Uma parede foi erguida nas arcadas públicas do Hotel Mundial, no Martim Moniz. Não se trata de conquistar Lisboa de novo aos mouros, mas apenas para impedir que os sem-abrigo morram à frente de um supermercado
A lenda de Martim Moniz diz que o guerreiro morreu entalado na porta do Castelo quando estava a ajudar o rei D. Afonso Henriques a conquistar Lisboa aos mouros. Não vamos discutir aqui se esta história é verdadeira – o Castelo não foi conquistado, mas rendeu-se após um cerco de vários meses. O que devemos discutir é a parede que se ergueu nas arcadas públicas do Hotel Mundial, na Praça Martim Moniz.
Martim Moniz AP, ou antes da parede…
Foi em Janeiro passado que se montou a dita parede, no local onde está um supermercado Continente. Esta é uma estrutura tosca, sem qualquer gosto estético que combine com a arquitectura original, frágil e de madeira contraplacada. A intenção era óbvia: impedir que as arcadas servissem de habitação para sem-abrigo.
Um mês antes, um sem-abrigo, que sofria de problemas respiratórios, faleceu naquele mesmo local. Como o negócio do hotel é vender alojamento a troco de dinheiro e o negócio do supermercado é vender comida a troco de dinheiro, sendo que um sem-abrigo precisa de ambos os serviços, mas não tem o dinheiro necessário, então a melhor solução foi a de fechar aquela zona do edifício.
E, com isso, acabou também uma zona de passagem pública – antes de lá estar instalado o supermercado, funcionava uma sapataria, com montra para passagem pública das arcadas, mantendo assim a área limpa.
Como não se pode fazer um decreto a acabar com os sem-abrigo, que “crescem” cada vez mais na cidade, a melhor solução dos responsáveis daquele espaço foi a de mandar colocar ali uma parede. Espera-se que a solução, altamente discutível do ponto de vista arquitectónico e de efeito visual numa área frequentada diariamente pelos turistas – o terminal do famoso eléctrico 28 está ali perto, do outro lado da rua –, tenha respeitado todos os preceitos legais, pois claro.
Martim Moniz DP, ou depois da parede…
Ou alguém iria imaginar que, numa cidade onde uma pessoa não pode mandar fazer uma marquise num telhado sem que isso provoque reacções públicas, uma parede possa ser erguida em pleno centro da cidade sem ter todas e mais algumas autorizações de arquitectos, técnicos municipais e políticos?
Se a solução para impedir a morte de mais sem-abrigo passa por fazer paredes em locais onde eles dormem, então prevê-se que Lisboa, em breve, venha ser uma cidade com muitas paredes. Com a grande maioria a viver fora delas, obviamente.
FDC
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Fonte de receita importante para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – que regressou no ano passado aos lucros, depois de somar prejuízos acumulados de 72 milhões de euros em 2020 e 2021 –, as polémicas “raspadinhas” têm os dias contados aos balcões dos CTT, onde os funcionários tinham instruções para as “impingir” aos clientes. Os impactes sociais para adição a este jogo, sobretudo “praticado” por pessoas em vulnerabilidade económica, são a principal causa para esta medida.
Nova promessa, desta vez com prazo. Agora, são os próprios CTT que garantem que até finais de Junho as polémicas “raspadinhas” deixarão de ser vendidas nos seus balcões.
O anúncio, feito ao PÁGINA UM por fonte oficial da empresa, surge mais de dois meses depois de o ministro das Infraestruturas, João Galamba, ter anunciado na Assembleia da República a intenção do Governo em cessar com a comercialização daquele jogo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que tem vindo a ser acusado de criar adição junto de grupos sociais economicamente vulneráveis.
Em declarações ao PÁGINA UM, os CTT diz que, “tendo em conta os contratos em curso com o parceiro deste produto [SCML], prevê-se que a venda de Lotaria Instantânea (Raspadinhas) nas Lojas seja descontinuada até ao final do primeiro semestre de 2023”, acrescentando que “o processo está a decorrer com normalidade”.
Esta informação não foi confirmada ainda pelo Ministério das Infraestruturas nem pela SCML, sendo certo que o corte nos postos de venda terá um impacte significativo nas receitas da mais poderosa instituição de solidariedade social, historicamente controlada pelo Estado, e que continua num clima de instabilidade financeira.
As contas da SCML de 2021 – com um prejuízo de 20,1 milhões de euros, depois de perdas de 52 milhões de euros no ano anterior – continuam sem ser homologadas pelo Governo. No ano passado, a instituição terá regressado aos lucros (10,9 milhões), estando previsto no próximo mês a entrada em funções, como provedora, da ex-ministra socialista da Saúde, Ana Jorge.
Segundo dados da própria SCML, divulgados há dois anos, quase 80% das pessoas que jogavam raspadinhas integravam as classes baixa e média-baixa. Em média, ao longo do ano de 2020, os portugueses gastaram uma média diária de 4,7 milhões de euros para riscar os cartões deste jogo que representa um pouco mais de metade da facturação no sector dos jogos da SCML.
Entretanto, no mês passado, o Jornal de Notícias dava conta que ”os portugueses gastaram 1.515,2 milhões de euros em raspadinhas durante o ano de 2021, o que dá uma média de 4,1 milhões de euros por dia”. Desde Maio do ano passado, promovido pelo Conselho Económico e Social, tem estado em curso um estudo sobre a adição à raspadinha, por força de um protocolo com a Universidade do Minho, responsável pela investigação, a Apifarma, a Fundação Mestre Casais, a Fundação Manuel António da Mota e a Fundação Social Bancária.
Nos últimos meses, tanto o Bloco de Esquerda como o Livre vinham pressionando o Executivo a proibir os CTT de continuarem o comércio deste jogo.
O deputado único deste segundo partido apresentou mesmo um projecto-de-lei que visava proibir a “venda de bilhetes de lotarias e de lotaria instantânea nas estações e postos de correio”. Nessa proposta Tavares salientava que “o gasto médio por pessoa nestes jogos é de 160 euros por ano”.
Em resposta, no passado dia 10 de Fevereiro, João Galamba já anunciara na Assembleia da República que os CTT apenas se iriam “dedicar precisamente àquilo que o senhor deputado Rui Tavares disse que gostava que os CTT fizessem, que o Governo também gostaria que fizessem e a boa notícia é que a actual administração dos CTT tem a mesma visão”.
O PÁGINA UM consultou em detalhe quase três mil registos individuais da base de dados da Agência Europeia do Medicamento onde o remdesivir surge como fármaco suspeito de causar efeitos secundários graves e de ter contribuído para a morte de mais de 900 doentes-covid. Portugal insistiu, por força de um lobby de médicos, em manter o fármaco da Gilead como terapêutica rotineira. Resultado: o nosso país é o segundo país europeu com mais casos, e as mortes deverão já ultrapassar as duas centenas.
Comercializado pela Gilead, sob a forma comercial de Veklury, o remdesivir foi o antiviral mais “acarinhado” por grande parte dos especialistas portugueses para o tratamento da covid-19, mas as fortes suspeitas de efeitos adversos gravíssimos, incluindo mortes, vão-se acumulando na Agência Europeia do Medicamento (EMA).
De acordo com uma análise detalhada do PÁGINA UM à base de dados da EudraVigilance, desde 3 de Abril de 2020 até á data, foram reportadas 927 mortes associadas à aplicação de remdesivir em doentes-covid– em muitos casos sem autorização nem conhecimento dos pacientes ou familiares.
Apesar de o primeiro ano da pandemia ter sido aquele que regista um maior número de vítimas onde o Veklury é indicado como suspeito de ter contribuído para a morte – em mais de 90% dos casos como o único fármaco suspeito –, este ano surge ainda registos de 68 mortes, das quais 47 com o fármaco da Gilead como único suspeito.
Em 2020, a base de dados da EudraVigilance – que obriga a uma consulta registo a registo, intencionalmente para dificultar os trabalhos de consulta e verificação – aponta para 464 mortes, valor que diminuiu para 190 no ano seguinte. No ano passado foram contabilizadas 205 mortes.
Considerando todas as reacções adversas graves, segundo a classificação da EMA, o ano de 2020 contou com 1.109 casos individuais (doentes), descendo para 818 em 2021, 742 em 2022. Este ano, com o mais recente registo de 14 de Abril (e a última morte no dia anterior), contabilizam-se 211 casos.
A redução dos casos não se deveu propriamente à evolução da pandemia, mas sim ao abandono da terapêutica com o remdesivir contra a covid-19 em muitos países europeus. Itália e Portugal foram as excepções, tendo mantido o uso do Veklury nas terapêuticas.
Recorde-se que, como denunciou o PÁGINA UM, três médicos – Filipe Froes, António Diniz e Fernando Maltez – integraram simultaneamente a equipa de consultores da DGS para a elaboração e actualizações das normas terapêuticas contra a covid-19 e a equipa de consultores da Gilead especificamente para este fármaco, inicialmente produzida para o combate contra o ébola.
Filipe Froes, ao centro, foi um dos médicos que fez parte do lobby da Gilead: era consultor do remdesivir para a farmacêutica norte-americana e integrava simultaneamente a equipa que definia as terapêuticas para a covid-19. Não foi o único.
Em resultado disso, Itália (30,9%) e Portugal (23,0%) concentram, de acordo com os dados da EMA, mais de metade dos casos de reacções adversas para o remdesivir.
Embora a EMA esconda intencionalmente o país de origem das vítimas – e o PÁGINA UM tem um recurso no Tribunal Central Administrativo Sul para ver reconhecido o direito de acesso aos dados anonimizados respeitantes a Portugal –, se a gravidade das reacções adversas no nosso país for proporcional aos casos, mostra-se assim expectável que o remdesivir seja o suspeito principal da morte de mais de duas centenas de portugueses. As estimativas do PÁGINA UM apontam para 214 mortes.
Sendo certo que uma forte suspeita – ainda mais em doentes que se encontravam fragilizados pela covid-19 –, não é garantia de ser causa (embora 927 suspeitas já sejam suspeitas a mais num fármaco que acabou por ser usado com limitações), surpreende sobretudo a cortina de silêncio e o obscurantismo da Gilead e das diversas autoridades nacionais e internacionais sobre os impactes do remdesivir mostra-se intolerável.
Número de casos individuais, percentagem e estimativa do PÁGINA UM das mortes suspeitas associadas ao remdesivir. Fonte: EMA.
Ao longo dos últimos meses, o PÁGINA UM tentou obter reacções tanto da Gilead – a última tentativa foi em 19 de Janeiro – como da Direcção-Geral da Saúde, sem qualquer resposta. O Infarmed tem estado, desde Dezembro de 2021, a lutar para evitar disponibilizar dados sobre o remdesivir, tendo alegado primeiro que a base de dados continha dados nominativos, e agora diz que, apesar de serem anonimizáveis esse processo constituiu uma tarefa que não os obriga por lei a fazê-lo.
Certo é que num caderno de encargos do Portal RAM, onde se encontra integrada a informação nacional sobre as reacções adversas do remdesivir, surge a referência à anonimização da base de dados.
O remdesivir, o primeiro antiviral a ser adoptado para tratamento da covid-19, esteve envolvido desde o início em polémica por a Gilead ter conseguido um acordo especial com a Comissão Europeia. Inicialmente prescrito, embora com fracos resultados, para o vírus ébola, acabou por cair nas graças da Comissão von der Leyen na primeira fase da pandemia, em 2020.
Em 8 de Outubro daquele ano, a Comissão Europeia decidiu assinar um acordo de compra conjunto que literalmente obrigou 36 países comunitários e extra-comunitários da Europa a adquirirem grandes quantidades de remdesivir à Gilead a preços exorbitantes. A Comissão Europeia garantiu um financiamento de 70 milhões de euros para a compra de 200 mil frascos de Veklury.
Para cumprir a parte portuguesa no negócio, logo em 23 de Outubro, a DGS assinou um contrato com a Gilead com vista ao pagamento de um primeiro lote de 54.600 frascos. Custo total: 19.458.000 euros, ou seja, 356 euros por unidade. Em Novembro de 2020, o jornal Le Monde destacava que, apesar de o custo de produção do remdesivir atingir apenas 0,93 dólares por dose – o que implicaria um custo de 5,58 dólares por tratamento –, a farmacêutica vendia-a por um preço 420 vezes superior.
Portugal deveria ter ainda adquirido um segundo lote ao longo de 2021 no valor de 15.018.645 euros – conforme determinava uma Resolução do Conselho de Ministros assinada exclusivamente por António Costa –, mas por razões nunca explicadas pela DGS e pela Gilead, apesar das perguntas do PÁGINA UM, apenas foi assinado um contrato em 12 de Julho de 2021 por um valor simbólico: um pouco menos de 16 mil euros.
Não deve ter sido, contudo, indiferente para este desfecho o desaconselhamento sobre o remdesivir feito ainda em Novembro de 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS); apesar de uma posterior actualização ter passado a recomendá-lo para pessoas não internadas, e nos Estados Unidos tenha sido aprovado pela FDA o seu uso em crianças com mais de três anos também não internadas.
Em Portugal, em determinadas fases, a pressão para se usar remdesivir foi enorme, muito pelo lobby da Gilead junto da DGS e da Ordem dos Médicos. Os médicos que não o prescrevessem poderiam ter problemas disciplinares se os doentes morressem, conforme admitiu em entrevista ao PÁGINA UM o antigo bastonário da Ordem dos Médicos José Manuel Silva.
Quando começaram a surgir os problemas, nunca houve interesse dos reguladores – Infarmed em Portugal, e EMA, a nível europeu – em aprofundar as fortes suspeitas que agora se confirmam com os dados da EudraVigilance. Neste momento, o “fumo” é constituído por 927 mortes em toda a Europa; destas, mais de 200 serão de portugueses. Haverá “fogo”? Ou uma pedra no assunto?
N.D. O PÁGINA UM tem tentado, por todas as vias, obter o acesso detalhado aos dados anonimizados (sem dados nominativos) do Portal RAM, mas a forma como o Infarmed tem procedido mostra a clara intenção de obstaculizar qualquer acesso. Os recursos financeiros do PÁGINA UM, através do FUNDO JURÍDICO, são escassos e a complexidade do trabalho, onde estamos a litigar com entidades que pagam (com dinheiros públicos) mais de 100 euros por hora a advogados, constituem uma luta de David contra Golias. Não deveria ser assim, mas vivemos numa democracia onde a transparência da Administração Pública é já uma quimera. Mesmo se estamos perante questões tão sensíveis como a vida e a morte.
Não têm sido nada pacíficos os bate-bocas entre os deputados do Chega e os das demais forças partidárias. Anteontem, o caldo entornou com uma acesa discussão entre a deputada socialista Edite Estrela, a ocupar a liderança dos trabalhos na Assembleia da República, e o deputado do Chega Pedro Frazão, que envolveu também a sua colega Rita Matias. O PÁGINA UM foi em busca de palavras ofensivas que já se ouviram no Parlamento desde 1974, e fez um best of.
O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, fez já saber, entretanto, que vai levar à conferência de líderes, para discussão, estes sucessivos episódios de aparentes insultos por parte dos deputados do Chega.
Mas será que estes comportamentos mais acesos, que raiam a ofensa e a malcriadez, jamais passaram pelo Parlamento português? Claro que não. Num par de horas, seleccionámos um best of com 10 curtos mas sumarentos episódios, que envolvem desde Francisco Sousa Tavares e Jerónimo de Sousa até António Costa, actual primeiro-ministro, passando por Narana Coissoró, Mário Tomé e Vicente Jorge Silva, fundador do jornal Público. Vale tudo, acreditem: pelas paredes da Assembleia da República já ecoaram palavras como merda, pateta, alarve, idiota, calaceiro, parvalhão, maluco, mandrião, palerma e parvo.
6 de Janeiro de 1982
Jerónimo de Sousa (PCP) – Sr. Deputado Sousa Tavares, a sua voz grossa não me impressiona e, para o acalmar, devo dizer-lhe que sou capaz de falar mais grosso do que o senhor.
Aplausos do PCP.
Sousa Tavares (PSD) – Idiota!
Jerónimo de Sousa (PCP) – Sr. Deputado, o que eu disse foi que o senhor não tinha falado da Turquia. Quanto à afirmação de ignorante, devolvo-a. A situação da Turquia já lá vai há mais de um ano e eu nunca o ouvi falar dela. Já o tenho ouvido falar de tudo sem perceber de nada, diga-se de passagem, menos da Turquia. Por isso, escusa de falar tão grosso. Ignorante é o senhor.
Vozes do PCP – Muito bem!
Jerónimo de Sousa (PCP) – Não se admite que me chame aquilo que me chamou, porque, se for necessário, mais grosso falo eu. Enquanto o senhor tem experiência que referiu, eu tenho a experiência de 15 anos de empresa, de fábrica, de experiência, 5 anos de Parlamento e nunca admiti que nenhum deputado, seja ele quem for, esteja a mandar “bocas” como o senhor. Fale mais vezes, se for necessário, e cale-se, porque não tem o direito de falar como o fez e ofender esta Assembleia.
Francisco Sousa Tavares (1920-1993), chegou a ocupar o cargo de ministro da Qualidade de Vida. Conhecido advogado, esteve casado com a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen e foi pai do jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares.
Aplausos do PCP.
Sousa Tavares (PSD) – Olhe, vá à merda! Idiota! Mandrião! Vá trabalhar, que foi aquilo que nunca fez na vida! Calaceiro!
18 de Fevereiro de 1982
Sousa Tavares (PSD) – Sr. Presidente, Srs. Deputados. Pretendo usar do direito de defesa, uma vez que fui atacado pessoalmente, aliás como é costume. Faço notar à Mesa, até porque ontem se levantou aqui um incidente, que os Sr. Deputados do PCP usam permanentemente uma linguagem de ofensa e de ataque pessoal inadmissível nesta Câmara.
Vozes do PCP – Olha quem fala!
Sousa Tavares (PSD) – É muito mais ofensivo as expressões que usam e as indirectas do que mandar à merda uma pessoa. Isso não ofende ninguém, pois é uma expressão à antiga portuguesa de uma pessoa que está aborrecida.
Jerónimo de Sousa, aos 35 anos, teve aceso confronto verbal com Francisco Sousa Tavares, conhecido pela sua truculenta verve.
7 de Julho de 1982
Borges de Carvalho (PPM) – Dá-me licença, Sr. Presidente?
Sr. Presidente – Faça favor, Sr. Deputado.
Borges de Carvalho (PPM) – Sr. Presidente, queria inscrever-me para uma intervenção, mas de momento pretendia interpelar a Mesa. Acontece que perante algumas manifestações, legítimas, das bancadas da maioria, um Sr. Deputado do PCP teve os seguintes apartes: Chuta cão e parvalhão. Assim, agradecia à Mesa que chamasse à atenção do Sr. Deputado do Partido Comunista.
Presidente – A Mesa não tinha ouvido. Deploramos que se usem termos desse género, mas não vamos…
Jerónimo de Sousa (PCP) – Fui eu, e para vocês ainda era pouco.
Presidente – Vamos ser se sossegam os ânimos para se poder continuar o debate…
7 de Janeiro de 1983
Lemos Damião (PSD) – O meu protesto é no sentido de, em primeiro lugar, pedir ao Sr. Deputado Manuel Alegre para que, com o seu talento, se possível, nos seus momentos de ócio, de boa disposição, faça uns versinhos ao Sr. Deputado Tomé, porque ele, simbolizando , ao fim e ao cabo, o povo, requer uns versos que todos nós, com certo gáudio, poderíamos aceitar de V. Exa. É pena que o Sr. Deputado Mário Tomé, em vez de se chamar Tomé, não tenha outro nome. Se se chamasse Lacerda, eu, que não tenho jeito, certamente teria facilidade em lhe fazer uns versos…
Mário Tomé (UDP) – Se é para o mandar à merda, eu mando-o!
7 de Fevereiro de 1990
João Salgado (PSD) – Sr. Presidente, sucintamente vou responder às perguntas que me foram feitas, começando pelo Sr. Deputado João Amaral respondo-lhe muito calmamente. Primeiro, Sr. Deputado João Amaral, o senhor não referiu qualquer dos problemas que aqui levantei e apenas me perguntou se eu, João Salgado, tenho ou não saudades da gestão do anterior presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Nuno Abecassis. Com certeza que, Sr. Deputado João Amaral, não tenho quaisquer saudades da anterior gestão, mas tenho saudades, isso sim – e já começo a tê-las –, da democracia, porque o que está a acontecer…
O Sr. João Amaral (PCP) – Isto não pode ser! Você é maluco!
João Salgado (PSD) – … em termos de juntas de freguesia, é altamente grave! O Sr. Deputado não referiu nem as ocupações que foram feitas…
João Amaral (PCP) – O senhor “baixe a bolinha” que está a exagerar.
Mário Tomé, nascido em 1940, participou como militar na Revolução dos Cravos e foi deputado da UDP, estando ligado ao Bloco de Esquerda.
7 de Junho de 1991
Narana Coissoró (CDS-PP) – (…) Assim, não podemos deixar de protestar vivamente contra o insulto feito a um órgão de soberania, um tribunal, um órgão fiscalizador do Governo e, acima de tudo, a um cidadão exemplar que cumpre actualmente funções de presidente do Tribunal de Contas.
Risos do PSD.
Narana Coissoró (CDS-PP) – O riso alarve que vejo na primeira fila da bancada do PSD…
Vozes do PSD – Alarve é você!…
Narana Coissoró CDS-PP) – De facto, quando se fala no cidadão exemplar, o Prof. Doutor Sousa Franco, que foi presidente da comissão política do PSD, os deputados actuais do PSD riem-se…
Vozes do PSD – Alarve é o senhor. Esteja calado!
Narana Coissoró CDS-PP) – Com certeza que a bancada do PSD não pode subscrever este riso alarve de deputados da primeira fila.
Joaquim Marques Fernandes (PSD) – Você é um mal-educado! Que falta de educação! Veja lá se as pessoas não se podem rir?!
Narana Coissoró foi um dos mais carismáticos deputados do CDS-PP. Nasceu em 1931.
22 de Março de 1996
Fernando Jesus (PS) – Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, como já foi dito por alguns colegas de bancada, ao ouvi-lo, julgámos que alguma coisa se passava na sua cabeça e que, porventura, precisaria de recorrer a algum centro de saúde, porque, de facto, não está bem da cabeça
Manuel Moreira (PSD) – Isso não tem nível!
14 de Novembro de 2002
Joel Hasse Ferreira (PS) – Sr. Presidente, vou ser ainda mais rápido, se o Deputado Guilherme Silva me permitir. Sra. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, em primeiro lugar, de “impostos sobre o pecado”, o Sr. Deputado sabe, certamente, mais do que eu, por isso não me vou pronunciar…!
Telmo Correia (CDS-PP) – Olhe que não, olhe que não!
Joel Hasse Ferreira (PS) – Quanto à questão da ligação entre o IVA e os impostos especiais sobre o consumo, o Sr. Deputado Jorge Neto enganou-se e aplicou aqui, ao tabaco, um modelo que se aplica a alguns produtos tributados em IVA, mas não exactamente aqui. Neste contexto, a pergunta que faço é esta: o Sr. Deputado entendeu que a proposta do Governo, de que V. Exa. é um dos principais e mais destacados apoiantes…
António Costa (PS) – Explique devagar, porque ele é lento!
Lino de Carvalho (PCP) – Isso não, Sr. Deputado António Costa!
Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) – Ah! Continuamos na senda dos “palermas”?! Isso não se diz, Sr. Deputado António Costa.
António Costa, actual primeiro-ministro de Portugal. Como deputado, nunca se furtou a uns acessos bate-bocas.
14 de Fevereiro de 2003
Vicente Jorge Silva (PS) – Devia começar por pedir desculpas.
Guilherme Silva (PSD) – Sr. Deputado António Costa, quero dizer-lhe que lhe competia ter evitado esta cena patética…
Vozes do PS – Oh!…
Guilherme Silva (PSD) – … em que não esteve apenas envolvido o Sr. Deputado Vicente Jorge Silva, mas toda a sua bancada.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
António Costa (PS) – Pateta é o senhor!…
18 de Janeiro de 2023
Bruno Nunes (Chega) – Mas, entretanto, temos também o novo amigo da coligação, que tem dito constantemente que nada quer com o Chega e que quer linhas vermelhas com o Chega. É quase como aquele amigo que, à quarta-feira, diz “eu, no sábado, não vou jantar a tua casa”, mas que ninguém convidou.
Risos do Chega.
Bruno Nunes (Chega) – É a Iniciativa Liberal. Não os convidámos para nada e vêm aqui preocupadíssimos com o liberalismo progressista que defendem.
Aplausos do Chega.
Bruno Nunes (Chega) – Têm agora, como líder da claque, João Cotrim Figueiredo, que, entretanto, já perdeu o protagonismo da primeira fila.
Risos do Deputado da Iniciativa Liberal João Cotrim Figueiredo.
Patrícia Gilvaz (IL) – Não sejas parvo!
Bruno Nunes (Chega) – Sr. Presidente, não percebi a parte do “não sejas parvo”. A Sra. Deputada Patrícia Gilvaz tem alguma dificuldade com as suas interpretações neste Parlamento.
Patrícia Gilvaz (IL) – Não sejas mais!
Bruno Nunes (CH) – A si, Sra. Deputada, não lhe vou responder. Basta ver como envergonha as mulheres ali de cima, daquele púlpito.
Ministério da Saúde já faz tudo para proteger pneumologista de ser castigado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Na intimação do PÁGINA UM feita no Tribunal Administrativo de Lisboa, o gabinete de Manuel Pizarro decidiu substituir a IGAS, que é o réu no processo, e defende agora secretismo do processo de averiguações por alegadamente estar inserido no inquérito disciplinar que está engavetado há 14 meses. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos advoga que “um documento administrativo, ainda que possa ser utilizado em processo judicial, não perde, só por isso, a sua natureza de documento administrativo”.
Manuel Pizarro já subiu mais um patamar na defesa intransigente do obscurantismo como forma de fazer política: agora, o Ministério da Saúde já se aplica na ingerência de processos disciplinares levados a cabo pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
Depois de em Dezembro do ano passado o gabinete do ministro ter garantido ao PÁGINA UM que aguardaria a conclusão do processo disciplinar levantado pela IGAS ao pneumologista Filipe Froes por forte suspeita de ligações ilegais ao sector farmacêutico, o Ministério da Saúde assumiu agora a defesa do secretismo daquela investigação, que já dura há longos 14 meses.
Filipe Froes, pneumologista. Praticamente em todas as conferências onde participa publicamente recebe contrapartidas financeiras de farmacêuticas, apesar de se manter como consultor da DGS e se assumir, na imprensa mainstream, como perito independente.
Apesar dos longos 14 meses que já dura aquele processo disciplinar, não há conclusão à vista – apenas agora a defesa intransigente de que as provas coligidas até Fevereiro de 2022, que constam num processo de averiguações, sejam mantidas secretas, custe o que custar.
Apesar da IGAS ter autonomia administrativa, as alegações desta entidade – que tem atribuições inspectivas que exigem a máxima independência política – junto do Tribunal Administrativo, em resposta a uma intimação do PÁGINA UM, foram, desta vez, assumidas directamente pelos Serviços Jurídicos e de Contencioso da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde.
O argumento usado pelo Ministério da Saúde, que cita o artigo 10º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, não encontra respaldo com outras situações similares envolvendo a IGAS, o que demonstra uma ingerência política num processo da esfera disciplinar, e que envolve um conhecido médico com ligações à indústria farmacêutica.
De facto, num outro processo de intimação do PÁGINA UM – aliás, favorável – contra a IGAS, em Agosto do ano passado, a defesa foi sempre assumida por aquela entidade, sem participação directa ou indirecta do Ministério da Saúde. Nessa intimação estavam em causa algumas dezenas de processsos instaurados pela IGAS, incluindo o do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais, que viria a redundar no seu afastamento como consultor do Infarmed e na aplicação de uma coima.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde. Quer aguardar pelas conclusões do inquérito a Filipe Froes, mas em vez de se preocupar com a sua reduzida celeridade (corre desde Fevereiro de 2022), tudo faz para manter secreto o processo inicial de averiguações.
Saliente-se, contudo, que apesar de o Ministério da Saúde defender agora, no caso específico do processo que envolve Filipe Froes, que a intimação deveria ser feita contra si, na verdade a IGAS tem sido réu em diversos processos nos tribunais administrativos ao longo dos últimos anos. De acordo com uma consulta do PÁGINA UM à base de dados do Citius, encontram-se 11 processos apenas no Tribunal Administrativo de Lisboa em que a IGAS é classificado com réu – ou seja, foi a entidade directamente requerida, incluindo um levantado pela Ordem dos Enfermeiros em 2019.
Mostra-se assim cada vez mais evidente que Filipe Froes – que recentemente ganhou maior peso institucional, após a eleição de Carlos Cortes para bastonário da Ordem dos Médicos, do qual foi mandatário durante a campanha – goza de uma protecção política do Ministério da Saúde, por ter sido um “porta-voz” mediático na defesa da estratégia governamental durante a pandemia.
Ao invés de determinar a aceleração dos procedimentos para apurar ilegalidades nas ligações entre Filipe Froes e as farmacêuticas – que surgiram logo no Verão de 2021, quando foram conhecidos os montantes que o pneumologista recebia de empresas deste sector, apesar de se manter como consultor da DGS –, o Ministério da Saúde está activamente a obstaculizar o apuramento da verdade.
Até para a publicação de uma antologia de crónicas, escritas para o Diário de Notícias durante a pandemia, Filipe Froes contou com o patrocínio de uma farmacêutica, neste caso da Bial. O montante recebido nunca foi declarado na Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed, como exige a lei.
Refira-se que, nesta fase, não estão já apenas em causa meras insinuações ou suspeitas. O inquérito disciplinar em curso há quase 14 meses, para eventuais efeitos sancionatórios, já que Filipe Froes é funcionário público, surge após a conclusão de um processo de averiguações – que se reveste já de grande formalismo –, ao longo de cinco meses, onde se terão encontrado provas substanciais. Se tal não tivesse sucedido, teria havido um arquivamento.
Evidente se mostra sim a delicadeza política deste assunto, que tem sido tabu na imprensa mainstream, que continua a considerar Filipe Froes como uma referência de independência, mesmo para falar de terapêuticas e medicamentos onde tem evidentes conflitos de interesse.
Ainda esta semana, em declarações ao Diário de Notícias, onde é colunista, Filipe Froes defendia que “há um acréscimo de risco de mortalidade por doença tromboembólica e cardíaca” mas apenas a associada à “após a infeção pelo SARS-CoV-2”, acrescentando ainda que “o risco de morte súbita está aumentado em dez vezes, após a covid-19, que a destruição de células pancreáticas após a infeção aumentou o aparecimento de novos casos de diabetes e que quem tinha doenças crónicas também ficou com a sua comorbilidade agravada após ter contraído a doença”.
Filipe Froes, primeiro a contar da direita, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia, uma “parceria” com o Instituto Superior Técnico, onde terão resultado relatórios que a instituição universitária defende terem sido afinal “esboço[s] embrionário[s], que consubstancia[m] mero[s] ensaio[s] para eventua[is] relatórios].”
Ou seja, o pneumologista descartou qualquer hipótese (académica que seja) de existirem efeitos adversos das vacinas a causar essa mortalidade excessiva. Saliente-se que Froes é consultor ou palestrante de todas as farmacêuticas que produzem vacinas contra a covid-19 administradas em Portugal (Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Jannsen).
A confirmação de delitos com efeitos disciplinares por parte de Filipe Froes poderia assim trazer consequências políticas e públicas, sendo esta uma das explicações para o processo não ter um fim, nem ser possível consultar qualquer diligência tomada pela IGAS desde Setembro de 2021.
Recorde-se que após a recusa da IGAS em libertar o acesso ao processo de averiguações a Filipe Froes, iniciado em Setembro de 2021 – que resultaria na instauração formal de um processo disciplinar em 19 de Fevereiro de 2022 –, o PÁGINA UM apresentou há cerca de um mês e meio uma nova intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.
Filipe Froes, ao centro, foi mandatário do actual bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes (quarto a contar da esquerda).
Neste procedimento alegava-se que, de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, “o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar”, e que “o acesso ao conteúdo de auditorias, inspeções, inquéritos, sindicâncias ou averiguações pode ser diferido até ao decurso do prazo para instauração de procedimento disciplinar.”
Significa isso que o processo de averiguações às práticas suspeitas de Filipe Froes – formalmente concluído em 19 de Fevereiro de 2022 – já deveriam estar disponíveis, na pior das hipóteses em 19 de Fevereiro deste ano. E, na verdade, o conteúdo do processo de averiguações até deveria estar disponível a partir da decisão do inspector-geral Carlos Caeiro Carapeto em instaurar o processo disciplinar ao médico Filipe Froes – que se tornou figura pública durante a pandemia, enquanto era simultaneamente consultor da Direcção-Geral da Saúde (na definição das terapêuticas anti-covid) e de farmacêuticas com interesses comerciais directos à pandemia.
De facto, o processo de averiguações – uma fase formal dos procedimentos da IGAS – terminou com o despacho do inspector-geral da IGAS que, face à gravidade dos indícios apurados, decidiu existir matéria suficiente para um processo de inquérito disciplinar.
Porém, 14 meses depois, o processo mantém-se inconcluso – e, aparentemente, ao contrário de existirem manifestações para o terminar, há sim movimentações para tudo manter secreto.
Aquando da solicitação do PÁGINA UM à consulta do processo de averiguação ao pneumologista – que, aliás, deveria ter sido incluído num vasto pedido que já culminara numa sentença anterior do Tribunal Administrativo de Lisboa, mas sobre o qual a IGAS preferiu omitir por não ser claro que o nosso pedido incluía o processo de Filipe Froes – aquela entidade inspectiva recusou tal pretensão, alegando que “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, incluindo, naturalmente o inquérito que o precede”, invocando mesmo uma norma da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Porém, nessa norma nada se refere sobre o inquérito precedente, neste caso o processo de averiguações, uma vez que simplesmente se diz que “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, podendo, contudo, ser facultado ao trabalhador, a seu requerimento, para exame, sob condição de não divulgar o que dele conste.” Por agora, o PÁGINA UM pretende pelo menos ter acesso ao processo de averiguações e ao despacho para a abertura do processo disciplinar.
Agora, nas alegações junto do Tribunal, o Ministério de Manuel Pizarro segue a mesma estratégia para manter o processo de averiguações secreto: os documentos encontram-se anexados ao processo de inquérito ainda em curso. No entanto, saliente-se que o entendimento da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), presidido pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira, terá sido muito claro sobre esta matéria: “um documento administrativo, ainda que possa ser utilizado em processo judicial, não perde, só por isso, a sua natureza de documento administrativo”. Ou seja, a existência de processos judiciais ou outros que têm carácter secreto não pode servir de truque, através da sua inserção, para abranger outros documentos politicamente sensíveis.
Essa postura da CADA foi, aliás, explicitamente utilizada num célebre parecer da CADA de 13 de Outubro de 2021 que concedeu razão ao ex-primeiro-ministro José Sócrates no acesso ao inquérito à distribuição da Operação Marquês. O Conselho Superior da Magistratura alegava que os documentos desse inquérito eram secretos por terem sido inseridos em processo judicial ainda em segredo de justiça, mas a CADA considerou que eram, à mesma, documentos administrativos e que deveriam ser acessíveis.
Os dois primeiros meses deste ano confirmam uma tendência do crescimento da procura dos aeroportos portugueses acima dos níveis pré-pandemia. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, que divulgou hoje dados referentes a Fevereiro deste ano, já se contam cinco meses (desde Outubro de 2022) com afluência de passageiros superior aos meses homólogos no período anterior à pandemia. Depois de uma valente queda provocada pelas restrições às viagens aéreas, que causou um descalabro sem precedentes na aviação comercial, o sector está agora com novas “asas”.
Já não há “vestígios” da pandemia nos aeroportos portugueses, e isso vê-se pelos números de passageiros que passaram pelos aeroportos nacionais no último semestre. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), a afluência total ao longo de Fevereiro deste ano confirma mais uma vez, pelo sexto mês consecutivo, mais do que uma recuperação: um crescimento sustentado.
Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro do ano passado, os números dos passageiros aerotransportados já tinham sido superiores aos dos meses homólogos de 2019. Agora, os dois primeiros meses de 2023 também apresentam valores acima de Janeiro e Fevereiro de 2020, antes do início das fortes restrições politicamente impostas às viagens aéreas por causa da pandemia.
Nos dados divulgados hoje pelo INE ficou-se a saber que em Fevereiro passado passaram pelos aeroportos nacionais 4.042.000 de passageiros, representando um acréscimo de cerca de 8% face ao período homólogo de 2020. Em comparação com Fevereiro de 2022, quando ainda se aplicava a obrigatoriedade de certificado digital e/ ou de testes à covid-19, o crescimento é de 55,6%.
Recorde-se que, em Fevereiro de 2022, o Governo decretou o fim da exigência de um teste negativo para a entrada em Portugal, mas ainda vigorava a obrigatoriedade de apresentação do certificado digital covid-19, ou seja, que atestasse a vacinação ou a recuperação (por um período de seis meses). Só em Julho de 2022 é que a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) anunciou o fim da imposição de teste ou certificado nas fronteiras portuguesas.
O INE revelou ainda que em Fevereiro passado registou-se uma média diária de 73,6 mil viajantes a aterrar em Portugal – um aumento de 54,1% face ao mesmo mês de 2022, e de 13,1% em relação ao período homólogo de 2020. Nessa altura, os efeitos da pandemia, que não tinha sido ainda identificada em Portugal, não se faziam sentir no tráfego aéreo. No entanto, foi precisamente a partir de Fevereiro de 2020 que o movimento de passageiros caiu a pique e “tombou” entre Abril e Junho. Aumentou posteriormente, mas mantendo-se baixo durante os restantes meses do ano.
Número de passageiros nos aeroportos portugueses entre Janeiro de 2019 e Fevereiro de 2023. Unidade: milhares. Fonte: INE.
Saliente-se que já desde Abril de 2022 que se verificava uma recuperação significativa no sector da aviação comercial, com o número de voos a aproximar-se bastante do registado em 2019.
Os dados do INE também revelam que no segundo mês deste ano foram mais os que entraram em solo nacional do que aqueles que o abandonaram. Porém, em ambos os casos, as deslocações tiveram lugar maioritariamente dentro da Europa, perfazendo estas cerca de 68% nos voos internacionais.
A França foi, em simultâneo, o principal país de chegada e de partida dos voos. Entre os que embarcaram, para além da França, a maioria rumou ao Reino Unido, a Espanha, a Alemanha e a Itália. O ranking foi semelhante para os desembarcados, com apenas uma diferença assinalável: o Brasil foi o quinto país de onde chegaram mais passageiros, e não a Itália.
A seguir à Europa, o continente americano foi a região mundial mais representada no tráfego internacional, tanto no destino como em origem.
O aeroporto de Lisboa manteve a sua primazia como origem e destino dos passageiros no sector da aviação comercial. Nos primeiros dois meses deste ano concentrou 56,3% do total a nível nacional, o que significou um aumento de 4,5% face ao período homólogo de 2020.
No Porto, o aeroporto Francisco Sá Carneiro, também movimentou mais passageiros do que no primeiro ano da pandemia, com um incremento na ordem dos 3%, tendo ficado em segundo lugar no ranking, com 22,8% do total de passageiros transportados. Entretanto, o aeroporto da Madeira “destronou” do pódio o de Faro, registando a terceira maior afluência, com 636 mil passageiros.
No transporte aéreo de mercadorias, porém, o cenário contrasta com o de passageiros. O movimento de carga e correio sofreu um decréscimo de 3,5% face a Fevereiro de 2020, e de 2,2% comparativamente com o mesmo mês do de 2022. Tendo registado uma quebra assinalável ao longo de 2020 e nos primeiros meses de 2021, na segunda metade daquele ano este tráfego já denotava um regresso à normalidade, e em 2022 ultrapassava até, em grande medida, os valores de 2019.
No comunicado de divulgação destes dados, o INE destaca que o tráfego aéreo de passageiros é “tipicamente influenciado por flutuações sazonais e de ciclo semanal, e foi significativamente afectado pelo impacto da pandemia”.
No entanto, os dados dos últimos cinco meses confirmam a tendência de retoma da normalidade com um apreciável crescimento, augurando assim uma época estival até acima da registada no Verão do ano passado, já próxima dos níveis anteriores à pandemia.
Em Portugal, o PÁGINA UM é o único jornal português que luta para a obtenção de informação sobre a pandemia. Mas não é o único na Europa nem no Mundo. Esta semana, o histórico jornal Le Parisien, numa luta em todo idêntica às encetadas pelo PÁGINA UM, obteve uma vitória contra o obscurantismo das entidades governamentais: o Tribunal Administrativo de Paris obrigou o Ministério da Saúde a revelar publicamente uma auditoria à gestão da covid-19 feita há mais de dois anos.
O Governo francês foi obrigado pelo Tribunal Administrativo de Paris a revelar ao jornal Le Parisien – Aujourd’hui en France um relatório mantido secreto de avaliação da primeira fase de gestão da pandemia da covid-19. E também a pagar 2.000 euros de custas do processo ao jornal parisiense, que conta, na capital francesa, com uma tiragem média diária de 184 mil exemplares, bem superior a qualquer periódico português.
A sentença, revelada esta semana pelo jornal regional francês – criado no tempo da Resistência Francesa na II Guerra Mundial –, anula uma decisão do Ministério da Saúde do Governo Macron de não transmitir um relatório da Inspeção-Geral de Assuntos Sociais (IGAS) extremamente crítico à gestão política nos primeiros meses da epidemia.
O obscurantismo e o show off em França durante a pandemia foi muito similar à verificada em Portugal. Em França, tal como em Portugal, poucos foram os jornais que não aceitaram a recusa de informação. Em França, o Le Parisien; em Portugal, o PÁGINA UM.
O percurso do jornal francês até à obtenção desta vitória da transparência apenas em tribunal tem contornos muito similares aos diversos intentados pelo PÁGINA UM – o único jornal português que recorreu aos tribunais para aceder a informação escondida pelo Governo de António Costa sobre a pandemia. Até pelas entidades a que recorreu e à duração de todo o processo.
Segundo o relato do jornal francês, em Junho 2020, o então ministro francês da Saúde, Olivier Véran, solicitou à Inspecção-Geral dos Assuntos Sociais um relatório sobre a resposta à primeira fase da pandemia. Essa auditoria, intitulada “Feedback da gestão da resposta à epidemia de covid-19 pelo Ministério da Solidariedade e Saúde”, foi-lhe entregue cinco meses depois, em Novembro de 2020.
Mas apenas um número muito pequeno de pessoas no executivo conseguiu vê-lo. O Le Parisien solicitaria o acesso em Fevereiro de 2021, e recorreu depois à francesa Comissão de Acesso a Documentos Administrativos, em Abril, mas sempre em vão.
Notícia do Le Parisien de quinta-feira, actualizada hoje, revelando a vitória nos tribunais para acesso a uma auditoria escondida pelo Ministério da Saúde de França sobre a gestão da primeira fase da pandemia.
O recurso ao tribunal – tal como tem feito o PÁGINA UM – foi a derradeira solução para quebrar o obscurantismo. A petição ao Tribunal Administrativo de Paris, com a ajuda de um escritório de advocacia, foi apresentada em meados de 2021, passando ainda por audiência no Conselho de Estado, e depois regressou ao Tribunal Administrativo de Paris.
O Ministério da Saúde francês alegava – aliás, como já fez o Ministério da Saúde português num processo ainda em recurso – que esse relatório fazia parte de decisões ainda em curso.
Contudo, o Tribunal Administrativo de Paris acabou por considerar que “na ausência de qualquer precisão quanto à natureza e ao momento das decisões que recomendaria adoptar, o ministro da Saúde não demonstra que qualquer decisão foi tomada com base no relatório, ou que as decisões estariam sendo preparadas e que seria inseparável de um processo de tomada de decisão”.
Capa do relatório de 205 páginas que foi escondido pelo Ministério da Saúde de França durante dois anos, e apenas libertado oficialmente por sentença do Tribunal Administrativo de Paris.
Os juízes franceses concluíram assim que “não tem [a auditoria], ao contrário do que se sustenta, o carácter de documento preparatório para uma ou mais decisões administrativas”, ordenando que o Ministro da Saúde transmitisse “este relatório no prazo de 14 dias a contar da notificação da sentença”.
Apesar da auditoria da Inspecção-Geral dos Assuntos Sociais ter sido já divulgada esta semana no seu site – e que o PÁGINA UM colocou já também no seu servidor –, o Le Parisien conseguira acesso por uma “fuga de informação” no início deste ano.
De acordo com o relatório, que abrangeu entrevistas a mais de três centenas de pessoas, para avaliar a resposta nas primeiras fases da pandemia, concluiu-se que a organização de centros de crise de saúde era “muito fluida” e o processo decisório “fragmentado”, onde ninguém pareceu ter “uma visão clara e exaustiva, independentemente de seu nível hierárquico”.
Além disso, ficou patente que os serviços do Ministério da Saúde francês rapidamente se viram “sobrecarregados” e que “não conseguiu organizar-se de forma estruturada e sustentável”, pelo que, em resultado desta atmosfera caótica, vários fracassos surgiram.
O Le Parisien revela, por exemplo, que nas primeiras semanas da crise sanitária cerca de 611 mil idosos residentes em lares acabaram completamente esquecidos.
Saliente-se que em Portugal, apesar dos pedidos do PÁGINA UM, o Governo sempre se recusou a revelar dados estatísticos sobre a mortalidade exacta nos lares de idosos (ERPI) e nunca deu a conhecer a realização de um qualquer relatório de avaliação à resposta dos diversos serviços do Ministério da Saúde.
Muitos destes pedidos podem ainda vir a ser satisfeitos, alguns já em fase de recurso, se os magistrados dos tribunais portugueses decidirem tomar uma linha similar às dos seus congéneres franceses.
N.D. Os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos no decurso das intimações para a obtenção de informações escondidas pelo Ministério da Saúde, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 17 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.
Depois de apagar contratos públicos relativos às compras de vacinas contra a covid-19 no Portal Base, o Ministério da Saúde quis ignorar o Tribunal Administrativo como tem feito com o PÁGINA UM. Mas a juíza do processo não foi pelos ajustes e deu um “ultimato”. Se, pela segunda vez, não responder ao Tribunal Administrativo de Lisboa com aquilo que lhe é solicitado, Manuel Pizarro pode ser condenado como litigante de má-fé. Entretanto, a adesão à vacinação está a aproximar-se do zero: na última semana com dados, apenas se vacinaram por dia menos de 600 pessoas; em Dezembro eram quase 18 mil. Mas Portugal pode estar obrigado a comprar mais doses mesmo que não as administre, daí o interesse em se conhecerem os contratos e as comunicações com as farmacêuticas.
No mês passado, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, quis elevar ao absurdo os padrões de obscurantismo deste Governo no acesso à informação de documentos administrativos públicos, recusando responder ao despacho da juíza que analisa o processo de intimação do PÁGINA UM com vista ao acesso aos contratos de compra de vacinas contra a covid-19 assinados entre a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e as farmacêuticas.
Mas um novo despacho da juíza Telma Nogueira, no passado dia 24 de Março, deixou-o sem margem de manobra, e mandou repetir a notificação para a “Entidade demandada [Ministério da Saúde] (…), em cinco dias, se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pelo Autor [PÁGINA UM] em 06.02.2023, nomeadamente, quanto à existência dos contratos cujo acesso é peticionado nos autos, cf. doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial.”
Nesse requerimento, o PÁGINA UM apresentou provas cabais da existência de quatro contratos integrais – ou seja, as cópias, que estiveram durante mais de um ano no Portal Base –, bem como das páginas expurgadas de quaiquer dados que actualmente constam na plataforma da contratação pública.
A sonegação daqueles quatro contratos foram feitos no Portal Base após a apresentação da intimação pelo PÁGINA UM em 31 de Dezembro do ano passado, e teve o claro objectivo por parte do Ministério da Saúde de convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa que nunca houve contratos assinados por nenhuma entidade da Administração Pública portuguesa e as farmacêuticas.
Além destes quatro, haverá um número indeterminado de outros contratos, uma vez que terão já sido adquiridas cerca de 45 milhões doses de vacinas e os quatro primeiros contratos englobam pouco mais de 10 milhões de doses. Porém, o número de 45 milhões de doses não tem nenhum documento de suporte; são meras indicações transmitidas pelo gabinete de imprensa do Ministério da Saúde aos órgãos de comunicação social. Também se ignora os montantes já pagos pelo Governo português às farmacêuticas.
A notificação ao Ministério da Saúde do despacho da juíza foi concretizada no dia 27 de Março passado, pelo que o prazo de cinco dias termina hoje.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde, nem ordens do Tribunal Administrativo de Lisboa quis respeitar.
Caso Manuel Pizarro dê instruções para não dar mais qualquer informação ao Tribunal, o Ministério da Saúde pode vir a ser condenado, desde já, como litigante de má-fé, conforme requerimento já apresentado no mês passado pelo PÁGINA UM.
Recorde-se que o PÁGINA UM apresentou (mais) este processo de intimação face à recusa do Ministério da Saúde em disponibilizar os contratos assinados entre a DGS e as farmacêuticas para a compra de vacinas contra a covid-19. Numa primeira fase, o Ministério de Manuel Pizarro começou por alegar a existência de uma auditoria em curso à gestão das vacinas, algo que nunca comprovou nem justificou, e que nem conflitua com uma consulta. E também tentou convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que não existiam contratos entre entidades públicas portuguesas e as farmacêuticas.
Tanto num ofício da DGS, assinado por Graça Freitas, enviado ao PÁGINA UM em Dezembro, como num requerimento de defesa do Ministério da Saúde, argumenta-se que, no âmbito da aquisição de vacinas contra a covid-19 se “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, acrescentando que isso “dispensa[ria] os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”.
Despacho da juíza Telma Nogueira a dar ultimato ao Ministério da Saúde. São cinco dias para responder.
Mas isso não é verdade, como comprovou o PÁGINA UM. Durante cerca de dois anos, constaram quatro contratos no Portal Base assinados pela DGS: dois com a Pfizer e outros dois com a Moderna. Os quatro contratos originais encontram-se no servidor do PÁGINA UM.
Porém, estes quatro contratos abrangiam uma percentagem minoritária das cerca de 45 milhões de doses supostamente adquiridas pelo Governo, razão pela qual o PÁGINA UM requereu o acesso aos outros contratos, bem como às guias de transporte e às comunicações entre farmacêuticas e Ministério da Saúde. O objectivo também é de saber se existem indicações sobre compras obrigatórias futuras e cláusulas sobre responsabilidades futuras em caso de reacções adversas graves.
Recorde-se que Portugal terá já gastado mais de 675 milhões de euros com vacinas contra a covid-19, mas está em risco de deitar para o lixo mais de oito milhões de doses, no valor estimado de 120 milhões de euros, face ao desinteresse manifestado nos últimos meses pelos portugueses na toma dos denominados boosters.
Além disso, os acordos assumidos pela Comissão von der Leyen – e que tanto polémica já suscitam – poderão obrigar o Estado a assumir compras obrigatórias de mais 500 milhões de euros de vacinas mesmo que não as administre.
Face às manifestas mentiras do Ministério da Saúde, o PÁGINA UM remeteu ao Tribunal Administrativo de Lisboa um conjunto de provas documentais sobre a existência dos quatro contratos do início de 2021, bem como do “apagão” desses documentos no Portal Base ordenado pelo Ministério da Saúde.
Em consequência, a juíza do processo, Telma Nogueira, exarou um despacho no passado dia 20 de Fevereiro com o seguinte conteúdo: “Notifique a Entidade demandada [Ministério da Saúde] para, em cinco dias se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pelo Autor [PÁGINA UM] em 06.02.2023, nomeadamente, quanto à existência dos contratos cujo acesso é peticionado nos autos, cf. doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial.”
Mas o Ministério da Saúde decidiu simplesmente ignorar a ordem do Tribunal, nem sequer respondendo à juíza Telma Nogueira, consubstanciando assim a prática de litigância de má-fé. De facto, de acordo com o Código do Processo Civil, um litigante de má-fé é a parte que, “com dolo ou negligência grave”, por exemplo, tenha “alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” ou “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”.
Se recusar uma segunda vez, aparentemente não restará à juíza do processo outra opção que não seja considerar que ostensivamente o Ministério da Saúde se recusa a colaborar com um Tribunal.
Ministério da Saúde apagou quatro contratos do Portal Base e nunca publicou um número indeterminado de outros contratos de compra de vacinas contra a covid-19. A intimação do PÁGINA UM pretende fazer luz sobre estes estranhos negócios.
Além do interesse em perceber quais as verbas que foram já gastas pelo Governo português com as vacinas contra a covid-19, o PÁGINA UM pretende verifcar se constam condições específicas para aquisições futuras, daí que tenha requerido também as comunicações entre entidades públicas e as farmacêuticas.
Sabe-se que os compromissos estabelecidos pela Comissão von der Leyen com as farmacêuticas incluem compras adicionais que, aparentemente, não serão usadas. Com efeito, a procura por vacinas contra a covid-19 têm estado em queda livre à medida que a confiança neste fármaco, tanto em termos de eficácia como de segurança, tem decaído.
Por exemplo, em Portugal, de acordo com o último relatório sazonal, relativo à semana 12 deste ano (20 a 26 de Março), apenas foram vacinadas contra a covid-19 uma média diária de 561 pessoas. Em Dezembro do ano passado, na semana 50 de 2022, foram vacinadas 17.960 pessoas por dia. A procura pelo booster sazonal (Inverno) na população com menos de 50 anos terá sido de cerca de 1%, enquanto no grupo etário dos 50 aos 59 anos foi de apenas 45%.
A baixa adesão pode ter, como consequência imediata, a perda de validade de lotes de vacinas. O PÁGINA UM estima que, incluindo as já entretanto destruídas, Portugal venha a desperdiçar oito milhões de doses de vacinas contra a covid-19 no valor de 120 milhões de euros, já pagos às farmacêuticas.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 17 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.
O pneumologista Filipe Froes, figura mediática durante a pandemia e consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), é também um dos médicos com mais conflitos de interesse, devido às suas ligações (em muitos casos promíscuas) com mais de duas dezenas de empresas do sector farmacêutico. Um processo de averiguações da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) foi-lhe levantado em Setembro de 2021, e até resultou num processo disciplinar em Fevereiro do ano passado. Mas tudo está a “marinar” há meses, e a IGAS nem sequer quer mostrar agora os documentos preparatórios, alegando segredo. O “jogo do gato e do rato” terminará com uma decisão do Tribunal Administrativo, por via de mais uma intimação – a única forma que o PÁGINA UM tem tido para aceder a documentos oficiais.
A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) está com um novo processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, intentado pelo PÁGINA UM, por recusar disponibilizar o processo de averiguações levantado ao pneumologista Filipe Froes em Setembro de 2021 por alegadas ligações ilegais à indústria farmacêutica. A intimação visa também obrigar o inspector-geral da IGAS a facultar o seu despacho que determinou esse processo disciplinar, que já dura há mais de 13 meses.
Esse processo de averiguações foi concluído em 19 de Fevereiro do ano passado, tendo resultado na abertura de um processo disciplinar àquele médico, que se destacou como figura mediática durante a pandemia, ao mesmo tempo que era consultor da Direcção-Geral da Saúde – definindo as terapêuticas para os tratamentos – e também consultor e palestrante de mais de duas dezenas de farmacêuticas.
Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde, já perdeu um processo de intimação intentado pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa.
A acção do PÁGINA UM culmina quase um ano de um autêntico jogo do gato e do rato, onde a IGAS se tem furtado a disponibilizar elementos que possam trazer mais luz sobre os meandros das ligações promíscuas entre certos médicos e a indústria farmacêutica.
Em finais de Outubro do ano passado, o PÁGINA UM chegou a obter uma sentença favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder a várias dezenas de processos intentados nos últimos anos pelo IGAS, mas, ao contrário do expectável, não estava ainda incluído qualquer documento referente a Filipe Froes.
Mais tarde, em finais de Novembro, a IGAS acabou por revelar ao PÁGINA UM que o processo de averiguações sobre Filipe Froes, que fora conhecido desde Setembro de 2021, tinha resultado num processo disciplinar em 19 de Fevereiro de 2022, por determinação do inspector-geral Carlos Carapeto, mas então ainda não concluído, estando assim em segredo. Quatro meses depois, continua sem estar concluído, significando que está a “marinar” há mais de 13 meses.
Filipe Froes foi o autor de um livro patrocinado por uma farmacêutica (BIAL), mas não se encontra registo de qualquer apoio no Tribunal Administrativo.
Ora, mas de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, “o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar”, acrescentando-se ainda que “o acesso ao conteúdo de auditorias, inspeções, inquéritos, sindicâncias ou averiguações pode ser diferido até ao decurso do prazo para instauração de procedimento disciplinar”.
Nessa medida, mesmo que a IGAS queira, e eventualmente até por pressão política, adiar sine die a conclusão do processo disciplinar a Filipe Froes para manter o secretismo das eventuais ilegalidades por si cometidas, a legislação parece determinar, de forma inequívoca, que todos os procedimentos prévios ao processo disciplinar (processo de averiguações e despacho do inspector-geral) passaram a ter acesso não protegido desde 19 de Fevereiro passado.
A IGAS, contudo, tem opinião distinta, salientando que “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, incluindo, naturalmente o inquérito que o precede”, invocando mesmo uma norma da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Porém, nessa norma nada se refere sobre o inquérito precedente, neste caso o processo de averiguações, uma vez que simplesmente se diz que “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, podendo, contudo, ser facultado ao trabalhador, a seu requerimento, para exame, sob condição de não divulgar o que dele conste.” Por agora, o PÁGINA UM pretende pelo menos ter acesso ao processo de averiguações e ao despacho para a abertura do processo disciplinar.
A IGAS chega também a alegar que a norma da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos que concede o direito de “acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos” pelo menos ao fim de um ano se aplica apenas a “informação ambiental” – um equívoco, certamente, porquanto essa norma refere-se às restrições ao direito de acesso aplicável a qualquer tipo de documento administrativo.
Saliente-se que, ao longo dos meses, a IGAS nunca quis adiantar quais os motivos de tantos meses para a instrução deste processo disciplinar, tendo laconicamente informado que vem no seguimento da “informação de avaliação n.º 149/2022”, que mereceu um despacho em 19 de Fevereiro passado do inspector-geral Carlos Carapeto, que deu instruções para ser iniciado um processo disciplinar, ignorando-se também o “castigo” eventualmente a aplicar.
Em todo o caso, a decisão de instauração de um processo disciplinar a Filipe Froes após um processo formal de averiguações – revelado em Novembro do ano passado pelos semanários O Novo e Expresso – mostra já a existência de fortes indícios de irregularidades e/ ou ilegalidades.
De facto, o processo de averiguações só avançaria para uma fase posterior se se tivesse apurado matéria suficiente para uma “condenação” em processo disciplinar, o que não surpreenderá, tendo em conta o que se foi tornando público.
O PÁGINA UM tem acompanhado as relações promíscuas de vários médicos e, particularmente de Filipe Froes, neste caso pelos montantes envolvidos e pelas acções em que participa que se confundem com marketing. Além disso, o PÁGINA UM já detectou, através de declarações de Filipe Froes no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed sinais de alguma “contabilidade criativa” para que não fosse ultrapassada a média anual (no último quinquénio) de 50 mil euros de recebimentos da indústria farmacêutica. Esta é a fasquia monetária a partir da qual Froes ficaria impedido de ser consultor da DGS.
Mas também existem suspeitas de que Filipe Froes é apoiado por farmacêuticas sem que estas registem os montantes no Portal da Transparência do Infarmed. Exemplo disso passou-se com a antologia de crónicas que publicou no Diário de Notícias com o patrocínio (ainda não declarado) da farmacêutica Bial, que nunca respondeu ao PÁGINA UM sobre essa matéria.
Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia. Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem, nos últimos dois anos, como consultor da DGS, participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia. Foi também mandatário da lista de Carlos Cortes, o novo bastonário da Ordem dos Médicos.
Filipe Froes (ao centro) foi o mandatário da candidatura vencedora de Carlos Cortes (quarto à esquerda) a bastonário da Ordem dos Médicos.
De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já alcançado ultrapassa os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. No ano passado também ultrapassou a fasquia dos quatro mil euros por mês.
Este ano tem sido mais “comedido”: recebeu no primeiro trimestre “apenas” 6.620 euros, o que representa pouco mais de 2.200 euros mensais. Contudo, convém salientar que o Infarmed não faz, por rotina, qualquer tipo de fiscalização destes registos, pelo que se mostra fácil receber dinheiro e outras ofertas de farmacêuticas sem declaração no Portal da Transparência, como aliás fez o antigo bastonário da Ordem dos Médicos Miguel Guimarães.
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Foi anunciada como a pandemia do século e colocou a sociedade em estado de pânico e mais do que à beira de um ataque de nervos, colapsando Economia e relações sociais. Que houve um excesso de mortalidade nos últimos três anos, é uma evidência, sobretudo nos mais idosos (com mais de 85 anos). O relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), anteontem divulgado, confirma este facto, e até alerta para um estranho acréscimo da mortalidade em 2022 nos jovens dos 15 aos 24 anos. Mas esta análise do INSA acaba por ser extremamente redutora e nem sequer escalpeliza a evolução da taxa de mortalidade padronizada e dos diversos grupos etários, que apresentam em quadros e em gráficos sem quaisquer comentários. Não fizeram eles, faz o PÁGINA UM. E assim se fica a saber que, afinal, a pandemia da covid-19 esteve muito longe de um impacte superior à da gripe espanhola, como certos especialistas quiseram fazer crer. Na verdade, basta recuarmos a 2013 para encontrar anos com taxas de mortalidade padronizada e por grupos etários para constatar que, não há muitos anos, e sem covid-19, as doenças “banais” representavam um maior risco de morte, mesmo nos mais idosos.
Chegou a ser classificada por muitos especialistas como uma pandemia equiparada à gripe espanhola, mas afinal os dados constantes no relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) sobre o excesso de óbitos em 2022, revelado anteontem, mostram que afinal as taxas de mortalidade durante o triénio da pandemia (2020-2022) estiveram até a um nível mais baixo do que aquelas que, por norma, se registaram em 2013 e nos anos anteriores.
Embora estranhamente o relatório do INSA não tenha desejado interpretar a evolução das taxas de mortalidade padronizada e por grupos etários, uma tabela (e gráficos) com a evolução destes indicadores entre 1991 e 2022 para cada um dos intervalos de idades – a começar dos 0 aos 4 anos e a terminar nos maiores de 85 anos –, uma análise do PÁGINA UM permite aferir facilmente que a probabilidade de morte em 2013 foi superior (8,5 por mil habitantes ) à de qualquer dos três anos da pandemia: 2020 (8,4 por mil habitantes), 2021 (8,2 por mil habitantes) e 2022 (8,1 por mil habitantes). Se recuarmos para as datas anteriores a 2013, e até 1991, o cenário é idêntico: genericamente, a taxa de mortalidade padronizada situou-se acima (e, por vezes, bem acima) da registada no triénio da pandemia.
Na verdade, as taxas de mortalidade padronizada e por grupo etário dos anos da pandemia pareceriam quase idílicas na primeira década do presente século ou nos anos 90 do século passado. Por exemplo, a taxa de mortalidade padronizada até 2005 foi superior a 10%, atingindo os 14% em 1991. A taxa de mortalidade padronizada durante os três anos de pandemia situaram-se, repita-se, entre os 8,1 e os 8,4 por mil habitantes.
Mesmo no casos dos mais idosos (maiores de 85 anos), os mais vulneráveis à covid-19, apesar de se ter registado um forte agravamento da respectiva taxa de mortalidade no triénio de 2020-2022 face ao triénio anterior – média aritmética de 156,5 por mil face a 149,5 por mil nos anos de 2017-2019 –, se se observar os valores de anos anteriores constata-se também que a pandemia não foi uma hecatombe. Ou, pelo menos, confirma-se que os mais idosos de agora resistiram muito mais às doenças (incluindo a covid-19) do que num passado não muito longínquo.
Em termos concretos, pelos dados calculados pelo INSA, no grupo dos maiores de 85 anos (já acima, portanto, da esperança média de vida), em 2020 – primeiro ano da pandemia – morreram por todas as causas quase 16 em cada 100 idosos desta faixa etária (159,4 por mil), descendo depois para 15,3% em 2021, e voltando estranhamente a subir em 2022, para os 15,72% (ou 157,2 por mil). Ora, o valor elevado no ano passado chega a ser superior ao registado em 2012 (158,2 por mil) e à generalidade dos anos anteriores.
Página 21 do relatório do INSA apresenta a evolução das taxas de mortalidade padronizada, taxa bruta de mortalidade total e taxa de mortalidade por grupo etário, mas acaba por não escalpelizar esses indicadores relevantes e tira até conclusões incrongruentes com os dados que revela.
Aliás, se recuarmos ao ano da gripe pandémica A (H1N1), em 2009, a probabilidade de morte nesse ano, dos mais idosos, foi superior: a taxa de mortalidade no grupo dos maiores de 85 anos foi de 16% (160 por mil). E nos anos 90, esse indicador ultrapassava geralmente os 20%. Por exemplo, se por cada 1.000 idosos com mais 85 anos, morreram 214 ao longo de 1991, no período mais agreste da pandemia para este grupo (2020) morreram “apenas” 159 – ou seja, menos 55 mortes em cada 1.000 pessoas desta faixa etária.
Esta evolução apenas demonstra que a pandemia da covid-19 “apanhou” a sociedade numa altura em que a tecnologia e os cuidados de saúde estavam num processo de contínua melhoria com evidentes reflexos na diminuição da taxa de mortalidade por grupo etário, e que, mesmo havendo uma inversão (subida), esta não deveria ter justificado o pânico generalizado. Afinal, a covid-19 e todas as outras doenças tiveram uma letalidade em 2020, 2021 e 2022 menor do que aquela que todas as doenças (sem covid-19, que ainda não existia) registaram há uma ou duas décadas.
Em todo o caso, não parece existirem dúvidas de que a pandemia – integrando o agravamento da letalidade de outras doenças – inverteu a tendência de decréscimo ou estabilização das taxas de mortalidade sobretudo nos grupos etários acima dos 60 anos. Se comparado com o triénio anterior, também nas faixas etárias dos 80 aos 84 anos houve um agravamento no triénio da pandemia (2020-2022), passando de uma média aritmética de 56,3 por mil (ou 5,63%) para 58,5. O agravamento foi mais ténue nos grupos antecedentes. Por exemplo, dos 60 aos 64 anos, comparando os dois triénios, a subida foi apenas de 0,04 pontos percentuais (7,9 para 8,3 por mil).
Página 22 do relatório do INSA, que apresenta em gráfico a evolução das diferentes taxas de mortalidade, incluindo por grupo etário, entre 1991 e 2022, extraindo também o efeito covid-19. Essa “extracção” acaba também por mostrar que a pandemia não teve qualquer efeito abaixo dos 50 anos e que a covid-19 terá sido uma causa “exagerada” na atribuição de muitos óbitos em idades mais avançadas.
No entanto, os quadros do INSA mostram um aspecto que não é suficientemente aflorado no conteúdo do relatório: embora a taxa de mortalidade padronizada tenha descido entre 2021 e 2022 – acompanhada a transição para a fase endémica da covid-19 e perante a dominância da menos letal variante Ómicron –, verificou-se um significativo agravamento da taxa de mortalidade dos maiores de 85 anos entre 2021 e 2022, subindo de 15,3% para 15,72%.
Este fenómeno somente se repetiu na faixa etária dos 15 aos 24 anos – e com grande preocupação por serem idades onde a mortalidade era naturalmente bastante baixa.
Estas duas situações – tanto para os jovens como para os mais idosos – tem vindo a ser acompanhado pelo PÁGINA UM desde o ano passado. No caso dos idosos, o INSA aponta a culpa para a covid-19, frios e ondas de calor, mesmo em Maio, quando as temperaturas acima da média acabam por ser inferiores às temperaturas normais dos meses de Verão, o período naturalmente de menor mortalidade em Portugal. Em relação aos mais jovens, embora destaquem a anormalidade do aumento da taxa de mortalidade, o INSA não quis ir mais longe.
Os investigadores do INSA dizem apenas que “os excessos de mortalidade nos grupos mais jovens são raros estando, maioritariamente, associados a causas externas de mortalidade”, mas depois simplesmente acrescentam que “a ausência de informação disponível quanto às causas de morte não nos permite confirmar esta hipótese que colocamos como mais provável, dado o conhecimento anterior e o padrão do excesso observado (aumento acentuado em relação ao habitual e de curta duração)”.
Saliente-se que existe informação: o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) contém, na base de dados de raiz, todas as causas de mortes de todas as pessoas, incluindo os 375 jovens entre os 15 e os 24 anos que morreram no ano passado.
Mas foi a estranha subida da taxa de mortalidade dos maiores de 85 anos, também ainda sem uma cabal explicação – e apenas possível se se analisarem as causas de morte per si, e não os fenómenos adjuvantes (como frio, ondas de calor ou mesmo gripe ou covid-19) – que justifica quase todo o excesso considerável de mortalidade (absoluta) que se registou em 2022. E, em consequência, do aumento da mortalidade absoluta nos últimos três anos.
Na verdade, a subida da taxa de mortalidade bruta – portanto, sem ser padronizada – apenas se justifica pelo envelhecimento e também agora por “distúrbios” nos cuidados de saúde dos mais vulneráveis.
Uma nota final para as conclusões do relatório do INSA, que entram em profunda contradição com os dados que são expostos, sobretudo com a tabela da página 21 e os gráficos da página 22. Na parte final refere-se taxativamente que “em termos relativos, os excessos de mortalidade foram inferiores a outros períodos de epidemias de gripe e de covid-19, o que poderá dever-se à menor atividade gripal observada em 2022, em especial nos grupos etários mais velhos (dados da vigilância da gripe não publicados) e à menor gravidade da infeção por SARS CoV-2 após a vacinação”.
Esta frase não encontra respaldo na realidade: como os quadros dos próprios investigadores do INSA expõem, a taxa de mortalidade do grupo etário mais idoso (maiores de 85 anos) agravou-se em 2022 face a 2021, exactamente quando surgiu uma variante menos letal (Ómicron) e depois do processo de vacinação com sucessivos boosters. O INSA nem academicamente coloca sequer a mais ténue hipótese de alguma coisa estar a correr mal com o próprio processo de vacinação: é tema claramente tabu, cuja hipótese jamais deve ser colocada em cima da mesa para ser descartada com provas científicas. Em prol da “Ciência”, claro.
Por outro lado, na ânsia de mostrarem que não houve assim tanto excesso de mortalidade não-covid, nem sequer se terão apercebido que destacaram inadvertidamente o ténue impacte da pandemia da covid-19 num contexto cronológico mais alargado. De facto, pela via das taxas de mortalidade por grupo etário, até os idosos do triénio de 2020-2022 se “portaram” bem melhor com uma pandemia em cima do que os idosos da mesma idade há pouco mais de uma década sem a pandemia. Basta ver pelos melhores quocientes de sobrevivência em cada um dos anos (o inverso da taxa de mortalidade).
N.D. Recomendamos a leitura e análise atenta do relatório do INSA, até para observar em maior detalhe os quadros e gráficos aqui referidos. E confirmar o rigor da análise do PÁGINA UM, que está em contraciclo com aquilo que têm sido as análises da generalidade da imprensa ao relatório em causa.