No segundo ano da pandemia, as farmacêuticas “insuflaram” quase 1,3 milhões de euros para os “pulmões” da Sociedade Portuguesa de Pneumologia. A norte-americana Pfizer deu uma “ajuda” de cerca de 370 mil euros, quase tudo para uma campanha generalizada de promoção de uma vacina – a pneumocócica – que a Direcção-Geral da Saúde só recomenda para maiores de 65 anos e grupos de risco.
A Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) recebeu 320.000 euros da Pfizer, na segunda metade do ano passado, destinada a desenvolver uma campanha de promoção da vacinação contra a pneumonia pneumocócica em pleno processo de vacinação contra a covid-19 entre a população jovem. Este apoio financeiro é o maior jamais concedido a uma sociedade médica por parte da indústria farmacêutica para um só “evento”, de acordo com os dados da Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed, uma base de dados que compila este tipo de informação desde 2013.
A mensagem da campanha – “Sou maior e quero ser vacinado” – remete exclusivamente para a vacina contra a pneumonia pneumocócica, cuja vacina é comercializada em Portugal sobretudo pela Pfizer (sob a marca Prevenar) e, em menor quantidade, pela Merck (sob a marca Pneumovax). Porém, a sua leitura remetia de imediato para a vacinação contra a covid-19. A campanha decorreu até à segunda quinzena de Dezembro, recorrendo aos órgãos de comunicação social, a outdoors e ao online. Os canais televisivos e as rádios acabaram por beneficiar bastante com os spots publicitários.
Campanha decorreu entre Setembro e Dezembro do ano passado
Saliente-se que a Pfizer já assegurou em Portugal a venda de vacinas contra a covid-19 no valor de 88.909.898 euros, de acordo com o Portal Base, mas em virtude da redução da actividade gripal – que “abre portas” para infecções bacterianas, como a causada pelo Streptococcus pneumoniae –, as vendas da sua vacina pneumocócica têm-se reduzido, embora nunca tenham ultrapassado muito os cinco milhões de euros por ano.
Ou seja, o financiamento da Pfizer à SPP para o desenvolvimento da campanha de promoção da vacinação pneumocócica – que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) apenas recomenda a maiores de 65 anos e a grupos de risco maiores de 18 anos –, surge algo desfocada face aos montantes envolvidos e à população-alvo (toda a população) que supostamente pretende alcançar.
A pneumonia pneumocócica foi a causa de morte de 4.700 pessoas em 2019, mas 96% dos óbitos ocorreu em maiores de 65 anos. Na população com menos de 35 anos – que representa 34,9% da população portuguesa – registaram-se 12 mortes (0,26% do total), seis das quais com menos de 15 anos.
Um outro aspecto incomum desta campanha da SPP – presidida por António Morais, pneumologista do Hospital de São João (Porto), e que tem Filipe Froes como coordenador do Grupo de Trabalho de Infecciologia Respiratória – é o reforço da parceria comercial com a Pfizer.
Em Portugal, esta farmacêutica atribuiu verbas para marketing às sociedades médicas através de duas subsidiárias: a Pfizer Biofarmacêutica Sociedade Unipessoal e a Laboratórios Pfizer. Entre 2017 e 2019, ambas deram à SPP apenas uma média anual de 10.183 euros. No primeiro ano da pandemia (2020), esse valor subiu para apenas 12.000 euros. No ano passado (2021) disparou para 358.500 euros – ou seja, cerca de 30 vezes mais do que o habitual.
Filipe Froes coordena o Grupo de Trabalho de Infecciologia Respiratória da SPP.
Além da campanha de promoção da vacinação em 2021, a Pfizer atribuiu também um inédito apoio à SPP de 35.000 euros para o 37º Congresso Nacional de Pneumologia, que se realizou em Novembro passado na cidade de Albufeira, e que registou até um surto de covid-19 que atingiu 15 médicos, conforme noticiou o Observador.
O valor atribuído pela Pfizer num só ano à SPP não encontra paralelo em nenhum outro ano nem com outra qualquer farmacêutica. Antes de 2021, o valor máximo conseguido por esta sociedade médica de uma só farmacêutica situava-se em 205.338 euros, atribuído em 2017 pela italiana A. Menarini.
O ano de 2021 foi, aliás, bastante favorável financeiramente para a SPP, que parece ter encontrado um filão monetário com o surgimento da pandemia da covid-19. Embora fosse já uma das sociedades médicas portuguesas mais beneficiadas pelas farmacêuticas – que ajustam as verbas de marketing em função da facturação –, o ano passado foi excepcional: 1.298.422 euros, de acordo com o levantamento exaustivo feito pelo PÁGINA UM, tendo assim ultrapassado pela primeira vez a fasquia de um milhão de euros. Em relação ao ano anterior (2020), o crescimento destas receitas foi de 65%.
A Pfizer foi, com grande destaque, a farmacêutica mais generosa para a SPP em 2021, mas mesmo assim ainda nem sequer atinge o pódio no período 2017-2021. A alemã Boehringer Ingelheim ocupa a primeira posição, tendo doado 524.668 euros nos últimos cinco anos. Por exemplo, para patrocínio do recente Congresso Nacional de Pneumologia foram 113.400 euros. Segue-se a helvética Novartis, que deu uma média de quase 91 mil euros por ano no último quinquénio, e um total de 454.572 euros no período. Fecha o pódio de “mecenas” da SPP a portuguesa BIAL com 446.181 euros ao longo dos últimos cinco anos.
Verbas concedidas pelas farmacêuticas e empresas de produtos médicos à Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2017 e 2021 (Fonte: Infarmed)
No total, de entre 30 farmacêuticas e empresa de produtos médicos, a SPP recebeu 4.349.011 euros no período 2017-2021.
No âmbito da investigação que o PÁGINA UM está a desenvolver sobre o financiamento das sociedades médicas, a SPP não mostrou disponibilidade, mesmo com insistência, para responder a um conjunto de questões nem quis fornecer informação financeira sobre as suas relações comerciais com farmacêuticas.
Os hospitais salvaram muitos doentes, mas também foram locais de surtos e muitas infecções por covid-19. O PÁGINA UM analisou a base de dados dos registos hospitalares nos 15 primeiros meses da pandemia e encontrou indícios da existência de, pelo menos, 4.140 infecções nosocomiais de covid-19, que resultaram em 1.326 mortes. O Hospital Pedro Hispano, onde trabalha o médico Gustavo Carona – que confessou em livro ter ido trabalhar com sintomas – foi um dos três piores do país entre Março de 2020 e Maio de 2021. E a Direcção-Geral da Saúde nada diz.
Ao longo dos primeiros 15 meses de pandemia, pelo menos 4.140 doentes-covid terão sido infectados pelo SARSC-CoV-2 nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde após a sua admissão por outras causas. Através da análise de uma base de dados do Ministério da Saúde com informação clínica sobre internamentos por covid-19, a investigação do PÁGINA UM mostra que os surtos desta doença em meio hospitalar (infecção nosocomial) foram bastante frequentes em algumas unidades de saúde. Em todo o país, entre Março de 2020 e Maio de 2021, quase 8% do total dos internados foram infectados nos hospitais. Não estarão aqui incluídos os infectados, sobretudo idosos em lares, que tenham estado em tratamento hospitalar e recebido alta ou aqueles em tratamento ambulatório.
Nos centros hospitalares com mais de 500 doentes-covid durante os primeiros 15 meses da pandemia, nove registaram mais de 10% de internados-covid com “versão” nosocomial: Centro Hospitalar do Oeste (13,1%), Hospital Beatriz Ângelo (12,8%), Unidade de Saúde Local de Matosinhos, que agrega o Hospital Pedro Hispano (12,5%), Centro Hospitalar da Póvoa do Varzim/Vila do Conde (12,4%), Centro Hospitalar Universitário de São João (11,9%), Centro Hospitalar Lisboa Ocidental (11,7%), Hospital Garcia de Orta (11,5%), Centro Hospitalar Universitário do Porto (11,3%) e Hospital de Cascais (10,3%).
Note-se, porém, que em termos de gravidade relativa, a pior situação registou-se no IPO de Lisboa, que teve um surto relevante conhecido em Novembro do ano passado, mas que já não foi inédito: entre Março de 2020 e Maio de 2021, de entre os 64 doentes-covid, metade (32) foram infectados naquela unidade hospitalar.
O melhor desempenho nas grandes unidades de saúde observou-se no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, com apenas 2,4% dos doentes-covid com a “versão” nosocomial. Igual desempenho tiveram o Hospital da Figueira da Foz e a Unidade Local de Saúde do Nordeste. Por sua vez, o Centro Hospitalar Universitário da Cova da Beira teve apenas cinco doentes-covid nosocomial em 480 internados. Note-se, contudo, que nem todos os hospitais terão feito registos correctos de infecções nosocomiais causadas pelo SARS-CoV-2, como parece ser o caso das unidades de saúde da Madeira, que não apontam qualquer caso em 527 internados durante o período em análise (ver texto em baixo).
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra registou um dos melhores desempenho no controlo da covid-19 nosocomial.
Face à maior prevalência de comorbilidades e ao estado mais vulnerável dos pacientes já internados, com a média de idades mais elevada do que na comunidade, a taxa de mortalidade dos doentes-covid-19 em “versão” nosocomial foi de quase um terço (32%): dos 4.140 internados, 1.326 morreram. Os doentes-covid que foram infectados na comunidade tiveram no mesmo período, uma taxa de mortalidade hospitalar de cerca de 22%, ou seja, menos 10 pontos percentuais. Saliente-se, contudo, que o desfecho fatal, em qualquer caso, pode não ter sido devido às complicações decorrentes da infecção pelo SARS-CoV-2, decorrendo sobretudo dos discutíveis critérios seguidos pela Direcção-Geral da Saúde (DGS).
Em todo o caso, encontram-se registos de 27 doentes com covid-19 já estavam admitidos no hospitais – alguns há muitos meses ou mais de um ano – quando o SARS-CoV-2 foi identificado em Portugal no início de Março de 2020. Destes, 11 acabaram mesmo por morrer.
Podem ser várias as causas para os distintos graus de infecções nosocomiais de covid-19 nas diversas unidades de saúde em Portugal, mas quase todas radicam no maior ou menor cumprimento das regras de prevenção activa e passiva em meios hospitalar.
Número de casos de covi-19 nosocomial em hospitais, centros hospitalares (CH e CHU) e em unidades locais de saúde (ULS) entre Março de 2020 e Maio de 2021 (excluindo unidades com menos de 20 casos)
Apesar de, em teoria, as normas da DGS obrigarem a isolamento profiláctico dos profissionais das unidades em caso de contactos de alto risco – que é elevado nos chamados “covidários” ou sempre que ocorrem descuidos –, tal raramente sucedeu em muitos casos, se não houvesse sintomas. O objectivo terá sido o de evitar a falta de recursos humanos.
Porém, o reverso da medalha foi a multiplicação de surtos causados sobretudo por profissionais de saúde que atingiram potencialmente doentes fragilizados por outras doenças.
Um dos casos mais evidentes desses descuidos de alguns profissionais de saúde soube-se publicamente através de um relato, sob a forma de livro, de um mediático médico do Hospital Pedro Hispano.
No seu livro “Diário de um médico no combate à pandemia”, o anestesiologista Gustavo Carona chegou a afirmar que “no meu hospital, ou pelo menos no meu serviço, a política foi só nos testarmos se tivéssemos sintomas. Nós tivemos um milhão de vezes em contacto próximo com doentes covid, e, por vezes, havia uma falha aqui ou outra ali”.
Relatando no livro o caso pessoal de uma “falha”, este médico – que exerce sobretudo funções de medicina intensiva – escreve mesmo que “os isolamentos profilácticos eram um luxo ao qual nós não nos podíamos dar, só nos testávamos se tivéssemos sintomas”, acrescentando que, após um contacto de alto risco (com um doente confirmado e sintomático), “segui a minha vida à espera de ter ou não sintomas e afastei-me da minha mãe.”
No seu relato supostamente verídico, o médico – que tem manifestado a defesa intransigente de todas as medidas estatais relevantes – admite ter acordado em data incerta de Janeiro do ano passado com sintomas compatíveis com covid-19, mas foi trabalhar nesse dia, e somente soube no final do turno, por teste, que estava infectado.
Gustavo Carona, médico no Hospital Pedro Hispano (ULS de Matosinhos)
Paula Carvalho, assessora de imprensa do Hospital Pedro Hispano – cuja administração se recusou a dar informações detalhadas e mais precisas sobre infecções nosocomiais naquela unidade de saúde no período em que o médico Gustavo Carona esteve a trabalhar infectado, com e sem sintomas , diz que “questões como a da testagem [transcritas no livro] podem ser facilmente explicadas e compreendidas, no contexto das normas e orientações da altura.”
A DGS, por sua vez, mantém o silêncio absoluto sobre todas as questões e pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM. Em 10 de Dezembro foi-lhe enviado um pedido expresso, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, para se obterem dados oficiais e reconhecidos sobre “surtos de covid-19 em unidades de saúde, eventualmente discriminadas por unidade e mês”, bem como o “número de infecções (casos positivos)” e o “número total de óbitos”.
A directora-geral da Saúde Graça Freitas nunca respondeu, e seguiu, entretanto, uma (habitual) queixa para a Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos.
O PÁGINA UM vai continuar, em todo o caso, a divulgar informação verídica e fundamental para esclarecer todos os meandros da gestão da pandemia.
Metodologia para detecção de covid-19 nosocomial
Nem sempre a referência à existência de covid-19 nosocomial consta expressamente na síntese dos boletins clínicos – convenientemente anonimizados, como exige o Regulamento Geral de Protecção de Dados e determina a deontologia jornalística.
Nesta base de dados, os diagnósticos clínicos e as comorbilidades antes e durante o internamento seguem os códigos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI), aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As doenças e outros problemas, para cada doente, estão ordenados cronologicamente, sabendo-se apenas que o diagnóstico principal de admissão tem o número 0 e corresponde à data de internamento.
Os restantes registos constituem o complemento dos problemas que levaram aos internamentos, e também da evolução clínica, geralmente os agravamentos ou outras evidências relevantes. Ora, se a covid-19 – que tem o código U071 da CDI – surge nos primeiros lugares da ordenação, depreende-se que seja a causa directa do internamento (e é mesmo se tem o número 0) ou que o teste foi positivo no momento da admissão.
Assim sendo, o PÁGINA UM considerou que se estaria sempre perante uma infecção nosocomial se a covid-19 (U071) estivesse na posição 6 ou superior. Note-se que a mediana da posição do diagnóstico da covid-19 (U071) dos 4.140 internados que se assumiu terem sido infectados em meio hospitalar é de 10, sendo que em 351 doentes a covid-19 aparece na posição 20 ou superior na ordem de diagnóstico.
Sem gripe e com a covid-19 a mostrar menor letalidade, o Inverno de 2021-2022 está muito menos mortífero do que em períodos anteriores ao surgimento do SARS-CoV-2. O excesso de mortalidade ao longo da pandemia e o tempo mais ameno podem ser uma explicação, mas mostra-se evidente uma falta de adesão entre a realidade e a sua percepção pública e política.
O período invernal em curso, iniciado no dia 21 de Dezembro do ano passado, está a ser um dos menos mortíferos da última década, sobretudo se se considerar o processo de envelhecimento populacional. Esta situação contrasta com um ambiente de pânico na sociedade portuguesa no decurso de um forte aumento do número de testes positivos com covid-19.
Segundo a Direcção-Geral da Saúde, estão actualmente infectados quase 265 mil portugueses, quando em igual período do ano passado rondava os 110 mil, ou seja, um aumento de cerca de 140%. Contudo, ao nível de óbitos atribuídos à covid-19, a situação é agora oposta: a média móvel da última semana é de 19 – com tendência estável –, enquanto há um ano atingia já os 104, e então com uma forte tendência de subida. No Inverno passado, de acordo com dados oficiais, chegou-se perto dos 300 óbitos por dia (média móvel) no pico da mortalidade por covid-19.
A actual diminuição dos desfechos fatais directamente associados à pandemia acompanha também uma redução na mortalidade por todas as causas. De acordo com o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) – que agrega todas as causas de desfechos fatais –, o actual Inverno (com 21 dias, até 10 de Janeiro) regista já 7.444 mortes, uma média de 354 por dia, o que é o quinto valor mais baixo da última década e o segundo nos últimos seis anos. Se se considerar que a população idosa com mais de 85 anos – onde se concentra uma parte considerável das mortes por todas as causas (cerca de 40% do total) – teve um crescimento de 44% entre 2011 e 2020 (passando de 237 mil para mais de 333 mil –, a situação deste período invernal manifesta-se francamente favorável do ponto de vista de Saúde Pública.
Com efeito, face à menor letalidade da covid-19 nesta fase pandémica, à contínua ausência de actividade dos vírus influenza (causador das gripes) e à menor prevalência de outras infecções respiratórias, o período invernal em curso apresenta mortalidade total por todas as causas 6% inferior à média. Esta redução será maior se indexada à taxa de mortalidade no grupo etário dos mais idosos, porque são agora muitos mais.
Saliente-se, contudo, que a mortalidade nos Invernos ao longo dos anos regista sempre valores muito extremados. Antes como agora, o período invernal é muito mortífero ou pouco letal em função directa da “agressividade” da gripe, das infecções respiratórias, da meteorologia, bem como da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde.
Mortalidade média diária por todas as causas entre 21 de Dezembro e 10 de Janeiro no período 2009-2010 até 2021-2022 (Fonte: SICO).
Por exemplo, no Inverno passado – com surtos de covid-19 acompanhados de um período de frio extremo –, a mortalidade total entre 21 de Dezembro de 2020 e 10 de Janeiro de 2021 situou-se nos 466 óbitos por dia, mais 112 do que em período homólogo do actual Inverno. Recorde-se que, em Janeiro do ano passado, a situação ainda piorou nos dois últimos terços do mês, com diversos dias de mortalidade acima de 700. Por agora, no mês de Janeiro em curso, apenas no dia 1 se ultrapassou os 400 óbitos, o que se deve considerar uma situação excepcionalmente favorável.
Com efeito, seguindo os dados do SICO, a mortalidade total do presente Inverno está em níveis muito próximos de anos de fraca actividade gripal, como os Invernos de 2019-2020 ou 2015-2016. Neste último caso, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) considerou que “a actividade gripal foi de baixa intensidade” e que “não se observaram excessos de mortalidade semanais durante o Outono e Inverno”. No período em análise (21 de Dezembro de 2015 até 10 de Janeiro de 2016) apenas morreram, em média, 322 pessoas por dia.
Se se comparar o presente Inverno com outros anteriores à pandemia, a situação mostra-se também muito mais favorável em relação sobretudo aos anos de 2016-2017 – que registou uma mortalidade média diária de 455 óbitos – e de 2017-2018 – com mortalidade diária de 395 óbitos.
Variação absoluta da mortalidade total entre 21 de Dezembro e 10 de Janeiro no período 2009-2010 até 2021-2022, tendo como referência o período de menor actividade gripal (2012-2013) (Fonte: SICO).
A época gripal nestes dois períodos foi particularmente agreste. Segundo o INSA, na época de 2016-2017 (que compreende o período entre meados de Outubro e Maio seguinte) estima-se que a gripe, por via directa e indirecta, causou a morte de 4.472 pessoas, enquanto na de 2017-2018 foi de 3.700.
Comparando o período invernal desde 2009-2010 – tendo como referência o ano de menor actividade gripal (2012-2013), e portanto de menor mortalidade –, o actual Inverno apresenta um excesso de 738 óbitos, mas não se tem aqui em conta que no final de 2012 viviam cerca de 244 mil pessoas com mais de 85 anos e agora vivem mais de 333 mil.
Mesmo assim, esse acréscimo é substancialmente inferior ao Inverno passado (2020-2021), que registou 3.089 óbitos em excesso em relação ao ano de referência, ou seja, mais 147 óbitos em cada dia. E também muito mais baixo do que os números registados nos Invernos pré-pandemia de 2014-2015, 2016-2017, 2017-2018 e 2018-2019.
Porém, estas evidências estatísticas – dir-se-iam científicas – não estão espelhadas no presente ambiente de quase estado de sítio, onde imperam ainda fortes medidas de lockdown económico e de discriminação social.
Um longo parecer do Conselho Superior da Magistratura, advoga que os jornalistas têm de justificar qual a finalidade dos documentos que desejam consultar para que se pondere uma autorização. A autora desta temerária tese num país democrático é filha de Vítor Manuel Wengorovius, que durante mais de duas décadas defendeu a imprensa como advogado do Sindicato dos Jornalistas e foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.
Em 27 de Fevereiro de 2020, a juíza Ana Sofia Wengorovius – adjunta do Conselho Superior de Magistratura (CSM) – considerou, em apenas três páginas, que esta entidade nem sequer deveria pronunciar-se sobre um projecto de lei para a regulamentação da actividade de lobbying e para a criação de registo de transparência e de mecanismo de pegada legislativa.
Menos de dois anos depois, a mesma juíza – destacada como Encarregada da Protecção de Dados do CSM – deu-se ao trabalho de elaborar um extenso parecer de sete páginas para exigir que o PÁGINA UM justificasse “a finalidade do acesso” a documentos administrativos relacionados com a Operação Marquês. Ou seja, que justificasse aquilo que é o direito e o dever de um jornalista: informar sem amarras num país democrático, sem censura nem condicionalismos. Como argumento, a juíza expôs seis diplomas legais, a Constituição, um acórdão judicial e ainda um regulamento e uma directiva europeia.
Conselho Superior da Magistratura continua a lutar para não ceder documentos administrativos, exigindo que jornalistas expliquem os motivos para a consulta.
Em causa estava somente um habitual pedido de um jornalista para consulta de documentos administrativos, neste caso o processo de averiguação sumária nº 2018-346/AV. Em concreto, trata-se do inquérito do CSM relativo aos procedimentos que nortearam a distribuição do processo da Operação Marquês em 2014 – então entregue sem sorteio ao juiz Carlos Alexandre –, que o ex-primeiro-ministro José Sócrates quis ver no ano passado. Numa primeira fase, os conselheiros do CSM recusaram essa pretensão, alegando “segredo de justiça”, mas Sócrates apresentou queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que lhe veio a dar razão em 13 de Outubro do ano passado, como o PÁGINA UM deu em primeira-mão.
Considerando que “um documento administrativo [a averiguação sumária nº 2018-346/AV], ainda que possa ser utilizado em processo judicial, não perde, só por isso, a sua natureza de documento administrativo”, a CADA – presidida pelo juiz desembargador Alberto Oliveira – recomendou que o CSM entregasse ao antigo governante uma cópia daquele inquérito à Operação Marquês, o que terá sucedido no mês passado.
Perante o parecer da CADA, o PÁGINA UM decidiu também solicitar, no passado dia 2 de Novembro, o inquérito sobre a distribuição da Operação Marquês – ou seja, os mesmos documentos concedidos a José Sócrates –, bem como o “acesso aos documentos administrativos elaborados na [sua] sequência”. Após uma troca de e-mails, em que o PÁGINA UM foi logo convidado a “esclarecer qual a finalidade do acesso e da recolha” dos documentos solicitados, o CSM acabou por elaborar um parecer, assinado por Ana Sofia Wengorovius.
Ana Sofia Wengovorius, juíza de direito e adjunta do CSM (foto do site da CSM)
Esta juíza – que de acordo com uma nota curricular, em Diário da República, concluiu a licenciatura em Direito na Universidade Lusíada (privada) em 1994 com 13 valores – defende que, mesmo após o arquivamento de um inquérito – que não teve qualquer sanção –, este é “confidencial”, porque se deve ter “em vista assegurar a defesa dos direitos fundamentais de personalidade como o direito ao bom nome e à reputação”, invocando a Constituição.
Nem sequer justificando como o acesso a documentos administrativos por parte de um jornalista poderia violar ou afectar “os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação” – conforme estabelece o tal artigo da Constituição –, Ana Sofia Wengorovius salienta ainda que, para alguém poder consultar o inquérito, teria obrigatoriamente de invocar um “interesse atendível ou legítimo”.
Ora, o PÁGINA UM invocou, implicita (porque o pedido foi feito por um jornalista) e explicitamente (repetindo, por palavras, quais as funções de um jornalista). Com efeito, não apenas a Constituição Portuguesa, a Lei da Imprensa e o Estatuto dos Jornalistas concedem direitos inalienáveis de acesso livre à informação para um jornalista como também a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos determina que “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.”
Mesmo no caso de documentos com dados nominativos – como sejam moradas, e-mails, números de cartão de cidadão ou fiscal, mas não abrangendo o nome –, a lei concede legitimidade a um jornalista, uma vez que este “demonstra ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante”. Mas mesmo que assim não fosse, a legislação determina que haja “comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.” Ou seja, no máximo, se o inquérito tivesse, por exemplo, o número de telefone pessoal de alguém, bastaria “apagar” essa informação e libertar o acesso.
Primeira página do parecer do CSM enviado ao PÁGINA UM.
No seu parecer, Ana Sofia Wengorovius faz também interpretações pouco ortodoxas do Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD). Com efeito, a juíza chega a invocar como justificativa da não-cedência sem condições de documentos administrativos a um jornalista, um artigo da lei de execução do RGPD que estipula exactamente o contrário daquilo que ela defende.
De facto, esse normativo destaca sim que “a proteção de dados pessoais (…) não prejudica o exercício da liberdade de expressão, informação e imprensa, incluindo o tratamento de dados para fins jornalísticos e para fins de expressão académica, artística ou literária”. Ou seja, o direito de informação está acima da protecção de dados pessoais, mesmo se existem depois normas que devam ser cumpridas, mas que um jornalista que cumpra princípios deontológicos sabe bem.
De facto, as normas do RGPD apenas consubstanciam aquilo que o Código Deontológico dos Jornalistas já prevê, como por exemplo, o respeito, quando estejam em causa dados pessoais, pelo “princípio da dignidade humana previsto na Constituição da República Portuguesa, bem como os direitos de personalidade nela e na legislação nacional consagrada”, ou ainda as restrições de divulgação de “moradas e contactos, à excepção daqueles que sejam de conhecimento generalizado”.
Porém, esses aspectos nem sequer estarão em causa nos documentos solicitados pelo PÁGINA UM que, enfim, se referem a um simples inquérito do CSM, e já arquivado e sem sanções, no decurso da Operação Marquês.
Certo é que, apesar de uma reclamação do PÁGINA UM a considerar ser absurdo explicar, numa democracia, as razões de um jornalista – que se identifica como tal – para consultar documentos administrativos, Ana Sofia Wengorovius manteve a sua posição num segundo parecer, mais curto, assinado em 28 de Dezembro passado.
A juíza – numa longa frase sem vírgulas – diz que “em face da resposta apresentada explicito que o requerente não atentou nos fundamentos do parecer querendo transpor o seu pedido para o campo dos documentos administrativos em geral sem curar na especificidade dos documentos constantes do procedimento especial de inquérito e escudando-se num parecer emitido pela CADA numa situação em que o requerente era parte nos autos o que não sucede no caso pois ainda que possa invocar as prorrogativas de ser jornalista não deixa de ser um terceiro em relação ao processo.” (sic)
Saliente-se que a Lei do Acessos aos Documentos Administrativos abrange todos os documentos administrativos independentemente da entidade pública, não discriminando qualquer tipo. Apenas os documentos classificados como “segredo de Estado ou por outros regimes legais relativos à informação classificada”, com legislação própria e procedimentos especiais – têm restrições de acesso, o que não é o caso de um simples inquérito administrativo de uma entidade como o CSM.
Nesse seu segundo parecer, Ana Sofia Wengorovius mostra mesmo pretender condicionar o livre exercício da actividade dos jornalistas, ao defender que “o acesso e/ou recolha solicitada só é lícito se forem recolhidos apenas os dados estritamente necessários para uma finalidade reconhecida por Lei que o legitima, pelo que só conhecendo a finalidade se pode fazer a ponderação que a lei impõe”.
Ora, como o PÁGINA UM se recusa a informar a juíza ou o CSM sobre se vai, ou como vai, fazer uma notícia com base em documentos que ainda nem sequer consultou, seguiu uma queixa para a CADA, sobretudo para defesa da liberdade de imprensa e contra obstáculos ao seu exercício pleno.
Ana Sofia Wengorovius é filha de Vítor Manuel Wengorovius – fundador, com Jorge Sampaio, do Movimento de Esquerda Socialista (MES) –, que foi advogado do Sindicato dos Jornalistas durante mais de duas décadas, entre 1970 e 1991, tendo falecido em 2005. Considerado um homem “generoso, solidário, tribuno empolgado”, Wengorovius foi agraciado, em 1998, com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.
Descoberta a partir de uma amostra de solo, a ivermectina já valeu um Prémio Nobel e o seu reconhecimento como “fármaco milagroso”. A pandemia, porém, manchou-lhe os créditos. Independentemente da sua eficácia no combate à covid-19 – que move paixões diametralmente opostas –, ninguém de bem poderá colocar em causa um bem da Natureza que deu (melhor) vida a milhões de pessoas.
Até ao início de 2020, era um dos fármacos mundiais mais amado pela Organização Mundial de Saúde, elogiada por médicos e endeusada por investigadores. Os louvores vinham de todos os lados, sobretudo da comunidade de farmacologia, e logo no título de artigos científicos, que a consideravam uma wonder drug, um fármaco maravilhoso, ao lado da penicilina e da aspirina. Entre 1990 e 2019, o Google Scholar contabiliza cerca de 16.400 artigos sobre a ivermectina. Nenhum a maldiz. Pudera: o seu descobridor, o japonês Satoshi Omura e o irlandês William Campbell – que a “purificou” – foram galardoados com o Prémio Nobel da Medicina em 2015, pelas maravilhas produzidas por este “milagre da terra”.
Hoje, no decurso de dois anos de pandemia, ivermectina é quase uma palavra maldita. Quem a invoca para o combate contra a covid-19, facilmente recebe epítetos como “bolsonarista”, “negacionista” ou “defensor do uso de medicamentos veterinários em humanos”.
A oncocercose, ou cegueira dos rios, é uma das mais incapacitantes doenças na África e América Letina, agora com cura graças à ivermectina.
Independentemente da sua eficácia ou não contra o SARS-CoV-2, invectivar – ou seja, injuriar – a ivermectina é uma das acções mais injustas para um medicamento que já salvou milhões e milhões de pessoas, sobretudo em países subdesenvolvidos, de doenças mortais ou incapacitantes como a oncocercose (cegueira dos rios), a estrongiloidíase, a filariose linfática (também conhecida como elefantíase) e outras doenças parasitárias.
Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerava a ivermectina como um fármaco com “capacidade para controlar a transmissão da malária”, uma vez que mata os mosquitos Anopheles que a ingerirem se estiver no sangue humano. E, na verdade, não houve quase nenhuma doença em que não se tenha experimentado os seus efeitos.
Além do seu uso veterinário, a ivermectina tem sido utilizada ou testada, com maior ou menor sucesso, no tratamento de uma panóplia de doenças humanas, desde miíase, esquistossomose e triquinose até leishmaniose, tripanossomíase africana (também chamada doença do sono) e americana (doença das chagas), passando ainda por certos tipos de asma, epilepsia (por exemplo, síndrome de Nodding) e afecções neurológicas. A sua acção antibacteriana também tem sido estudada – por exemplo, no controlo da tuberculose e da úlcera de Buruli –, bem como os seus efeitos antivirais.
A sua acção contra o SARS-CoV-2 foi apenas mais uma tentativa de confirmar a sua fama de “fármaco maravilhoso”. Porém, aquilo que, por agora, mais conseguiu foi ver “conspurcados” os seus créditos, sobretudo por quem, vivendo as suas vidas sossegadas na cómoda Europa, nunca conheceu os seus milagres por terras de pobreza e miséria.
A “descoberta” da ivermectina foi sobretudo um achado, fruto do acaso. Em 1973, Satoshi Omura, um bioquímico do Kitasato Institute de Tóquio, decidiu recolher um pouco de solo junto a um campo de golfe de Kawana, na região de Shizuoka, no centro da principal ilha japonesa. Foi uma única colheita, num dos sacos que Omura costumava trazer consigo, mesmo em momentos de lazer. Dali descobriu a existência de uma estranha bactéria, baptizada de Streptomyces avermitilis, cujos produtos de fermentação tinham poderes antiparasitários.
Essas propriedades das então chamadas “avermectinas” seriam depois “purificadas”, já nos laboratórios da farmacêutica norte-americana Merck & Co (conhecida na Europpor Merck Sharp & Dohme, ou simplesmente MSD), por William Campbell, então já com dupla nacionalidade. E daí nasceria a ivermectina, como uma substância de largo espectro antiparasitário. Jamais, sem a recolha de Omura tal seria possível, até porque em mais lado nenhum se descobriram, até agora, aquelas bactérias.
Durante a sua primeira década de “vida”, a ivermectina foi administrada apenas em animais, tratando doenças que causavam prejuízos de muitos milhões de euros no sector pecuário. Por exemplo, o Brasil é um dos países com maior utilização como remédio veterinário.
Ainda somente em animais, a ivermectina logo revelou ser extremamente eficaz contra a maioria dos vermes intestinais comuns (excepto ténias), e a sua administração por via oral facilitava o uso. Além disso, não apresentava sinais de resistência cruzada com outros compostos antiparasitários.
Mas esse foi apenas o seu ponto de partida. Em 1981, a MSD – que registou a patente da ivermectina – conseguiu autorização para uso humano, graças ao seu poder contra algumas das denominadas Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN). Seis anos mais tarde, a farmacêutica tomou uma decisão rara no mundo deste sector: libertou a patente e criou um programa de doação contínua, permitindo o uso da ivermectina em programas da OMS contra a oncocercose, uma doença desfigurante e incapacitante causada por um nemátodo parasita (filárias) das espécie Onchocerca volvulus.
Este parasita, transmitido pela picada de uma mosca preta do género Simulium, permanece no hóspede durante anos, maturando sexualmente e libertando depois milhões de larvas microscópicas sob a pele. Além de graves lesões cutâneas, também o sistema linfático e o nervo óptico são afectados. No limite, causam cegueira. A doença, que assombrou durante séculos os países mais pobres, desenvolve-se sobretudo em comunidades ribeirinhas – daí ser também conhecida por cegueira dos rios.
Antes da introdução da ivermectina no Programa Africano de Controle da Oncocercose, estimava-se que entre 20 milhões e 40 milhões de pessoas sofriam de oncorcecose, e cerca de 200 milhões estavam sob risco de infecção, sobretudo na África subsariana, Iémen e diversos países da América Latina.
Anos mais tarde, graças à ivermectina, o objectivo de controlo desta doença passou para um nível superior: a sua eliminação.
Desde que teve início, o programa incentivado pela OMS possibilitou a distribuição gratuita de mais de quatro mil milhões de embalagens de ivermectina em dezenas de países. Segundo a OMS, a cegueira dos rios já foi erradicada na Colômbia, Equador, México e Guatemala, enquanto Venezuela, Uganda e Sudão estão próximos de atingir esse objectivo.
Em meados da década de 1990, a ivermectina foi, igualmente, considerada um excelente tratamento para a filariose linfática. Também conhecida por elefantíase, esta doença é provocada por um parasita que se concentra nos vasos linfáticos, causando um inchaço da pele e dos tecidos, nomeadamente nos pés, pernas e genitais. A eficácia deste fármaco levou também à sua introdução no programa da OMS contra a filariose linfática, sobretudo em regiões onde coexiste com a oncocercose. Em 2015, quase 374 milhões de pessoas necessitavam de tomar regulamente ivermectina para evitar esta doença.
O Programa Africano para o Controlo da Oncocercose 1995-2019 estimou que a administração em massa de ivermectina também conferiu benefícios secundários em termos de Saúde Pública, devido ao seu impacte em infecções não-alvo. Durante o período 1995-2010, estima-se que, por via da sua administração, se tenha conseguido um acréscimo de cerca de 19,6 milhões de anos de vida à população africana, tanto no controlo da cegueira dos rios como de outras doenças parasitárias.
Considerada extremamente segura – por ter efeitos secundários mínimos e poder ser administrada por via oral sem necessidade de supervisão médica –, este antiparasitária e anti-inflamatória poderá ainda ter outras propriedades.
Fábrica da farmacêutica portuguesa Hovione, em Macau, que produz ivermectina.
Surpreendentemente, ou não, apesar de 40 anos de sucesso global incomparável, os cientistas ainda não têm certezas absolutas sobre como a ivermectina funciona para controlar todas estas doenças, embora aparente agir através de processos imunorregulatórios. Sabe-se, contudo, que possui elevada lipossolubilidade, o que a faz distribuir-se rapidamente pelo corpo, eliminando, por exemplo, as microfilárias dos vasos linfáticos periféricos com grande rapidez e efeito de longa duração.
Mas esses aspectos já pouco importaram para que, em 2015, Omura e Campbell tenham tido o reconhecimento do Comité Nobel. Mas quem talvez devesse receber essa honra fosse, afinal, a bactéria Streptomyces avermitilis. “Eu apenas dispus do poder dos micróbios”, confessaria Satoshi Omura aquando da conferência de imprensa de entrega do Nobel da Medicina.
Uma das (muitas) curiosidades da ivermectina é a sua actual “costela portuguesa”. A Hovione, uma farmacêutica nacional sediada em Loures, produz este medicamento para uso humano desde 1997 na sua fábrica em Macau, e é atualmente o maior produtor mundial. Na verdade, fabrica o princípio activo em forma de pó, que depois segue para os quatro cantos do Mundo para ser transformado em comprimidos ou em gel, e ser comercializada a preços acessíveis.
O registo de doentes-covid pelo Ministério da Saúde inclui largas centenas de internamentos por quedas, trambolhões, escorregadelas e contusões por objectos. Estes doentes entraram na base de dados da covid-19 porque testaram positivo na admissão hospitalar. O PÁGINA UM teve acesso a informação clínica dos doentes-covid até Maio do ano passado, e contabilizou mais de 1.200 casos de hospitalizações nestas circunstâncias. Destas pessoas, 266 morreram, muitas num prazo muito curto. Mas todas foram contadas pelo Governo como vítimas da pandemia. Veja, no final do artigo, os casos mais bizarros.
Em finais de Janeiro do ano passado, um homem de 60 anos caiu de uma janela no dia em que foi internado num hospital do Grande Porto – que o PÁGINA UM conhece mas não divulga para preservação da identidade num evento trágico. Era um doente terminal, com cancro do pâncreas e neoplasias secundárias no fígado. Tinha também covid-19 com manifestação de hipoxemia. A queda da janela, provavelmente suicídio, causou-lhe morte imediata. Porém, entrou nas estatísticas oficiais dos óbitos-covid da Direcção-Geral da Saúde.
Este foi um caso raro num episódio de desespero, mas a base de dados do Serviço Nacional de Saúde (SNS) possui, na verdade, centenas e centenas de internados contabilizados como doentes-covid que foram hospitalizados por causas nada relacionadas com a pandemia, como sejam quedas no soalho, de camas, de varandas ou janelas, devido a escorregadelas ou tropeções ou colisões contra objectos.
Em muitos casos, os danos físicos foram muitíssimo graves, incluindo traumatismos cranianos, membros partidos ou afectação de outros órgãos. No total, até Maio de 2021, terão ocorrido pelo menos 266 óbitos atribuídos à covid-19 de pessoas cujo internamento foi subsequente a quedas e acidentes similares.
Numa parte dos casos, a morte surgiu no próprio dia ou nos dias seguintes face à gravidade dos traumatismos. Porém, entraram na contabilidade dos casos e mortes por covid-19 porque, na admissão no hospital, tiveram teste positivo ao SARS-CoV-2.
Numa análise detalhada do PÁGINA UM à base de dados do SNS, contabilizam-se pelo menos 1.207 casos de internamento até Maio de 2021 em que, subjacente à hospitalização inicial, estiveram quedas, em alguns casos especificadas (soalho, varanda, cadeira, cadeira de rodas ou cama).
Em diversas situações, os traumatismos da queda podem ter sido subsequentes a um outro evento (como um ataque cardíaco ou um acidente vascular cerebral), mas na esmagadora maioria das situações tratou-se de quedas acidentais. Não consta, nem nos registos, nem em artigos científicos com peer review, que o SARS-CoV-2 possa ser responsável ou co-responsável por qualquer queda, trambolhão ou escorregadela.
Nesta base de dados do SNS – convenientemente anonimizada, como exige o Regulamento Geral de Protecção de Dados e determina a deontologia jornalística – estão incluídos todos os diagnósticos clínicos e as comorbilidades antes e durante o internamento, seguindo os códigos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI), aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os registos das doenças, maleitas e lesões (directas e sequelas) de cada doente surgem ordenadas cronologicamente (a partir do 0, embora sem referência à data de cada). Deste modo, sempre que as quedas (com o código iniciado pela letra W na CDI) constam nas primeiras linhas do registo individual, e geralmente antes do diagnóstico covid-19 (com o código U071 da CDI), mostra-se evidente que foram os traumatismos per si os responsáveis pelo internamento.
De acordo com a informação analisada pelo PÁGINA UM, 86% das pessoas do grupo dos internados por traumatismos resultantes de quedas e contusões contra obstáculos – que não inclui acidentes rodoviários ou com maquinaria – tinham mais de 65 anos. Em termos absolutos, até Maio de 2021, a base de dados do SNS registou 178 internamentos por traumatismos desta natureza – e depois com teste positivo à covid-19 – de pessoas com 90 ou mais anos, e ainda de 502 com idades entre os 80 e 89 anos. A média foi de quase 78 anos, e mais de metade dos hospitalizados nestas circunstâncias tinha idade superior a 81 anos.
O idoso mais velho hospitalizado nestas condições foi uma senhora de 103 anos, bastante debilitada (já com caquexia) e com deficiência renal, que caiu da cama em Novembro de 2020, com perda de consciência. Internada no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, acabou por morrer ao quinto dia. Foi considerada mais uma morte por covid-19.
No entanto, também houve crianças, adolescentes e jovens adultos internados por quedas que surgem como doentes-covid. O mais jovem foi um bebé de dois anos do sexo masculino. Esteve internado no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte apenas dois dias em Setembro de 2020, em observação, por ter perdido a consciência após a queda. Foi assim metido nas contas oficiais dos internados por covid-19 porque registou positivo no teste de admissão no hospital. Surgem mais cinco menores de idade em similar circunstância, com internamentos muito curtos (quase sempre apenas um dia), ou seja, a covid-19 não os afectou.
A gravidade de algumas destas quedas e outras contusões, sobretudo dos mais idosos, mostra-se notória quer na taxa de mortalidade quer nos efeitos das quedas (traumatismos). De entre os 178 traumatizados (e depois com covid-19) com 90 ou mais anos, 65 morreram. Destes, 14 em menos de uma semana. Em todas as idades, 62 faleceram no período de uma semana, sendo que cinco morreram no próprio dia do internamento e 15 no dia imediatamente posterior.
Observando o efeito directo de muitas das quedas – ou seja, os traumatismos resultantes –fica-se com a verdadeira percepção da sua gravidade, e da irrelevância da covid-19 no desfecho fatal.
De entre os internados após estes acidentes que morreram nos primeiros dias de internamento, contam-se traumatismos crânio-encefálicos, hemorragias subdurais, fracturas da base do crânio, compressão do encéfalo, edemas cerebrais, etc.. Isto apenas se se considerar a cabeça. Se se incluírem também as fracturas e danos nos membros superiores e inferiores, ou fracturas ou contusões em outras partes do corpo, ainda mais em pessoas fragilizadas, então pode-se deduzir que a covid-19 – embora bastante letal em idosos – arcou com muitas mais culpas do que aquelas que, efectivamente, teve.
Além destes cerca de 1.200 casos, o PÁGINA UM detectou na base de dados do SNS mais 719 doentes-covid que registaram quedas, mas a esmagadora maioria terá já ocorrido em meio hospitalar, tendo em consideração a ordem do registo clínico individual. Em alguns casos, essas quedas – muitas das quais da cama – podem ter contribuído para um desfecho fatal, mas apenas uma investigação clínica, ou judicial, daria uma resposta. Algo que o PÁGINA UM, neste aspecto concreto, não consegue fazer.
Óbitos atribuídos à covid-19 de pessoas internadas no próprio dia da morte após quedas e outros acidentes similares
Homem, 91 anos Data de internamento: 28/11/2020 Causa do internamento: queda resultando em traumatismo crânio-encefálico com hematoma subdural e lesão focal. Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de Coimbra
Homem, 87 anos Data de internamento: 15/01/2021 Causa do internamento: queda resultando em traumatismo intracraniano de doente diabético. Unidade de saúde: Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra)
Mulher, 84 anos Data de internamento: 27/01/2021 Causa do internamento: queda de doente acamado com doença de Alzheimer. Unidade de saúde: Centro Hospitalar de Setúbal
Mulher, 65 anos Data de internamento: 24/11/2020 Causa do internamento: queda resultando em traumatismo crânio-encefálico hemorrágico. Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto)
Homem, 60 anos Data de internamento: 27/01/2021 Causa de internamento: queda de janela do hospital (suicídio?) de doente terminal com tumor de pâncreas e fígado, apresentando covid-19. Unidade de saúde: conhecida, mas não revelada
Óbitos atribuídos à covid-19 de pessoas internadas após quedas e outros acidentes similares e que morreram no dia seguinte
Mulher, 99 anos Data de internamento: 17/06/2020 Causa de internamento: queda de cadeira de rodas resultando laceração periocular e coma subsequente. Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte
Homem, 97 anos Data de internamento: 01/11/2020 Causa de internamento: queda resultando em traumatismo crânio-encefálico com hemorragia subdural. Unidade de saúde: Centro Hospitalar Tâmega e Sousa
Mulher, 97 anos Data de internamento: 23/01/2021 Causa de internamento: queda resultando em traumatismo crânio-encefálico com hemorragia subdural Unidade de saúde: Centro Hospitalar Tâmega e Sousa
Mulher, 89 anos Data de internamento: 05/02/2021 Causa do internamento: queda resultando em traumatismo crânio-encefálico com hemorragia subdural e hemiplegia afectando o lado esquerdo do doente. Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de Coimbra
Mulher, 87 anos Data de internamento: 29/01/2021 Causa de internamento: queda resultando em traumatismo intracraniano e perda de consciência de doente crónico renal, que vivia em lar de idosos Unidade de saúde: Centro Hospitalar Barreiro-Montijo
Homem, 87 anos Data de internamento: 03/04/2020 Causa de internamento: queda de doente em lar de idosos com cancro da bexiga, diabetes. Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de Coimbra
Homem, 86 anos Data de internamento: 30/12/2020 Causa do internamento: queda resultando em fractura do fémur esquerdo de doente com demência e estenose da válvula aórtica, que vivia em lar de idosos. Unidade de saúde: Centro Hospitalar Lisboa Ocidental
Mulher, 85 anos Data de internamento: 12/12/2020 Causa de internamento: queda resultando numa contusão não especificada da cabeça. Unidade de saúde: Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro
Homem, 85 anos Data de internamento: 18/01/2021 Causa de internamento: queda resultando em traumatismo intracraniano em doente com grave desidratação. Unidade de saúde: Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano
Homem, 84 anos Data de internamento: 28/10/2020 Causa de internamento: queda resultando em fractura do fémur direito de doente com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), cancro do pulmão e dependência de oxigénio suplementar. Unidade de saúde: Centro Hospitalar do Oeste
Mulher, 78 anos Data de internamento: 17/01/2021 Causa de internamento: queda resultando em traumatismo crânio-encefálico com hemorragia subdural e coma de doente com diabetes e antigo enfarte do miocárdio. Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de Coimbra
Homem, 77 anos Data de internamento: 06/01/2021 Causa do internamento: queda envolvendo doente com rabdomiólise e hipopotassemia. Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de Coimbra
Mulher, 75 anos Data de internamento: 25/01/2021 Causa de internamento: queda resultando em fractura do colo do fémur de uma doente com obesidade mórbida e insuficiência cardíaca que sofreu ataque cardíaco. Unidade de saúde: Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra)
Homem, 70 anos Data de internamento: 16/11/2020 Causa de internamento: queda resultando em traumatismo crânio-encefálico com hemorragia subdural, compressão do encéfalo, edema cerebral e coma em doente com diabetes e estenose aórtica. Unidade de saúde: Hospital de Braga
Homem, 67 anos Data de internamento: 17/01/2021 Causa de internamento: queda resultando fractura da base do crânio e em hemorragia epidural, e ainda fractura das costelas. Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de Coimbra
Para o Serviço Nacional de Saúde tudo conta para aumentar os números de internados por covid-19 em jovens. O PÁGINA UM, através de uma base de dados oficial a que teve acesso, revela como fracturas, apendicites, diabetes, cancros, infecções diversas, problemas congénitos, envenenamentos por inalação de monóxido de carbono, ideação suicida, complicações pós-parto em adolescentes e até torções de testículos são apanhados pelas “malhas” das autoridades de Saúde para classificar jovens como doentes-covid. Basta que tenham tido teste positivo na admissão ao hospital ou durante o internamento.
Uma parte significativa dos menores de idade contabilizada na base de dados do Ministério da Saúde relativa aos doentes-covid esteve internada por causas não relacionadas com o SARS-CoV-2. De acordo com os registos hospitalares dos primeiros 15 meses da pandemia, de entre os 810 menores hospitalizados nas unidades do Serviço Nacional de Saúde entre Março de 2020 e Maio de 2021, cerca de 42% (342 bebés, crianças e adolescentes) foram contabilizados apenas porque, por regra, testaram positivo na unidade de saúde onde se deslocaram para receber tratamento a outros problemas, imediatamente no momento da admissão ou durante a hospitalização. Ou seja, a covid-19 foi detectada após a patologia ou afecção que justificou o internamento.
Estes números não incluem os recém-nascidos – pelo menos 38 – que surgem contabilizados como doentes-covid por terem sido infectados pelas respectivas mães, sem daí ter advindo problemas de saúde relevantes.
Tendo em consideração que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) mantém uma opacidade absoluta sobre dados fundamentais relacionados com o impacte da covid-19 nos menores de idade – recusando mesmo conceder acesso à base de dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) –, o PÁGINA UM decidiu começar a divulgar dados confidenciais a que teve acesso. E a análise detalhada aos registos clínicos, anonimizados, permite denunciar, desde já, que a gravidade da pandemia, sendo evidente nos idosos, está a ser empolada pela DGS e Governo em relação à população mais jovem, com o objectivo de pressionar e incentivar os pais a vacinarem os seus filhos.
Com efeito, de acordo com a base de dados consultada pelo PÁGINA UM, até Maio de 2021 foram registados apenas 468 internamentos de menores cuja hospitalização se deveu directamente à covid-19, o que representava uma taxa de internamento de cerca de 0,4% dos casos positivos nesta faixa etária. Se se considerar a população total dos menores de idade (1,7 milhões, segundo as estimativas do INE), esse rácio de internamentos (em 15 meses) foi de 0,027%. Mesmo que se contabilizem os 810 menores internados com teste positivo, então esse rácio sobe para 0,048%.
As causas de internamento dos 342 menores de idade que acabaram nas “malhas” do registo do SNS da pandemia – apenas por terem tido um teste positivo aquando da sua admissão hospitalar – são as mais diversas. Na verdade, reflectem as situações do quotidiano anteriores à pandemia, com toda uma panóplia de doenças e outras afecções pediátricas.
Na base de dados do SNS constam, como sendo doentes-covid, 44 menores com apendicites como justificação para internamento. Na admissão, como tiveram caso positivo à covid-19, ficaram nos registos. Houve ainda 22 hospitalizações deste género por pielonefrite aguda. Nos registos individuais, convenientemente anonimizados, observados pelo PÁGINA UM, contam-se 17 bebés com menos de dois anos internados por causa desta infecção do sistema urinário.
Casos de anemia falciforme foram uma dezena (todos na região de Lisboa e Coimbra), destacando-se também a hospitalização para tratamento médico de 11 menores com diabetes tipo I, outros tantos com diagnóstico de sepsis, nove com meningites e cinco com inflamações dos nódulos linfáticos (linfadenites do pescoço e da cabeça). Foram ainda internados quatro jovens, entre os 7 e os 14 anos, com síndrome inflamatória multissistémica – a única doença, entre estes 342 casos, que pode estar associada a uma complicação por covid-19.
Recorde-se que, até agora, morreram três menores de idade: dois bebés com menos de um ano e uma criança de quatro anos, todos com gravíssimas comorbilidades. Na faixa dos 10 aos 19 anos, de acordo com o intervalo de idade usados pela DGS, estão mais três óbitos, mas já de maiores de 18 anos e com graves comorbilidades. A mais recente morte neste grupo ocorreu em 14 de Dezembro passado: o de uma jovem de Braga que sofria de síndrome de Dravet. Relembre-se que a DGS, desrespeitando a confidencialidade de dados clínicos, divulgou que a jovem de Braga não estava vacinada.
A lista de patologias que justificam internamentos directos, mas que são depois transformados em hospitalizações por covid-19, é quase interminável. De entre as patologias detectadas pelo PÁGINA UM, estão cancros em quatro menores, entre os quais uma criança de três anos hospitalizada devido a um tumor cerebral no Hospital de São João.
E depois há uma gama de problemas que sempre preocuparam os pais antes da pandemia: 28 internamentos por fracturas diversas, quase sempre acidentais; cinco casos de intoxicação por inalação de monóxido de carbono; seis envenenamentos (entre os quais um bebé de um ano com derivado de canábis e outro com ansiolíticos); um caso de alcoolismo (um jovem de 17 anos); quatro por ideação suicida; dois por anorexia nervosa (duas adolescentes de 16 e 17 anos); um caso de transtorno ansioso; dois casos de hospitalização por torção dos testículos; um por laceração do tendão de Aquiles do pé esquerdo (um jovem de 14 anos em Lisboa); e um internamento por laceração do sobrolho (uma criança quatro anos em Coimbra).
Ainda se destacam, em particular, uma dezena de casos de adolescentes consideradas doentes-covid que foram parar ao hospital por razões mais relevantes: complicações pós-parto, que atingiram cinco jovens de 17 anos, quatro de 16 anos e uma de 15 anos.
Mesmo em muitos internamentos em que a covid-19 surge no topo hierárquico dos diagnósticos no boletim clínico de internamento, mostra-se discutível se esta doença foi, efectivamente, a causa directa de hospitalização. Por uma razão simples: um grande número são recém-nascidos – ou seja, em concreto, nem sequer foram “admitidos” na unidade de saúde –, ou então menores de um ano. A base de dados do SNS contabiliza, porém, não deixou “escapar” 168 bebés dentro deste grupo etário, grande parte dos quais “apanharam” covid-19 das mães.
Quase na totalidade destes casos, a covid-19 não teve qualquer relevância na situação clínica, mesmo quando houve necessidade de internamento em cuidados intensivos (UCI). Com efeito, nos menores de um ano, apenas cinco estiveram em UCI, mas devido à condição de prematuro ou por afecções congénitas. Foi o caso de um bebé internado durante três meses e uma semana, incluindo em UCI, no Hospital Garcia da Orta, porque nasceu com 27 semanas. Mesmo com covid-19 sobreviveu.
Houve também dois recém-nascidos que estiveram em UCI no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental: um em observação por três dias; e outro em situação mais grave, por sofrer de síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), e que acabou por ter alta apenas ao fim de um mês e meio. Também dois casos de prematuros em UCI estiveram internados no Hospital do Espírito Santo de Évora. Ambos tiveram uma hospitalização de quatro dias, em observação. Curiosamente, um desses bebés nasceu na véspera de Natal de 2020.
O caso clínico mais grave passou pelo Hospital Dona Estefânia: um prematuro de 24 semanas – que também surge nos registos de doentes-covid – esteve internado seis meses por nascer com 24 semanas e gravíssimas malformações congénitas cardíacas e neurológicas. Aliás, sobreviveu à covid-19 “nas calmas” face à gravidade inicial do seu estado clínico. Na verdade, até a apanhou no hospital, já que nasceu em Janeiro de 2020 – antes da “chegada” do SARS-CoV-2 a Portugal – e só viu pela primeira vez na vida a luz fora do hospital em Julho desse ano.
A partir do primeiro ano de vida, a taxa de internamento hospitalar por covid-19 mostrou-se ainda mais diminuta, mesmo quando esta doença foi a causa directa de hospitalização. De acordo com a base da dados consultada pelo PÁGINA UM, entre os 1 e os 2 anos de idade, apenas se contabilizaram, no período em análise, 41 internamentos em que a covid-19 foi considerada a responsável directa pela hospitalização, independentemente das comorbilidades pré-existentes. Somente um destes bebés esteve em UCI.
No extenso grupo etário dos 2 aos 17 anos – que agrupam mais de 1,5 milhões de jovens – contam-se somente 259 internamentos “directos” por covid-19, dos quais 18 necessitaram de internamento em UCI, mas nem todos entubados. Nenhum destes jovens e crianças morreu.
O mediático pneumologista do Hospital Pulido Valente, que acumula com a coordenação do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a pandemia, é um dos médicos portugueses com maiores ligações à indústria farmacêutica. Mas tem mantido o seu estatuto de consultor da Direcção-Geral da Saúde porque alegadamente nunca ultrapassou o limite financeiro previsto por lei. O PÁGINA UM desvenda agora a contabilidade pessoal e empresarial de Filipe Froes – incluindo os montantes pagos por 22 farmacêuticas. E revela ainda que ele entrou em incompatibilidade a partir deste ano.
O pneumologista Filipe Froes – uma das figuras mais mediáticas durante a pandemia – está em risco de perder o seu estatuto de consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS) por ultrapassar o limite de 50.000 euros anuais pagos por farmacêuticas no último quinquénio (2017-2021). Essa apetecível função, embora não remunerada, permite a certos profissionais de saúde acederem directamente às autoridades de Saúde e integrar grupos de trabalho ou equipas com poder de decisão em matérias normativas, abrindo assim possibilidades para as farmacêuticas exercerem “lobby” e terem eventualmente acesso a informação privilegiada.
Para evitar conflitos de interesse, um decreto-lei de 2014 estabeleceu, entre outros impedimentos, que estes consultores não podem receber mais de 50.000 euros por ano provenientes de “empresas produtoras, distribuidoras ou vendedoras de medicamentos ou dispositivos médicos”. Porém, esse limite máximo deve ser calculado com base na média móvel de cinco anos, embora o diploma legal não estabeleça quem ou como tal se inspecciona. Cabe a cada consultor, voluntariamente, atestar por escrito, num formulário, com uma simples cruz, que não tem qualquer incompatibilidade legal.
Mostra-se, porém, notório que Filipe Froes – auferindo verbas tanto em nome individual como da sua empresa Terras & Froes, da qual é gerente desde 2012 – tem procurado, nos anos mais recentes, “gerir” os montantes recebidos das farmacêuticas para nunca ultrapassar o limite legal, embora esse exercício contabilístico possa tornar-se impossível de manter face aos montantes que recebeu em 2021. Pelo menos se houver oficialmente cruzamento de dados contabilísticos. A última declaração de ausência de incompatibilidades que Filipe Froes entregou na DGS data de 10 de Maio de 2021.
Filipe Froes, durante um webinar em Abril de 2021, patrocinado pela Ascensia Diabetes Care, Boehringer Ingelheim, Roche, Gasomed e Medtronic, intitulado “Um ano de covid-19 ou o bom, o mau e o vilão”.
De acordo com a investigação do PÁGINA UM, Filipe Froes ultrapassou, desde 2013, a fasquia dos 50.000 euros anuais por três vezes (2016, 2018 e 2021), mas quando calculada a média móvel de cinco anos fica sempre ligeiramente aquém desse limiar.
Através dos valores registados no Portal da Publicidade e Transparência do INFARMED, a média móvel de cinco anos dos recebimentos de Filipe Froes foi de 35.949 euros em 2017, de 44.043 euros em 2018, de 45.125 em 2019, de 45.457 em 2020, e de 45.349 em 2021. Ou seja, por aqui, até agora, nunca terá ultrapassado o valor “proibitivo”. Mas por uma “unha negra”.
Ora, mas os valores constantes do portal do INFARMED referem-se tanto a verbas recebidas por Filipe Froes em nome individual como pela sua empresa Terras & Froes. E é no cruzamento contabilístico dessas duas “fontes” que se observam discrepâncias que podem, por um lado, indiciar “contabilidade criativa”, e, por outro lado, prenunciam, para já, uma incompatibilidade para o quinquénio 2017-2021.
Com efeito, analisando todos os relatórios e contas anuais da Terras & Froes entre 2016 e 2020 (o último ano acessível) – como o PÁGINA UM fez –, as receitas (prestações de serviços) obtidas foi, para este quinquénio, de 47.271 euros. Assim, caso Filipe Froes venha a contabilizar na sua empresa os montantes pagos pelas farmacêuticas, e registado no portal do INFARMED, durante o ano de 2021 (56.097 euros), a média móvel passará a ser, para o quinquénio 2017-2021, de 50.381 euros. Ou seja, superará então os 50.000 euros, resultando assim numa incompatibilidade. Nessas circunstâncias, Froes não se pode manter como consultor da DGS.
Contudo, não será de estranhar que Filipe Froes tente contornar esse “problema” como em anos anteriores parece já ter feito. De facto, no seu caso particular, observam-se grandes discrepâncias entre os valores registados no Portal da Transparência e Publicidade (onde se obtém supostamente os pagamentos a título individual e os feitos à sua empresa) e aqueles que contam nas contas da Terras & Froes.
Por exemplo, em 2016, Froes declarou que recebeu 56.637 euros ao INFARMED das farmacêuticas, mas na contabilidade oficial da sua empresa aparecem apenas receitas anuais de 40.547 euros. Em 2020, Froes declarou no INFARMED apenas ter recebido 41.474 euros das farmacêuticas, embora as suas contas empresariais apontem 74.293 euros de proveitos, isto é, uma diferença de quase 33 mil euros.
Receitas (em euros) de Filipe Froes declaradas pela sua empresa Terras & Froes e proveitos registados na Plataforma da Transparência e Publicidade do INFARMED.
Recorde-se que, em Novembro passado, o semanário Novo anunciou que Filipe Froes estaria a ser alvo de um inquérito de averiguações pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde sobre as suas relações profissionais e financeiras com as farmacêuticas. As conclusões ainda não foram divulgadas.
Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portuguesas com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia. Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também lidera o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem, nos últimos dois anos, como consultor da DGS, participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia.
De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, um total de 263 contratos comerciais, em seu nome ou na Terras & Froes, envolvendo 22 farmacêuticas. O montante global já alcançado é de 380.932 euros, o que representa um “salário” médio mensal superior a 3.500 euros nos últimos nove anos. Nos dois anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, superior ao que ganha como médico do SNS.
No ano passado, este médico – que, como consultor da DGS, é um dos responsáveis pela determinação das terapêuticas contra a covid-19 – teve como principal beneficiário a Merck Sharp & Dohme, que lhe pagou 22.825 euros, sobretudo por palestras e webinars. Por cada uma, Filipe Froes recebeu valores que rondam os 1.100 euros, e mesmo mais, por vezes.
Verbas recebidas por Filipe Froes, por ano e farmacêutica. Fonte: INFARMED
Saliente-se que a Merck abandonou, há alguns meses, a “corrida” para as vacinas contra a covid-19, apostando agora sobretudo na comercialização de um anti-viral, o molnupiravir, já aprovado nos Estados Unidos e Reino Unido, mas ainda a aguardar decisão da Agência Europeia do Medicamento.
Filipe Froes já teceu elogios a este medicamento – sem nunca emitir qualquer conflito de interesses. Por exemplo, em declarações em Novembro ao jornal Nascer do Sol, Froes considerou que o novo fármaco é “sem dúvida (…) um game-changer”, um complemento à vacinação, e garantindo também que “reduz a carga viral e reduz em 50% a gravidade da doença”.
Apesar do reforço em 2021 do contributo da Merck nas finanças pessoais e empresariais de Filipe Froes (85.322 euros recebidos desde 2013), a Pfizer continua a ser a número um. Embora nos últimos dois Froes tenha auferido apenas 12.196 euros desta farmacêutica, o pecúlio acumulado desde 2013 é substancial: 134.574 euros, com o ano de 2016 a atingir os 47.544 euros). No ano passado, Filipe Froes realizou pelo menos 13 palestras financiadas por esta empresa norte-americana, quase sempre tendo a covid-19 como tema central.
A terceira farmacêutica mais lucrativa para Filipe Froes é a Bial, que desde 2013 lhe rendeu 47.339 euros. A farmacêutica portuguesa, sedeada na Trofa, tem interesses comerciais na área da pneumologia (doença pulmonar obstrutiva crónica e asma brônquica). Um dos apoios mais substanciais que o pneumologista recebeu destinou-se à sua participação no CHEST Annual Meeting que se realizou em Outubro de 2019 em Nova Orleães, nos Estados Unidos. Froes embolsou 9.960 euros e mais 50 cêntimos.
A francesa Sanofi – a principal produtora de vacinas contra a gripe –, a anglo-sueca AstraZeneca – uma das produtoras de vacinas contra a covid-19 –, a norte-americana Gilead Sciences e a alemã Bayer Portugal também têm sido relevantes “clientes” de Filipe Froes. No caso específico da Gilead Sciences, as mais recentes colaborações de Filipe Froes são polémicas. O pneumologista integrou o conselho consultivo (advisory board) do fármaco remdesivir – um anti-viral criado para tratamento do ébola, e cuja eficácia contra a covid-19 foi prometida, mas que se manifestou um logro –, enquanto tinha poderes de aconselhamento para a sua aplicação em doentes. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) acabou mesmo por fazer uma recomendação contra o seu uso em Novembro de 2020. Contudo, Filipe Froes sempre se mostrou favorável, desde o início da pandemia, ao seu uso, e a Comissão Europeia comprometeu todos os Estados-membro a fazerem compras massivas à Gilead. No caso português, a DGS adquiriu, em finais de 2020, doses no valor de cerca de 20 milhões de euros.
Por esta prestação à Gilead, desenvolvida ao longo de 2020, Froes recebeu 4.330 euros, a que acresceram mais 3.690 euros em webinares sobre este fármaco. Mesmo depois dos conselhos contrários da OMS, Froes nunca se cansou de elogiar o remdesivir, e de mantê-lo, nas normas da DGS, como um medicamente a usar. Por exemplo, em Março de 2021, no âmbito do webinar “Avanços no tratamento antiviral da covid-19”, patrocinado pela Gilead, este médico (que recebeu 1.230 euros por este evento) manteve-se um adepto incondicional. Em declarações à revista digital Médico News, sem referir o seu estatuto de conselheiro da Gilead, o pneumologista garantia que “vários estudos publicados em revistas médicas de elevado factor de impacto têm documentado a utilidade do remdesivir em subgrupos de doentes hospitalizados”.
O PÁGINA UM tentou obter comentários de Filipe Froes sobre os seus financiamentos da indústria farmacêutica, mas não obteve resposta.
Nascido em 2019, o SARS-CoV-2 deixou, até agora, muito mais do que as cerca de 5,45 milhões de mortes. Ao entrar pelo quarto ano da sua existência confirmada (2019, 2020, 2021 e 2022), a covid-19 transformou o Mundo em algo diferente, atulhado em pânico e medo, em medidas cada vez mais autoritárias mesmo em países democráticos, acentuando a falta de solidariedade dos países ricos com os pobres, e a Ciência – esse outrora bastião do conhecimento dinâmico e do perpétuo questionamento – por bolandas anda agora, ora demonstrando ser a solução, ora rodando ao sabor dos interesses financeiros, ora rodopiando pelos circunstancialismos políticos.
No novo mundo distópico, o ano 2022 anuncia-se incerto, e despediu-se de um ano de 2021, que terminou paradoxal. O PÁGINA UM mostra como, através de uma análise detalhada à situação pandémica na Europa, incidindo sobre os países da União Europeia, onde também se incluiu, neste lote o Reino Unido.
Quase com dois anos completos de uma pandemia em pleno, que já atingiu 290 milhões de pessoas, mesmo com vacinas supostamente milagrosas a proteger 48% da população mundial, os últimos dias de 2021 mostraram novos recordes de casos positivos. A culpa – pelo que argumenta a esmagadora maioria dos políticos – justifica-se pelos não-vacinados e pela nova variante Ómicron, mas a evidência mostra outras realidades.
A vacina acabou por não apresentar o desempenho prometido – e muito menos na inicialmente prometida capacidade de criar imunidade de grupo. A duração da protecção também se mostrou demasiado curta. Por outro lado, a suposta elevada transmissibilidade da variante Ómicron trouxe o resto: o ritmo de testagem subiu para níveis quase estratosféricos na última semana. Em Portugal, por exemplo, o máximo de testes por dia em 2020 foi ligeiramente inferior a 60 mil. Ao longo dos 11 primeiros meses de 2021 nunca superou a centena de milhar. No passado dia 30 de Dezembro foram feitos 402.756 testes.
Mais testes sempre darão mais casos em termos absolutos, sabendo-se que uma parte significativa das pessoas infectadas não apresenta sequer sintomas, pelo que somente uma testagem massiva a apanharia. A nível mundial, em termos de média móvel de sete dias, o dia 31 de Dezembro passado registou 1.323.362 casos positivos– um valor jamais antes alcançado desde o início da pandemia. Fogo fátuo, mesmo tendo em conta o desfasamento entre casos e eventuais desfechos fatais. Com efeito, nesse dia, os óbitos contabilizados à escala mundial foram apenas de 5.919 – o valor mais baixo desde 24 de Outubro de 2020 –, evidenciando a consistente tendência decrescente da mortalidade por covid-19 desde finais de Agosto. Em contra-ciclo com aquilo que ocorrera no ano anterior.
De facto, em contraste com o dia homólogo de 2020 (com 11.768 óbitos), o último dia de 2021 registou metade do número de mortes. Mais relevante se mostra essa tendência decrescente por ocorrer com a chegada do Inverno no Hemisfério do Norte – onde vive 87% da população mundial.
Taxa de vacinação e óbitos por covid-19 em 28 de Dezembro de 2021 (padronizada à população portuguesa, e média móvel de 7 dias). Fontes: Worldometers e Our World in Data.
Recorde-se que o Inverno de 2020-2021 registou um padrão muito similar ao que ocorre com as épocas gripais, independentemente de mostrar um maior impacte. As infecções e a mortalidade por covid-19 começaram a subir, de forma consistente, a partir de Outubro, e agravou-se em Janeiro de 2021, com o pico de óbitos a nível mundial a ser atingido a 28 daquele mês (14.815, em média móvel de sete dias).
Analisando a situação dos países da União Europeia – incluindo, neste lote, ainda o Reino Unido –, e tendo como referência a média móvel de sete dias em 28 de Dezembro, confirma-se, de uma forma ainda mais marcante, a falta de “sintonia” entre casos de infecção e mortes, o que pode, afinal, evidenciar a transição da pandemia para a endemia. Ou seja, mais infecções por um vírus menos letal.
Com efeito, para o período de referência, observa-se que apenas a Espanha, Suécia, Roménia, Letónia, Hungria e Eslovénia apresentavam uma menor incidência (percentagem de casos positivos na sua população) em 2021 do que em 2020. Em alguns casos, a subida foi enorme. Por exemplo, a Grécia tinha uma incidência de 0,07% em 2020 e era de 1,0% em 2021, enquanto na Irlanda aumentou mais de 10 vezes: passou de 0,34%, em 2020, para 3,74%, em 2021. No entanto, a Finlândia – que é, de entre os países da União Europeia, aquele com menor impacte da pandemia em termos de mortalidade – registou nas últimas semanas um aumento muito significativo dos casos positivos. Se em 2020 este país escandinavo tinha, no período em análise, apenas 0,16% da sua população infectada, agora está com 3,48%, sendo apenas ultrapassada pela Irlanda.
Em termos gerais, quase todos os países em análise registavam, no final de 2021, mais de 1% da respectiva população infectada. As únicas excepções eram a Suécia (0,98%), a Eslováquia e a Lituânia (0,91%, ambas), a Alemanha (0,86%), Eslovénia (0,80%), a Espanha (0,58%), a Letónia (0,57%), a Croácia (0,55%) e a Áustria (0,32%). No outro extremo, cinco países contabilizavam 3% ou mais da população infectada: Chipre (3,79%), Finlândia (3,48%), Irlanda (3,74%), Reino Unido (3,21%) e Bélgica (3,00%). Ao invés, em período homólogo de 2020, apenas a Espanha (2,11%) tinha mais de 2% da população infectada, registando-se mesmo 21 países com menos de 1%, dos quais nove abaixo dos 0,5% (Finlândia, Grécia, Malta, Roménia, Áustria, Croácia, França, Alemanha e Irlanda).
Incidência cumulativa desde o início da pandemia e mortes por covid-19 em 28 de Dezembro de 2021 (padronizada à população portuguesa, e média móvel de 7 dias). Fontes: Worldometers e Our World in Data.
Embora haja um desfasamento temporal entre um pico de casos e a ocorrência de um pico de óbitos – geralmente, duas semanas –, a “agressividade” do SARS-CoV-2 aparenta agora ser francamente menor.
Note-se, porém, que se deve ter em consideração que a política de testagem de assintomáticos tende, em princípio, a diminuir a taxa de letalidade, sobretudo se se concentra em população jovem, onde a gravidade da doença foi sempre estatisticamente irrelevante.
Com efeito, padronizando os óbitos de todos os países da União Europeia (mais Reino Unido) à população portuguesa – de modo a se ter uma melhor percepção comparativa da actual situação pandémica na Europa –, constata-se uma redução quase generalizada, e muito significativa, das mortes no final de 2021 em relação ao final de 2020. De facto, apenas a Grécia, a Polónia e a Hungria apresentavam nos últimos dias de 2021 uma situação pior do que em período homólogo de 2020.
A norma foi uma descida muito significativa. A maior redução relativa registou-se no Luxemburgo, um pequeno país de 630 mil habitantes. No final de 2020, os óbitos diários (padronizados à população portuguesa) foram 84; no final de 2021 nenhum. Outras reduções muito relevantes (superiores a 60%) observam-se em Portugal (71 óbitos em 2020 vs. 14 em 2021), no Reino Unido (70 vs. 11), na Suécia (95 vs. 2), Bélgica (81 vs. 23), Áustria (86 vs. 20), Itália (78 vs. 24), Malta (66 vs. 21), Eslovénia (148 vs. 40).
Note-se, porém, que em alguns destes países, sobretudo no Leste europeu, verificou-se um pico muito relevante de mortalidade em Novembro, seguido de uma descida abrupta.
Em todo o caso, aparentando ser um padrão sobretudo regional, a mortalidade atribuída à covid-19 ainda atingia valores elevados no final de 2021 na parte oriental da Europa.
Incidência cumulativa e taxa de mortalidade por covid-19 desde o iníco da pandemia. Fontes: Worldometers e Our World in Data.
Numa altura em que os óbitos por esta doença em Portugal se situavam nos 14 por dia (média móvel de sete dias), três países superavam os 100 óbitos diários (padronizados à população portuguesa): Croácia (129), Hungria (126) e Polónia (111). Mais cinco registavam mais de 50 óbitos: Bulgária (97), Eslováquia (96), Lituânia (77), Grécia (70) e Letónia (59).
A influência directa da vacinação na letalidade da covid-19 nos diversos países europeus tem sido uma discussão recorrente nos últimos meses. Ou seja, será que os países com maior taxa de vacinação automaticamente registarão uma menor mortalidade?
Essa suposta evidência colocou-se sobretudo durante o mês de Novembro do ano passado, quando o Leste europeu foi “varrido” por um número inusitado de casos, enquanto os países ocidentais continuavam num Outono bastante ameno em termos de infecções e mortes.
Porém, nessa “evidência” havia sempre um aspecto esquecido: a partir de níveis razoavelmente elevados de taxa de vacinação – dir-se-ia acima dos 60% da população do país –, mostra-se admissível supor que a quase totalidade das pessoas idosas e vulneráveis estarão já vacinadas. Recorde-se que, por norma, entre 25% e 30% da população de um país europeu tem mais de 65 anos, e é esta a faixa etária mais vulnerável à covid-19 e com prioridade na vacinação.
Se se considerar os últimos dias de 2021, a relação directa entre a taxa de vacinação (com duas doses) e os óbitos por covid-19 (padronizados à população portuguesa) já não parece muito evidente. Na aparência os países com menor taxa de vacinação têm mais óbitos, mas existe também, de uma forma bastante clara, um padrão regional: Leste europeu tem mais mortes do que o Oeste europeu. Qual o factor que conta mais?
Além disso, existem muitas excepções. Por exemplo, a Roménia, o Chipre e mesmo a Eslovénia estavam, no final de 2021, com níveis de mortalidade relativamente baixos, mas ainda com taxas de vacinação da população abaixo dos 65%. A Roménia, apesar de ter apenas 40,1% da sua população vacinada, apresentava mortalidade abaixo de seis países com taxas de vacinação superiores a 70%.
Um outro aspecto interessante de observar é a evolução da pandemia na Europa desde 2020, e de como a maior ou menor incidência cumulativa nos diversos países se repercutiu em termos de mortalidade acumulada e actual por esta doença.
Convém notar que estas comparações devem ser observadas com algumas reticências, por três razões. Primeiro, a incidência da covid-19 dependeu das distintas medidas não-farmacológicas adoptadas pelos diversos países, e da sua verdadeira eficácia, e também das respectivas estratégias de detecção das infecções (maior ou menor testagem de assintomáticos). Segundo, a introdução da vacinação, e a sua eficácia, pode ter alterado, de uma forma mais ou menos significativa, a taxa de letalidade ao longo do período pandémico. Terceiro, ignora-se ainda, em grande medida, a relevância de factores ambientais ou mesmo populacionais (ou sociais) que possam determinar uma menor ou maior mortalidade.
Ponderado tudo isto, uma coisa parece certa: uma menor incidência cumulativa não constituiu, até agora, uma garantia de baixa mortalidade na população, nem ao longo da pandemia nem em relação à situação mais recente.
Mas antes de dissecar esta questão, talvez seja mais importante relevar primeiro que o SARS-CoV-2 atingiu de forma muito distinta o continente europeu. Considerando a população respectiva dos 28 países em análise, a incidência vai desde os 4,3% na Finlândia até aos 23,1% da República Checa (ou seja, quase um em cada quatro checos tiveram covid-19 em menos de dois anos). Portugal regista 12,9% – isto é, quase 1 em cada 8 pessoas teve um teste positivo. Em todo o caso, a maioria dos países apresenta incidências relativamente próximas: 18 países estão com este rácio entre os 12,5% e os 18,5%.
O senso comum diria que uma menor incidência resultaria, de imediato, numa menor mortalidade. O caso da Finlândia aparenta indiciar isso. Com apenas 4,3% da sua população com teste positivo desde o início da pandemia, a taxa de mortalidade por covid-19 é, até agora, a mais baixa da União Europeia: 2,8 por 10.000 habitantes. Porém, este país escandinavo é uma excepção.
Taxa de vacinação e incidência em 28 de Dezembro de 2021 (média móvel de 7 dias). Fontes: Worldometers e Our World in Data.
De facto, alguns países com incidência cumulativa relativamente baixa (em comparação aos outros países) apresentam taxas de mortalidade muito mais elevada. São os casos, sobretudo, da Roménia (terceiro país com menor incidência, mas quarto com maior taxa de mortalidade), da Bulgária (sexto país com menor incidência, mas com a pior taxa de mortalidade) e da Hungria (décimo com menor incidência, mas a segunda pior taxa de mortalidade).
Portugal – com uma incidência de 12,9% (12º maior no grupo de 28 países em análise) e uma taxa de mortalidade de 12,9 óbitos por 10.000 habitantes (17ª posição) – encontra-se numa situação intermédia.
Existem muitos factores que podem explicar a ausência de relação directa entre incidência e mortalidade causada pelo SARS-CoV-2. Por um lado, a incidência pode ser muito distinta entre grupos etários, o que produz efeitos muito distintos. Ou seja, enquanto 1.000 casos positivos no grupo dos mais idosos pode resultar em muito mais de 100 óbitos, o mesmo número em jovens terá consequências irrelevantes, ou mesmo nulas.
Nesse aspecto, a maior ou menor incidência da doença nos idosos, e particularmente nos lares, é um aspecto determinante para o impacte da doença em cada país. Além disso, cada país – e mesmo nas distintas regiões de um mesmo país – registaram-se níveis distintos de resposta à pandemia, incluindo ao nível do tratamento hospitalar, com efeitos directos muito relevantes na mortalidade.
Por fim, a incidência cumulativa desde o início da pandemia não aparenta ser relevante nos níveis de mortalidade por covid-19 no período mais recente. Com referência aos óbitos de 28 de Dezembro de 2021 (média móvel de sete dias), e padronizados à população portuguesa, não se observa de forma directa um padrão de menor mortalidade nos países com maior incidência cumulativa desde o início da pandemia.
A Croácia é o país que apresenta maior mortalidade na União Europeia (129 óbitos padronizados no dia 28 de Dezembro), mas contava já com 17,3% da sua população com teste positivo à covi-19. A República Checa, o país com maior incidência cumulativa na União Europeia (23,1%), apresentava mesmo assim o 9º valor mais elevado de mortalidade (58 óbitos).
A ex-presidente do INFARMED, a pediatra Maria do Céu Machado, tem sido o rosto da acusação da líder do extinto movimento Médicos pela Verdade, Margarida Oliveira. Por alegadas violações deontológicas quer aplicar uma suspensão de três meses à sua colega. Porém, enquanto decorria o processo disciplinar, a mulher do falecido neurologista João Lobo Antunes deu consultadoria pontual à Janssen, uma das produtoras das vacinas contra a covid-19. E foi também júri de um prémio patrocinado por uma farmacêutica, ao lado do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Presidente da República.
A relatora do processo disciplinar da Ordem dos Médicos que castigou a anestesiologista Margarida Oliveira – acusada de “negacionismo” por integrar o extinto movimento “Médicos pela Verdade” e de violar uma dezena de normas do Regulamento de Deontologia desta profissão – tem ligações à indústria farmacêutica e, no ano passado, chegou a prestar serviços de consultadoria à Janssen Cilag, uma das produtoras de vacinas contra a covid-19. O acórdão final, datado de 7 de Dezembro do ano passado, foi divulgado no final da passada semana, podendo ser consultado aqui.
De acordo com a investigação do PÁGINA UM, Maria do Céu Machado – que foi casada com o cirurgião João Lobo Antunes, falecido em 2016 – tem colaborado pontualmente com empresas farmacêuticas, após a sua saída do INFARMED, a que presidiu entre 2017 e 2019.
Pela consulta do Portal da Transparência e Publicidade desta autoridade nacional que regula os medicamentos, a pediatra Maria do Céu Machado – também professora jubilada da Faculdade de Medicina de Lisboa e com um vastíssimo currículo académico e institucional – apresenta em 2021 um registo de recebimento por “serviços de consultoria” não especificados à Janssen, no valor de 700 euros, com duração e âmbito incertos.
Também recebeu, naquele ano, montantes de mais três farmacêuticas: Lilly Portugal (600 euros), Ferrer Portugal (130 euros para participação no Congresso Português de Cardiologia) e ainda 1.550 euros pagos pela Boehringer Ingelheim por ser membro do júri no “BI Award for Innovation in Healthcare”.
Note-se que estes montantes, constante numa base de dados do INFARMED, podem não reflectir todos as vantagens económicas que envolvem médicos e farmacêuticas, uma vez que basta ser usada uma empresa para que seja difícil rastrear o beneficiário final.
Aliás, no caso específico dos montantes concedidos pela Boehringer Ingelheim para o júri daquele prémio, apenas Maria do Céu Machado e o psiquiatra Júlio Machado Vaz registaram um valor no Portal da Transparência e Publicidade. Sobre outros pesos-pesados da Medicina e influencers da política de Saúde do país que também foram membros do júri deste prémio, nada consta. São os casos, entre outros, de Miguel Guimarães, bastonário da Ordem do Médicos; Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares; Ana Paula Martins, bastonária da Ordem dos Farmacêuticos; Carlos Robalo Cordeiro, catedrático de pneumologia da Faculdade de Medicina de Coimbra; David Marçal, comunicador de Ciência da Universidade Nova de Lisboa; Maria de Belém Roseira, ex-ministra da Saúde; e ainda Pedro Rebelo de Sousa, irmão do actual Presidente da República.
Maria do Céu Machado consta da lista de membros do júri de um prémio da Boehringer Ingelheim, ao lado do bastonário da Ordem dos Médicos. Recebeu 1.500 euros pela tarefa.
Estas ligações não terão sido consideradas incompatíveis pela própria Maria do Céu Machado, que liderou um grupo de 17 membros do Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos. Numa primeira decisão, em Fevereiro do ano passado, pretendeu suspender Margarida Oliveira por um período de seis meses. Agora, por recurso, estipula uma pena disciplinar de três meses.
Em causa, neste polémico processo, iniciado em finais de 2020 após três denúncias – entre as quais a de Pedro Abreu, ex-presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior –, estão, segundo a relatora Maria do Céu Machado, “conversas na rede social Telegram” em que Margarida Oliveira terá aconselhado “terceiros nas formas de eliminação de ‘restos virais’ dos locais onde é feita a recolha das amostras para testagem (PCR) ao vírus SARS-CoV-2”, e a sua participação em Janeiro do ano passado “numa manifestação, junto da Assembleia da República, onde proferiu diversas declarações contra a DGS [Direcção-Geral da Saúde], a Ordem dos Médicos, os testes RT-PCR e as Vacinas”.
Margarida Oliveira defendeu, segundo os autos, que “a dita ‘receita’ para a lavagem das fossas nasais e da orofaringe (…) é na sua essência uma recomendação de higiene e de hábitos de vida saudável a que qualquer médico está obrigado”. E, apesar de ser acusada de “negacionista”, sempre assumiu que “há efetivamente um surto epidémico associado a um agente virológico”, embora contestando o conceito de pandemia aplicado à covid-19 e muitas das medidas da DGS. Na mesma linha estiveram os médicos que testemunharam a favor desta anestesiologista, entre os quais Fernando Nobre, também ele alvo de um processo disciplinar.
Margarida Oliveira, anestesiologista de uma clínica privada, tem a Ordem dos Médicos “à perna” desde o final de 2020. Processo deverá arrastar-se até aos tribunais.
O fundador da AMI, que tem sido uma das poucas vozes críticas à gestão da pandemia, comparou mesmo o processo contra Margarida Oliveira aos processos inquisitoriais dos séculos passados: “No julgamento da inquisição, ele [Galileu] contestava aquela ideia peregrina que tudo girava à volta da Terra e para não ir parar à fogueira ele até, enfim, deu o dito por não dito, perjurou-se, não obstante à saída disse, no entanto, a Terra gira à volta do Sol”, afirmou Fernando Nobre, transcrito nos autos, defendendo o arquivamento por estar apenas em causa um delito de opinião.
Os testemunhos dos defensores, ouvidos quase como pro forma, acabaram em saco roto. Maria do Céu Machado entendeu “que tem a médica arguida liberdade para ter as suas próprias convicções, todavia tais convicções devem estar associadas a um dever de cuidado no aconselhamento médico que faz à comunidade”. A pediatra defendeu também, por escrito, que ao médico não cabe proferir declarações “sobre a credibilidade em tratamentos, vacinas e testes numa situação em que impera o princípio da precaução em saúde pública.”
Porém, Maria do Céu Machado entra aqui em contradição com o que praticou durante o ano passado, pois prestou, por diversas vezes, declarações sobre a credibilidade das vacinas em crianças, mas nesses casos sempre de forma muito favorável. Por exemplo, em Agosto passado, defendeu no Público “a vacinação de jovens saudáveis a partir dos 12 anos só com uma dose”. E ainda mais falou, no mês passado, em entrevista ao Diário de Notícias, quando estalou a polémica sobre o parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 sobre as crianças, com alguns pediatras a aconselharem prudência ou a desaconselharem mesmo o avanço do programa vacinal para esta faixa etária. Recorde-se que, conforme revelou recentemente o PÁGINA UM, ainda não se registou ainda qualquer morte por covid-19 em crianças portuguesas e a taxa de internamento tem sido extremamente baixa.
No acórdão do processo disciplinar a que o PÁGINA UM teve acesso, Maria do Céu Machado advoga mesmo a subjugação dos médicos, em geral, e de Margarida Oliveira, em especial, às posições e decisões governamentais. Na página 8 deste acórdão advoga “o dever especial de cuidado a que a médica [visada no processo] está adstrita, bem como o dever de garante da saúde em geral, norteada pelas orientações emanadas pela DGS, [que assim] deveriam tê-la impedido de expor as suas exaltações e preocupações em público e de dar recomendações públicas a terceiros, contrárias ao veiculado pelos órgãos de soberania portugueses.”
E a antiga presidente do INFARMED ainda vai mais longe no veredicto, ao afirmar, de forma dogmática, que “a médica arguida, ao agir da forma como agiu actuou de forma leviana e infundada, utilizando tanto uma rede social, como o espaço público, para transmitir mensagens de inquietação pública, instigando a um clima de tensão e colocando em causa, tanto a DGS, como os seus colegas médicos, bem como, em última análise, esta ordem profissional.” No total, a relatora apontou a violação de uma dezena de normas do Regulamento de Deontologia Médica.
O acórdão deste processo da Ordem dos Médicos – que curiosamente Maria do Céu Machado assina em nome de mais três colegas – ainda é passível de apelo para o Conselho Superior da Ordem dos Médicos, e posteriormente, se a defesa assim entender, para os tribunais. Ou seja, a anestesiologista Margarida Oliveira ainda não cumpriu nem cumprirá qualquer sanção enquanto a decisão sancionatória não transitar em julgado, algo que pode demorar anos.