10 de Outubro (contratos publicados). Fonte: Portal Base. Analise: PÁGINA UM.

    De fora do top 20, estão outras ‘estrelas’ próximas da fasquia dos 200 mil, como são os casos de Camané (15 concertos e 169.975 euros) e Cuca Roseta (12 concertos e 176.130 euros).

    Comparado com 2021, ano em que o rasto da pandemia ainda impôs cancelamentos e apertos orçamentais, 2025 é assim um desvario programático. Muitos eventos foram apregoados como “gratuitos” para as populações, mas, como sempre, os custos são socializados. Somente os 20 mais activos contabilizam um total de 11,15 milhões de euros. Se incluir IVA, ultrapassa-se os 13,7 milhões de euros. Todos os portugueses pagaram e só alguns assistiram, mas muitos autarcas beneficiaram deste ‘feito’, com dinheiros públicos.

    N.D. (15/10/2025) Foi feita uma correcção na lista inicialmente divulgada, que continha a Marisa Liz duplicada no top 20. No caso desta cantora, surgem contratos com o nome Mariza Liz e outros com Marisa Liz. Deste modo, o top 20 fecha com José Cid.

  • Isaltino contrata empresa de comunicação polémica na véspera das eleições autárquicas

    Isaltino contrata empresa de comunicação polémica na véspera das eleições autárquicas


    As eleições autárquicas realizam-se no próximo Domingo, mas há autarcas que nem esperam pelos resultados eleitorais para fechar contratos chorudos. Foi o que fez Isaltino Morais, edil de Oeiras, que a poucos dias de ir a votos, garantiu a entrega de 174 mil euros a uma empresa para prestar serviços de assessoria de comunicação à autarquia de Oeiras durante um ano.

    A escolhida foi a First Five Consulting (F5C), consultora de comunicação polémica gerida por João Tocha — socialista e maçom —, e que foi fundada por José Manuel Rodrigues, então advogado de André Figueiredo, chefe de gabinete do antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates. Este contrato, assinado esta quinta-feira, com o município de Oeiras é o maior de sempre celebrado pela F5C com entidades públicas.

    Foto: D.R.

    Recorde-se que João Tocha é um dos principais visados num caso em que a Polícia Judiciária investiga suspeitas de concertação de preços e corrupção em concursos públicos de serviços de assessoria de comunicação, segundo noticiou o Observador em Julho de 2024. Um outro empresário investigado foi Luís Bernardo, dono da empresa Wonderlevel Partners (WLP). Em Julho, os empresários e autarquia do Barreiro foram alvo de novas buscas pela Polícia Judiciária no âmbito da Operação Concerto.

    Em Julho do ano passado, uma investigação do PÁGINA UM aos contratos públicos de comunicação revelou que, desde 2008, a F5C tinha celebrado 131 contratos públicos no valor total de 4,96 milhões de euros, estando na segunda posição, atrás da LPM (120 contratos de 6,24 milhões de euros). Na terceira posição estava a F5C com 101 contratos no valor global de 3,9 milhões de euros. Meses mais tarde, em Março deste ano, o Expresso e a SIC contabilizara os contratos apenas associados com autarquias, concluindo que a F5C e a WLP conseguiram perto de metade do total.

    A única outra empresa que concorreu a este concurso foi a Plot e Print – Publicidade e Design, com sede em Coimbra, uma sociedade por quotas gerida por António Luís da Conceição Ferreira Henriques. Esta empresa não tem, no seu objecto social, qualquer actividade relacionada com comunicação ou relações públicas.

    João Tocha, gestor da F5C. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo do canal Now

    O contrato tem como objecto a “aquisição de serviços especializados em consultoria de comunicação, assessoria de imprensa e marketing digital”, remetendo os detalhes para o caderno de encargos, o qual, como é habitual, não está disponível para consulta, contrariando as melhoras práticas de transparência na contratação pública.

    Contudo, num dos anexos do programa do concurso, consultado pelo PÁGINA UM, são apontadas as especificidades técnicas dos serviços a contratar e inclui a “definição de estratégia e plano de comunicação, por forma a aumentar a notoriedade e a reputação positiva do município e do executivo municipal”.

    A F5C também vai prestar “apoio na selecção e criação de conteúdos para suportes de contacto com os munícipes, nomeadamente: boletim municipal, folhetos, cartas do presidente aos munícipes”.

    Câmara Municipal de Oeiras. / Foto: D.R.

    Dois consultores seniores da F5C irão desempenhar funções nas instalações do município de Oeiras, a tempo inteiro, num contrato que corresponde a uma despesa mensal de 14.500 euros para o município. Ficarão “responsáveis pela consultadoria de comunicação e assessoria de imprensa e coordenação do núcleo de marketing digital, em articulação com o gabinete da presidência e com o gabinete de comunicação”.

    Entre os serviços a prestar, estes dois consultores terão ainda de fazer a “antecipação, prevenção e gestão de crises” da autarquia.

    Este contrato é 144º que a F5C ganha junto de entidades públicas, segundo dados do Portal Base. Ao todo, a empresa já facturou perto de 5,5 milhões de euros em contratos públicos, desde 2008. Somando o IVA, foram mais de 6,7 milhões de euros que entraram nos cofres da F5C em dinheiro dos contribuintes.

    Contratos adjudicados pelo município de Oeiras à F5C publicados no Portal Base.

    Este ano, a consultora ganhou oito contratos públicos, na maioria com autarquias ou entidades municipais, mas também um contrato com a Universidade Nova de Lisboa, no valor de 88.560 euros. Mas o contrato agora obtido com Isaltino Morais é o maior do ano e o maior de sempre.

    No total, a F5C assinou já quatro contratos com o município de Oeiras. Em Março deste ano, ganhou um contrato por ajuste directo referente à “aquisição de serviços de branding – Oeiras Life Sciences Campus”, no valor de 14.760 euros. Antes, ganhou um contrato em 2021, no valor de 87.822 euros, através de um procedimento de consulta prévia, para prestar serviços de assessoria de comunicação. Em 2018, tinha ganho um contrato similar, de 88.560 euros, com a autarquia, através do modelo de ajuste directo.

  • ‘Flop’: 99% dos adolescentes não querem ler jornais portugueses… nem de borla

    ‘Flop’: 99% dos adolescentes não querem ler jornais portugueses… nem de borla


    Nem dado. O programa de ofertas digitais de jornais para jovens entre os 15 e os 18 anos está a revelar-se um rotundo fracasso, de contornos pouco abonatórios tanto para o Governo, que o concebeu, como para as empresas de comunicação social, que se revelaram incapazes de despertar o interesse de uma geração inteira que já nasceu em plena era digital.

    Prometido em Outubro do ano passado por Pedro Duarte, então ministro dos Assuntos Parlamentares e hoje candidato social-democrata à Câmara do Porto, o programa, gerido pela Estrutura de Missão para a Comunicação Social (#PortugalMediaLab), pretendia oferecer gratuitamente até 400 mil assinaturas digitais, por um prazo de dois anos, a jovens entre os 15 e os 18 anos, em jornais ou revistas digitais de informação geral ou económica. A ideia era ambiciosa: aproximar adolescentes do jornalismo profissional e fomentar hábitos de leitura informativa.

    woman sitting on sofa holding book

    Contudo, a execução ficou muito aquém das intenções. Os jornais interessados tinham de ter periodicidade semanal ou inferior e subscrições pagas, o que automaticamente excluiu o PÁGINA UM, por ser um projecto de acesso livre, mas também outros órgãos que não trabalham com sistemas de paywall.

    O programa arrancou em Maio deste ano, permitindo a cada jovem escolher apenas uma publicação, entre os títulos aderentes, através de inscrição online no portal gov.pt, presencialmente ou por via telefónica. Apesar da simplicidade prometida, o processo revelou-se burocrático, com validações sucessivas, códigos de activação e pouca divulgação fora dos canais institucionais.

    Cinco meses depois, o resultado é desolador: apenas 4.442 jovens activaram assinaturas digitais, segundo dados oficiais. Tendo em conta que, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, existiam 418.682 adolescentes na faixa etária abrangida, significa que apenas 1,06% aderiu ao programa — ou seja, menos de 11 por cada mil potenciais beneficiários. A esmagadora maioria ignorou a oferta, mesmo sendo gratuita, o que levanta sérias dúvidas sobre a eficácia das políticas públicas de incentivo à leitura mediática.

    Num cenário negro, o Expresso lidera procura jovem com 1.592 assinaturas digitais, mas não se sabe a percentagem destes acessos que acabam usados pelos pais.

    Os dados por publicação são ainda mais reveladores do desinteresse. O Expresso ‘lidera’ com apenas 1.592 assinaturas, embora nada garanta que sejam efectivamente lidas por jovens e não pelos pais, que poderão ter aproveitado a oportunidade. Esse impacto, aliás, nunca foi avaliado pelo programa. O Observador surge em segundo lugar, com 1.066 assinaturas, seguido do Público com 911, número simbólico face aos custos do desenvolvimento da plataforma GenP, criada para atrair novos leitores.

    Nas restantes publicações, o panorama é quase residual. A Visão regista 382 subscrições, a Sábado 132 e o Jornal de Notícias 121. Abaixo das 100 adesões estão o Correio da Manhã (94), o Diário de Notícias (50), o Jornal Económico (47), o Eco (35) e a Vida Económica (11). No conjunto, estas cifras representam receitas mensais inferiores a 500 euros por título, tornando a participação no programa marginalmente relevante do ponto de vista financeiro.

    “Na fase actual considera-se uma adesão inferior à esperada”, admite uma fonte governamental ao PÁGINA UM, sublinhando que a avaliação ainda não permite identificar as causas concretas do insucesso. A dúvida divide-se entre a falta de interesse dos jovens em consumir informação jornalística e a ausência de uma estratégia de divulgação eficaz. Na prática, a maioria das publicações não investiu em promover a iniciativa, talvez antecipando o seu desfecho.

    Segundo a mesma fonte, o Governo aguarda o fim do período eleitoral para “avaliar o impacto da medida e a sua divulgação”, lembrando que nos últimos meses estava legalmente impedido de lançar campanhas institucionais devido às restrições impostas pelas eleições legislativas e europeias. O programa prolonga-se até 31 de Dezembro.

    Diário de Notícias, liderado por Filipe Alves, fechou o primeiro trimestre de 2025 com 723 assinaturas digitais. Com o programa de incentivo à literacia mediática para jovens conseguiu 50 assinaturas.

    No entanto, essa justificação dificilmente explica um desastre desta dimensão, tanto mais que o público-alvo é altamente digitalizado e deveria ser fácil de alcançar através de redes sociais, escolas e parcerias educativas.

    A ironia é evidente: um programa concebido para aproximar os jovens dos media acabou por expor o fosso geracional e a irrelevância crescente da imprensa tradicional junto das novas gerações. Se nem quando o jornal é oferecido de graça o público juvenil se mostra interessado, a crise estrutural do sector assume contornos ainda mais graves — não apenas financeiros, mas também culturais e democráticos.

  • Município das Caldas gasta 145 mil euros para ficar com “espólio” de dois jornais, mas não revela o que comprou

    Município das Caldas gasta 145 mil euros para ficar com “espólio” de dois jornais, mas não revela o que comprou


    A Câmara Municipal das Caldas da Rainha decidiu transferir 145 mil euros a dois jornais “da terra” justificando-o como aquisição de “espólio documental”, mas não são revelados detalhes daquilo que efectivamente adquiriu.

    Em causa estão duas despesas no espaço de um ano, e num período que antecede as eleições autárquicas, que beneficiam dois periódicos locais, a Gazeta das Caldas e o Jornal das Caldas. A autarquia é liderada desde finais de 2021 por Vítor Marques, antigo presidente social-democrata da União de Freguesias das Caldas da Rainha (Nossa Senhora do Pópulo, Coto e São Gregório), mas eleito para a Câmara Municipal como independente. E recandidata-se para as eleições do próximo mês de Outubro, com o apoio do Partido Socialista.

    Close-up view of stacked newspapers tied with twine, ideal for recycling and storage concepts.
    Foto: D.R.

    A primeira despesa do município caldense foi feita em 9 de Setembro do ano passado. A autarquia pagou à dona da Gazeta das Caldas, a Cooperativa Editorial Caldense, o montante de 100.280 euros, excluindo o IVA. Segundo os dados desta aquisição que constam a plataforma de registo de compras públicas, o Portal Base, o objecto do negócio foi a “aquisição de espólio documental – arquivo histórico Gazeta das Caldas”.

    Mas o município não fez nenhum contrato escrito, invocando o artigo 95.º do Código dos Contratos Públicos relativo a “locação ou aquisição de bens móveis ou de serviços”. Assim, não existem detalhes sobre esta aquisição, designadamente que tipo de documentos foram comprados e como foram avaliados. Também se desconhece onde é que a autarquia está a armazenar o “arquivo” comprado à Gazeta das Caldas e o que pretende fazer com ele.

    A segunda despesa foi efectuada no dia deste mês de Setembro e envolveu o pagamento de 44.490 euros à Medioeste com a justificação de se tratar da “aquisição de espólio documental do Jornal das Caldas”. Também neste caso não foi efectuado qualquer contrato escrito e também não existem dados sobre o tipo de documentos que foram adquiridos pela autarquia.

    Foto: D.R. / Museu Bordalo Pinheiro

    A Gazeta das Caldas completa no próximo dia 1 de Outubro o seu centenário. Foi fundado em 1925 e terá um arquivo vasto. Já o Jornal das Caldas foi fundado em 1992. Assim, pelo menos no caso da Gazeta das Caldas, a autarquia poderá ter desejado ficar com alguns documentos históricos em termos da imprensa da região. Mas o quê? Ninguém quer dizer.

    O PÁGINA UM questionou o presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha sobre o que foi adquirido a estes dois jornais. Também quisemos saber o que a autarquia pretende fazer com os “espólios” adquiridos e onde estão armazenados. Até à publicação desta notícia ainda não recebemos qualquer resposta. Saliente-se que toda a documentação associada a estas aquisições, incluindo lista de bens, sua avaliação monetária e destino, são documentos administrativos, susceptíveis de serem solicitados por qualquer cidadão.

    Segundo António Salvador, proprietário da Medioeste – que, além da Jornal das Caldas, gere o Jornal Mais Oeste e Jornal Região da Nazaré -, a aquisição do espólio documental dos dois jornais do concelho “visam salvaguardar o acervo documental destes, antes que fechem, face à crise do sector, tendo sido iniciativa do outro jornal (Gazeta) junto do município”. Salientou ainda que as despesas foram aprovadas pelo “Executivo por unanimidade e deliberado pela Assembleia Municipal, com três forças políticas na Câmara e quatro na Assembleia Municipal”.

    Foto: D.R.

    Certo é que as verbas pagas pelo município das Caldas aos donos dos dois jornais “da terra” ocorreram no último ano, coincidindo com o período que antecede as próximas eleições autárquicas.

    Para as empresas proprietárias dos dois jornais, o dinheiro veio mesmo a calhar. A Medioeste fechou o ano de 2024 com um prejuízo de 70.260 euros depois de obter receitas de 108 mil euros. Assim, a verba que recebeu este mês da autarquia das Caldas de Rainha corresponde a 41% das receitas totais obtidas no ano passado. A não ser que este ano a Medioeste tenha receitas muito superiores às do ano passado, a empresa terá de registar o município das Caldas da Rainha como “cliente relevante” no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

    Acresce que a Medioeste recebeu, no passado dia 12 de Agosto, a verba de 13.940 euros da mesma autarquia a título de “aquisição de publicidade” no Jornal das Caldas, o que representa mais de 10% do total, devendo também ficar registado no Portal da Transparência dos Media.

    Organized filing cabinets stacked with indexed books in a library setting.
    Foto: D.R.

    No caso da dona da Gazeta das Caldas, ainda não houve registo das contas de 2024 no Portal da Transparência. Porém, em 2023, teve um lucro de 42.831 euros e receitas de 393 mil euros. Se as receitas registadas em 2024 forem da mesma ordem, somando a verba recebida da autarquia das Caldas, significa que o montante do encaixe da venda do “arquivo” da Gazeta das Caldas terá superado os 20% das receitas, o que também obriga a registo na ERC da autarquia como “cliente relevante”.

    Acresce que a autarquia pagou à dona deste jornal, no passado dia 12 de Agosto, o montante de 19.045 euros, para a compra de publicidade na Gazeta das Caldas.

    printing machine
    Foto: D.R.

    Se não restam dúvidas sobre a importância da preservação de arquivos e acervo documental com valor histórico, também se levantam questões sobre se ónus das facturas a pagar para tapar a crise na imprensa, seja ela regional ou nacional, deve sair do bolso do Zé Povinho, ou seja, dos contribuintes.

    No caso destes dois jornais, a factura paga só no último ano pelos contribuintes para a compra de “espólios” e publicidade foi de 178 mil euros, excluindo o IVA. E se estas dependências do poder local nas contas da imprensa regional não são depois reflectidas num portal gerido pelo regulador sobre a transparência dos financiamentos, resta perguntar para que serve esse portal.

  • Debate de Alexandra Leitão no clube de elite JNcQUOI ficou em ‘águas de bacalhau’

    Debate de Alexandra Leitão no clube de elite JNcQUOI ficou em ‘águas de bacalhau’


    Aquilo que ontem era dado como certo — um encontro privado com Alexandra Leitão, promovido pelo exclusivo JNcQUOI Club e moderado por António Costa, director do Eco —, hoje já não existe, e amanhã, dia previsto para o evento, muito menos: ficou tudo em ‘águas de bacalhau’.

    Sem qualquer aviso público, o evento que colocava a candidata do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda e do Livre a debater os problemas da cidade de Lisboa com membros do selecto clube privado dinamizado por Paula Amorim, CEO da Galp Energia, foi cancelado discretamente e as referências apagadas do site oficial do clube, como se nunca tivesse sido anunciado. Apenas o registo feito pelo PÁGINA UM, ontem às 15h59m50s, através da plataforma Archive.ph, comprova a sua divulgação até ontem de um evento que estava previsto para as 19 horas desta terça-feira.

    Alexandra Leitão, candidata do Partido Socialista, do Livre (com Rui Tavares, ao fundo) e do Bloco de Esquerda.

    Intitulado “Lisbon Decides – Encontro com Alexandra Leitão”, o evento colocaria a ex-ministra e candidata da coligação “Viver Lisboa” — que junta PS, Bloco de Esquerda e Livre — perante os sócios de um dos clubes mais restritos e elitistas de Lisboa.

    A escolha do palco já levantava contradições políticas evidentes: uma candidata apoiada por partidos que se reivindicam da proximidade ao cidadão comum aceitava expor o seu programa perante uma plateia de acesso vedado à generalidade da população, mediante quotas anuais de 2.750 euros e regras de exclusividade que incluem dress code e proibição de fotografias.

    Agora, o súbito apagamento da agenda deixa novas interrogações. O PÁGINA UM tentou esclarecer os motivos deste repentino cancelamento, imediatamente após a nossa notícia deste domingo, junto da campanha de Alexandra Leitão, da direcção do JNcQUOI Club e do próprio jornal Eco, cujo director iria moderar e promover a sessão. Até ao momento, não houve qualquer resposta. Sabe-se, porém, que amanhã, pelas 22 horas, se realizará um debate entre Alexandra Leitão e Carlos Moedas na CNN Portugal, mas esse horário era compatível com o evento no clube que deveria terminar pelas 20 horas.

    Evento foi apagado do site do JNcQUOI, mas não da memória digital.

    A raridade de eventos políticos no clube de Paula Amorim reforça a estranheza. Para 2025, apenas se realizou um encontro desta natureza, em Abril, com o candidato presidencial Gouveia e Melo. A ausência de qualquer justificação pública para o cancelamento e a eliminação digital do registo da iniciativa — em contraste com outras actividades do clube, que permanecem visíveis na agenda — alimentam a suspeita de um recuo estratégico.

    Aquilo que agora que resta é o silêncio: de Alexandra Leitão, dos partidos que a apoiam, do clube de elites da Avenida da Liberdade e do jornal cujo director se preparava para moderar o encontro. A tentativa de aproximação à finança lisboeta, que ontem parecia clara, foi hoje riscada do mapa — mas não da memória digital.

  • Alexandra Leitão no JNcQUOI: candidata do PS, Bloco e Livre em encontro sobre Lisboa em versão ‘members only’

    Alexandra Leitão no JNcQUOI: candidata do PS, Bloco e Livre em encontro sobre Lisboa em versão ‘members only’


    Alexandra Leitão, candidata da coligação “Viver Lisboa” – que juntou o Bloco de Esquerda e o Livre ao Partido Socialista – vai ser a ‘convidada de honra’ de um encontro privado promovido pelo clube de elite JNcQUOI, em plena Avenida da Liberdade, na próxima terça-feira, apenas com acesso a membros seleccionados.

    O JNcQUOI Club, fundado em 2019 pela empresária Paula Amorim, chairman da Galp Energia, é conhecido como espaço de sociabilidade restrita para empresários e gestores de topo da finança portuguesa e africana. Para se ser membro, por norma, tem de se pagar uma anuidade de 2.750 euros.

    O regulamento do clube define um ambiente de luxo e exclusividade, aberto apenas a maiores de 18 anos, em que os membros respondem pelos consumos e comportamento dos seus convidados, que só podem aceder acompanhados. O uso de telemóveis é restrito a áreas designadas e sempre em silêncio, estando proibidas fotografias ou gravações sem autorização. Só é permitido fumar nos terraços e no DiscoLounge.

    Existe ainda um dress code formal: nada de calças rasgadas, roupa de ginásio, chinelos ou bonés; para senhoras é encorajado traje de cocktail. O número de convidados é limitado (três por membro anual, um por membro júnior), exigindo reservas adicionais para ultrapassar esse limite. Animais de estimação não são permitidos, e aconselha-se um equilíbrio entre presença masculina e feminina.

    A programação habitual privilegia jantares exclusivos, provas de vinho, concertos privados ou apresentações empresariais. Para as últimas duas semanas de Setembro, a agenda do JNcQUOI anuncia, além do encontro com Alexandra Leitão (23 de Setembro), uma prova de vinhos da Adega do Monte Branco com Luís Louro (no dia 24), um espectáculo de música com DJ RALØ (dia 25), o programa executivo “Future Frequency” (também no dia 25), um DJ Live Act com Mimanem (no dia 26), um jantar-concerto intitulado License to Sing – The Songs from 007 (também no dia 26), uma noite de rock dos anos 80 com DJ Jay Lion (no dia 27) e, já a 30, um almoço-conversa sob o mote Objectos de Culto: Como o design transforma as nossas vidas.

    Alexandra Leitão é a candidata do Partido Socialista, Bloco de Esquerda e Livre.

    O aparecimento de Alexandra Leitão no clube surge assim lado a lado com iniciativas de lazer e de carácter corporativo, mantendo o mesmo rótulo de exclusividade: members only, embora ainda seja exigida aos membros uma marcação prévia com “um valor associado”.

    Os eventos de natureza política são, na verdade, bastante raros no clube criado pela empresária Paula Amorim. Por exemplo, este ano, apenas em Abril ocorreu um encontro selecto do mesmo género, então com a participação do candidato presidencial Gouveia e Melo, numa sessão apresentada como conversa sobre “liderança ética e responsabilidade partilhada”.

    O evento com a ex-ministra socialista da Administração Pública – apoiada pelos partidos de Mariana Mortágua e de Rui Tavares, numa tentativa de ‘destronar’ Carlos Moedas – realiza-se na próxima terça-feira, pelas 19 horas, e será intermediado por António Costa, director do site informativo empresarial Eco, sendo intitulado “Lisbon Decides – Encontro com Alexandra Leitão”.

    De acordo com a divulgação feita pelo clube, Alexandra Leitão é apresentada como a “principal alternativa a Carlos Moedas” para a liderança da Câmara de Lisboa, comprometendo-se a defender uma cidade “mais justa, mais acessível e mais verde”, com o objectivo de atrair “talento, investimento e turismo de qualidade”.

    O debate terá previsivelmente uma hora de duração e anuncia-se que serão abordados temas como habitação, mobilidade, turismo, sustentabilidade, atractividade económica e governação da cidade.

    A candidata apoiada por partidos que se apresentam como voz dos cidadãos comuns – Bloco de Esquerda e Livre – escolhe assim um espaço vedado à generalidade da população, sendo um gesto político que pode ser lido como sinal de aproximação às elites empresariais.

    Paula Amorim, chairman da Galp Energia, criou o JNcQUOI como clube de elite.

    Até agora, não consta na agenda do JNcQUOI qualquer sessão semelhante com Carlos Moedas nem com outros candidatos à presidência da Câmara de Lisboa, o que torna a presença de Alexandra Leitão ainda mais singular no calendário selecto deste clube.

    Por outro lado, no site e nas redes sociais da coligação “Viver Lisboa”, e da própria Alexandre Leitão, este encontro com a elite financeira não consta ainda na agenda e, segundo apurou o PÁGINA UM, será também vedado à imprensa, uma vez que se trata de um evento de natureza privada.

  • Reconduzido, exonerado e promovido: Durão Barroso Jr. andou por um carrossel de despachos administrativos

    Reconduzido, exonerado e promovido: Durão Barroso Jr. andou por um carrossel de despachos administrativos

    Diz-se que filho de peixe sabe nadar. No caso de Luís António Sousa Uva Durão Barroso, filho do antigo primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso, talvez seja mais adequado dizer que “filho de cherne” sabe mover-se furtivamente por entre cardumes governamentais. O seu percurso recente nos gabinetes ministeriais dos Governos Montenegro é um caso exemplar de como a burocracia portuguesa consegue transformar o simples em rocambolesco, criando um enredo de despachos assinados em dias diferentes, com efeitos retroactivos absurdos e publicações desencontradas no Diário da República.

    Comecemos pelo ponto de partida: em Abril de 2024, Luís Durão Barroso – nascido em 1983 e que entrou directamente para os quadros do Banco de Portugal em 2014 depois de terminar o doutoramento em Direito em Londres – foi contratado como técnico especialista do ministro das Finanças, Miranda Sarmento.

    ´Luís Durão Barroso em foto do seu perfil do LinkedIn.

    Este ano, por força das eleições, e mantendo-se Miranda Sarmento no cargo, surgiram os despachos de recondução para os membros do gabinete que o ministro assim entendeu. Deste modo, no passado dia 27 de Junho, Luís Durão Barroso foi reconduzido como assessor através de um despacho ministerial, indicando que tinha efeito a 5 de Junho – ou seja, o dia de posse do segundo Governo Montenegro. Essa decisão só foi publicada em letra de forma no Diário da República no dia 3 de Julho.

    Até aqui, aparentemente nada de estranho – sucede com dezenas de outros casos. Mas o detalhe está num pormenor: quando o despacho de Miranda Sarmento foi assinado no dia 27 de Junho, já Durão Barroso não trabalhava nas Finanças, uma vez que já tinha dado um salto para outro ministério. Com efeito, a 16 de Junho de 2025, o filho do antigo presidente da Comissão Europeia tornou-se chefe de gabinete da ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral. E, para aumentar a confusão burocrática, esse despacho da antiga provedora de Justiça foi igualmente assinado no dia 27 de Junho.

    Portanto, no mesmo dia em que Miranda Sarmento reconduzia Luís Durão Barroso como assessor nas Finanças, estava Maria Lúcia Amaral a selar a sua nomeação para a chefia do gabinete, embora a publicação tivesse saído no Diário da República apenas a 10 de Julho.

    Miranda Sarmento assinou despacho de recondução quando já sabia que filhode Durão Barroso estava exonerado de facto.

    Temos, portanto, o seguinte quadro: no Diário da República de 3 de Julho, Luís Durão Barroso aparecia ainda reconduzido nas Finanças; no Diário da República de 10 de Julho, surgia já como chefe de gabinete da ministra da Administração Interna; e só no Diário da República de 4 de Agosto é que se publicou a exoneração do cargo nas Finanças, salientando que tinha sido “a pedido do próprio”, assinada a 14 de Julho por Miranda Sarmento. Mas essa exoneração, para não destoar, também tinha efeitos retroactivos: 16 de Junho, o mesmo dia em que começara funções na Administração Interna.

    Na verdade, na data em que Miranda Sarmento reconduziu Durão Barroso Jr., já este estava de facto exonerado, porque tomara posse entretanto como chefe de gabinete da ministra Maria Lúcia Amaral. Só mais tarde, o despacho com as retroactividades habituais tentaram limpar a confusão.

    Em resumo, nesta nebulosa novela em novelos: Luís Durão Barroso foi oficialmente reconduzido nas Finanças a 5 de Junho; passou a chefe de gabinete da Administração Interna a 16 de Junho; foi reconduzido por despacho assinado a 27 de Junho, publicado a 3 de Julho; foi nomeado chefe de gabinete em despacho assinado também a 27 de Junho, mas só publicado a 10 de Julho; e foi exonerado das Finanças a 14 de Julho, com efeitos retroactivos a 16 de Junho, despacho esse apenas publicado a 4 de Agosto. Um verdadeiro carrossel administrativo onde cada data parece desmentir a anterior.

    A imprensa, como não podia deixar de ser, tropeçou na confusão. Por exemplo, o Correio da Manhã, na sua edição do passado dia 5 de Agosto, noticiou apenas a exoneração do filho de Durão Barroso das Finanças para a chefia do gabinete do Ministério da Administração Interna, sublinhando que a saída se dera “a seu pedido”. Porém, o jornal não reparou que, quando deu a notícia, Luís Durão Barroso já estava há quase dois meses no gabinete de Maria Lúcia Amaral.

    Este episódio mostra mais do que a ligeireza de uma redacção apressada: revela a própria natureza da gestão da “coisa pública”. O cruzamento de despachos assinados no mesmo dia com efeitos diferentes, publicações em datas desencontradas e exonerações retroactivas compõem um retrato fidedigno da opacidade e da desorganização que grassam na administração portuguesa. É um jogo de papéis em que ninguém parece preocupado com a transparência ou a clareza. Aquilo que importa é que, no fim, os lugares se acomodem — e os nomes, sobretudo se tiverem peso histórico, encontrem sempre poiso.

    Maria Lúcia Amaral, ministra da Administração Interna, nomeou

    Para completar a ironia, há ainda a memória do percurso paterno. José Manuel Durão Barroso, antes de chegar a ministro e a primeiro-ministro, e depois a presidente da Comissão Europeia, passou precisamente pelo Ministério da Administração Interna: em 1985, foi secretário de Estado Adjunto do ministro Eurico de Melo, no primeiro governo de Cavaco Silva. Mas o Durão Barroso sénior contava então 29 anos. Quarenta anos depois, o filho repete a presença no mesmo ministério, mas apenas como chefe de gabinete e já com 42 anos. Mesmo assim, ainda a tempo de singrar na política…

    Enfim, se o leitor se sente confuso, é natural: essa é a consequência da forma como os governos portugueses fazem da burocracia um labirinto. Quem entra, nunca sai sem se perder. E no caso de Luís Durão Barroso, filho de um peixe que nunca se afoga, parece que a travessia entre Finanças e Administração Interna foi feita sem ondas — mesmo que o rasto no Diário da República seja digno de uma novela kafkiana.