Categoria: Hora Política

  • ‘À direita, não houve nenhum líder como Francisco Lucas Pires’

    ‘À direita, não houve nenhum líder como Francisco Lucas Pires’

    Prematuramente falecido aos 54 anos, em 1998, Francisco Lucas Pires é hoje um dos históricos do CDS-PP, a par de Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa e Adriano Moreira. Mas deixou sobretudo um legado de intelectual, visionário, percursor da direita liberal em Portugal que o advogado e escritor Nuno Gonçalo Poças quis perpetuar através de uma biografia. Para esta extensa biografia do antigo presidente do CDS-PP, que se destacou também como eurodeputado, o seu biógrafo acompanha a vida de Lucas Pires desde que o político conimbricense veio ao mundo, em 1944, até à data da sua morte. Com este O Príncipe da Democracia, Nuno Gonçalo Poças pretende ressuscitar o pensamento e ideais de Lucas Pires para o debate público.


    Francisco Lucas Pires foi presidente do CDS-PP e teve um papel importante na direita portuguesa, mas não é um nome tão sonante como Sá Carneiro ou Adelino Amaro da Costa, por exemplo. Ainda assim, a sua relevância política é comparável?

    Eu não tenho bem a certeza das razões pelas quais ele não é tão lembrado como o Sá Carneiro ou o Adelino Amaro da Costa. Consigo imaginar… As pessoas quase que ainda se lembram mais do Adelino Amaro da Costa do que do Freitas do Amaral, por causa da questão da morte; acho que tem mais a ver com isso. E o Lucas Pires também não foi assim tão recordado pelo CDS porque saiu do partido. Portanto, acho que isso também pesou um bocadinho. Mas, de qualquer das formas, diria que o legado político e partidário, e até mais mediático, do Lucas Pires não é comparável ao de Sá Carneiro, de Mário Soares, de Freitas do Amaral ou até o do Álvaro Cunhal; porque foram as figuras de destaque num período, não de transição, mas de afirmação da democracia. Por isso, apesar de tudo, Lucas Pires foi, politicamente, uma figura mais secundária, e só se tornou uma figura de primeira linha quando se tornou presidente do CDS, pela própria inevitabilidade da posição que tinha. Contudo, intelectualmente, filosoficamente e ideologicamente, acho que ele foi, para o campo da direita democrática, muito mais importante do que qualquer um dos outros.

    Era um política que valia sobretudo pelas suas ideias?

    Sobretudo por causa daquilo que pensava e escrevia, e da maneira como o transmitia. Mas se hoje olharmos para aquilo que foi o programa político da coligação PàF em 2015, do PSD em 2011, e do CDS em 2011, em 2009, em 2005, e em 2001-2, quando o Durão Barroso foi candidato a primeiro-ministro, que tinha um programa mais liberal, e até para o programa da Aliança Democrática [AD] em 2024, não é muito diferente daquilo que era o programa do Grupo Ofir de 1985 – a matriz está lá toda. Depois, há uma série de propostas em concreto que são adaptadas aos tempos, mas a matriz ideológica vem sobretudo dali. E acho que o grande mérito dele é esse, e por isso é que também acho que é importante recuperá-lo. Para quem quiser perceber qual é o campo da direita democrática, ideologicamente e politicamente, e sobretudo numa altura em que a direita se voltou a abrir mais à direita, digamos assim, acho que é importante recuperar a ”fonte” disto tudo. Obviamente que não foi o Lucas Pires que inventou o liberalismo, mas…

    Nuno Gonçalo Poças

    Se fosse vivo, acha que ele poderia identificar-se com um partido como a Iniciativa Liberal?

    Acho que não.

    Porque apesar de ser da direita liberal, tinha ideias mais conservadoras?

    Sim; e antes de mais, o Lucas Pires era católico e tinha uma presença cristã muito forte na vida dele. Acho muito difícil colar um rótulo ao Lucas Pires; é mais fácil dizer que era uma pessoa de direita, e que era liberal, mas isso é uma simplificação muito grande daquilo que era o pensamento dele. Porque acima de tudo, acho que foi um actor político intelectual mais do que a maioria dos políticos foram. A maioria dos políticos que tivemos foram mais intérpretes do que actores, e ele foi um actor e um criador.

    Lucas Pires já defendia, por exemplo, a criação de um Tribunal Constitucional.

    Sim, ele defendia a criação do Tribunal Constitucional já antes do 25 de Abril. E ele tem também um texto interessante sobre o poder local e a maneira como as autarquias se organizam.

    Onde até critica o Partido Socialista?

    Sim, e aquilo é um texto de 1976 que continua actualíssimo, porque não mudou rigorosamente nada. Todas as críticas que ele fazia naquela altura continuam actuais.  E esse pensamento parte de uma base liberal no sentido em que, para o Lucas Pires, toda a base do pensamento é o homem enquanto centro da actividade política.

    A tal antropocracia que defendia?

    Exactamente; a ideia da soberania do Homem antes da soberania do Estado. Por exemplo, em relação a essa questão do poder local, [ele] parte desse princípio da soberania do Homem e da maneira como as próprias cidades e comunidades são organizadas, e de que o homem é o centro do poder político. E, ao mesmo tempo, parte de uma matriz quase social-cristã daquilo que ele acha que deve ser a organização de uma sociedade. Portanto, há aqui uma mistura de influências e também um lado criativo que o leva a apresentar propostas, na maioria das vezes, antes do tempo; antes delas sequer chegarem a ser equacionadas ou implementadas. E estamos a falar de coisas com 10, 20 ou 30 anos de antecipação, e que a maioria delas continua muito actual. Acho, por exemplo, que não teria havido a revisão constitucional de 1982 sem ele; não teria havido o fim do Conselho da Revolução e o regresso dos militares aos quartéis sem o seu papel e sem a força do pensamento dele; e não teria havido a revisão constitucional de 1989, com o fim da irreversibilidade das nacionalizações e a liberalização do sector económico. Portugal também não teria aderido à moeda única sem o papel que ele teve. Talvez tivesse aderido à Comunidade Europeia porque foi uma coisa um bocadinho mais consensual, mas ainda assim, o papel dele foi bastante importante. Em 1974-75, ele era das poucas pessoas que, de facto, entendia que Portugal já estava num bloco europeu e que Portugal devia ser um país europeu. E nessa altura, o país ainda não estava propriamente aí; uma boa parte das pessoas achava que Portugal devia estar sob a esfera da União Soviética, e outra parte do país – talvez uma minoria mais ruidosa – achava que Portugal devia estar na rota do Terceiro Mundo, quase.

    Era um europeísta convicto, e nesse aspecto, até se distanciou de uma direita mais nacionalista?

    Ou de uma direita mais soberanista, que apareceu quase por oposição a ele. Ou seja, se calhar, há uma inversão de termos. Mas acho que o europeísmo dele também partia exactamente desse princípio da soberania do Homem e não da soberania do Estado. E no fundo, ele achava que a construção de uma democracia europeia não podia ser uma democracia com um cariz tecnocrático, e que o Parlamento Europeu devia ter muito mais relevância, muito mais força e mais competências; muito mais poder decisão do que tinha, e até ainda do que tem hoje, precisamente com base nessa lógica – o Parlamento Europeu era, de facto, quem representava o povo europeu directamente, e não os governos representados proporcionalmente no Conselho Europeu.

    Acha que ele veria com bons olhos a União Europeia actual? Corresponde ao modelo que ele defendia?

    Acho que não. Isto é um bocadinho contrafactual e tentar-me pôr na cabeça de uma pessoa que morreu há 25 anos, e já aconteceram imensas coisas que ele não viu. Mas, tendo em conta aquilo que ele pensava e que deixou escrito nos últimos anos, acho que ele não teria deixado de ser um europeísta.

    Ele defendia uma União Cultural da Europa, certo?

    Sim, e percebia que a Europa podia ser um mercado único, mas não podia ser só um mercado único.

    Era apologista de um Estado federal da Europa?

    Não era bem um Estado federal. Acho que, mesmo aqui, reduzir o Francisco Lucas Pires a um federalista também é um bocadinho redutor; porque a visão dele para a Europa é uma visão absolutamente criativa e inovadora, que foge a essa disputa dos soberanistas e dos federalistas. Ele percebia que conseguia afirmar uma espécie de nacionalismo através de uma federação de Estados, numa lógica em que Portugal estaria muito mais representado no espaço europeu, no Parlamento Europeu, do que não estando lá. Ou seja, num mundo em processo de avanço da globalização e de grandes blocos políticos, económicos e até militares, ele percebia que a grande força da Europa dos portugueses só podia ser veiculada dessa maneira. E há algumas coisas interessantes. Por exemplo, aquilo que ele dizia relativamente à necessidade de a Europa ter um poder militar por ela própria e não ficar dependente da NATO, e da importância que isso tinha relativamente àquilo que a Rússia podia vir a sentir à medida que a NATO se ia alargando a Leste – é uma coisa muito interessante, e não é um texto, foi um relato oral que ele fez para uma rádio em 1995. 30 anos depois, estamos exactamente aí.

    E ele começa a divergir do CDS, e sai do partido, em 1991, em colisão com Manuel Monteiro, que tinha uma visão muito mais eurocéptica?

    Ele sai do CDS ainda antes de Manuel Monteiro ser presidente. Ele percebe que o CDS, para continuar a existir naquela altura, tinha de passar a ser outra coisa completamente diferente. Portanto, percebendo que o rumo do CDS só podia ser esse e que ele não se identificaria com ele, resolve sair. E depois, Manuel Monteiro foi eleito presidente e apostou numa política um bocadinho mais soberanista, contra o Tratado de Maastricht, que até acaba por ter sucesso eleitoral. Porque em 1995 o CDS recupera muitos deputados que tinha perdido em 1987 e 1991.

    Quando Lucas Pires esteve à frente do CDS, entre 1983 e 1985, as eleições legislativas não lhe correram muito bem.

    Sim, em 1985. Mas depois foi candidato às eleições europeias em 1987 e teve um bom resultado. Houve eleições legislativas e europeias no mesmo dia e o CDS, com ele, faz uma campanha quase unipessoal, e para as europeias consegue 16 ou 17%, e nas legislativas, no mesmo dia, tem só 4%. Houve claramente uma divergência eleitoral muito grande. E em 1987, como dizia José Miguel Júdice, ele era visto quase como o político do século seguinte. Era a pessoa mais fresca, que trazia mais novidade e mais adaptada ao tempo e àquilo que o futuro aparentava ser.

    E também sofreu um bocado precisamente por ter esse lado visionário, foi mais incompreendido?

    Eu acho que isto é uma coisa muito triste de se dizer, mas em política, normalmente, quem tem razão antes do tempo não ganha nada com isso. Mais vale não ter razão do que ter razão antes do tempo. Mas isso também é o que o distingue, porque o Lucas Pires não foi só um político – foi um político e um intelectual ao mesmo tempo. E não houve muitos. E ele conseguiu sê-lo, ainda por cima, à escala Europeia. Acho que a grande dificuldade dele tem um bocadinho a ver com isso… O Jacinto Lucas Pires [filho de Francisco Lucas Pires] disse-me que ele sofreu sempre um bocadinho porque na política foi sempre visto como um intelectual, e no campo académico mais intelectual, foi sempre visto como um político. E as pessoas em Portugal tendem a deixar estas coisas mais estanques, divididas em caixotes – um académico é um académico, não vai para os jornais dar entrevistas e para as ruas distribuir panfletos, ou discursar para o Parlamento e coisas do género. E na política é exactamente a mesma coisa; parte-se do princípio que um político não está a reflectir sobre o futuro e sobre a organização do Estado, porque, no fundo, está a resolver problemas do quotidiano. Nós criámos um bocado essa imagem e acho que também se percebe isso à medida que se acompanha o percurso dele e o percurso do país: criámos a perspectiva do político como uma espécie de intérprete, de um executante, um director-geral.

    Um burocrata?

    Sim; um tecnocrata, um burocrata, um director-geral que é eleito em vez de ser nomeado ou escolhido por concurso. E que é uma coisa um bocado estranha. Quando se fala da profissionalização da política, acho que é um conceito mais difícil de se materializar… Quer dizer, o Lucas Pires fez política desde 1976, ininterruptamente, até 1998. E podia-se considerar, nesse sentido, que seria um profissional da política, embora não tivesse feito só política; foi jurisconsulto e continuou a dar aulas, etc. Mas a profissionalização da política não tem tanto a ver com o tempo que se dedica à actividade política em si; tem a ver, sobretudo com a forma como ela é exercida. E acho que, nesse aspecto, ele nunca foi um profissional da política. Tal como também foi um líder que nunca teve um ”ismo” atrás dele – o ”pirismo” nunca existiu. Embora houvesse piristas, talvez; pessoas que lhe eram muito leais e que o seguiam com muita dedicação. Mas o pirismo enquanto doutrina, quase como o cavaquismo, o suarismo, ou o passismo, acho que nunca existiu. Porque o Lucas Pires tinha essa condição de personalidade; no fundo, era alguém que prezava a liberdade acima de qualquer outra coisa, e isso incluía necessariamente a liberdade dos outros e o respeito pela opinião dos outros. E esse tipo de personalidade torna muito difícil que uma pessoa seja líder de um movimento seguidista.

    No livro até se diz que ele tinha um “tique do contraditório”.

    Sim, e há uma expressão engraçada que ele tem sobre isso; dizia que a política e a vida, no fundo, era quase como ter uma laranja na mão, uma coisa esférica, e aquilo vai-se rodando e o propósito é mesmo esse: ficar a olhar para uma coisa, rodá-la e perceber que ela pode ser vista de vários prismas, de várias maneiras. E não há uma maneira absolutamente mais certa do que a outra. E ele conseguiu afirmar as suas ideias e, ao mesmo tempo, ter essa noção de que a opinião do outro era importante. Era por isso, também, que ele tinha o hábito de ler os jornais do Avante ao Diabo; e de tentar perceber a perspectiva dos outros, até como fórmula para enriquecer as suas próprias ideias e, depois, tentar responder a isso.

    Era alguém que fazia pontes e era até amigo próximo de comunistas, como Vital Moreira, e de pessoas que tinham visões muito diferentes...

    Sim, mas acho que isso até na faculdade já se notava muito.

    Conseguia não ser ostracizado pelas esquerdas?

    Sim. Aliás, se fizermos um balanço, até acho que, durante muito tempo, talvez a esquerda o tenha admirado mais, embora tenha discordado sempre dele. E a direita, embora tenha concordado mais com ele – embora nem sempre – o admirava menos.  Porque – e talvez esta expressão não seja a mais correcta – ele era menos fiável, no sentido em que não era um chefe de claques. E as pessoas na política gostam muito disso – de sentir que aquela pessoa é um chefe de claques, e não é alguém que está lá para fazer perguntas, para interrogar e fazer ver o outro lado. E é uma qualidade que eu aprecio particularmente – se alguém está com mais de 20 pessoas à mesa, e disser A, e toda a gente a seguir também disser A, eu provavelmente faria o mesmo: teria necessidade de dizer ”então e se fosse B?”. E ele tinha essa capacidade, mas, politicamente, eu percebo que isto possa não ser uma grande vantagem comparativa.

    Mas ele nunca se importou com isso, não tinha uma ambição tão grande de ser um político profissional, como disse, e de ter cargos de maior destaque?

    Eu acho que ele teve essa ambição. Aliás, acho que ele foi talvez o único presidente do CDS que teve a real ambição e perspectiva de liderar o maior partido à direita. Talvez tenha sido mesmo o primeiro presidente do CDS que quis ser primeiro-ministro e não vice-primeiro-ministro – mas exactamente por causa da necessidade de afirmação das suas ideias; por acreditar que aquilo em que tinha pensado, as propostas que tinha e as ideias que tinha desenvolvido com outras pessoas, deviam ser implementadas. E, na verdade, muitas foram. Embora não tenha sido, obviamente, apenas mérito dele porque houve muito mais pessoas envolvidas nos processos.

    E foi também coordenador da primeira AD.

    Sim, embora esse lugar tenha sido um bocadinho vazio de conteúdo; foi quase oferecido para o manter dentro sem lhe dar demasiado gás – para usar uma expressão mais corriqueira.

    Mas, de qualquer maneira, as suas ideias foram fazendo caminho?

    Eu acho que fizeram sempre; embora muitas delas, ainda não. Em boa parte, acho que o legado político-ideológico do Lucas Pires ainda está por cumprir – ao nível das estruturas do Estado, mas também ao nível das estruturas mentais do próprio país, ou da comunidade portuguesa. Há uma série de coisas que estão por cumprir.

    E quais é que destacaria?

    Há uma expressão engraçada, que não sei se é bem dele, mas que acho que fica muito clara em 1985, quando ele se candidata contra o Cavaco Silva. Ele parte do princípio, em quase tudo – mesmo naquilo que é mais discutível – que para o ser-humano ser o mais livre possível, isso traz necessariamente uma responsabilidade acrescida. Portanto, que as pessoas são directamente responsáveis pelos seus actos, escolhas e decisões; e não é o Estado que decide, escolhe e pensa em função delas. Não é o Estado que decide aquilo que as pessoas devem ou não fazer, ou ambicionar. E acho que a vitória do Cavaco em 1985 foi muito por causa disso – porque ofereceu uma visão alternativa a essa, que fazia quase um intermédio entre aquilo que era a visão mais estatista do PS – porque o PS na altura também tinha virado muito à esquerda com Almeida Santos – e do PCP, com a visão mais liberal do CDS. Portanto, aquilo que o Cavaco garantia é que o país podia sofrer uma mudança suave. E esse discurso até voltou um bocadinho, recentemente. Acho que o Cavaco corresponde muito mais àquilo a que eu chamo as pequenas ambições do português médio, e o Lucas Pires estava noutro patamar: aquilo que queria dar às pessoas era total liberdade e total responsabilidade. E acho que continuamos ainda nesse ponto; não somos um país com especial apreço pela liberdade e por assumir a nossa própria responsabilidade. É sempre mais fácil ter o Estado, o burocrata, alguém a decidir aquilo que é melhor para nós, para depois, nós podermo-nos queixar de outra pessoa, e não de nós próprios. Por isso é que digo que, em termos estruturais, da mentalidade colectiva, isso continua por mudar. Tal como também continua por mudar outra coisa de que ele falava: a necessidade de uma revolução cultural para acabar com a “mendicidade rica“, que era a cultura do compadrio e das cunhas. Como vemos, as coisas continuam exactamente na mesma. Mas acho que nunca chegámos aí, também porque o país, e o Estado, nunca fez alterações políticas institucionais que permitissem fazer com que esse espírito de liberdade fosse mais comum do que é.

    Ele também criticava a importância excessiva que se dava aos líderes, e não àquilo que efectivamente se queria para o país.

    Sim, a pergunta do quê, e não do quem. E nós estamos sempre a perguntar pelo quem. Acho que isso ainda hoje é muito evidente. Continuamos sempre a ver quem é o candidato mais simpático…

    Ou o mais carismático…

    Sim, o mais carismático, aquele que está melhor nos debates, ou aquele que está pior… No fundo, não há uma discussão séria sobre aquilo que os candidatos, ou os políticos, defendem.

    Olha-se mais para a embalagem, não tanto para o conteúdo.

    Exactamente; discute-se o rótulo mais do que o produto, como dizia Lucas Pires.

    E como surgiu este título? Porque é que Lucas Pires foi o príncipe da democracia?

    O título surgiu num brainstorming. Eu tinha uma lista muito grande de títulos e não estava especialmente contente com nenhum, e acho que este faz muito sentido e adapta-se muito bem. Primeiro – se quisermos ser um bocadinho mais redutores –, porque o príncipe não governa; e ele, na verdade, nunca governou. Mas se pensarmos naquilo que é a figura de um príncipe, no sentido da elegância, da elevação, da capacidade de unir, de representar – acho que ele foi tudo isso. E da democracia, porque foi na democracia que ele viveu e foi para isso que, essencialmente, contribuiu. E acho que é “O“ príncipe e não “Um“ príncipe, precisamente por causa daquilo que eu estava a dizer no início: em Portugal, em 50 anos, não houve ninguém, excepto ele, que tenha conseguido ser simultaneamente actor, intérprete, e criador da maneira como ele foi. Nesse aspecto, acho que foi um político absolutamente singular.

    Lucas Pires faleceu com apenas 53 anos, em 1998. Acredita que se tivesse vivido mais tempo, teria conseguido materializar mais aquela que era a sua visão, ou o país nunca estaria preparado para as suas ideias?

    Eu acho que continua a não estar. Mas em termos mais práticos… Um antigo secretário-geral do Partido Popular Europeu que eu também entrevistei, diz que se ele não tivesse morrido naquela altura, teria sido provavelmente, o primeiro, e até agora único, presidente português do Parlamento Europeu. Além disso, eu não ponho de parte a hipótese de ele poder ter sido, pelo menos, candidato a Presidente da República; e talvez até tivesse tido sucesso.

    Acha que ele poderia ter sido Presidente da República?

    Acho que podia ter essa ambição, e era um lugar em que talvez até encaixasse melhor.

    Ele defendia, aliás, que o Presidente da República deveria ter um papel mais decisivo.

    Sim, e no meio de tudo aquilo que era o pensamento dele, o Presidente da República encaixava quase como uma espécie de representação do espírito do país e daquilo que achava que o país devia ser. O Presidente da República não tem de ter um programa político eleitoral, no sentido em que não tem de pôr em prática propostas políticas concretas, de resolução de pequenos problemas ou de transformações estruturais do Estado e da sociedade; mas deve ter um programa político lato sensu. Tem de ter uma visão do Estado e da sociedade e deve corporizá-la.

    Nuno Gonçalo Poças, ao centro, na sessão de lançamento da biografia de Lucas Pires. Ao seu lado direito, Martinho Lucas Pires e Francisco Camacho (editor da Oficina do Livro); e ao seu lado esquerdo, os políticos Francisco Assis e Paulo Rangel.

    Não tem de estar tão agarrado àquilo que são as ideias de um partido.

    E nem ter de estar agarrado à espuma dos dias – tem de perceber que tipo de país é que gostava de ter, e no fundo, exercer a sua função nesse sentido. Obviamente, o Presidente da República é uma figura de pontes e de elaboração de consensos, mas também pode ser o contrário. Por isso é que é importante que tenha uma posição política, porque não é neutro; não é a Rainha de Inglaterra.

    No livro, refere que o responsável de marketing da Margaret Thatcher chegou a dizer que achava Lucas Pires demasiado inteligente para liderar a direita em Portugal. Era demasiado inteligente para ser líder da direita, mas poderia almejar ser Presidente da República?

    Se Lucas Pires tivesse mesmo sido Presidente da República, isso teria muito a ver com as dinâmicas eleitorais presidenciais dos anos, em concreto, em que houve eleições: 2001 e 2006. E também não dou por garantido que ele fosse eleito, mas acho que podia ser candidato a Presidente da República. Mas eu percebo o argumento: por causa da barba e por ser demasiado inteligente, não podia liderar a direita em Portugal. Percebo, porque para ter sucesso na política – não só no sentido da ambição pessoal, mas também a nível da implementação de políticas –, acho que é preciso ser inteligente, mas talvez não ajude ser muito inteligente.

    Pois, ser-se um intelectual pode não ser uma vantagem. Talvez seja mais útil ser-se “esperto“.

    Sim, mais hábil, como agora se diz, não é?

    Pois. Como intelectual, deixou um legado de ideias e propostas, que ficaram por concretizar.

    Sim, acho que esse talvez seja o legado mais importante de Lucas Pires. Hoje, 25 anos depois de ter morrido, e quase 80 anos depois de ter nascido, para mim o mais interessante é pegar nisto e perceber que praticamente tudo aquilo que ele escreveu nos últimos 60 anos continua actual.

    Algumas coisas talvez até mais actuais agora do que antes.

    Sim, algumas até mais actuais do que na altura em que ele escreveu.

    Ele já falava, por exemplo, no envelhecimento da população portuguesa…

    Exacto. E também introduziu a questão do direito constitucional europeu, que foi uma coisa que só se discutiu quase 20 anos depois, e mesmo assim não foi uma discussão muito profunda. Em Portugal, foi absolutamente a primeira a pessoa a escrever sobre direito constitucional europeu; e na Europa, se não foi a primeira, foi das primeiras. Quase tudo aquilo que ele trouxe foi novo, e em 2024 é absolutamente actual. É quase como se fosse um futurista na política; alguém que tem um pensamento absolutamente contemporâneo, e que consegue compreender o seu tempo. Mas lá está: para alguém ter sucesso na política, é preciso compreender o seu tempo, e para alguém ser Francisco Lucas Pires, é preciso compreender o seu tempo e para onde se caminhará consoante as decisões que sejam tomadas. E acho que isso é aquilo que o distingue de todos os outros. De resto, era uma pessoa muito apreciada por quase toda a gente.

    Não era alguém que semeasse ódios?

    Não, mas como morreu precocemente, as pessoas têm muita dificuldade em criticar quem já cá não está. Mas ele teve os seus conflitos partidários, e, tal como também dizia, o CDS não é um clube de escoteiros. Portanto, essas coisas fazem parte, e ele teve as suas zangas e conflitos; é normal. Mas, feito um balanço, creio que toda a gente reconhece que o lugar dele é inquestionável. Também por isso é que resolvi escrever o livro –  acho que é importante recuperá-lo nesta fase da nossa vida colectiva, e quase obrigar as pessoas a olhar para isto e perceber que, se calhar, há uma série de coisas que podíamos ter feito de outra maneira e não fizemos. No final dos anos 1990, antes de morrer, ele diz que, pela maneira como as coisas estavam a nível europeu e português, muito provavelmente daqui uns tempos nós estaríamos a queixar-nos por não termos feito as reformas necessárias para entrarmos na moeda única, e que estaríamos a queixar-nos do Banco Central Europeu [BCE] em vez de nos queixarmos de nós próprios por causa daquilo que não fizemos. Acho que isso é muito evidente e, de facto, essas coisas aconteceram. Portugal continua a fazer exactamente a mesma coisa que ele sempre apontou. Nós preferimos sempre escudarmo-nos nos outros, pelas nossas próprias falhas; continuamos a não fazer aquilo que é preciso fazer para sermos um país com mais sucesso, e apontamos sempre a responsabilidade por essas falhas a terceiros: à crise financeira internacional, aos mercados, ao BCE, à Comissão Europeia, às agências de rating, aos imigrantes, ou seja ao que for. E não somos capazes de perceber que, se as coisas não resultaram, foi por responsabilidade nossa, porque nós não fizemos esse trabalho. Porque há outros países que fazem.

    Há uma desresponsabilização crónica na sociedade portuguesa?

    Sim; por isso é que o princípio dele é sempre este: o Homem é o centro da vida colectiva, da actividade política, e é mais do que o Estado. O Estado é uma construção filosófica, e só existe depois do Homem. O Estado existe porque o Homem pensou nele enquanto mecanismo de organização colectiva. E, seguindo esta lógica, não faz sentido que seja o Estado a decidir como vai ser a vida das pessoas, precisamente porque o Estado não é uma entidade abstracta; são outras pessoas. São burocratas, tecnocratas, etc., a decidir por terceiros aquilo que é melhor para a vida das pessoas.

    Em Portugal, o Estado ainda tem muito peso.

    Sim, nós estamos em 2024 e continuamos a discutir exactamente isso. Esse talvez seja o grande ponto da campanha eleitoral de 2024: é estatismo contra a contra o não estatismo, digamos assim.

    Por falar na campanha eleitoral para estas legislativas, e é uma questão meramente especulativa, mas tendo em conta aquilo que já sabe sobre Lucas Pires, acredita que se ele fosse vivo, seria um dos apoiantes desta nova AD? Tendo ele sido um inconformado, talvez esta AD ainda não materialize o fundamental das suas ideias…

    Talvez não, mas eu acho que ele sempre compreendeu também em que ponto é que o país estava, e qual era a direita possível. Penso que ele não era um liberal no sentido mais libertário, precisamente por causa da influência cristã na vida dele; tinha uma perspectiva mais liberal-conservadora do que liberal-liberal. Por outro lado, não era de todo um autoritário; era um cosmopolita, um europeísta, e não era estatista. Portanto, em 2024 – digo eu, mas é uma opinião muito pessoal –, não faça uma manchete a dizer que Lucas Pires votaria na AD, porque não sei se é verdade, mas acho que fosse talvez o campo mais natural; e até porque a AD representa um campo de maior amplitude ideológica, cabe lá muita gente. E nós vimos isso ao longo da campanha: a AD vai de Rui Rio, que dizia que o PSD é um partido de centro-esquerda, a Adolfo Mesquita Nunes – essas pessoas estão todas no mesmo sítio. Portanto, tem uma amplitude ideológica grande o suficiente para eu achar que ele podia lá caber. Mas acho muito arriscado responder a isso [risos].

    E como foi o processo de escrita do livro?

    Foi uma viagem muito gira. Eu tinha alguma admiração por ele, já conhecia os trabalhos do Grupo de Ofir… Demorei dois anos e meio a escrever, porque também tenho de trabalhar. Mas falei com muita gente e conheci a família dele. E no final, a sensação que eu tenho, é de ter ganhado, talvez não um amigo, mas pelo menos um professor, um mestre-escola; aprendi imenso com ele, directamente: a ouvir aquilo que dizia, a ler aquilo que escrevia. Durante este período todo, houve uma fase em que eu simplesmente deixei de trabalhar porque já não suportava ouvir a voz dele, aquilo já me cansava, de tão absorvido que estava. Mas depois reequilibrei-me. Porque no início começa-se com muito entusiasmo, sempre a recolher informação, e ganha-se um fascínio muito grande. É quase como os casamentos, mas há que saber sobreviver a isso, e criar uma relação um bocadinho mais estável. Às vezes, quase que me é natural tratá-lo por Francisco, como se tivesse andado na escola com ele.

    Mas não por Chico? [risos]

    Não, não chega a tanto. Acho que só as pessoas que estiveram com ele em Coimbra, e que o conhecem na fase de adolescente ou jovem adulto, é que o tratam por Chico Lucas Pires; como o José Miguel Júdice, ou alguns amigos mais antigos como o Vital Moreira, o Luís Cunha, e a irmã também o trata por Chico às vezes, mas é muito raro. A maior parte das pessoas trata-o por Francisco, e nos casos de maior formalidade, por Lucas Pires. Mas isso é muito giro de observar. Já não sei quantas pessoas entrevistei ao todo, mas foi muito giro perceber as dinâmicas pessoais entre os que o rodeavam. Algo comum que percebi é que toda a gente o admirava muito; alguns sentiam quase um fascínio, e outros menos, também por causa da questão política, nomeadamente aqueles que estavam em campos opostos. Também foi giro entrar na dinâmica familiar. Ele tem quatro filhos, e entrevistei os quatro, para além da mulher e da irmã.

    No campo da direita, pelo menos, não houve nenhum outro líder em Portugal como Lucas Pires?

    Eu acho mesmo que não. Daqui a 50 anos, se alguém quiser olhar para trás e ver quem foram as pessoas realmente importantes da democracia, acho que são o Soares e o Cavaco. O Cavaco governou 10 anos, foi primeiro-ministro no período de maior transformação e crescimento da economia nos primeiros 50 anos de democracia, e o Soares foi o responsável pela afirmação da democracia do tipo ocidental e não soviético. Portanto, são, talvez, as duas grandes figuras. Depois, há uma série de figuras secundárias, que foram importantes em alguns momentos, e nas quais se inclui, por exemplo, Sá Carneiro. Sá Carneiro foi importante na afirmação de uma alternativa ao poder do PS e do fim da tutela militar. O Freitas do Amaral também teve uma importância em todos estes momentos. Mas, o Lucas Pires tem outra coisa a favor dele: foi, de longe, o mais criativo. E não me admirava que, daqui a 50 anos, se voltasse a pegar nisto, percebesse que a maioria das coisas que ele dizia continuariam actuais.


  • ‘Ao longo de 21 a 22 horas por dia, Julian Assange está confinado a uma única cela de seis metros quadrados’

    ‘Ao longo de 21 a 22 horas por dia, Julian Assange está confinado a uma única cela de seis metros quadrados’

    Stella Assange, mulher do fundador da WikiLeaks, não tem dúvidas de que, no Ocidente, tem havido um recuo muito grave no direito à liberdade de expressão e um controle muito maior sobre a imprensa e a comunicação online. Numa altura em que a Europa anuncia a entrada numa Economia de Guerra, afirma que não é um acaso Julian Assange estar detido. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, a advogada e activista dos direitos humanos, de 40 anos, espera que mais líderes europeus se juntem ao chanceler alemão Olaf Scholz na defesa do marido para que não seja extraditado para os Estados Unidos. A decisão na Justiça britânica será conhecida em breve, enquanto o estado de saúde físico e mental do jornalista se deteriora devido às condições de detenção. Pode ler a entrevista em português ou ver e ouvir em inglês no YouTube e no Spotify.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE STELLA ASSANGE CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Começo por um acontecimento recente: o chanceler alemão Olaf Scholz rejeitou a extradição de Julian. Isso traz esperança para si e para Julian?

    Sim, vejo-o como um grande desenvolvimento. O primeiro líder europeu, e nada menos do que da Alemanha, a ser a favor de Julian não ser extraditado. Mas vem na sequência de uma série de desenvolvimentos. O Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura e o Relator Especial das Nações Unidas sobre liberdade de expressão manifestaram-se, nas últimas semanas, contra a extradição. Houve também um debate no Parlamento Europeu, em que, tanto o Conselho Europeu como a Comissão Europeia foram instados a prestar declarações sobre o caso de Julian. Penso que, pelo menos, um membro do Conselho o fez. E houve uma escolha cuidadosa de palavras, mas não hostis a Julian, pelo menos. E tem havido declarações muito fortes de parlamentares, de todo o lado. Penso que tem havido uma melhor compreensão dos riscos do caso de Julian e eventos, como o debate no Parlamento Europeu, permitem que informações relevantes sejam compartilhadas. Permitem que as informações sejam assimiladas por um círculo mais alargado de pessoas e talvez isso tenha levado chanceler Scholz a mudar. Mas, obviamente, é algo que eu saúdo e vejo como como fazendo parte de uma mudança maior.

    Stella Assange durante a entrevista concedida ao PÁGINA UM.
    (Foto: PÁGINA UM)

    Espera, então, que alguns dos principais líderes europeus se juntem a esta posição ou pensa que serão cautelosos?

    Bem, não devem ser cautelosos porque Julian foi nomeado pelo Parlamento Europeu, já em 2022, como um dos finalistas do Prémio Sakharov, que, naturalmente, é o prémio de maior prestígio da União Europeia para a liberdade de pensamento e direitos da humanidade. E ele foi um dos três finalistas. Fui convidada para ir ao Parlamento Europeu e participei em várias reuniões. Por conseguinte, a União Europeia tem o mandato conferido pelo Parlamento para dar prioridade a este caso. Eu acho que também é importante para os sindicatos de jornalistas, nos vários países europeus. Em muitos países, já deram a Julian a filiação ou a filiação honorária, e escreveram declarações sobre o impacto extremamente perigoso deste caso no trabalho de jornalistas em todo o mundo e na Europa. Penso que o facto de Scholz já o ter dito torna muito mais fácil para outros países europeus dizê-lo. Mas, como disse, já têm o mandato do Parlamento Europeu. E, claro, que Julian continua a ganhar muitos prémios em toda a Europa e em todo o mundo.

    Deve achar realmente estranho isto estar a acontecer no Ocidente, no mundo ocidental. Porque temos um jornalista – e também, é quase um caso de um denunciante – que está a ser perseguido politicamente e a sua vida está em risco. Como vê isso? Como se sente em relação a isso?

    Bem, eu acho que é uma espécie de sintoma de onde estão, hoje, a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão. No Ocidente, em geral, nós vimos [nos últimos anos] uma decadência muito grave nos direitos à liberdade de expressão e um controle muito maior sobre a imprensa e a comunicação online. E isto segue a companha, a perseguição e o assédio que Julian enfrentou desde as publicações sobre o Iraque e o Afeganistão e os telegramas [diplomáticos], e assim por diante, que é pelo que ele está a ser perseguido e processado.

    Acho que, quando a WikiLeaks publicou essa informação, em 2010, foi a altura do pico da liberdade de expressão na Internet e da liberdade de imprensa. E, desde então, vimos uma reacção negativa, e essa reacção afectou, é claro, Julian. Mas também afectou todos os outros. E Julian tem sido um canário na mina de carvão ao longo dos anos. Quais foram as formas através das quais Julian foi atacado, primeiro? Através do encerramento das contas nos bancos, dos donativos. Isso foi inédito, em 2010. Foi o primeiro caso em que tivemos isso. E é claro, que isso se generalizou muito e se estendeu às plataformas online e à desmonetização [em plataformas digitais] e assim por diante.

    Mas surpreendente, em 2010, eu diria que foi, sim. Foi surpreendente, foi uma espécie de perspectiva distópica. Em 2024, eu acho que é um sinal de um mal-estar generalizado que não está a afetar apenas vozes dissidentes ou jornalistas que cobrem temas de segurança nacional, mas sim um ataque sobre a dissidência em geral. E as ferramentas para controlar a dissidência são hoje muito mais sofisticadas e eficazes do que elas eram há 14 ou 15 anos atrás. Portanto, há uma deterioração da capacidade de fazer valer os nossos direitos e, ao mesmo tempo, um reforço muito maior da capacidade de sufocar a dissidência, de impor censura e, em última análise, de reprimir o que é visto como oposição.

    Julian Assange e Stella Assange. (Foto: D.R.)

    E, neste momento, a Europa está a tentar armar-se para ir para a guerra. Ouvimos agora falar de Economia de Guerra. Acredita que a Europa e o mundo seriam hoje diferentes se Julian fosse livre e estivesse a trabalhar?

    Acho que não é por acaso que, numa altura em que temos grandes conflitos que correm o risco de escalar regionalmente, ou para conflitos nucleares ou para uma Guerra Mundial, que a pessoa que mais contribuiu para expor o verdadeiro custo da guerra, as verdadeiras motivações, a realidade da violência no terreno, é a que está na prisão e a ser silenciada. Isto faz parte do mesmo desenvolvimento. A Economia de Guerra obviamente vê Julian como figura da oposição, uma figura de oposição não só ao custo humano da guerra, mas também ao económico, para expor os interesses económicos que impulsionam essas guerras. Então, é claro que é conveniente, para as pessoas que estão a lucrar com a guerra, ter Julian na prisão. E para aqueles que querem ver um fim para esses conflitos, tirar Julian da prisão é crucial.

    Provavelmente, estaríamos certamente numa situação diferente, um panorama diferente de informação, se Julian tivesse sido capaz de continuar a fazer o seu trabalho. Porque, claro, as publicações da WikiLeaks são o ‘padrão ouro’ (golden standard) para os denunciantes envolvidos, os ‘insiders’, que estão dentro da máquina de guerra que a expuseram por dentro e mostraram quando as políticas estavam fora de controle. Contribuiu para que houvesse fiscalização e reforma.

    Como é que consegue reunir forças para continuar esta luta? Porque deve ser muito difícil. Você tem filhos, para ver o seu marido nesta situação e ainda lutar, falar à imprensa e publicamente.

    Bem, a minha força vem do facto de lutar pelo Julian. Se eu perder o Julian, aí é que vou ter dificuldades, de verdade. Não tenho dificuldade em encontrar força e motivação para lutar pela liberdade do meu marido. O maior medo que tenho é de perdê-lo e dos nossos filhos, das nossas crianças crescerem sem o Julian. Vou lutar o tempo que for necessário para recuperá-lo.

    a picture of a burger with a free assange sign on it

    E como é que ele está? Tem falado com ele? Tem mencionado que Julian não está bem.

    Ele não está em condições de, sequer, poder comparecer à sua própria audiência. Esta foi a mais decisiva audiência de todas, em que, se os juízes. deliberarem contra ele, o Reino Unido, basicamente, coloca-o num avião para os Estados Unidos, a menos que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem o impeça. Se Julian não tivesse estado preso durante cinco anos, se ele não tivesse tido o estado de declínio constante, fisicamente, ao longo destes anos, ele teria, naturalmente, assistido à sua própria audiência, aquela em que a sua vida está em jogo.

    Mas, espero que seja, óbvio para todos, como as coisas estão mal. O facto de ele não ter conseguido ir. A prisão é extremamente dura. Ele está em isolamento, muitas vezes. Quer dizer, ao longo de 21 a 22 horas por dia, ele está fisicamente confinado a uma única cela de seis metros quadrados. Durante esse tempo, as suas interações com outras pessoas são limitadas. E também está confinado, fechado, ao lado de infractores muito graves, infractores violentos e assim por diante. E isso leva a melhor tem um impacto muito sério nele, não só fisicamente, mas mentalmente, claro. E essa é uma luta diária. Quer dizer, um dia é mais suportável, e outros dias são menos suportáveis. Portanto, não é possível generalizar. Mas, em geral, o que posso dizer é que sua saúde física está em constante declínio. E ele tem, claro, um espírito de luta. E ele é encorajado por todo o apoio, tanto de apoiantes como de sinais políticos como o de Scholz e assim por diante. Isso é absolutamente essencial para que ele continue a lutar. Mas, obviamente, depende do dia e da semana e do que está a acontecer, e da pressão que ele está a ter.

    E o que espera destes procedimentos no tribunal? O tribunal pediu mais informações. Quando poderemos ter mais informação do Tribunal?

    Bem, nós simplesmente não sabemos. A única data, a única indicação que tivemos foi que na segunda-feira, dia 4, que foi ontem, havia um prazo para as partes apresentarem mais informações. O tribunal pediu. Foi um bom sinal, o facto de o tribunal ter pedido mais informações. Quer dizer que os juízes estão interessados e querem compreender melhor os antecedentes do caso e os vários argumentos que estavam a ser desenvolvidos. Então, é claro que isso é um bom sinal. Mas simplesmente não temos mais prazos. Podemos ter uma decisão do tribunal a qualquer momento. Eu não espero que seja hoje ou amanhã, porque a informação é volumosa e significativa e eles têm de analisar, mas isso não quer dizer que não pode haver uma decisão muito cedo. Então, estamos á espera. Mas não estamos passivos. Porque, ao mesmo tempo, é a altura em que os juízes decidem. E declarações como a de Scholz – e espero que outros o acompanhem… O ambiente em que esta decisão vai ser tomada…

    Stella Assange tem liderado uma forte campanha para a libertação de Julian Assange. (Foto: D.R.)

    Gostaria de deixar uma mensagem aos apoiantes portugueses de Julian, neste momento?

    Esse apoio em Portugal é grande. Estive em Portugal, em Lisboa, para a Web Summit. Na verdade, foi a minha primeira vez em Portugal e apaixonei-me. E espero poder voltar. E contei ao Julian tudo sobre Lisboa, porque ele disse que também não tinha ido. E espero muito que, quando ele estiver livre, possamos visitar juntos.

    É muito importante para os europeus, os decisores a todos os níveis, as organizações não governamentais, as pessoas na rua… Mas, acima de tudo, é importante que os decisores entendam que a luta de Julian é uma luta que afecta todos os europeus, não apenas os jornalistas, mas o nosso direito a saber [ter acesso a informação]. E estamos todos a ser varridos por decisões sobre conflitos. Precisamos de ter, pelo menos, informação, compreender a informação. E a contribuição de Julian para informar o público é absolutamente essencial em democracia. E enquanto ele estiver preso, então esse direito está a ser negado. Então, precisamos libertá-lo e precisamos fortalecer a nossa democracia e a cultura em torno da democracia em todo o mundo. E a liberdade de Julian é essencial para isso.

    Entrevista traduzida e editada para português


    A entrevista pode ser vista na íntegra em vídeo no YouTube


  • ‘A grande emergência nacional é o aumento geral e significativo dos salários’

    ‘A grande emergência nacional é o aumento geral e significativo dos salários’

    O Partido Comunista Português (PCP) foi o primeiro partido a ser inscrito junto do Tribunal Constitucional, no pós 25 de Abril de 1974. Paulo Raimundo, 47 anos, assumiu o cargo de secretário-geral do PCP em Novembro de 2022, sucedendo a Jerónimo de Sousa naquela função. Como é habitual, nas eleições legislativas, o PCP integra a coligação CDU, junto com o Partido Ecologista Os Verdes. Depois de o partido ter ficado com apenas seis deputados na Assembleia da República nas últimas eleições – com o PEV a deixar de estar no hemiciclo –, o PCP pretende ver reforçada a sua representação parlamentar. Mas também já pensa nas eleições europeias, e Paulo Raimundo defende que será com mais eurodeputados comunistas que a Europa pode enfrentar a ascensão da direita e de partidos populistas. Esta rubrica do PÁGINA UM teve como objectivo conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal. A entrevista com Paulo Raimundo é a última publicada no âmbito desta iniciativa, em que apenas cinco partidos estiveram ausentes: Livre, Bloco de Esquerda, PS, PSD e PPM.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE PAULO RAIMUNDO, SECRETÁRIO-GERAL DO PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Têm afirmado que pretendem eleger mais deputados nestas eleições e voltar a ter uma posição mais forte no Parlamento. Nesta altura, até tendo em conta também as sondagens, que sabemos que nem sempre acertam, o que nos pode dizer dos vossos objectivos?

    Em relação às sondagens, nós temos afirmado – e é uma convicção profunda que tenho e, aliás, comprovada em todos os actos eleitorais – que elas condicionam muito e acertam pouco. Tem sido sempre assim e foi assim também há bem pouco tempo, na Madeira e nos Açores. Também diziam que nós íamos desaparecer e foi tudo ao contrário. A CDU cresceu, de forma mais expressiva na Madeira, e de forma menos expressiva nos Açores. Mas ficámos a 85 votos de eleger um deputado – que tanta falta fazia ao povo açoriano.

    Mas, voltando à sua pergunta, aquilo que achamos que o nosso povo, os trabalhadores e o país precisam é que a CDU se reforce – que tenha mais votos e mais deputados. E estamos muito convencidos de que é possível; não para nós ficarmos todos contentes no Domingo à noite, a agitar as nossas bandeiras – porque não é esse o objectivo – mas porque achamos que mais votos e mais deputados da CDU determinará o caminho futuro a partir do dia 11 de Março.

    Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP. (Foto: D.R./PCP)

    E porque considera importante que haja mais deputados do PCP na Assembleia da República [AR]?

    Eu vou responder-lhe de forma sucinta, com exemplos concretos. Uma boa parte das nossas propostas – que são isso mesmo, propostas, e não um conjunto de promessas vãs e ocas – , nem são grande novidade. Nós levámo-las, neste mandato, à Assembleia da República; nomeadamente medidas sobre os salários, as pensões, o reforço do Serviço Nacional de Saúde, medidas concretas para pôr a banca a pagar o aumento das taxas de juro, o travão para as rendas e os direitos dos trabalhadores por turnos.

    Nós propusemos um conjunto de medidas, e vamos voltar a propô-las; e elas só não foram aprovadas porque nós não tínhamos a força necessária para as fazer aprovar e para impor a sua concretização. E se nós tivéssemos tido a força necessária para isso, a vida das pessoas hoje estaria diferente – e a ideia que temos é que estaria melhor.

    E a razão de fundo é que nós precisamos de mais votos e mais deputados, porque é isso que vamos decidir no dia 10 de Março: é número de deputados que cada força elege, e é a partir dessa correlação de forças que se determinará cada uma das propostas e cada uma das soluções. E nós nunca faltaremos às soluções positivas, nem para convergir e para propor – como fizemos nestes últimos anos. Mas precisamos de mais força para que elas se concretizem. Esse é que é o grande objectivo. E não é indiferente nós termos mais ou menos deputados, porque isso condicionará as respostas que são necessárias, desde as pensões, ao SNS [Serviço Nacional de Saúde] à habitação e a uma coisa que nós estamos a dar uma grande e justa centralidade, que é os direitos dos pais e das crianças. E essa é uma grande vantagem daqueles que confiam na CDU.

    Depois, na situação que enfrentamos, é de salientar que não há força mais consequente ou com mais experiência acumulada e mais provas dadas de combate à direita do que a CDU, e em particular o PCP. E mesmo para aqueles que estão a apelar ao voto para combater a direita, convenhamos que essa garantia é dada pela CDU e pelo PCP de uma forma incomparável em relação aos outros partidos.

    (Foto: D.R./PCP)

    Falou em algumas medidas e, de facto, o PCP e a CDU têm apresentado propostas muito concretas, nomeadamente, como referiu, o travão das rendas. Há muitas famílias em Portugal a passar muitas dificuldades pelo aumento das taxas de juro e do custo de vida. Quer recordar aqui duas ou três propostas que sejam cruciais, no ponto de vista da CDU, para melhorar a vida dos portugueses?

    Aquilo que nós temos colocado como a grande emergência nacional, e a primeira medida que é preciso responder, é o aumento geral e significativo dos salários – esta é a grande questão central para dar resposta. E tem de ser um aumento geral e significativo, agora, e não só para 2028 ou 2030 – é agora que faz falta, para fazer duas coisas. Desde logo, para responder aos problemas que mencionou: o aumento do custo de vida e a pressão brutal da grande maioria. E, depois, para responder a uma questão elementar, que é a justiça – e em particular a justiça na distribuição da riqueza que é criada todos os dias. Não podemos viver sabendo que há 3 milhões de trabalhadores no nosso país que ganham até 1.000 euros de salário bruto; com o que isso implica na vida de cada um. E esta é a primeira grande medida.

    Mas, depois, também é preciso responder a outros problemas concretos – alguns que terão possibilidades de resposta a médio e longo prazo, mas onde são precisas medidas concretas agora. Um deles é a habitação, e nós propomos uma lei-travão ao aumento das rendas. Iniciámos este ano com 7% de aumento das rendas, um aumento que soma a tudo o que tudo o que aumentou também, como a electricidade, o gás, e o custo de vida que aumentou de forma brutal.

    E a alimentação também.

    E a alimentação tem um peso determinante, em particular naqueles que têm menos rendimentos, e que gastam cerca de 40% do seu rendimento em alimentação. Veja-se o impacto que tem na vida das pessoas de cada vez que a Sonae – e todas as outras distribuidoras – encaixam mais uns milhões de lucros. Este é um outro problema.

    Mas, como nós dizemos, os lucros da banca deviam suportar o aumento das taxas de juro. Porque com a situação que nós temos hoje, eu até fico pasmado como é que ninguém para além de nós vem ‘a jogo’.  A banca, hoje, encaixa por dia 6,5 milhões de euros, só em comissões e taxas; não é em lucros de operação financeira. Ora, nós propomos que esses 6,5 milhões de euros em taxas e comissões sejam um elemento para suster o aumento das taxas de juro que sejam creditados nas prestações de cada um – no crédito à habitação, mas também em quem tem o seu pequeno negócio. Porque os pequenos e médios empresários também estão muito aflitos.

    Depois, há uma outra medida – esta de médio a longo prazo – para aumentar a oferta de habitação, que é um investimento público musculado, de forma a que cheguemos ao fim dos próximos quatro anos com mais 50 mil habitações disponibilizadas. A habitação pública – que não resolve tudo, mas responde a algumas necessidades que existem… E certamente que assim conseguiremos baixar a especulação.

    É esta conjugação de duas medidas com consequências imediatas e um projecto de futuro a médio e longo prazo que vai alterar o paradigma deste sector, que é o mais desregulado e mais liberalizado da nossa economia, que é a habitação, e que está nas mãos da banca e dos fundos imobiliários.

    (Foto: D.R./PCP)

    De facto, tem-se assistido a uma grande ‘financeirização’ desse sector, apesar de ser fundamental haver habitação para a população Mas hoje, é um sector que os investidores olham como um mero jogo, como se fossem acções na bolsa.

    Sim; é exactamente assim como está a descrever. É um negócio. Transformámos um direito constitucionalmente consagrado, que é o direito à habitação – ‘transformámos’, salvo seja – num negócio de milhões. E a grande questão com que estamos confrontados neste caminho, e que é preciso interromper, é que hoje é assim com a habitação, amanhã é a saúde, e depois é tudo. E a nossa grande prioridade é interromper esse caminho.

    E está disponível para apoiar algum governo do PS? Até porque muitas das medidas que está a mencionar provavelmente vão encontrar resistência, sobretudo à direita.

    Como se costuma dizer, essa é a questão de um milhão de dólares, porque essa pergunta tem de ser devolvida com outra: vamos convergir para quê? Qual é a política? Quais são as respostas, as soluções, e as medidas concretas? E a experiência que nós temos, em particular nestes últimos dois anos, é que a maioria absoluta do Partido Socialista não deu resposta a nenhuma destas questões de que falámos: nem nos salários, não na saúde, nem na habitação e nas outras.

    Portanto, para nós, há uma coisa que é evidente: o PS, por sua iniciativa, nunca dará as respostas que são necessárias. Daí a nossa ideia de que a única possibilidade de trazer o PS para as soluções, não é dando força ao PS – é dando mais força à CDU, com mais votos e mais deputados. E, como aconteceu naquele tempo, ainda que limitado, em que travámos o percurso desastroso do PSD e do CDS,  e recuperámos uma parte muito roubada ao nosso povo – não recuperámos tudo, é verdade, mas fomos mais além nas creches, nos manuais escolares gratuitos, no passe de transportes – uma medida de grande dimensão –, no aumento extraordinário das reformas, no fim do PEC [pagamento especial por conta] para os pequenos e médios empresários. Tudo isto onde fomos mais além não foi por vontade própria do PS – que não só não tinha vontade, como resistiu. A única forma de isto ter sido garantido – e voltamos sempre à primeira questão – foi a correlação de forças, o número de votos e de deputados que a CDU teve, e a força que obrigou o PS.

    Portanto, é como lhe digo: nós não descartamos nenhuma possibilidade de convergência, mas não passamos cheques em branco, por um lado, e não falamos nisso no abstrato, falamos no concreto.  Se é para aumentar salários, não falharemos; se é para reforçar o número de profissionais e respeitar os profissionais do SNS, não falharemos; se é para pôr a banca a cobrir o aumento das taxas de juro, não falharemos. E por aí fora. É no concreto.

    (Foto: D.R./PCP)

    Temos as eleições europeias à porta e também tem-se assistido a grandes recuos na Europa em termos do nível de democracia, e a uma ascensão de medidas mais de direita, com grandes multinacionais com grandes lucros. Olhando para estas eleições europeias, quais são as pretensões do PCP?

    Nós enfrentamos de facto grandes perigos. Por que razão cresce esta ou aquela força, ou esta ou aquela tendência mais extremista e perigosa? Cresce porque as políticas não dão resposta à vida das pessoas. E esse é um problema que é nacional, mas é um problema também à escala das nações e da União Europeia. Porque aquilo a que temos assistido é, como disse, é a uma brutal e constante concentração da riqueza às mãos de uns poucos, das grandes multinacionais; e à perda constante de soberania dos países.

    Temos o caso da TAP, por exemplo. Até acho extraordinário o que aconteceu. Veja o ponto a que chegámos: a UE permitiu que o Estado português pegasse em dinheiro, que é de quem trabalha no nosso país, para salvar TAP – como aconteceu com todas as empresas de aviação do mundo –, mas com uma condição. O Estado português só podia pôr dinheiro público na sua empresa pública se, no fim do processo, fosse no sentido da sua privatização. Ora, isto é o fim da picada. É o fim da soberania total, e não há nenhuma possibilidade de nós nos desenvolvermos assim.

    Há uma coisa que nós sabemos: há grandes perigos, de facto, mas também há grandes potencialidades. E, tal como em todos os momentos da História – seja no nosso país, ou em todos os países deste mundo fora e da União Europeia – em última instância, o povo terá a força suficiente para alterar este rumo. Porque este rumo não serve os povos; pode servir as multinacionais, o Banco Central Europeu, e os grandes negócios, mas este caminho que está em curso não serve os povos. E os povos, mais cedo ou mais tarde, vão ter de travar isso. E eu estou convencido que é possível, também no quadro da batalha para o Parlamento Europeu, dar um sinal nesse sentido – e era um sinal de grande importância, que nós precisávamos todos; cada um dos povos nos seus países, a União Europeia no seu conjunto, e naturalmente, também nós aqui no nosso país.

    Transcrição de Maria Afonso Peixoto.


    Veja AQUI a página na Internet com informação do PCP e programa da coligação CDU.


  • ‘Sempre que o PSD e o CDS se juntaram nas legislativas, nunca perderam eleições’

    ‘Sempre que o PSD e o CDS se juntaram nas legislativas, nunca perderam eleições’

    Depois de uma surpreendente ausência de assento parlamentar decorrente das eleições legislativas de 2022, o CDS-PP tem garantia de regresso à Assembleia da República, ou mesmo até ao Governo, onde já esteve diversas vezes em democracia, a última nos Governos de Passos Coelho. Integrado na ‘nova’ Aliança Democrática, o líder dos centristas, Nuno Melo, está optimista numa vitória e lança críticas aos radicalismos de uma possível ‘geringonça 2.0’ e do populismo do Chega, que diz nada ter de direita. Nuno Melo é o único líder dos três partidos da Aliança Democrática que aceitou ser entrevistado para a HORA POLÍTICA, depois das recusas de Gonçalo da Câmara Pereira (PPM) e Luís Montenegro (PSD). Esta rubrica do PÁGINA UM teve como objectivo conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal. Amanhã esta rubrica será fechada com a entrevista (já) concedida por Paulo Raimundo, secretário-geral do Partido Comunista Português.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE NUNO MELO, PRESIDENTE DO CDS-PP, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Como é que tem sido o feedback da população relativamente às propostas da coligação de que faz parte o CDS-PP, a Aliança Democrática [AD]? Está optimista?

    Sim, estou realmente muito optimista. Hoje, além da razão para optimismo que resulta da própria candidatura em si mesma desta AD que junta três partidos – sendo que sempre que o PSD e o CDS se juntaram nas legislativas, nunca perderam eleições – também temos uma reacção na rua que nos permite medir o acolhimento junto das pessoas. E, de facto, esse acolhimento tem sido muito impressionante; quer dizer, basicamente não notamos rejeição, notamos muito apoio e entusiasmo, e tem sido assim invariavelmente de Norte a Sul. Por isso, eu estou muito confiante em relação ao resultado – que também resulta da necessidade de uma alternativa a estes oito anos. Ou seja, basicamente aquilo que vai estar em causa já não é tanto uma disputa entre partidos ou coligações, mas uma opção entre aqueles que não se resignam e que acham que é possível conseguir muito melhor, e os outros, que acham que está tudo bem. Pedro Nuno Santos vai a debates perguntar “afinal, o que é que não funciona?”. É um bocadinho isso que está em causa, e eu acredito que a grande maioria das pessoas vai querer mudar. E a alternativa ao PS é, realmente, a AD.

    Aliás, o lema que tem usado para chamar os portugueses a votar nesta coligação é precisamente que esta é a coligação que pode mudar Portugal. Vê, de facto, a AD como a verdadeira alternativa?

    Sim. Nós temos um facto que é inquestionável: durante oito anos, o Partido Socialista [PS] governou com várias maiorias, primeiro a geringonça, depois com outra maioria e com um apoio no Parlamento, embora não escrito, e por fim, com a maioria absoluta. Teve os meios e os instrumentos e teve péssimos resultados em todas as áreas sectoriais. Portanto, aqui chegados, a alternativa a este PS está necessariamente naquilo que são os partidos do arco da governabilidade – que têm credibilidade, são previsíveis e estáveis. São partidos que têm grande experiência; e que já estão no país inteiro, em coligação, a gerir com muita competência os destinos das pessoas. Recordo que são mais de 40 autarquias que o PSD e o CDS gerem em conjunto, e estão juntos também no governo regional dos Açores e da Madeira. E tudo isto, a meu ver, faz desta coligação – com respeito por todos os outros adversários – a mudança lógica, e essa alternativa útil que pode ser transformadora. Depois, temos os extremismos, que hoje são corporizados, quer à nossa esquerda, quer no espaço do populismo radical. Porque à esquerda, o próprio Pedro Nuno Santos, que traduz o pior do Governo do doutor António Costa – ele próprio remodelado -, verbaliza a opção de uma geringonça 2.0 que levará ao Governo o Bloco de Esquerda e o PCP; ou seja, aqueles dois partidos que durante a geringonça, apoiavam o PS no Parlamento com o Pedro Nuno Santos, estarão no Governo, numa versão muitíssimo mais radicalizada, levando os extremismos para dentro da governação. Por outro lado, há, uma outra expressão que é populista, radical, que manipula emoções e que não é de direita, e que promete tudo a todos.

    Fala do Chega.

    Sim, basicamente; mas enfim, o Chega de direita realmente não tem nada. E é profundamente radical. Mas um partido que propõe mais taxas, mais impostos, mais Estado e que quer a TAP nacionalizada a viver com os impostos contribuintes, que quer transformar o PRR em subsídios, que quer o Estado a ser fiador de empréstimos de privados, que quer as polícias a fazerem greve, ou que possam ter dentro dos quarteis secções partidárias… Obviamente que isto de direita, não tem nada – é um populismo muito radical, e com um programa que, curiosamente, em larga medida, está seguramente muito mais próximo Bloco de Esquerda e do PS do que da AD.

    Esse radicalismo à esquerda que refere também se reflectiu em relatórios que indicam que Portugal foi um dos países que recuou no seu nível de democracia, e temos também alguns problemas na própria União Europeia [EU], com alguma legislação comunitária que até vem condicionar um pouco a liberdade de imprensa. Nesse sentido, a AD promete ser mais moderada, com um programa e propostas que respondem às necessidades dos portugueses?

    Portugal recuou nos níveis de democracia e caiu nos rankings da pobreza. Note que, neste momento, Portugal tem perto de 4 milhões de pessoas que vivem no limiar da pobreza sem prestações sociais. Um em cada três jovens é forçado a sair do país, convivem com uma taxa de desemprego em Portugal superior a 20%, e com salários genericamente muito baixos. Mas, em cima disso, Portugal é um país que, em oito anos, foi ultrapassado por vários outros países de Leste, desde a Polónia à Hungria, e agora recentemente também pela Roménia – países que eram mais pobres na altura da adesão à UE, e que aderiram muito mais tarde, mas que tiveram outras opções do ponto de vista daquilo que são as apostas na sociedade e na economia, e que fizeram com que conseguissem muito melhores resultados. Portanto, diria que também essa expressão acaba por trazer um certo descrédito às instituições democráticas. E estes anos foram terríveis, com estas substituições sucessivas de governantes – todas elas à volta de incidentes que, do ponto de vista institucional, preocuparam também o Presidente da República muitas vezes – e, de resto, o Primeiro-Ministro acaba a demitir-se. Tudo isto são sinais de uma degradação muito acentuada, e crescente, que fez com que este Governo caísse por si, apesar dessa maioria absoluta. E isso também é muito impressionante.

    Tem mencionado algumas propostas da AD, mas quer destacar algumas que podem de facto ter um efeito positivo para colmatar algumas das crises que nós vivemos, nomeadamente na habitação, nos baixos salários, nos impostos e no próprio Serviço Nacional de Saúde [SNS]?

    Sim; sumariamente, e começando pela Saúde, porque é realmente fundamental retirar-se a ideologia do Serviço Nacional de Saúde. O Ministro Manuel Pizarro é o Ministro da Saúde, não é o Ministro do SNS. Mas aquilo que o Governo conseguiu nestes oito anos, por causa da ideologia, foi transformar hospitais bem geridos em hospitais cheios de problemas, desde Braga a Loures; por causa do preconceito ideológico de uma ministra que fazia questão de dizer que ouvia a Internacional quando se sentia tensa. E este Governo é um governo que extingue parcerias-público privadas de Braga e de Loures, e transformaram hospitais premiados e bem geridos em hospitais cheios de problemas. Hoje, sabemos que há 1.700.000 pessoas sem médico de família – muitas mais do que antes, quando, em 2016, o doutor António Costa dizia que todos os teriam. Temos urgências fechadas, muitas vezes há dificuldade em conseguir consultas e cirurgias de que dependem a vida dos doentes. Portanto, há muita coisa que tem de ser feita; inclusive ao nível da gestão e, por isso, muitas destas parcerias fazem realmente sentido. Porque se o Governo diz – e em alguns casos é verdade – que investiu muito mais no sector da saúde, mas os resultados são muito piores, isso significa que há uma perda da eficácia naquilo que é gestão a diferentes níveis. E os hospitais têm de ser eficazes na gestão, que vive de recursos que são escassos. Depois, temos de acabar com um preconceito à esquerda, porque o Ministro não é ministro do SNS; ganhando complementariedade entre os sectores público, social e privado. Porque onde o Estado não consiga, o sector social e o sector privado conseguem ajudar. E isto, claro, tendo o doente como escopo, que beneficiará dessa interacção. Há muita coisa a fazer, do ponto de vista da garantia de que se as pessoas não podem ter um tratamento a tempo e horas, o tratamento será feito noutro local que não no SNS, através de vouchers, mas dando resposta aos seus problemas. Também há questões que têm a ver com a dignificação salarial de profissionais de saúde – e refiro-me a médicos, enfermeiros e técnicos de saúde. Também há muitas coisas a fazer, por exemplo, na escola pública, que se degradou muito em oito anos: os professores perderam muita autoridade, os alunos caíram nos rankins – que mostram que, apesar da covid, Portugal teve um pior desempenho dos alunos comparando com outros alunos da União Europeia. E, também no que tem que ver com a Educação, nós propomo-nos a devolver, faseadamente, tempo que foi retido aos professores, e a garantir que não há – como hoje acontece – uma escola para ricos e outra para pobres, numa fractura que põe em causa o próprio elevador social, e onde os alunos de famílias mais desfavorecidas não conseguem aceder a boas ofertas de ensino privado. Também temos respostas para a habitação, por exemplo, entre outras coisas, garantindo que muito daquilo que é o património degradado do Estado pode ser entregue para o mercado através de parcerias com privados, que ajudarão à recuperação desse património e serão ressarcidos do seu investimento. Obviamente, terão lucros, porque nós valorizamos a iniciativa privada, mas o Estado ficará com esse património recuperado. Nós queremos que os jovens fiquem cá, não queremos que saiam, e por isso, logo no primeiro emprego, nós propomos  o IRS jovem, que garante uma taxa de IRC de 15% para os jovens até aos 35 anos. E, por outro lado, também no que tem que ver com a juventude, queremos isentar, na compra da primeira habitação, os jovens em cinco anos de IMT e de imposto de selo. Temos também medidas que são fundamentais para alavancar tudo isto, para que seja possível devolver rendimentos às famílias e às empresas: a AD irá reduzir as taxas de IRS em todos os escalões e retomar uma reforma do IRC – que já tinha estado pactuada com o PS e depois foi rasgada pelo doutor António Costa – que permitirá uma redução faseada mas progressiva dessa taxa de IRC. E isto significa que, tendo mais rendimentos, as famílias poderão ter maiores possibilidades de investimento e de consumo, e as empresas terão maior liquidez para criar postos de trabalho, para se renovarem, para se modernizarem, e para aumentarem salários. Ou seja, é uma questão do modelo económico e do modelo social, que está aqui muito em causa nesta disputa entre o Partido Socialista e a Aliança Democrática.

    Resumindo, o que propõe é, de facto, retirar aquela questão ideológica de muitas das medidas e políticas que têm existido em Portugal?

    Sim; se há uma marca registada deste Partido Socialista, eu diria que assenta na “entrega” de ideologia para tentar resolver problemas, mas por essa via, apenas os agravou – foi assim na saúde, com o fim de parcerias-público privadas, foi assim na educação, com o fim dos contratos de associação, foi assim na habitação, com o programa Mais Habitação, que, como bem sabe, no limite, defendeu e prevê arrendamentos compulsivos; coisa que eu já tinha visto nos espaços socialistas, mas muito pouco nas democracias ocidentais civilizadas. Portanto, há realmente essa diferença e essa fronteira entre a AD – que privilegia o mercado com coesão social, a liberdade e a livre iniciativa, e que acredita no dinamismo da sociedade – e a esquerda, particularmente o PS, que acreditam numa estatização da sociedade e da economia, numa perspectiva que é paternalista, e que diz às pessoas o que podem e não podem fazer, ou onde podem e não podem investir. E, enfim, em relação a esta última estratégia, depois de oito anos… Na verdade, se pensarmos que o PS, nos últimos 27, governou 20, e teve sempre todos os meios; nós achamos que isto não resulta, mas é uma opção legítima para quem queira. Quem não se resigna, e acha que Portugal pode ser muito melhor, tem uma outra estratégia, que é a AD – uma possibilidade que eu acredito que sairá vencedora e, no final, mostrará a todos em Portugal um futuro muito melhor.

    Para terminar: antevê que esta coligação pode continuar, nomeadamente para as europeias e para futuras eleições?

    Sim. Esta é uma coligação que foi feita para as eleições legislativas, com incidência de Governo, bem como para as eleições europeias, e vai até às eleições autárquicas; muito embora nas eleições autárquicas, naturalmente, com respeito também por aquilo que são as prorrogativas próprias das estruturas locais. E, portanto, aí, sem que seja numa base impositiva, mas com total abertura para que a coligação funcione sempre que seja desejável.

    Transcrição de Maria Afonso Peixoto.


    Veja AQUI a página na Internet com informação do CDS-PP.

    Veja AQUI o programa da coligação Aliança Democrática.


  • ‘Julian Assange tem sido um canário na mina de carvão’

    ‘Julian Assange tem sido um canário na mina de carvão’

    Num momento em que a Justiça britânica está a decidir se extradita para os Estados Unidos o jornalista Julian Assange, o fundador da Wikileaks, o PÁGINA UM entrevistou a sua mulher Stella Assange. A advogada e activista dos direitos humanos não tem dúvidas de que o pico da era de liberdade de imprensa e de liberdade de expressão no mundo ocidental já passou e avisa que o mundo ocidental tem vindo a cair numa espiral de censura, cada vez mais sofisticada. Julian Assange, actualmente com 52 anos, foi detido há quase cinco anos, encontrando-se numa prisão de alta segurança em Londres e num estado muito debilitado, física e psicologicamente. O pedido de extradição dos Estados Unidos serve para julgar Assange por ter publicado em 2010 no Wikileaks informação confidencial que denunciava crimes de guerra. Um dos desejos de Stella, confessou ao PÁGINA UM, depois da desejada libertação de Julian Assange – que recentemente recebeu o apoio do chanceler alemão Olaf Scholz – será uma visita conjunta a Portugal.

    O PÁGINA UM divulga já na íntegra o vídeo da entrevista a Stella Assange conduzida pela jornalista Elisabete Tavares, em inglês, estando também na plataforma Spotify. Ainda hoje, o PÁGINA UM publicará a entrevista editada em português, em formato de texto.


    Veja aqui o vídeo completo da entrevista a STELLA ASSANGE conduzida pela jornalista Elisabete Tavares.


    Se preferir, pode ouvir aqui a entrevista integral a STELLA ASSANGE no Spotify.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Oiça e leia a ‘não-entrevista’ de Luís Montenegro, presidente do Partido Social Democrata

    Oiça e leia a ‘não-entrevista’ de Luís Montenegro, presidente do Partido Social Democrata

    Como sucedeu com todos os outros 23 líderes partidários, o PSD foi convidado a participar na rubrica HORA POLÍTICA, uma iniciativa única na imprensa em Portugal, que visa contribuir para uma democracia com maior pluralismo e diversidade, concedendo espaço para uma entrevista em pé de igualdade.

    Apesar das inúmeras insistências, Luís Montenegro, presidente do PSD, não mostrou disponibilidade para ser entrevistado pelo PÁGINA UM. É apenas a quinta HORA POLÍTICA sem a presença de um líder partidário (seguindo a opção de Rui Tavares, Mariana Mortágua, Gonçalo da Câmara Pereira e Pedro Nuno Santos) depois de 17 entrevistas concedidas ao PÁGINA UM por líderes partidários.

    Curiosamente, as assessorias de comunicação do PSD e do PS tentaram sempre saber se o outro partido iria conceder a entrevistas, acabando assim por nenhum dos dois se mostrar disponível, o que tem um significado em termos de democraticidade.

    O PÁGINA UM dedica assim uma ‘hora de silêncio’ ao PSD, e aproveita para divulgar as 17 entrevistas que já publicámos anteriormente. Todas as entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A NÃO-ENTREVISTA DE LUÍS MONTENEGRO, PRESIDENTE DO PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA, (QUE NÃO FOI) CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Luís Montenegro, presidente do Partido Social Democrata, optou por não conceder entrevista ao único órgão de comunicação social com uma iniciativa em que não discriminava nenhum partido independentemente de deter ou não representação parlamentar.

    Este espaço, que seria do Partido Social Democrata, fica assim dedicado a divulgar novamente as 17 entrevistas já publicadas pelo PÁGINA UM aos 10 líderes políticos do partidos inscritos no Tribunal Constitucional por ordem crescente de antiguidade. Esta postura do PÁGINA UM será repetida caso se verifiquem ‘faltas’ idênticas. Saliente-se que foram convidados todos os líderes (e apenas os líderes) dos 24 partidos, independentemente de estarem representados na Assembleia da República ou de participarem nas próximas eleições, sendo a sua divulgação feita por ordem crescente de antiguidade, terminando no dia 6 de Março com a entrevista ao Partido Comunista Português, o mais antigo do país.

    Líderes dos partidos com entrevistas já publicadas, cuja sequência de publicação remete para a sua antiguidade, em função da data da inscrição no Tribunal Constitucional.

    OSSANDA LIBER, presidente da Nova Direita


    ANA CARVALHO e DUARTE COSTA, co-líderes do Volt Portugal


    MÁRCIA HENRIQUES, presidente do Reagir Incluir Reciclar (RIR)


    ANDRÉ VENTURA, presidente do Chega


    JORGE NUNO SÁ, presidente do Aliança (concorre com o Partido da Terra na coligação Alternativa 21)


    RUI ROCHA, presidente da Iniciativa Liberal


    RUI LIMA, presidente do PURP


    JOAQUIM ROCHA AFONSO, presidente do Nós, Cidadãos


    BRUNO FIALHO, presidente da Alternativa Democrática Nacional (ADN)


    ÉLVIO SOUSA, secretário-geral do Juntos pelo Povo


    GIL GARCIA, líder do Movimento Alternativa Socialista (MAS)


    INÊS SOUSA REAL, porta-voz do Pessoas-Animais-Natureza (PAN)


    JOSÉ MANUEL COELHO, vice-presidente do Partido Trabalhista Português (PTP)


    PEDRO SOARES PIMENTA, presidente do Partido da Terra


    JOSÉ PINTO-COELHO, presidente do Ergue-te


    MARIANA SILVA, porta-voz do Partido Ecologista Os Verdes


    CIDÁLIA GUERREIRO, secretária-geral do PCTP/MRPP


    Pode consultar AQUI a programa da Nova Direita.

    Pode consultar AQUI o programa do Volt Portugal.

    Pode consultar AQUI o programa do RIR – Reagir Incluir Reciclar.

    Pode consultar AQUI o programa do Chega.

    Pode consultar AQUI o programa da coligação Alternativa 21 integrada pelo partido Aliança.

    Pode consultar AQUI o programa da Iniciativa Liberal.

    Pode consultar AQUI a página do PURP.

    Pode consultar AQUI o programa do Nós, Cidadãos.

    Pode consultar AQUI o programa do ADN – Alternativa Democrática Nacional.

    Pode consultar AQUI o programa do Juntos Pelo Povo.

    Pode consultar AQUI a página do MAS.

    Pode consultar AQUI o programa do PAN.

    O PTP não tem programa disponível online.

    Pode consultar AQUI a página do MPT-Partido da Terra.

    Pode consultar AQUI o programa do Ergue-te.

    Pode consultar AQUI o programa do Partido Ecologista Os Verdes.

    Pode consultar AQUI a página com informação do PCTP/MRPP


  • Oiça e leia a ‘não-entrevista’ de Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista

    Oiça e leia a ‘não-entrevista’ de Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista

    Como sucedeu com todos os outros 23 líderes partidários, o PS foi convidado a participar na rubrica HORA POLÍTICA, uma iniciativa única na imprensa em Portugal, que visa contribuir para uma democracia com maior pluralismo e diversidade, concedendo espaço para uma entrevista em pé de igualdade.

    Apesar das inúmeras insistências, Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, não mostrou disponibilidade para ser entrevistado pelo PÁGINA UM. O gabinete de comunicação de Pedro Nuno Santos procurou saber sempre se Luís Montenegro, líder do PSD, também aceitaria ou não conceder entrevista ao PÁGINA UM. A entrevista ao presidente do PSD não foi ainda realizada, estando o seu espaço de entrevista previsto para esta segunda-feira. Poderá ser assim a quinta HORA POLÍTICA sem a presença de unm líder partidário (seguindo a opção de Rui Tavares, Mariana Mortágua e Gonçalo da Câmara Pereira) ou a 18ª HORA POLÍTICA com entrevista concedida por líderes partidários.

    O PÁGINA UM dedica assim uma ‘hora de silêncio’ ao PS, e aproveita para divulgar as 17 entrevistas que já publicámos anteriormente. Todas as entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A NÃO-ENTREVISTA DE PEDRO NUNO SANTOS, SECRETÁRIO-GERAL DO PARTIDO SOCIALISTA, (QUE NÃO FOI) CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista, optou por não conceder entrevista ao único órgão de comunicação social com uma iniciativa em que não discriminava nenhum partido independentemente de deter ou não representação parlamentar.

    Este espaço, que seria do Partido Socialista, fica assim dedicado a divulgar novamente as 17 entrevistas já publicadas pelo PÁGINA UM aos 10 líderes políticos do partidos inscritos no Tribunal Constitucional por ordem crescente de antiguidade. Esta postura do PÁGINA UM será repetida caso se verifiquem ‘faltas’ idênticas. Saliente-se que foram convidados todos os líderes (e apenas os líderes) dos 24 partidos, independentemente de estarem representados na Assembleia da República ou de participarem nas próximas eleições, sendo a sua divulgação feita por ordem crescente de antiguidade, terminando no dia 6 de Março com a entrevista ao Partido Comunista Português, o mais antigo do país.

    Líderes dos partidos com entrevistas já publicadas, cuja sequência de publicação remete para a sua antiguidade, em função da data da inscrição no Tribunal Constitucional.

    OSSANDA LIBER, presidente da Nova Direita


    ANA CARVALHO e DUARTE COSTA, co-líderes do Volt Portugal


    MÁRCIA HENRIQUES, presidente do Reagir Incluir Reciclar (RIR)


    ANDRÉ VENTURA, presidente do Chega


    JORGE NUNO SÁ, presidente do Aliança (concorre com o Partido da Terra na coligação Alternativa 21)


    RUI ROCHA, presidente da Iniciativa Liberal


    RUI LIMA, presidente do PURP


    JOAQUIM ROCHA AFONSO, presidente do Nós, Cidadãos


    BRUNO FIALHO, presidente da Alternativa Democrática Nacional (ADN)


    ÉLVIO SOUSA, secretário-geral do Juntos pelo Povo


    GIL GARCIA, líder do Movimento Alternativa Socialista (MAS)


    INÊS SOUSA REAL, porta-voz do Pessoas-Animais-Natureza (PAN)


    JOSÉ MANUEL COELHO, vice-presidente do Partido Trabalhista Português (PTP)


    PEDRO SOARES PIMENTA, presidente do Partido da Terra


    JOSÉ PINTO-COELHO, presidente do Ergue-te


    MARIANA SILVA, porta-voz do Partido Ecologista Os Verdes


    CIDÁLIA GUERREIRO, secretária-geral do PCTP/MRPP


    Pode consultar AQUI a programa da Nova Direita.

    Pode consultar AQUI o programa do Volt Portugal.

    Pode consultar AQUI o programa do RIR – Reagir Incluir Reciclar.

    Pode consultar AQUI o programa do Chega.

    Pode consultar AQUI o programa da coligação Alternativa 21 integrada pelo partido Aliança.

    Pode consultar AQUI o programa da Iniciativa Liberal.

    Pode consultar AQUI a página do PURP.

    Pode consultar AQUI o programa do Nós, Cidadãos.

    Pode consultar AQUI o programa do ADN – Alternativa Democrática Nacional.

    Pode consultar AQUI o programa do Juntos Pelo Povo.

    Pode consultar AQUI a página do MAS.

    Pode consultar AQUI o programa do PAN.

    O PTP não tem programa disponível online.

    Pode consultar AQUI a página do MPT-Partido da Terra.

    Pode consultar AQUI o programa do Ergue-te.

    Pode consultar AQUI o programa do Partido Ecologista Os Verdes.

    Pode consultar AQUI a página com informação do PCTP/MRPP


  • Oiça e leia a ‘não-entrevista’ de Gonçalo da Câmara Pereira, presidente do Partido Popular Monárquico

    Oiça e leia a ‘não-entrevista’ de Gonçalo da Câmara Pereira, presidente do Partido Popular Monárquico

    O Partido Popular Monárquico, fundado em 1975, integra a coligação Alternativa Democrática (AD) com o PSD e o CDS-PP nas actuais eleições legislativas. Como sucedeu com todos os outros 23 líderes partidários, o PPM foi convidado a participar na rubrica HORA POLÍTICA, uma iniciativa única na imprensa em Portugal, que visa contribuir para uma democracia com maior pluralismo e diversidade, concedendo espaço para uma entrevista em pé de igualdade. Apesar das inúmeras insistências, Gonçalo da Câmara Pereira, presidente do PPM, não mostrou disponibilidade, por estar em silêncio durante a campanha para as eleições legislativas. O PPM é, por isso, a terceira ausência (após o Livre, de Rui Tavares, e o Bloco de Esquerda, de Mariana Mortágua) no meio de 17 entrevistas (já publicadas), que incluíram partidos sem e com assento parlamentar (Iniciativa Liberal, Chega e PAN). O PÁGINA UM dedica assim uma ‘hora de silêncio’ ao PPM, e aproveita para divulgar as 10 entrevistas que já publicámos anteriormente. Todas as entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A NÃO-ENTREVISTA DE GONÇALO DA CÂMARA PEREIRA, PRESIDENTE DO PARTIDO POPULAR MONÁRQUICO, (QUE NÃO FOI) CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Gonçalo da Câmara Pereira, presidente do Partido Popular Monárquico (PPM) encontra em silêncio durante a campanha eleitoral e optou por não conceder entrevista ao único órgão de comunicação social com uma iniciativa em que não discriminava nenhum partido independentemente de deter ou não representação parlamentar.

    Este espaço, que seria do Partido Popular Monárquico, fica assim dedicado a divulgar novamente as 17 entrevistas já publicadas pelo PÁGINA UM aos 10 líderes políticos do partidos inscritos no Tribunal Constitucional por ordem crescente de antiguidade. Esta postura do PÁGINA UM será repetida caso se verifiquem ‘faltas’ idênticas. Saliente-se que foram convidados todos os líderes (e apenas os líderes) dos 24 partidos, independentemente de estarem representados na Assembleia da República ou de participarem nas próximas eleições, sendo a sua divulgação feita por ordem crescente de antiguidade, terminando no dia 6 de Março com a entrevista ao Partido Comunista Português, o mais antigo do país.

    Líderes dos partidos com entrevistas já publicadas, cuja sequência de publicação remete para a sua antiguidade, em função da data da inscrição no Tribunal Constitucional.

    OSSANDA LIBER, presidente da Nova Direita


    ANA CARVALHO e DUARTE COSTA, co-líderes do Volt Portugal


    MÁRCIA HENRIQUES, presidente do Reagir Incluir Reciclar (RIR)


    ANDRÉ VENTURA, presidente do Chega


    JORGE NUNO SÁ, presidente do Aliança (concorre com o Partido da Terra na coligação Alternativa 21)


    RUI ROCHA, presidente da Iniciativa Liberal


    RUI LIMA, presidente do PURP


    JOAQUIM ROCHA AFONSO, presidente do Nós, Cidadãos


    BRUNO FIALHO, presidente da Alternativa Democrática Nacional (ADN)


    ÉLVIO SOUSA, secretário-geral do Juntos pelo Povo


    GIL GARCIA, líder do Movimento Alternativa Socialista (MAS)


    INÊS SOUSA REAL, porta-voz do Pessoas-Animais-Natureza (PAN)


    JOSÉ MANUEL COELHO, vice-presidente do Partido Trabalhista Português (PTP)


    PEDRO SOARES PIMENTA, presidente do Partido da Terra


    JOSÉ PINTO-COELHO, presidente do Ergue-te


    MARIANA SILVA, porta-voz do Partido Ecologista Os Verdes


    CIDÁLIA GUERREIRO, secretária-geral do PCTP/MRPP


    Pode consultar AQUI a programa da Nova Direita.

    Pode consultar AQUI o programa do Volt Portugal.

    Pode consultar AQUI o programa do RIR – Reagir Incluir Reciclar.

    Pode consultar AQUI o programa do Chega.

    Pode consultar AQUI o programa da coligação Alternativa 21 integrada pelo partido Aliança.

    Pode consultar AQUI o programa da Iniciativa Liberal.

    Pode consultar AQUI a página do PURP.

    Pode consultar AQUI o programa do Nós, Cidadãos.

    Pode consultar AQUI o programa do ADN – Alternativa Democrática Nacional.

    Pode consultar AQUI o programa do Juntos Pelo Povo.

    Pode consultar AQUI a página do MAS.

    Pode consultar AQUI o programa do PAN.

    O PTP não tem programa disponível online.

    Pode consultar AQUI a página do MPT-Partido da Terra.

    Pode consultar AQUI o programa do Ergue-te.

    Pode consultar AQUI o programa do Partido Ecologista Os Verdes.

    Pode consultar AQUI a página com informação do PCTP/MRPP


  • ‘Somos contra os subsídios. As pessoas têm de trabalhar para um ordenado digno’

    ‘Somos contra os subsídios. As pessoas têm de trabalhar para um ordenado digno’

    O Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses – mais conhecido por PCTP/MRPP – nasceu em 1970 e foi inscrito oficialmente junto do Tribunal Constitucional em 1975. No seu arranque, contou com a adesão de muitos estudantes que viriam a ser figuras de relevo na sociedade portuguesa, como Saldanha Sanches, Maria José Morgado e Durão Barroso. Teve também na sua liderança, durante muitos anos, o professor universitário e advogado António Garcia Pereira, que se demitiu do partido em 2015 em rota de colisão com o fundador Arnaldo Matos. Agora, Cidália Guerreiro, 69 anos, professora aposentada, é a líder, como secretária-geral, do PCTP/MRPP. E mantém a atitude crítica, defendendo que celebrar o 25 de Abril mostra ser uma mera formalidade, porque a população é hoje tão explorada como antes da Revolução dos Cravos. Acredita também que o Mundo caminha para uma Terceira Guerra Mundial e que Portugal já não tem soberania, fazendo parte do imperialismo globalizado. Esta é a 17ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE CIDÁLIA GUERREIRO, SECRETÁRIA-GERAL DO PCTP/MRPP, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    O PCTP/MRPP é um partido que anda de mãos dadas com aquilo que é a História de Portugal, até antes da democracia.

    Sim; o partido foi fundado antes do 25 de Abril – que parece ser aquele marco que instaura a democracia. Nasceu a 18 de Setembro de 1970, e naturalmente que antes também já tinha algumas raízes. Foi um partido que nasceu para combater a ditadura fascista, mas também porque considerava que não havia um verdadeiro Partido Comunista; e que o Partido Comunista da altura era um partido revisionista – e por isso aquela célebre frase que sempre tínhamos: ”morte ao fascismo e ao social-fascismo”.

    E era uma luta muito de estudantes, não era?

    Sim; o partido começou exactamente com um movimento estudantil, nomeadamente uma organização que se chamava, creio, ”Vamos ao Trabalho”, na Faculdade de Direito.

    Cidália Guerreiro na sede do PCTP/MRPP, em Lisboa. (Foto: PÁGINA UM)

    Nessa altura, já estava integrada no movimento?

    Ainda não; eu integrei-me no partido já em 1974, quando vim para Lisboa. Nessa altura, o movimento era muito dinâmico e praticamente toda a juventude militava ou, pelo menos, aderia às ideias do partido. Nessa altura, o partido também encetou uma grande luta relativamente à Guerra colonial e teve uma intervenção muito grande.

    E tiveram também, nessa altura, várias figuras mediáticas ligadas ao partido, como António Garcia Pereira e Durão Barroso.

    Pois; isso aconteceu. Como disse, uma grande parte da juventude aderiu ao partido e às suas ideias. Depois, naturalmente, com todo o desenvolvimento, foram-se distanciando, tomaram outros caminhos, fizeram outras escolhas e estão numa outra “barricada” [risos].

    Estamos prestes a comemorar, e tem havido uma grande campanha mediática em torno disso, os 50 anos de democracia. O que significa para si e para o PCTP-MRPP estes 50 anos desde o 25 Abril?

    Teríamos, se calhar, de voltar um pouco atrás; que é perceber o que foi o 25 de Abril. Por um lado, o que foi inicialmente, que nós não consideramos uma revolução; consideramos que houve uma movimentação a partir das Forças Armadas, e que não pretendia ser muito mais do que isso? Na verdade, na chamada Madrugada de Abril, a população que foi convidada para ficar em casa, acabou por ter outra decisão e ir para a rua. E foi esse movimento de massas que veio alterar o que estava inicialmente previsto, que seria apenas uma mudança de um sector da burguesia para outro. Foi um golpe de Estado levado a cabo pelos militares, que tinha a ver com a situação da Guerra colonial.

    E revê-se na forma como estão a ser programadas as comemorações e como tem sido, aliás, celebrado o 25 de Abril em Portugal nos últimos anos?

    Não. Até porque, neste momento, o que nós temos de democracia, e que estaria subjacente à própria movimentação das massas e que foi feito com uma grande espontaneidade e alegria; e o “garrote” que tínhamos que não só a nível de falta de liberdade, mas da própria exploração intensa das pessoas – isso não se concretizou. Portanto, não sei bem o que vamos celebrar neste 25 de Abril. É uma celebração oficial, uma formalidade. Era bom que se reflectisse sobre o que se pretendia com o 25 de Abril, nomeadamente na parte da população, e aquilo que hoje temos. Porque a população que na altura tinha grandes dificuldades, e estava sujeita a uma grande exploração, hoje não tem grandes diferenças na sua vida e no seu dia-a-dia; ela debate-se novamente com problemas económicos, de Saúde, habitação. Quase que voltámos ao princípio, numa outra versão.

    Para além do nível de democracia que nos últimos anos, sobretudo a partir de 2020, com muitas medidas, catastróficas, que se vêem pelo excesso de mortalidade também. Mas houve um recuo enorme no nível democrático em países ocidentais, incluindo em Portugal.

    Se nós tivéssemos – que nunca tivemos – qualquer ilusão relativamente ao que era a democracia burguesa, tudo ficou muito claro aquando das prisões, em Maio de 1975, em que 430 militantes do nosso partido foram presos e ficaram encarcerados em Caxias a mando do COPCON.

    Portanto, logo a partir daí, entende que ficou comprometido o processo do avanço democrático?

    É a democracia burguesa [risos]. A ideia de democracia burguesa não é bem de igualdade para todos; diz-se isso, mas não é. Aliás, o nosso partido neste momento sofre uma perseguição muito grande a nível de exigências da legalidade. Estamos constantemente confrontados, por exemplo, com multas excessivas, porque se encontra uma ou outra irregularidade; que não justificam essas multas.

    O partido deixou de ter subvenção, ou seja, deixou de ter acesso a um apoio que se dá aos partidos para as suas tarefas e operações. E no que respeita às multas, tem exactamente os mesmos valores para os partidos grandes, que têm enormes subvenções.

    Tem, mas com algumas diferenças. Nós estamos sujeitos, por exemplo, a contabilidades organizadas e temos de ser nós a fazê-las. A verdade é que os grandes partidos em Portugal transformaram-se em empresas. E a partir do momento em que os partidos não são partidos, com uma intervenção política na sociedade através das suas ideologias, mas passam a ser, quase à maneira americana, empresas que têm capitais, negócios, operações financeiras e tudo isso, a desigualdade surge; é inevitável. Nós não temos uma subvenção, mas também não concordamos com subvenções. Evidentemente, quando estamos no sistema, não o deitamos fora; utilizamo-lo. Mas, se os partidos querem igualdade, efectivamente deveriam concorrer às eleições em pé de igualdade. Ora, se nós temos um orçamento de 3.000 euros para estas eleições – e nem sabemos se o vamos ter… Estas eleições são muito mais caras do que as anteriores; os orçamentos previstos perfazem os dois milhões de euros, e são dinheiros públicos.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Não concorda com isso?

    Não; não deveria haver subvenções, absolutamente nada. Os partidos deviam ter os seus próprios meios; porque só assim é que se poderia pensar – e mesmo assim, não seria completamente claro – que os partidos não estão ao serviço de ninguém.

    E como é que o partido sobrevive em termos financeiros?

    Sobrevive só com as quotas, donativos e fundos dos seus militantes, simpatizantes e outros apoiantes; mais nada.

    E não é suficiente?

    Claro que não; e por isso, não temos possibilidade de fazer uma propaganda que dê visibilidade ao partido. Muitas vezes, as pessoas interrogam-se porque é que não aparecemos mais – não aparecemos porque esta também é uma forma da dita democracia nos silenciar.

    E a imprensa, que também tem estado em crise, mas não entende dá sempre mais atenção aos partidos que já têm mais meios financeiros para fazer campanha?

    Isso é evidente; mesmo nos próprios espaços que são dados, os grandes partidos têm uma campanha completamente diferente; basta ver o que está a acontecer neste momento, com todos os debates. Ainda lhes dá bastante tempo para expressarem as suas propostas; embora elas até nem sejam muito diferentes umas das outras, se formos a ver. Já os chamados pequenos partidos, têm um debate único. E, aliás, importa lembrar que esse debate até foi imposto pelo nosso partido em 2011. Mas são debates em que, quase em 10 minutos, somos bombardeados com perguntas que temos de responder num tempo recorde – é quase impossível.

    E entende que essa situação deveria mudar, em termos daquilo que é o acompanhamento da imprensa?

    Naturalmente; se falamos em igualdade, então deveria haver igualdade de todas as maneiras, tanto a nível da imprensa como dos meios, e em todos os aspectos. Só assim é que se via o que cada um pode oferecer. E mais: por exemplo, em relação aos próprios negócios – porque, depois, isto é um investimento para os grandes partidos… Já não me lembro quanto é que o PS vai investir, mas acho que são 3 ou 4 milhões. Mas é um investimento para poderem estar em sectores-chaves que lhes permitem fazer grandes negociatas, tal como vemos, depois, o que acontece a nível da corrupção. Isto é um pé para entrar noutro nível.

    E o que é hoje o PCTP-MRPP? Ainda é o mesmo partido de há 50 anos ou mudou alguma coisa?

    Na aparência, mudaram algumas coisas, mas em termos de programa, mantém-se o mesmo. Mesmo em relação às eleições, estamos numa posição um bocadinho difícil, porque nós achamos que as eleições não vão resolver nenhum dos problemas da população.

    Porquê? Porque é que têm essa visão?

    Aqueles que nós defendemos, que é a população trabalhadora, não vai deixar de ser explorada porque o sistema não vai mudar. Nada vai mudar com as eleições nem com algumas reformas que neste momento estão a ser propostas. E é aí que nós também criticamos alguns partidos que se dizem de esquerda porque criam a ilusão de que as eleições vão melhorar e que uma ou outra reforma vai melhorar as coisas; não vai. E chegará uma altura em que não vai mesmo melhorar, e nem vai ser possível até introduzir reformas. O sistema tem de ser alterado, efectivamente, e só vai ser alterado quando a população estiver consciente de que isso tem de ser feito. E nós estamos cá exactamente para denunciar o carácter das eleições, e por isso, não deixámos de estar presentes nelas. Daí que eu estivesse a dizer que é difícil, porque dizemos que não acreditamos que as eleições resolvam, mas estamos cá, e as pessoas perguntam porque é que estamos. Estamos, exactamente para dizer que há outro caminho; porque também não podemos chegar à situação de dizer que votámos, e não conseguimos. Não; há outro caminho. Então, vamos votar, mas com consciência de que isso não vai resolver, e quando tivermos essa consciência, veremos então como é que resolvemos.

    E é um partido que mantém o seu cariz de uma esquerda mais radical e que tem sido também crítico da actuação do PCP e do Bloco de Esquerda, por exemplo, naqueles anos em que apoiaram o Governo de António Costa.

    E que não resolveram absolutamente nada. Portanto, isso vem provar aquilo que acabei exactamente de dizer. Não foi porque se fizeram algumas reformas que as coisas se alteraram; pelo menos, os problemas de fundo da população subsistem. O que é que se criou? A ilusão de que se poderia alterar. E, aliás, hoje estamos a pagar bem caro essa ilusão. Os portugueses todos [risos]. E os portugueses também terão que se interrogar todos porque é que estamos em eleições. Porque já fomos para eleições em 2022 com um Governo que não completou a legislatura.

    Uma imagem de Karl Marx na sede do partido.
    (Foto: PÁGINA UM)

    E em que o PCTP/MRPP esteve presente.

    Sim, nós denunciámos a situação, dissemos que as eleições estavam a ocorrer e que o próprio Parlamento se tinha implodido a ele próprio porque era necessário alterar a correlação de forças devido a algumas alterações que estavam a surgir. Nomeadamente a gestão dos milhões do PRR, que estava para vir. E portanto, essa implosão não foi natural – aconteceu porque era necessária. E depois tivemos uma maioria absoluta; e não se percebe porque é que o Governo caiu. Aparentemente, não seria por motivos políticos, propriamente, mas sim pela Justiça; o que não deixa de ser política, porque o que está em causa é a forma como um Governo de maioria absoluta geriu os nossos dinheiros, o dinheiro do povo.

    Sim, porque muitas vezes há governantes que dizem que o Governo nos deu isto ou aquilo, mas o Governo não dá nada, na verdade, porque o dinheiro é dos contribuintes.

    Toda a razão; as pessoas falam dessa forma, dizem que o Governo tem de ajudar e ter pena de nós… Não dão nada, porque o Governo o que faz é gerir o dinheiro do país. E como é que vai gerir? Aqui é que nós vemos, porque não gere a favor da população, mas sim a favor daqueles que efectivamente mandam no Governo – a favor dos grandes monopólios dos capitalistas e desses interesses. E isto, agravado pelo facto de Portugal não ter qualquer autonomia nem independência, e nem o próprio orçamento pode fazer porque ele tem sempre de ser aprovado pela União Europeia. E nós também denunciámos isso nas últimas eleições. Porque quando falamos eleições, se quisermos ser sérios, temos que ver em que contexto e em que cenário é que as eleições acontecem. Primeiro ponto: não há qualquer autonomia a partir do momento em que estamos inseridos na UE e na NATO; temos de fazer aquilo a que essa situação nos obriga – se a UE achar que o nosso orçamento está errado, não o aprova. Se achar que vamos ter de ter uma economia de guerra, é essa economia que vamos ter. Portanto, todas as promessas que neste momento até estão a ser feitas – e sei que ainda estamos em altura de saldos porque o mês de Fevereiro ainda não terminou –,  tudo isto é tão exagerado que deixa de ser credível. Ninguém acredita que estas promessas são para se fazer; estas promessas são para chegar ao poder. E chegados ao poder, depois, o que vai acontecer? O que já aconteceu: de dois em dois anos temos um novo Governo, e se calhar agora até vamos ter num intervalo mais curto.

    E estão a ser negociadas alterações ao nível do Regulamento Sanitário Internacional, bem como o novo Tratado Pandémico, e há países que estão de pé atrás relativamente ao que está a ser desenhado, que é um grande reforço do poder da Organização Mundial de Saúde. Como sabemos, é uma organização importante, mas também está vulnerável a interesses privados. Também vos preocupa que haja este tipo de evolução, não só a nível comunitário, de estas organizações internacionais se poderem imiscuir nas decisões do país?

    Preocupa-nos, mas não nos surpreende. Nós sempre fomos dizendo – é evidente que não somos suficientemente ouvidos – que o capitalismo atingiu o seu estado supremo, que é o imperialismo, e que está globalizado e ‘mundializado’. E como agora se chegou ao ponto em que as crises capitalistas não estão a ser resolvidas por uma via pacífica, vai extrapolar para a guerra, que é exactamente aquilo em que, neste momento, estamos. Quando há uma potência imperialista hegemónica como os Estados Unidos, que está a perder poder e a vê-lo fugir para uma outra potência em crescimento, que neste caso é a China, vai recorrer a todas as estratégias para conseguir sobreviver. E é exactamente nesse nível que nós estamos. Já estamos numa guerra inter-imperialista, que se vai desenvolver rapidamente – e nós queremos chamar a atenção para isso. Neste momento, temos a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente, e naturalmente, a nível de desenvolvimento económico, vai ter consequências.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas os Estados Unidos parecem estar com vontade de se envolver em mais conflitos…

    São obrigados a fazer isso, mas estão a perder as guerras todas. A Europa já perdeu a guerra, naturalmente, também na Ucrânia. E aquilo que nós vemos e isso também nos preocupa, porque são sinais, quando temos o Chanceler alemão a dizer que vamos ter de nos armar e que todos os países europeus vão ter de produzir armamento. E que vamos ter de criar um escudo nuclear com a França e com a Grã-Bretanha. Ora, se neste momento a palavra de ordem é armamento, qual é o cenário que se nos vai colocar? Quando temos agricultores na Alemanha a fazerem as suas manifestações porque lhes foi retirado o subsídio do gasóleo, e quando a própria Alemanha diz que não vai repor porque agora a economia é outra, significa que estamos a entrar num caminho do alargamento de uma terceira Guerra Mundial – que vai ser bastante violenta e pode levar-nos num grau de destruição e de sofrimento muito grandes. E nós temos a obrigação de o denunciar, porque é uma guerra que não é nossa, não é connosco.

    Mas as guerras dão muitos lucros, ao nível da indústria de armamento. E nos anos de pandemia houve uma enorme transferência de riqueza, como em geral acontece em grandes crises, mas neste caso para as grandes multinacionais; não só farmacêuticas, mas tecnológicas, e as empresas cotadas em Portugal, como as maiores empresas de energia e dos supermercados. Portanto estamos numa altura em que há muita riqueza para essas entidades.

    Sim, disse tudo com a sua pergunta [risos]. A Ucrânia também serviu para gastar as armas que já não interessam – portanto, os Estados Unidos têm ganhado bastante dinheiro nisto tudo – e para experimentar um novo armamento. No fundo, isto é uma preparação.

    Entende que é uma preparação?

    É. Uma preparação para aquilo que se vai instalar. Até já temos um alinhamento de vários blocos para esta terceira guerra; e neste momento, é muito difícil evitá-la.

    Portanto, já está a deixar aqui esse aviso, porque é aquilo que consegue perceber que vai acontecer…

    Sim, e Portugal não devia envolver-se nesta guerra, não tem nada a ver com ela, nem vai ganhar nada com ela. E nós tivemos sempre uma palavra de ordem já antes de 1974, mas logo a seguir ao 25 de Abril fizemos bastantes manifestações relativamente à presença da NATO em Portugal; e a palavra de ordem era “NATO fora de Portugal”, e continuamos a tê-la. Portanto, as ideias fundamentais do partido mantêm-se.

    A propósito dessas palavras de ordem, e como há pouco referiu, acha que Portugal ainda manda alguma coisa? Ainda há decisões que possa sequer tomar?

    Portugal não manda absolutamente nada, Portugal obedece.

    António Garcia Pereira liderou o PCTP/MRPP e foi candidato em diversos actos eleitorais, incluindo à presidência da República. Demitiu-se do partido em 2015, após fortes críticas internas. (Foto: D.R.)

    Embora haja países na União Europeia, e tivemos o caso do Brexit, que têm criticado a forma como a Comissão Europeia e a União Europeia se têm comportado.

    Sim, mas nós não mudámos absolutamente nada; sempre fomos contra a integração de Portugal na União Europeia, e também em relação à Comunidade Económica Europeia [CEE]. Nós dissemos foi que não foi Portugal que entrou na CEE, foi a CEE que entrou em Portugal. Portanto, essas coisas que precisam às vezes de tempo para se perceber, neste momento estamos a perceber quais são as consequências da nossa perda de soberania quando entrámos na UE, e quando perdemos a nossa moeda. Quando passámos a ter o euro, parece que ficou tudo muito satisfeito, ou criou-se a ideia de que estávamos a receber muito dinheiro dos países ricos sem termos que fazer nada; que é uma posição perfeitamente oportunista. Alguns receberão dinheiro, mas enfim. A verdade é que Portugal não tem autonomia absolutamente nenhuma, só tem que obedecer – faz parte de um imperialismo. As pessoas dizem que não são imperialistas, e que até somos um país pobre; mas não é assim. Portugal faz parte do imperialismo, e dentro do imperialismo globalizado, tem uma função; a função que lhe for dada, é essa que ele vai fazer.

    A discussão que está a colocar na mesa não tem sido falada, apesar da gravidade do que se passa a nível da política internacional; o que se tem visto nas campanhas, como referiu, são muitas promessas dos partidos. Os portugueses vão ter o PCTP/MRPP no boletim de voto? Apresentaram listas para estas eleições?

    Sim; embora dentro do partido se tenha discutido muito se este ainda é o momento de concorrermos a eleições, dado o desgaste, a destruição e a desilusão com aquilo que nós chamamos a democracia burguesa.

    (Foto: PÁGINA UM)

    E estão em todos os círculos?

    Não, estamos só em alguns circos. É do conhecimento geral que o partido está a passar por algumas dificuldades internas, e está a tentar reorganizar-se e reforçar-se.

    E em que círculos concorrem?

    De qualquer das formas, no conjunto dos círculos abrangemos, pelo menos, mais de metade da população votante – estamos em Lisboa, Setúbal, Porto, Braga, Aveiro, Beja, Portalegre, Castelo Branco e Europa.

    E que propostas é que têm no vosso programa para os temas que entende serem mais importantes para os portugueses?

    Antes disso, eu ainda gostava de dizer, relativamente à demissão deste Governo, que de facto é inexplicável e cria alguma perplexidade na população sobre como é que um Governo de maioria absoluta cai. Será que cai porque tem de cair, porque é a forma que a burguesia tem de ultrapassar e de se desresponsabilizar da situação que foi criada por este próprio Governo durante dois anos, e que já não tinha grande saída? Quando o Governo caiu, sabemos que tínhamos todos um descontentamento enorme em vários sectores.

    Então, entende que é uma manobra concertada?

    Sim, entendemos que é uma manobra; tal como foi a queda do Governo anterior, esta também foi. Aliás, Portugal está a cair: caiu o Governo da República, o governo das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Isto não pode ser por acaso. Portugal está ingovernável?

    E há dúvidas sobre se vai ser possível formar um Governo depois das eleições.

    Pois, provavelmente, sim; até porque essas dúvidas estão a colocar-se também nos Açores. Houve um partido que ganhou as eleições, e não sabemos se vai haver um governo. Portanto, o mesmo pode acontecer aqui.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas no caso do seu partido, acredita que pode crescer em votos, e que pode atrair com as vossas propostas, mais militantes? Quais são as vossas metas para estas eleições?

    Pode crescer, mas neste momento o nosso partido tem de se reorganizar para os movimentos que vão surgir inevitavelmente no meio da crise que está a acontecer. O partido tem de estar preparado; a revolução não se faz de dentro do partido, faz-se de fora do partido – e sempre dissemos isso. Mas, em relação à Saúde, por exemplo, um aspecto que se estava a falar; o Serviço Nacional de Saúde [SNS] está destruído. Fala-se que tem de ser reconstruído, mas na nossa óptica, neste momento já vai ser muito difícil que ele seja reconstruído porque ele está destruído.

    E também muitos portugueses, aqueles que podem, têm sido empurrados para o privado, não é?

    Mas o SNS foi destruído paulatinamente, sem que se desse conta. Porque o SNS começou a subsidiar os serviços privados de saúde, que se transformaram num negócio. E a partir daqui, se o investimento, que é social, no público, passa por esse público para ir para o privado, o serviço público fica destruído. Falando de forma simples: nós não temos nenhum serviço público, por exemplo, onde se possa ir fazer análises, raio-X, ressonâncias ou TACs; são todos privados.

    As pessoas são encaminhadas para os serviços privados?

    O problema é que as pessoas não dão por isso. Como vão fazer as suas análises aos laboratórios, e muitas vezes não pagam, acham que está tudo bem. Mas esquecem-se de uma coisa: não pagam, mas esses serviços são pagos. E por isso é que estamos a ver todo esse tipo de laboratórios e de meios complementares a crescerem enormemente.

    Além do muito dinheiro que foi gasto e saiu até um relatório do Tribunal de Contas relativamente aos gastos com a pandemia, que foram exorbitantes.

    Exactamente. E eu não faço ideia porque agora não tenho esses dados, de quanto é que, de facto, transita do serviço público para o privado. Mas a verdade é que o serviço público vai encolhendo, à medida que o privado vai alargando.

    Entende então que essa situação devia mudar.

    Acho que ela está catastrófica, é o caos. E é por isso que o Governo também caiu e não tinha interesse em continuar, porque ia continuar para fazer o quê? Não tinha já solução.

    Mas acha que há interesse em mudar?

    Não haverá interesse, mas há interesse em deixar ficar durante algum tempo, até que as coisas estejam completamente arrumadas. Quando dermos conta, já não temos SNS; às tantas, já não vamos ter tempo para o recuperar, pelo menos de uma forma fácil.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Então considera que esta destruição foi propositada?

    Naturalmente; tem a ver com os interesses. Se a Saúde se transformou num negócio, e a própria pandemia veio demonstrá-lo… Porque se a humanidade está em perigo, os laboratórios não estiveram ao serviço da humanidade e desse perigo; estiveram ao serviço dos grandes lucros que tiveram.

    Tiveram e, aliás, nós no PÁGINA UM noticiámos alguns casos desses.

    Qualquer pessoa se questiona se, então, estamos mesmo a trabalhar para o bem da humanidade, e se estamos preocupados com isso – porque não é isso que a realidade nos diz.

    Mas não é o se passa também um pouco no ensino? Tivemos também os professores em protesto. E é sabido que, por exemplo, muitos políticos têm os seus filhos em colégios privados.

    Sim, no ensino é a mesma coisa. Embora eu pense que o nível de destruição no ensino não avançou tão depressa como na Saúde. A Saúde está completamente destruída. Mas são negócios, de facto, que estão em causa. E a verdade é que nunca, a não ser antes do 25 de Abril, nós tivemos hospitais fechados. Para uma mulher grávida, deve ser uma espera angustiante saber onde é que o filho vai nascer, e se a maternidade mais perto estará aberta ou fechada. É dramático quando nós pensamos que os hospitais fecham ao fim-de-semana. Não podem fechar.

    Ou seja, não há segurança para uma mulher que esteja grávida, não sabe o que vai acontecer?

    Ou tem meios – e cá está, a igualdade não existe – ou arranjam meios, porque de facto não querem correr o risco de terem um parto com consequências trágicas. Portanto, até às vezes se empenham para conseguir resolver esse problema. Mas o que é insuportável é pensar que temos serviços de saúde que são necessários 24 horas – porque nós não sabemos quando é que adoecemos – fechados.

    Entende que há um retrocesso?

    Sim, disso não há dúvidas nenhumas. Hospitais fechados era antes do 25 de Abril, que não havia hospitais. Então se vamos comemorar o 25 de Abril, vamos comemorar o quê? Voltamos àquela questão inicial; é apenas uma propaganda, hoje vive-se de propaganda. E os meios de comunicação social, ganharam de facto um estatuto de quarto poder, e criam-se as ideias que se criam.

    Entende que os media, em larga medida, o que fazem é propaganda?

    Uma grande parte, sim. Os media têm chefes, patrões, e donos; portanto, as propagandas também avançam a partir daí.

    Mas também estão em crise agora, não é?

    E criam ideias. Dominam, e depois tudo é discutido na base das ideias criadas.

    Mas é interessante porque muitas vezes é passada a mensagem de que a propaganda é só de regimes ditatoriais, mas não se entende que haja propaganda em governos de países ocidentais.

    O que é mais perigoso, porque nos outros países nós já sabemos que há [risos]. Portanto, aí já estamos alertados. Mas neste pensamos que não, que tudo é natural e tudo é – como se dizia antigamente – a bem da nação. Mas não é; é a mal da nação.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Como é que tem acompanhado estes protestos que têm havido em várias áreas, desde os jornalistas, aos agricultores e às forças de segurança?

    Eu continuo a dizer: é a crise do capitalismo. São as contradições que efectivamente se agudizam, e que não apresentam soluções. Mesmo com os agricultores não é outra coisa. Nós vamos ter um problema entre a agricultura, que está a ser destruída completamente, e tem que ser concentrada – aquilo que a que assistimos nos últimos tempos foi à concentração da agricultura com monopólios, por um lado, e o nascimento de um operariado agrícola. Por incrível que possa parecer; às vezes diz-se que o conceito de operário está a desaparecer, mas não está, pode é alterar-se. Nos campos, o que nós temos com esta agricultura intensiva, nomeadamente do Olival e do amendoal no Alentejo, é o que está a criar isto. Foi a venda de uma grande parte de propriedades mais pequenas para grupos económicos estrangeiros; temos a ideia de que são só espanhóis, mas não são – são angolanos e americanos. E estão a criar um conjunto de pessoas que são operários: alguns, nacionais, e outros, imigrantes, a viver em condições péssimas, como todos sabemos. Em condições degradantes e de exploração. E quando a própria comunidade, na luta pela pseudo energia verde, diz que tem de se cortar até 50% dos pesticidas, está a esquecer-se do que é usado, de facto, nestas culturas intensivas; que é uma brutalidade desse tipo de fertilizantes e que contagia até os outros terrenos que estejam ao lado e que ainda resistam a ser integrados nessas grandes propriedades. Depois, temos uma indústria de distribuição e agroalimentar que vai também sofrer algumas destas consequências. As outras propriedades no norte do país serão um pouco diferentes, mas a tendência, naturalmente, é de centralização e concentração.

    Mesmo nos Estados Unidos tem havido um movimento de determinadas figuras mediáticas a serem compradoras de grandes lotes de terra.

    Sim; e eles têm comprado muito em Portugal, nomeadamente terrenos no Alentejo.

    Agora já não se fala tanto no ambiente, mas sim na questão das alterações climáticas. O que é certo é que ao nível comunitário, se prolongou por mais uma década, por exemplo, o uso do glifosato, que era da Monsanto, e foi comprado pela Bayer, e que é perigosíssimo. Portanto, em relação a algumas coisas, não bate aqui a bota com a perdigota.

    Podem dizer que nós repetimos a cassete, mas para nós, a questão de fundo continua a ser o sistema capitalista e o modo de produção capitalista, que está esgotado e tem de ser substituído. É normal; tem a ver com a história. Os modos de produção vão-se sobrepondo; o modo de produção capitalista está esgotado, e tem que dar origem a um novo modo de produção. Há essencialmente duas riquezas, como nós dizemos: a natureza e o trabalho. Sendo que o trabalho é a forma como o homem utiliza instrumentos para retirar a riqueza da natureza. Está tudo aí. E aquilo que se chama a economia verde, muitas vezes, mais não é do que outro negócio.

    Como a questão de se substituir um carro a combustível por um eléctrico…

    Ora aí está; que parece que não vai ser uma coisa melhor, e não está a ser fácil. É, na mesma, a sociedade de consumo e a utilização da natureza até às últimas consequências. Agora vamos ter uma luta para recorrer a novas matérias que serão necessárias para novas tecnologias; mas nada é feito em termos de planeamento ou de respeito pela natureza. E todos estes desastres climáticos que estamos a ter, têm a ver com a falta de respeito que houve pela natureza e com o esgotar dos recursos.

    (Foto: D.R./PCTP-MRPP)

    Mas os avisos já existiam e muitas das pessoas que estão na política hoje, na Europa e em Portugal, já estavam na política nos em que começaram os avisos. Portanto, não é de agora.

    Claro que não; foi desde sempre. O Friedrich Engels também já falava nisso há muito tempo, com A dialética da Natureza.

    Também se viu, nos últimos anos, um enorme recuo ao nível dos direitos humanos, em vários países, com medidas repressivas que, entretanto, se percebeu que muitas foram erradas. Têm vindo a ser aprovadas, a nível comunitário, novas regulamentações sobre os direitos digitais e a imprensa, mas que vêm condicionar a liberdade de imprensa e de expressão. Como é que vê esses sinais?

    Eu acho que nós temos a realidade impor-se. O que é que se passa na Palestina?

    Ou seja, os direitos humanos é só de vez em quando?

    É, quando convém, e de formas diferentes. Nós estamos agora a vivenciar a hipocrisia que existe relativamente aos direitos humanos. Porque está a haver um genocídio; não temos dúvidas nenhumas. E até tivemos o nosso Presidente da República – um dos primeiros Presidentes da República – a apoiar Israel. Ele podia ter estado calado nessa altura; esperava, pelo menos. Mas não! Cá está: Portugal é o bom aluno, e tem de se pronunciar em primeiro lugar. Portanto, quanto à forma como se vê os direitos humanos, eu penso que basta olhar para o que está a acontecer. Em que os países que podiam, e deviam, ter uma palavra a dizer, não o fazem. Porque acham que Israel tem que se defender; e em nome desse princípio que impõem, pode matar milhares e milhares de civis e não há problema nenhum.

    Portanto, choca-a esta forma como o Governo, o Presidente da República, e até a própria União Europeia se tem posicionado nesse tema?

    Sim; todos foram a Israel: o Presidente da República, o Parlamento, todos. E tiveram necessidade de o fazer – essa é a questão. E o Presidente da República ficou numa situação muito difícil com as posições que tomou – essas e outras. E já não sabemos se este Novembro de 2023 estava a ser tão constrangedor para uma série de poderes em Portugal; e que juraram inclusivamente esta demissão. Portanto, tivemos quase três poderes metidos no meio de uma demissão, que não vai alterar absolutamente nada.

    (Foto: PÁGINA UM)

    E o próprio Presidente da República esteve envolvido num escândalo.

    Exactamente. Isto é a tal corrupção – continuo a dizer – inerente ao sistema e ao facto de termos recebido tantos milhões. Criaram-se tantas comissões para fiscalizar, fiscalizavam-se uns aos outros.

    E para os portugueses, em que é que se traduzem esses milhões?

    Em nada. Nós temos uma crise de habitação dramática, com consequências incalculáveis. Não há casas, pura e simplesmente. A habitação é um direito, que está na Constituição, e aquilo que nós vemos é que não há, nem foi construído, nem planeado. E isso é grave.

    E as que existem, os portugueses não conseguem pagar.

    Não têm acesso a elas. Nós estamos de facto num sistema que se baseia na lei da oferta, no negócio e na mercadoria; mas nós temos uma oferta que está inquinada. Para já, houve políticas que não planearam habitação social, nem tiveram isso em conta. E agora querem resolver o problema com arrendamentos que nem se sabe como se vão fazer, e nem sequer se há condições ou um número de habitações para isso. E este ano, houve um dos maiores aumentos ao nível das rendas. Neste momento, não é possível aos portugueses arrendarem uma casa em Lisboa, porque também têm uma concorrência com estrangeiros que vêm viver e trabalhar para Lisboa e que têm facilidade em pagar rendas acima dos 1.000 euros.

    Portanto, a vossa visão é que o Estado deveria chegar-se à frente?

    Sem dúvida, e a questão que se coloca é porque é que não o fez. Porque já fez dois anos que recebeu milhões do PRR, em que o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana [IHRU] era uma das instituições que deveria ter resolvido o problema, e não fez nada. E já vamos no terceiro ano, porque isto vai terminar em 2026. Portanto, faltam dois anos. O que é que aconteceu ao dinheiro?

    Acha que é uma questão ideológica de não se querer do Estado, e querer que sejam os privados a resolver?

    Pode ser. Mas é sobretudo uma questão de negócios.

    Voltamos ao mesmo?

    Sim. Porque, no fundo, como é que está a ser executado o PRR? Quem são as empresas que beneficiam? E beneficiando, como é que o estão a aplicar? De facto, há três sectores que chegaram a um estado de destruição quase total com as políticas deste Governo de maioria: a habitação, a saúde e o ensino.

    E na saúde temos um excesso de mortalidade assustador. Portugal é dos países da Europa com o maior nível de excesso de mortalidade, e o Ministério da Saúde não quer investigar.

    Não quer investigar, mas sabe.

    Sim, tem as suas bases de dados anonimizadas, que podem perfeitamente ser disponibilizadas, e nós no PÁGINA UM temos uma acção em tribunal para que essas bases de dados sejam disponibilizadas.

    Exactamente, e devem ser. Nós continuamos a dizer o mesmo que no princípio: o Serviço Nacional de Saúde está destruído.

    Uma foto de Arnaldo Matos, fundador do partido, em destaque no hall de entrada da sede do PCT/MRPP.
    (Foto: PÁGINA UM)

    Portanto, os portugueses também não estão a ter acesso a cuidados de saúde.

    Não, não estão. E quando os obtêm, já é em situações que às vezes são reversíveis. Há pessoas que estão à espera de operações e de outras intervenções; não é só as horas que se espera na urgência; não há acompanhamento.

    E como dizia antes de começarmos esta entrevista, nem para se nascer, nem para morrer em Portugal, as coisas estão bem.

    Sim; é dramático. E vai chegar a uma altura em que é insustentável. E aí, as coisas rompem.

    Quando fala, sentimos que pode não haver já solução. Em todo o caso, vê que há uma possibilidade para Portugal de travar um bocadinho esses movimentos, também em termos de uma Terceira Guerra Mundial, mas não só?

    Não vai travar absolutamente nada; porque estão em causa forças maiores que querem sobreviver, e que só podem sobreviver por aí.

    E há alguma coisa que os portugueses podem fazer no sentido de dar a volta a isto e tentar resolver algumas questões?

    Têm que se consciencializar de como é que vão resolver as questões, e de retirar algumas lições do que vai acontecendo. Porque os portugueses vão perceber. Vão perceber que lutam por isto, que tentam alterar e que já votaram não sei quantas vezes, só nos últimos tempos, e que isto está podre. Ninguém vai acreditar que todas estas propostas e ofertas que estão a ser feitas são para ser concretizadas; elas são feitas para se chegar ao poder e ver quem é que consegue enganar melhor. Uma vez lá instalados, vai acontecer a mesma coisa. Até porque nenhum dos partidos que estão a concorrer, desses que fazem as grandes propostas e que acham que de facto vão chegar ao poder, pode dizer com certeza que o programa que estão a apresentar vai ser o programa que vão concretizar. Porque eles não sabem sequer se vão governar sozinhos, nem com quem se vão aliar.

    (Foto: D.R.)

    Mas os dois grandes partidos já indicaram, pelo menos a AD e o PS, que há aquela linha vermelha em relação ao Chega. Como é que vê as sondagens que apontam para um crescimento do Chega?

    Oh, as sondagens nunca são assim tão seguras quanto isso; depende dos grupos que são sondados e depende, inclusivamente, daquilo que o sondado quer dizer.

    Portanto, podem ser enviesadas?

    Podem. Há também problemas a nível da comunicação, porque a comunicação não sabe o que o povo sente.

    Foi a comunicação social e alguns partidos que fizeram o Chega. E, portanto, até lhes dá jeito. Porque podem tentar dizer que se não ganharem eles, vai ser o Chega e vai ser uma desgraça. Mas foram exactamente eles que fizeram o Chega dessa forma. A comunicação social e os comentadores, porque vivem numa bolha, acham que aquilo que eles dizem é o que a população pensa. E pensam também que a maior parte das pessoas são influenciadas por aquilo que eles dizem; mas a vida das pessoas é diferente daquilo que os comentadores pensam.

    As pessoas têm uma vida difícil, chegam ao fim do mês e não têm dinheiro para pagar as despesas. E sabem que não têm direito à saúde, que esse bem não está garantido, que têm problemas com a habitação e com a educação; isso elas sabem. E quando muitas vezes contestam, no sentido imediato, e dizem que algo está mal, podem não saber ainda o que querem, mas sabem que não querem isto. Ora, se há um partido populista que diz que algo está mal, é normal que algumas pessoas concordem.  E, portanto, o Chega, que não tem um programa, propriamente…  Porque apontam para o que está mal, mas qual é a proposta do Chega? Eles têm de dizer claramente como é que resolvem estes problemas, e qual o modelo de saúde que querem. Porque nós não temos problemas nenhuns que nos acusem de querer o desenvolvimento do Estado social – não é isso que nós queremos, mas entre o que queremos, e o que temos, queremos isso. E não temos problemas nenhuns em que haja meia dúzia de comentadores que defendam, por oposição, a liberalização e a iniciativa privada; nem ficamos sequer incomodados que tentem fazer crer que as nossas ideias são uma coisa do passado.

    Também há a questão da imigração, e partidos que defendem um maior controlo, mas temos também uma grande emigração dos jovens. Quer deixar uma mensagem aos jovens, sobretudo os que têm estado a sair do país?

    Pois estão, e vão continuar a sair; estou convencida de que a emigração aumentar. E a imigração também vai aumentar porque também nos faz falta. No fim de contas, voltamos a ter as tais contradições: nós temos desemprego, temos jovens qualificados a sair, e em igual proporção, temos imigrantes a entrar. É quando estas contradições são insanáveis, que as coisas têm que rebentar. Porque os portugueses não podem ir trabalhar para fora, para depois haver necessidade de uma mão-de-obra barata – e é o que está a acontecer. Os imigrantes vêm trabalhar, sujeitos a ordenados baixíssimos e a uma exploração intensíssima. Mas eles geram lucro suficiente para o pagamento que se lhes dá, e para os subsídios que são dados, em alguns casos, em Portugal. Nós somos contra esta história dos subsídios; não tem que haver subsídios. As pessoas têm de trabalhar por um ordenado digno, que lhes permita viver. E como os governos não querem fazer isso, temos de recrutar mão-de-obra barata, explorada, e colocar gente em situações indignas.

    Um dos murais que trouxeram fama ao PCTP/MRPP (mural sem data, nem local). (Foto: D.R.)

    Pensa que é um sinal também da decadência daquilo que existe em alguns países ocidentais?

     É, e vai ter consequências. Porque é muito bonito estarmos a dizer que ainda bem que os imigrantes cá estão, porque são eles que estão a sustentar a Segurança Social… Isso é um facto. Mas será bom para o desenvolvimento do país? Se calhar, não é. Não pode ser visto como algo bom, quando enviamos para fora os nossos.

    Portanto, é algo que também tem que se repensar?

    É uma contradição que, de facto, tem de ser resolvida. Mas ainda bem que os imigrantes estão cá, e nós não queremos que eles estejam nas condições em que estão; porque depois são problemas sociais atrás de problemas sociais. E se, inclusivamente, houve acordos para que alguns contratos fossem feitos em termos de imigração, esses acordos têm de ser respeitados. E não são; como nós vimos. E é preciso, de vez em quando, sair esses alertas para nós abrirmos os olhos e verificarmos que as coisas não estão a correr bem.

    Portanto, há muito para fazer?

    Há muito para fazer, porque há muito mal feito [risos].

    Transcrição de Maria Afonso Peixoto.


    Veja AQUI a página na Internet com informação do PCTP/MRPP.


  • ‘Não podemos continuar a apostar em agricultura intensiva. Temos é de continuar a apostar na produção nacional’

    ‘Não podemos continuar a apostar em agricultura intensiva. Temos é de continuar a apostar na produção nacional’

    Voltar a ter deputados eleitos na Assembleia da República é o principal objectivo do Partido Ecologista Os Verdes, que foi fundado em 1982. Mariana Silva, 41 anos, é uma porta-voz do PEV e membro do Conselho Nacional e da Comissão Executiva do partido que concorre a eleições na coligação CDU-Coligação Democrática Unitária, com o Partido Comunista Português. A professora, natural de Guimarães, e antiga deputada do PEV, defende que faz falta uma voz ecologista no Parlamento português. Diz ainda que Portugal deve parar de querer ser o ‘bom aluno’ e aplicar cegamente as políticas ambientais e agrícolas que são impostas pela União Europeia, devendo, antes, defender mais os agricultores e as populações. Esta é a 16ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE MARIANA SILVA, PORTA-VOZ DO PARTIDO ECOLOGISTA OS VERDES, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Qual é a situação actual do seu partido, nomeadamente naquilo que são os objetivos agora para estas eleições legislativas?

    Nós não temos líder politico; temos é o Conselho Nacional e a Comissão Executiva. Eu pertenço aos dois, mas sou candidata pelo círculo de Lisboa. E os Verdes fizeram em Dezembro 41 anos. Por isso, temos já uma longa história na defesa da Ecologia, do Ambiente, e da biodiversidade em Portugal. E ficámos fora do Parlamento nas últimas eleições, e este será o nosso grande objectivo destas eleições: voltar à Assembleia da República [AR] e poder, continuar este trabalho num outro patamar; porque este trabalho continua nos colectivos regionais, e em todo o país junto das populações – como é nosso apanágio e como sempre trabalhámos, e só sabemos trabalhar dessa forma.

    Até porque têm muitos candidatos eleitos em termos de autarquias, e vários órgãos autárquicos.

    Sim, exactamente; vereadores e também eleitos em assembleias de freguesia. E por isso esse trabalho continuou, mas todos reconhecemos que é importante ter um grupo parlamentar e estarmos representados na AR. E aquilo que nós identificamos enquanto partido, e que as pessoas nos dizem quando nos procuram para ajudar a solucionar os seus problemas e resolver os problemas locais ou até nacionais, é que nós fazemos falta. Faz falta uma voz ecologista no Parlamento e, nestes dois últimos anos, essa falta sentiu-se. E por isso era necessário retomarmos o nosso trabalho e voltarmos ao Parlamento para podermos dar continuidade a muitos dos projectos que temos em cima da mesa. Como sabemos, as alterações climáticas são uma questão de que falamos há anos, mesmo quando tínhamos os velhos do Restelo a dizer que estávamos a fantasiar um problema.

    Mariana Silva, na sede do PEV. (Foto: PÁGINA UM)

    Hoje, felizmente, já não se diz isso, nem se pensa, mas continua a ser difícil a concretização de medidas que possam mitigar e controlar as alterações climáticas. E nós precisamos também de dar continuidade a estes projectos que tínhamos em cima da mesa e que temos ao longo dos anos vindo a trazer; para que, com a ajuda de reflexão de movimentos, associações, debate, e de conversa que também nos permite ter um contacto real com as questões, e poder dar-lhes as soluções que são necessárias. E depois, podia falar também dos problemas que afectam hoje a maioria dos portugueses: a habitação, o Serviço Nacional de Saúde [SNS], a escola pública – em todas estas áreas, os Verdes têm trabalho e será neste âmbito que nós concorremos também nestas eleições legislativas de 2024.

    Quando se ouve falar em Ecologia, e em defesa do meio ambiente, normalmente pensa-se apenas em florestas e a biodiversidade de animais, mas Ambiente é tudo. Neste âmbito, algumas das propostas que têm também abrangem, como referiu agora, temas que têm estado no centro de preocupações dos portugueses, como a crise na habitação. Que propostas é que têm para este problema?

    Relativamente à crise da habitação, nós temos como propostas interromper a especulação imobiliária, controlar as rendas e aumentar o parque habitacional do Estado, para podermos de alguma forma dar resposta a este problema que enfrentamos hoje em todo o país e que traz graves problemas à economia familiar e aos portugueses. Há pessoas que até têm dois empregos para poder fazer face a este custo de vida e ao aumento das rendas. Os créditos à habitação também subiram muito e isso trouxe graves problemas para as famílias portuguesas, e por isso é preciso pôr aqui um limite e trazer de novo uma acalmia na economia de cada um de nós para podermos realmente viver e não sobreviver. Esta também é uma das nossas lutas: nós não não temos que sobreviver, não é o que nos espera de futuro; mas sim viver e usufruir. E por isso, podemos trabalhar para termos as condições dignas e os nossos direitos garantidos, mas precisamos que as leis também estejam aplicadas a continuarmos neste caminho de vivermos de forma saudável. E há pouco dizia que o ambiente é tudo, e é mesmo. Nós dizemos que só temos este planeta, e temos que o deixar, senão em melhores condições, pelo menos em bom estado para as gerações que vêm a seguir. E eu acho que esse é o grande momento de viragem que estamos a sentir agora – e que acho que veio um bocadinho com a covid-19 – que é percebermos que tudo está interligado.

    Se nós tivermos uma natureza que não está protegida, e uma fauna que não está protegida, e que não haja um desenvolvimento para a sua protecção e conservação, isso, de alguma forma, vai afectar também a saúde dos seres humanos. Isto está interligado; e por isso também precisamos de uma natureza, de uma floresta reforçada autóctone para que a fauna e a flora possam desenvolver-se de forma adequada para depois não afectar os seres humanos. Mas, por outro lado, temos os seres humanos a destruir tudo isto. E por isso, precisamos realmente de passar a mensagem às pessoas de que o Ambiente não é os passarinhos e as árvores – o Ambiente e a Ecologia são muito mais; é nós sabermos estar junto da natureza, usufruir dela, mas também protegê-la, porque só temos este planeta e por isso temos de o proteger.

    E se pensarmos na água, nesse bem essencial à vida, conseguimos ter uma ligação ainda mais próxima com aquilo que são os problemas ambientais e a defesa do Ambiente. A água é um bem finito e por isso precisamos também de o proteger, e em algumas partes do nosso país, as pessoas já sentem no seu dia-a-dia a falta de água e os transtornos que traz. E por isso, há anos que lutamos: não queremos a privatização da água, a água tem de ser pública. Os rios, ribeiras, as nossas linhas de água – tem que haver um maior investimento na sua despoluição. E temos também de ter uma agricultura que não tenha tanta necessidade de água, e por isso há um longo caminho ainda a percorrer para que possamos proteger a natureza e a nós próprios.

    Eu que nasci em Abril de 1974, desde pequena que oiço falar em Ecologia e em desertificação. No entanto, passados 50 anos, parece que está tudo igual ou até pior. E apesar de hoje haver um maior foco e na questão da protecção do Ambiente, o que é certo é que há muito por fazer naquilo que são esses desafios, e eventualmente perigoso, por exemplo, se não acautelarmos a questão da gestão da água, não é?

    Exactamente. Mas aquilo que verificamos é que existem os planos, a reflexão e os estudos, mas depois são guardados na gaveta e não são postos em prática; e isto é uma opção política. Nós percebemos – e temo-lo dito também nesta campanha e já dizíamos nas outras – que é preciso reforçar os deputados da CDU na AR, para que possamos fazer esta pressão sobre a aplicação destas leis: a Lei de Bases do Clima, Regulamento do Arvoredo Urbano, e de Gestão da Água Pública.

    Há um conjunto de medidas e de investimentos que deveriam estar a ser aplicados e feitos, e não estão. E por isso, dependemos muito da pressão que possa ser feita sobre o futuro Governo, para que possa realmente aplicar estas medidas. Nós não precisamos das ”COPs” [conferências do clima] para nos dizer o que temos de fazer no futuro; nós sabemos o que temos que fazer. Esta questão da poupança da água é muito direccionada para o indivíduo; mas as grandes produções, como do abacate, que não são autóctones, e todos os hectares de amendoeiras e de Olival, e esta agricultura intensivo, prejudicam naquilo que deveria ser uma boa gestão da água em regiões onde ela já não é tão abundante. Por isso, precisávamos de outras opções políticas e de outras gestão daquilo que é a nossa agricultura e os nossos projectos agrícolas para o país.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Ou seja, também um planeamento mais vasto?

    Há um planeamento mais vasto, só que não depois, não é aplicado; porque há outros interesses e é contra estes interesses que nós lutamos. Por exemplo, a monocultura do eucalipto, que nós conseguimos, de alguma forma, travar, com o acordo conjunto com o Partido Socialista [PS]; houve alguma evolução e também não podemos dizer que não, e sermos catastróficos e achar que isto está tudo mal. Houve uma evolução, e é um caminho que tem de seguir, mas não deixa de ser interessante que este Governo de maioria PS caia por dois projectos ambientais – a exploração de lítio e o hidrogénio. Não deixa de ser interessante que estejamos agora em eleições antecipadas por causa do Ambiente, apesar daquilo que se vai dizendo à nossa volta de que as pessoas não estão interessadas no Ambiente e querem é pôr comida na mesa; e que é verdade.

    Estamos numa altura em que o nosso salário não chega ao fim do mês, os bolsos rapidamente se esvaziam e as famílias precisam de fazer face às contas que têm de pagar ao fim do mês. Mas é preciso também olhar para as questões ambientais porque também vão ajudar na economia do país; não podemos continuar a apostar em agricultura intensiva que nos vai prejudicar depois nos solos, e que daqui a uns anos já não podemos produzir nada ali.

    Temos é de continuar a apostar na produção nacional, em produtos autóctones que nos permitam também desenvolver a economia do país, e ao mesmo tempo, respeitar o Ambiente, utilizando algumas práticas agrícolas que sabemos serem mais respeitadoras e que conseguem equilibrar tudo isto. Porque não vamos ser radicais e dizer que não vamos produzir nada porque precisamos de produzir, mas também não devemos produzir de forma desadequada, que nos vai trazer problemas de future.

    É este equilíbrio que temos de procurar para o nosso país, e que as políticas ambientais sejam mesmo concretizadas. E também há uma falta de técnicos e de funcionários nas estruturas responsáveis, como a Agência Portuguesa do Ambiente [APA], a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária [DGAV] e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas [ICNF] – todos eles precisam de ser reforçados porque cortaram-se ”gorduras” em 2015, que agora fazem falta. E era o que dizíamos naquela altura: não eram gorduras, eram trabalhadores que faziam falta estas estruturas, para poderem fiscalizar nos locais e no território, todos estes projectos tão necessários, que podem depois ter implicações ambientais.

    Falando com diversos líderes partidários e peritos em diversas áreas, a fiscalização em Portugal parece ser um grande problema. Mas essa fraca fiscalização não favorece determinados negócios e negociatas que podem não ser tão bons para a população? E eu prefiro dizer população em vez de Ambiente, porque não distingo entre Ambiente e população.

    Exactamente; e é correcto, porque a população está implicada em processos que em nada a vão beneficiar, apesar de lhe venderem essa ideia de que vai ser benéfico. Nós não somos contra a exploração de minerais – excepto do urânio – porque sabemos que têm de existir, mas têm que respeitar as regras e ser transparentes. E por isso não ficámos surpreendidos quando estas questões vieram para cima da mesa e fizeram cair o Governo. Nós sempre questionamos a transparência destes processos, sobretudo do lítio; em que não havia transparência nem envolvimento da população, e era necessário explicar muito daquilo que estava a ser planeado para aquele território. E um território como Boticas, classificado como terreno agrícola de qualidade mundial. E quando olhamos para a agricultura de montanha, que é um importante sumidouro de dióxido de carbono [atividades em que as quantidades de carbono absorvido são maiores do que as emissões] e traz um contributo muito grande para as metas de descarbonização a que Portugal se propõe para 2030, não percebemos quais, afinal os interesses.

    Tudo isto foi questionado ao ministro do Ambiente na altura, e sobretudo, as questões de falta de transparência e de envolvimento da população; porque a população é o garante da tradição cultural e de tradições que, se as perdermos, nunca mais vamos conseguir retomar.

    Além disso, são populações já muito castigadas pelas opções políticas ao longo destes anos – já não têm um centro de saúde, autocarros, nem mobilidade e a escola pública, de onde os mais jovens foram obrigados a sair por não ter acesso a estes serviços. E agora, ainda querem destruir a única coisa boa que eles têm, que é a paisagem, a montanha ou a agricultura e a produção de gado. Há todos estes interesses que se sobrepõem ao interesse das populações. Nós fomos sempre contra isso, e continuaremos a ser.

    Sede do PEV. (Foto: PÁGINA UM)

    Alguns reguladores e organismos funcionam um bocadinho como um travão para que se tomem mais decisões em termos de Ambiente, e falou na APA, por exemplo, e no ICNF. Mas não deveria haver também uma menor influência política nesses organismos?

    Vejamos: quando o PS pediu aos portugueses a maioria absoluta e termina desta forma… A primeira coisa que fez foi o Simplex Ambiental, que prejudica imenso o Ambiente e a protecção e a conservação da natureza, porque põe em causa tudo o que seria o estudo do impacto ambiental de diferentes projectos e dá simplesmente os espaços aos promotores desses projectos; e isto não pode acontecer. Quando falamos, por exemplo, na exploração de minerais como o lítio, estamos a falar de subsolo, e de quem é o subsolo? É de todos nós. Se entregamos a investigação do subsolo e das riquezas que lá se encontram a uma empresa privada, nunca vamos saber aquilo que temos no nosso subsolo, nem conhecemos a nossa riqueza porque estamos dependentes daquilo que a empresa privada nos vai dizer que lá existe.

    Como os Verdes já disseram, precisamos, primeiro, de saber o que temos de riquezas, e no nosso subsolo, e que mais-valias traz para a economia do país esta riqueza. E depois, perceber se até pode ser o próprio Estado a explorer, ou se pode ser concessionado. E aquilo por que nós nos ontinuaremos a bater é que estas estruturas do Ministério do Ambiente têm de estar reforçadas e ter a liberdade de poderem trabalhar para proteger aquilo que é da sua responsabilidade: as florestas, as minas, os animais, a fauna. Por isso, precisamos que eles não digam que não podem ir ao terreno porque não têm combustível ou não têm carros, porque todo o seu material está obsoleto.

    A investigação para perceber se a água está poluída ou não, não pode ficar com os privados porque já vimos no que dá – como naquele famoso caso em que a água afinal estava poluída e as pessoas estavam a consumi-la. Precisamos de laboratórios onde se possam fazer essas investigações, porque o Estado tem de ter acesso a esta informação, e tem de ser o dono da informação e perceber até onde é que pode ou não pode ir, e proteger aquilo que é o bem de todos. Porque quando dizemos que vamos explorar o lítio em Montalegre ou em Boticas, ou que vamos colocar as eólicas offshore no nosso mar, e vai prejudicar aquela população, prejudica também o país.

    Nós não podemos achar que a seca no Algarve, só afecta quem vive no Algarve; afecta todo o país – economicamente e até para depois para as políticas que se aplicam. Por isso, é preciso olhar para tudo isto como um todo. A transição energética e a descarbonização têm de ser feitas, mas não é à custa da natureza, outra vez.

    Há vozes que dizem que a questão das alterações climáticas tem estado a ser um pouco usada como desculpa para algumas políticas que têm sido prejudiciais. Atribui-se às alterações climáticas a culpa de algumas coisas que têm estado a acontecer, mas será que algumas não são fruto de medidas erradas que foram tomadas ao longo de décadas?

    Sim; mas as alterações climáticas também são fruto daquilo que foi o comportamento do ser humano em todo o mundo. Mas se outrora não se ligava e não se tinha esta preocupação tão presente, agora é Ambiente e tudo se justifica; basta pintar de verde a medida e a coisa já pode passar. E isso também nos preocupa, por isso é que temos de estar sempre atentos a este problema. Porque quando os Verdes propõem, por exemplo, que se acabe com o sobre-embalamento dos produtos, que não faz sentido; porque quando chegamos a casa, temos um saco de lixo maior do que o espaço que ocupamos nos nossos armários com os bens alimentares. E nós sabemos que as empresas têm essa capacidade de fazer esta evolução para um material mais indicado ou até para material nenhum, porque há alimentos com várias embalagens sem que haja necessidade disso. Por isso, há que resolver este problema de estarmos sempre a criar e a trazer mais produtos para o nosso dia-a-dia.

    Quando se propõe que quando vamos buscar uma refeição possamos levar a nossa própria embalagem, é também enfrentar as empresas que produzem embalagens descartáveis, e que não podemos reutilizar. Portanto, há um duplo problema de querermos ter no nosso dia-a-dia todas estas facilidades de poder comprar um produto e trazê-lo para casa sem ter de andar com tudo atrás de nós, mas ao mesmo tempo, estarmos a criar resíduos e a criar um outro problema de onde é que vamos pôr esses resíduos e como os vamos tratar. E Portugal não cumpre as metas, por isso temos este problema muito presente na nossa sociedade.

    Aquilo que nós defendemos é que não é necessário continuarmos a criar produtos, e podemos viver o nosso dia-a-dia mudando alguns comportamentos; mas só os podemos mudar se não nos impingirem estas embalagens e estes produtos. Mas não deixa de ser engraçado que tudo seja atribuído ao indivíduo: as pessoas é que têm de fechar a torneira enquanto lavam os dentes, têm de tomar duches rápidos, levar o saco para o supermercado… Parece que nós é que temos a culpa, quando as grandes empresas é que também nos sobrecarregam com a ilusão da necessidade daqueles produtos. E precisávamos mesmo de fazer um caminho de sensibilização; e a educação ambiental nas nossas escolas, que está um bocadinho esquecida, precisava de ser retomada, para sensibilizarmos os mais jovens, futuros adultos, para as questões ambientais. Mas, precisávamos também que as empresas correspondessem e não tivessem apenas medidas que são, muitas vezes.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Como é que se pode pedir aos cidadãos que adoptem novos comportamentos, se depois vemos politicos autorizarem o abate de árvores protegidas, ou mesmo eventos internacionais sobre o Ambiente, para onde vão todos aqueles políticos e bilionários nos seus jactos privados? E em cima disso, ainda falam constantemente em mais impostos para o cidadão. Isto não são mensagens difíceis para a população de integrar e para que altere o seu estilo de vida?

    Exactamente, mas isso também o Partido Ecologista os Verdes tem dito: os países ricos podem poluir porque podem pagar; isto não é correcto, porque um país mais pobre que não possa pagar, não pode poluir. Não faz sentido nenhum. E no caso do indivíduo, também não faz sentido que seja o responsabilizado e taxado com mais impostos para que mude o seu comportamento ou tenha uma consciência ambiental mais desenvolvida. A questão é mesmo a de não se sobrecarregar as pessoas com esta ideia de que têm comprar porque se não o fizerem já não têm correspondência na sociedade; como é a questão da roupa, porque amanhã já há qualquer coisa nova.  

    Nós nascemos em 1982, quando estes problemas não estavam tão presentes, mas a Constituição da República Portuguesa era muito avançada e no seu artigo 66 já falava do direito ao ambiente sadio. E a necessidade de se lutar e defender o Ambiente já existia nessa altura, sobretudo com as indústrias, a poluição das linhas de água, e outras questões que já se iam colocando e que as pessoas já iam reflectindo. E agora, nós mantemo-nos neste caminho de ser possível fazer-se de forma diferente, com opções políticas diferentes, mas com outros desafios. Eu poderia falar também da mobilidade, que é tão importante para nós, nomeadamente a questão do carro eléctrico: nós somos contra o carro eléctrico. Tem de haver uma solução ao combustível fóssil, mas não queremos substituir 500 carros a combustível fóssil por 500 carros elétricos – assim, vamos manter os problemas, e se calhar até agravá-los.

    É o tal incentivo ao consumo de que falava, e que não pode ser a resposta.

    Exactamente; porque traz outros problemas; como a exploração do mineral, a questão de para onde vão as baterias, a reciclagem deste material que ainda não está desenvolvido, e continuamos com o problema do estacionamento, e com as estradas cheias de carros. Vamos continuar a perpetuar problemas que queremos contrariar; e todos os planos de mitigação das alterações climáticas referem que o desenvolvimento para o futuro é o transporte público, e que a solução para o futuro é o transporte público colectivo.

    Portugal, que é um país pequeno, não apostou na ferrovia, nem nos transportes públicos, mas sim nas estradas, que temos muitas, e incentivou a compra e o uso de carro.  As populações no interior não são bem servidas por transportes públicos, mas o país está a discutir o carro eléctrico, o TGV e o novo aeroporto. Como é que esta situação?

    A questão é que fomos alternando entre PS e PSD ao longo destes anos, e as opções políticas foram estas: o desinvestimento na ferrovia, no transporte público, e naquilo que era o desenvolvimento das populações de forma a terem acesso ao direito à mobilidade. Porque o direito à mobilidade, depois, dá-nos o direito à Educação, à Cultura, à Justiça, à Saúde; se eu não tiver esse direito garantido, não consigo garantir todos os outros.

    Aquilo que acontece em Portugal, muitas vezes, e que quem vive nas áreas metropolitanas se esquece, é que fora destas áreas não existe transporte público. Mas, mesmo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não são servidas todas as áreas. Há muitas dificuldades nos concelhos mais distantes do centro, que não têm horários nocturnos de autocarro e ao fim-de-semana, e por isso ficam isolados, apesar de estarem no distrito de Lisboa. Parece uma ideia que não se concretiza; porque em Lisboa há tudo, desde barco, a comboio e eléctrico, mas só há numa área muito restrita.

    Nestes últimos anos, com o passe social intermodal – que era uma luta antiga nossa e que se dizia ser uma utopia, mas foi possível – a 20 e 40 euros, as pessoas podem-se deslocar dentro do distrito de forma livre sem  terem de ser tão dependentes do veículo individual. E precisamos de alargar esta medida para todo o país. Quando esta medida foi implementada nas áreas metropolitanas, foi possível perceber que problemas é que se enfrentaram, e agora, os outros concelhos podem aplicá-la, já com esta informação e experiência de outras áreas.

    Mas o isolamento é muito real no nosso país; há localidades que só têm transporte durante o período escolar, e há outras que não têm de todo. E esta foi uma luta e uma questão que levámos muitas vezes à AR e para a qual precisamos de olhar. Mas quando falamos, por exemplo, de ferrovia, fala-se tanto de alta velocidade e do plano nacional ferroviário, mas quem estiver atento sabe que o plano ferroviário de 2020 não está cumprido sequer, e ficou muito aquém das expectativas e daquilo que estava projectado.

    Quando nós pensamos que a Linha do Oeste ainda não está electrificada, nem do Algarve ou do Douro, nós temos é de olhar primeiro para esta condição da ferrovia em todo o território; para depois, pensarmos em algo mais desenvolvido, como uma alta velocidade ou uma linha nova de Lisboa-Porto, que é necessária, ou até para fora da Europa. Mas há ainda muito a fazer nas localidades e no desenvolvimento da ferrovia a nível nacional; só que, depois, as grandes parangonas é que soam aos ouvidos e acha-se que a alta velocidade é que vai solucionar tudo, quando ainda estamos muito atrás e ainda precisamos de investir nas linhas que as pessoas usam no seu dia-a-dia.

    Campanha nas eleições autárquicas de 2017. (Foto: D.R.)

    E que, depois, poderia ter também um impacto no crescimento económico e em fixar a população em determinadas zonas do país.

    Sim; a ferrovia sempre teve esse papel de fixar as pessoas em determinadas regiões, e poderá voltar a ter. E até poderia ter também um reflexo na habitação, porque as pessoas podem ir morar para outros lugares. Este investimento tarda, e já deveria estar feito porque já está planeado – lá está, os tais planos que não saem da gaveta –, o investimento também estava já planeado e já se sabia quanto é que se pretendia gastar. Mas depois, há outras opções políticas erradas destes partidos que têm estado no Governo, o PS e o PSD, e que não pretendem resolver, de todo, o problema do direito à mobilidade, que nos dá a garantia de um melhor ambiente; porque esta questão do passe social intermodal veio tirar milhares de carros das nossas estradas.

    Por isso, podemos considerá-la uma das maiores medidas de defesa do Ambiente dos últimos anos, senão a maior de sempre. É preciso olhar para estas medidas e, como dizíamos no início da nossa conversa, o ambiente é muito mais do que as árvores e os passarinhos. Nós precisamos de dar condições de vida às pessoas e de garantir estes direitos para que elas possam estar mais conscientes e sensibilizadas para estas causas e para aquilo que é necessário para deixarmos um futuro melhor.

    Um dos alertas que o vosso partido tem feito ao longo do tempo tem a ver com o combate à promiscuidade entre politicos e grandes grupos económicos, também com os grandes lucros que a banca tem tido, com um grande empurrão do Banco Central Europeu. Mas têm alertado também para a corrupção, que acaba por afectar até as decisões que têm impacto ambiental. Isto continua a ser algo que pretendem denunciar e combater?

    Sim; combater a corrupção e garantir a transparência é para nós um dos pontos essenciais e nós vamos manter-nos firmes nesta intenção. Porque como eu já referi, a questão do apoio aos grandes grupos económicos, da exploração de lítio sem sabermos que vantagens vai trazer para o país, a questão do hidrogénio, sem conhecermos realmente todo o envolvimento e todas as consequências que existem para as populações, e a questão das eólicas de offshore, que ninguém sabe e que não se fala…

    A CDU promoveu uma discussão em Matosinhos com a população para explicar o que estaria em causa e propor que as pessoas reflectissem também sobre isso – porque tudo isto são projectos que podem ser criados nesta figura da transição e da descarbonização, e que são legitimados pela necessidade de se cumprir metas e supostamente para nos trazer qualidade de vida; mas depois, quando procuramos perceber o que trazem, de facto, estes projectos, vemos que é a destruição da agricultura familiar, da pesca tradicional, e da economia local.

    Aliás, temos agora agricultores nas ruas pela Europa fora.

    Exactamente. Por isso, estes projectos, que até podem ser necessários no futuro, é preciso que não se passem barreiras, e não se começar a casa pelo telhado.

    E de haver transparência.

    Sim, porque nós precisamos de saber o que aquela empresa que vai explorar, e que benefícios vai haver para o país; porque para já, só conhecemos as consequências graves; não conhecemos os benefícios.

    Pois, e não só os benefícios para políticos ou escritórios de advogados.

    Sim, e económicos, para a economia das populações; lembremo-nos da venda das barragens, que não trouxeram qualquer benefício para as populações. Por isso, precisamos realmente de olhar para estes projectos, não só na questão ambiental e nas consequências que poderão ter no Ambiente e nas populações, mas também para a Economia; e deixar de haver esta ligação dos governos com estes grandes interesses, que não faz sentido e que precisamos de interromper. Os projectos têm de contribuir para o desenvolvimento do país e de respeitar as populações e aquilo que se pretende para o nosso desenvolvimento, que tem de continuar, mas de uma forma equilibrada.

    Falou sobre aquilo que é conhecido pelo greenwashing, que consiste em medidas que, no fundo, levam a grandes lucros para grandes grupos, advogados, consultoras e politicos. E nós temos um jornalista premiado, embaixador do European Climate Pact, o Boštjan Videmšek, colaborador também do nosso jornal, que alertou numa entrevista para um aproveitamento económico, político e financeiro à boleia daquilo que supostamente é a defesa do Ambiente e o combate às alterações climáticas. Concorda com este alerta de Boštjan Videmšek?

    Sim; concordo que há uma justa redistribuição da riqueza, que vai apenas para meia dúzia. E depois, todos os outros produzem para este grupo muito pequeno. E é preciso contrariar este processo; até porque, se nós pensarmos nas preocupações ambientais que pretendemos, não podemos acreditar que vai existir justiça ambiental sem justiça social. Elas têm de andar sempre juntas. Por isso, precisamos de olhar para todos estes projetos que poderão ter também o seu lugar, mas que terão de ser faseados. Nós podemos pensar nos painéis solares, primeiro que tudo, nos nossos telhados, e nos telhados dos parques industriais, ou em alguns espaços públicos, como nas nossas escolas, ou nos condomínios dos prédios. Isto não vai solucionar o problema, mas vai ajudar.

    Mas, em vez disto, pensamos logo é em grandes parques com painéis solares, ou em solos que são férteis para a agricultura; e não faz sentido que se comece por aí. Estamos agora a pensar nas dessalinização como uma solução, mas será que é importante investirmos esse dinheiro agora? Ou será que deixássemos de ter alguma agricultura intensiva que temos, e se não permitíssemos mais projectos como os enormes campos de golfe, não conseguíamos fazer esta poupança na gestão da água? Ou com o imenso desperdício de água nas redes públicas, que precisam desse investimento também, e que está identificado. Porque não se investe primeiro neste caminho, e depois sim, vemos se é preciso dessalinização ou parques eólicos? Tudo isto deve ser pensado num momento mais à frente, em que já tenhamos esgotado este processo com vista a colmatar as nossas necessidades, só depois, podemos pensar em reforçá-las.

    No caso da agricultura, muitas vezes é tida como poluente, gastadora de água e não sustentável, mas podemos pensar na agricultura familiar – que não é suficiente, porque não nos vai dar de comer a todos – como algo que nos permite regular e ajudar a que se preserve os solos, a água, o ambiente e o ar, e que nos ajude também nesta transição.

    O estatuto da agricultura familiar, que defendemos há anos, e a agricultura biológica, que precisa também de ser financiada e subsidiada, porque os jovens agricultores estão a apostar em projectos muito interessantes em várias partes do país; mas depois, embarram em coisas como venderem a maçã a um preço, para depois a distribuidora vender a um preço muito mais alto. Isto é uma injustiça muito grande para quem dedica a sua vida e o seu dia-a-dia, sobretudo na agricultura, que são 365 dias por ano, quer seja na produção alimentar ou de animais. Há uma entrega muito grande, tanto de investimento como de trabalho, que não podem ser desvalorizados desta forma; nem pode dar lucro apenas às grandes distribuidoras, mas a quem produz.

    E as grandes distribuidoras, donas dos grandes hipermercados em Portugal, têm batido lucros recorde nos últimos anos.

    Sim, e se nos lembrarmos da altura da covid-19, fecharam-se os mercados locais, mas mantiveram-se abertos os hipermercados grandes. E nós lutamos contra isso também; os Verdes também exigiram na AR que os mercados locais fossem reabertos porque eram tão seguros como os hipermercados.

    Portanto, os lobbies também funcionaram.

    Exactamente. E é nisto que temos de continuar, e temos que ter força para voltar à AR para poder fazer esta pressão e defender aqueles que cuidam realmente da natureza e do ambiente.

    Marcha no 25 de Abril de 2019. (Foto:D.R.)

    Vários jornalistas e investigadores têm alertado para os lobbies das grandes multinacionais nas medidas para a agricultura e para o facto de, na Europa, hoje ainda serem autorizados determinados pesticidas e herbicidas que se sabe serem prejudiciais à saúde, como o glifosato. Além disso, na Comissão Europeia, há também uma vontade de se diminuir as restrições ao nível dos organismos geneticamente modificados na agricultura. Como é que vê esta tendência preocupante na Europa?

    É uma preocupação para nós e é uma luta que trazemos também ao longo do tempo; porque somos contra os organismos geneticamente modificados e lutamos para que sejam regulamentados, bem como com o uso dos pesticidas. Até porque a agricultura intensiva é que tem uma necessidade, em grande escala, destes produtos; a agricultura familiar precisa menos, e por isso defendemos a produção e o consumo locais, para que tudo seja mais próximo e se reduza o desperdício alimentar; para além de ajudarmos assim a economia local. Tudo está interligado, novamente. E sobre esta questão dos pesticidas e dos organismos geneticamente modificados, hoje estamos com uma grande dificuldade nas nossas linhas de água por causa das espécies invasoras, devido à poluição das águas e ao uso excessivo destes pesticidas. Tudo isto é preocupante para nós, e fizemos várias propostas de investimento na despoluição das linhas de água e na concretização do desaparecimento destas espécies invasoras. Mas precisamos, sobretudo, de sensibilização.

    Dos políticos, dos agricultores?

    Dos políticos, também. Mas nós precisamos que os nossos agricultores tenham o Ministério da Agricultura e as suas direcções regionais mais próximos deles.

    Mas não estão cada vez mais próximas de Bruxelas?

    Exactamente. Tal como nós precisamos que a mobilidade esteja em todo o território, nós precisamos que o Ministério do Ambiente e as direcções regionais façam também esse trabalho de proximidade com os agricultores. Porque quando falamos da transição digital chegar à agricultura, não estamos a ver o agricultor com o seu computador no meio do seu terreno, a fazer a sua candidatura aos subsídios. É óbvio que faz, mas depois, naquilo que diz respeito à protecção no trabalho, quer seja no uso de máquinas ou dos tratores e toda aquela maquinaria, quer seja na sensibilização do uso destes produtos, ou num acompanhamento científico e técnico para se perceber de que forma é que se pode proteger as culturas de forma mais natural; e é óbvio que, com as alterações da temperatura –  20 graus em Janeiro não é normal e vai afectar muito as culturas –, naturalmente as pessoas procuram uma solução para não perderem todo o seu trabalho. Mas haveria outras soluções, se o Ministério da Agricultura também não estivesse despojado desta ajuda que deveria dar aos agricultores. Deveria ajudá-los a combater muitos destes problemas, e isso não se vê e nem se sente no terreno.

    Há diversos jornalistas e investigadores preocupados com um reforço dos lobbies em determinadas indústrias, nomeadamente fabricantes de herbicidas e pesticidas, mas com a indústria farmacêutica também no centro, porque acabam por ser multinacionais que produzem esses produtos. E tanto Portugal como os restantes países da União Europeia estão cada vez mais sujeitos a políticas decididas a montante, muito influenciadas por determinados lobbies. E falo não só na questão do ambiente, mas também na saúde humana, porque há também alertas para a enorme influência da Organização Mundial de Saúde. Teme também que estes lobbies possam estar a determinar políticas que não são no melhor interesse da agricultura europeia, portuguesa, e da defesa do ambiente e da nossa saúde?

    Sim; nós acompanhamos essa preocupação. E como já dissemos noutras alturas, Portugal não pode ser sempre o bom aluno, e dizer que sim a tudo sem questionar estas medidas de Bruxelas, que são decididas lá, e depois não têm em atenção a agricultura, o desenvolvimento, e todas as necessidades específicas de Portugal. E nós tentamos também combater e chamar a atenção para isso.

    Precisamos, por exemplo, que Portugal tenha subsídios para a pesca superiores a outros países europeus que não têm mar. E precisamos de não depender tanto da Europa para o desenvolvimento e para a produção nacional. Não temos que fechar leitarias porque o leite é mais barato num outro país ou porque vem de lá para cá; e isso é-nos imposto.

    Precisamos que Portugal tenha mais voz no Parlamento Europeu e possa defender os seus agricultores e a sua população; para que possamos ter produtos mais saudáveis e cumprir com muito daquilo que são as políticas já escritas, como o desperdício alimentar. Porque é que vem tudo de fora, em camiões, quando não há essa necessidade? Nós podemos produzir muita coisa no nosso país, sem ter de fazer essas viagens que aumentam a pegada ecológica, e que podem ser uma mais-valia para a economia nacional.

    Mas a opção tem sido a de não contrariar o que é decidido no Parlamento Europeu, para ser bom aluno. E nós não concordamos com isso, seja a nível dos organismos geneticamente modificados, ou através da imposição de não se poder tabular a energia, porque Bruxelas não deixa. Não podemos continuar neste caminho de obedecer cegamente sem ter em consideração as necessidades do país.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Sente que não é defendido o pluralismo e a diversidade de opiniões na comunicação social no sentido de os portugueses conhecerem as propostas do vosso partido e de outros, para estas questões do ambiente?

    Sim, era essencial que estas questões fossem discutidas. É importante pensarmos que temos de reduzir o IRS e o IVA dos bens essenciais e de olhar para a economia de uma outra forma; tudo isto é importante. E, também, aumentar salários e pensões, dar condições dignas de vida às pessoas, contratar profissionais e respeitá-los no Serviço Nacional de Saúde, defender a escola pública, e ter respeito pela carreira dos professores, que depende de um investimento. Mas é também importante trazermos outras questões para cima da mesa, como o Ambiente e tudo aquilo que o envolve, porque vai ter ligação nisto tudo. E o que tendencialmente se faz, infelizmente, é que continuarmos a achar que a Economia, a Saúde, e a Educação não têm nada a ver com o Ambiente. E que a agricultura não tem nada a ver com o Ambiente. E não é verdade, porque o ambiente toca todas estas áreas; e as medidas ambientais e os projectos que possam ter influência no nosso Ambiente e na nossa natureza precisam de ser pensados englobando tudo isto e trazendo todas estas questões das alterações climáticas. Porque para termos cidades resilientes às alterações climáticas, vamos precisar de as transformar. E isso também vai envolver a Economia, o investimento e as opções políticas. E é aqui que falhamos. De vez em quando fala-se das questões ambientais, mas desgarradas de tudo o resto; quando não é possível desgarrá-las nem é possível concretizá-las se elas não forem pensadas como um todo.

    Tem havido também algumas correntes controversas que dizem que a defesa do ambiente e o combate às alterações climáticas podem não ser compatíveis com uma sociedade democrática. Como é que vê estas correntes que defendem que talvez seja melhor uma ditadura para pôr toda a gente a fazer o que os políticos querem?

    Pois, eu nem sei que diga sobre isso [risos]. Porque a democracia é que nos leva a comportamentos aceitáveis e a mudanças que venham contribuir para o bem de todos, e não só de alguns. Portanto, a Ecologia é compatível com a democracia, e só pode acontecer em democracia; até porque, como sabemos, não era uma preocupação antes de termos a democracia, há 50 anos. Foi depois da revolução que passou a ser uma preocupação, e rapidamente. A questão é que, por exemplo, nós não encaramos, tendencialmente, o acesso à mobilidade como uma questão de saúde pública, e de prevenirmos problemas de saúde que depois nos vão poupar dinheiro no SNS e vão dar qualidade de vida às pessoas. Quando nós pensamos na poluição atmosférica, ou da água, do ruído, ou na poluição luminosa – que é uma questão que é raro falarmos e que a maior parte não quer sequer pensar nisso –, diminuindo todos os níveis de poluição, nós vamos melhorar a qualidade de vida das pessoas. E vamos prevenir na farmácia, no centro saúde e no hospital; vamos poupar noutras áreas. E na agricultura é igual: se comermos bem e estivermos sensibilizados para comer aquilo que está próximo, e para a produção e o consumo locais, vamos ter mais qualidade de vida e mais saúde. E por isso é que agora também se fala numa única saúde, e isso envolve desde os animais aos vegetais e ao ser humano, protegendo também o ambiente.

    Mas de preferência, com poucos químicos…

    Exactamente; com poucos ou nenhuns, de preferência, e tendo essa possibilidade. Mas se nós investirmos na mobilidade, vamos poupar noutras áreas.

    E olhar de uma forma integrada.

    Sim; e se nós apostarmos e investirmos na educação ambiental das nossas crianças, vamos ter adultos que não vão precisar de taxas nem tachinhas para cumprir, nem que a polícia ande em cima deles, ou que haja uma lei a condená-los à cadeia, porque não fecharam a torneira quando estavam a lavar os dentes. Vamos precisar de adultos mais responsáveis; e, por isso, apostar na educação ambiental e na sensibilização nas nossas escolas trará outros comportamentos e outras exigências, enquanto cidadãos, mais conscientes daquilo que queremos e do bem comum – que nos tornará num país democrático e livre, para que possamos enfrentar o futuro e deixar aos nossos filhos um planeta sustentável, que dure ainda muitos anos. Porque, como sabemos, falamos em mitigação e não em combater as alterações climáticas; porque elas já estão aí e precisamos é de mitigá-las e de nos adaptarmos – de alguma forma, protegermo-nos a nós e ao Ambiente para que isto não evolua de uma forma avassaladora, que traga problemas graves para o futuro.

    Transcrição de Maria Afonso Peixoto


    Veja AQUI o programa do Partido Ecologista Os Verdes.