Categoria: Exame

  • Nobel da Paz reconheceu jornalismo corajoso e independente

    Nobel da Paz reconheceu jornalismo corajoso e independente

    Maria Ressa, co-fundadora do site noticioso Rappler, tornou-se a primeira cidadã filipina a receber o Prémio Nobel da Paz de 2021. Compartilhou o prestigioso galardão com Dmitry Muratov, editor-chefe do jornal russo Novaya Gazeta. Breves perfis de dois jornalistas sem-medo num mundo onde a independência e a liberdade de expressão se pagam muitas vezes com a vida.


    Nos últimos anos, a jornalista Maria Ressa tem andado num constante e perigoso jogo do cão e do gato com o presidente filipino Rodrigo Duterte. Ou talvez melhor dizendo, ambos estão numa batalha naval, o que melhor se coaduna até com o título do seu jornal digital, fundado em 2012: Rappler, junção de rap (falar, em inglês) e ripples (levantar ondas).

    Ressa tem levantado mais do que ondas. Tem sido um autêntico tsunami na política e sociedade das Filipinas. E as suas “ondas” atingiram todo o Mundo, razão para ter recebido este mês o Prémio Nobel da Paz, em conjunto com o russo Dmitry Muratov. Foi a primeira vez que o comité norueguês atribuiu este prestigiante galardão a profissionais da imprensa.

    Desde o início do mandato presidencial de Duterte, o jornal de Ressa tem denunciado os abusos de poder e arbitrariedades do governo filipino perpetradas em nome de uma suposta “guerra contra as drogas”. As retaliações não se fizeram esperar, sobretudo com a abertura de processos judiciais demandados pelo próprio Governo ou de pessoas próximas de Duterte. Alguns casos têm sido arquivados, mas sobre a jornalista pende já uma ameaça de prisão de seis anos, actualmente em recurso.

    Maria Ressa na capa da Time em 2018

    Para além das batalhas judiciais, a jornalista é constantemente assediada. Maria Ressa já revelou ter chegado a receber “noventa mensagens de ódio por hora, noventa ameaças de violação por minuto”, e confessou mesmo que ser repórter de guerra “era mais fácil”. Acrescem também as campanhas de pressão nas redes sociais. As querelas entre o governo filipino e a fundadora do Rappler são o foco do documentário A Thousand Cuts, realizado em 2020.

    Apesar destas contrariedades, Maria Ressa nunca esteve sozinha. Sobretudo nos últimos três anos recebeu vários prémios internacionais pelo seu trabalho, entre os quais o Golden Pen of Freedom Award da Associação Mundial de Jornais. Em 2018, a revista Time escolheu-a para capa na edição que divulgou as 100 personalidades mais influentes do Mundo.

    No início deste ano, a advogada Amal Alamuddin – famosa defensora dos direitos humanos, e que juntou Clooney ao seu apelido em 2014 – veio em defesa de Ressa, acusando o governo filipino de orquestrar uma “campanha cada vez mais evidente” para silenciar a incómoda jornalista. A advogada de origem libanesa tem liderado a defesa do Rappler na justiça filipina após a imputação de mais um crime de “ciberdifamação”. Duterte tem insistido na ideia de o Rappler ser “um órgão noticioso falso que veicula notícias falsas e que pertence aos americanos”.

    A vida de Maria Ressa poderia ter sido muito diferente, se não tivesse optado por se meter no “olho do furacão” de um dos mais violentos países asiáticos. Embora nascida nas Filipinas, viveu desde a infância nos Estados Unidos, onde a sua família se refugiou após a instauração da lei marcial em 1972 por Ferdinando Marcos.

    Na Universidade de Princeton começou a estudar Biologia Molecular, mas transitou para o curso de Inglês, terminado com a distinção de cum laude. Foi classmate de Michelle Robinson – mais tarde, Mrs. Obama, a antepenúltima First Lady dos Estados Unidos da América. Passou ainda pelo mundo das artes, como aluna de teatro e dança, mas decidiu em 1986 retornar a Manila, sua cidade natal. Esse regresso coincidiu com a revolução popular que destituiu Marcos, e Ressa iniciaria a partir daí um caminho, muitas vezes sinuoso, pelo jornalismo.

    Durante duas décadas, foi correspondente da CNN no Sudeste Asiático, tendo investigado a presença de células da Al-Qaeda no continente asiático. Publicaria dois livros sobre esta organização terrorista.
    No próximo ano está já prometida a publicação daquela que, para a jornalista filipina, constitui uma grande ameaça mundial: a “guerra digital” pelos factos, que pode deturpar mesmo as democracias. O título é sugestivo: How to Stand Up to a Dictactor.

    Maria Ressa considera a desinformação o “novo terrorismo”, e tem lutado abnegadamente contra a propagação de fake news no universo virtual, e o Facebook tem sido um dos seus alvos. Após o anúncio do Prémio Nobel da Paz, em Outubro passado, a jornalista filipina acusou a gigante tecnológica de Mark Zuckerberg de construir algoritmos que “priorizam a disseminação de mentiras odiosas”.

    Da Rússia com ódio

    Haverá agora também um Prémio Nobel da Paz nos corredores do Novaya Gazeta, jornal russo fundado em 1993, mas por lá entraram já também cabeças de porco decepadas e ratazanas esquartejadas. Dmitriv Muratov, seu co-fundador e editor-chefe, já viu de tudo. Até facas e mensagens ameaçando matar todos, “desde a empregada da limpeza ao editor-executivo”. Não foram ameaças vãs. Desde que Vladimir Putin tomou as rédeas do poder no início de 2000, cinco repórteres e colaboradores do Novaya Gazeta foram assassinados no decurso de investigações jornalísticas: Igor Domnikov (2000), Yuri Shchekochikhin (2003), Anna Politkovskaya (2006), Anastasia Baburovafoi e Natalia Estemirova (ambas, em 2009). Além destes, em cenário de guerra morreu Victor Popkov (2001).

    Não admira assim que Muratov tenha assumido, aquando do anúncio do Prémio Nobel da Paz, que o galardão não era seu, mas sim dos companheiros caídos. E anunciou ainda que o montante do prémio atribuído pelo Comité Nobel – cerca de 500 mil euros, sendo que outro tanto foi entregue à filipina Maria Ressa – será distribuído pela redacção do Novaya Gazeta.

    Avesso a honras e distinções – apesar de ter já recebido em 2007 o Prémio Internacional de Liberdade de Imprensa do Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) e a Legião de Honra de França, em 2010 –, Muratov tinha prometido a si mesmo a reforma em 2017, após liderar por mais de duas décadas a redacção do Novaya Gazeta. Retomou, porém, a luta jornalística em 2019. E fez bem, porque, aos 60 anos, o Nobel da Paz tem agora um novo ânimo, e já garantiu mais e melhor. “Daqui para a frente cada palavra tem de ser medida”, assegurou.

    Maria Ressa e Dmitry Muratov na cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Paz em Oslo, no dia 10 de Dezembro (© Nobel Prize Outreach. Foto: Jo Straube)

    Nascido no Outono de 1961, em Samara – a sexta maior cidade da Rússia e o local onde Estaline mandou instalar um bunker –, Dmitry Andreyevich Muratov chegou a alistar-se no exército soviético, após cursar Filologia na universidade da sua cidade natal. Porém, o “bichinho” do jornalismo falou mais alto. Estava como editor do Komsomolskaya Pravda quando, em 1993, fundou com mais meia centena de colegas o Novaya Gazeta.

    Os primeiros anos do Novaya Gazeta, pela sua postura independente, foram difíceis, com parcos recursos, até surgir um “balão de oxigénio” através do auxílio financeiro de Mikhail Gorbatchov, último presidente da União Soviética (1988-1991), também galardoado com o Nobel da Paz (1990), que ainda hoje mantém uma pequena quota.

    O resto é, digamos assim, conhecido: investigação, denúncias, perseguições, mortes, e mais investigação. E agora, também um Prémio Nobel da Paz.

    A profissão (quase) mais perigosa do Mundo

    Nascidos para investigar e expor os abusos de poder, a corrupção e as violações de direitos humanos, a vida de Dmitry Muratov e Maria Ressa – agora reconhecidos através do Prémio Nobel da Paz – conseguiram dar ainda mais destaque, por um lado, à importância da imprensa, e também, por outro, aos perigos de uma profissão, quando exercida com independência e coragem. Berit Reiss-Andersen, porta-voz do Comité Norueguês do Nobel, bem sintetizou o papel dos jornalistas: “sem a imprensa, não podemos ter uma democracia forte”. Mas o preço é alto para muitos destes profissionais.

    Ainda este mês, o CPJ revelou que ao longo do ano de 2021 foram assassinados 24 jornalistas em todo o Mundo, e contabilizam-se ainda 293 detidos, com o destaque negativo para a China, Myanmar, Egipto, Vietname e Bielorrússia.

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    De acordo com uma base de dados desta organização independente, sempre em actualização, desde 1992 foram assassinados 1.422 jornalistas por causa dos seus trabalhos. Outros 578 morreram por motivo ainda não determinado. Incluindo casos confirmados e suspeitos, e se juntarem ainda outros trabalhadores dos media, o total de mortos ascende às 2.115 pessoas.

    Quase nove em cada 10 desses homicídios ficaram impunes, de acordo com a CPJ. No seu Índice Global de Impunidade – que mede os casos não resolvidos de homicídios de jornalistas em função da população –, a Somália destaca-se na primeira posição, seguindo-se a Síria, Iraque, Sudão do Sul e Afeganistão.
    O Brasil integra também o top 10 deste trágico índice, na oitava posição, a seguir ao México e às Filipinas, e antecedendo Paquistão e Rússia. Embora pouco referido, o Brasil é, de facto, um dos países mais perigosos do Mundo para os jornalistas, contabilizando 58 mortes nas últimas duas décadas, das quais 18 desde 2015.

    O último caso no Brasil registado pelo CPJ – que classifica como imprensa mesmo as publicações noticiosas em redes sociais – foi o homicídio de Leonardo Pinheiro, em 13 de Maio de 2020. Este líder comunitário e social, que detinha uma página de notícias no Facebook chamada A Voz Araruamense, foi executado com um tiro na cabeça, depois de ajoelhado, alegadamente por dois polícias militares desta cidade do Estado do Rio de Janeiro.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira


  • Parecer admite desconhecimento dos efeitos em crianças e usa estudos não publicados nem revistos

    Parecer admite desconhecimento dos efeitos em crianças e usa estudos não publicados nem revistos

    O cenário mais favorável da eficácia do programa vacinal proposto pela Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) empola o número previsível de infecções, de modo a maximizar os benefícios absolutos da vacina nas crianças. Na verdade, se a actividade viral for baixa durante o próximo Inverno, a “cura” pode vir a ser pior do que a doença para os mais novos. O PÁGINA UM analisou com detalhe o parecer da CTVC, que admite que os riscos a longo prazo das vacinas para crianças não são conhecidos, e utiliza apenas estudos, incidindo em adolescentes, que nem sequer estão publicados ou revistos por cientistas independentes. A CTVC também não garante que o programa de vacinação das crianças salvará qualquer vida. Neste caso, por uma razão simples: mesmo sem vacinação, até agora nenhuma criança morreu por causa da covid-19.


    A Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) recomendou a vacinação universal de crianças apesar de admitir que “os riscos, a longo prazo, associados à administração da vacina, nas idades 5-11 anos, não são ainda definitivamente conhecidos”. Esta incerteza está discretamente inserida no final da página 18 do parecer (com um total de 32), no capítulo intitulado “Sinal de Segurança: Miocardites e Pericardites”.

    Apenas divulgado na tarde da passada sexta-feira pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) – após fortes críticas ao secretismo que Graça Freitas desejava –, o parecer da CTVC confessa, de forma taxativa, que recomendou as vacinas em crianças mesmo ignorando as consequências a longo prazo. Isto para um grupo etário que não regista até agora qualquer morte.

    Mesmo assim, a CTVC disserta sobre a segurança baseando-se em estudos e ensaios aplicados a adolescentes. Porém, esses estudos não estão sequer publicados nem acessíveis, mesmo a investigadores, ou ainda nem foram sujeitos à revisão pelos pares (peer review) – um processo imprescindível em Ciência para garantir o seu rigor e integridade.

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    Um dos casos passa-se com o estudo intitulado “SARS-CoV-2 Vaccination and Myocarditis in a Nordic Cohort Study of 23 Million Residents”, cujo primeiro autor somente é identificado no parecer da CTVC pelo seu apelido. Será eventualmente o fármaco-epidemiologista norueguês Øystein Karlstad, que estudou este ano os efeitos de tromboembolismos e eventos similares causados pela vacina da AstraZeneca em adultos escandinavos.

    De acordo com o parecer da CTVC, uma equipa liderada por Karlstad terá concluído existir um risco acrescido de miocardite em adolescentes do sexo masculino com um excesso de 2,2 e 36,5 casos por 100 mil doses passados 28 dias do início do esquema vacinal, respectivamente para as vacinas da Pfizer (Comirnaty) e da Moderna (Spikevax). No entanto, como esse risco terá sido estudado apenas em jovens entre os 12 e os 15 anos, não se aplica obviamente às crianças.

    Um outro estudo citado pela CTVC, da responsabilidade do Ministério da Saúde de Israel, sofre do mesmo problema: apresenta resultados de farmacovigilância da vacina da Pfizer apenas em adolescentes vacinados, com idades entre os 12 e 15 anos.

    Um terceiro estudo, realizado no Canadá, e também referenciado pela CTVC, segue o mesmo padrão. Liderado por Jennifer Pillay, do Departamento de Pediatria da Universidade de Alberta, o estudo – que consiste sobretudo numa “revisão sistemática rápida” – conclui que a vacina da Pfizer causa uma maior incidência de miocardites em homens dos 12 aos 29 anos. Nada diz sobre crianças (5 aos 11 anos). E salienta mesmo que “pesquisas futuras são necessárias para examinar outros factores de risco e efeitos de longo prazo”.

    Este estudo tem outra “deficiência”: encontra-se publicado apenas no medRxiv – um site da Internet que distribui versões pré-publicadas de artigos científicos sobre ciências da saúde.

    Como habitualmente sucede, um aviso de entrada neste site alerta que o artigo em causa “não foi revisto pelos pares”, acrescentando-se ainda que se está em face de “novas pesquisas médicas que ainda não foram avaliadas e, portanto, não devem ser usadas para orientar a prática clínica”. Para os peritos da CTVC este aspecto não será relevante. Mas é.

    Um quarto estudo referenciado pela CTVC é, como os outros, uma análise do impacte de curto prazo em não-crianças, podendo-se somente saber o que sucedeu num grupo etário “próximo”: adolescentes e jovens adultos dos 12 aos 29 anos. Desenvolvido em França, este estudo também não está revisto pelos pares.

    Quase por ironia, o estudo francês encontra-se publicado no site do EPI-PHARE, uma entidade criada em 2018 pela Agência Nacional para a Segurança de Medicamentos e Produtos de Saúde (ANSM) e pelo Seguro Nacional de Saúde (CNAM), em consequência do escândalo do Mediator, e para melhorar a farmacovigilância.

    Recorde-se que este medicamento, da farmacêutica Servier, destinava-se inicialmente para tratamento de diabetes, mas passou a ser comercializado como produto de emagrecimento. Acabou suspenso em 2009 por se provar ter causado a morte de entre 1.500 e 2.100 pessoas.

    O julgamento deste processo ficou concluído em Março deste ano, tendo-se sentado no banco dos réus os responsáveis da Servier, por manipulação de informação sobre segurança, e a própria ANSM, por não ter actuado em devido tempo. A farmacêutica foi condenada a pagar indemnizações no valor de 2,7 milhões, e a agência estatal foi multada em 303 mil euros.

    Estimativas vista à lupa

    Os benefícios da vacinação de crianças em Portugal previstos pelos peritos da CTVC constitui também um exercício interessante de análise. O PÁGINA UM meteu-se nesta tarefa.

    Assumindo que “os benefícios da vacinação dependem da incidência da infecção por SARS-CoV-2” –, a CTCV propôs três cenários: optimista, mediano e pessimista, em função da actividade viral ao longo da pandemia. Curiosamente, o período em análise foi de apenas quatro meses, indiciando-se assim que a CTVC não acredita que eficácia da vacina se prolongará por mais do que esse período, necessitando de novo reforço no final da Primavera.

    Outro facto estranho: a CTVC considera, como efeito adverso das vacinas, o risco de miocardites e pericardites em crianças, mas para estimar o seu número potencial utiliza as incidências conhecidas em adolescentes. Essa extrapolação coloca sérias dúvidas de índole científica e mesmo ética.

    Assim, face aos pressupostos teóricos da eficácia do programa vacinal para as crianças – cobertura de 85%, uma efectividade vacinal contra infeção entre 70% e 85% e uma efectividade contra doença grave de 95% –, a CTVC compara, para cada um dos cenários, duas situações distintas: sem vacinação e com vacinação.

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    Deste modo, no cenário optimista sem vacinação, a CTVC aponta para a possibilidade de ocorrência de 5.551 casos positivos entre Dezembro de 2021 e Março de 2022, que desceria para apenas 1.540 casos naquele período se 85% das crianças fossem vacinadas.

    No cenário pessimista – ou seja, com elevada incidência –, sem vacinação a CTVC estimou que houvesse 45.442 casos positivos, reduzindo-se para 18.404 com o programa de vacinação. No cenário intermédio (mediano) foi estimado pela CTVC a existência de 21.189 casos positivos sem vacinação, baixando para 7.681 casos com vacinação.

    Estranhamente, a CTVC não explica no parecer a razão para, assumindo similar capacidade das vacinas em evitar as transmissões, se estimarem reduções relativas diferentes nos diversos cenários. Com efeito, para o cenário optimista com vacinação, a redução estimada das infecções é de 72% face à situação sem vacinação, mas desce apenas para os 64% no cenário mediano e para os 61% no cenário pessimista.

    Compreensivelmente, o cenário pessimista, que representa uma maior actividade viral no próximo Inverno, é aquele que mostra um maior benefício absoluto das vacinas. A razão é simples: se houver mais infecções, numa situação sem aplicação do programa vacinal em crianças, em termos absolutos maiores serão, em princípio, as hospitalizações e os internamentos em unidades de cuidados intensivos (UCI), e assim maior o diferencial quando se confronta com a situação de vacinação de 85% deste grupo etário.

    Contudo, o cenário mais pessimista (45.442 infecções) – aquele em que a vacinação potencialmente trará mais vantagens, com menos 147 hospitalizações, menos 16 internamentos em UCI e menos 15 casos de síndrome inflamatório multissistémico (MIS-C) – mostra-se muito pouco provável. Com efeito, face ao período considerado na avaliação da CTVC (Dezembro de 2021 a Março de 2022), significaria a ocorrência de 11.360 casos positivos por mês em crianças se o plano de vacinação não avançasse, mais do dobro da actual média mensal ao longo de 2021 (4.674 casos positivos) para este grupo etário.

    Mais sensato aparenta ser o cenário mediano. Neste caso, a média mensal é de quase 5.300 casos positivos, um valor mais consentâneo com a realidade e a época do ano (Inverno). Porém, com menos infecções, também os benefícios potenciais se tornam bem mais modestos. De facto, neste cenário os peritos da CTVC já só antevêem uma redução de 51 hospitalizações e de cinco internamentos em UCI.

    Se o cenário (mais) optimista estimado pelo CTVC se concretizasse – ou seja, uma menor actividade viral durante o próximo Inverno –, o programa vacinal ameaçaria então “parir um rato”. Nesse cenário, o programa vacinal – que poderá atingir um investimento superior a 10 milhões de euros, no pressuposto do preço unitário da dose infantil ser metade da dos adultos –, a vacina apenas causaria uma redução de nove hospitalizações, um internamento em UCI e um evento de MIS-C.

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    Em todo o caso, saliente-se que não é líquido que um maior número de infecções resulte num aumento proporcional de hospitalizações e internamentos em UCI. Ou seja, mesmo que a variante Ómicron ganhe prevalência, e um maior número de casos, tal não significará automaticamente um aumento proporcional de internamentos.

    Aliás, essa questão revela-se mesmo na página 10 do parecer da CTVC, onde se compara as hospitalizações em idade pediátrica em 2020 (quando a variante dominante era a Alfa) e em 2021 (com a Delta já dominante). Em todos os grupos etários a percentagem de hospitalização em função dos casos positivos diminuiu consideravelmente. Nas crianças (5-11 anos) passou de 0,61% (112 hospitalizações em 18.358 casos) em 2020 para apenas 0,21% (84 hospitalizações em 39.215 casos) este ano.

    Ou seja, numa faixa etária em que a prevalência de assintomáticos ou de sintomatologia ligeira é muito elevada, a subida de casos positivos em crianças pode estar intimamente associada sobretudo à estratégia de testagem. Em suma, se se aumentar consideravelmente a realização de testes em crianças sem que estas estejam com sintomas, o potencial aumento de casos positivos poderá estar relacionado sobretudo à maior detecção de assintomáticos, e sem necessidade de hospitalização.

    Ora, neste caso, uma consequência imediata é a redução da percentagem das hospitalizações (internamentos por 100 casos positivos), mesmo se houver um aumento absoluto no número de internados em relação ao período anterior, tal como se evidencia na situação das crianças quando se compara o ano de 2020 com 2021.

    Um último aspecto particularmente estranho das estimativas da CTVC observa-se também em relação às miocardites vacinais – que, recorde-se, são reportadas à incidência conhecida em adolescentes, e não a crianças. Embora todos os três cenários estabelecidos pelos peritos pressupõem uma cobertura vacinal de 85%, o número estimado de miocardites vacinais é de 12 para o cenário pessimista, mas de sete para os cenários mediano e optimista.

    Como as miocardites vacinais são, como a denominação indica, um efeito adverso apenas associado à vacina – e nada tem a ver com a maior ou menor actividade viral –, esse número distinto entre os cenários poderá ser ou um engano absurdo – por o parecer ser assinado por 13 peritos – ou uma forma de mascarar uma possibilidade atroz. De facto, se o SARS-CoV-2 estiver pouco activo neste Inverno – e se concretizar o cenário optimista –, a “cura” (leia-se, a vacina) será pior do que a doença.


  • Autora de parecer de bioética para a vacinação de crianças com ligações ao Partido Socialista e a hospitais privados

    Autora de parecer de bioética para a vacinação de crianças com ligações ao Partido Socialista e a hospitais privados

    A Direcção-Geral da Saúde preferiu ouvir Helena Pereira de Melo, vice-presidente da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, do que pedir parecer ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. A jurista tem ligações ao Partido Socialista e é presidente de uma associação em consórcio com o Grupo José de Mello.


    A conselheira de bioética da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), que proferiu um parecer favorável para a vacinação universal de crianças – sem sequer analisar as incertezas a longo prazo e as questões éticas que tal encerra –, tem fortes ligações ao Partido Socialista e também ao Grupo José de Mello, que integra a CUF, gestora de 14 hospitais e clínicas privadas.

    A alegada inexistência de problemas éticos, assumida no parecer final da CTVC, terá sido um dos aspectos determinantes para a decisão esta semana da Direcção-Geral da Saúde (DGS) em aprovar a vacinação universal de crianças.

    Recorde-se que, até ao momento, nenhuma criança entre os 5 e os 11 anos morreu em Portugal por causa de covid-19. Além disso, apenas 0,21% dos casos positivos nesta faixa etária tiveram necessidade de hospitalização ao longo deste ano, uma significativa redução na gravidade em relação a 2020, que apresentou um rácio quase três vezes superior (0,61%), de acordo com dados divulgados no recente parecer da CTVC.

    Helena Pereira de Melo

    Uma investigação do PÁGINA UM descobriu que a autora do parecer de bioética, a jurista Helena Pereira de Melo – cuja identidade apenas foi revelada ontem com a divulgação a contragosto de todos os documentos do polémico parecer integral da CTVC –, foi indicada em 2019 pelo Partido Socialista para integrar o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.

    No ano anterior integrou também, por convite do Governo socialista, a comissão para a revisão da Lei de Bases da Saúde, presidida por Maria de Belém.

    Além das suas funções académicas e como vice-presidente da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, esta jurista é ainda preside à ABIO – Associação para o Estudo do Biodireito. Criada em 2016, esta associação surge apresentada como um “consórcio entre a José de Mello Saúde e a Universidade Nova de Lisboa”, que inclui a TAGUS Tank – Tagus Academic Network for Knowledge, com actividades na área da Medicina e apoio à investigação.

    Apesar de também acumular a vice-presidência da Associação Portuguesa de Bioética, Helena Pereira de Melo não integra a lista obrigatória de consultores da DGS, segundo confirmado pelo PÁGINA UM no site da DGS. Ou seja, o pedido de parecer solicitado pela CTVC terá sido pontual e específico para o fim em vista.

    Saliente-se que, por obrigação legal, os consultores da DGS não podem ser membros de órgão social de sociedade científica, associação ou empresa privada que tenham recebido financiamento superior a 50 mil euros por ano (em média no último quinquénio) de empresa produtora, distribuidora ou vendedora de medicamentos ou dispositivos médicos.

    Em todo o caso, refira-se que, apesar da directora-geral Graça Freitas ter nomeado por despacho os membros da CTVC, não os obrigou a apresentar qualquer declaração de incompatibilidades. Assim, de entre os membros desta comissão, apenas Manuel do Carmo Gomes e Válter Fonseca o fizeram, por já serem consultores da DGS há vários anos. Todos os outros – Ana Maria Correia, António Sarmento, Diana Costa, João Rocha, Luís Graça, Luísa Rocha, Maria de Fátima Ventura, Maria de Lurdes Silva, Marta Valente, Raquel Guiomar e Teresa Fernandes – não apresentaram qualquer documento desta natureza. Por exemplo, Luís Graça, imunologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, recebeu este ano um pouco mais 7.000 euros de farmacêuticas, dos quais 2.050 euros da AstraZeneca.

    No entanto, aquilo que mais poderá chocar no parecer de Helena Pereira de Melo é a ligeireza na abordagem da ética na vacinação de crianças, porque nada refere sobre a incerteza e os efeitos a longo prazo.

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    No seu texto de apenas três páginas, a jurista ocupa grande parte do espaço a apresentar uma mera síntese de documentos enviados pela DGS e a expor uma súmula da “leitura dos relatórios que nos foram facultados, da autoria do Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC) e da Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Lista depois os “efeitos benéficos prováveis”, e acrescenta existirem “benefícios para a saúde mental da criança decorrentes de ser vacinada, uma vez que, se não for infectada, não sofrerá os efeitos negativos associados a uma ou várias situações de confinamento”.

    Um artigo publicado em 5 de Outubro passado na revista Nature, que cita David Eyre, epidemiologista da Universidade de Oxford, revelou que o efeito benéfico da vacina na transmissão da variante Delta diminui para níveis quase insignificantes pouco tempo depois. Por exemplo, em pessoas que sejam infectadas já com a vacina da Pfizer em acção (duas semanas após a tomada das doses), o risco de contaminar outra é de 42%, aumentando para 58% pouco mais tarde. O risco de um não-vacinado contaminar outra pessoa é de 67%.

    Ou seja, se o objectivo for beneficiar as crianças vacinadas em detrimento das não-vacinadas – um aspecto polémico do ponto de vista legal e ético, e ainda não decidido pelo Governo à data do parecer –, não mandando para quarentena os primeiros, os efeitos da medida serão nulos do ponto de vista epidemiológico.

    Na verdade, sobre questões concretas de bioética, o parecer de Helena Pereira de Melo elenca só os mais básicos princípios da bioética, que se podem encontrar num simples manual académico.

    Com efeito, a jurista escreve em apenas um breve parágrafo que a vacinação de crianças contra a covid-19 cumpre os “três princípios da não-maleficência (não causa, previsivelmente, prejuízo à sua vida, à sua saúde e à sua integridade pessoal), da beneficência (apresenta probabilidade elevada de prevenir a contração da doença e contribui, deste modo, para a saúde física e mental da criança), e da justiça (contribui para a quebra das cadeias de transmissão da doença, pelo menos relativamente às variáveis conhecidas, em particular a Delta (…)”. E justifica isto com “os dados epidemiológicos [que] revelam uma alta transmissibilidade da doença nesta faixa etária, em Portugal”.

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    Por fim, destaca ainda que o princípio da autonomia nem sequer merece discussão no caso das crianças, porque “este grupo etário não goza de maturidade indispensável para consentir ou não consentir na administração da vacina em causa”.

    No seu parecer, Helena Pereira de Melo não apresenta sequer uma reflexão teórica nem uma única referência bibliográfica sobre bioética e vacinas, e especialmente sobre vacinas contra a covid-19 e aplicadas a crianças – um dos temas sociológicos actualmente em ebulição nas ciências sociais.

    Por exemplo, uma consulta breve ao Google Scholar identifica cerca de 18.200 artigos científicos que debatem as questões de ética relacionados com a vacinação (obrigatória ou não), incluindo largas centenas sobre a vacinação contra a covid-19, a aplicação de certificados de acesso, a eventual vacinação universal obrigatória e a discriminação de não-vacinados. Temas nem sequer foram aflorados neste parecer da professora de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

    Recorde-se que anteontem, em declarações à rádio TSF, Maria do Céu Patrão Neves, presidente da Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – que seria o organismo “natural” para emitir um parecer ético desta natureza – defendeu “o maior interesse das crianças”, pelo que “ponderar a vacinação em termos de proteção dos adultos não é aceitável do ponto de vista ético”.

    Esta professora catedrática de Ética na Universidade dos Açores, e também consultora do Presidente da República para a Ética da Vida – e que foi eurodeputada do PSD entre 2009 e 2014 – considerou que a decisão de se avançar, nas actuais circunstância, para um programa de vacinação neste grupo etário deveria ser tomada “na sua dimensão física, psicossocial, afectiva, ou seja, uma forma holística”.


  • Zero mortes, 0,5% de hospitalizações e 0,03% de internamentos em cuidados intensivos

    Zero mortes, 0,5% de hospitalizações e 0,03% de internamentos em cuidados intensivos

    O PÁGINA UM revela as taxas de internamento e apresenta os casos clínicos mais graves em crianças durante o primeiro ano da pandemia. Num grupo que envolve mais de 600 mil pessoas, por agora contabilizam-se zero mortes, uma taxa de hospitalização que rondará os 0,5% dos infectados (quase 37 mil entre Março de 2020 e Abril deste ano) e um rácio de internamento em cuidados intensivos de 0,03%. Este é o cenário de uma faixa etária que pouco tem a beneficiar de um programa de vacinação em massa. Apenas ganha incerteza no longo prazo.


    No primeiro ano da pandemia, nenhuma criança morreu em Portugal por causa da covid-19, e apenas 11 – num total de quase 37 mil que testaram positivo à covid-19 entre Março de 2020 e 21 de Abril deste ano – tiveram necessidade de cuidados intensivos. Por outro lado, cerca de 995 em cada 1.000 crianças (com idades entre os 5 e os 11 anos) com teste positivo ao SARS-CoV-2 apresentaram sintomas ligeiros ou manifestaram-se assintomáticos, uma vez que somente 179 precisaram de internamento por curtos períodos (0,49% do total dos infectados.

    Confirma-se assim o muito reduzido risco da covid-19 – quase irrelevante – para um grupo etário que estará agora sujeito à campanha de vacinação decidida esta semana pelo Governo.

    Esta informação – até agora desconhecida pelo público em geral, e apenas acessível a um estrito grupo de peritos – obtém-se pelo cruzamento de duas bases de dados: o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) e o registo das hospitalizações de doentes-covid.

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    A primeira base de dados identifica todos os casos positivos, desagregados por idade, sexo e concelho. O segundo elenca, após anonimização, os internamentos de todas as pessoas, incluindo idade, sexo, unidade de saúde, período de internamento, eventual encaminhamento para cuidados intensivos (UCI), desfecho (outcome) e também as comorbilidades e/ou agravamentos no decurso da hospitalização.

    A Direcção-Geral da Saúde (DGS), autoridade com a máxima responsabilidade na gestão da pandemia, tem recusado a conceder acesso a informação essencial para calcular o risco e taxas de internamento e de letalidade de forma estratificada. Contudo, o PÁGINA UM obteve acesso confidencial a estas duas bases de dados, embora contendo apenas informação até 21 de Abril deste ano.

    Em todo o caso, o reduzido impacte dos primeiros 14 meses da pandemia sobre as crianças – e muito provavelmente sem alterações relevantes nos últimos sete meses – mostra-se sobretudo numa taxa efectiva de internamento muito baixa.

    CASOS POSITIVOS E INTERNAMENTOS EM CRIANÇAS – MARÇO DE 2020 E ABRIL DE 2021
    (Fonte: Ministério da Saúde; dados tratados por PAV)

    Enquanto até Abril deste ano, este rácio rondava os 6% para toda a população (cerca de 54 mil internamentos em cerca de 834 mil infectados, até àquela data), no grupo das crianças situou-se entre um mínimo de 0,27% (aos 7 anos) e um máximo de 0,7% (aos 8 anos). Globalmente, apenas aproximadamente 0,5% das crianças infectadas precisaram de tratamento hospitalar.

    Considerando os casos de maior gravidade, a necessitarem de cuidados intensivos, não existe qualquer justificação para alarmismos. De acordo com o registo de internamentos, até Abril deste ano passaram por UCI um total de 5.458 pessoas, ou seja, cerca de 10% do total das hospitalizações e 0,65% das pessoas infectadas. No caso das crianças, essas taxas situaram-se em 6% e 0,03%, respectivamente.

    No entanto, a esmagadora maioria dos casos de hospitalização de crianças, e sobretudo daquelas que necessitaram de cuidados intensivos, envolveram comorbilidades graves de natureza diversas. Por exemplo, de entre os 11 internamentos de crianças em UCI – apenas em hospitais da Grande Lisboa e no hospital de São João, no Porto –, somente quatro não tinham um quadro prévio de enfermidades graves.

    TAXA DE LETALIDADE (%) DA COVID-19 POR GRUPO ETÁRIO (até 9 de Dezembro de 2021)
    (Fonte: Direcção-Geral da Saúde; dados tratados por PAV)

    Nem todos – incluindo os quatro que registaram síndrome inflamatório do sistema múltiplo ou miocardites, efectivamente associados a complicações da covid-19 – tiveram necessidade de ventilação, tendo bastado um acompanhamento contínuo de monitorização do estado de saúde. Todos estes 11 casos clínicos mais complexos tiveram desfecho favorável: nenhuma destas crianças morreu. E os internamentos foram, por regra, de curta duração, inferior a duas semanas. Apenas um menino de 8 anos, que sofria já de um melanoma maligno, teve um internamento mais prolongado (41 dias), em parte para recuperar de uma infecção bacteriana apanhada no hospital (ver lista em baixo).

    Embora se ignore os dados de internamentos posteriores a Abril deste ano, certo é que a faixa etária dos 5 anos 11 anos continua sem registo de mortes atribuídas à covid-19. Até agora, apenas se contabilizam dois óbitos de bebés com menos de 1 ano, e de outra com menos de 4 anos. Além destes, contam-se duas mortes de jovens com 19 anos. Todos apresentavam gravíssimas comorbilidades.

    Nesse sentido, o grupo etário que o Governo se apresta a vacinar – envolvendo mais de 600 mil crianças, com um investimento ainda desconhecido, uma vez que o contrato com a Pfizer não consta ainda do Portal BASE – apresenta assim uma taxa de letalidade ainda de 0%.

    Mesmo agregando as idades, segundo os grupos etários usados pela DGS, o risco de morte nas faixas dos 0-9 anos e dos 10-19 anos é incomensuravelmente inferior aos dos mais idosos. Por exemplo, observando a taxa de letalidade da covid-19 para os maiores de 80 anos (15,1% até à data), conclui-se que a probabilidade de um desfecho fatal naquela faixa etária é mais de 4.000 vezes superior ao de um menor de 10 anos. E chega a ser superior a 9.500 vezes se confrontada com o grupo dos 10-19 anos.


    LISTA DE CASOS DE INTERNAMENTO DE CRIANÇAS EM CUIDADOS INTENSIVOS

    CASO 1

    Idade: 8 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central
    Período de internamento: 19/04/2020 – 29/05/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: melanoma maligno do couro cabeludo e do pescoço; e infecção bacteriana por Staphylococcus aureus
    Outcome: Alta médica

    CASO 2

    Idade: 10 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte
    Período de internamento: 15/05/2020 – 25/05/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: hipopotassemia; miocardite infecciosa
    Outcome: Alta médica

    CASO 3

    Idade: 5 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Lisboa Ocidental
    Período de internamento: 01/06/2020 – 07/06/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: defeito do septro ventricular, insuficiência (da válvula) aórtica, insuficiência congénita da válvula aórtica e anemia.
    Outcome: Alta médica

    CASO 4

    Idade: 10 anos
    Sexo: Feminino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central e Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental
    Período de internamento: 15/06/2020 – 27/06/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: miocardite aguda; e cardiomiopatia dilatada.
    Outcome: Alta médica

    CASO 5
    Idade: 10 anos
    Sexo: Feminino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto)
    Período de internamento: 13/10/2020 – 03/11/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: Distúrbios do metabolismo das proteínas plasmáticas; e anemia.
    Outcome: Alta médica

    CASO 6

    Idade: 8 anos
    Sexo: Feminino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte
    Período de internamento: 01/11/2020 – 17/11/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: síndrome inflamatório do sistema múltiplo (associado à covid-19), síndrome de choque tóxico e pericardite viral
    Outocome: Alta médica

    CASO 7

    Idade: 11 anos
    Sexo: Feminino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte
    Período de internamento: 21/12/2020 – 28/12/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: anemia hemolítica auto-imune
    Outcome: Alta médica

    CASO 8

    Idade: 10 anos
    Sexo: Feminino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto)
    Período de internamento: 24/01/2021 – 05/02/2021
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: síndrome inflamatório do sistema múltiplo (associado à covid-19); insuficiência ventricular esquerda; taquicardia supraventricular; e choque cardiogénico
    Outcome: Alta médica

    CASO 9

    Idade: 8 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra)
    Período de internamento: 25/01/2021 – 26/01/2021
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: diabetes mellitus tipo 1
    Outcome: Alta médica

    CASO 10

    Idade: 11 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central
    Período de internamento: 30/01/2021 – 11/02/2021
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: paralisia cerebral quadriplágica espástica; doença de refluxo gastroesofágico sem esofagite, alimentado por gastrostomia
    Outcome: Alta médica

    CASO 11

    Idade: 5 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto)
    Período de internamento: 12/02/2021 – 03/03/2021
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: aneurisma, hipotensão, trombocitopenia, hiperlipidemia e sepsis
    Outcome: Alta médica


  • Negócio dos testes já movimentou pelo menos 1,3 mil milhões de euros em Portugal

    Negócio dos testes já movimentou pelo menos 1,3 mil milhões de euros em Portugal

    Os testes PCR e de antigénio ultrapassaram este mês, pela primeira vez, a fasquia dos 100 mil por dia. Até ao final do ano, a manter-se o ritmo, Portugal atingirá os 18 milhões de testes desde o início da pandemia. Agora sem mãos a medir, as dezenas de laboratórios não se podem queixar: 2021 será um excelente ano. E muito superior ao de 2020. O PÁGINA UM foi “visitar”, como amostra, as demonstrações financeiras do ano passado de duas das principais empresas: Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa S.A. e o Dr. Joaquim Chaves – Laboratório de Análises Clínicas S.A.. Não se saíram nada mal.


    A estratégia de gestão da pandemia assente na massificação de testes PCR e de antigénio estará a resultar num aumento brutal dos lucros dos principais laboratórios de diagnóstico. Numa altura em que o número de testes em Portugal atinge valores próximos de 120 mil por dia – em parte pelo efeito da obrigatoriedade de testagem para acesso a determinados espaços públicos e privados –, o ano de 2021 poderá terminar com mais de 18 milhões de testes PCR e de antigénio processados.

    Este ano, até 3 de Dezembro, a Direcção-Geral da Saúde indica que já se realizaram 15.884.737 testes, dos quais 39% de antigénio – quase o triplo dos de 2020, em que se processaram 5.695.754 testes, quase todos de PCR. Se se considerar um preço unitário (em valores modestos) de 80 euros para os testes PCR e de 10 euros para os testes de antigénio, este mercado já terá movimentado perto de 1.300 milhões de euros. Ignora-se a parte desta colossal verba que foi assumida pelo Estado ou autarquias, sob a forma de comparticipação ou pagamento integral, e nessa medida também se desconhece o montante já despendido pelas famílias e empresas privadas.

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    O crescimento na testagem em Portugal terá como consequência uma previsível subida substancial dos lucros dos principais laboratórios e também das farmácias, e até de outros estabelecimentos comerciais, que têm visto nos testes um “negócio da China”. Esse impacte nas contas dos laboratórios foi já bastante visível no ano passado, que compensou largamente a quebra de diagnósticos médicos requisitados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) após o surgimento da pandemia em Portugal há pouco mais de 20 meses.

    Por exemplo, o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa S.A. – fundado por este antigo bastonário da Ordem dos Médicos – mais que quadruplicou os seus resultados operacionais em 2020 em relação ao ano anterior, passando de 8,1 milhões de euros para os 31,1 milhões. Em termos de lucro quase tiveram idêntico desempenho: subiram de 6 milhões em 2019 para o 23,2 milhões. Para este extraordinário desempenho bastou à empresa duplicar o valor das vendas e serviços prestados (de 35,7 milhões de euros, em 2019, para 74.4 milhões, em 2020).

    Situação similar, embora inferior em montante absoluto, registou a empresa Dr. Joaquim Chaves S.A., também um dos principais laboratórios de análises e diagnósticos clínicos a nível nacional. No ano de 2019, antes da pandemia, obteve um resultado operacional próximo dos 8 milhões e um lucro líquido de 2,8 milhões. Em 2020, os resultados operacionais atingiram os 16,5 milhões de euros, enquanto os lucros mais do que quadruplicaram em relação ao ano anterior, aproximando-se dos 11.7 milhões de euros.

    Em 2021, os lucros destes e de muitos outros laboratórios serão certamente superiores, tanto mais que o SNS reforçou o pedido de diagnósticos não-covid adiados ao longo do ano anterior por razões de estratégia política do Ministério da Saúde.


  • Pandemia não inverteu crise crónica

    Pandemia não inverteu crise crónica

    𝑂𝑠 𝑗𝑜𝑟𝑛𝑎𝑖𝑠 𝑒 𝑎𝑠 𝑟𝑒𝑣𝑖𝑠𝑡𝑎𝑠 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑖𝑛𝑢𝑎𝑚 𝑎 𝑑𝑒𝑠𝑎𝑝𝑎𝑟𝑒𝑐𝑒𝑟 𝑑𝑎𝑠 𝑏𝑎𝑛𝑐𝑎𝑠, 𝑒 𝑎𝑠 𝑎𝑠𝑠𝑖𝑛𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎𝑠 𝑑𝑖𝑔𝑖𝑡𝑎𝑖𝑠 𝑛𝑎̃𝑜 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑒𝑛𝑠𝑎𝑚 𝑎 𝑝𝑒𝑟𝑑𝑎 𝑑𝑒 𝑙𝑒𝑖𝑡𝑜𝑟𝑒𝑠. 𝐸𝑚 2001, 𝑎 𝑟𝑒𝑣𝑖𝑠𝑡𝑎 𝐵𝑎𝑡𝑎𝑡𝑜𝑜𝑛 𝑣𝑒𝑛𝑑𝑖𝑎 𝑚𝑎𝑖𝑠 𝑑𝑜 𝑞𝑢𝑒 ℎ𝑜𝑗𝑒 𝑜 𝐷𝑖𝑎́𝑟𝑖𝑜 𝑑𝑒 𝑁𝑜𝑡𝑖́𝑐𝑖𝑎𝑠 𝑒𝑚 𝑝𝑎𝑝𝑒𝑙 𝑒 𝑓𝑜𝑟𝑚𝑎𝑡𝑜 𝑑𝑖𝑔𝑖𝑡𝑎𝑙. 𝐶𝑜𝑛𝑓𝑖𝑟𝑎 𝑐𝑜𝑚𝑜 𝑒𝑣𝑜𝑙𝑢𝑖́𝑟𝑎𝑚 𝑎𝑠 𝑣𝑒𝑛𝑑𝑎𝑠 𝑑𝑜𝑠 𝑝𝑟𝑖𝑛𝑐𝑖𝑝𝑎𝑖𝑠 𝑝𝑒𝑟𝑖𝑜́𝑑𝑖𝑐𝑜𝑠 𝑝𝑜𝑟𝑡𝑢𝑔𝑢𝑒𝑠𝑒𝑠 𝑑𝑒𝑠𝑑𝑒 𝑜 𝑖𝑛𝑖́𝑐𝑖𝑜 𝑑𝑜 𝑠𝑒́𝑐𝑢𝑙𝑜. 𝐴 𝑐𝑢𝑙𝑝𝑎 𝑑𝑜 𝑒𝑣𝑖𝑑𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑑𝑒𝑠𝑎𝑠𝑡𝑟𝑒 𝑠𝑒𝑟𝑎́ 𝑑𝑜𝑠 𝑙𝑒𝑖𝑡𝑜𝑟𝑒𝑠 𝑜𝑢 𝑑𝑜 𝑗𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙𝑖𝑠𝑚𝑜?


    Apesar do fluxo noticioso da pandemia, os principais títulos da imprensa generalista portuguesa mantêm-se num processo de declínio profundo, que nem as subscrições digitais conseguem mitigar.

    De acordo com os dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), de entre as publicações de âmbito nacional, todos os quatros diários – Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Público – e os três semanários – Expresso, Sábado e Visão – venderam menos exemplares impressos no terceiro trimestre deste ano em comparação com o período homólogo de 2019.

    Circulação paga impressa (papel) – número médio no 3º trimestre (APCT; dados tratados por PAV)

    A maior queda registou-se no Diário de Notícias (-45%), seguindo-se a revista Sábado (-41%) e o Jornal de Notícias (-37%). A menor queda foi a do Expresso, com as vendas em banca a retraírem 11% nos últimos dois anos. Em termos absolutos, no conjunto destas publicações foram vendidos por edição menos 77.143 exemplares em papel. O jornal mais penalizado foi o Correio da Manhã (-22.310 exemplares vendidos em banca), embora continue a ser a publicação de informação generalista com maiores vendas por edição em papel.

    A situação não é mais grave porque as assinaturas digitais têm amenizado a crise, não apenas por os leitores terem mudado de hábitos de compra em quiosques e papelarias, no decurso da pandemia, mas também pelas fortes campanhas de marketing com preços bastante reduzidos. Assim, somando as vendas em papel e as assinaturas digitais, o cenário torna-se um pouco menos sombrio, com o Público e o Expresso a recuperarem leitores em comparação com o período homólogo de há dois anos.

    No primeiro caso, o diário da Sonae passou de uma circulação total (impressa e digital) de 34.280 exemplares por edição no terceiro trimestre de 2019 para 50.763 no último trimestre, sobretudo por ter mais do que duplicado as assinaturas digitais (crescimento líquido de 22.154).

    Circulação paga total (impressa e digital) – número médio no 3º trimestre (APCT; dados tratados por PAV)

    No caso do semanário da Impresa, o crescimento foi mais modesto: no terceiro trimestre de 2019 teve uma circulação paga total de 85.292 exemplares por edição; no último trimestre foi de 97.150, muito por força do incremento líquido de mais de 18 mil assinaturas digitais. As outras publicações (Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Sábado e Visão) não conseguiram fazer compensar com as assinaturas digitais as perdas em banca. Com efeito, ao contrário do Expresso e do Público, a sua expressão no mundo digital ainda é pouco relevante.

    Porém, estes números das principais publicações generalistas, e ainda mais comparando um período de tempo tão curto, não revelam toda a profunda crise da imprensa portuguesa, afectando todos os segmentos. Analisando todas as publicações auditadas pela APCT, no terceiro trimestre do presente ano já nenhuma ultrapassou uma circulação paga superior a 100 mil exemplares.

    Vendas totais no 3º trimestre de 2001 (Fonte: APCT)

    O Expresso esteve próximo dessa fasquia no mais recente trimestre, embora a tenha superado ligeiramente na primeira metade do ano de 2021. Por outro lado, somente mais quatro publicações pagas ultrapassaram os 50 mil exemplares vendidos por edição: Continente Magazine (62.660, sendo aquela com maior circulação paga impressa), Maria (59.595), Correio da Manhã (55.517) e Público (50.763). No total, de entre as publicações do top 20 encontram-se cinco com vendas totais inferiores a 20 mil exemplares por edição.

    O contraste com o início do século é tremendo. Não apenas existiam muitas mais publicações – a APCT auditava então 145, enquanto agora rondam a meia centena – como as vendas, todas em banca, eram espantosamente maiores. Considerando o terceiro trimestre de 2001, havia 13 publicações com vendas superiores a 100 mil exemplares e mais 15 com vendas entre 50 mil e 100 mil.

    A revista Maria estava no topo com vendas de 326.757 exemplares por edição. Embora agora esta popular revista do outrora pujante Grupo Impala ainda ocupe a terceira posição das publicações com maiores vendas, em termos relativos vende agora menos de um quinto (18%) do que vendia há 20 anos.

    As revistas do segmento do lazer e televisão eram então rainhas e senhoras. No terceiro trimestre de 2001, as revistas Nova Gente, Tempo Livre, Selecções do Reader’s Digest, Telenovelas, TV 7 Dias, Caras e Ana vendiam, cada uma, mais de 100 mil exemplares por edição. Mas mesmo os jornais de informação generalista ou especializada não se portavam nada mal. O Expresso atingiu, nesse período, vendas da ordem dos 137 mil exemplares – mesmo assim já longe do seu máximo esplendor: no terceiro trimestre de 1995, o semanário fundado por Pinto Balsemão – e que teve Marcelo Rebelo de Sousa como director entre 1979 e 1981 – alcançou os 169.454 jornais vendidos por edição.

    Vendas totais no 3º trimestre de 2021 (Fonte: APCT)

    A revista Visão e os diários Jornal de Notícias e Correio da Manhã superavam também a barreira dos 100 mil exemplares vendidos. E mesmo os desportivos estavam num paraíso. Por exemplo, mesmo com concorrência acérrima, o Record chegou aos 118 exemplares vendidos por edição.

    Além da extinção de títulos icónicos – como os diários 24 Horas, A Capital, o Comércio do Porto, os semanários Independente, Focus e Euronotícias, e a revista mensal Grande Reportagem –, as últimas duas décadas mostraram-se dramáticas para os periódicos ainda “sobreviventes”.

    Dos principais periódicos generalistas, em 20 anos o Público foi aquele que menos perdeu em vendas (cerca de 10%), embora a queda seja brutal se se considerar somente as vendas em banca (-78%). A revista Visão e o Jornal de Notícias perderam ambos 72% do número total de vendas, o Correio da Manhã 46%, e o Expresso 30%. A actual versão da revista Sábado não era ainda publicada em 2001.

    O símbolo máximo da crise da imprensa tradicional em Portugal acaba por ser o Diário de Notícias. No primeiro trimestre de 2001 vendeu 65.382 exemplares por edição, fechando o top 20 dos periódicos mais vendidos. No apuramento mais recente da APCT surge apenas com 2.969 exemplares vendidos em banca e mais 1.958 assinaturas, ocupando a 42ª posição, atrás mesmo do seu homónimo da Madeira.

    Será que todo este cenário negro se deveu somente à mudança de hábitos e à introdução de novas tecnologias? Ou foi também o jornalismo – e a qualidade dos jornalistas?


  • Letalidade e internamentos em baixa contrastam com restrições (agora) em alta

    Letalidade e internamentos em baixa contrastam com restrições (agora) em alta

    Governo anunciou mais restrições a partir de 1 de Dezembro, e a aplicação de medidas de discriminação aos não-vacinados, embora diversos indicadores associados à letalidade da covid-19 e aos internamentos mostrem uma situação pandémica muito mais favorável do que no ano passado.


    A evolução dos indicadores de letalidade do SARS-CoV-2 e dos internamentos totais e em unidade de cuidados intensivos (UCI) mostram que a covid-19 está muito menos perigosa em Novembro deste ano do que em período homólogo do ano passado, mostrando mesmo uma situação mais favorável em comparação com o último Verão.

    Apesar disso, o Governo anunciou esta semana novas restrições para a contenção de uma alegada quinta vaga, recuando no processo de normalização da actividade económica e social, e impondo mesmo acções de discriminação em relação aos não-vacinados, mesmo às pessoas com imunidade natural (recuperados). Além disso, apresta-se a Direcção-Geral da Saúde (DGS) para aprovar a vacina para as crianças entre os 5 e os 11 anos, apesar de nesta faixa etária ainda não se ter registado qualquer óbito por covid-19.

    Óbitos diários por covid-19 por 10.000 casos activos (média móvel de 5 dias)
    Fonte: DGS (dados tratados por PAV)

    Numa análise estatística do PÁGINA UM aos dados oficiais da DGS, constata-se uma evidente redução da perigosidade relativa do coronavírus. Tendo, por exemplo, como referência o dia 26 de Novembro, este ano observa-se uma redução nos óbitos diários por 10.000 casos activos de 72% em comparação com 2020, sendo que nos indicadores de internamento as descidas são também significativas: menos 65% no número total de internados por 10.000 casos activos e menos 67% no número de internados em UCI. Recorde-se que, ontem, a DGS reportou 12 óbitos, 708 internados e ainda 51.689 casos activos, enquanto exactamente há um ano os números eram mais elevados: 82.116 casos activos, 3.208 internados e 67 mortes.

    Confrontando com o pico da pandemia, em Janeiro e Fevereiro deste ano – quando os surtos apanharam uma população descompensada pela suspensão de muitos serviços médicos ao longo de 2020, e coincidiram com uma intensa vaga de frio e o colapso da assistência ao nível do Serviço Nacional de Saúde (SNS) –, a situação actual é incomensuravelmente mais favorável. Em 29 de Janeiro passado chegaram a morrer aproximadamente 17 pessoas por cada 10.000 casos então activos, enquanto ontem se registaram cerca de 3 óbitos (2,7) por 10.000 casos activos.

    Significa isto que se se mantiver este rácio em redor de 3 óbitos ao longo do próximo Inverno, então a mortalidade por covid-19 será pouco superior a 50 óbitos mesmo se se atingir o pico de casos activos do início do ano (cerca de 180 mil). Este valor de mortalidade, caso subsista a baixa actividade dos vírus influenza, determinaria um Inverno muito menos letal do que a generalidade dos surtos gripais da pré-pandemia.

    Internados com covid-19 por 10.000 casos activos (média móvel de 5 dias)
    Fonte: DGS (dados tratados por PAV)

    Também se deve realçar que a pressão hospitalar está muito mais baixa este ano do que no pico invernal passado. Em 12 de Fevereiro, os internamentos por covid-19 chegaram a atingir os 466 por 10.000 casos activos. Ou seja, neste dia, cerca de 4,7% dos casos positivos estavam a necessitar de internamento médico. Ontem, este rácio estava nos 1,4%, um dos valores mais baixos desde o início da pandemia. Há um ano, em 26 de Novembro, a necessidade de internamento era de quase 4% (395 internados por 10.000 casos activos).

    No caso dos internamentos com necessidade de ventilação e/ou tratamento intensivo, as boas notícias são também evidentes. O rácio de internados em UCI por 10.000 casos positivos era ontem de apenas 20,6 por 10.000 casos activos – um dos valores mais baixos desde o início da pandemia –, que contrasta com os 77,6 internados por 10.000 casos activos registados no pico do Inverno passado (22 de Fevereiro). No ano passado, em 26 de Novembro, este rácio era três vezes superior (62,6) ao que agora se observa. Saliente-se que ontem estavam internados em UCI apenas 104 doentes, quando há um ano eram 526.

    Para estes cenários concorrem vários factores, que não exclusivamente decorrentes das vacinas. Sendo certo que a evolução favorável dos indicadores de letalidade e de internamentos coincidem temporalmente com o crescimento do programa de vacinação – que abrange já 86,6% da população com duas doses –, também será necessário considerar outros factores relevantes.

    Internados em UCI com covid-19 por 10.000 casos activos
    Fonte: DGS (dados tratados por PAV)

    Por um lado, uma eventual menor actividade viral do SARS-CoV-2 na Primavera e Verão – que são também períodos, por razões meteorológicas, com menor grau de descompensação física da população mais vulnerável – pode ter levado a um menor impacte da infecção na população mais susceptível, mesmo com o surgimento da variante delta, com maior capacidade de transmissão – mas não necessariamente maior letalidade. Por outro lado, de forma trágica, o excesso de mortalidade por todas as causas ao longo de 2020, e sobretudo em Janeiro e Fevereiro deste ano, acabaram por reduzir drasticamente a população mais vulnerável.

    Em todo o caso, não existindo dados que retirem mérito às vacinas – muito pelo contrário, até porque os indicadores mostram reduções relevantes não explicáveis apenas por razões climáticas, demográficas ou de evolução dos tratamentos médicos –, a análise diacrónica dos três indicadores analisados revela um sinal preocupante: uma eventual rápida perda de eficácia ao fim de poucos meses. Com efeito, tanto nos indicadores da letalidade como dos internamentos, observa-se os valores mínimos a serem atingido em Maio e Junho, registando-se depois um agravamento da mortalidade durante os meses de Julho e Agosto. Aliás, o número de óbitos no Verão deste ano foi superior ao do ano passado, ainda sem vacina.

    Por fim, uma outra questão fundamental deveria passar a ser colocada: independentemente dos factores que contribuam para tal, a covid-19 mostra sinais de estar a “enfraquejar”, podendo ser por acção natural e/ou humana. Enfim, poderá estar a passar para a fase endémica, devendo assim ser gizada uma estratégia de Saúde Pública consentãnea com esse “estado”. Porém, a Europa, com Portugal incluído, comporta-se como se a pandemia estivesse no seu pico. Não está. Donde se deve colocar ainda outra questão: qual é o actual propósito dos governantes’ Será mesmo a saúde dos seus concidadãos?


  • Pandemia está mais fraca do que no Verão

    Pandemia está mais fraca do que no Verão

    𝑁𝑢𝑚𝑎 𝑎𝑙𝑡𝑢𝑟𝑎 𝑒𝑚 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑢𝑖𝑡𝑜𝑠 𝑑𝑒𝑠𝑒𝑗𝑎𝑚 𝑖𝑚𝑝𝑜𝑟 𝑚𝑎𝑖𝑠 𝑟𝑒𝑠𝑡𝑟𝑖𝑐̧𝑜̃𝑒𝑠 𝑒 𝑑𝑖𝑠𝑐𝑟𝑖𝑚𝑖𝑛𝑎𝑟 𝑛𝑎̃𝑜-𝑣𝑎𝑐𝑖𝑛𝑎𝑑𝑜𝑠, 𝑢𝑚𝑎 𝑏𝑟𝑒𝑣𝑒 𝑎𝑛𝑎́𝑙𝑖𝑠𝑒 𝑜𝑏𝑗𝑒𝑐𝑡𝑖𝑣𝑎 𝑑𝑎 𝑒𝑣𝑜𝑙𝑢𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑒𝑝𝑖𝑑𝑒𝑚𝑖𝑜𝑙𝑜́𝑔𝑖𝑐𝑎 𝑑𝑒 𝑃𝑜𝑟𝑡𝑢𝑔𝑎𝑙 𝑎𝑜 𝑙𝑜𝑛𝑔𝑜 𝑑𝑎 𝑝𝑎𝑛𝑑𝑒𝑚𝑖𝑎 𝑚𝑜𝑠𝑡𝑟𝑎 𝑞𝑢𝑒 𝑎 𝑎𝑐𝑡𝑢𝑎𝑙 𝑠𝑖𝑡𝑢𝑎𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑒𝑠𝑡𝑎́ 𝑙𝑜𝑛𝑔𝑒 𝑑𝑜 𝑑𝑟𝑎𝑚𝑎𝑡𝑖𝑠𝑚𝑜 𝑟𝑒𝑣𝑒𝑙𝑎𝑑𝑎 𝑝𝑒𝑙𝑎 𝑐𝑜𝑚𝑢𝑛𝑖𝑐𝑎𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑠𝑜𝑐𝑖𝑎𝑙 𝑚𝑎𝑖𝑛𝑠𝑡𝑟𝑒𝑎𝑚. 𝑁𝑜 𝐼𝑛𝑣𝑒𝑟𝑛𝑜 𝑝𝑎𝑠𝑠𝑎𝑑𝑜, 𝑎 𝑐𝑜𝑣𝑖𝑑-19 𝑐ℎ𝑒𝑔𝑜𝑢 𝑎 𝑠𝑒𝑟 𝑎 𝑐𝑎𝑢𝑠𝑎 𝑑𝑒 40 𝑒𝑚 𝑐𝑎𝑑𝑎 100 𝑚𝑜𝑟𝑡𝑒𝑠; 𝑎𝑔𝑜𝑟𝑎 𝑛𝑒𝑚 𝑐ℎ𝑒𝑔𝑎 𝑎𝑜𝑠 𝑡𝑟𝑒̂𝑠 𝑒𝑚 𝑐𝑎𝑑𝑎 100 𝑜́𝑏𝑖𝑡𝑜𝑠.


    O impacte da covid-19 na mortalidade total em Portugal no mês de Novembro de 2020 foi sete vezes pior do que está a ser este ano, apesar das pressões sobre o Governo para repor e mesmo intensificar medidas preventivas com vista a controlar uma suposta quinta vaga da pandemia.

    No dia em que foram retomadas as reuniões informais no INFARMED com “peritos” convidados pelo Governo e Presidente da República – mantendo-se o Conselho Nacional de Saúde Pública estranhamente inactivo há 20 meses –, Portugal apresenta uma situação claramente menos dramática do que no ano passado, mesmo considerando os casos activos, que são agora cerca de metade dos do ano passado (41 mil vs. 81 mil).

    Percentagem de óbitos por covid-19 na mortalidade por todas as idades (média móvel de 7 dias) – Fonte: DGS (dados tratados por PAV)

    Além de um menor número de casos, os indicadores associados à letalidade indicam assim que o vírus SARS-CoV-2 se está a tornar menos mortífero, o que poderá estar associado praticamente à cobertura integral da vacinação entre os mais idosos e vulneráveis. E também, certamente, ao facto de o coronavírus ter contactado muitas mais pessoas ao longo do último ano, concedendo-lhes imunidade natural.

    Recorde-se que em meados de Novembro do ano passado apenas tinham sido infectadas (ou registado teste positivo) cerca de 236 mil pessoas, sendo que actualmente esse número ultrapassa os 1,1 milhões.
    Não menos relevante será o facto de a elevadíssima mortalidade no Inverno passado, sobretudo em Janeiro e Fevereiro – com picos diários de mortalidade que superaram os 700 óbitos, quando em anos anteriores raramente ultrapassava os 500 em dias mais mortíferos –, ter “eliminado” uma parte da população mais vulnerável.

    people in white shirt holding clear drinking glasses

    De acordo com dados públicos disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde (sistema de vigilância epidemiológica e Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), nos primeiros 17 dias deste mês a covid-19 terá sido responsável por 126 óbitos num universo de 5.579 mortes por todas as causas, representando apenas 2,3% do total, enquanto em período homólogo do ano passado estavam já contabilizados 1.046 óbitos por covid-19 num universo de 6.471 mortes, o que significava um impacte directo da pandemia na mortalidade total da ordem dos 16,2%.

    A situação epidemiológica desta pandemia está assim, neste momento, muito longe de ser assustadora, e até aparenta uma evolução bastante favorável face ao Verão, em especial quando se considera as variações da mortalidade ao longo do ano. Recorde-se que, antes da pandemia, a mortalidade total no Verão raramente ultrapassava os 300 óbitos por dia, valor que confrontava com mais de 400 mortes diárias no Inverno, sobretudo em períodos de surtos gripais.

    Analisando os dados oficiais, tanto em termos absolutos como sobretudo relativos, a primeira quinzena de Novembro deste ano mostra uma situação bastante mais favorável do que, por exemplo, o passado mês de Agosto. Com referência ao dia 17 do presente mês, a covid-19 foi responsável por somente 2,6% dos óbitos dos sete dias anteriores, enquanto em grande parte dos dias de Agosto passado esse rácio encontrava-se acima dos 5%.

    Caso se compare Novembro deste ano com o mês homólogo de 2020, então evidencia-se ainda mais a situação altamente favorável que agora se vivencia. De facto, em Novembro do ano passado estava a iniciar-se um agravamento significativo da pandemia, revelada não apenas nas mortes por covid-19 mas sobretudo no seu peso na mortalidade total. No dia 1 de Novembro de 2020, o contributo da covid-19 na mortalidade total (média móvel de 7 dias) era já de 9,2%, mas no dia 17 subiria para os 19,7%. Significava isto que um em cada cinco óbitos era por covid-19.

    Percentagem de óbitos por covid-19 no total de todas as causas (média móvel de 7 dias) – 1 de Outubro até 17 de Novembro (2020 e 2021) – Fonte: DGS (dados tratados por PAV)

    A situação pandémica piorou muito significativamente ao longo do Inverno passado, mesmo podendo-se questionar a contabilização das mortes causadas pelo SARS-CoV-2, uma vez que, independentemente das comorbilidades associadas, as mortes eram codificadas como covid-19 se a vítima tivesse de um teste positivo ao SARS-CoV-2 no momento do óbito.

    Num período extremamente complexo de colapso absoluto do Serviço Nacional de Saúde, incapaz de dar resposta à afluência de doentes de todas as causas, os óbitos por covid-19 chegaram a ultrapassar os 40% do total entre 30 de Janeiro e 9 de Fevereiro (vd. gráfico). Esta hecatombe é cerca de 15 vezes pior do que agora.

    A repetição deste cenário no Inverno 2020-2021 parece pouco provável, pelos indicadores actuais, mostrando-se assim algo injustificável, à luz da ciência e das políticas públicas de Saúde, imporem-se normas ainda mais restritivas e, pior ainda, diferenciadoras – ou discriminatórias – entre vacinados e não-vacinados.


  • Sócrates é o primeiro antigo primeiro ministro a recorrer a entidade reguladora com 26 anos

    Sócrates é o primeiro antigo primeiro ministro a recorrer a entidade reguladora com 26 anos

    Lei para obrigar Administração Pública a ser mais transparente foi aprovada em 1993, mas perante a expectável dificuldade dos cidadãos, a Assembleia da República criou uma comissão reguladora presidida por um juiz. Mais de um quarto de século depois, e com o crescimento das queixas, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos continua limitada na sua acção, porque os seus pareceres não são vinculativo. Mas assim continua a ser uma opção derradeiras antes do recurso aos tribunais. Sócrates aproveitou.


    O facto inédito de um antigo primeiro-ministro recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) – que acabou por lhe conceder razão – evidencia como muitas entidades públicas, onde se insere o Conselho Superior de Magistratura, ainda se mantêm relutantes em ceder informação e documentos aos cidadãos. Aliás, o PÁGINA UM já apresentou à CADA, em menos de um mês, cinco queixas sobre a recusa de acesso a documentos administrativos por parte da Direcção-Geral da Saúde (3), Ordem dos Médicos e Comissão Nacional de Eleições. E, curiosamente, para aceder ao nome do requerente do processo de José Sócrates contra o CSM, o PÁGINA UM viu-se mesmo obrigado a apresentar um requerimento ao próprio presidente da CADA, uma vez que, na primeira consulta do processo, o nome do antigo primeiro-ministro estava “anonimizado” – como se pode confirmar no próprio site daquela entidade (vd. aqui).

    Desde 1993, com a aprovação da primeira Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), os cidadãos passaram a poder requerer, sem necessidade de justificação de interesse, o acesso a documentos administrativos, excepto em casos particulares de saúde ou de matérias classificadas. Mesmo no caso de documentos nominativos, embora com algumas restrições, o acesso passou a ser possível desde que fosse evidente o interesse directo e pessoal. Por esse motivo, a LADA tem sido uma ferramenta jurídica muito usada, por exemplo, por jornalistas ou associações ambientalistas.

    Para evitar o triste fado de boas intenções legais, sem efeitos práticos, a LADA estabeleceu a criação da CADA, com funções de regulação no acesso à informação. Assim, no caso de uma entidade pública indeferir expressa ou tacitamente um requerimento ou limitar o exercício do direito de acesso, os cidadãos passaram a poder dirigir reclamações à CADA, que, depois de auscultação à entidade requerida e uma análise jurídica, emitem um parecer. De igual modo, além de outras incumbências que foram variando ao longo do tempo – uma das quais relativas à emissão de parecer obrigatório para acesso a documentos clínicos –, a CADA tem a incumbência de emitir pareceres perante dúvidas solicitadas pelas entidades requeridas.

    No entanto, constituindo uma das principais falhas da LADA – que nunca foi melhorada ao fim de mais de duas décadas –, os pareceres da CADA não são vinculativos. Ou seja, mesmo que um seu parecer conceda razão ao requerente, a entidade requerida pode manter a recusa, não havendo nenhuma responsabilização por esse acto. Nessas circunstâncias, os cidadãos apenas têm como recurso a instauração de um processo nos tribunais administrativos. Aliás, em determinadas situações, a intervenção da CADA pode até ser um empecilho burocrático, pois um cidadão terá, em qualquer circunstância de apresentar primeira uma queixa à CADA e aguardar o seu parecer. Caso não siga estes procedimentos, o Tribunal Administrativo recusará a petição.

    O primeiro parecer da CADA surgiu em 21 de Fevereiro de 1995, relativo a uma queixa de um antigo funcionário do Centro Escolar de São Bernardino, instituição na dependência da então Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores, sob alçada do Ministério da Justiça. A leitura do parecer da CADA sobre este processo – que se referia ao simples pedido de acesso desse ex-funcionário aos «Livros de Ponto dos anos de 1987 a 1991, na parte que lhe respeita[va]», bem como às «Folhas de Remuneração, que lhe respeit[ass]em» – mostra bem a forma como então a Administração Pública geria este tipo de pedidos por parte dos cidadãos: não respondia.

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    E assim, analisado o indeferimento tácito e o enquadramento legal, a CADA deu provimento à reclamação, «reconhecendo-lhe o direito de consulta e reprodução dos documentos nominativos que haviam sido requeridos». Nesse ano de 1995 seriam, no entanto, registados na CADA apenas 72 processos, sendo concluídos 51 e emitidos 38 pareceres. No ano seguinte, registou-se um ligeiro aumento nas queixas, mensurável pelo número de processos iniciados, mas duplicando a emissão de pareceres.
    A relação entre o número de pareceres e de processos iniciados, embora podendo respeitar a questões diferentes, situava-se nos 80%, o que indicia que, neste período inicial, os níveis de conflitualidade, invisíveis antes da LADA, mostravam-se elevados entre a Administração Pública e os cidadãos.

    Esses níveis manter-se-ia altos, acima dos 75% até ao ano 2000, baixando a partir daí, mas aumentariam os processos (queixas) para números anuais geralmente entre os 500 e os 800 no período de 2001 a 2013, subindo depois para valores acima dos 800 processos entre os anos de 2014 e 2018. Este aumento de queixas implicou, embora com relação pareceres/processos menor do que nos primeiros anos, também um maior número de pareceres emitidos pela CADA. Com efeito, se apenas em 1998 a CADA ultrapassou a centena de pareceres, com um total de 177, nos anos seguintes o número avolumou-se, atingindo mais de quatro centenas de pareceres (414) em 2010. Em 2018, e fruto do reforço de meios administrativos e jurídicos, foram emitidos 556 pareceres, o valor mais elevado de sempre. No ano passado, em consequência da pandemia, foram apenas emitidos 337 pareceres, enquanto este ano foram concluídos somente 330, embora faltando ainda duas reuniões plenárias até ao final do ano.

    Um dos motivos para a discrepância entre processos iniciados e pareceres emitidos deve-se, em certa medida, ao efeito dissuasor de uma queixa junto da CADA, uma vez que esta faz um contacto formal à entidade requerida, de resposta obrigatória pelo responsável, o que, em muitos casos, impele a entidade requerida a satisfazer o pedido formulado pelo cidadão. Na verdade, por regra, a CADA apenas emite um parecer se a entidade, argumentando ou não na sua resposta, mantiver a recusa no fornecimento dos documentos solicitados.

    Estes números podem ter duas leituras. Por um lado, mostram que os cidadãos se mostram mais activos e conhecedores dos seus direitos perante a Administração Pública, que inclui entidades com funções delegadas. Porém, também revela que, ao fim de quase meio século de democracia, as entidades públicas – dinamizadas e lideradas por cidadãos – ainda não demonstram, em muitos casos, a transparência e a abertura que se esperaria na cedência de informação vital para as pessoas e a vida em sociedade.


  • Conselho Superior de Magistratura ‘obrigado’ a mostrar inquérito a José Sócrates

    Conselho Superior de Magistratura ‘obrigado’ a mostrar inquérito a José Sócrates

    𝐸𝑛𝑡𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑐𝑟𝑖a𝑑𝑎 𝑒𝑚 1993 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑟𝑒𝑔𝑢𝑙𝑎𝑟 𝑒 𝑎𝑝𝑜𝑖𝑎𝑟 𝑜 𝑎𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜 𝑎𝑜𝑠 𝑑𝑜𝑐𝑢𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜𝑠 𝑎𝑑𝑚𝑖𝑛𝑖𝑠𝑡𝑟𝑎𝑡𝑖𝑣𝑜𝑠, 𝑓𝑜𝑖 𝑢𝑠𝑎𝑑𝑎 𝑝𝑒𝑙𝑎 𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑖𝑟𝑎 𝑣𝑒𝑧 𝑝𝑜𝑟 𝑢𝑚 𝑎𝑛𝑡𝑖𝑔𝑜 𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑖𝑟𝑜-𝑚𝑖𝑛𝑖𝑠𝑡𝑟𝑜, 𝑎𝑝𝑜́𝑠 𝑢𝑚𝑎 𝑟𝑒𝑐𝑢𝑠𝑎 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝐶𝑜𝑛𝑠𝑒𝑙ℎ𝑜 𝑆𝑢𝑝𝑒𝑟𝑖𝑜𝑟 𝑑𝑒 𝑀𝑎𝑔𝑖𝑠𝑡𝑟𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎 𝑒𝑚 𝑐𝑒𝑑𝑒𝑟 𝑐𝑜́𝑝𝑖𝑎 𝑑𝑒 𝑢𝑚 𝑟𝑒𝑙𝑎𝑡𝑜́𝑟𝑖𝑜 𝑖𝑛𝑠𝑝𝑒𝑐𝑡𝑖𝑣𝑜 𝑟𝑒𝑙𝑎𝑐𝑖𝑜𝑛𝑎𝑑𝑜 𝑐𝑜𝑚 𝑎 𝑒𝑠𝑐𝑜𝑙ℎ𝑎 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑗𝑢𝑖𝑧 𝐶𝑎𝑟𝑙𝑜𝑠 𝐴𝑙𝑒𝑥𝑎𝑛𝑑𝑟𝑒. 𝐶𝑜𝑚 𝑜 𝑎𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜 𝑙𝑖𝑣𝑟𝑒 𝑎𝑜 𝑟𝑒𝑙𝑎𝑡𝑜́𝑟𝑖𝑜, 𝐽𝑜𝑠𝑒́ 𝑆𝑜́𝑐𝑟𝑎𝑡𝑒𝑠 𝑎𝑏𝑟𝑖𝑟𝑎́ 𝑛𝑜𝑣𝑎 𝑓𝑟𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑑𝑒 𝑏𝑎𝑡𝑎𝑙ℎ𝑎 𝑗𝑢𝑟𝑖́𝑑𝑖𝑐𝑎 𝑛𝑎 𝑖𝑛𝑓𝑖𝑛𝑑𝑎́𝑣𝑒𝑙 𝑂𝑝𝑒𝑟𝑎𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑀𝑎𝑟𝑞𝑢𝑒̂𝑠.


    O Conselho Superior de Magistratura (CSM) vai conceder a José Sócrates o acesso ao relatório do inquérito à distribuição do processo da Operação Marquês em 2014, algo que já recusara por duas vezes este ano, invocando então que aqueles documentos estariam sob “segredo de justiça”, e portanto inacessíveis.

    Este volte-face vem no seguimento de um parecer solicitado em Agosto último pelo antigo primeiro-ministro socialista à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) – órgão independente, que funciona junto da Assembleia da República, e é presidida pelo juiz conselheiro Alberto Andrade de Oliveira.

    No parecer da CADA – discretamente publicado em meados de Outubro passado no respectivo site, sem identificar José Sócrates como requerente – considera-se que “um documento administrativo, ainda que possa ser utilizado em processo judicial, não perde, só por isso, a sua natureza de documento administrativo”.

    Tendo como relator Tiago Fidalgo de Freitas, docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o referido parecer da CADA, aprovado por unanimidade, releva que mesmo se o inquérito conduzido pelo CSM se encontra agora nos autos da Operação Marquês, a autoridade judiciária jamais revelou “necessidade de segredo no respeitante à documentação ora solicitada” por José Sócrates, instando assim o CSM a facultar-lhe o acesso.

    Embora os pareceres da CADA não sejam vinculativos – ou seja, não obrigam entidades públicas a cumprirem as determinações –, já existe a garantia de o relatório ficar acessível, mas Sócrates ainda vai ter de aguardar mais algumas semanas, pelo menos.

    O CSM adiantou ao PÁGINA UM que no passado dia 9 de Novembro foi já decidido, em plenário, “dar cumprimento ao parecer da CADA (…), no sentido de disponibilizar a José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa um conjunto de documentos requeridos pelo mesmo”. No entanto, tal ainda não ocorreu porque, ainda segundo o CSM, “não se tratando de procedimento urgente ou de deliberação que careça de ser imediatamente executada por perder a sua utilidade prática, (…) a mencionada deliberação será objeto de cumprimento” somente na próxima sessão mensal do plenário, ou seja, no dia 7 de Dezembro.

    Saliente-se, porém, que no decurso do processo instaurado pela CADA, o CSM insistiu junto desta entidade na tese do “segredo de justiça” para defender a recusa no acesso aos documentos. Caso o parecer da CADA não fosse acatado, José Sócrates seria obrigado a recorrer ao Tribunal Administrativo, mas colocaria o CSM novamente na mira do ex-governante, que se tem sempre colocado num papel de vítima do sistema judicial.

    Além disso, causaria certamente um incómodo institucional se o CSM recusasse cumprir uma deliberação unânime da CADA, presidida por um juiz conselheiro e com membros nomeados pela Assembleia da República, Governo, Governos Regionais (Madeira e Açores), Associação Nacional de Municípios, Ordem dos Advogados e Comissão Nacional de Protecção de Dados.

    Cópia integral da primeira página do parecer da CADA

    Embora este seja apenas mais uma das muitas quezílias jurídicas da Operação Marquês, desencadeada em 2014, em causa estão, neste caso, os procedimentos aquando da distribuição inicial do processo ao juiz Carlos Alexandre, que decretou a prisão preventiva de José Sócrates, mas que se revestem de grande relevância jurídica.

    O antigo primeiro-ministro – actualmente pronunciado para ser julgado por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos – apontou, desde sempre, para a existência de irregularidades na escolha de Carlos Alexandre como juiz de instrução, considerando que, ao não se proceder ao sorteio do juiz de instrução em Setembro de 2014 por meios electrónicos, se violaram princípios jurídicos susceptíveis de nulidade processual.

    O incidente acabou por ser corroborado pelo juiz Ivo Rosa, em sede do debate instrutório, que ordenou a extracção de uma certidão com vista à instauração de um inquérito às eventuais anomalias na entrega manual da instrução a Carlos Alexandre. No limite, se se provarem falhas insanáveis, a Operação Marquês corre o risco de voltar à estaca zero ou “eternizar-se” até à prescrição total, porque todas as decisões anteriores de Carlos Alexandre podem vir a ser consideradas nulas ou anuláveis.

    Sócrates tem, aliás, criticado duramente a postura do CSM neste particular caso do inquérito desencadeado por Ivo Rosa, censurando os conselheiros por pactuarem com uma “situação grave para o Estado de Direito como distribuições processuais irregulares”, insistindo na tese de “manipulação”. O ex-primeiro-ministro socialista – que se desvinculou do PS em rota de colisão com António Costa, seu antigo ministro – acusou até os conselheiros do CSM de “querer[em] transformar um documento público num documento secreto”, sentenciando ainda: “Nenhuma lei da República vos dá esse poder. A vossa decisão é inaceitável”.

    Com a divulgação para breve do teor integral do relatório de inquérito inicial e de avaliação complementar às alegadas anomalias na escolha do juiz de instrução da Operação Marquês, será previsível nova “frente de batalha” numa “guerra jurídica” que já conta sete longos anos sem fim à vista. Recorde-se que este relatório – e até agora considerado inacessível pelo CSM – foi conduzido pelo inspector judiciário Paulo Fernandes da Silva, também juiz desembargador.

    Há sete meses, em plenário, o CSM deliberaria por unanimidade que não fosse instaurado “qualquer subsequente procedimento disciplinar”. Porém, conforme consta da ata daquela reunião mensal, terão sido identificadas, embora ali salientadas de forma subliminar e diplomática, diversas falhas na gestão do Citius. Se são demasiado graves, saber-se-á a curto prazo, até porque o PÁGINA UM também já solicitou formalmente o acesso ao polémico relatório junto do CSM.