Foram catalogados como investidores beneméritos em 2015, quando entraram na TAP, uma companhia aérea já então em crise. Em plena pandemia, que ainda mais afundou a companhia aérea portuguesa, David Neeleman e Humberto Pedrosa saíram da TAP numa rocambolesca negociação com o ex-ministro Pedro Nuno Santos, mas com todos os dedos e mais uns quantos anéis. Cálculos do PÁGINA UM apontam que, no conjunto, pela passagem pela TAP amealharam quase 60 milhões de euros. A parte de “leão” coube ao empresário norte-americano, que terá “levado para casa” 52 milhões de euros. Já o empresário português, dono do Grupo Barraqueiro, terá lucrado os restantes oito milhões de euros. Este é o segundo artigo de um dossier que o PÁGINA UM está a publicar sobre a TAP. Muitas perguntas estão por responder em torno das operações e contas da companhia aérea. A comissão parlamentar de inquérito à gestão política da tutela da TAP deverá trazer mais luz sobre as dúvidas que subsistem. A tomada de posse foi ontem.
Era uma época de taxas de juro negativas. E ninguém diria mas foi com um investimento numa empresa em dificuldades que David Neeleman e Humberto Pedrosa terão conseguido encaixar milhões em lucro. No total, a entrada – e posterior saída – da TAP, rendeu quase 60 milhões de euros em lucros.
O empresário norte-americano, fundador da Breeze Airways, terá levado a maior fatia: cerca de 52 milhões de euros. Quanto ao empresário português, dono do Grupo Barraqueiro, terá lucrado uma verba a rondar os oito milhões de euros.
O PÁGINA UM passou a pente fino os relatórios e contas da TAP dos últimos exercícios e também escrutinou as operações executadas em torno da privatização da companhia em 2015, reversão da venda e posterior saída dos investidores privados do capital da empresa. No primeiro artigo deste dossier, o PÁGINA UM noticiou que a companhia aérea custou 3.200 milhões de euros ao erário público desde a privatização, em 2015.
Isto numa empresa que, nos dois últimos exercícios registou prejuízos de 2.800 milhões de euros e, desde a privatização, em 2015, só registou lucros em 2017, de 23 milhões de euros.
O jornal Correio da Manhã já havia noticiado, no dia 11 de Fevereiro, que Neeleman encaixou um lucro de 52 milhões de euros com o seu investimento na TAP. Aliás, o financiamento da entrada do norte-americano na TAP está envolto em polémica, com notícias a apontar que terá pago tudo com “o pelo do próprio cão”, através de uma operação que envolveu a Airbus e a negociação da troca da frota da companhia. Segundo o Eco, o norte-americano assumiu o controlo da TAP com dinheiro da própria empresa.
David Neeleman
A venda de 61% do capital da TAP, em 2015, ao consórcio detido em partes iguais pelos dois empresários – Atlantic Gateway – foi executada pelo Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho. Mas, apenas três meses após a privatização, a venda foi revertida, por decisão do Governo do PS, liderado por António Costa.
As contas são fáceis de fazer. David Neeleman pagou cinco milhões de euros por metade de 61% do capital da TAP, aquando da privatização em 2015.
O investidor recebeu depois 45 milhões de Humberto Pedrosa pela participação de 50% na Atlantic Gateway e mais 55 milhões pela venda de 22,5% da TAP ao Estado português.
Além destas verbas, pelo meio, encaixou 389 mil euros pela venda de 37,5 milhares de acções aos trabalhadores da TAP, a 10,38 euros cada e 950 mil euros pela venda de 82,5 mil acções ao Estado, a 11,52 euros cada, quando este desejou recuperar o controlo da empresa.
Fonte: Relatórios e contas da TAP. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Neeleman pagou 112 milhões de euros – metade dos 224 milhões de euros – pelas Prestações Suplementares pelo acordo que tinha com o Estado português. Recebeu ainda 67,5 milhões de euros pelos juros a 7,5% durante 10 anos sobre o empréstimo obrigacionista da Azul de 90 milhões de euros.
No caso de Humberto Pedrosa, os cálculos do PÁGINA UM com base em documentos oficiais públicos disponíveis apontam que terá obtido um lucro de oito milhões de euros.
Para esta fatia milionária do “bolo” de lucros que caíram no colo dos accionistas privados da TAP, contabilizam-se a verba de 169 milhões de euros pela venda, por parte de Pedrosa, das Prestações Suplementares à Parpública. Por outro lado, o empresário português pagou cinco milhões de euros por metade de 61% do capital da TAP aquando da privatização em 2015.
Humberto Pedrosa
Pagou, depois, 45 milhões de euros a David Neeleman pela participação de 50% deste na Atlantic Gateway, quando o norte-americano saiu da companhia.
Pedrosa recebeu 389 mil euros pela venda de 37,5 milhares de acções aos trabalhadores da TAP, a 10,38 euros cada e ainda 950 mil euros pela venda de 82,5 mil acções ao Estado, a 11,52 euros cada, quando este desejou recuperar o controlo da empresa. O empresário pagou 112 milhões de euros – metade dos 224 milhões de euros – pelas Prestações Suplementares pelo acordo que tinha com o Estado português.
Em suma, contas feitas, estas complexas operações financeiras deram um lucro a Humberto Pedrosa de oito milhões de euros, que chegou a ser catalogado pelo ex-ministro Pedro Nuno Santos como “um empresário patriota“.
Fonte: Relatórios e contas da TAP. Cálculos e análise: PÁGINA UM
Não foi ainda possível obter comentário sobre estes dados por parte dos dois empresários.
Todas as dúvidas e contornos dúbios em torno dos acontecimentos dos últimos anos na TAP vão ser alvo de investigação na comissão parlamentar de inquérito à companhia.
A tomada de posse da comissão ocorreu ontem. Vão ser ouvidos os principais protagonistas dos eventos que levaram à actual situação da TAP.
Entretanto, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) abriu um inquérito à indemnização de 500 mil euros paga pela TAP a Alexandra Reis, que saiu da administração da companhia para a seguir ir liderar a NAV e acabar por ser nomeada para a pasta de secretária de Estado do Tesouro, no Ministério conduzido por Medina Ferreira. Mas Alexandra Reis acabou por sair do cargo com o estalar da polémica da indemnização.
O DCIAP também abriu uma investigação ao negócio envolvendo a troca de frota por aviões da Airbus, um negócio que teve a “mão” de Neeleman, noticiou o Observador. Neste último caso, a participação foi feita pelos Ministérios das Finanças e Infraestruturas.
O anterior ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, já tinha denunciado, em Outubro de 2022, no Parlamento, que existiam suspeitas em torno do negócio da frota e que o seu Ministério tinha enviado o caso para o Ministério Público, o que deu origem à abertura de um inquérito.
Certo é que, na nova comissão parlamentar de inquérito, presidida pelo socialista Jorge Seguro Sanches – que foi secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional até Fevereiro do ano passado –, matéria para investigar não vai faltar.
Em Portugal, o crime de perjúrio não é levado muito a sério, mas o certo é que no processo de intimação do PÁGINA UM contra o Ministério da Saúde para a obtenção de todos os contratos das vacinas contra a covid-19, assinados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) e as farmacêuticas, a juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa insistiu em saber se o gabinete de Manuel Pizarro mantém a afirmação de que não existem contratos. O PÁGINA UM já enviou provas da existência de quatro, assinados na primeira fase do programa de vacinação, e tem mais documentação que comprova que há muitos mais. Se o ministro Manuel Pizarro mentir pela segunda vez, esses documentos serão enviados ao tribunal para os devidos efeitos. Portugal já terá gastado cerca de 700 milhões de euros nestes fármacos, mas a factura pode subir mais 500 milhões de euros se o Governo for chamado a pagar solidariamente os negócios acordados pela Comissão von der Leyen.
O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, tem cinco dias úteis para decidir se vai continuar a prestar falsas declarações – acção punida por lei – ou se corrige as primeiras declarações ao Tribunal Administrativo de Lisboa sobre a alegada inexistência de contratos entre as farmacêuticas e a Direcção-Geral da Saúde DGS) para a compra de vacinas contra a covid-19.
Em despacho feito anteontem, a juíza Telma Nogueira “convidou” o Ministério da Saúde a “se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado” pelo PÁGINA UM em 6 de Fevereiro passada, onde provava documentalmente que quatro dos primeiros contratos para a compra de vacinas até tinham estado no Portal Base, mas que foram entretanto apagados.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde.
O PÁGINA UM apresentou ao Tribunal Administrativo os documentos que comprovavam o “apagão” dos contratos, insistindo que todas as compras daqueles medicamentos, mesmo se negociados entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, tiveram depois que ser alvo de contratos específicos.
Recorde-se que, neste momento, se desconhece a quantidade de vacinas efectivamente compradas pelo Estado português, quantas foram entregues pelas farmacêuticas, quantas foram administradas, doadas, revendidas ou inutilizadas. O Ministério da Saúde tem afirmado que terão sido adquiridas 45 milhões de doses, mas o gabinete de Manuel Pizarro mantém a recusa em mostrar documentos contabilísticos e operacionais que confirmem a recepção dos lotes, os montantes gastos e os compromissos futuros.
Numa altura em que o ritmo de vacinação está extremamente baixo, desconhece-se se existem contratos de garantam vendas futuras às farmacêuticas, mesmo se o destino das vacinas for o lixo. Saliente-se que a Comissão Europeia terá negociado apenas com a Pfizer a compra pelos Estados-membros de 1.600 milhões de doses, mas até Dezembro do ano passado tinham sido administradas 685 milhões de doses da vacina desta farmacêutica norte-americana.
No processo de intimação constam já, enviados pelo PÁGINA UM, tantos os primeiros contratos integrais assinados em Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 entre a DGS e as farmacêuticas Pfizer e Moderna, como também os mesmos documentos entretanto rasurados (“apagados”) por ordem política. O PÁGINA UM exige acesso a estes contratos e aos seguintes, que já terão totalizado quase 700 milhões de euros, bem como guias de transportes e comunicações entre as partes.
Sabe-se também que entre Agosto de 2020 e Novembro de 2021, a Comissão Europeia celebrou 11 contratos com oito fabricantes de vacinas – algumas ainda nem sequer conseguiram aprovação e outras (como a Novavax, a Valneva e a Sanofi/GKS) só a alcançaram recentemente – para a compra de 4,6 mil milhões de doses, assumindo-se um custo global estimado de 71 mil milhões de euros, ou seja, uma média de 15,4 euros por dose.
No entanto, de acordo com um relatório da Agência Europeia do Medicamento (EMA) de Dezembro passado somente tinham sido administradas, em dois anos, cerca de 934 milhões de doses, ou seja, apenas 58% daquilo que foi contratualizado, o que significa que os diversos países comunitários incluindo Portugal, possam ser obrigado a pagamentos desnecessários. Ou seja, se é previsível que, até agora, Portugal tenha gastado pelo menos 693 milhões de euros (45 milhões a um custo unitário de 15,4 euros), ainda poderá ter de desembolsar perto de 500 milhões de euros mesmo que haja poucas pessoas a quererem vacinar-se no futuro. Estes contratos negociados pela Comissão von der Leyen contêm cláusulas secretas.
Além da evidência comprovada – e que já está na posse do Tribunal Administrativo de Lisboa – dos quatro primeiros contratos de compras do Estado português em Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 com a Pfizer e a Moderna – que chegaram a estar integralmente no Portal Base, antes de serem “apagados” por ordem política –, o PÁGINA UM tem documentos que mostram a existência de outros contratos entre a DGS e quatro farmacêuticas.
Primeiras páginas dos ficheiros com os contratos com a Pfizer e a Moderna agora inseridos no Portal Base, depois do expurgo ordenado pelo Governo, segundo consulta realizada hoje.
Com efeito, no âmbito de um programa de apoio comunitário para a compra de vacinas, gerido pelo COMPETE 2020, ao qual a DGS recorreu (Candidatura nº 181412 e Contrato nº 2022/181412), encontram-se diversos comprovativos de pagamento de vacinas contra a covid-19 no valor total de 220.723.680,75 euros, sendo que 64 dizem respeito à empresa Laboratório Pfizer Lda. e 64 à Pfizer Biofarmacêutica Sociedade Unipessoal – ambas sucursais da Pfizer –, e ainda 12 à Moderna Biotech Spain, sete à AstaZeneca AB e nove à Janssen Pharmaceutica NY.
Estes pagamentos são, porém, apenas uma parte dos gastos abrangidos na compra destas vacinas, e referem-se ao período anterior a Junho de 2022.
Estes documentos serão entregues ao Tribunal Administrativo de Lisboa caso o Ministério da Saúde insista, mentindo, que “não possui os documentos solicitados”. Saliente-se que o PÁGINA UM também requereu – e deverão ser também analisados pela juíza Telma Nogueira – as guias de transporte dos diversos (que confirmem o seu envio e a recepção) e o acesso às comunicações escritas entre o Estado português e as diversas farmacêuticas no âmbito da vacinação contra a covid-19.
Extracto de um documento que comprova pagamentos da DGS à Pfizer, somente possível depois de comprovada o cumprimento das normas de contratação pública, que inclui, obviamente, a existência de um contrato.
Recorde-se também que os procedimentos de contratação e de gestão das vacinas da covid-19 estarão também a ser alvo de uma auditoria, de acordo com um ofício de Graça Freitas, directora-geral da Saúde ao PÁGINA UM, em resposta a este processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Contudo, o Ministério da Saúde não apresentou provas dessa acção, podendo assim ser mais uma artimanha para evitar a divulgação de documentos públicos.
Manuel Pizarro tem, aliás, como responsável máximo do Ministério da Saúde, seguido a linha da sua antecessora, Marta Temido: é também um acérrimo defensor do obscurantismo, obrigando sistematicamente o PÁGINA UM a recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa sempre que solicita documentação e acesso a base de dados.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.
Aviso: todos os ministros são proprietários imobiliários, embora alguns detenham apenas um mais ou menos “modesto” apartamento. Outros andam a pagar empréstimos bancários. Mas há um punhado de governantes que, além do próprio António Costa, possuem um património susceptível de vir a ser “cobiçado” pela ministra da Habitação, caso avance a peregrina ideia do arrendamento coercivo.
Confira em baixo uma síntese da “busca” do PÁGINA UM ao património imobiliário dos principais governantes em funções, de acordo com as últimas declarações entregues no Tribunal Constitucional, e que escondem mais do que revelam, tantas são as rasuras justapostas para os jornalistas não verem e o público não saber.
Marina Gonçalves, ministra da Habitação
A responsável pelo pacote legislativo é apenas proprietária de uma fracção autónoma em Cristelo, no concelho de Caminha, de onde é natural, que pelo valor patrimonial (96.144,61 euros), deverá ser uma moradia.
Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência
A ministra da Presidência apenas detém um apartamento para habitação com três divisões e 67 metros quadrados. Frugal, portanto.
Marina Gonçalves, ministra da Habitação, António Costa, primeiro-ministro, e Fernando Medina, ministro das Finanças, na apresentação do pacote legislativo para a habitação na passada quinta-feira.
João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros
Proprietário de duas fracções urbanas em Lisboa – uma na freguesia de Santa Maria Maior e outra em Arroios –, o ministro João Gomes Cravinho, não declarou rendimentos prediais. Assumindo que vive num dos dois apartamentos, o segundo pode vir a ser “cassado” pela colega Marina Gonçalves para avolumar a oferta no mercado de arrendamento.
Helena Carreiras, ministra da Defesa Nacional
Sem indicação sequer da freguesia, a ministra da Defesa Nacional é proprietária de um único prédio urbano na cidade de Lisboa, com o valor patrimonial de 128.138 euros, o que indicia ser um apartamento.
Mariana Vieira da Silva é o membro do Governo com propriedade mais “exígua”.
José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna
O ministro da Administração Interna consegue que o Tribunal Constitucional lhe conceda direito a completo segredo sobre a sua propriedade predial. Apenas se sabe que tem um prédio urbano, mas não se sabe onde nem o seu valor patrimonial.
Catarina Sarmento e Castro, ministra da Justiça
Embora grande parte da informação da última declaração não seja transparente – ou seja, está rasurada –, a ministra da Justiça apresenta uma panóplia patrimonial, distribuída por Lisboa, Peniche e sobretudo Marinha Grande. Neste concelho do distrito de Leiria, Catarina Sarmento e Castro possui uma moradia T4 e mais uma garagem autónoma, enquanto em Peniche tem um T1 e outro apartamento da mesma dimensão em Carnide, na cidade de Lisboa. Além destes imóveis, tem um terço da herança indivisa de um T4 e de um T2 na Marinha Grande, além de um escritório de dimensões desconhecidas e três garagens autónomas. Como não apresenta rendimentos prediais, algumas destas propriedades são candidatas a integrarem a bolsa de arrendamento coercivo da ministra da Habitação.
Se a peregrina ideia do arrendamento coercivo (sob a aura de inconstitucionalidade) avançar, e então se houver justiça, alguns das propriedades da ministra da Justiça serão as primeiras a entrarem no mercado…
Fernando Medina, ministro das Finanças
O antigo presidente da autarquia alfacinha detém um apartamento T4 nas Avenidas Novas, em Lisboa, mantendo uma dívida bancária de 351.855 euros. De resto, tem espalhados pelo Norte do país uma mão-cheia patrimonial que as rasuras do Tribunal Constitucional não permitem conhecer em detalhe: ½ de um prédio urbano em Vila real, ¼ de um prédio (não se sabe se rústico ou urbano) em Ribeira de Pena, mais ½ de três prédios rústicos em Celorico de Basto, e mais ½ de um prédio urbano em Muxões (Celorico de Basto), além de 1/6 de uma herança indivisa herdada do pai que o Tribunal Constitucional não considera merecedor de ser discriminada.
Ana Catarina Mendes, ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares
Proprietária de uma fracção – presume-se que apartamento – na freguesia lisboeta da Misericórdia, Ana Catarina Mendes detém ainda 50% de umas outras fracções na capital, ambas na freguesia de Campo de Ourique. Divorciada do ex-ministro Paulo Pedroso, a sua declaração não indica quem é detentor da outra metade destas duas fracções. Certo apenas que na declaração de 2019, Ana Catarina Mendes reportou um rendimento predial de 18.000 euros, mas na declaração de Março de 2022 – já separada de Pedroso – não indica qualquer rendimento deste tipo.
Com duas casas de férias, António Costa Silva “livra-se” do arrendamento coercivo gizado pela sua colega da Habitação.
António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar
Sendo porventura o ministro com maior património financeiro – e com o maior rendimento anual antes de entrar em funções governamentais (384.936 euros), António Costa Silva indica a propriedade de uma fracção em local desconhecido (apenas existe a referência ao artigo matricial 1344 e ao registo número 2099), além de um prédio urbano em Sobral da Lagoa, no concelho de Óbidos. Terá concluído a compra em Novembro de 2022 de uma fracção (não discriminada) na Quarteira, no concelho de Loulé.
Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura
Proprietário de um apartamento na zona das Amoreiras, sob a qual tem um empréstimo de 465.656 euros, o ministro da Cultura apresenta-se como titular de uma fracção autónoma em Vila Nova de Milfontes (com valor patrimonial de 85.219 euros), a que acresce outra em Alvor (com valor patrimonial de 49.765 euros) e 1/24 de uma outra fracção na Praia do Alvor (com valor patrimonial de 77.495 euros).
Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, à esquerda de António Costa, tem um apartamento em Lisboa, e outro em Sintra, que já aluga.
Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Proprietária de uma fracção na Charneca da Caparica, provavelmente uma moradia, a atender ao valor patrimonial (160.339,55 euros), a ministra da Ciência detém ainda um prédio urbano em Vila Real de Santo António (com valor patrimonial de 7.875 euros) e 1/2 de uma outra parcela na mesma localidade.
João Costa, ministro da Educação
O ministro da Educação indica apenas uma moradia na Quinta do Anjo, sem mais qualquer indicação.
Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
Proprietária de um apartamento de 148 metros quadrados em Moscavide e de um T4 na Portela com 136 metros quadrados, a ministra do Trabalho é forte “candidata” a incorporar um destes prédios urbanos no pacote do arrendamento coercivo da Habitação, porque não apresenta rendimentos prediais. Tem ainda uma moradia na Silveira, no concelho de Torres Vedras, com 132 metros quadrados, integrado num terreno 750 metros quadrados, além de dois prédios urbanos, aparentemente em más condições, em Vila Nova de Foz Coa.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde
Proprietário de um apartamento na freguesia portuense de Ramalde, bem como de duas outras fracções na mesma zona, uma das quais será o escritório onde funcionava a sua empresa de consultoria.
Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e Acção Climática
Com ½ de um T3 em Lisboa, em freguesia desconhecida, o ministro do Ambiente indica a propriedade de uma fracção autónoma para habitação em Sintra, sem outra qualquer indicação. Apresentou um rendimento predial anual de 2.800 euros.
João Galamba, ministro das Infraestruturas
Proprietário de um apartamento em Arroios (com valor patrimonial de 87.077 euros), o novo ministro das Infraestruturas detém ainda um prédio urbano em Cascais com um valor patrimonial de 135.030 euros. Deve ser um bom senhorio, porque os rendimentos prediais declarados num ano foram apenas de 333 euros.
João Galamba declara uma segunda habitação em Cascais e um rendimento predial anual de 333 euros.
Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial
Excluindo o património do marido, a ministra da Coesão Territorial é proprietária de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal em Coimbra, sem se conhecer detalhes para além do artigo matricial urbano (nº 4277). Não tem rendimentos prediais.
Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura e da Alimentação
A antiga presidente da autarquia de Abrantes, apenas indica a propriedade de um prédio naquela cidade, sem outra referência além do artigo matricial (nº 7771).
Uma das medidas mais polémicas – e eventualmente inconstitucional – do plano do Governo para aumentar a oferta de casas é o arrendamento coercivo, ou seja, o Estado obrigará os proprietários com alojamentos desocupados a alugarem. A ministra Marina Gonçalves já veio descansar emigrantes e proprietários com casa de férias, mas ficarão assim eventualmente elegíveis apartamentos que não apresentem rendimento predial e se situem próximo da habitação permanente. O primeiro-ministro António Costa tem dois apartamentos nestas condições, um na Penha de França e outro em Odivelas.
Dois dos apartamentos do primeiro-ministro António Costa na região de Lisboa não lhe estão a dar qualquer rendimento predial nem podem ser consideradas segunda residência, pelo que eventualmente ficarão abrangidos pela mais polémica medida prevista pelo pacote legislativo do Ministério da Habitação: o arrendamento coercivo.
De acordo com a consulta feita pelo PÁGINA UM à última declaração de património e rendimentos do primeiro-ministro no Tribunal Constitucional, António Costa declarou a posse de cinco fracções autónomas em Portugal: três em Lisboa – na freguesia de Benfica, onde oficialmente mora, de Santa Clara e de Penha de França –, uma em Odivelas, e uma ainda no Carvoeiro, onde passa férias quando está no Algarve, embora neste caso detenha apenas uma parte indivisa de herança. Além dessas, sabe-se que António Costa detém ainda uma fracção – que ele próprio desconhece as características – na cidade de Margão, em Goa, por herança.
Estrada do Desvio, junto à Calçada de Carriche, na freguesia de Santa Clara, onde António Costa é senhorio de um apartamento.
No entanto, nessa declaração – feita em 21 de Novembro passado, que consistiu num esclarecimento exigido pelo Ministério Público sobre uma declaração anterior, datada de 30 de Março de 2022 –, António Costa explicita que os seus rendimentos prediais, num total de 7.300,80 euros por ano, “provêm do arrendamento da fracção sita na freguesia de Santa Clara, devidamente identificada no campo próprio, e ainda da permilagem correspondente às rendas do condomínio sito na freguesia de Benfica”, dizendo que “não há qualquer outro rendimento a declarar”.
Apesar desta última declaração ter sido rasurada pelos serviços do Tribunal Constitucional – alegadamente por permitir a identificação individualizada de residências, mas em que se expurgou indevidamente a tipologia e área das fracções –, o PÁGINA UM sabe que esse apartamento de António Costa na freguesia de Santa Clara se localiza num segundo andar de um prédio da Estrada do Desvio, junto à Calçada do Carriche. Não se divulga o endereço completo por não ser, por agora, relevante.
Rua Estácio da Veiga, à esquerda, na freguesia de Penha de França, onde António Costa é proprietário de um apartamento sem rendimento predial.
Desta forma, assumindo António Costa que as outras duas fracções não têm rendimento predial, nem são casas de férias, significa que o primeiro-ministro pode ser considerado, segundo os critérios do Ministério da Habitação, um proprietário elegível para arrendamento coercivo, caso não prove inequivocamente que aquelas têm uma ocupação frequente ou permanente.
O apartamento da Penha de França, localiza-se também num segundo andar da Rua Estácio da Veiga, num prédio de três pisos em boas condições. O primeiro-ministro já possui este apartamento pelo menos desde 2015, como noticiou o Observador em Março daquele ano, quando António Costa assumiu o cargo de secretário-geral do Partido Socialista.
Já o apartamento em Odivelas, na Rua da Paiã, situa-se também no segundo andar, neste caso de um prédio em más condições de conservação. O apartamento foi dado como vendido em 21 de Outubro de 2016 numa notícia do Observador, de há quatro anos, que revelava os intensos negócios imobiliários de António Costa. Mas o PÁGINA UM pode garantir que é esse o apartamento que ainda está declarado pelo primeiro-ministro como pertencendo a si e à mulher Fernanda Tadeu.
Rua da Paiã, em Odivelas. No edifício verde, ao lado esquerdo, está o apartamento de António Costa.
Pode, em todo o caso, haver mais uma confusão na declaração de António Costa. Nos esclarecimentos transmitidos pelo primeiro-ministro ao Tribunal Constitucional surge mesmo a informação de que ele desconhecia que uma conta bancária não identificada, por rasurada pelos serviços daquele órgão de fiscalização e controlo dos políticos e da democracia, e que ele repetidamente indicava como sua, afinal, para sua “surpresa”, nem sequer era titular. O primeiro-ministro prometeu vir a rectificar a situação.
São mais de 1,1 milhões os alojamentos em Portugal que são utilizadas exclusivamente para férias ou residência secundária. No Algarve, quase 40% do total deste património imobiliário é deste segmento. O PÁGINA UM analisou os dados sobre habitação disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), onde se destaca que, no caso da região de Lisboa, apenas uma em cada 10 casas é de segunda habitação, e onde há assim menos disponibilidade imediata de alojamentos. Somando as habitações secundárias às casas que se encontram vagas, significa que um terço do parque habitacional em Portugal está, neste momento, indisponível para arrendamento ou venda. Ou seja, um total de 1,8 milhões de casas. Mas o Governo aparentemente ignora o impacte da residência secundária no mercado habitacional e sobre aqueles que apenas querem uma para viver condignamente.
São casas usadas em exclusivo em curtos períodos, para passar as férias e fins-de-semana, e superam já os 1,1 milhões de alojamentos a nível nacional. No total, as casas usadas como habitação secundária correspondem agora a 18,5% do total do parque habitacional nacional, tendo crescido 180.462 em números absolutos em duas décadas, a um ritmo de mais de nove mil por ano. As regiões Norte e Centro são aquelas onde mais se concentram residências secundárias, agregando 61% do total, mas é o Algarve que apresenta um maior peso relativo: cerca de quatro em cada 10 alojamentos desta região são de residência não-permanente.
Significa assim que, como estas casas não se encontram disponíveis no mercado, por usufruto contínuo embora intermitente dos seus proprietários, quase um quinto das habitações no país estão indisponíveis para venda ou arrendamento permanente. E o pacote legislativo, apresentado na passada quinta-feira pelo Governo, omite qualquer referência a este segmento, dando enfoque somente aos alojamentos não ocupados ou aos que estão a ser disponibilizados para alojamento local. Ou seja, quem tem casa considerada de segunda residência está livre, aparentemente, de sofrer imposições ou outras medidas coercivas do Governo para a colocar no mercado habitacional.
Quatro em cada 10 casas no Algarve não têm ocupação permanente.
Em Portugal, o número de casas de segunda habitação – como são habitualmente designadas, mesmo quando os seus proprietários têm mais do que dois alojamentos – cresceu 20% nas últimas duas décadas, de acordo com dados censitários do Instituto Nacional de Estatística (INE) analisados pelo PÁGINA UM. Esta taxa foi ligeiramente superior ao crescimento do parque habitacional global, que foi de 19% entre 2001 e 2021.
Se somarmos as segundas casas com as habitações que se encontram vagas (ou mesmo devolutas), correspondem a um total de mais de 1,8 milhões de alojamentos. Quer então dizer que um terço das casas em Portugal não permanentemente ocupadas estão, mesmo assim, fora do mercado de venda e arrendamento.
Segundo uma análise do PÁGINA UM aos Censos, que abrangem a população e a habitação, em 2021 havia em termos líquidos, mais 180 mil casas como residência secundária do que em 2001, isto quando o património habitacional cresceu, nestas duas décadas, mais de 950 mil alojamentos.
Número de alojamentos por segmento em Portugal e por regiões em 2021. Fonte: INE / Censos de 2021.
No Algarve, o número de casas de férias disparou 42% entre 2001 e 2021, com 45 mil novas residências secundárias, mas em termos absolutos foi o Norte que mais aumentou, com 65.254 novos alojamentos neste segmento, embora com um crescimento relativo de 26%.
Mas foi no Alentejo que o segmento da segunda habitação mais cresceu desde o início do século: comparando 2021 com 2001, registou-se um aumento de 51.898 novos alojamentos, mas apenas de 4.731 para residência habitual, sendo que a residência secundária contabilizou um aumento de 21.484 e os alojamentos vagos de 25.683 alojamentos.
A região de Lisboa mostra ser aquela que registou uma evolução mais desequilibrada. Em 2001, agregava 27% do parque habitacional do país, mas apenas agregou 22% do crescimento global do país nas últimas duas décadas. Ou seja, o dinamismo na construção foi menor. O número de alojamentos vagos nesta região apenas aumentou em 10.449 alojamentos (que incluiu aqueles que estão devolutos, para venda, arrendamento ou demolição), e observa-se que o mercado imobiliário foi bastante dinâmico na habitação principal (mais 220.601 novos alojamentos), que foi mesmo “roubar” alojamentos secundários.
Peso relativo dos alojamentos por segmento em Portugal e por região em 2001 e 2021. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
Na verdade, a região de Lisboa foi a única que viu a residência secundária descer entre 2001 e 2021 (menos 16.039), em completo contraciclo com as outras regiões. Em Portugal, o crescimento do mercado da segunda habitação nas últimas duas décadas foi de 180.462 alojamentos.
Os dados do INE sobre o património imobiliário por segmento mostram, aliás, que é redutor “culpabilizar” os proprietários de prédios devolutos (muitos já sem condições de habitabilidade) pela actual crise de escassez do mercado habitacional. Com efeito, do total de 5.970.677 alojamentos existentes em 2021, apenas sete em cada 10 (69,4%) têm ocupação habitual, sendo que quase duas em cada 10 são já usadas como residência secundária (18,5%) e as restantes estão vagas. Ou seja, há já muitas mais casas de segunda habitação do que casa potencialmente disponíveis para arrendamento ou venda.
As diferenças regionais são, porém, enormes – e a nível municipal ainda serão maiores, e até deveriam ser analisadas em função do dinamismo demográfico e social de cada comunidade. Em todo o caso, a região de Lisboa é aquela onde, em 2021, afinal mais casas estavam ocupadas de forma habitual em 2021 (79,6% do total), e portanto onde seria mais difícil ir buscar mais alojamentos para o mercado. Para venda ou arrendamento, segundo o INE, nesta região apenas estão disponíveis 4,7% dos alojamentos existentes (cerca de 70 mil), havendo ainda 6% que se encontram vagos mas não disponíveis no mercado. O INE não explicita quantos destes últimos se encontram sem condições de habitabilidade. O mercado de segunda residência na região de Lisboa está em declíneo, por ser uma das regiões mais caras e de maior escassez no mercado habitacional.
A região de Lisboa tem carência habitacional a preços acessíveis, mas é a região do país com maior taxa de ocupação permanente de alojamentos.
No lado oposto, o Algarve é a região mais rendida ao mercado da residência secundária, mas pela primeira vez os Censos mostram que o segmento da residência habitual (permanente) passou a minoritária: apenas 49,4% dos alojamentos estão agora ocupados todo o ano, sendo que a residência secundária representa já 38,6%, encontrando-se vagos 12%, dos quais 8% estão para venda ou arrendamento.
O Alentejo e a região Centro são contudo as zonas de Portugal onde a percentagem de alojamentos vagos é ainda significativa, respectivamente 16,5% e 14,4%.
No Norte, a fatia de casas destinadas a residência secundária face ao total de casas existentes, subiu um ponto percentual, para 16,9%. Também no Centro se observou uma subida, de 0,5 pontos percentuais, com 23,8% das casas a servirem como casas de férias.
Ao anunciar um polémico pacote legislativo na passada semana, para dinamizar o mercado imobiliário, e permitir o acesso de famílias a casas a preços acessíveis, o Governo omitiu completamente a habitação secundária, que tem sido um dos factores mais desestabilizadores do mercado habitacional. De facto, a procura e compra de casas de segunda residência, em geral por famílias de maiores posses ou mesmo por estrangeiros, não apenas retira alojamentos do mercado habitacional como faz encarecer os preços em determinadas regiões.
Marina Gonçalves, ministra da Habitação, António Costa, primeiro-ministro, e Fernando Medina, ministro das Finanças, na apresentação do pacote legislativo para a habitação na passada quinta-feira.
O pacote de medidas “Mais Habitação” vai estar ainda em discussão pública durante aproximadamente um mês, e regressa ao Conselho de Ministros no dia 16 de Março para aprovação da proposta final, a qual será enviada à Assembleia da República.
Entre as medidas, há algumas polémicas que se teme que possam até agravar a crise no acesso a rendas a preços acessíveis, já que torna mais valiosas as licenças de alojamento local, por exemplo, fazendo com que os proprietários não queiram passar os seus imóveis para o mercado de arrendamento.
Estas medidas agora anunciadas surgem depois de anos de políticas de incentivo ao investimento no mercado imobiliário português, como os “Vistos Gold” e o alojamento local. Também foi promovida a atracção de residentes estrangeiros e dinamização do sector do turismo.
As políticas que foram implementadas ao longo dos últimos anos, a par da manutenção pelo Banco Central Europeu de taxas de juro artificialmente negativas, fez disparar os preços das casas em Portugal para níveis recorde, com grandes fundos de investimento a juntarem ao frenesim no sector.
A procura externa fez disparar os preços das casas no país. Segundo dados divulgados pelo Confidencial Imobiliário, os preços de venda habitação em Portugal Continental subiram 18,7% no ano passado. Trata-se da “valorização anual mais elevada dos últimos 30 anos”. “É necessário recuar a 1991 para encontrar uma taxa de variação homóloga no final do ano superior à registada neste último mês de Dezembro”, segundo a mesma fonte.
Segundo dados divulgados pelo INE, no espaço de um ano, os preços das casas em Portugal dispararam 13,5%, entre o final de Setembro de 2021 e o mesmo mês de 2022, com o preço mediano dos alojamentos familiares a fixar-se em 1.492 euros por metro quadrado.
O forte aumento da procura e dos preços na habitação não foi compensado com políticas de disponibilização de habitação a preços acessíveis, nomeadamente com apoio do Estado ou das autarquias.
A crise económica e o aumento do desemprego criados pelas medidas drásticas e sem precedentes impostas em Portugal pelo Governo durante a pandemia vieram penalizar ainda mais as famílias.
Recentemente, com o aumento mais do que esperado da inflação, o Banco Central Europeu decidiu começar a subir as taxas de juro, a um ritmo que apanhou muitas famílias desprevenidas. Em 2022, a taxa de inflação média anual em Portugal fixou-se 7,8%, segundo o INE. Trata-se do valor mais alto desde 1992.
As taxas Euribor estão actualmente em níveis máximos de 14 anos, nos prazos de 6 e 12 meses, os mais usados nos contratos de crédito à habitação em Portugal, tendo esta sexta-feira ficado fixadas, respetivamente, em 3,212% e 3,572%. Sobem para novos máximos há cinco sessões consecutivas.
Anteontem, no parlamento, a audição na Comissão de Saúde relativa à petição para a realização de um referendo acerca da adesão de Portugal ao controverso Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias. A autora e principal peticionária foi ouvida pelos deputados. Marta Gameiro, médica dentista e defensora activa da medicina baseada na evidência científica, foi acompanhada pela antiga deputada e psicóloga Joana Amaral Dias. A sessão foi manchada com um momento insólito, em que a deputada social-democrata Fernanda Velez, num tom jocoso, tentou denegrir a petição. Os deputados vão ter audições sobre o tema do Tratado em sede da subcomissão de saúde global. O Tratado Internacional de Pandemias tem estado envolto em controvérsia por ser visto como “um instrumento antidemocrático” que ameaça retirar aos países a soberania e poder de decisão na gestão de crises de saúde pública, como pandemias. O forte risco de interferência de interesses comerciais e políticos junto da Organização Mundial de Saúde é outro dos motivos apontados pelos críticos do Tratado. A petição vai ser votada no parlamento assim que for concluída a sua apreciação pela comissão de saúde.
Devem os portugueses decidir se Portugal adere ao controverso Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias da Organização Mundial de Saúde (OMS)? A decisão vai caber aos deputados, que irão votar o pedido de referendo lançado por uma petição assinada por 7.660 peticionários, quando a apreciação da iniciativa for concluída pela comissão de saúde no parlamento.
Na quinta-feira, foi ouvida em audição na comissão de saúde a autora da petição, a médica dentista e defensora da medicina baseada na evidência científica, Marta Gameiro, e ainda Joana Amaral Dias, antiga deputada, psicóloga, autora e activista, que também falou em nome dos peticionários.
O proposto Tratado Pandémico tem gerado uma forte polémica devido a alguns dos seus artigos. O Tratado será juridicamente vinculativo e visa, alegadamente, potencializar a capacidade de prevenção e resposta dos 194 países membros da OMS face a eventuais pandemias. Mas críticos da proposta alertam para os riscos de o acordo vir a constituir uma ameaça à democracia, pondo em causa a soberania de países em matéria de decisões na gestão de crises de saúde pública.
Na pandemia de covid-19, Portugal seguiu a maioria dos restantes países e impôs confinamentos e fecho de negócios, bem como o uso de máscaras, contrariando a evidência científica e a opinião de alguns dos maiores especialistas mundiais. Hoje, Portugal é um dos países europeus com mais excesso de mortalidade no triénio 2020-2022, enquanto a Suécia, que recusou confinamentos e o uso de máscaras em geral, regista mortes em excesso com pouco significado.
Por detrás de alguns receios, está o argumento de que a OMS está vulnerável a interferências por parte de grandes grupos e interesses privados e políticos, que poderia querer obter lucros ou reforços de poder através de decisões sobre saúde pública.
Os signatários da petição que está em apreciação na comissão de saúde temem que o acordo – que só será oficialmente conhecido em 2024 –, seja uma ameaça à soberania de Portugal para decidir autonomamente como reagir perante a eclosão de doenças contagiosas.
Os peticionários questionam a “legitimidade da OMS para interferir na gestão que os países fazem em matérias de saúde e levantam dúvidas quanto à organização, referindo que está dependente de doações privadas e corporações”, indicou Guilherme Almeida, deputado do PSD que é o relator da apreciação da petição e que presidiu à audição. Os peticionários contestam, sobretudo, as propostas daquela entidade para “alterar o regulamento sanitário internacional”.
Marta Gameiro, médica dentista, defensora da medicina baseada na evidência científica e autora da petição. A médica organizou o Congresso Internacional sobre Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima, em Outubro de 2022.
Marta Gameiro, autora da petição, começou por esclarecer que “apoia fortemente” a OMS como “instituição necessária ao mundo”, mas considera que hoje são os interesses privados, por meio de burocratas não eleitos, que “ditam o rumo dos acontecimentos” dentro da organização.
A médica dentista exemplificou, referindo-se às organizações Welcome Trust e Bill & Melinda Gates Foundation, duas instituições que investem milhões de dólares em tratamentos para a covid-19. A médica afirmou ainda que a petição pretende ser um alerta sobre a forma como a saúde pública está a ser conduzida, através de “parcerias público-privadas, envolvendo empresas farmacêuticas e fundações privadas”.
Marta Gameiro salientou que o Tratado tornará obrigatórias as recomendações da OMS, permitindo-lhe “tomar decisões sem escrutínio público ou transparência”, e forçando todos os países-membro a alterarem as suas leis e perdendo soberania.
Joana Amaral Dias, psicóloga, antiga deputada, autora e activista foi ouvida na comissão de saúde em nome dos peticionários.
Joana Amaral Dias considerou alarmante as “portas giratórias imediatas de interesses privados de altas corporações monopolistas para altos cargos dirigentes da OMS” e rejeitou a “transposição de estados de emergência” que o Tratado possibilitaria, de forma “unilateral, arbitrária, e subordinada a interesses financeiros e não apenas à saúde pública”.
Para a activista e comentadora política, esta actuação é contrária aos interesses dos cidadãos e lesa os seus direitos, liberdades e garantias, frisando que o Tratado é um “instrumento antidemocrático”.
Na audição estavam presentes, além do relator, o deputado socialista Paulo Marques, a deputada Fernanda Velez, do PSD, e a deputada Rita Matias, do Chega.
Paulo Marques assumiu uma “divergência profunda” com as preocupações manifestadas na petição. defendeu que a pandemia de covid-19 “veio retratar a necessidade de haver este tipo de cooperação internacional, absolutamente necessária”, mostrando plena confiança na eficácia das medidas recomendadas pela OMS no combate à covid – como os confinamentos e a vacinação.
Paulo Marques, deputado do PS, anunciou que ainda vão ser agendadas audições sobre a adesão de Portugal ao Tratado da OMS em sede da subcomissão de saúde global.
Mas o deputado socialista anunciou a intenção da comissão de ter no Parlamento “outros protagonistas para nos dar outro ponto de vista” sobre as mudanças que a OMS pretende fazer, e sobre a “necessidade de sujeitar a um referendo este tipo de matérias”. Assim, irão existir audições sobre o Tratado em sede da subcomissão de saúde global.
Na audição, o caricato surgiu com a intervenção da deputada social-democrata Fernanda Velez, que não escondeu o seu desprezo pela petição. A deputada afirmou que considera ser “demasiado pretensioso” pedir um referendo sobre a adesão de Portugal. Considerou o texto da petição “não muito claro” e “um pouco mal redigido”, com falhas gramaticais. E, num tom de escárnio, a deputada questionou se as signatárias tinham ouvidos “peritos na matéria” ou se se basearam em “pesquisas no Dr. Google”.
Fernanda Velez, deputada do PSD, causou um momento insólito, ao recorrer a um tom de escárnio no seu discurso na audição.
Joana Amaral Dias respondeu à letra à deputada social-democrata. “Não devia ter cabimento numa audiência deste tipo adjectivar as pessoas de pretensiosas, ou desqualificá-las dizendo que fazem pesquisas no Dr. Google”, criticou.
Lembrando que as medidas de saúde pública que a OMS quer impor aos países-membro, incluindo Portugal, “afectarão profundamente e estruturalmente” a vida dos portugueses, a activista defendeu a necessidade do referendo, já que a gestão da covid se fez com recurso a decisões declaradas inúmeras vezes como ilegais pelo Tribunal Constitucional.
Já perto do final da sessão, Joana Amaral Dias chegou a protagonizar um breve confronto com Fernanda Velez, devolvendo-lhe a acusação de pretensiosismo.
A psicóloga aproveitou para lembrar os deputados do caso suspeito da negociação da compra das vacinas contra a covid-19, feita por mensagens de telemóvel, pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o CEO da Pfizer, Albert Bourla. Joana Amaral Dias recordou que o New York Times processou recentemente a União Europeia para a obrigar a dar acesso às mensagens de texto secretas.
Rita Matias, deputada do Chega, subscreveu argumentos da petição.
No grupo de deputados, a última a ter a palavra foi Rita Matias, do Chega, que validou as objecções das peticionárias ao Tratado, contrastando com o que foi dito pelos restantes deputados. Defendeu que “é preciso distinguir: uma coisa é cooperação internacional, outra coisa é unidade e internacionalismo”.
A deputada considerou que é possível “questionar se ainda há isenção nas deliberações tomadas” pela OMS, devido ao financiamento de corporações privadas que investem na indústria farmacêutica e à “falta de transparência” sobre os contratos entre a Pfizer e a União Europeia, cujos únicos documentos disponíveis para consulta são de “páginas rasuradas”.
Rita Matias criticou também o governo e o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, por terem retirado do Portal Base informações relativas aos contratos de compras de vacinas contra a covid-19, aos quais, prosseguiu, “nunca conseguimos aceder plenamente” – algo que foi, aliás denunciado, em exclusivo, pelo PÁGINA UM.
Guilherme Almeida, deputado do PSD e relator da apreciação da petição na comissão de saúde.
A exposição na audição de Marta Gameiro – que em Outubro passado organizou em Fátima o Congresso Internacional sobre Gestão de Pandemias/Saúde, com a presença de vários peritos internacionais na área da saúde, – foi rematada defendendo que a crença na cooperação global “não significa que não possa questionar a conduta das organizações quando vê que se estão a desviar do seu objectivo original”.
A médica dentista destacou que as suas posições são consubstanciadas por diversos especialistas, que incluem antigos membros da OMS, como David Bell e Christian Perronne, a reputada geneticista Alexandra Henrion-Caude, e até mesmo ex-funcionários da Bill & Melinda Gates Foundation, como o virologista Geert Vanden Bossche.
A petição, que deu entrada na Assembleia da República no dia 2 de Novembro, será submetida a plenário e a votação.
Recentemente, os deputados votaram uma outra petição que apelava à vacinação em massa de crianças com as polémicas vacinas contra a covid-19, tendo Marta Gameiro também estado também no parlamento.
O PÁGINA UM pediu e não foi dado. Recorreu ao tribunais, e mesmo assim teve de apresentar recurso ao Tribunal Central Administrativo Sul, porque o Instituto Superior Técnico (IST) não foi (ainda) obrigado a dar os ficheiros de dados nem todos os relatórios. Mas já temos, por imposição de sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, o famigerado Relatório Rápido nº 52, aquele que o IST chegou a classificar como “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”. Nesta análise do PÁGINA UM, os leitores compreenderão os motivos para o IST não querer mostrar o dito relatório de Julho do ano passado. É mau de mais. Ainda por cima feito por professores universitários. E explicamos em detalhe, com muito detalhe, o porquê.
Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusou divulgar os estudos e os dados.
Atentemos, textualmente, ao que é referido nesse relatório sobre aquela previsão:
“Estimamos que número de contágios produzidos sem máscara com os níveis actuais de susceptíveis [a serem infectados], em eventos como ‘Rock in Rio’ seja de 40.000 no total, sendo maior no caso dos santos populares em Lisboa e Porto, onde poderemos ter um mínimo de 60.000 contágios nos dias mais movimentados em Lisboa e 45.000 no Porto. Todas as festas populares no país poderão traduzir-se num total de contágios directos de, num mínimo, de 350.000 no país, podendo atingir valores mais elevados se novas variantes entrarem em Portugal.”
Mais adiante, acrescentava-se ainda o seguinte:
“A tendência ainda é de subida, prevendo-se o pico para depois do dia 15 de Junho e até final do mesmo mês. Esta previsão pode falhar, por defeito, se os contágios devido às festas populares forem descontrolados ou se surgirem novas variantes.”
Ora, para as três semanas que mediavam até ao final daquele mês de Junho, a equipa do IST assumia assim que, além das infecções que decorreriam (como habitualmente) na população em geral (sendo que o Rt era então de 0,97), haveria ainda um acréscimo de 350.000 casos apenas por causa das festas populares no país e dos festivais de música.
Capas do Relatório Rápido nº 51 e do Relatório Rápido nº 52, apenas obtido após sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa. Corre um recurso para obrigar o Instituto Superior Técnico a fornecer também os ficheiros com dados e todos os outros 50 relatórios.
Tendo em consideração que a média diária de casos positivos nos primeiros seis dias de Junho de 2022 foi de cerca de 20 mil, segundo dados da DGS, e que as estimativas do IST apontavam para um acréscimo médio entre 14 mil e 15 mil novas infecções diárias até ao fim desse mês por via das festas populares e festivais (350 mil a dividir por 24 dias), seria assim expectável um aumento muito significativo do total de casos positivos.
Contudo, ao invés de se observar qualquer aumento do número de casos positivos ao longo de Junho – e em especial a partir da segunda semana desse mês –, verificou-se sim um forte decréscimo em plena época festiva sem qualquer uso de medidas não-farmacológicas, como seja as máscaras. Com efeito, entre 6 e 30 de Junho foram contabilizados 303.364 novos casos em todo o país e para todas as circunstâncias, ou seja, uma média diária de 12,6 mil casos.
No entanto, nos últimos 10 dias de Junho, a média diária foi de 8,7 mil casos positivos. O decréscimo de casos positivos apresentou uma consistente tendência desde 19 de Maio, quando se registraram 27.481 casos, em média móvel de sete dias. Ao longo de Julho, a tendência decrescente manteve-se. No dia 10 desse mês, a média móvel de sete dias já estava abaixo dos 7.000 casos e no dia 31 estava em cerca de 3.000 casos.
Evolução dos casos positivos em Portugal ao longo da pandemia. Fonte: Worldometers.
Esta evolução confirmou que o SARS-CoV-2 teve um “comportamento” independente das medidas não-farmacológicas, uma vez que se observou uma redução da transmissão mesmo com o aumento de contactos sociais.
A saga do Relatório Rápido nº 52 e o tribunal
No dia 21 de Julho do ano passado, o jornal digital Blind Spot destacou que a previsão do IST fora um completo falhanço, mas que não merecera qualquer referência nos media mainstream.
Uma semana depois, em 28 de Julho, a generalidade da imprensa veio sim divulgar, através da agência noticiosa Lusa, que afinal os peritos do IST até concluíram que as suas previsões não tinham, supostamente, falhado por muito. No take da Lusa destacava-se o seguinte:
“No último relatório, os peritos antecipavam que a realização destes eventos, sem máscaras nem testagem, resultasse em 350 mil contágios diretos no país. A realidade ficou ligeiramente abaixo, mas não muito distante.
De acordo com as estimativas mais recentes, houve cerca de 242 mil casos de covid-19 registados oficialmente devido às festividades dos santos populares e festivais como o Rock in Rio. ‘Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil’, refere o relatório, produzido por Henrique Oliveira, Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro, que compõem o grupo de trabalho coordenado pelo presidente do Técnico, Rogério Colaço.
Evolução dos óbitos atribuídos à covid-19 em Portugal ao longo da pandemia. Fonte: Worldometers.
Comparando com um cenário em que se manteria a testagem e a obrigatoriedade do uso de máscara em grandes eventos, a incidência estimada durante o mês de junho seria inferior, referem os peritos, que sublinham que as medidas ‘não teriam impacto económico’”.
E, segundo a Lusa, os peritos do IST até quantificavam mortes devido às festividades:
“Em relação aos óbitos, os peritos apontam a morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados às festas populares de junho”.
Como se sabe, o PÁGINA UM requereu em finais de Julho do ano passado o acesso ao relatório que esteve na base da notícia da Lusa – disseminada pela generalidade da imprensa –, bem como a todos os restantes relatórios e os ficheiros com os dados numéricos, o que foi recusado pelo presidente do IST, Rogério Colaço.
A intimação interposta pelo PÁGINA UM em Setembro do ano passado, resultou numa sentença no sentido de o IST fornecer o Relatório Rápido nº 52. Não foram expressamente dadas indicações pela juíza para a entrega, como solicitado, dos 51 anteriores relatórios nem dos ficheiros de dados. Como o IST se recusa a fornecer esses elementos, a análise seguinte considerará que quaisquer elementos e conclusões obtidas não apresentam prova científica.
Análise detalhada do Relatório
Análise ao sumário
O Relatório Rápido nº 52 começa por referir que “fazemos neste relatório a análise da sexta vaga de COVID-19 em Portugal”.
Ora, embora a comunicação social e as autoridades sanitárias tenham, de forma unânime, definido a ocorrência de seis vagas da pandemia em Portugal, nunca existiu um critério científico que determinasse de forma inequívoca o que é uma vaga. Por outro lado, não existiu coincidência entre “vaga de casos” e “vaga de mortes”. Com efeito, o pico de mortalidade ocorreu em finais de Janeiro de 2021 (286 mortes, no dia 30, em média móvel de sete dias), enquanto o pico de casos positivos ocorreu quase um ano depois – já dominando então a muito menos letal variante Ómicron –, no dia 28 de Janeiro de 2022 com 58.660 (média móvel de sete dias).
Por exemplo, se consideramos aquela que é definida pelos media e autoridades de saúde como a “primeira vaga”, entre Março e Maio de 2020, o máximo de casos positivos esteve sempre abaixo dos 800 e o pico de mortes foi de 34 (média móvel de sete dias). Ou seja, a denominada “primeira vaga” teve um pico nos casos positivos de menos de 2% do pico máximo da pandemia (28 de Janeiro de 2022) e um pico nas mortes de 12% do pico de mortalidade da pandemia (30 de Janeiro de 2021).
Evolução do Indicador da Avaliação da Pandemia do Instituto Superior Técnico. A linha a vermelho indica a evolução se não houvesse vacinas. Os relatórios não permitem aferir como foi definido o modelo e quem o calibrou. Fonte: IST.
Observando agora, à distância de quase três anos de pandemia, dir-se-á que, para os casos positivos, o surgimento da Ómicron marcou um período de grande transmissibilidade, mas baixa mortalidade, sendo que, neste contexto – e até tendo em conta as mudanças na estratégia de testagem – se mostra difícil classificar como ondas (ou vagas) as variações anteriores a 2022.
No caso das mortes, verifica-se que em apenas quatro meses (Novembro de 2020 a Fevereiro de 2021) ocorreram quase 13.900 óbitos (cerca de 52% do total nos três anos da pandemia), o que dá uma média diária de quase 116 óbitos.
Ora, retirando este período, observam-se outras três “flutuações” ao longo da pandemia: Primavera de 2020, Inverno de 2021-2022 e Maio-primeira metade de Junho de 2022. No primeiro período, a mortalidade máxima foi de 34 óbitos (média móvel de sete dias), no segundo de 51 óbitos e no terceiro de 42 óbitos. Falar-se de ondas nestes casos parece assim perfeitamente exagerado e sem base científica sustentável.
Nessa linha, foi uma mera opção, completamente subjectiva dos investigadores, a escolha do dia 25 de Abril de 2022 como “data de arranque da sexta vaga em Portugal”. Existirem cientistas que usem a expressão “data de arranque” neste contexto, já deixa muito a desejar.
Na verdade, após se registar um pico máximo no dia 28 de Janeiro (58.660 casos positivos, em média móvel de sete dias), registou-se uma redução bastante rápida até início de Março, mas os valores estiveram sempre estáveis até finais de Abril. Note-se que o Governo determinou o fim da situação de calamidade em 17 de Fevereiro de 2022.
Se considerarmos os casos activos, existe efectivamente uma inversão por volta do dia 25 de Abril de 2022 (então com cerca de 250 mil casos activos, ou seja, com pessoas “infectadas”), mas a “onda” que depois se formou, com pico na terceira semana de Maio, apenas confirma que as flutuações antes de 2022 não são, pela sua dimensão e amplitude, ondas.
Atente-se agora a esta frase do sumário do Relatório Rápido nº 52:
“A análise dos dados oficiais da pandemia de COVID-19 em Portugal indica o declínio da sexta vaga confirmando-se a redução dos números da incidência, previstos por nós em Junho, estamos neste momento em cauda alongada com sentido descendente.”
Portanto, a mais falsa das falsidades.
Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico. Um relatório científico foi apenas divulgado por imposição de um tribunal.
Retomemos também, sem mais comentários, a seguinte frase do Relatório Rápido nº 51, o tal de Junho de 2022, antes das festas populares:
“A tendência ainda é de subida, prevendo-se o pico para depois do dia 15 de Junho e até final do mesmo mês. Esta previsão pode falhar, por defeito, se os contágios devido às festas populares forem descontrolados ou se surgirem novas variantes.”
A imensa falta de pudor e de ética em todo o esplendor. Errar é humano; ludibriar também é humano, mas acresce a isso a falta de ética, o que, em meio científico, é um pecado capital.
Adiante.
Passando, por agora, sobre o indicador da pandemia propriamente dito, referido no sumário, foquemo-nos na seguinte frase deste Relatório Rápido nº 52:
“O número de casos até este momento atribuíveis ao levantamento das medidas de mitigação (libertação do uso da máscara e testagem deixar de ser gratuita) somado às festas de Junho é de 646.000, com erro de 10% e confiança a 99%.”
Sem dados numéricos disponíveis e sem conhecer os pressupostos que determinam a eficácia do uso de máscaras e da influência da gratuitidade da testagem, mostra-se impossível contestar o valor de 646.000 casos, mesmo se, para impressionar, os peritos do IST acrescentam uma pitada de suposto rigor estatístico: “erro de 10% e confiança a 99%”. Com Ciência deste calibre, até poderiam dizer que o erro era de 99% e confiança a 10%. Na verdade, a confiança, assim como são apresentados estes números, é nula. Zero.
Em todo o caso, sempre se pode dizer que causa espanto que as medidas não-farmacológicas pudessem a partir de finais de Abril reduzir em cerca de metade os casos positivos (houve cerca de 1,2 milhões de casos entre 25 de Abril e finais de Junho de 2022, ou seja, cerca de 18 mil casos por dia), quando não mostraram aparentemente qualquer eficácia para evitar as elevadas transmissões em Janeiro de 2022. De facto, nesse mês, apesar das fortes restrições, que chegaram a segregar os não-vacinados, registaram-se cerca de 1,4 milhões de casos, isto é, quase 45 mil casos por dia.
Sempre se pode argumentar que teria sido pior sem nada se fazer, mas eis aqui o grande problema das previsões e da alegada eficácia de muitas das medidas não-farmacológicas: sustentaram-se sempre em cenários alternativos não verificáveis, ou seja, na contrafactualidade.
Sigamos agora para a parte mais atabalhoada do sumário do Relatório Rápido nº 52:
“No último relatório previmos que o número de contágios produzidos sem máscara em eventos como “Rock in Rio”, festivais e todas as festas populares no país poderiam traduzir-se num total de contágios directos de 350.000. Os números registados (oficiais) de casos a mais, produzidos por esses contágios estimados por nós são de cerca de 242.000. Se juntarmos os casos não reportados oficialmente (assintomáticos, pauci-sintomáticos e ligeiros não testados oficialmente) atinge-se o número de 340.000, ficando ligeiramente abaixo dos valores previstos por nós. O erro é de 10% com confiança a 99%.”
Um relatório anterior do IST concluía que as festas populares e os festivais de música em Junho de 2022 tinham sido responsáveis por 330 mortes. Análise do relatório mostra que número foi atirado sem nexo.
Ora, repita-se: os 350 mil casos previstos no Relatório Rápido de Junho eram apenas relativos às festividades e festivais de música, pelo que se deveriam acrescentar os casos expectáveis em situação normal. Não se entende, por isso, onde os “peritos” do IST desencantaram os 242 mil casos supostamente a mais – registaram-se cerca de 423 mil casos positivos em Junho, que contrasta com os 721 mil em Maio –, porque aquilo que houve, sim, foi uma clara descida.
Porém, note-se no truque: os peritos do IST aconselham que se juntem “os casos não reportados oficialmente” para assim se perfazer os 340 mil casos, de sorte a ficar-se “ligeiramente abaixo dos valores previstos por nós”. Voilà!
Assim se fez um acréscimo de 40%, qual coelho tirado da cartola, para “acertar” quase na mouche na previsão de Junho.
Mas, pergunta-se, no meio deste emaranhado de números atirados ao ar: e então quando em Junho previram os tais 340 mil casos positivos, estes peritos do IST não consideraram os assintomáticos, pauci-sintomáticos e ligeiros não testados oficialmente porquê? Se assim fosse, então teriam de dizer, logo no Relatório Rápido nº 51, que os tais 340 mil casos das festividades e festivais seriam apenas os números reportados; e que se se quisesse saber os números reais se teria de acrescentar mais 40%. Ou seja, em vez de 340 mil seriam 475 mil.
Evolução das variáveis usadas pelo IST na elaboração do Indicador de Avaliação da Pandemia. Além de não se conhecer o modelo em detalhe, as incongruências são inúmeras. O indicador serviu apenas para fomentar alarmismo.
Enfim, não podem é os peritos do IST assumir uma subnotificação posterior para validar uma previsão feita sem assumir a existência dessa subnotificação.
E mesmo que, depois, e mais uma vez, os peritos do IST temperem tudo com a costumeira ladainha de suposta credibilização estatística: “o erro é de 10% com confiança de 99%”. Chavões!
As duas frases seguintes do Relatório Rápido nº 52 são de uma atroz irresponsabilidade:
“O número de óbitos, até este momento, atribuíveis ao levantamento das medidas de mitigação (libertação do uso da máscara e testagem deixar de ser gratuita) e, ainda, festas de Junho sem essas medidas é de 790, com erro de 10% e confiança a 99%. O número de óbitos atribuíveis até hoje aos contágios das festas populares de Junho é de 330, com erro de 10% e confiança a 99%.”
Descontando também já o blá blá do “erro de 10% e confiança a 99%”, não se vislumbra qualquer base científica na atribuição de um qualquer valor de mortalidade por um suposto impacte negativo da “libertação do uso da máscara e [da] testagem deixar de ser gratuita”. Até porque se se discute a questão das medidas não-farmacológicas, então deve entrar na equação a eficácia das medidas farmacológicas – isto é, as vacinas. Ora, seria sensato atribuir vacinas as responsabilidades por mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 por aquelas não serem 100% eficazes? Fica a pergunta, mas tudo me parece absurdo.
Relatório do IST está inundado de especulações e de “certezas” com base em contrafactualidade, ou seja, de eventos que teriam ocorrido se não ocorresse antes outro. Neste caso, a evolução da incidência entre finais de Abril de 2022 e Julho de 2022 observada e com as medidas não-farmacológicas (que deixaram de ser impostas). Fonte: IST.
Por outro lado, quanto às mortes atribuídas às festas populares e aos festivais de música, mostra-se evidente que os peritos do IST não podem comprovar nenhum dos números que apontam. Aliás, o relatório não explicita como chegaram àquele valor.
Deduz-se apenas que terão aplicado uma taxa de letalidade a rondar os 0,1%, mas nem isso dizem. Mas mesmo aplicando uma taxa de letalidade de 0,1% – que é aquela que a Ómicron apresenta –, essa é uma percentagem global, que não tem em conta a juventude da assistência aos festivais e festas populares. Por exemplo, a letalidade da covid-19, antes da vacina, para os menores de 18 anos é de 0,0003%.
Ora, para estimar com o mínimo de rigor algo tão sensível – a atribuição de mortes a festas populares e a festivais – seria mais sensato pelo menos aplicar um inquérito a uma amostra correctamente estratificada para a partir daí se estimar a percentagem de casos positivos – e subsequente cadeia de transmissão – com suspeita de infecção nas festividades e festivas, e daí estimar-se a letalidade e a mortalidade.
Convenhamos que fazer um estudo desta natureza representaria um investimento de recursos significativo, mas se isso não era opção exequível, então os peritos do IST deviam, por prudência, descartar estapafúrdias e irresponsáveis especulações. Bem sabemos que atirar números para o ar é bem mais fácil, mas um cientista não pode nem deve escolher o facilitismo; de contrário, deixa de ser cientista.
Instituto Superior Técnico: uma instituição universitária que (agora) produz Ciência que não quer revelar.
Em todo o caso, uma alternativa, bem mais barata, passaria por uma análise detalhada (regional e etária) dos casos e mortes ao longo de Junho e Julho do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) – uma das bases de dados, cuja recusa de acesso ao PÁGINA UM por parte da DGS se encontra ainda em análise pelos tribunais administrativos –, para se perceber se existiram, durante Junho de 2022, alterações quantitativas no padrões regionais e etários. Contudo, não se denota, nem explícita nem implicitamente, que os peritos do IST tenham sequer olhado com detalhe para o SINAVE. Atiraram números, seguidos do jargão “erro de 10% e confiança a 99%”. E está feito.
Sobre o famigerado Rt, usado até às décimas no sumário (era de 0,97 em Junho, no Relatório Rápido nº 51, e passou para 0,90 no seguinte), recordemos sempre um artigo da Nature de 3 de Julho de 2020, sugestivamente intitulado “A guide to R – the pandemic’s misunderstood metric”, onde surgia um especialista em doenças infecciosas da Universidade de Edimburgo, Mark Woolhouse, a salientar que “os epidemiologistas esta(vam) bastante empenhados em minimizar o R [por estar a ser usado para os fins para os quais nunca foi planeado], mas que os políticos parec[iam] tê-lo abraçado com entusiamo”. E concluía: “Estamos preocupados por termos criado um monstro. O R não nos diz o que precisamos de saber para gerir a pandemia”.
Mark Woolhouse não imaginaria que, afinal, o Rt seria tão apadrinhado por peritos do quilate dos do IST.
De facto, a obsessão pelo índice de transmissibilidade nos últimos anos, mesmo em fases avançadas da pandemia, pareceu sempre pouco compreensível. As flutuações neste indicador terão dependido mais de factores sazonais – e outros ignorados – do que pela implementação de medidas não-farmacológicas. O R nunca foi a variável dependente da equação; ou seja, mudava muito pouco em função dos comportamentos humanos.
Por fim, o sumário do Relatório Rápido nº 52 do IST termina com a seguinte frase:
“Nesta sexta vaga o custo devido a baixas e isolamentos já pode ser confirmado e atinge, neste momento, entre de 29.900.000 e 32.000.000 de horas de trabalho (confiança a 95%), devendo ficar ligeiramente acima do valor de 30 milhões previsto anteriormente.”
Mais uma frase caída do céu, não sustentada quer no sumário quer no corpo do relatório. Ignora-se, para esta estimativa, quais as variáveis consideradas, se se abrangeu apenas a população activa, quantos dias em média de baixa, etc. Em todo o caso, 30 milhões de horas de trabalho perdidas por baixas e isolamento representam 3,75 milhões de dias de trabalho (de oito horas). Se considerássemos um período de isolamento médio de 7 dias – então em vigor para os assintomáticos e doentes com sintomas leves – estaríamos a falar de quase 536 mil pessoas em idade activa, o que dá cerca de 10% da força de trabalho em Portugal.
Seria necessário também validar este número, nem que fosse por simples consulta do SINAVE por uma questão de credibilidade. Os peritos do IST não o fizeram, ou não indicaram que fizeram. Acrescente-se que as cerca de 536 mil pessoas representariam quase 45% do total dos infectados pelo SARS-CoV-2 entre finais de Abril e final de Junho.
Por outro lado, convém referir ser abusivo considerar que todas as pessoas que estiveram em isolamento representaram horas de trabalho perdidas.
Análise ao capítulo da situação actual
Nos dois relatórios do IST conhecidos (51 e 52) refere-se que o indicador de avaliação da pandemia (IAP) – para o qual apresentam valores – combina a incidência, transmissibilidade, letalidade, hospitalização em enfermaria e em unidades de cuidados intensivo, apresentando-se os ponderadores. Não sendo claro, aparentemente trata-se de um modelo de regressão, mas não se diz quem o estimou, quem o calibrou e se os seus resultados se mostraram fiáveis à medida que a pandemia evoluiu e surgiram novas variáveis. Em especial com a Ómicron, houve uma maior transmissibilidade, logo uma maior incidência, mas com uma menor letalidade, logo uma menor hospitalização em enfermaria e em cuidados intensivos.
Se for esse o modelo, então apresenta variáveis aparentemente redundantes: a incidência estará, em princípio, fortemente correlacionada com a transmissibilidade; a letalidade com as hospitalizações, sendo que as hospitalizações em cuidados intensivos estão fortemente correlacionadas com as hospitalizações em enfermaria. Isto costuma dar porcaria num modelo desta natureza.
A análise do gráfico dos contributos individualizados das variáveis para o IAP – para os quais se desconhecem os dados, pelo que pode estar-se aqui perante um mero exercício de design gráfico, e não de Ciência – mostra bem que a incidência só cria ruído no modelo. Com efeito, ao longo da pandemia, a incidência contribuiu exageradamente para elevar o IPA em diversos períodos de baixa letalidade, como se observa sobretudo a partir de Junho de 2021. O mesmo se verifica com a transmissibilidade.
Aliás, o modelo parece também não funcionar bem com variáveis como a letalidade, até porque nem sequer é claro como esta variável foi calculada pelos peritos do IST. Em todo o caso, como aparentemente existe um desfasamento temporal entre a letalidade e a incidência, a letalidade não terá sido calculada considerando o desfasamento entre a infecção e a morte. Nessa linha, os valores da letalidade pecam por excesso quando a incidência já está em decréscimo. A confirmar-se esse facto o modelo fica, desde logo, “inquinado”.
Também se nota, pela observação do mesmo gráfico, a própria inutilidade do IAP – que, recorde-se, apenas começou a ser aplicado como modelo a partir de Junho de 2021 e nunca foi sequer considerado pela DGS. Com efeito, a subida repentina deste indicador em Junho de 2021 – quando o IST começou a elaborar os seus relatórios em parceria com a Ordem dos Médicos – não teve qualquer contributo relevante das variáveis mais importantes em termos de Saúde Pública: letalidade e hospitalizações.
Outro exemplo: em Fevereiro de 2022 – que por ser mês de Inverno está associado a maior incidência e hospitalizações de doenças do foro respiratório – o IAP deu valores mais baixos do que os registados no Verão de 2021. Mistério ou evidência de que este indicador apenas “vomitava” um número sem qualquer relevância epidemiológica, e até enganador, para não dizer alarmista.
E serviu, ademais, especialmente, para sustentar, como argumento de autoridade, frases sem uma mínima validade científica.
Por exemplo, o Relatório Rápido nº 52 refere o seguinte:
“O alívio de medidas [não-farmacológicas] provocou um pico maior e uma descida mais lenta após este ter sido atingido, como veremos mais à frente”.
Não existe qualquer facto, suportado no modelo nem em outra informação científica, para esta afirmação. E até se mostra um contrassenso: se as medidas não-farmacológicas são eficazes e foram sendo levantadas a partir de Fevereiro de 2022 e se aliviaram ainda mais a partir de Abril, então por que razão os casos positivos em Janeiro foram tão elevados, quando então estavam em vigor fortes restrições? Dir-se-á que foram as vacinas: mas se assim é, porque não entraram como variável no modelo? E se são as vacinas assim tão relevantes para controlar a pandemia, por que motivo se insistiu tanto em medidas não-farmacológicas ao longo de 2021 e até meados de 2022?
Aliás, não tendo a vacinação entrado como variável mostra-se extraordinário como o Relatório Rápido nº 52 apresenta gráficos, completamente caídos do céu, com linhas contrafactuais (a vermelho) para vários parâmetros. Os peritos do IST continuam, aliás, a negar que a diminuição da letalidade se deveu, em grande medida, ao surgimento da Ómicron e também à imunidade natural, sobretudo a partir dos surtos de Janeiro e Fevereiro de 2022 que implicaram a infecção e a obtenção de imunidade natural em mais de metade da população portuguesa.
Relatório do IST apresenta a variação da mortalidade por covid-19 entre finais de Abril e Julho de 2022, com os dados oficiais (a preto) e com valores que ocorreriam se as medidas não-farmacológicas se tivessem mantido (a vermelho). Não são fornecidas explicações sobre estas estimativas. Fonte: IST.
O Relatório Rápido nº 52 tem também frases completamente falsas, porque manipuladas. Peguemos neste exemplo:
“Os óbitos diários em média móvel a sete dias passaram de 30,3 para 41,4 desde dia 22 de Maio. Como dito no último relatório, haveria uma “subida deste indicador nos próximos 30 dias”, confirmou-se. Estamos em cerca de 56 casos por milhão de habitantes acumulados em 14 dias, muito acima, 2,75 vezes acima, do número considerado aceitável pelo ECDC para redução de medidas de mitigação. Note-se que, neste momento, não existem medidas de mitigação de contágios em caso de contactos directos, como o uso de máscaras de elevada qualidade.”
Note-se como é escrito: “Os óbitos diários em média móvel a sete dias passaram de 30,3 para 41,4 desde dia 22 de Maio.” Desde 22 de Maio até quando? Se for até 22 de Junho – considerando que os peritos do IST dizem que previam e alegadamente acertaram “a subida deste indicador nos próximos 30 dias –, então estamos perante uma rotunda mentira. Efectivamente, a mortalidade diária subiu, por força do desfasamento entre os valores da incidência e a mortalidade, mas apenas até 7 de Junho (43 óbitos, em média móvel de sete dias), mas depois desceu fortemente. No dia 22 de Junho – portanto, um mês depois da previsão de subida –, o número de óbitos estava em 31, ou seja, estava igual ao do mês anterior, mas com forte tendência decrescente. No final de Junho estava nos 19 óbitos. Como o relatório do IST refere que foram recolhidos dados em 26 de Julho, nesse dia o número de óbitos estava nos 10 (média móvel de sete dias).
Curiosa também, no mínimo, é a seguinte afirmação no Relatório Rápido nº 52:
“A letalidade teve uma subida em meados de Maio, altura em que as doses de reforço ainda não faziam efeito nas camadas mais vulneráveis, tendo depois estabilizado em valores ligeiramente abaixo de 0.2%, estando agora em 0.17%. Varia muito de acordo com o escalão etário afectado, nota-se também uma possível correlação com vagas de calor, facto que deve ser aprofundado em estudos mais longos.”
No início de Maio de 2022, de acordo com o Relatório da Situação nº 745 da DGS, relativo a 18 de Abril de 2022, a vacinação de reforço já atingia os 95% nos maiores de 80 anos, os 97% no grupo dos 65 aos 78 anos e de 83% no grupo dos 50 aos 64 anos.
Pasme-se, portanto: como se pode afirmar num suposto relatório científico que a “letalidade teve uma subida em meados de Maio, altura em que as doses de reforço ainda não faziam efeito nas camadas mais vulneráveis”? No limite, os peritos do IST deveriam, sim, suspeitar da eficácia das vacinas; e não de as doses de reforço não terem tido ainda tempo fazer efeito nas camadas mais vulneráveis …
E depois, o que dizer sobre a referência às vagas de calor em Maio? Qual o pretexto? É uma mera opinião? Foi um bitaite? Diga-se que um aumento da temperatura em Maio até diminuiria a mortalidade, porque uma onda de calor na Primavera (superior a 5 graus face à média em cinco ou mais dias consecutivos) está longe de ser mortífera (ao contrário do que sucede no Verão), uma vez que temperaturas anormalmente altas em Maio será previsivelmente mais baixas do que um mês normal de Verão.
Mais absurdas ainda são as declarações de fé do Relatório Rápido nº 52, algo triste num documento supostamente científico. Como, por exemplo, nesta parte:
“A tendência [de mortalidade] será, ainda de descida. Desde 13 de Junho de 2021 que não há nenhum dia sem óbitos COVID-19 em Portugal. Sem novas variantes poderemos aspirar a esse desígnio durante o mês de Agosto.”
Enfim, por um lado, ao longo da pandemia sempre foram surgindo variantes – é uma falácia julgar-se que só tivemos a Alfa, a Delta, a Ómicron e poucas mais – e sempre se mostrou um erro o objectivo mortes-zero. Uma situação endémica nunca significa ausência de mortes. Termos como “poderemos aspirar” não são próprios da Ciência. Aliás, quase nem valeria a pena referir que a mortalidade diária por covid-19 (média de sete dias) em Agosto de 2022 variou entre os 5 e os 11 óbitos, valores que estão dentro de uma situação considerada endémica. Por exemplo, as pneumonias na fase anterior à covid-19 representavam cerca de 10 óbitos por dia no Verão.
Análise às conclusões
As conclusões do Relatório Rápido nº 52 merecem destaque, parágrafo a parágrafo, frase a frase.
Vejamos:
1 – “A sexta vaga confirmou-se de forma clara e está agora em franco declínio.”
Como já referido, é abusivo considerar-se que houve sexta vaga, porque nem sequer existe critério científico para definir “vaga”, nem se determinou se essa denominação se aplica ao número de casos ou ao número de óbitos ou a uma variação da letalidade e/ ou internamentos. O “franco declínio” não se estava a verificar no “agora” (finais de Julho de 2022, quando foi escrito o relatório), mas desde Maio de 2022.
2 – “A situação é de grande redução do perigo pandémico face ao anterior relatório.”
Desde Março de 2021 deixou de haver risco pandémico. O surgimento da Ómicron, a partir de Novembro de 2021, apesar de ter causado um aumento da transmissibilidade, foi acompanhada por uma redução muito significativa da letalidade, que está longe de ser explicada apenas pela vacina.
3 – “A nova linhagem BA.5 da variante Ómicron teve um impacto significativo em Portugal que se atenua agora por saturação dos contágios e redução de susceptíveis. Continuamos a afirmar que uma monitorização de qualidade é adequada.”
O impacto significativo da Ómicron acabou por ser paradoxalmente benéfico para o controlo da pandemia, além de se ter comprovado (se tal fosse necessário), com os surtos no início de 2022, a fraca capacidade das vacinas em evitar transmissão e infecção, mesmo com o auxílio de medidas não-farmacológicas. Saliente-se que entre Novembro de 2021 e Junho de 2022 (oito meses) houve cerca de 4 milhões de casos positivos, atingindo uma população activa quase integralmente vacinada. A taxa de letalidade a partir de Dezembro de 2021 baixou bastante em comparação com o período anterior já com vacina contra a covid-19, o que parece demonstrar que a letalidade do SARS-CoV-2 intrinsecamente reduziu-se com a nova variante.
4 – “O termómetro da pandemia, i.e., o IAP, está em 63.7 pontos com dados oficiais, o que segundo a Ordem dos Médicos (Gabinete de crise) e o Técnico (grupo de trabalho autor deste texto) está abaixo do nível de alerta (80 pontos) mas obriga a monitorização e alguma mitigação.”
O valor de 63,7 é apenas um número que sai de um modelo que o IST não permite ser validado de forma independente. Não se conhece os pressupostos para que a partir de um valor acima de 80 no IAP se esteja num nível de alerta.
5 – “Para o mês de Setembro aconselhamos o reforço da monitorização e passar a mensagem de que o perigo pandémico ainda não terminou, sobretudo com o regresso às aulas e a provável disseminação de novas variantes, sempre mais rápidas a contagiar.”
Futurologia sem base científica. Não se compreende o receio de as novas variantes puderem apresentar maior disseminação; por regra, vírus com maior rapidez (facilidade) de disseminação apresentam menor letalidade. Aliás, a evolução dos outros coronavírus apontam para essa forte hipótese para o SARS-CoV-2.
6 – “Recomendamos a utilização de máscara sempre que o risco de contágio possa existir.”
Afirmação que não encontra respaldo no modelo, pelo que constitui uma mera opinião sem referência científica. Convinha lerem as evidências encontradas pela Cochrane.
7 – “A monitorização dos números da pandemia deve ser feita de forma rigorosa e transparente até a declaração de “Fim De Pandemia” da OMS. Dados rigorosos e muito actualizados devem fundamentar a tomada de decisão. Nesse sentido, reforçamos o já dito antes, nesta fase será recomendável que sejam publicados os números dos internamentos e os dados regionais. Bastará para tal usar um sistema semelhante ao usado na divulgação dos dados dos novos casos e óbitos, sem necessidade de elaborar relatórios diários.”
Não deixa de ser caricato e risível – e também hipócrita – que os peritos do IST apelem para uma monitorização de forma rigorosa e transparente, quando para o PÁGINA UM ter acesso ao Relatório Rápido nº 52 houve necessidade de recorrer a uma intimação ao Tribunal Administrativo de Lisboa. E para ter acesso aos ficheiros informáticos teve de recorrer ao Tribunal Central Administrativo Sul. Será que os peritos do IST, não sendo de Humanidades, entendem o conceito de transparência?
8 – “Como escrito muitas vezes nos nossos relatórios: “Há ainda e sempre a possibilidade da introdução de novas mutações do SARS-CoV-2”. Fica a ressalva de que uma nova variante pode sempre colocar em causa previsões baseadas nas variáveis e parâmetros das variantes actuais. O país deve manter-se preparado, nomeadamente quando não existem medidas de mitigação e uma baixa monitorização, para enfrentar uma situação de grande risco em Setembro com agravamento em Outubro.”
Tudo pode acontecer, de facto; até o fim do Mundo; até um dia termos peritos do IST a realizar relatórios desta natureza com isenção, rigor, sobriedade… e transparência. E já agora, alguém se recorda se houve alguma situação “de grande risco em Setembro com agravamento em Outubro” de 2022 em Portugal? Não, não houve. Mais um falhanço dos peritos.
9 – “O período entre vagas pandémicas subiu ligeiramente e está agora entre 120 e 130 dias, como demonstra a transformada de Fourier dos dados da incidência, no gráfico abaixo.”
O uso da transformada de Fourier pressupõe que o comportamento do vírus foi, é e será sempre cíclico. Se assim fosse, como os peritos do IST assumem com grande fé, a pandemia nunca deixará de existir, porque haveria novos surtos ad aeternum.
10 – “Repetimos o escrito no anterior relatório que se mantém actual: “As autoridades de saúde devem adaptar a sua estratégia a esta periodicidade. Há uma indicação que no início de Setembro, com um erro de 15 a 20 dias, teremos o início de uma nova vaga pandémica. Estamos a modelar os nossos sistemas dinâmicos com perda de imunidade, natural e adquirida, o que resulta em soluções periódicas, amplamente documentadas na literatura, v.g., [Martcheva, M. (2015). An introduction to mathematical epidemiology (Vol. 61, pp. 9-31). New York: Springer]. Se a hipótese da perda de imunidade se verifica, estas vagas vão-se suceder de forma periódica ao longo dos anos. A única forma de quebrar estes ciclos será com vacinas de nova geração. A teoria e a história indicam, também, que as ondas pandémicas se irão atenuando ao longo dos ciclos repetidos até o vírus se tornar “endémico”. Isso é possível, mas apenas o próximo Inverno vai ditar se estamos realmente nesse caminho e o país deve continuar preparado e com mecanismos de resposta rápida.”
Eis uma perfeita, conclusiva e comprometedora declaração de fé. A realidade tem estado a desmentir este alarmismo. Em Setembro e Outubro de 2022 houve pouco mais de 10 mil casos positivos – também por se ter desistido de testar de forma massiva – e um registo de 400 óbitos, que representa uma média diária de menos de sete óbitos por dia. Desde Agosto de 2022 até à data – ou seja, quase sete meses – a mortalidade diária atribuída à covid-19 nunca ultrapassou os 12 óbitos, mesmo durante o Inverno deste ano, mostrando assim fortes sinais de estarmos numa fase endémica. A ideia de que a “única forma de quebrar estes [supostos] ciclos será com vacinas de nova geração” não tem suporte científico e soa a completa propaganda.
11 – “Neste momento ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre, ‘preparar o pior esperando o melhor’ continua a ser o lema mais seguro quando se enfrenta uma situação de risco indeterminado mas com uma probabilidade elevada de ocorrer, os sinais serão dados em Setembro/ Outubro de 2022.”
O tempo mostrou, e os peritos do IST demonstraram, que pior do que o “excesso de confiança” é o “excesso de alarmismo”. E a má Ciência também é má.
O PÁGINA UM examinou os últimos anos da TAP, analisando os relatórios e contas da companhia e escalpelizando as operações efectuadas em torno da privatização, recompra e posterior saída dos privados. O retrato que encontrou é de prejuízos acumulados e uma avalanche de decisões que lesaram a posição do Estado. No global, desde a privatização em 2015, a TAP custou ao erário público mais de 3.200 milhões de euros. Em 10 anos, a empresa acumulou perdas de 3.254 milhões de euros. A maioria dos prejuízos foi contabilizada em 2020 e 2021. Este é um primeiro artigo de um dossier que o PÁGINA UM vai publicar sobre a transportadora aérea. Muitas dúvidas subsistem em torno da forma como a companhia tem sido gerida e sobre a responsabilidade da tutela nas decisões. Para já, aguarda-se pela tomada de posse da comissão parlamentar de inquérito à TAP, agendada para 22 de Fevereiro, a qual poderá trazer alguma luz sobre as questões que persistem.
Um desastre total. Os últimos anos representaram para a TAP – e para o erário público – uma catástrofe em termos de perda de recursos e prejuízos. Sem norte, a companhia aérea está presa por fios, suspensa em apoios estatais. Quase tudo o que podia ter corrido mal à transportadora aérea, aconteceu. Mas também foi um alvo fácil para quem dela quis tirar proveitos em tempos de crise.
Nas últimas semanas, a TAP voltou a estar nas manchetes de jornais e debaixo dos holofotes dos media por diversos motivos e nenhum deles abonatório. Entre as polémicas em redor da companhia, estão, nomeadamente, indemnizações pagas a administradores e o polémico caso da troca da frota envolvendo a Airbus.
O PÁGINA UM faz aqui um retrato da evolução da companhia ao longo dos últimos anos, incluindo através de uma análise aos relatórios e contas da empresa e das condições de privatização, reversão da venda e saída dos privados da TAP.
Olhando para as suas contas, o cenário é doloroso. Em 10 anos, dos exercícios de 2012 a 2021, a TAP acumulou perdas de 3,2 mil milhões de euros. Corresponde a um valor de 310 euros para cada português ou de 1.240 euros para um agregado familiar de quatro pessoas.
Só em 2021 a empresa registou prejuízos recorde de 1.599 milhões de euros. Mas já no exercício de 2020 – em plena pandemia e restrições nas viagens – o ano foi de perdas: 1.230 milhões de euros de prejuízos. Ou seja, em apenas dois anos, a TAP contabilizou prejuízos da ordem dos 2.800 milhões de euros. Está no vermelho desde o exercício de 2018, depois de um ano positivo em 2017, pois em anos anteriores também esteve quase sempre no vermelho.
Resultado Líquido da TAP (valores em milhões de euros). Fonte: Relatórios e Contas da TAP
Desde a entrada no capital da empresa do norte-americano David Neeleman e do português Humberto Pedrosa – dono do Grupo Barraqueiro – em 2015, a companhia só teve lucros em 2017, no montante de 23 milhões de euros.
A venda de 61% do capital da TAP ao consórcio detida em partes iguais pelos dois empresários – Atlantic Gateway – foi executada pelo Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho. Pelo caminho, ficou em terra uma nova proposta do investidor e empresário sul-americano Germán Efromovic – que foi detido em 2020 no Brasil, junto com o irmão, acusado de alegadamente ter subornado executivos de topo da Petrobrás e da Transpetro.
O ponto de partida para a venda mostrava uma companhia frágil: uma dívida acumulada superior a mil milhões de euros; prejuízos; problemas de tesouraria; e descontentamento, havendo greves de pilotos. Anos de opções estratégicas fragilizaram a companhia, numa altura em que o sector da aviação se tornava cada vez mais competitivo.
Até então, nos anos imediatamente anteriores à privatização, não tinham aparecido candidatos considerados adequados. A venda foi finalizada em Novembro de 2015. O Estado português, através da Parpública – a holding de participações sociais do Estado –, anunciava que tinha alienado 61% da TAP SGPS por 10 milhões de Euros à Atlantic Gateway.
De um capital representado por 1500 milhares de acções, a Atlantic Gateway passou a deter 915 mil acções (61%) e a Parpública 585 mil acções (39%). O preço de venda por acção foi de 10,93 euros (10 milhões de euros divididos por 915 mil acções).
Este acordo de venda obrigava os particulares a capitalizar a empresa em 338 milhões, através de Prestações Suplementares, uma dívida da empresa aos sócios, mas fazendo parte do Capital Próprio. Neste sentido, em 2015, a Atlantic Gateway injectou 154,4 milhões de euros na TAP. O mesmo aconteceu em 2016, com mais 69,7 milhões de euros, totalizando 224,09 milhões de euros de Prestações Suplementares.
Estes fundos não podiam ser levantados pelos novos accionistas – solicitando à TAP SGPS o reembolso da dívida –, desde que o Estado não reforçasse a sua posição – por outras palavras, se ocorresse uma nacionalização. Este valor, mais tarde, serviu de arma negocial dos privados com o Estado.
Em 2016, também teve lugar a injecção de fundos através de uma emissão de Obrigações convertíveis em acções em 2026 (até 130,8 milhares de acções), pelo prazo de 10 anos, no valor de 120 milhões de euros. Esta operação envolvia a emissão de 90 milhões de euros (série A) subscritos pela Azul Linhas Aéreas Brasileiras, S.A. (Azul, transportadora aérea propriedade de David Neeleman), com uma remuneração de 7,5% ano.
Durante 10 anos, a remuneração em juros seria de 67,5 milhões de euros (juros anuais de 6,75 milhões de euros).
Estas obrigações tinham mais direitos que a série B, pois dariam sempre direito ao pagamento de juros, independentemente da opção de conversão em acções ser exercida ou não. Se fosse exercida, o capital não era devolvido, caso contrário, era devolvido.
Custo da TAP para o erário público nos últimos oito anos (valores em milhões de euros). Fonte: TAP, Tribunal de Contas, análise do PÁGINA UM
A operação abrangia ainda a emissão de 30 milhões de euros (série B) subscritos pela Parpública, igualmente remunerados a 7,5%, no entanto, em caso de exercício da opção de conversão, a Parpública deixava de ser remunerada a 7,5%. Isso aconteceu no final de 2018, deixando, a partir desse momento, de a Parpública receber qualquer remuneração pelo dito empréstimo obrigacionista.
Na realidade, os contribuintes nunca foram ressarcidos desta dívida, apenas parcialmente (em juros), pois continuava a constar do Relatório e Contas da Parpública no final do primeiro semestre de 2022 (página 78). No entanto, não fica claro se os juros foram efectivamente pagos à Parpública.
Mas, apenas três meses após a privatização, a venda foi revertida, por decisão do Governo do PS, liderado por António Costa.
O Estado adquiriu 11% do capital, através da compra de 165 mil acções da empresa à Atlantic Gateway por 1,9 milhões de euros, ou seja, a 11,52 euros por acção – um ganho de 11% para os accionistas privados -, passando a reconfiguração accionista a ser a seguinte: Atlantic Gateway 50% (750 mil acções), Parpública 50% (750 mil acções).
Humberto Pedrosa
Seguidamente, a Atlantic Gateway vendeu 75 mil acções aos trabalhadores da TAP, ao preço unitário de 10,38 Euros, embolsando 780 mil Euros, operação que teve lugar no início de 2017.
Com esta operação, a reconfiguração accionista passou a ser a seguinte: Atlantic Gateway 45% (675 mil acções), Parpública 50% (750 mil acções) e Trabalhadores 5% (75 mil acções), o Estado português voltava a ser maioritário, mas apenas simbolicamente.
À Parpública, apesar de ser titular de direitos de voto correspondentes a 50%, apenas lhe correspondiam 5% dos direitos económicos, enquanto à Atlantic Gateway 90% e aos trabalhadores 5%, tal como está reflectido no relatório e contas da TAP para 2017 (página 12). Assim, por exemplo, no caso de a companhia registar 100 milhões de euros de lucros, correspondiam apenas 5 milhões à Parpública, apesar de deter 50% do capital.
Este dado negativo para o erário público está reflectido num relatório de auditoria conduzida à “reversão” da privatização da TAP pelo Tribunal de Contas, que criticou a operação. No seu relatório, o qual foi divulgado em meados de 2018, revelou que o Estado passou a assumir mais riscos do que os acionistas privados, e o único responsável pela dívida da companhia.
David Neeleman
A auditoria foi solicitada ao Tribunal de Contas pela Assembleia da República que queria apurar se tinha sido salvaguardado o interesse público na “reversão” da privatização.
O Tribunal de Contas sintetizou a sua opinião sobre a operação: “com a recompra, o Estado recuperou o controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa”.
Para o Tribunal de Contas, a operação “não conduziu ao resultado mais eficiente”. “Com efeito, não foi obtido o consenso necessário dos decisores públicos, tendo as sucessivas alterações contratuais agravado as responsabilidades do Estado e aumentado a sua exposição às contingências adversas da empresa”.
No ano seguinte à auditoria do Tribunal de Contas à “reversão” da venda da TAP, a companhia estava em sérias dificuldades e pediu um empréstimo ao Estado.
Em 2020, com o aparecimento da pandemia de covid-19, Portugal, e a maior parte dos países, adoptou medidas drásticas e sem precedentes em anteriores pandemias, incluindo confinamento da população, contra a opinião de cientistas e especialistas de topo das melhores universidades do mundo.
Os aviões ficaram parados nas pistas. Todavia, a TAP estava na mesma situação de outras empresas europeias, como, por exemplo, a Ryanair ou a Lufthansa, totalmente na mão de capitais privados. A TAP recebeu então em 2020 um empréstimo de 1,2 mil milhões de euros, que no ano seguinte seria revertido em Capital Próprio da TAP. Mais uma vez, a empresa não pagou juros, pois foram convertidos os 1200 milhões de euros conjuntamente com os juros devidos (58,1 milhões euros).
Nesse ano ocorreu a saída de David Neeleman da TAP, com o Governo, previamente à negociação final, a ameaçar a nacionalização que, afinal, nunca se concretizou. A sua participação de 22,5%, indirecta através da Atlantic Gateway, foi adquirida directamente pelo Tesouro português, numa operação de 55 milhões de Euros, um preço por acção de 163 Euros (55 milhões de euros por 337,5 mil acções) que compara com um preço de aquisição de 10,98 euros. Trata-se de uma valorização de 1.391%.
O Estado recebeu 67,5% dos direitos económicos (recordemo-nos que 90% estavam nas mãos de privados) e a titularidade de 55 milhões de euros das Prestações Suplementares – nas mãos da Atlantic Gateway continuavam 169,1 milhões de euros dos 224,1 milhões de euros – e a cessação de qualquer litigância.
Dos 1,5 milhões de acções da TAP SGPS, o Estado passou a ser detentor de 72,5%, dos quais 50% na Parpública e 22,5% no Tesouro, e 22,5% ficaram na Atlantic Gateway, com os restantes 5% a estarem na mão dos trabalhadores.
Por outro lado, David Neeleman vendeu os 50% da Atlantic Gateway ao sócio Humberto Pedrosa por 45 milhões euros, segundo noticiava o jornal ECO. Em Outubro de 2020, os direitos económicos de 22,5% e as Prestações Suplementares de 169,1 milhões euros propriedade da Atlantic Gateway transitaram para a holding pessoal de Humberto Pedrosa, a HPGB, SGPS, S.A. Aliás, o jornal Dinheiro Vivo alertava precisamente para tal facto.
Em resumo, no final de 2020, a TAP, SGPS tinha a seguinte composição accionista: Tesouro (22,5%), HPGB, SGPS (22,5%), Parpública (50%) e Trabalhadores (5%). A TAP, SA – representada por 8.300.000 acções – continuava a ser detida a 100% pela holding TAP SGPS.
No final de 2021, ocorreu igualmente a conversão das Prestações Suplementares em capital, pelo valor de 154,4 milhões de euros.
Na consulta à auditoria realizada pelo Tribunal de Contas à TAP, na sua nota 125, pode ler-se: “em todas as opções de compra e venda das ações da Atlantic Gateway, a Parpública adquire também os créditos acionistas da Atlantic Gateway, incluindo-se nestes as prestações acessórias submetidas ao regime das prestações suplementares e suprimentos sobre a sociedade”. Os privados receberam assim as Prestações Suplementares, em particular os 169,1 milhões de euros de Humberto Pedrosa.
Em 2022, a TAP voltou a ter nova injecção de capital do Estado, desta vez de 980 milhões de euros.
São ainda muitas as dúvidas que recaem sobre a TAP. Muitas das questões que subsistem poderão ser respondidas no âmbito da comissão parlamentar de inquérito à empresa. A tomada de posse da comissão está agendada para 22 de fevereiro, noticiou a agência Lusa.
A constituição da comissão de inquérito à tutela política da gestão da TAP foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada no parlamento, com a abstenção do PS e do PCP e com os votos a favor dos restantes partidos. A comissão vai analisar em particular os anos entre 2020 e 2022, abrangendo temas como a polémica saída da ex-governante Alexandra Reis. O objectivo é o de investigar as eventuais responsabilidades da tutela nas decisões tomadas pela companhia aérea.
O PÁGINA UM apresenta, em pré-publicação, o livro da autoria do jornalista esloveno Boštjan Videmšek (que entrevistámos em Novembro passado), editado pela Perspectiva, pertencente à jornalista Patrícia Fonseca, também directora do jornal Médio Tejo. A obra é constituída por um conjunto de 10 reportagens da Noruega à Bolívia e da Escócia à China, com fotografias de Matjaž Krivic e prefácio de Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. A editora oferece um desconto especial de 20% e portes CTT aos leitores do PÁGINA UM, de forma directa e sem qualquer contrapartida para o jornal. Basta enviar um e-mail para perspectiva.livros@gmail.com com referência ao PÁGINA UM e a indicação da morada de entrega.
Em várias ocasiões, prometi aos que me são mais próximos, tal como a mim mesmo, que as minhas botas de reportagem de guerra estavam arrumadas para sempre. Eu era um dos mais jovens jornalistas quando comecei. Quando senti que bastava, era um dos mais velhos.
Fui despojado de todas as ilusões e fiquei compreensivelmente confuso perante recorrentes tragédias sem sentido. Além das minhas ilusões, as guerras que cobri custaram-me vários amigos. Também ficou muito claro que já tinha usado todos os meus ‘cartões de saída da cadeia’, e ainda mais alguns.
“Basta”, repetia uma e outra vez, sobretudo devido à crescente desilusão com o poder da minha vocação.
Boštjan Videmšek, na Estufa Fria, em Lisboa, durante a entrevista ao PÁGINA UM em Novembro do ano passado. (Foto: Paulo Alexandrino)
Para mim, o jornalismo nunca foi apenas um trabalho. Quando comecei, aos 16 anos, era um estilo de vida – ou mesmo a própria vida. Isso fez com que fosse muito mais difícil para mim aceitar que o meu trabalho havia perdido rápida e irreparavelmente o seu valor numa sociedade que, aparentemente, não se importava de se afogar na sua própria loucura.
A ordem pós-factual que se impôs da noite para o dia é um sistema onde excêntricos como eu e os meus colegas de profissão são tolerados, na melhor das hipóteses. A ascensão das (anti) redes sociais, câmaras de eco de opiniões pré-mastigadas com base em zero competência, deu início a uma nova era que ainda não tem oficialmente um nome, mas está a ficar mais poderosa a cada milissegundo. A melhor descrição que encontro para este estado atual – e possivelmente final – da evolução da nossa espécie é “A Ditadura do Nada”.
Neste novo e cada vez mais poderoso reino, há pouco lugar para os jornalistas. E também, já agora, para os cientistas.
***
Muitas das guerras que cobri nunca terminaram. Apenas ficaram dormentes, em rescaldo. A maioria – Iraque, Afeganistão, República Democrática do Congo, Síria, Líbia, Somália, Darfur – continuam a arder em fogo lento até hoje, e as suas brasas vão-se espalhando e provocando regularmente explosões de violência nunca antes imagináveis. Nas ainda resplandecentes cidades do Ocidente, os refugiados que essas guerras provocaram são cada vez mais vistos e tratados como lixo nuclear.
A sociedade aberta e livre que sonhámos na Europa, e pensámos ter como herança segura para as gerações futuras, está agora repleta de muros, torres de vigia, arame farpado e insígnias paramilitares que exalam o fétido ressurgimento do racismo, xenofobia e fascismo radical. Todas as velhas divisões ideológicas foram reforçadas. E novas estão a erguer as suas cabeças revoltantes a cada dia que passa.
A nossa memória histórica parece ter-se esfumado e a nossa capacidade de sentir vergonha acabou eutanasiada nas trincheiras do anonimato garantido pela internet. A dor dos outros é agora, na melhor das hipóteses, uma categoria de negócios.
Se o que fazemos tem pouco ou nenhum efeito sobre o mundo, o nosso papel fica, quanto muito, reduzido ao de um observador participante. Podemos ser muito bons nisso, e até vistos como “um sucesso” por outros jornalistas; no entanto, isso apenas acelerou a minha percepção de que muitas saídas em reportagem não eram mais do que safaris do ego.
No Outono de 2016 regressei de Mossul, onde cobri os confrontos selvagens entre as forças do governo iraquiano e o autoproclamado Estado Islâmico. Naquele momento, estava determinado a mudar de profissão. Sentia-me tão cansado e farto da escuridão que me rodeava e ameaçava engolir-me que decidi ser o meu próprio desprogramador, para lenta mas seguramente libertar-me do culto da minha velha e derrotada religião: o jornalismo.
Mas e depois? O que iria fazer? Como poderia reinventar-me neste mundo onde meros reflexos são adorados como reis, onde nada consequente tem qualquer consequência, e onde muitos dos seus membros mais augustos agem como se não houvesse qualquer problema se o sol não voltar a nascer?
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“Olha, já vai sendo tempo de fazermos alguma coisa juntos outra vez! Vamos encontrar-nos para um café? Vamos… não me digas que não tens tempo, como sempre! Só preciso de dez minutos para te apresentar uma ideia. Acredita, vais gostar!”
Este foi, em resumo, o telefonema que recebi do meu amigo e fotógrafo Matjaž Krivic, numa manhã especialmente cinzenta de Outono. Por respeito ao leitor, omiti os palavrões que pontuaram cada frase, e que são quase a sua imagem de marca.
A minha resposta instintiva foi um suspiro profundo. Mais um projeto, mais uma obrigação que vai consumir-me. Eu não tinha acabado de prometer a mim mesmo um intervalo (extremamente necessário), uma hipótese de sair do jogo e ter algum tempo para descansar no banco e refletir?
Mas, por mais que eu o repetisse, o mantra para parar não funcionava. Nunca funcionou.
“Diz lá, então”, respondi um pouco bruscamente. Naquele momento, eu não pensava ceder ao “mestre da persuasão” que o Matjaž consegue ser, com um poder inigualável para destruir barreiras físicas e metafísicas. Nunca encontrei, nos quatro cantos do mundo, alguém que tão infantilmente não quisesse mesmo saber o significado da palavra ‘Não!’
“Regressei agora da Bolívia”, disse-me com um sorriso enigmático, a bebericar o café que acabámos por combinar.
“Salar de Uyuni, no topo dos Andes. O maior salar do mundo – e um dos lugares mais mágicos que já vi, lindo! Perto de 70% das reservas mundiais de lítio estão ali. Aquele lugar está a alimentar os nossos veículos elétricos e praticamente todos os nossos dispositivos eletrónicos, agora e nas próximas décadas! Então, vamos lá: vamos fazer uma história sobre o lítio. Que dizes? Vamos abordá-lo como deve ser, em profundidade, desde a fase da extração até à fabricação dos carros elétricos.”
Foi praticamente tudo que eu precisei de ouvir para ser convencido. Até porque sabia que o Matjaž é uma espécie de diabo, uma equipa de assalto de um homem só, um profissional do fotojornalismo da velha escola, cuja abordagem não convencional e estética única já lhe renderam todos os prémios relevantes no seu campo altamente competitivo.
“Vamos a isso. Quando começamos?”, respondi simplesmente, sem precisar de três segundos para refletir sobre as implicações do que acabara de aceitar.
“Ah sim…?” O Matjaž pareceu ficar mais chocado com a minha resposta do que se eu tivesse insultado brutalmente a sua mãe. Durante alguns segundos ficou a olhar para mim, em silêncio, como que a avaliar-me. E depois sussurrou: “O mais depressa possível.”
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Desde o início, percebemos que o lítio, a força motriz do século XXI, era apenas a nossa porta de entrada para uma história muito maior – o tipo de história que os dois procurávamos há algum tempo. Já havíamos viajado juntos por todo o mundo e fomos vendo as consequências terríveis das alterações climáticas a cada passo.
Sem o sabermos, estávamos ambos à procura de uma forma para contar esta história, que deveria estar na ponta da língua de todos, todos os dias.
Com a ajuda do Matjaž, encontrei sem esforço a minha nova linha de frente. A crise climática é nada menos que uma guerra global, total e abrangente. É a guerra da Humanidade contra si mesma – uma guerra contra as gerações futuras, contra ecossistemas inteiros e contra a própria ordem natural. É um ataque frontal e brutal ao próprio planeta que tão generosamente fornece o nosso sustento. É uma guerra contra o equilíbrio, contra a coexistência. É, em suma, uma guerra contra o próprio conceito de futuro.
A crise climática é a principal e mais crucial linha da frente do nosso tempo. E as nossas perspectivas de vencer esta guerra estão longe de ser boas.
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A Terra está a aquecer mais rapidamente do que os especialistas mais pessimistas previram. Até as estimativas habitualmente conservadoras do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) o confirmam.
A meta estabelecida na Cimeira Climática de Paris em 2015 – limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius até 2100 – já perdeu a validade. O verão de 2021 registou dois dos meses mais quentes na história da medição de temperaturas. Em Verkhoyansk, oficialmente a cidade mais fria da Sibéria, o termómetro fixou um recorde de 37,8 graus Celsius no final de junho de 2020. Não era de admirar, por isso, que Matjaž e eu pudéssemos observar glaciares a derreter na Islândia, quando aquele país insular foi surpreendido por um verão com temperaturas noturnas que facilmente chegavam aos 25 graus Celsius. Aquela era uma nova Islândia, cada vez mais sem gelo, onde os agricultores tiveram que passar a trabalhar à noite, quando o calor permitia recuperar o fôlego – tudo isto nas imediações do Círculo Polar Ártico.
Boštjan Videmšek com o fotógrafo Matjaž Krivic.
No porto de Akureyri, no norte do país, pudemos observar navio após navio a regressar do Ártico – todos eles cheios de rostos chocados e manchados de fuligem, de investigadores que testemunharam incêndios quando deveriam estar a congelar até a morte.
O Alasca, a Gronelândia e a Sibéria começaram a arder todos ao mesmo tempo. O permafrost estava irremediavelmente a derreter – e continua a derreter neste preciso momento. No entanto, todos os especialistas e decisores políticos parecem querer desvalorizar este facto gritante.
O metano, um gás de efeito estufa muito mais devastador para o clima do que o dióxido de carbono, continua a infiltrar-se na atmosfera. Pequenos lagos estão a brotar em toda a camada de gelo, que já não é permanente. Quando, inevitavelmente, o oxigénio é introduzido na equação, o resultado natural são detonações violentas.
Este é um mero vislumbre do que o futuro nos reserva.
É bom que acreditem: esta é uma linha da frente, e não apenas num sentido figurativo. É mesmo uma guerra.
***
Enquanto escrevia este livro, acabávamos de viver os meses de janeiro e fevereiro mais quentes de sempre. A nível global, o Inverno parece ter sido praticamente inexistente. À medida que os gerentes dos resorts de esqui na Europa finalmente descobriam que os seus negócios não teriam mais viabilidade, vastas áreas da Austrália iam ardendo. Mil milhões de animais morreram em poucas semanas – uma informação que foi descartada como um mero dano colateral, se tanto.
A Austrália, vale a pena lembrar, é o continente mais exposto às alterações climáticas.
Este cenário apocalíptico surgiu logo após os incêndios na floresta amazónica. Num piscar de olhos, ficámos acostumados a imagens de tal forma devastadoras como se fossem tão irreais como os clímax dos reality shows ou de outros programas e espetáculos medíocres, nos quais grande parte da população vai encontrando refúgio.
A lista continua, e continua.
A sexta extinção em massa está aí, e está diretamente ligada às ações e aos efeitos da Humanidade no planeta. Neste momento, a Terra suporta apenas metade da vida selvagem que existia em 1970. A raça humana representa trinta por cento de todos os vertebrados existentes. Sessenta e sete por cento são animais de criação, enquanto os vertebrados que vivem em estado selvagem estão reduzidos a uns míseros três por cento.
Que dizer da morte da Grande Barreira de Corais da Austrália, ou do desaparecimento de 80% dos insetos do planeta? E sobre os oceanos letalmente quentes? De acordo com um estudo de 2015 publicado no The Journal of Mathematical Biology, a taxa de aquecimento atual levará a que, em 2100, a produção de oxigénio pelo fitoplâncton possa acabar, porque as temperaturas mais elevadas vão perturbar o processo de fotossíntese. Isso ditaria a mortalidade em massa de animais e humanos.
E que dizer do ‘holocausto negro’ perpetrado em todo o mundo pelos lobbies dos combustíveis fósseis, cuja sede de lucro continua a ser a maior força motriz por trás do cenário da nossa morte iminente? Ou das correntes marinhas, que mudam subitamente, ou das emissões cada vez maiores de dióxido de carbono para a atmosfera?
E que dizer dos ursos polares, que precisam de nadar em média 200 quilómetros sem parar para encontrar um pouso firme, enquanto o seu habitat natural continua a derreter à sua volta, e precisam já de caçar baleias para sobreviver?
Ou, para os mais frios entre nós: que dizer do custo de tudo isto para a economia global, estimado em 1,2 triliões de dólares em 2018?
Que tal vos parecem as flores de primavera brotando em janeiro no cume dos Alpes? E as hordas de refugiados provocados pelo clima, que vão influenciar dramaticamente o nosso futuro muito próximo? Segundo estimativas de 2018 do Banco Mundial, os efeitos das mudanças climáticas vão afastar 143 milhões de pessoas das suas casas em 2050, só na Ásia, África e América Latina.
Esta é também a história de um mundo a secar rapidamente. Um mundo cujo destino está a ser cada vez mais determinado por uma série de guerras pela água. Um mundo que pensávamos conhecer e que agora está a desintegrar-se rapidamente, enquanto continuamos a dormitar na frente à televisão.
Eu poderia continuar ad nauseam, citar dezenas de cientistas, listar centenas de números, consolidar factos, explicar o que deveria ser claro para qualquer aluno do terceiro ano (e vivemos numa época em que muitos alunos do terceiro ano são realmente mais conhecedores destes perigos do que os seus pais). Mas temi que persistir na invocação dessas provas fosse em vão. Afinal, já foi tudo dito: interminavelmente, incessantemente, enquanto o tempo médio de atenção – a principal vítima desta Era –, encolheu até restar quase nada.
A ciência é clara. No entanto, na maior parte do primeiro mundo, os efeitos das alterações climáticas ainda são arquivados na categoria de ‘algo que acontece a outras pessoas’. Algo longe de uma ameaça real, existencial e que, portanto, dificilmente merece uma resposta contundente.
Vamos colocá-lo sem rodeios: esta crise que avança rapidamente é algo para a qual a nossa evolução nos deixou muito despreparados. Pior ainda, os nossos mecanismos de sobrevivência parecem continuar a dividir-nos, quando não deveríamos olhar a custos para nos unirmos.
Por isso, em vez de recitar números e vomitar ainda mais previsões apocalípticas, o Matjaž e eu decidimos destacar as comunidades e os indivíduos que estão a enfrentar corajosamente esta calamidade. É hora de somar os esforços de todos estes visionários, a verdadeira elite do homo sapiens, homens e mulheres que escolheram não ser arrastados pela onda de indiferença e arrogância que varre o mundo.
A nossa ambição era transformar este livro num monumento a esses intrépidos soldados na linha da frente, que estão a acumular o conhecimento, a experiência e a tecnologia de que precisamos, se quisermos ter alguma chance de lutar pela nossa salvação.
De Tilos, a primeira ilha auto-suficiente em energia no Mediterrâneo, à Islândia geotérmica e completamente orientada para o futuro. Dos promissores desenvolvimentos de energia marítima nas Ilhas Orkney, no nordeste da Escócia, onde a energia excedente já está a ser convertida em hidrogénio “verde”, até à cidade austríaca de Güssing, centrada na biomassa há um quarto de século, e cujos habitantes já conseguiram reinventar como um pólo tecnológico fundamental para o desenvolvimento e produção de energia renovável. Aqui estão todos eles, pedindo humildemente a sua consideração.
Da empresa Climeworks, com sede na Suíça, que captura dióxido de carbono diretamente do ar para injetá-lo no submundo da Islândia, a várias aldeias escandinavas autossuficientes, em plena transformação holística. Do lítio que viaja constantemente entre as salinas bolivianas e as fábricas chinesas de carros elétricos. Da fábrica de incineração de resíduos na Noruega, que planeia armazenar o CO2 capturado em cavernas submarinas, a todos os indivíduos e comunidades que estão por trás desses projetos, levantando as suas vozes para nos lembrar que devemos manter a esperança, a todo o custo.
A tarefa deles – e a nossa – é excepcionalmente difícil. Mas se não estivermos todos à altura da ocasião, iremos desperdiçar a nossa última hipótese.
***
Eu entendo como pode ser difícil para algumas pessoas acreditar que o cataclismo iminente ainda pode ser evitado – ou que os seus efeitos podem pelo menos ser mitigados.
A evolução da Humanidade ficou marcada, entre outras coisas, por guerras, genocídio, ecocídio, racismo, ganância e todas as formas imagináveis de violência. Depois de mais de duas décadas a cobrir os incontáveis pontos críticos do globo, recebi uma sucessão de insights medonhos sobre o funcionamento da economia global. Um grito de esperança, como o que é apresentado aqui, pode parecer uma forma de dissonância cognitiva. Muitas vezes também eu tenho dificuldade em sentir-me otimista e acreditar que, de facto, algo ainda pode ser feito.
“Um escritor não deve esperança a um leitor”, escreveu o lendário ativista ambiental Bill McKibben no livro ‘Falter’ (Ed. Henry Holt and Co., Nova Iorque, 2019).“A sua única obrigação é a honestidade – mas quero que quem pegue neste livro saiba que o seu autor vive num estado de envolvimento, não de desespero. De outra forma, não me teria dado ao trabalho de escrever o que se segue.”
Não poderia concordar mais com estas palavras.
Se há mensagem que eu e o Matjaž queremos transmitir com este livro, é esta: existem pessoas que estão a ser capazes de controlar o cinismo e o medo, focando a sua energia na busca ativa de soluções.
Mesmo que já estejamos no prolongamento e a perder por 4-0, estes bravos guarda-redes e médios-defensivos continuam a correr, a atacar e a deixar o seu coração em campo. E assim vão continuar, até ao apito final.
Este é um livro sobre esta equipa especial, e sobre os indivíduos heróicos que a constituem. Se eles falharem, a esperança não será a última a morrer. Os últimos a morrer serão os nossos filhos e os nossos netos.
O PÁGINA UM vasculhou milhares e milhares de registos de reacções adversas das vacinas contra a covid-19 em grávidas. Apesar do obscurantismo generalizado, que dificulta análises estatísticas e nem sequer permite calcular a incidência, a pesquisa do PÁGINA UM apurou a existência de mais de 5.300 casos de reacções consideradas graves, entre as quais 3.385 abortos e 246 mortes fetais. A vacinação em grávidas, feita de forma massiva, não foi precedida de ensaios clínicos e a Agência Europeia do Medicamento escreveu em Dezembro passado que ainda está em processo de monitorização, mas nem uma palavra sobre os milhares de casos já notificados na base de dados da EudraVigilance. Cá em Portugal, o Infarmed não diz nem uma palavra a respeito do assunto, preferindo lutar no Tribunal Administrativo de Lisboa pela manutenção do obscurantismo. Não estará na altura de falar com e sobre as grávidas?
A farmacovigilância, conforme conceito definido pelo Infarmed, “visa melhorar a segurança dos medicamentos, em defesa do utente e da Saúde Pública, através da deteção, avaliação e prevenção de reações adversas a medicamento(s)”. E para isso, o regulador nacional, presidido por Rui Santos Ivo, tem um Sistema Nacional de Farmacovigilância para “monitoriza[r] a segurança dos medicamentos com autorização de introdução no mercado nacional, avaliando os eventuais problemas relacionados com reações adversas a medicamentos e implementando medidas de segurança sempre que necessário.”
Assim, em princípio, deveríamos ficar descansados quando, lendo o mais recente Relatório de Farmacovigilância de monitorização da segurança das vacinas contra a covid-19 em Portugal, relativo aos dados recebidos até finais de 2022, ali se garante que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a covid-19 são seguras e efectivas”. É certo que, mais adiante, surgem números sobre reacções adversas, sendo que 8.518 notificações as classificam como graves, indicando-se ainda que 886 levaram a hospitalização, mais 309 causaram risco de vida e houve mesmo 143 mortes. O Infarmed, neste último caso, indica apenas a mediana (72 anos), o que significa que não informa ao certo a idade das pessoas vitimadas.
Para uma doença à qual se atribui, só em Portugal, já um pouco mais de 26 mil mortes, termos como “efeito secundário” das vacinas, por “fogo amigo”, 143 mortes, poderia até ser socialmente aceitável. Ainda mais se fosse mesmo verdade aquilo que epidemiologistas como Henrique Barros asseguram: que em 2021 as vacinas “salvaram”2.300 vidas, e que em finais de 2022 já iam em 12.000 vidas. Mas estudos concretos sobre esses milagres, nunca ninguém publicamente os viu.
Na verdade, subsistem fortes dúvidas sobre o rigor e exactidão do relatório do Infarmed. As lacunas e a forma enviesada como os dados numéricos são apresentados mostram-se mais serpenteantes do que as bulas dos medicamentos escritas pelas farmacêuticas e autorizadas pelo regulador.
Com efeito, não há nem nos outros nem neste mais recente relatório do Infarmed – em que se anuncia ser o último, numa tentativa de se enterrar polémicas, alegando-se haver já “um conhecimento mais robusto do perfil de segurança destas vacinas”, o que é uma criminosa falsidade – uma só referência a “grávidas”, “aborto” ou “morte fetal”. Poder-se-ia dar o caso de, enfim, ser questão irrelevante. Não é, pelo contrário: tem sido exclusivamente na fase da farmacovigilância que se pode observar os efeitos adversos de medicamentos sobre as grávidas e fetos.
Como se refere na introdução de um recente artigo de revisão na revista científica Obstetrics, sugestivamente intitulado “Covid-19 vaccination in pregnancy: need for global pharmaco-vigilance”, por “razões éticas, os ensaios clínicos não puderam ser conduzidos para estudar os efeitos da vacina contra a covid-19 durante a gravidez”. Deste modo, apesar de os autores do artigo até se manifestarem favoráveis à vacinação em grávidas, não apresentam qualquer análise custo-benefício e admitem que a vacinação massiva se iniciou com informações de segurança provenientes apenas de algumas mulheres que participaram nos ensaios sem conhecer o seu estado.
Por tudo isto, só pode, no mínimo, causar estranheza que o Infarmed não esclareça expressamente – será essa, esperar-se-ia, a sua função – se foram ou não relatados casos de abortos e mortes fetais associados às vacinas contra a covid-19 em Portugal. Mas não há uma linha sequer. Um zero. Qualquer coisa.
E haverá. Só pode haver. Estatisticamente, havendo cerca de 5 milhões de gravidezes por ano no Espaço Económico Europeu – já incluindo as não concluídas –, só um estranho milagre evitaria que não tivessem sido reportadas reacções adversas graves associadas às vacinas contra a covid-19 em grávidas em solo português, porque Portugal tem um peso de 2% em todos os nascimentos (e gravidezes) desta região europeia. Portanto, será sensato admitir que 2% das gravidezes venham a corresponder a 2% das reacções adversas graves, ou valores não muito longe isto; a menos, claro, que haja milagres.
Número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) no Espaço Económico Europeu por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.
E é uma evidência que essas reacções graves existem,porque têm sido reportadas. Com efeito, de acordo com uma análise exaustiva feita pelo PÁGINA UM a todas as notificações recebidas desde 2021 até à primeira semana de Fevereiro deste ano pela Eudravigilance – o sistema que recebe as notificações, e as valida, sobre os efeitos adversos dos diversos fármacos –, contabiliza-se um total de 5.336 casos considerados graves de reacções adversas associadas às diversas vacinas da covid-19 durante as fases de gravidez, puerpério e condições perinatais. Estes números englobam os países da União Europeia e também Noruega, Islândia e Liechtenstein.
Saliente-se que, por regra, a inserção destas notificações de casos classificados como graves (serious, na terminologia usada pela EMA) é feita por profissionais de saúde e, em grande parte dos casos, pelas próprias farmacêuticas. Ou seja, existem evidências clínicas para uma fortíssima suspeita de reacção adversa causada pelas vacinas contra a covid-19, e não uma mera relação casual, não uma mera coincidência.
A nível europeu, de acordo com os dados da EMA, o ano de 2021 foi aquele que registou o maior número de casos graves, com o total de 3.020, quase todos a partir de Março, uma vez que os idosos foram prioritários na primeira fase dos programas vacinais da generalidade dos países europeus. Na Eudravigilance apenas se encontram, assim, 27 registos de reacções adversas graves em Janeiro e Fevereiro de 2021. Mas mesmo havendo já reacções adversas graves, decidiu-se partir para uma vacinação massiva de grávidas nunca visto.
Destaque-se que, em Junho de 2022, um artigo científico de revisão e meta-análise publicado na revista American Journal of Emergency Medicine concluiu que, apesar de existir um aumento do risco de internamento em unidades de cuidados intensivos e de ventilação em caso de infecção por covid-19, a taxa de mortalidade nas grávidas não era estatisticamente maior em comparação com as não-grávidas.
Em 2022, o número de reacções adversas graves em grávidas desceu para 2.244, ignorando-se se se deveu a um menor número de vacinas administradas neste grupo específico. Este ano contabilizaram-se apenas 72 casos, o que pode indiciar que o número até Dezembro venha a ser muito menor do que em anos anteriores, mas não se sabe ainda se se deve ao muito menor número de grávidas a quererem vacinar-se ou ao melhor perfil de segurança das vacinas bivalentes.
Como em tudo o que se tem visto neste processo de vacinação, muita informação ainda está em fase de recolha, parecendo que se assiste a um mega-ensaio clínico em tempo real para se saber se corre tudo bem ou não.
Número de abortos e mortes fetais por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) no Espaço Económico Europeu por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.
Esta evolução absoluta dos casos graves tem pouco significado sequer para traçar o perfil de segurança nas grávidas das vacinas contra a covid-19, no geral, e das diversas marcas, em particular. Não se encontra qualquer informação na EMA nem em outro qualquer organismo europeu sobre o número de doses administradas às grávidas por ano, e muito menos quais os números por marca. A falta de informação é intencional: deste modo, torna-se impossível calcular a incidência de efeitos graves.
O relatório de segurança do regulador europeu de 8 de Dezembro passado dedica às grávidas uma breve referência final em uma única frase, por sinal a última de um texto de nove páginas: “Além disso, a EMA está a coordenar estudos observacionais nos Estados-Membros, analisando dados do mundo real de prática clínica para monitorizar a segurança e a eficácia das vacinas contra a covid-19, inclusive em mulheres grávidas” [“In addition, EMA is coordinating observational studies in EU Member States looking at real-world data from clinical practice to monitor the safety and effectiveness of COVID-19 vaccines, including in pregnant women”].
Esta lapidar frase, cheia de coisa nenhuma, a não ser incerteza, escrita dois anos após o início da vacinação, diz muito, ou demasiado, da forma cega como se administrou as doses em grávidas – ainda mais sem nunca se ter evidenciado serem estas um grupo particularmente de risco, até porque a generalidade é jovem e saudável.
Por esse motivo, mostra-se enganador sequer comparar directamente o número de reacções adversas entre as diversas farmacêuticas. Por exemplo, apesar de as vacinas da Pfizer, sobretudo a primeira (Tozinameran), serem suspeitas de causar 3.297 reacções adversas graves (62% do total), o seu perfil de segurança até poderá ser melhor do que as de outras vacinas, uma vez que 73,3% de todas as quase 934 milhões de doses administradas no Espaço Económico Europeu eram desta farmacêutica norte-americana. Além disso, seria necessário saber especificamente a quantidade de grávidas que tomaram cada uma das vacinas, e em que anos, bem como as suas idades e condições de saúde, confrontando com a incidência de reacções adversas.
Mesmo com esta falta absurda de informação – sendo que as grávidas propriamente ditas ainda estarão mais na ignorância –, causa estupefacção observar que a vacina da AstraZeneca causou 756 reacções adversas graves neste grupo de mulheres. Isto sabendo que foram administradas apenas 68,8 milhões de doses na globalidade das idades (sendo que nunca a menores), valor que contrasta com as 685 milhões de doses da Pfizer (quase 10 vezes mais) e as 161 milhões de doses da Moderna (134% a mais, no global, mas “apenas” mais 50% de reacções adversas graves em grávidas).
Em suma, não terá sido indiferente para as grávidas, do ponto de vista do risco, a marca de vacina administrada. As grávidas (e as outras pessoas) sabiam? Não. Foi-lhes dada escolha? Não.
A panóplia de reacções graves detectadas pelo PÁGINA UM na base de dados da EudraVigilance são vastas e nem sempre fáceis de catalogar. Porém, no caso das grávidas, além do risco da sua própria morte, o mais grave dos efeitos adversos graves notificados na EMA parece óbvio: a morte da “criança” em formação, ou tecnicamente, do feto.
E aí, apesar do regulador português presidido por Rui Santos Ivo – que, desde Dezembro de 2021, luta tenazmente, agora no Tribunal Administrativo, para não ceder ao PÁGINA UM os dados administrativos do Portal RAM com informação anonimizada – nem sequer se dignar a fazer referência às reacções adversas em grávidas e nos fetos (talvez por os considerar sem personalidade jurídica), e a EMA adiar o assunto para as calendas, os registos da Eudravigilance mostram os frios números de vidas perdidas.
De acordo com a análise individual do PÁGINA UM às 5.336 reacções graves em grávidas desde 2021 – a base de dados da Eudravigilance apenas permite descarregar em formato de folha de cálculo uma síntese das notificações –, aparecem 3.385 abortos (a esmagadora maioria com a indicação de serem espontâneos) e mais 246 mortes fetais desde Janeiro de 2021. Ignora-se a distribuição por países.
Estimativa do número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) em Portugal por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.
Mais de duas em cada três reacções adversas graves (68%) em grávidas resultaram, assim, na perda da criança – chamemos assim por dignidade. Também aqui o ano de 2021 foi o pior, havendo registos de 2.039 abortos e 144 mortes fetais.
O peso no total das reacções consideradas graves foi, contudo, superior (72%) à média. Em 2022, essa percentagem desceu para 62%, ou seja, notificaram-se 1.305 abortos e 96 mortes fetais para um total de 2.244 casos graves. O presente ano tem ainda poucos casos para se tirar uma tendência, mas a proporção é, por agora, próxima da dos anos anteriores.
Mais uma vez, como referido para os casos graves totais, não se mostra possível aferir qualquer sinal sobre o perfil de segurança de cada uma das vacinas, mas tudo aparenta que existam diferenças significativas. Por outro lado, aparentemente, a diminuição de mortes de crianças antes do nascimento entre 2021 e 2022 deverá estar mais associado a uma menor procura de reforços neste segundo ano do que a uma melhoria da segurança. Porém, reitera-se: sem disponibilização de dados fiáveis, a especulação manter-se-á sempre.
Se a especulação não é aconselhável, a falta de dados – por intencional obscurantismo de entidades públicas e do Ministério da Saúde – também não deve causar uma completa ausência de debate. E uma coisa parece assim evidente: com os valores de abortos e mortes fetais nos países do Espaço Económico Europeu, será estatisticamente impossível que as mulheres portuguesas grávidas não tenham sido afectadas pelas vacinas contra a covid-19.
Com efeito, se estimarmos a ocorrência de 100 mil gravidezes por ano em Portugal (um valor que já considerará os abortos espontâneos em condições naturais), significa que o nosso país tem um peso da rondar os 2% no total de gravidezes no Espaço Económico Europeu. Ora, se se aplicar esse peso à totalidade dos efeitos adversos, então em Portugal terão já ocorrido 108 casos graves de reacções adversas em grávidas, das quais 61 em 2021, mais 46 no ano passado e apenas uma este ano.
Estimativa do número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) em Portugal por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.
Considerando as fatalidades, será de supôr então que tenham ocorrido – a menos que o Santo Ivo, esse, o padroeiro dos advogados venha argumentar com um milagre – 68 abortos e quatro mortes fetais em Portugal desde 2021. As estimativas podem ser feitas por farmacêutica.
Este número pode, em termos absolutos, e do ponto de vista estritamente de Saúde Pública, ser considerado um número aceitável? Depende. Primeiro, qualquer que seja este valor, são vidas individuais que se perderam, dramas que se vivenciaram.
Segundo, tem de se colocar uma questão essencial: valeram a pena essas vidas perdidas ou foram em vão? Quantas grávidas se salvaram por haver este programa de vacinação massivo para um grupo onde não existiam (e continuam a escassear) estudos de segurança sobre as vacinas contra a covid-19? Quantas mortes de grávidas houve em Portugal pela covid-19 antes das vacinas? Que se diga, mas sem mentiras.
E, sobretudo, disponibilize-se essa informação às grávidas. O consentimento informado só pode exercer-se com informação. Não com omissões intencionais, não com obscurantismo deliberado, não com falsidades descaradas.
O PÁGINA UM divulga os registos individuais (obviamente anonimizados) das notificações desde 2021 dos efeitos adversos graves da base de dados da Eudravigilance, gerida pela EMA, relacionadas com grávidas. Decidiu-se agrupar os dados por farmacêutica, sendo que em cada ficheiro se encontram todos os registos por ano e por vacina (havendo três da Pfizer e outros três da Moderna). Não se incluíram os ficheiros da Valneva e da Sanofi / GlaxoSmithKline, uma vez que, por serem ainda pouco usadas, não contabilizam ainda reacções adversas graves. Na coluna N de cada folha de cálculo constam as ligações directas para a base de dados do Eudravigilance onde se poderá consultar o respectivo registo de notificação.