É uma figura pública reconhecida pelos portugueses e acaba de ganhar um importante caso na Justiça. António Garcia Pereira, advogado e antigo candidato à Presidência da República, defendeu em regime ‘pro bono’ Renata Cambra num processo contra dois réus, um deles Mário Machado, que está ligado à extrema-direita e ao neonazismo. O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a condenação de Machado a uma pena de prisão efectiva de 2 anos e 10 meses, num caso que envolve incitamento à violência e ao ódio contra mulheres de ideologias de esquerda, designadamente contra a ex-dirigente do Movimento Alternativa Socialista. Esta vitória segue-se a outra: Garcia Pereira foi homenageado, em Maio, com o Prémio Nelson Mandela pela sua “coragem em denunciar excessos” de entidades “com capacidade de intimidação”. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, no seu escritório, em Lisboa, Garcia Pereira falou sobre os limites à liberdade de expressão mas também sobre a cultura de cancelamento de que tem sido alvo na comunicação social, desde que criticou as medidas ilegais que foram adoptadas pelo governo na pandemia. O Tribunal Constitucional acabou por lhe dar razão, mas a cultura de cancelamento mantém-se. O advogado afastou um regresso à vida política activa mas deixou críticas aos partidos de esquerda. Deixou também um alerta: o Almirante Gouveia e Melo, que não tem afastado ser candidato às eleições presidenciais, tem um perfil autocrático que beneficia dos tempos actuais de ascensão do populismo e do facto de o povo não ter memória.
António Garcia Pereira luta há muito contra o fascismo e tem sido um rosto em defesa da democracia e dos direitos fundamentais. Agora, o conhecido advogado e antigo professor universitário, acaba de celebrar uma relevante vitória na Justiça: a confirmação pelo Tribunal da Relação de Lisboa da condenação a pena de prisão efectiva de Mário Machado, ligado à extrema-direita e ao neonazismo. Machado e outro réu, Ricardo Pais, foram condenados por terem incitado à violência e ao ódio contra mulheres de esquerda, designadamente Renata Cambra, antiga dirigente do Movimento Alternativa Socialista.
Apesar de poderem recorrer da sentença, Garcia Pereira está confiante de que Machado vai mesmo cumprir os dois anos e 10 meses de pena de prisão, admitindo que um eventual o recurso para adiar o cumprimento da sentença venha a ser rejeitado.
Mas, nesta entrevista ao PÁGINA UM, no seu escritório em Lisboa, Garcia Pereira, de 72 anos, alertou que “evidentemente que a luta contra os fascistas e os neonazismo não se faz apenas nos tribunais”. Para o reputado mestre e doutor em Direito, tem existido alguma complacência com situações em que há ataques ao bom nome e dignidade das pessoas, nomeadamente nas redes sociais. E citou a “própria jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” que tem alimentado abusos do direito à liberdade de expressão.
António Garcia Pereira. / Foto: D.R.
Para o advogado, “a liberdade de expressão de pensamento é um valor fundamental, mas a liberdade de expressão de pensamento está aliada a uma coisa que Gabriel García Márquez escreveu na sua carta, considerado o seu testamento: um homem só deve olhar de cima para baixo, para outro homem, para ajudar a levantar-se no chão”.
Para Garcia Pereira, “há uma desvalorização de valores imateriais, como o bom nome e a dignidade das pessoas”, que é fruto “da época do capitalismo” em que há uma depreciação do respeito pela pessoa, “do respeito pelo outro, da solidariedade”.
O advogado e histórico combatente contra o fascismo, alertou que se está a assistir a uma repetição da História, em que o excesso e abuso da liberdade de expressão poderão levar a um outro extremo, que é a punição, não só de comportamentos abusivos mas também de todos, incluindo aqueles que são verdadeiramente de liberdade de expressão. “E nós já tivemos essa experiência durante o período da covid-19”, em que houve censura de cientistas e de todos os que suscitaram dúvidas sobre muitas das medidas impostas por governos.
Garcia Pereira chegou a alertar para o facto de algumas medidas do governo serem ilegais, o que lhe valeu ser cancelado pela comunicação social. “A minha voz, como a de muitos outros, foi eliminada na comunicação social”, lamentou. Um ‘cancelamento’ que se mantém até hoje. Garcia Pereira era um convidado assíduo e era regularmente chamado para fazer comentários em diversos canais de TV. Deixou de ser convidado. “Este ponto de vista que eu estou a defender ser imediatamente silenciado e, pior do que isso, ser insultado, é evidentemente uma demonstração da época que vivemos”, disse.
Mas o Tribunal Constitucional deu-lhe razão, com mais de duas dezenas de acórdãos a confirmar a inconstitucionalidade de medidas impostas indevidamente e de forma desproporcional na pandemia. “Na pandemia, foi usada a velha teoria de que os fins justificam os meios e que quem conhece a História sabe perfeitamente que esse é um dos alicerces da teoria de legitimação do direito e do Estado do III Reich”, afirmou. Lembrou que chegou a haver quem tivesse sido alvo de processos disciplinares por ter posições diferentes das do governo.
O advogado com os filhos Tiago, Ricardo, Manuel e Rita, na cerimónia em que recebeu o prémio Nelson Mandela. / Foto: D.R.
O antigo candidato à Presidência da República afastou um regresso à vida política activa. Mas deixou críticas aos partidos de esquerda, os quais considera serem os responsáveis pelo populismo. “Em meu entender, não há nenhuma força política verdadeiramente de esquerda [em Portugal] e isso é, em larga medida, responsável pelo pântano em que nos encontramos hoje”, com a população a não ver nos partidos diferenças substanciais sobre as grandes questões que afectam o país.
E deixou um alerta sobre a ascensão da figura de Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada. “É aí [nas crises] que sempre, historicamente, surgem os salvadores da pátria. As soluções dos dos [falsos] Messias que aparecem, apresentando-se supostamente acima das classes e dos partidos políticos, com um discurso que é sempre igual”, de que vai acabar com “a bandalheira e a corrupção”. Alguém que diz que “isto está muito mal, é preciso uma pessoa com autoridade”.
Garcia Pereira criticou Gouveia e Melo por estar há um ano a “a fazer uma campanha usando inclusivamente os meios da Marinha e a farda”. E deu o exemplo recente de um podcast em que o Almirante participou, que decorreu “nas instalações da Marinha, no Centro de Inovação da Marinha”, no qual “não só se pronuncia, por exemplo, sobre o caso do NRP Mondego, como se pronuncia sobre uma série de matérias, inclusivamente políticas, o que um militar no activo não pode fazer”.
Para o advogado, o anúncio de que André Ventura poderá ser candidato nas eleições presidenciais não passa de uma manobra que “destina-se pura e simplesmente a marcar um certo distanciamento do Chega, de que o próprio Almirante Gouveia e Melo necessita”. Isto porque o Chega foi o partido que se manifestou ser favorável a apoiar Gouveia e Melo, o qual aparenta ter uma proximidade evidente ao CDS-PP.
Garcia Pereira não tem dúvidas de que Gouveia e Melo é uma “solução perigosíssima” para o cargo de Presidente da República, porque “representa aquilo que representaram todos os [falsos] Messias da História”. Sublinhou que, tudo aponta que o Almirante “é uma personalidade ultra-reaccionária, com um timbre da atuação que é violentamente autocrático”.
Disse que a aparente popularidade de Gouveia e Melo é explicada pelo facto de haver um povo sem memória. “Um povo sem memória é um povo sem futuro e nós não nos devíamos esquecer para onde é que conduziram experiências políticas anteriores a essa [de Gouveia e Melo]”.
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Martin Kulldorff foi professor de Medicina na Universidade de Harvard durante duas décadas. O trabalho desenvolvido pelo proeminente epidemiologista e bioestatístico sueco é amplamente reconhecido. Membro de uma comissão da norte-americana Food and Drug Administration (FDA) dedicada à segurança de medicamentos e gestão de risco, os seus modelos de software são muito utilizados, nomeadamente pelo CDC, nos Estados Unidos, para a rápida detecção de surtos de doenças infecciosas e de reacções adversas graves a vacinas. Durante a pandemia da covid-19 foi uma das vozes a favor de uma estratégia que salvasse vidas sem deixar danos colaterais graves na saúde pública e na sociedade. Foi um dos três reputados professores que escreveram a histórica Declaração de Great Barrington. Mas suas posições valeram-lhe a censura, insultos e difamação. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Kulldorff fala sobre as lições da pandemia e a sua esperança de que, na Ciência e nas políticas de saúde pública, se vai voltar aos factos e às decisões baseadas na evidência científica. Também revelou que prepara o lançamento de uma publicação científica na qual os cientistas poderão publicar os seus estudos e artigos, com transparência, criando o espaço para o debate.
Os ventos são de mudança e a ‘idade das trevas’ da censura e perseguição de cientistas, que regressou com a pandemia de covid-19, parece estar moribunda e cada vez mais perto do fim. Que o diga Martin Kulldorff, proeminente epidemiologista e bioestatístico, que foi professor de medicina na Universidade de Harvard durante duas décadas, mas que se viu a ser alvo de censura e difamação por ter feito o seu trabalho e defendido a medicina baseada na evidência.
Nesta entrevista ao PÁGINA UM, realizada por videochamada, num Sábado, em vésperas do Dia de Acção de Graças, Kulldorff afirmou que não se arrepende de ter sido uma voz em defesa da Ciência, contra os dogmas e o falso consenso promovido pelas autoridades nos Estados Unidos, durante a covid-19. “Percebi, logo no início, que a minha carreira estava em jogo por estar a falar. Mas como posso ser cientista se não falar?” Contudo, sendo um epidemiologista, Kulldorff viu-se forçado a falar. “Não tive escolha, senão não conseguia olhar os meus filhos nos olhos”, afirmou.
Martin Kulldorff é um proeminente epidemiologista e bioestatístico sueco. Foi professor de medicina na Universidade de Harvard durante duas décadas e fundou a Academy of Science and Freedom. É consultor da FDA como membro da comissão ‘Drug Safety and Risk Management Advisory Commitee’. Os programas que desenvolveu para detecção de surtos de doenças infecciosas (SaTScan) e para detectar reacções adversas graves a medicamentos e vacinas (TreeScan) são amplamente usados, nomeadamente pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention).
Martin Kulldorff / Foto: D.R.
Nos últimos anos, ficou também conhecido por ter sido um dos três reputados professores de respeitadas universidades que escreveram a Declaração de Great Barrington. Escrita em Outubro de 2020, em plena pandemia, o texto defendia uma resposta à covid-19 centrada na protecção das pessoas mais velhas e vulneráveis e alertava que os confinamentos e medidas mais restritivas iriam causar danos graves em termos de saúde pública, no curto e no longo prazo, prejudicando, sobretudo, a classe trabalhadora e as crianças e jovens. Além de Kulldorff, escreveram a Declaração o professor Jay Bhattacharya, da Universidade de Stanford − que foi nomeado para director do National Institutes of Health (NIH) na nova administração Trump −, e a professora Sunetra Gupta, da Universidade de Oxford. O documento criado a 4 de Outubro de 2020 conta com 940 mil assinaturas.
Em Março deste ano, e após duas décadas como professor de medicina na Universidade de Harvard, Kulldorff anunciou que tinha sido dispensado, numa confirmação do estado dogmático e da ‘idade das trevas’ que atingiu o mundo científico e académico, pautado pelo ‘cancelamento’, censura e até perseguição de cientistas e professores devido às suas posições distintas, num mundo que ficou fechado ao debate. Kulldorff escreveu, nessa altura, um artigo, que foi publicado também em português no PÁGINA UM com o título ‘Universidade de Harvard espezinha a verdade‘.
Kulldorff salientou que, com a pandemia, se aprendeu que “temos de seguir os princípios da saúde pública e da medicina baseada na evidência”, o que não aconteceu na covid-19, com medidas que deixaram um rasto de danos colaterais gigantescos na saúde pública, na sociedade e na economia. Outra lição da pandemia é de que “nunca devemos permitir a censura, o ‘bullying’ ou a calúnia”, que foi uma realidade para muitos cientistas e médicos de topo desde 2020. (Em Portugal, vale a pena recordar que comentadores nas TVs, políticos e jornalistas insultavam – e ainda hoje insultam – os defensores de medidas baseadas na evidência científica, classificando-os de ‘negacionistas’ ou ridicularizando-os com nomes como ‘chalupas’.)
Nesta entrevista, Kulldorff também revelou que vai lançar, nos próximos meses, uma publicação científica através da qual os cientistas podem divulgar os seus estudos e artigos científicos, de uma forma mais transparente. Recorde-se que várias das principais revistas de natureza científica falharam na pandemia, ao cederem a políticas enviesadas e censurando cientistas, que se viram em dificuldades para conseguir publicar o resultados dos seus trabalhos de investigação. Enquanto isso, alguns cientistas próximos da ‘narrativa’ oficial conseguiam publicar em tempo recorde, mesmo se o seu trabalho estivesse rodeado de muitas dúvidas. “Precisamos de ter uma forma diferente de publicar resultados científicos”, disse Kulldorff, frisando que é crucial que haja debate científico livre e aberto.
O epidemiologista sublinhou que, para que se possa restaurar a confiança na Ciência e nas universidades, “o primeiro passo é restaurar a integridade da comunidade científica”. “Penso que os cientistas de base vão conseguir dar a volta, mas o fundamental é que haja uma nova liderança”, frisou, destacando que a nomeação de Martin (Marty) Makary para liderar a FDA é um sinal de esperança. Kulldorff também manifestou a esperança de que Bhattacharya fosse nomeado director do NIH, o que se confirmou já após a entrevista.
Segue a transcrição em português da entrevista feita em inglês.
Foi professor em Harvard, na escola de Medicina de Harvard, durante duas décadas, até Março passado. E em que está a trabalhar agora? Qual é o seu dia-a-dia?
Trabalho como consultor, na detecção de surtos de doenças infeciosas. Trabalho com vacinas. Faço um trabalho semelhante ao que fazia antes, mas não fazendo parte da Escola de Medicina de Harvard.
E desenvolveu um software importante, uma ferramenta de recolha de dados. Um software que permite a detecção de surtos em hospitais, por exemplo, e em termos geográficos, e também software na área de monitorização de segurança de vacinas.
Sim. Criei dois softwares: SaTScan, que é geográfico, para detectar rapidamente surtos de doenças infeciosas, que podem ser a salmonela ou a doença do legionário. Também criei um software que se chama TreeScan, que detecta reações adversas inesperadas a medicamentos ou vacinas, porque, uma vez que o medicamento ou a vacina é aprovado, sabemos em última análise que está a funcionar, mas é impossível saber se há reacções adversas raras graves. Temos de fazer essa vigilância, depois de [as vacinas ou medicamentos] terem sido aprovados pela FDA, ou a EMA [European Medicines Agency], na Europa.
Os autores da Declaração de Great Barrington: Martin Kulldorff (Harvard), Sunetra Gupta (Oxford) e Jay Bhattacharya (Stanford). A Declaração dos três professores e cientistas detende uma resposta à pandemia de covid-19 focada nas pessoas mais vulneráveis e alerta para os efeitos devastadores que os confinamentos e restrições duras têm na saúde pública a curto e longo prazo, afectando desproporcionalmente a classe trabalhadora e as crianças e os jovens. Os três reputados professores acabaram por ser alvo de campanhas de difamação e perseguição pelas autoridades de Saúde nos Estados Unidos e os media ‘mainstream’. / Foto: D.R.
E o professor também trabalha com a FDA e um dos seus softwares é usado pelo CDC, na detecção de reacções adversas a vacinas.
Sim. Esses dois métodos são amplamente utilizados pelo CDC e a mineração de dados também é usada pela FDA. E também são usados por departamentos de saúde estaduais e municipais.
Muitos não sabem o trabalho que é necessário para detectar não só surtos de doenças, mas para monitorizar as reacções adversas. É necessário muito trabalho envolvendo software e mineração de dados.
Sim. Por exemplo, na detecção de novos casos de salmonela, por exemplo: iremos querer saber se, de repente, há um pico de doença num determinado bairro, com mais casos do que seria o esperado. Por acaso, pode haver a indicação de que talvez um restaurante esteja a servir algum alimento contaminado ou que alguma mercearia está a vender frango que foi contaminado. Então, vai querer saber-se o mais rápido possível. Porque, mesmo se for detectado mais rápido, isso pode salvar pessoas de ficarem doentes e, às vezes, de morrerem. É importante poder ter este tipo de sistema automatizado e rápido para detectar rapidamente quando há esse tipo de problemas.
Sendo um especialista nestas áreas, ficou surpreendido com as políticas que foram implementadas na pandemia de covid-19? O professor foi um dos três autores da Declaração de Great Barrington, que defende uma abordagem focada para se salvar vidas. Esperava o tipo de comportamento que as autoridades adoptaram em resposta à covid-19?
Não, eu fiquei extremamente surpreendido. Porque a forma como lidámos com a covid-19 ignorou os princípios fundamentais da saúde pública, bem como a medicina baseada na evidência. Ficou claro, logo no início de 2020, que qualquer pessoa poderia ser infectada com a covid-19. E o risco dependia da idade. As pessoas mais velhas tinham um risco de morrer 1000 vezes maior do que as pessoas mais jovens. Portanto, a única coisa que havia a fazer era proteger as pessoas mais velhas, permitindo que as escolas permanecessem abertas e permitindo que os jovens adultos prosseguissem com as suas vidas, perto do normal. E um dos princípios da saúde pública é que não se pode estar focado em apenas uma doença, tentando eliminar a covid-19, porque causaria enormes danos naturais colaterais em outras áreas da saúde pública, como no caso das doenças cardiovasculares ou diabetes ou pessoas com cancro. Na verdade, no caso do cancro, estava a diminuir, mas não porque as pessoas não estavam a ter cancro, mas porque não estava a ser detectado. Se não é detectado, não pode ser tratado. Vamos ter de viver com esse tipo de coisas. Há pessoas que vão morrer mais cedo porque o seu cancro não foi detectado. E, claro, houve problemas com a saúde mental e a educação, com o encerramento das escolas. Houve enormes danos colaterais de saúde pública devido a estas medidas de resposta à covid-19, porque as autoridades estavam unicamente focadas na covid-19 e ignoraram tudo o resto. E isso não se faz na saúde pública.
Nasceu na Suécia, é um cientista sueco. Na Suécia, a abordagem foi completamente diferente. Os números relativos ao excesso de mortalidade são muito melhores do que no resto do mundo, nomeadamente face aos de Portugal, onde os números de excesso de mortalidade são enormes. Porque é que a maioria dos países ocidentais seguiu uma abordagem e a Suécia seguiu uma abordagem diferente?
Não sei. Acho surpreendente que a Suécia tenha sido o único país a adotar uma abordagem baseada na evidência, durante a epidemia, e entre os principais países ocidentais. Alguns outros locais também seguiram a mesma estratégia [da Suécia], como as Ilhas Faroé, por exemplo. Mas não sei porquê. É muito surpreendente. O que aconteceu na Suécia é que houve, realmente, um debate robusto sobre os prós e contras das diferentes abordagens. Os grandes jornais tinham pessoas a debater as duas abordagens, a abordagem sueca de protecção focada, bem como a abordagem de confinamentos severos em outros países. Penso que foi algo bom que houve na Suécia. Nos Estados Unidos, esse debate foi esmagado. Os que tentaram falar sobre a protecção focada, em vez de se fazer confinamentos, foram caluniados ou ridicularizados. Demorou muito, muito tempo até conseguirmos chegar ao público e informar o público de que não existia um consenso científico para esses confinamentos.
Não apenas na comunidade científica, mas também nas universidades, existiu uma enorme onda de censura nos Estados Unidos e também em outros países. Ficou surpreendido com isso? Para mim, nunca pensei vir a ter de enfrentar a censura. Mas enfrentámos censura. Por que é que isso aconteceu?
Sim, fui censurado pelas redes sociais por fazer afirmações cientificamente factuais sobre a pandemia. Fui censurado pelo Twitter, pelo Facebook, YouTube, LinkedIn, Tiktok. E eu fico chocado. Se me tivessem dito que isso iria acontecer cinco anos antes, eu não teria acreditado. Pensava que a liberdade de expressão estava enraizada na cultura ocidental, na Europa Ocidental e na América do Norte. Mas foi como se estivéssemos na União Soviética ou num país fascista e não em países do Ocidente. Fiquei completamente chocado. Fui censurado, a mando do governo norte-americano, bem como muitos outros cientistas e indivíduos.
E, recentemente, o Professor Jay Bhattasharya escreveu no X sobre o facto de a Universidade de Stanford ter votado para manter a censura aplicada ao professor Scott Atlas. Não têm a consciência pesada e ainda pensam que a censura foi acertada. Poderíamos esperar que, de alguma forma, universidades como Harvard ou Stanford reconhecessem que erraram, mas parecem não ter uma consciência culpada.
Sim. E, na verdade, há quatro anos, quando escrevi a Declaração de Great Barrington com o Dr. Bhattacharya, de Stanford, e a Dra. Sunetra Gupta, de Oxford, tivemos um debate. Eu disse: com algumas excepções, iria ser muito difícil convencer os políticos e os jornalistas ou os principais cientistas, mas conseguiremos convencer o público. E depois, como o público é que estava a ser afectado por todos os danos colaterais, acabariam por convencer os políticos e, eventualmente, os media. Os cientistas de base foram sempre muito razoáveis, mas foi a liderança científica que fez de tudo para houvesse esses confinamentos. Eu disse-o há quatro anos e ainda penso que nunca, nunca os vamos convencer, nunca seremos capazes. Nunca irão admitir que estavam errados sobre a pandemia. Há um ditado na Ciência que diz: A Ciência prossegue um funeral de cada vez. A próxima geração na Ciência vai perceber o enorme erro que isto foi, mas penso que a liderança atual, como [Anthony] Fauci ou [Francis] Collins ou [Ralph] Baric ou vários professores universitários ou editores dos grandes jornais científicos, nunca vão admitir que erraram totalmente e que impuseram pseudociência em vez da medicina baseada na evidência.
Mas acredita que ainda é possível salvar a credibilidade e a confiança na Ciência e nos académicos depois do que aconteceu? Acha que há esperança nisso?
Espero que sim, porque acho que é muito importante. Mas o primeiro passo, antes da confiança, o primeiro passo é restaurar a integridade da comunidade científica. Acho que os cientistas de base vão conseguir dar a volta. O fundamental é que haja nova liderança. Um sinal de esperança, por exemplo, foi ontem o Dr. Martin (Marty) Makary ter sido nomeado para ser o próximo diretor da Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos. É preciso voltar à tomada de decisões baseadas na evidência. E penso que o Dr. Makary vai fazer isso. Esse é um sinal de esperança. Há outras pessoas que fazem ouvir a sua voz. Ele foi uma das pessoas que falou e há muitos outros que o fizeram. Por isso, espero que estas pessoas possam chegar a alguns dos cargos de liderança da comunidade científica.
Kulldorff, Scott Atlas (radiologista e antigo professor na Universidade de Stanford) e Jay Bhattacharya. / Foto: D.R.
Mas mesmo essas pessoas, aquelas novas nomeações que a administração Trump tem vindo a fazer, por exemplo, aqui em Portugal, na comunicação social, estão sendo difamados. Nos media ‘mainstream‘ ainda continua a impor a narrativa daqueles que foram responsáveis por políticas que levaram ao enorme excesso de mortalidade e tudo o que mencionou.
Isso é verdade. Ontem houve um artigo na NBC News, nos Estados Unidos. Estavam a criticar o Dr. Martin Makary por ter acreditado na imunidade natural, que é algo que conhecemos desde 430 a.C. Então, criticar o nomeado para a FDA por acreditar na imunidade natural é como criticar o chefe da NASA por pensar que a Terra é redonda e não plana. Penso que é inacreditável que isso ainda esteja a acontecer. Simplesmente surpreendente.
Talvez demore algum tempo também para alguns jornalistas e outros de reconhecer que estavam enganados, e talvez tenham sofrido uma lavagem cerebral com toda a programação e a repetição de disparates que vimos durante a pandemia, nomeadamente, em relação à imunidade natural.
Sabe, isso já começou a acontecer, na verdade. Tive alguma interacção com alguns jornalistas que estão agora genuinamente interessados no que estivemos a dizer nos últimos quatro anos. Eles começam a perceber que o que acreditavam não era verdade. Estão interessados em descobrir e aprender sobre a pandemia e epidemiologia e saúde pública. Penso que as coisas estão a mover-se nessa direcção, o que é esperançoso.
São óptimas notícias. Posso supor que está optimista que a administração Trump vá trazer, de algum modo, uma nova política de saúde pública, mais baseada na evidência e defendendo a Ciência e os académicos.
Estou com muita esperança na FDA. É uma excelente escolha, com o Dr. Martin Makary a ser o próximo director da FDA. Vamos ver quem é que é nomeado para o NIH. A minha esperança é que seja o Dr. Jay Bhattacharya, de Stanford, mas ainda não sabemos isso. [Entretanto, após a entrevista, Jay Bhattasharya foi nomeado para liderar o NIH].
Seria bom ver que essas áreas não estarão nas mãos nem de políticos nem de burocratas. Será bom que sejam lideradas por cientistas e especialistas nessas áreas.
Nos últimos anos, tem havido portas giratórias entre a FDA e a indústria farmacêutica. Por exemplo, o ex-diretor da FDA Scott Gottlieb entrou para o conselho de administração da Pfizer. Esse é apenas um dos muitos, muitos exemplos. Isto acontece tanto ao mais alto nível como ao nível intermédio. Pessoas que trabalham na FDA e depois vão para a indústria farmacêutica. Isso cria um problema porque se o papel da FDA é ser o ‘watchdog’ da indústria para se certificar de que os produtos têm a eficácia que afirmam ter e que não provocam reacções adversas e para remover [do mercado] qualquer medicamento ou vacina que seja perigoso. Espero que haja melhorias na FDA, agora.
Caso contrário, a FDA não é um ‘watchdog’, mas um ‘petdog’. Pensa que é necessário que haja nova legislação para acabar com estas portas giratórias?
Sim. O que for preciso para acabar com isso. Outra questão são as comissões consultivas da FDA. Muitos membros das comissões consultivas são também remunerados por farmacêuticas, como investigadores recebem bolsas de empresas da indústria farmacêutica. Não podem receber de empresas cujos produtos eles estejam a analisar. Isso é bom, mas penso que é melhor que as regas sejam mais amplas, para que os membros das comissões sejam, realmente, completamente independente das farmacêuticas.
Especialmente, quando existem grandes empresas, tanto na indústria farmacêutica como na indústria alimentar, e essas empresas poderiam estar a conceder financiamento para pesquisa em várias áreas. Penso que é difícil monitorizar tudo.
Sim, é verdade.
E, em relação, à covid-19, quais são as lições que se aprenderam para o futuro e as que talvez não tenham sido aprendidas até agora?
Bem, o quadro geral, é que temos de seguir os princípios da saúde pública e da medicina baseada na evidência. E nunca devemos permitir a censura, o ‘bullying’ ou a calúnia. É prejudicial. E, por exemplo, na Suécia havia um debate aberto. Havia pessoas a publicar artigos nos jornais a criticar a abordagem sueca. Apesar de discordar 100%, estou realmente muito feliz que escreveram, porque fizeram um serviço ao país e à saúde pública. Isso significou que houve um debate público, e isso foi muito importante, para que as pessoas pudessem realmente ouvir esses lados da história, e decidir o que era mais razoável. Outros países fizeram as coisas de forma diferente. Por isso, estou muito grato. E estou grato aos jornais que publicaram esses artigos com opinião oposta.
Pensando numa nova pandemia ou numa crise de saúde pública, o que pode ser feito agora para gerir melhor uma nova crise no futuro? Para que não caiamos nos mesmos erros que foram cometidos na covid-19 e também para proteger todos, se possível?
Sim, vamos ter outra pandemia, porque tivemos pandemias ao longo da história. Se vai ser daqui a cinco ou 50 anos, não sei. Mas haverá outra pandemia. E a minha esperança é que aprendamos com os erros. Penso que se houver uma nova pandemia dentro da próxima década ou duas, será impossível cometer o mesmo erro que se cometeu na covid-19 porque há muitas pessoas entre o público que se iriam opor a isso. Porque no início da covid-19, as pessoas estavam confusas. A maioria das pessoas não tinham estudado epidemiologia. Era natural para a maioria das pessoas acreditar em Anthony Fauci, apesar de ele estar errado e apesar de ter posto de lado os cientistas que sabiam mais sobre saúde pública. As pessoas confiaram nele. Mas não penso que as pessoas irão fazer isso da próxima vez. Tenho esperança que faremos melhor da próxima vez.
Em relação ao seu trabalho, tem ressentimento por ter sido demitido de Harvard? Foi justo? Trabalhou duas décadas e deu tanto. Como vê Harvard neste momento?
Não acho que foi justo. Acho que erraram e estão em pior situação por causa disso. Espero que se recomponham algum dia. Não fui o único que foi demitido. Espero que façam algo para recuperarem a sua integridade e a sua posição. Mas não vejo nenhuma evidência disso neste momento. Veremos o que acontece.
Em termos da sua vida e do seu trabalho, vê que está melhor agora? Talvez tenha algum tempo para se concentrar em algum projecto que queira fazer? Como se vê nos próximos anos?
Bem, eu sou uma pessoa de sorte no sentido de que eu sempre pareço encontrar problemas científicos interessantes para trabalhar. Em termos dos colegas com os quais colaboro, tenho uma boa relação com a maioria. A maior parte deles pensa que eu estava certo sobre a pandemia. Não disseram nada porque não queriam ser atacados ou caluniados, o que eu entendo. Mas continuei a trabalhar com os meus antigos colegas e gosto disso. Estou a fazer algumas das mesmas coisas que fazia em Harvard, mas agora como consultor privado. E também tenho a oportunidade de estar a fundar uma nova revista científica sobre saúde pública, que esperamos que seja lançada nos próximos meses para combater os problemas que existem com as revistas científicas. Sabia que era algo problemático há muitas décadas, mas foi algo que veio mesmo à tona durante a pandemia. Precisamos de ter uma forma diferente de publicar resultados científicos.
Para que possa haver um escudo face a outros interesses, ideologias ou políticas.
Sim. Temos um processo de publicação mais aberto onde se podem publicar, onde os cientistas podem publicar coisas que eles acham que são importantes. E agora o sistema de revisão pelos pares [‘peer review’] é escondido, é secreto. Penso que deve aberto. Queremos publicar os ‘peer reviews’. Isso é uma forma de abrir o debate científico.
Isso seria muito importante. Arrepende-se de ter sido uma voz que falou sobre a pandemia e todas as políticas, a forma como as políticas erradas estavam a ser implementadas? Porque mencionou que alguns colegas não se manifestaram porque tinham medo de serem insultados e difamados.
De maneira nenhuma. Percebi logo no início que a minha carreira estava em jogo por estar a falar. Mas como posso ser cientista se não falar? Sou um epidemiologista de doenças infeciosas por isso tenho de falar sobre essas coisas. É a minha área. Se fosse um professor de química poderia ter ficado em silêncio. Mas eu não era. Por isso tinha de falar. Não tive escolha, senão não conseguia olhar os meus filhos nos olhos. Por isso, não me arrependo, de todo.
NOTA: Transcrição editada e adaptada para português de entrevista feita em inglês.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
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Há mais de duas décadas que o investigador Andrew Lowenthal defende os direitos humanos e civis no espaço digital. Actualmente, dirige a liber-net, uma organização sem fins lucrativos de combate ao autoritarismo digital. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, feita por videochamada a partir de Sydney, na Austrália, o investigador e activista comentou as duas recentes iniciativas legislativas do Governo australiano que fizeram soar os alarmes dos defensores dos direitos fundamentais: uma proposta que visava o alegado combate à desinformação, que foi vista como uma ameaça à liberdade de expressão; e uma iniciativa legislativa para proibir os menores de 16 anos de aceder a redes sociais. O primeiro diploma acabou por ‘morrer na praia, depois de o Governo não ter conseguido reunir suficiente apoio para que fosse aprovado. O segundo foi aprovado, mas está a gerar polémica por haver quem defenda que o Governo deveria optar por uma abordagem mais pedagógica em vez de proibir o acesso. Lowenthal sublinhou que a iniciativa levanta ainda muitas dúvidas sobre como vai ser protegida a privacidade de todos os australianos online no processo de confirmar a idade de quem acede a redes sociais no país. Nesta entrevista, Lowenthal falou ainda sobre a rede X e os eventuais riscos da proximidade de Elon Musk à nova administração Trump e defendeu que devem existir mais redes sociais e descentralizadas, em vez das actuais plataformas controladas por “meia-dúzia da oligarcas”.
Mais do que nunca, há que estar vigilante para evitar que ideais totalitários tomem conta da Internet, designadamente através de ferramentas de controlo da informação e da eliminação da liberdade de expressão e da privacidade. Esta a é a visão de Andrew Lowenthal, que há mais de duas décadas trabalha na defesa dos direitos humanos e civis no espaço digital.
Segundo o investigador e director executivo da liber-net, uma organização sem fins lucrativos de combate ao autoritarismo digital, duas recentes iniciativas legislativas na Austrália são a prova de que não se pode baixar os braços e tem de se continuar vigilante, para impedir que a censura e a vigilância dos cidadãos passe a ser o ‘novo normal’ no mundo online.
Uma das iniciativas legislativas na Austrália, alegadamente visando o combate à desinformação, colocava em perigo a liberdade de expressão. A segunda proposta legislativa, visava impedir que menores de 16 anos pudessem usar redes sociais, o que levanta questões sobre o perigo de passar a ser obrigatório que todos, adultos incluídos, tenham de apresentar uma prova de identificação ou dados biométricos para entrar em plataformas como Facebook, Instagram ou X.
Andrew Lowenthal tem sido uma das vozes a combater o autoritarismo no mundo digital e tem participado em conferências e concedido entrevistas em vários países. / Foto: D.R.
A primeira proposta foi retirada, depois de o Governo não ter obtido apoio suficiente para que fosse aprovada. A segunda foi aprovada à pressa e sem tempo para que partidos e o público a pudessem analisar e debater convenientemente. Mas a polémica em torno deste diploma promete continuar, até porque, para ser confirmada a idade, na prática, todos os utilizadores terão de passar a apresentar alguma prova de serem maiores de 16 anos, eliminando assim um direito fundamental: o direito à privacidade.
Nesta entrevista, Lowenthal alertou que esta alteração à Lei levanta riscos sobre a segurança de protecção dos dados e abre a porta a uma potencial vigilância apertada dos cidadãos australianos no mundo online. Numa futura crise, como foi o caso da pandemia de covid-19, o Governo pode mesmo usar esse recurso para impedir cidadãos, incluindo jornalistas, de aceder a redes sociais.
Lowenthal, que colaborou nas investigações dos ‘Twitter Files‘ − que expuseram a máquina de censura que existia no antigo Twitter e que englobava a Casa Branca e diversas entidades oficiais −, defendeu que devem existir mais redes sociais e descentralizadas, deixando algumas dúvidas sobre a centralização da rede X na figura do seu proprietário, o magnata Elon Musk, que é aliado declarado do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Há receios de que uma nova lei na Austrália para impedir o acesso de menores de 16 anos às redes sociais pode vir a impor a todos os australianos, incluindo adultos, a apresentação de um documento de identificação digital ou dados biométricos, como a leitura facial, para poderem usar plataformas como o Facebook, Instagram ou X. A acontecer, eliminará a privacidade dos utilizadores e deixará nas mãos das redes sociais e do Governo muitos dados que podem ser roubados por ‘piratas’ e também o poder de vigiar os australianos, podendo, no futuro, ter a capacidade de impedirem cidadãos específicos, designadamente jornalistas e opositores políticos, de usar redes sociais. / Foto: D.R.
Na Austrália, tem havido iniciativas legislativas preocupantes, nomeadamente para eliminar a liberdade de expressão. Afinal, o que se passa na Austrália?
O Governo diria que estão a tentar eliminar a desinformação, mas a forma como funcionaria teria um impacto significativo na liberdade de expressão na Austrália. Estavam essencialmente a propor criar um sistema com dois níveis de liberdade de expressão em que, se se tratasse de um académico, um político ou um jornalista dos media ‘mainstream’, não seria abrangido por esta lei. Mas se fosse um jornalista de um meio de comunicação social independente, um comentador no Twitter ou um ‘influencer‘ no Instagram a dizer exactamente aquilo que o académico ou o político dissesse, seria considerado como estando a espalhar desinformação. Seria criado um sistema com dois níveis de direito à liberdade de expressão na Austrália. As definições que propunham eram muito vagas; apenas diziam que as informações tinham de ser razoavelmente verificáveis. Mas seria verificável à luz dos ‘standards‘ de quem? Pensando na covid-19, diriam que seria razoavelmente verificável a afirmação que a vacina impede a transmissão do vírus, por exemplo [o que se sabe que é falso]. Seria complemente selectivo.
A lei também iria impor multas enormes às plataformas que operam redes sociais, de 5% da facturação anual a nível global; não apenas a facturação registada na Austrália. Por exemplo, o Facebook poderia ser multado em 5% das sua facturação anual global por não combater suficientemente o que o Governo entendesse tratar-se de desinformação. Também iria endereçar toda a informação que fosse considerada pelo Governo como prejudicial para o ambiente ou para a economia, por exemplo. Se alguém criticasse os bancos, estaria a espalhar desinformação. Na Saúde, se alguém criticasse confinamentos ou o uso de máscaras, tudo o que o Governo considerasse ser desinformação, poderia ser abrangido.
O que foi positivo é que, em geral, as pessoas que habitualmente têm criticado este novo tipo de regime de censura têm sido classificadas como sendo de direita, apesar de muitas vezes serem de esquerda; mas assim que alguém critica estas coisas é logo acusado de ser direita. Mas, neste caso, a oposição [à proposta legislativa] por parte de progressistas foi muito significativa. Porque, em termos de estrutura de decisão política, há uma câmara inferior e uma superior, com os senadores, e partido com a maioria na câmara inferior não tem a maioria no Senado e precisa do apoio dos partidos progressistas para aprovar legislação. E todos disseram ‘não’. Disseram que iria ser muito mau para a liberdade de expressão. O que é particularmente de destacar é que, finalmente, se abriu uma brecha entre os progressistas. Há uma fatia considerável de pessoas que vêem esta ideia da desinformação e entendem como pode ser usada para censurar, e como potencialmente poderia ser usada contra todos nós.
Mas será que alguns políticos aprenderam a lição com o facto de Donald Trump ter vencido as eleições norte-americanas? Porque, um dos temas que preocupava muitos norte-americanos era a questão da liberdade de expressão. Sabemos como a Casa Branca liderada por Biden era pró-censura, designadamente na Internet. Há quem defenda que um dos motivos que levou à vitória de Trump foram receios nessa temática. Os políticos estão a aprender a lição, de que as pessoas não querem censura?
Penso que esse ambiente político já chegou à Austrália. As pessoas estão agora mais confiantes para dizerem o que pensam e não estão disponíveis para alinhar com um conjunto particular de ideias que lhes queiram estar a impor. Penso que teve definitivamente um efeito. Não se sabe ao certo em que medida, porque, ao mesmo tempo, muitos dos partidos progressistas têm muitos receios sobre a desinformação que pensam estar associada a Trump e isso pode facilmente ter o efeito contrário e pensarem: ‘temos de nos proteger de todas as mentiras que Trump vai andar a espalhar e que vão chegar aos cidadãos australianos’. Começa a haver um regresso de normalidade. As pessoas olham para a legislação e tentam vê-la sob uma luz menos emocional. O jogo parece ter mudado, o que é muito, muito encorajador.
Foto: D.R.
Mas o pior já passou ou vai haver nova tentativa para eliminar a liberdade de expressão no futuro, na Austrália?
Penso que não vão tentar voltar a tentar aprovar esta lei. Até porque haverá eleições na Austrália no próximo ano, no primeiro semestre. Algumas pessoas pensam que o que está a acontecer é que o Governo está a tentar apressar a aprovação de legislação, porque esta semana é a última em que o Parlamento está reunido [semana passada]. No início do próximo ano, vão convocar eleições. Por isso, estão a apressar tudo isto. E estão a cometer erros em resultado de estarem com muita pressa. Penso que se tentarem voltar a tentar fazer passar esta lei teria de a mudar radicalmente, porque teve a oposição de dois terços do Senado. Depois, Os Verdes votarem contra não foi bem por serem a favor da liberdade de expressão. Foi parcialmente por isso. Eles queriam que o Governo tivesse mais autoridade sobre as empresas [tecnológicas] mas estavam também incluídos os media ‘mainstream‘, que são contra o partido Os Verdes. Em alguns níveis queriam mais autoridade e em outros não. É uma posição complicada. O que podem tentar fazer, e já estão a tentar, é tentar aprovar outro tipo de leis. Uma das novas, que já mencionámos, é a que visa proibir os adolescentes de aceder a redes sociais, proibindo todos com menos de 16 anos de aceder à maioria das redes sociais. O acesso ao TikTok, Instagram, Facebook e X seria banido a todos com 15 anos e menos. Isso traz imensos problemas. Sim, as redes sociais têm efeitos negativos em adolescentes, mas em ambos os casos estão a tentar fazer algo muito autoritário, em vez de adoptar uma abordagem educativa a este problema. Está a gerar muita contestação, incluindo de progressistas, finalmente. Um dos grandes problemas é: como se verifica se alguém tem mais de 16 anos? Têm de arranjar uma forma, ainda não especificaram como, para verificar a idade de todos, para que possam usar as redes sociais. Portanto, os adultos terão de se identificar, de algum modo, para poderem usar o Facebook ou o Instagram, ou outra rede social. Potencialmente, [será usada] uma forma de identificação digital ou reconhecimento facial ou partilhando a carta de condução ou o passaporte. Com todos as questões de segurança que surgem com isso, em termos dessas empresas terem acesso a uma quantidade enorme de dados sensíveis. Há sempre o risco de roubo ou fugas. Depois, o Governo ficaria a saber tudo o que as pessoas diriam nas redes sociais; cada comentário, cada ‘like‘, cada publicação, cada pensamento. Não queremos isto.
E vimos o que aconteceu durante a covid-19, com a censura. No futuro, numa futura crise, pessoas, incluindo jornalistas, poderiam ser simplesmente banidos das redes sociais, de modo fácil.
Seria muito fácil banir pessoas das redes sociais. Mas também mataria algumas destas plataformas. Porque muitas pessoas usariam o Facebook, mas menos pessoas usariam o X ou o TikTok se tivessem de se identificar de algum modo. E se alguém quisesse criar uma rede social que exige identificação real, então também poderia ser possível criar uma rede social para as pessoas que não querem identificar-se, ou as pessoas terem uma opção. Mas isso seria excluir as pessoas que não querem disponibilizar dados reais sobre si. É mais uma forma de o Governo controlar o mundo digital.
O que passa com a Austrália? Porque, durante a pandemia de covid-19, foi um dos países mais autoritários do mundo. Vimos imagens terríveis de violação de direitos humanos e civis por parte das autoridades; violência sobre cidadãos australianos; imposição de medidas sem base na evidência científica. Porquê esta abordagem radical, agora, para acabar com direitos humanos e civis?
É uma pergunta muito interessante. Penso que a forma como as pessoas vêem a Austrália já desapareceu há muito tempo. Essa versão da Austrália morreu na década de 70 [do século passado] mas continuou a estar viva nos filmes e nos media. Mas é uma sociedade muito urbana, a maioria das pessoas trabalha no sector dos serviços. Poucas pessoas trabalham com as mãos ou no exterior. É uma sociedade altamente institucional, com as pessoas a trabalharem com computadores. Isso torna as pessoas um pouco frágeis. Todos vivemos nos subúrbios. Esta ideia anterior de uma Austrália forte e resiliente já não existe há muito tempo. Numa crise, manifesta-se de forma significativa. Depois, há confiança no Governo porque nunca tivemos uma guerra para obter a independência, nunca passámos por uma ditadura. Até à covid-19, penso que 9 em 10 cidadãos australianos podiam confiar no Governo; talvez 8 em 10. Nunca fomos realmente confrontados com este tipo de desafios. Essa confiança foi explorada durante a covid-19. Isso agora está a mudar, porque grande parte da confiança desapareceu, pelo menos junto de uma porção significativa da população. E muita da oposição que tem havido a este tipo de leis sobre a desinformação e a verificação de idades para aceder a redes sociais está muito ligada ao movimento de liberdade de decisão na Saúde, o movimento que saiu da covid-19, que não é da direita nem de esquerda, que é mais anti-autoritário. Esse movimento é que conseguiu parar esta lei sobre desinformação.
Página da liber-net fundada, uma iniciativa criada por Andrew Lowenthal. / Foto: PÁGINA UM
Esteve na Web Summit, em Lisboa, recentemente. Pode falar sobre o evento em que participou?
Tivemos um pequeno evento na Web Summit para falar sobre censura e alegações de desinformação e como podem ser usadas para censurar. Este evento resultou de conversas que tive com Paddy Cosgrove, o CEO, que está muito activo politicamente e no ano passado teve de se afastar do evento porque fez comentários não muito controversos sobre o conflito Israel-Gaza. Houve uma resposta desproporcional.
Foi imediatamente cancelado.
Foi cancelado, mas regressou e, não posso falar em seu nome, mas compreendeu os perigos da censura e do cancelamento, porque aconteceu directamente com ele. O evento, foi uma curta conversa. Estiveram presentes representantes de grandes media ‘mainstream‘ e de meios independentes que têm trabalhado sobre temas similares aos que temos estado a falar; desinformação; covid-19; os camionistas no Canadá; toda a farsa ‘Russiangate’ nos media [que envolveu acusações falsas sobre Trump]. Houve um debate aceso no final. Houve pessoas que falaram com muita paixão de ambos os lados. Houve pessoas muito críticas dos media ‘mainstream‘, que acham que os media foram longe demais e perderam o contacto com a realidade. Alguns media ‘mainstream‘ reconheceram isso, em particular um senhor que estava presente e admitiu que os media ‘mainstream‘ tinham feito um péssimo trabalho em torno do estado mental débil de Biden. Houve outras pessoas a admitir os erros dos media ‘mainstream‘. Houve uma pessoa que gere uma grande plataforma de media europeia que admitiu que, na covid-19, não tiveram uma diversidade de opiniões. Algumas pessoas reconheceram alguns dos problemas. Houve outras que acharam que não fizeram nada de errado e disseram: ‘vocês é que são o problema; deve-se sempre confiar no Governo’.
Isso vai contra o que é o Jornalismo.
O que penso é que este tipo de debates não tem sido permitido. Tem havido imensas conferências sobre desinformação, mas é com pessoas que têm todas a mesma opinião, de que há uma crise de desinformação, e admito que há problemas, mas nunca promovem uma auto-reflexão sobre se não se está a ultrapassar a fronteira e a entrar no campo da censura. Por isso, para mim, esta rejeição da proposta de lei na Austrália é tão emocionante. Porque muitas destas pessoas, não apenas pessoas da direita, mas também pessoas da esquerda, veem que há problemas com toda esta máquina de combater a desinformação e do quanto se excedeu e de como pode ser perigosa para a liberdade de expressão. Estou bastante encorajado a esse respeito.
Há problemas com desinformação, sempre houve esses problemas. Também mencionou os efeitos que as redes sociais podem ter nos adolescentes. Mas deve haver uma abordagem pela educação e não pela censura e o autoritarismo.
Sem dúvida. Muitas pessoas da esquerda estão a chegar a essa conclusão. Tenho ouvido alguns a usar o argumento de, por exemplo, no tema do LGBT, um jovem com 15 ou 16 anos, que não conhece ninguém na escola ou está isolado e não sabe como se conectar com pessoas; as redes sociais são um meio para encontrar pessoas e se conectar e avançar, sendo alguém muito diferente na sociedade. E estão a querer impedir isso, estarão a isolar estes miúdos e afastá-los uns dos outros. Há grandes problemas nas redes sociais mas colocar um cobertor e bloquear o acesso como solução… Talvez tenha razão e, dado o que a Austrália fez na covid-19, não é inteiramente surpreendente que faríamos isto neste tema. Mas criou uma polémica. Portanto, a história acabou por conduzir a duas situações. Porque, há esta tendência profundamente autoritária na Austrália, numa sociedade muito resiliente e bem gerida aos olhos de fora − excessivamente gerida, a meu ver. Por outro lado, há esta rejeição deste novo sistema de controlo social na Internet.
Lowenthal dedica-se há mais de duas décadas a defender os direitos humanos e civis no mundo digital. / Foto: D.R.
O que espera do futuro? Tem esperança de que a sociedade ocidental não vá cair na armadilha de voltar aos tempos de censura e a tempos de autoritarismo? Ou está pessimista e pensa que a batalha ainda não terminou e a liberdade a democracia estão em perigo?
Talvez ambas. Penso que a única forma de se reverter este totalitarismo e ditaduras é através de se estar vigilante constantemente. Estou muito mais optimista do que estava há umas semanas. Há mais pessoas a fazer ouvir a sua voz sobre como estão fartas disto. Mas a luta não terminou. Vai continuar indefinidamente. Mas, talvez, haja mais vitórias no curto e médio prazos, e mais desafios que surgirão depois. Mas temos estado a ter algumas vitórias, o que é muito bom.
Sobre o X, tem havido celebridades e mesmo jornais, como The Guardian, a sair da rede social. Colaborou nos ‘Twitter Files’ e sabe sobre a censura que o antigo Twitter fez e como se articulou com a Casa Branca de Biden para censurar. Como vê estas saídas do X, numa altura em que a rede social regista um recorde de utilização?
Deve haver múltiplas plataformas de redes sociais. Temos demasiada centralização nas redes sociais. Talvez, hoje, um utilizador pode concordar com Elon Musk [dono da rede X] e amanhã pode discordar. E ele tem muito poder sobre aquela plataforma, não é algo democrático. É baseada no que ele pensa hoje e pode não pensar o mesmo amanhã. Não creio que a Bluesky seja para mim, mas ainda não a vi bem. Precisamos de ter redes sociais descentralizadas e não apenas meia-dúzia de oligarcas a controlar estas plataformas, o que é, definitivamente um problema. No futuro, deveria haver uma maior diversidade de plataformas do que as que temos actualmente. Obviamente, há também problemas sobre a proximidade que Musk tem com a nova administração [Trump]. Temos de estar vigilantes, mesmo em relação a pessoas que a dada altura considerámos serem nossas aliadas. Temos de poder criticar e manter as pessoas de acordo com os princípios, fundamentalmente.
NOTA: Transcrição editada e adaptada para português de entrevista feita em inglês.
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Em exclusivo para o PÁGINA UM, a directora de operações da Bluesky − a rede social ‘sensação’ que ganhou milhões de seguidores no último mês, após a vitória de Donald Trump nas presidenciais norte-americanas, − garantiu que a chave do sucesso está em dar prioridade aos utilizadores e não aos anunciantes. Rose Wang defendeu que os utilizadores gostam de ter ferramentas para poderem decidir que conteúdos veem. A jovem executiva de 33 anos explicou como uma equipa de apenas 20 pessoas está a gerir o crescimento da Bluesky que, dos 13 milhões de utilizadores que tinha no final de Outubro, passou a ter agora 23 milhões. Também falou sobre o conceito descentralizado, “aberto” e colaborativo desta rede social e defendeu a política de moderação de conteúdos da sua rede social, que funciona “por camadas”, com intervenção dos utilizadores. A privacidade dos dados também foi um dos temas abordados. Sobre o ‘concorrente’ mais directo, disse que “o X se tornou num grande megafone para um partido”.
É a ‘app’ sensação do momento entre as plataformas que operam redes sociais. Em apenas um mês, a Bluesky saltou dos 13 milhões de utilizadores para os 23 milhões. Parte do crescimento deve-se a migração de utilizadores que deixaram a rede X (ex-Twitter), de Elon Musk, descontentes pelo facto de o magnata ter ajudado o antigo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a regressar à Casa Branca, nas recentes eleições presidenciais que levaram à derrota da candidata democrata, Kamala Harris.
Rose Wang, 33 anos, é Chief Operating Officer (COO) da Bluesky, que nasceu como um projecto interno do Twitter. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, feita por videochamada, Rose Wang falou sobre como uma equipa de apenas 20 pessoas está a gerir uma plataforma de milhões de utilizadores. Também defendeu a política de moderação de conteúdos da Bluesky, que conta com diferentes “camadas”, em que utilizadores dispõem também de ferramentas de ‘moderação’.
A Bluesky é uma rede social descentralizada que foi pensada por Jack Dorsey, co-fundador do Twitter, com o objectivo de criar uma plataforma sem um controlo central. O projecto acabou por tornar-se autónomo e desvincular-se do Twitter, já na ‘era’ Musk. Mas Dorsey decidiu sair da Bluesky, em Maio deste ano, desencantado com o caminho que a rede social estava a seguir e acusou a Bluesky de estar a cometer os mesmos erros que o Twitter cometeu.
A Bluesky, que funcionava apenas por convite, começou a estar aberta a todos os utilizadores a partir de Fevereiro deste ano. Não vende os dados dos utilizadores a anunciantes e, no mês passado, anunciou que conseguiu um financiamento de 15 milhões de dólares (14.2 milhões de euros), através de uma operação financeira liderada por uma empresa de ‘venture capital’ ligada ao sector das criptomoedas.
Rose Wang, Chief Operating Officer (COO) da Bluesky. / Foto: D.R./Bluesky
Qual é o conceito da Bluesky? Qual é a filosofia da rede social?
A Bluesky é fundamentalmente diferente das outras plataformas de redes sociais porque somos uma rede social aberta, que coloca os utilizadores em primeiro lugar e dá às pessoas a possibilidade de escolha. O que é que isso significa exactamente? Estamos habituados a estar presos num algoritmo controlado por um pequeno grupo de pessoas. Não é o caso da Bluesky. Os utilizadores construíram cerca de 50 mil ‘feeds’, nomeadamente de gatos, mais de 200 ‘feeds’ sobre Taylor Swift e muitos outros que estão organizados cronologicamente ou com base naquilo que os seguidores estão a colocar ‘gostos’ (‘likes’). As possibilidades são infinitas. E quando se mistura com este feed, encontra-se um cantinho mais aconchegante para estar com pessoas com os mesmos interesses porque não existe um algoritmo único denominador que ou promove as publicações mais polarizadoras ou as publicações com mais ‘posts’ (‘threads’). Consegue-se interagir com pessoas reais e divertir-se e ter conversas, de novo.
Pensa que a Bluesky é a resposta que a Internet estava à procura, em termos de uma rede social mais descentralizada, porque os algoritmos são um problema, tal como a publicidade e outros temas.
Penso que a Bluesky está a cumprir uma promessa do que uma rede social deveria ter sido desde o início. Se pensarmos no e-mail ou nas operadoras de comunicações móveis. Se estou no Gmail, consigo falar consigo no Yahoo!. Isso não acontece nas redes sociais. Se estou no Facebook, não consigo falar consigo no LinkedIn. É um jardim fechado entre paredes que é dono da sua identidade, tenta mantê-la na sua plataforma, não a deixa sair, porque despromovem ‘links’; as pessoas estão cansadas de um espaço [redes sociais] onde as suas prioridades não estão em primeiro lugar, onde as prioridades dos anunciantes estão primeiro. Porque são eles que estão a pagar pelo serviço. Portanto, é por isso que chegámos a um mundo em que existe tanta toxicidade, tanto discurso de ódio e tanta desinformação. Porque as empresas não são incentivadas para tornar a experiência melhor para o utilizador final. Apenas são incentivadas a tornar a experiência melhor para os anunciantes. Para a Bluesky, a nossa missão é dar prioridade ao utilizador, como nosso principal cidadão. Aquilo que procuramos é: está a divertir-se? Está a fazer amigos? Está mesmo a publicar posts? O que está a acontecer na Bluesky é fundamentalmente diferente do que o que está a acontecer no Twitter, ou X. Por exemplo, no X, 1% dos seus utilizadores publicam posts. Não são muitas as pessoas que estão a interagir com o resto da rede social. Na Bluesky, cerca de 30 das pessoas fazem publicações. Na última semana tivemos 1,5 milhões de publicações de pessoas por hora. Foi tão emocionante assistir a isso porque: ‘olha, esta é uma rede social onde podes tirar o filtro, em vez de seres uma versão menos autêntica de ti’. Não é preciso fazer isso na Bluesky. Pode-se auto-expressar e expressar partes de si, em comunidades mais pequenas e ‘feeds’ diferentes, onde não ser julgado, poderá fazer amigos e criar ligações de novo. Penso que é por isso que as pessoas estão a gostar da Bluesky.
Falou sobre desinformação. Qual é a vossa política, em termos de moderação de conteúdos? Há receios sobre se a Bluesky vai ser uma rede social que vai aplicar uma forte censura como a que assistimos, por exemplo, no Facebook e no antigo Twitter, onde vimos cientistas e investigadores proeminentes e até jornalistas a serem censurados. O que podemos esperar da Bluesky?
Moderação é governação. Se pensarmos nas redes sociais, a forma como a moderação funciona, o que vemos é um pequeno grupo de pessoas a tomar decisões sobre que conteúdos são autorizados ou não na plataforma, quem é permitido e não permitido na plataforma. Isso é ter muito poder. Nós somos mais inspirados na abordagem de uma governação baseada numa república democrática, onde existem camadas de governação. Quando alguém entra na ‘app‘ Bluesky, entra na nossa sociedade. Há outras sociedades; há o ‘Greysky’; pode construir a ‘Greensky’; ou a ‘Yellowsky’. Pode ter as próprias regras e uma Constituição própria. Quando entra na nossa Bluesky, temos os nossos termos de serviço e as regras de comunidade, que são como que a Constituição deste espaço, que o nosso director de Segurança e Confiança, Aaron Rodericks -, ex-responsável da equipa de ‘Elections Integrity’ no Twitter – gere implementa. A Constituição apenas protege contra desinformação, discurso de ódio, assuntos graves. Mas há muitos assuntos que não atingem esse nível de gravidade, como deepfakes, má-educação, informação especulativa que não é desinformação. Há uma zona cinzenta e é aí que demos ferramentas aos utilizadores para gerirem os seus espaços. Não é muito diferente do que se passa no Reddit, onde moderadores de comunidades também gerem sub-comunidades, mas apenas têm soluções manuais. O que fizemos foi melhorar essa experiência e dar ferramentas digitais aos utilizadores. Pode retirar todos os ‘spoilers’ de filmes na rede. E pode esconder todos os ‘spoilers’ de filmes. Ou política: algumas pessoas querem ver publicações de política; em alguns dias quer ver publicações de política e em outros não quer ver; há um filtro para isso que um utilizador criou. É isso que é bom na Bluesky: não tem de esperar por uma autoridade central, ou um centro de gestão, como nós, que vá fazer essas mudanças que a sua comunidade precisa. E é difícil porque somos uma equipa de 20 pessoas, provavelmente não conseguimos chegar a todos os assuntos. Se tem essas soluções, o utilizador pode decidir o que a sua comunidade precisa e outros utilizadores vão olhar para o seu feed e escolher subscrever a sua etiqueta de moderação. Essa é a promessa de uma república democrática.
Foto: D.R.
Quantos utilizadores tem a Bluesky hoje? E com uma equipa de 20 pessoas; como é que estão a gerir toda esta atenção?
Temos cerca de 23 milhões de utilizadores na Bluesky, o que é muito emocionante. Temos apenas 20 membros na equipa. Mas isto não é novo. Somos muito inspirados em equipas como as do Instagram e WhatsApp, antes de serem adquiridas. Eram equipas pequenas de 18 a 23 pessoas a servir centenas de milhões de utilizadores. Há um precedente. E há um benefício em ter uma pequena e forte equipa. Primeiro, temos muita experiência. Mencionei Aaron Rodericks. É importante que não se tenha pessoas que nunca trabalharam em empresas de redes sociais. E em equipas pequenas é mais fácil tomar decisões. Por isso, conseguimos agir tão rápido, como equipa. Temos uma coordenação apertada e caminhamos para o mesmo objectivo. É algo mais difícil de se fazer quando se tem uma grande equipa.
Mas precisa de mais servidores e há outro tema: tem muito mais conteúdo para moderar. É um crescimento enorme em tão pouco tempo.
Para nós, ao mesmo tempo, não é novo. No mundo ocidental, a app Bluesky entrou nos tops da App Store e está nas notícias. Mas vimos a Bluesky a crescer em outras partes do mundo. Quando tornámos a app pública (antes era por convite), em fevereiro deste ano, tivemos mais de um milhão de utilizadores japoneses. Quando o X foi banido no Brasil, este ano, tivemos mais de quatro milhões de brasileiros a vir para a Bluesky em poucas semanas. A equipa tem experiência com fases de grande crescimento. É por isso que a rede não registou períodos significativos de estar em baixo. Por isso, as pessoas continuam a divertir-se sem se sentirem inseguras, ao contrário de outras plataformas. A nossa equipa tem experiência e está pronta para mais.
E na Europa. Suponho que tenham também muitos utilizadores europeus e portugueses.
Temos muitos utilizadores europeus e portugueses, o que significa que tenho de ir a Portugal.
Definitivamente.
É emocionante para nós. Vemo-nos como uma plataforma global. Se vir a nossa equipa, vem de todo o mundo e é muito diversa, em termos de género e ‘raça’. A equipa reflecte a base de utilizadores que queremos ter na Bluesky, desde que tenha um diálogo gentil e saudável. É difícil gerir. A liberdade de expressão no Reino Unido é diferente do que é nos Estados Unidos. Os valores em diferentes países da União Europeia são ligeiramente diferentes. São este tipo de nuances que nos fazem quer dar ferramentas aos utilizadores para criarem o seu novo feed para servir a comunidade. Isto está a ressoar muito com os europeus, não há um controlo centralizado que garante que os anunciantes estão a ter um lucro maior.
E em relação aos regulamentos na União Europeia? Se continuam a crescer a esta ritmo, precisam ajustar-se a regras da União Europeia. Podem ajustar-se ou ainda têm tempo para se ajustar?
Vamos cumprir com as regras europeias. Houve uma notícia sobre haver uma regulação europeia que nós não cumpríamos, mas se ler a notícia, nenhum regulador tentou entrar em contacto com a Bluesky, só falaram com a imprensa, o que está bem. Se tivessem falado connosco, teríamos imediatamente feito essa mudança. Temos a total intenção de cumprir com as regras.
E quais são os vossos planos? Quais são as novas funcionalidades que querem disponibilizar?
Sem dúvida. Olhamos sempre para o que as pessoas realmente precisam e o que está a acontecer na app. Penso que o motivo por que as pessoas estão a vir para a Bluesky é que não há outro lugar onde ir para ver notícias globais e de última hora de vários lados. O X tornou-se num grande megafone para um partido. O Threads despromove ligações da Internet e conteúdo político. A Bluesky está a fazer oposto: ‘venham, partilhem os vossos links aqui’. Mesmo a forma como o nome de utilizador funciona; pode-se usar um website como nome de utilizador porque é dono dessa identidade. Queremos mais notícias na Bluesky e vamos criar mais funcionalidades para que os media possam publicar. Parte disto é compreender o que está a acontecer. O Guardian anunciou hoje que o tráfego da Bluesky para seu jornal é duas vezes aquilo que vem do Threads. Isto na primeira semana na plataforma, com 300 mil seguidores. O tráfego nas notícias do Guardian é mais alto do que em qualquer semana de 202 no Twitter em 2024, onde tinha 10,8 milhões de utilizadores. Em geral, há muito mais interacção na Bluesky porque não se está preso a um algoritmo.
Então é uma boa plataforma para quem tem publicações?
Sem dúvida.
Como opera a Bluesky em termos de consentimento dos utilizadores sobre a utilização dos seus conteúdos para treinar inteligência artificial (IA)?
A Bluesky teve de escolher entre ter os dados públicos ou privados. A maioria das redes sociais escolheu dados privados, o que significa que são donos dos dados, estão a treinar os seus modelos de inteligência artificial com os dados dos utilizadores e estão a vender os dados privados a anunciantes. Queríamos sair desse mundo. Portanto fizemos uma plataforma aberta como o Reddit. É aberta como a Internet. Não somos donos dos seus dados, é o utilizador. E o utilizador é dono da sua identidade. Aquilo que estamos a tentar fazer é que seja o utilizador a expressar o seu consentimento sobre se as empresas de IA podem usar ou não os seus dados. Não podemos obrigar as empresas de IA a seguir o consentimento que você expressou, mas podemos dar-lhe, pelo menos, as ferramentas para poder expressar o seu consentimento. E esse é nosso primeiro passo nesse sentido.
Como definiria, em resumo, a Bluesky?
A Bluesky põe os utilizadores em primeiro lugar, e isso significa que lhes estamos a dar escolha; podem escolher ‘feeds’ diferentes e podem conhecer pessoas reais e divertir-se, novamente, em comunidades.
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É conhecido pela sua vida na política, mas a sua paixão são a água e o ambiente. Depois de ter sido o mentor do plano de drenagem de Lisboa, há precisamente duas décadas, António Carmona Rodrigues é presidente da AdP –Águas de Portugal e coordena o Grupo de Trabalho ‘Água que Une’, que visa assegurar a disponibilidade de água no país para todos os usos essenciais. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Carmona Rodrigues fala sobre o sector da água e o ambiente e a necessidade de ter estratégias bem pensadas para o futuro, incluindo de prevenção e preparação para eventos extremos, como o que afectou Valência, em Espanha, recentemente. Carmona Rodrigues também recorda os tempos de actividade política activa, os quais lhe chegaram a trazer alguns dissabores, e diz não ter guardado ressentimentos, embora guarde memórias.
Tornou-se mais conhecido pelo seu papel na política, mas é uma das principais ‘autoridades’ em Portugal em matéria de água e ambiente. Podia estar a saborear a reforma mas, aos 68 anos, António Carmona Rodrigues preside à AdP – Águas de Portugal, cargo para o qual foi nomeado em Maio deste ano e que “não podia recusar”.
Mas foi também nomeado, em Julho, para coordenar o Grupo de Trabalho ‘Água que Une’, para elaborar uma nova estratégia nacional para a gestão da água. Este grupo que Carmona Rodrigues coordena é responsável, provavelmente, pela principal tarefa que o país enfrenta para o futuro: assegurar a disponibilidade de água para todos os usos essenciais. “O nosso dever cívico é tentar contribuir para melhorar o que não está bem”, afirmou nesta entrevista ao PÁGINA UM.
António Carmona Rodrigues na sede do jornal PÁGINA UM. / Foto: PÁGINA UM
Depois de ter sido o mentor do plano de drenagem de Lisboa, cuja construção está em marcha, Carmona Rodrigues foi chamado a liderar esta iniciativa interministerial no âmbito da qual vai ser revisto o Plano Nacional da Água para 2025-2035 e desenvolvido um plano de armazenamento e de distribuição eficiente de água para a agricultura – Plano REGA –, designadamente em articulação com outros instrumentos de planeamento e gestão que estão em vigor, como é o caso do Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais (PENSAARP 2030).
Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Carmona Rodrigues falou sobre um dos projectos em curso no âmbito das novas origens de água: o projecto de dessalinização da água do mar no Algarve. Também abordou a a sua ‘paixão’ pela água e pelo ambiente e os desafios que o país enfrenta e defendeu que devem ser adoptadas estratégias de prevenção, designadamente para se lidar com eventuais eventos extremos, como as trágicas cheias recentes em Valência, Espanha. Também recordou a sua vida política, que até lhe valeu um longo processo judicial, que se arrastou por nove anos, culminando na sua absolvição.
Independente, Carmona Rodrigues foi ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação e deu ao PSD a maior vitória de sempre na capital, quando foi eleito presidente da autarquia, em 2005. Admitiu não ter “nada contra os partidos”, mas prefere ser independente. “Sou e serei sempre, com muito orgulho, independente”, afirmou durante a entrevista.
O presidente da AdP – Águas de Portugal foi também nomeado, em Julho, coordenador do Grupo de Trabalho ‘Água que une’, cuja missão é desenhar uma estratégia para garantir a disponibilidade de água para todos os usos essenciais no país. / Foto: PÁGINA UM
Considerou que a democracia não está em perigo em Portugal, mas criticou a grande resistência à mudança que existe no país. Defendeu que Portugal precisa modernizar, por exemplo, a “própria lei do poder local, que é uma lei obsoleta”, e lamentou que “parece que essas matérias são tabus em Portugal”. Lembrou que se trata de uma lei criada em 1976, que “deu muitos bons frutos”. Mas sublinhou que, até aos anos 90, “os autarcas comungavam do primeiro interesse, que era servir as comunidades, estivessem eles no poder ou na oposição”. “Hoje só vejo a dita oposição a não deixar fazer. A oposição transformou-se muito em não deixar fazer, por qualquer meio”, frisou.
Carmona Rodrigues não duvida que “a democracia não está em perigo, mas devia haver um esforço de adaptação legal, institucional, aos tempos modernos”. “Não se muda. Não se muda porquê? Na água, toda a gente é criticada por não se adaptar, na política não, é o contrário”, apontou, referindo ainda os exemplos dos que defendem a Regionalização ou a adopção de alterações à Constituição da República.
Disse que há muitas opções na política que podiam ser discutidas e recordou uma experiência extrema levada a cabo na antiga Grécia, em que governantes foram escolhidos por amostra estatística, sem opção de recusarem desempenhar as funções de gestão do bem público.
Mas, em Portugal, lamentou que nem debater algumas temas, se pode. “Em Portugal, penso que temos passado muitos anos com uma grande resistência à mudança”, observou.
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A psicóloga, comentadora e antiga deputada Joana Amaral Dias é uma das três autoras da Petição Pela Rejeição do Cartão Europeu de Vacinação, a qual conta com mais de 16.600 assinaturas. A petição será apreciada em sede da Comissão de Saúde. Para as peticionárias, o cartão representa uma séria ameaça aos direitos, liberdades e garantias individuais e se for aliado à identidade digital e euro digital poderá ser usado para controlar os cidadãos. Assim, qualquer Estado que tenha nas suas mãos estas ferramentas digitais ficará com um poder sobre a população que coloca em risco a democracia. Com esta Petição, as autoras da iniciativa pretendem, primeiro, alertar a população; segundo, comprometer os deputados com as suas decisões, para que mais tarde não posso dizer que nada sabiam. O objectivo final é o de deter a adopção deste cartão em Portugal.
A psicóloga, comentadora e antiga deputada Joana Amaral Dias e a médica-dentista e defensora da medicina baseada na evidência Marta Gameiro são as vozes defensoras dos direitos humanos e liberdades fundamentais que, pela segunda vez, surgem no Parlamento para ‘agitar as águas’ em torno de novas políticas de saúde pública que ameaçam tornar-se em instrumentos de controlo e vigilância para usar nos cidadãos.
Depois de terem sido ouvidas no Parlamento a propósito de uma petição que pedia um referendo sobre a adesão de Portugal ao Tratado Pandémico da Organização Mundial de Saúde, Joana Amaral Dias e Marta Gameiro lançaram uma nova petição, com a jurista Alexandra Marcelino, para a rejeição do cartão europeu de vacinação. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Joana Amaral Dias alertou que “este cartão europeu de vacinação é mais uma machadada grave nos nossos direitos, liberdades e garantias”.
Esta petição conta com mais de 16.600 assinaturas e vai ser analisada no Parlamento, tendo baixado à Comissão de Saúde para apreciação. Para já, foi designado como relator, no dia 25 de Outubro, o deputado do Livre Paulo Muacho.
Joana Amaral Dias. / Foto: Júlia Oliveira
Em causa está o projecto EUVABECO, criado pela da Comissão Europeia, o qual “visa intensificar e controlar a vacinação na União Europeia (UE), e está em vias de lançar 5 ‘ferramentas’ que devem, até 2030, governar a Saúde Pública e Privada”, segundo o texto da petição. Uma das ‘ferramentas’ consiste num “cartão de vacinação transfronteiriço, permitindo o controlo dos cuidados de saúde a nível global e ao longo da vida”.
A fase de teste-piloto arrancou em Setembro passado e vai durar até Agosto de 2025. Portugal é um dos cinco países onde o cartão vai ser testado a par da Bélgica, Grécia, Letónia e Alemanha.
Mas, recorda a petição, “a agenda da EUVABECO prevê a implementação deste CVE (cartão de vacinação europeu) em 2026, que, integrado no sistema global de certificação digital da Organização Mundial da Saúde (OMS), está a ser conjugado com dois outros projectos, a saber: Identidade Digital Europeia eMoeda Digital Europeia”. Para as peticionárias, “o CVE surge como um instrumento de rastreamento, controlo e coerção dos cidadãos, que, se não for travado, nos conduzirá a cinco pontos de não retorno”.
Joana Amaral Dias. / Foto: Júlia Oliveira
A decisão de lançar esta petição surgiu devido à “magna importância” do tema, “que diz respeito à saúde de todos” e que envolve a criação, “por parte de pessoas não eleitas”, de um instrumento “sem discussão pública” e até contra a vontade de cidadãos. Para as peticionárias, o cartão visa coligir dados dos europeus e centralizá-los, sendo que Portugal já tem um cartão de vacinação.
Joana Amaral Dias alertou que os dados do cartão serão “armazenados de forma electrónica e centralizados em instâncias europeias” que terão acesso a dados de saúde dos europeus e poder usá-los a ser bel-prazer”.
Para as peticionárias, o problema não está apenas no cartão e nas ferramentas que o acompanham, mas no facto de vir a poder ser usado em articulação com o euro digital a identidade digital. Segundo Joana Amaral Dias, o cartão de vacinação, aliado a estes instrumentos “torna-se especialmente maquiavélico e perverso, porque qualquer Estado que disponha destes três elemento pode ‘vergar a espinha’ a qualquer cidadão”. “Qualquer estado que detenha estas ferramentas deixa de ser democrático”, alertou.
Para já há que aguardar que seja agendada a data para ouvir as peticionárias na Comissão de Saúde. Segundo Joana Amaral Dias, o primeiro objectivo da petição é alertar as populações, mas também conseguir que os deputados se comprometam com as suas decisões, não podendo, no futuro, fingir que nada sabiam. Por fim, o terceiro objectivo é deter a implementação do cartão em Portugal.
No caso da petição relativa ao Tratado Pandémico, esforços de aumento de literacia sobre o tema levados a cabo em diversos países, como foi feito em Portugal por Marta Gameiro e Joana Amaral Dias, a pressão dos cidadãos, médicos e investigadores acabou por surtir algum efeito, pois o Tratado não chegou a ser adoptado, mas a OMS não desistiu que o implementar.
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Quando se fala em Habitação, o nome que mais surge na mente de muitos portugueses é o de Helena Roseta. Foi pela sua mão e vontade que nasceu, em 2019, a primeira Lei de Bases da Habitação. Mas a influência na sociedade portuguesa da arquitecta e antiga deputada e ex-autarca não se tem ficado pela defesa do direito de todos de viver numa casa condigna, como dita a Constituição da República. Helena Roseta participou, por exemplo, na recente manifestação contra a violência policial e a pedir justiça para Odair Moniz, natural de Cabo Verde e a residir em Portugal, que foi morto a tiro por um agente da PSP. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Helena Roseta fala sobre o seu percurso de vida, a família e sobre política a activismo cívico. Também deixa um alerta: a democracia está em desconstrução e é preciso lutar contra a onda que tenta arrastar a Europa e o Ocidente de volta ao totalitarismo. Por fim, deixa uma mensagem aos jovens: se quiserem mudar o mundo, não o façam sozinhos, procurem apoios; e nunca baixem os braços.
Prestes a completar os 77 anos, Helena Roseta não baixa os braços e continua a dar o seu contributo para mudar o mundo. A arquitecta e antiga deputada e ex-autarca defende que “estamos cá não só para gozar a nossa vida, mas para fazer alguma coisa pelos outros”.
Para Helena Roseta, vivemos num tempo em que na Europa, e no Ocidente em geral, se sente uma nova onda de regresso ao totalitarismo que precisa ser combatida. “o tempo actual tem algumas semelhanças com os anos 30, em que a gente sente um retrocesso muito grande relativamente a conquistas e progressos”, disse.
Helena Roseta / Foto: D.R.
Disse que “a História tem movimentos pendulares, não está sempre no mesmo sentido e, normalmente, após momentos de grande progresso em direcção a mais liberdade, a mais democracia, há momentos de regresso, de retrocesso e nós estamos a assistir a um momento desses”. Lembrou que a Europa passou, nos pós-guerra, por um “período de expansão dos direitos sociais”, tal como os Estados Unidos, que “também tiveram um período de grande expansão de direitos humanos e de liberdades” e que lidou com a questão racial. “Nós estamos a ter agora a questão racial e eu sei de que lado estou, estou no mesmo lado em que estaria Martin Luther King”, sublinhou.
Citando Manuel Alegre, defendeu que a democracia está numa fase de “desconstrução” e isso “obriga-nos a um activismo mais forte”. Frisou que, “na fase da construção as pessoas podem ir com a onda. Na fase da desconstrução é preciso desconstruir a onda, é preciso estar contra a onda e isso é mais exigente”.
Helena Roseta na celebração da primeira Lei de Bases da Habitação, em 2019. / Foto: D.R.
Nesta entrevista, Helena Roseta também falou sobre a crise no acesso a casas e disse que “estamos a ter a consequência, por um lado, da ausência de políticas de habitação”, por outro, das políticas de cidade que não souberam acomodar, por exemplo, as grandes vagas de imigração, “primeiro da província, das ex-colónias, depois dos PALOPs (Países de Língua Oficial Portuguesa), depois de outros países”, designadamente do Brasil e “agora da Ásia”. Mas também culpou a financeirização do sector imobiliário e da Habitação.
A ex-deputada deixou críticas à ineficácia do Parlamento. “Hoje, temos um Parlamento muito mais virado para a expressão das oposições do que para a formação democrática da decisão colectiva”, lamentou. E deu o exemplo de como se conseguiu aprovar a Constituição da República numa altura em que existia uma polarização muito superior à que existe hoje, com manifestações e em pleno PREC (Processo revolucionário em Curso).
Também deixou uma mensagem aos jovens: “ninguém muda o mundo sozinho”. E deixou dois conselhos: “não fazer nada sozinhos; e não baixar os braços”.
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Nome incontornável na produção cinematográfica em Portugal, Paulo Trancoso preside pela quinta e “última vez” à Academia Portuguesa de Cinema, a qual fundou. O produtor, que é sócio e fundador da Costa do Castelo Filmes, não se vai recandidatar ao cargo e quer voltar a dedicar-se à produção. Entre os muitos feitos conquistados, está a produção dos filmes ‘A Casa dos Espíritos’, de Billie August, e ‘A Selva’, de Leonel Vieira, entre muitos outros. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, o produtor fala sobre a crise do sector, designadamente devido às medidas drásticas implementadas em Portugal na pandemia de covid-19 que aceleraram a mudança de hábitos dos consumidores, afastando-os ainda mais das salas de cinema. Também comentou o fenómeno das plataformas de ‘streaming’ e o quase desaparecimento do DVD. Sobre a polémica em torno da recente edição do festival Tribeca, defendeu que não se tratou verdadeiramente de um festival e deixou sugestões de melhorias a adoptar pela organização no próximo evento daquela marca. Paulo Trancoso também frisou que a história do cinema português “é uma das riquezas que temos”, lamentando que o valor do cinema ‘made in’ Portugal é mais reconhecido no estrangeiro do que no país.
Num mundo em transformação tecnológica e na era da explosão das plataformas de ‘streaming‘, o cinema tem futuro? Paulo Trancoso, presidente e fundador da Academia Portuguesa de Cinema (APC) diz que sim. Mas precisa de haver uma maior divulgação e promoção junto do público, sobretudo no caso do cinema ‘made in‘ Portugal.
Nesta entrevista ao PÁGINA UM, o produtor e fundador da Costa do Castelo Filmes indicou que este é o seu quinto e último mandato à frente da APC, já que pretende voltar a dedicar-se à produção. Na sua longa carreira, que passou também pela área da publicidade, Paulo Trancoso produziu diversos filmes reconhecidos, como o célebre ‘A Casa dos Espíritos’, de Billie August, e ‘A Selva’, de Leonel Vieira.
Paulo Trancoso na redacção do PÁGINA UM. / Foto: PÁGINA UM
Comentando a crise por que têm passado as salas de cinema, o produtor considerou que os preços dos bilhetes “estão baratos”, salientando que “a verdade é que não têm subido há muitos anos” e que, comparando com os preços praticados em outros países, os que se observam em Portugal são muito mais baixos.
Sobre o cinema feito em Portugal, lamentou que, muitas vezes, no estrangeiro se valoriza mais o cinema português do que em Portugal, afirmando que “nós cá não reconhecemos” o valor e a qualidade do cinema que é feito no país.
Também comentou o polémico festival Tribeca, organizado pela SIC, estação de televisão do grupo Impresa, sublinhando que não foi verdadeiramente um festival de cinema. “Não foi isso a que se assistiu. É preciso perceber que as pessoas precisam de condições mínimas para ver um filme: tem que ter uma sala como deve de ser; tem que haver um projector como deve de ser”, afirmou. Destacou que um festival não é um acontecimento do género “olha ali, um café com um actor”. Defendeu que o público vai a um festival do género para “ver um filme e ver um realizador a falar do filme”. “A SIC tem muita experiência televisiva mas teria de perceber que também teria que ter experiência cinematográfica”, frisou.
Foto: PÁGINA UM
Contudo, Paulo Trancoso acredita que a SIC aprendeu com os erros desta edição e que “a segunda edição vai ser, certamente, muito melhor do que a primeira”. Salientou que a marca Tribeca está ligada a filmes “interessantes, mas obviamente que é preciso perceber que são filmes americanos”. E revelou que o cinema português também poderia ser incluído num festival destes, mas teria de ter um outro modelo e ser mais aberto, incluindo cinema europeu.
Paulo Trancoso também recordou as diferentes épocas que marcaram a história do cinema português, recordando Aurélio da Paz dos Reis, pioneiro do cinema em Portugal e “o primeiro cineasta do mundo”. O produtor frisou que a história do cinema português “é uma riqueza que temos” no país.
No final da entrevista, o presidente da Academia Portuguesa de Cinema ainda revelou qual é um dos seus filmes preferidos.
À margem desta entrevista, Paulo Trancoso ainda comentou sobre os avanços no campo da inteligência artificial e do impacto que terá o seu uso na criação de conteúdos cinematográficos, antevendo um novo e enorme desafio para o sector.
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Ricardo Cunha, presidente da Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores, é o rosto de um novo movimento que mobilizou quase metade do contingente dos regimentos de sapadores de várias cidades numa inédita e mediática manifestação nas escadarias da Assembleia da República. Defende melhores condições salariais para uma profissão de vital importância, pela sua capacidade e treino, mas de desgaste rápido. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Ricardo Cunha fala também sobre as especificidades de uma profissão que muitos ainda confundem com as actividades desempenhadas pelos bombeiros voluntários, mas cujas diferenças são abissais.
Nas grande cidades são os ‘pronto-socorro’ eficaz e 100% disponível e sem falhas, mas uma parte considerável da população ainda ignora que os bombeiros sapadores são muito distintos dos bombeiros voluntários. No início do mês, uma manifestação activa defronte à Assembleia da República, veio galvanizar as reinvidaçãoes do novel Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores (SNBS), criada em 2019 para lutar pela dignidade e condições desta profissão essencial para o quotidiano e para uma eficaz política de protecção civil.
Nesta entrevista para a HORA POLÍTICA, Ricardo Cunha, presidente do SNBS, destaca as reivindicações da classe, que incluem melhorias nas condições de trabalho, aumento salarial e de subsídios de risco e ainda o reconhecimento das especificidades da profissão. Numa conversa que também se quis didáctica, este também sapador no regimento de Lisboa sublinhou também as diferenças fundamentais entre os bombeiros sapadores e os bombeiros voluntários, salientando que as exigências de formação e os critérios de seleção para os primeiros são muito mais rigorosos e profissionais.
Ricardo Cunha, presidente do Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores, no PÁGINA UM.
“Para ser profissional, é preciso ter uma certa formação e um certo critério de exigência”, disse Cunha, referindo-se à formação intensiva e à seleção rigorosa que diferenciam os sapadores. Enquanto um bombeiro voluntário tem entre 250 e 350 horas de formação, um sapador passa por cerca de 1.800 horas de treino inicial, após ser submetido a testes eliminatórios em várias áreas, incluindo a psicológica, física e de cultura geral. Segundo o presidente, “ser sapador é como ser aceite em tropas especiais”, dado o nível de exigência.
Cunha lamenta o desinvestimento na carreira dos bombeiros sapadores, destacando o desgaste físico e psicológico da profissão e a falta de reconhecimento para a reforma antecipada. Uma das reivindicações centrais é a criação de uma carreira clara, que contemple um subsídio de risco adequado e que permita a aposentadoria aos 50 anos para bombeiros de base, em vez da idade actual, de 60 anos. Dizendo aos 50 anos, muitos dos sapadores já apresentam doenças incapacitantes, Ricardo Cunha destaca as dificuldades enfrentadas por profissionais de uma atividade altamente exigente e de risco constante.
Ricardo Cunha também se referiu à falta de uma escola nacional de formação específica para sapadores. Actualmente, a formação está restrita às escolas do Regimento de Lisboa e do Porto, enquanto a Escola Nacional de Bombeiros está focada principalmente nos voluntários.
O dirigente máximo do SNBS também aflorou o problema da duplicidade de funções e responsabilidades no terreno emn operações de socorro, uma vez que, por exemplo, em cidades como Lisboa, os bombeiros voluntários actuam frequentemente em situações que deveriam ser coordenadas pelos sapadores. Cunha destacou a importância do cumprimento da lei que exige que, ao chegar ao local, o comando seja passado para o bombeiro sapador presente. Esta situação tem gerado tensões entre as corporações e compromete a eficiência do socorro, diz.
Em termos de perspetivas futuras, o presidente do sindicato é categórico ao defender que o Governo deve acompanhar os pedidos dos sapadores bombeiros, que têm o apoio das autarquias, as suas empregadoras, alterando os normativos legais para dar maior dignidade a uma profissão essencial para o país. Caso contrário, admite, os protestos e manifestações continuarão, embora descarte a possibilidade de uma greve, porque só iria afectar as populações que eles servem.
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Nuno Palma é economista, professor na Universidade de Manchester e autor do livro ‘As causas do atraso português’. Numa breve entrevista por telefone, o economista falou ao PÁGINA UM acerca do trabalho de investigação sobre Angola que está actualmente a desenvolver em parceria com James Robinson, um dos três laureados com o Prémio Nobel da Economia deste ano. Nuno Palma não ficou surpreendido com a escolha da Academia sueca (foram também laureados Simon Johnson e Daron Acemoglu, autor do livro ‘Porque falham as nações’) e destacou a importância do trabalho desenvolvido pelos três investigadores. Notou que o trabalho dos três investigadores “enfatiza precisamente a importância que o bom funcionamento das instituições políticas tem para o crescimento económico e o bom funcionamento da economia propriamente dita“. Nesta entrevista, apontou que, no caso de Portugal, há falta de transparência nas principais instituições públicas, não existe instituições independentes, nem responsabilização ou a aplicação efectiva da lei. Assim, o economista considera que os portugueses vivem numa democracia limitada. Sobre a qualidade da investigação produzida pela ‘academia’ portuguesa, considera ser “muito fraquinha”.
Foi anunciado, esta semana, a atribuição do Prémio Nobel da Economia a James Robinson, Daron Acemoglu e Simon Johnson “por estudos de como as instituições são formadas e afectam a prosperidade”.
Para Nuno Palma, economista, professor na Universidade de Manchester, e autor do livro ‘As causas do atraso português’, a escolha feita pela Academia sueca não surpreendeu, sendo já esperada, pela “importância” do trabalho desenvolvido pelos três investigadores laureados. Destacou que o trabalho dos três laureados “enfatiza precisamente a importância que o bom funcionamento das instituições políticas tem para o crescimento económico e o bom funcionamento da economia propriamente dita”.
Nuno Palma desenvolve actualmente um trabalho de investigação cuja equipa inclui um dos laureados, James Robinson e ainda os co-autores Hélder Carvalhal, Soeren Henn, sobre a história política e económica de Angola, com base em dados e registos portugueses. O trabalho procura encontrar as origens do colonialismo português. Isto numa altura em que se debate a teoria de que o Ocidente deve ‘reparações’, uma forma de compensar financeiramente a ocupação de regiões, o ‘desvio’ de riqueza, mas também a escravatura, por exemplo. Uma questão que Nuno Palma considera ser de cariz ideológico.
Nuno Palma. (Foto: D.R.)
Segundo a Academia sueca, “os laureados contribuíram com investigação inovadora sobre o que afecta a prosperidade económica dos países a longo prazo” e “as suas perspectivas sobre a forma como as instituições influenciam a prosperidade mostram que o trabalho para apoiar a democracia e as instituições inclusivas é um importante caminho a seguir na promoção do desenvolvimento económico”.
Falando sobre o caso de Portugal, Nuno Palma considerou que o país “tem instituições deficientes, que funcionam mal e que têm falta de transparência”. Defendeu que há “falta de instituições independentes” e “falta de ‘accountability’ (responsabilização)”.
Comentou também o facto de que os que lançam avisos sobre o que de negativo se passa com Portugal arranja inimigos e deu o exemplo de um dos laureados com o Nobel. Simon Johnson, antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, chegou mesmo a ser processado em Portugal, tendo sido absolvido, na sequência de um artigo de que foi co-autor, em 2010, intitulado ‘O próximo problema global: Portugal’.
Nuno Palma concluiu que Portugal é “uma democracia com bastantes limites, com uma forma de funcionamento institucional frágil”.
Deixou ainda uma nota sobre a censura dos tempos modernos. Destacou que as ditaduras não têm censura explícita, mas sim uma censura “para controlar a desinformação”, que é tudo o que se opõe ao regime no poder. Sobre este tema, apontou que, em Portugal, por exemplo, vê alguns “tiques” de censura por parte da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).
Pelo meio, Nuno Palma lança ainda críticas à qualidade da Academia portuguesa, acusando-a de ser “muito fraquinha”, com investigação, por vezes, enviesada, mostrando desinteresse por dados quantitativos.
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