Categoria: Exame

  • Comissão Europeia quer prolongar certificado que obriga à toma de até cinco doses da vacina contra a covid-19

    Comissão Europeia quer prolongar certificado que obriga à toma de até cinco doses da vacina contra a covid-19

    A Comissão Europeia quer manter a discriminação entre vacinados e não-vacinados, propondo o prolongamento do uso dos certificados digitais por mais um ano, até finais de Junho de 2023. E cita estudos que comprovam a “utilidade” das proibições de acesso como incentivo para a toma de mais doses da vacina. Caso seja aprovado o novo regulamento, além da manutenção de uma política segregacionista, com uma quarta dose serão vendidas pelo menos mais de 300 milhões de vacinas na União Europeia, um negócio superior a 6 mil milhões de euros para as farmacêuticas. E acrescem também custos operacionais de gestão dos certificados na ordem dos 10 mil milhões de euros.


    Em contraciclo com as decisões de alguns países europeus – como a Dinamarca, Finlândia, Noruega e Reino Unido – em cessar já a discriminação dos cidadãos em função do seu estado vacinal contra a covid-19, a Comissão Europeia quer estender por mais um ano a aplicação dos certificados digitais para condicionar ou proibir a circulação aérea e o acesso a certos lugares públicos por não-vacinados.

    Numa altura em que a pandemia se encontra já numa fase claramente endémica, a Comissão von der Leyen – adepta da imposição da vacinação obrigatória universal, incluindo a jovens e crianças – tem já pronta uma proposta de regulamento para prolongar até 30 Junho de 2023 o controlo de entradas através deste certificado, que apenas atesta a toma de vacinas ou a ocorrência de uma infecção recente.

    Como os certificados têm agora uma validade de nove meses, a implementação desta medida garante às farmacêuticas pelo menos mais um reforço vacinal. No limite, quem tomou a chamada “dose de reforço” até finais de Novembro do ano passado terá de receber uma quinta dose para não sofrer restrições de circulação até ao meio do próximo ano.

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    No texto que acompanha a sua proposta de regulamento, a Comissão Europeia mostra ser uma fervorosa adepta do uso do certificado digital para o condicionamento de acesso em espaços públicos no interior de cada país (por exemplo, em restaurantes, ginásios ou eventos culturais e desportivos) como instrumento de “incentivo” para a vacinação. E menciona expressamente dois estudos que provam que a implementação do certificado digital convenceu muitos a vacinarem-se.

    Num desses estudos, ainda em fase de working paper, investigadores belgas e franceses defendem que durante o Verão do ano passado os “certificados covid” contribuíram para um aumento substancial na aceitação de vacinas: mais 13,0 pontos percentuais (pp) na França, mais 6,2 na Alemanha e mais 9,7 na Itália. Ou seja, na verdade, assumem que as pessoas não se vacinaram por acreditar no poder de protecção da vacina; quiseram, sim, apenas continuar a movimentar-se livremente.

    Mas os investigadores também garantem que o certificado salvou vidas, embora através de uma mera análise contrafactual – ou seja, fazendo estimativas sobre eventuais mortes que teriam ocorrido se não houvesse aquele aumento de vacinação. Na sua opinião, sem esse reforço de vacinação teriam morrido mais 3.979 pessoas por covid-19 na França, 1.133 na Alemanha e 1.331 na Itália, além de avultadas perdas económicas.

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    Saliente-se, contudo, que nestes três países – tal como, aliás, em Portugal – morreram mais pessoas por covid-19 no Verão de 2021 (com vacina) do que no Verão de 2020 (ainda sem vacina).

    Noutro estudo (sem peer review), também mencionado pela Comissão Europeia, e que aborda igualmente a realidade do Canadá, aponta-se para uma subida semanal superior a 60% na primeira toma da vacina após a decisão das autoridades em impor o uso de certificado digital como forma de discriminação dos cidadãos não-vacinados.

    Recorde-se que, na União Europeia, onde já se emitiram mais de mil milhões de certificados, a vacina contra os efeitos do SARS-CoV-2 só passou a ser obrigatória na Áustria, e para certas profissões em outros Estados-membros, como a Grécia e Hungria (para profissionais de saúde), na França (profissionais de saúde e forças de segurança) e na Itália (para as duas anteriores classes, e também para professores e trabalhadores de lares).

    Estas decisões são polémicas, tanto mais que, por norma, nem os Estados nem as farmacêuticas assumem responsabilidades em caso de efeitos adversos. Em todo o caso, o Governo italiano já reservou 150 milhões de euros com vista a compensar eventuais reacções adversas da vacinação.

    Face à relutância de uma franja importante da população em tomar a dose de reforço, a manutenção do certificado digital constitui assim uma forma de coerção e incentivo. Caso 80% da população europeia “vacinável” adira a um reforço, serão vendidas mais de 300 milhões de doses, o que representará um negócio de 6 mil milhões de euros para as farmacêuticas. Além disto, os custos operacionais previstos pela própria Comissão Europeia para o prolongamento do certificado digital podem ascender aos 10 mil milhões de euros.

    A proposta da Comissão von der Leyen, apresentada no seu site em 23 línguas, está agora em consulta pública até ao próximo dia 8 de Abril, e a merecer já forte contestação, com uma elevada participação. Ontem, pelas 19 horas, o PÁGINA UM contabilizou 24.182 comentários, quase todos criticando o carácter desumano e discriminatório do certificado, até porque, como instrumento de controlo da doença, este papel não constitui nem garantia de não-infecção nem de não-transmissão da covid-19.

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    Hoje, pelas 16 horas, o número de comentários já ultrapassava os 28.000, sendo que 53% provinham da Itália, 9% da Alemanha e 8% da França e também da Holanda. Com 451 comentários, Portugal encontrava-se na nona posição (2% do total). Além das opiniões de cidadãos, a proposta de regulamento incluía já comentários de 106 empresas ou associações empresariais, 23 universidades, 18 entidades públicas, 22 organizações de consumidores ou não-governamentais, cinco sindicatos e outras tantas associações de defesa do ambiente.

    A Comissão Europeia promete que “todos os comentários recebidos serão resumidos e apresentados ao Parlamento Europeu e ao Conselho a fim de contribuir para o debate legislativo”.

    Nota: Para leitura integral da proposta da Comissão Europeia, e para elaborar comentários, pode aceder AQUI.

  • Sociedades médicas: as máquinas ligadas às farmacêuticas

    Sociedades médicas: as máquinas ligadas às farmacêuticas

    O PÁGINA UM vai fazer um diagnóstico completo aos financiamentos declarados entre farmacêuticas e sociedades médicas, vasculhando na base de dados da Transparência e da Publicidade do Infarmed, uma plataforma que deveria ser de fácil leitura e consulta, mas que tem as suas nuances. Este é o primeiro de um conjunto de artigos que mergulhará a fundo nas promíscuas relações entre médicos e farmacêuticas. Para já, fique a saber de quanto se está a falar quando se fala de dinheiro envolvido.


    São 49 milhões euros nos últimos cinco anos. Foram quase 12 milhões de euros no ano passado. Não há nem nunca houve crise para as principais agremiações de médicos e de outros profissionais de saúde, que dão pelo título de “sociedade portuguesa” de uma qualquer especialidade.

    Embora publicamente as suas opiniões, particularmente dos seus dirigentes sejam sempre vistas como independentes, na verdade as sociedades científicas de médicos e outros profissionais de saúde têm um cordão umbilical que se encontra bem preso, e que as alimenta, e que se chama indústria farmacêutica. E que tem depois retorno. Ninguém está interessado em o cortar. Até porque não há almoços de borla neste apetecível negócio. E há muitos que gostam. Menos a independência. E a deontologia.

    Um levantamento exaustivo do PÁGINA UM à Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed – uma “operação” mais complexa do que seria admissível (ver texto em baixo) – identificou 94 sociedades científicas (e um pequeno montante não identificado) – congregando quase todas as especialidades médicas e de outras áreas da saúde – que receberam montantes de 135 empresas do sector farmacêutico.

    Para os últimos cinco anos, o PÁGINA UM identificou 5.745 eventos patrocinados pela indústria farmacêutica às sociedades identificadas, sobretudo para a realização de congressos, pagamento de quotas e despesas de funcionamento ou realização de campanhas de sensibilização e estudos.

    Há de tudo um pouco, embora este levantamento até exclua, porque será abordado em artigo independente, os pagamentos individuais das farmacêuticas a milhares e milhares de médicos para inscrições em congressos e conferências organizados pelas sociedades. Esse dinheiro acaba, obviamente, nos cofres das sociedades.

    Se o número de eventos impressiona pela quantidade – por exemplo, só no ano passado, o PÁGINA UM identificou 1.345 registos na base de dados do Infarmed envolvendo pagamentos de farmacêuticas às sociedades, o que representa mais de cinco por dia útil –, quando então se olha para os cifrões não restam dúvidas sobre a discreta, mas tenaz influência das farmacêuticas junto da classe médica e de outros profissionais de saúde.

    E também não ficam dúvidas sobre o carácter pouco filantropo deste sector: as farmacêuticas são pragmáticas e apostam apenas nas sociedades que as podem depois beneficiar. O jogo é simples e transparente, diga-se.

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    Com efeito, analisando com detalhe a contabilidade anual das diversas sociedades – que excluem, assim, algumas poderosas agremiações, como a Associação Portuguesa de Urologia, a especialidade do actual bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães – verifica-se que as farmacêuticas olham para uns como filhos, e para outros como mendigos.

    Comecemos pelos mendigos.

    São 45 as sociedades que, no total do último quinquénio, receberam menos de 10 mil euros por ano. Seis nem sequer aos mil euros anuais chegaram. E não é por não precisarem.

    Ninguém jamais duvidará da importância do objecto social da Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Familiar, ou da Sociedade Portuguesa de Neurociências, ou da Sociedade Portuguesa de Alcoologia ou até da Sociedade Portuguesa de Virologia, ademais vendo os tempos que correm.

    Só que, para a indústria farmacêutica, estas e outras sociedades têm um problema: as respectivas especialidades receitam pouco, ou em pequena quantidade. Não dão retorno. Por isso, uma empresa como a Pfizer faz um acto de “caridade” à Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Familiar quando lhe concede 450 euros para um congresso, mas já estará a tratar de negócios quando entrega quase 370 mil euros num ano destinada a uma campanha de sensibilização da vacinação pneumocócica à Sociedade Portuguesa de Pneumologia, como fez no ano passado.

    Na verdade, algumas sociedades médicas têm tanta capacidade para atrair farmacêuticas como a luz as melgas. Muitas sociedades sabem tão bem isto que colocam previamente tabelas de preços para patrocínio de congressos, para todos os gostos e bolsos. O modus operandi mais corriqueiro passa por “oferecer” aos interessados um de três tipos de patrocínios: Platina (só há, por regra lugar para um, mas paga-se bem), Ouro (geralmente mais do que um, mas menos de cinco), e por fim Prata. Escolhendo pelo menu, as farmacêuticas sabem logo o que têm, em termos de espaço de exposição e atenção, mas também quanto lhes custa esta bondade.

    Em sociedades importantes, como por exemplo a de Cardiologia, um destes patrocínios não é coisa barata: no ano passado, a Novartis teve de pagar patrocínios deste género no valor de quase 310 mil euros. Em 2020, a AstraZeneca deu 80 mil; em 2021 ficou-se pelos 58 mil. Nenhuma das grandes farmacêuticas quer ficar para trás nas simpatias dos cardiologistas na hora dos congressos. Na lista de patrocinadores da Sociedade Portuguesa de Cardiologia contam-se 13 farmacêuticas que concederam mais de 50 mil euros apenas no ano passado.

    Financiamento das 20 principais sociedades em função dos montantes atribuídos pelas farmacêuticas entre 2017 e 2021. Fonte: Infarmed.

    Esta sociedade não surge aqui apenas como exemplo: é aquela que mais amealhou no último quinquénio: 6.817.254 euros. No ano passado atingiu o valor máximo dos últimos cinco anos (quase 1,93 milhões de euros), que deu para recuperar uma perda significativa de receitas no primeiro ano de pandemia: em 2020 “apenas” recebera 670.184 euros. Portanto, por exemplo, na hora de se falar em miocardites, convém sempre atender-se tanto às questões científicas como às de outra natureza.

    Não surpreende também que as Sociedades de Medicina Interna e de Pneumologia surjam em lugar de destaque na atracção das liberalidades das sociedades farmacêuticas. A primeira não foi muito afectada pela pandemia – mesmo assim “perdeu” no ano de 2020 entre 100 mil e 200 mil euros face ao que recebia antes da pandemia. No último quinquénio garantiu “bondades” das farmacêuticas no valor de 5,86 milhões de euros.

    Quanto à Sociedade Portuguesa de Pneumologia, o primeiro ano da pandemia não correu particularmente mal – recebeu um pouco mais de 786 mil euros –, mas 2021 superou as expectactivas, muito graças à Pfizer.

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    O ano passado acabou com os cofres desta sociedade médica a encaixar 1.301.972 euros de 25 farmacêuticas – e quase todas nunca falham apoio em qualquer ano, ou seja, são habitués. O quinquénio 2017-2021 concluiu-se com um pecúlio de 4,35 milhões de euros das farmacêuticas.

    Também especialidades muito apetecíveis para as farmacêuticas são as de Reumatologia, de Oncologia, de Pediatria e de Gastrenterologia, cujas sociedades médicas não atingem os montantes das três que ocupam o pódio, mas não se podem queixar.

    Todas receberam, nos últimos cinco anos, apoios das farmacêuticas entre os dois e os três milhões de euros. Todas também viram o ano de 2021 terminar com mais dinheiro nos cofres, um alívio particularmente para as Sociedades Portuguesas de Reumatologia e de Gastrenterologia que tiveram um impacte negativo com a pandemia. Como em 2020 o Governo decidiu suspender muitos actos médicos, menos diagnósticos resultaram em menos receitas e em menos fármacos vendidos (ou a vender), e portanto as farmacêuticas cortaram-se na hora de entregar o cheque a estas sociedades.

    Um caso exemplar sobre os mecanismos de financiamento observa-se com a recém-criada Sociedade Portuguesa de Farmacêuticos dos Cuidados de Saúde, que ainda se encontra em comissão instaladora desde 2019. Integrando profissionais com uma enorme influência na escolha dos fármacos a prescrever ou encomendar, sobretudo ao nível do Serviço Nacional de Saúde, rapidamente esta sociedade atraiu financiadores. Em 2019, por ser nova, apenas recebeu cerca de 85 mil euros, mas subiu logo para os 320 mil no primeiro ano da pandemia. Terminou o ano de 2021 com um pecúlio de um pouco superior 617 mil euros das farmacêuticas, ocupando já a sexta posição das sociedades com maior poder de atracção.

    Amanhã, o PÁGINA UM revelará, com maior detalhe, quais as farmacêuticas que financiam cada uma das sociedades, e com que valores. Este artigo constitui apenas uma mera introdução.

    NOTA: Pode aceder à síntese dos montantes arrecadados por cada uma das sociedades no quinquénio 2017-2021, provenientes das farmacêuticas, AQUI.


    Uma agulha num pardieiro


    O portal da Transparência e Publicidade do Infarmed só tem transparência no nome. E publicidade no objectivo, não alcançado. Obter a informação que o PÁGINA UM começa hoje a divulgar aparenta ser fácil, porque a base de dados é pública, mas quem não entender as nuances desta plataforma deixa escapar muita informação, ou nem sequer consegue obter uma imagem correcta da realidade.

    O problema começa logo no facto de a plataforma não ser “amigável”: não há a possibilidade de a descarregar para um Excel, por exemplo. Nem permite consulta por filtro; apenas por palavras-chave.
    Além disso, como tanto as entidades ou pessoas que recebem verbas como as entidades que concedem apoios devem fazer uma declaração nesta plataforma do Infarmed, abre-se a porta a todas as confusões.

    Seria expectável que a base de dados do Infarmed exigisse que o registo inicial da pessoa ou entidade beneficiada incluísse, por exemplo, o número de identificação fiscal, e que não permitisse outras denominações além da oficial. Como tal não sucede, multiplicam-se os registos distintos – alguns até por força de “gralhas” –, impedindo ou dificultando assim uma aferição rápida dos montantes e da quantidade de eventos com patrocínio que uma determinada sociedade obteve.

    Por exemplo, se se digitasse em Novembro do ano passado, “Sociedade Portuguesa de Cardiologia” – a sua denominação oficial – naquela base de dados surgiam 88 eventos patrocinados num total de 1.026.419 euros. Na verdade, esta Sociedade recebeu muito mais: o PÁGINA UM identificara até então, apenas para este período, 147 eventos num montante global de 1.802.377 euros. A razão era simples: existem variadas denominações distintas – e logo diversas entidades a registarem –, por vezes usando abreviaturas, exclusão de preposições ou com erros (gralhas ortográficas).

    Ao longo dos cinco anos analisados, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia apresenta 24 distintos registos. A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna não ganha à Cardiologia em apoios das farmacêuticas, mas vence folgadamente em número de registos distintos: 37. Seria fastidioso elencar todas as variações, mas pode dizer-se que vai desde a denominação correcta até “SPMI – Soc Port De Medina Interna”, passando por “SOC.PORT.MEDICINA INTERNA” e “SOCIEDADE PORTUGUESA MEDICINA” (sic).

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    Mais complexo ainda é o caso da Sociedade Portuguesa de Pediatria, porquanto, na verdade, funciona como uma espécie de confederação de distintas sociedades – 19 no total – com especialidades distintas, desde os Cuidados Intensivos Pediátricos até à Pediatria Social e a Medicina do Adolescente. Em Novembro do ano passado – quando o PÁGINA UM iniciou esta investigação – se se pesquisasse por “Sociedade Portuguesa de Pediatria”, apenas se apuraria um montante de 1.282.580 euros no último quinquénio, quando na verdade esse o montante atingira já os 2.123.852. Tal discrepância deve-se às 68 denominações distintas para registar patrocínios em eventos das SPP e/ou das suas sociedades “federadas”.

    Mesmo as pequenas sociedades estão “afectadas” por este problema. Por exemplo, quatro sociedades que, receberam desde 2017 montantes que rondam um milhão de euros surgem no portal do Infarmed com mais de duas dezenas de denominações distintas: Sociedade Portuguesa de Farmacêuticos dos Cuidados de Saúde conta 26, a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica tem menos uma, e a Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia 23, tantas como a Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo.

    No caso dos médicos e outros profissionais, os problemas são de outra índole, e que obstaculizam também a desejada transparência. Com efeito, muitos médicos são detentores de empresas – e registam nelas as verbas recebidas das farmacêuticas –, ignorando-se assim, em muitos casos, o beneficiário final. Noutras situações, não se conhece qual o nome que um determinado médico usa: pode ser o nome completo, ou o nome que mais utiliza profissionalmente.

    Na verdade, consultar esta base de dados do Infarmed é quase como ir à pesca. Ora, a transparência não é isso, até porque não há ali nada de lúdico para observar.

  • Ontário anuncia fim do certificado de vacinação para desbloquear capital do Canadá

    Ontário anuncia fim do certificado de vacinação para desbloquear capital do Canadá


    O primeiro-ministro de Ontário, Doug Ford, acabou de anunciar o fim do certificado de vacinas naquela província canadiana a partir de 1 de Março, anunciou o National Post.

    A decisão surge após duas semanas de intensas manifestações pacíficas sobretudo na capital do Canadá e em outras cidades, apesar de todas as tentativas do primeiro-ministro Justin Trudeau em associar os protestos a movimentos violentos, de extrema-direita e com influências de ideólogos radicais. As autoridades judiciais tinham entretanto bloqueado neste fim-de-semana a angariação de fundos da segunda plataforma de angariação (a GiveSendGo), que já amealhara 9 milhões de dólares, situação que estava a criar ainda mais críticas à forma como os Governos democráticos estão a começar a lidar com os movimentos sociais espontâneos, como é o caso do Freedom Convoy.

    Ford disse aos jornalistas que “o anúncio de hoje não é por causa do que está acontecendo em Ottawa ou Windsor, mas apesar disso”, assumindo implicitamente que houve uma cedência para protestos que se estavam a tornar insustentáveis social e politicamente.

    Na próxima quinta-feira serão já alteradas algumas restrições, entre as quais os limites de reuniões sociais, que aumentarão para 50 pessoas em ambientes fechados e de 100 pessoas ao ar livre, enquanto outros limites de capacidade serão removidos em locais como restaurantes, bares, ginásios e cinemas. O limite de pessoas em mercearias, farmácias e estabelecimentos de comércio a retalho será entretanto definida.

  • DGS esconde números, mas óbitos por todas as causas aumentaram 30% durante a pandemia

    DGS esconde números, mas óbitos por todas as causas aumentaram 30% durante a pandemia

    Governo e Direcção-Geral da Saúde sempre esconderam o verdadeiro impacte da pandemia nos lares, e as consequências da suspensão da assistência médica aos idosos. Uma análise do PÁGINA UM revela que nesses locais, desde o início da pandemia, terão morrido quase nove mil pessoas a mais face ao período homólogo anterior. Um crescimento de quase 30% que contrasta com um aumento em todo o país que rondou os 12%. Muitas das mortes em lares levaram abusivamente com o selo “covid”, bastando os óbitos terem ocorrido durante surtos.


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) escondeu autênticos morticínios em lares durante a pandemia, e continua a manter silêncio sobre os óbitos registados nas denominadas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), apesar do pedido do PÁGINA UM ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA).

    Uma nova queixa – a sétima, desde Novembro do ano passado – seguirá para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos por incumprimento daquela lei da transparência e arquivo aberto da Administração Pública, que a DGS sistematicamente ignora. No entanto, de forma indirecta, o PÁGINA UM conseguiu apurar que os lares terão sido o epicentro de uma hecatombe sem precedentes, e não apenas da responsabilidade da covid-19, mas mais pela gestão destes equipamentos durante a pandemia.

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    Apesar da Orientação nº 009/2020 – assinada pela própria directora-geral da Saúde, Graça Freitas, logo no início da pandemia, em 11 de Março de 2020, e que foi actualizada em Janeiro passado – estipula procedimentos muito detalhados para a gestão da pandemia nas ERPI, que deveria incluir o registo dos surtos e óbitos; mas nunca foram divulgados quaisquer dados detalhados, nem sobre a covid-19 nem sobre mortes associadas a outras doenças.

    Aliás, Portugal sempre foi um dos poucos países europeus que nunca elaborou qualquer relatório circunstanciado sobre o impacte da pandemia nos lares.

    Pese embora essa ausência de informação promovida intencionalmente pela DGS – que sistematicamente recusa conceder acesso a qualquer documentação solicitada pelo PÁGINA UM –, o incremento da mortalidade durante a pandemia, desde 16 de Março de 2020 até 10 de Fevereiro deste ano, ficou 30% acima do período homólogo (16 de Março de 2018 até 10 de Fevereiro de 2020).

    Esta conclusão retira-se de uma análise comparativa dos dados disponíveis ao público do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), mais concretamente sobre o local da ocorrência da morte.

    Sendo certo que estes dados disponibilizados pelo SICO ao público não identifica de forma directa os óbitos que ocorreram em lares de idosos, estes podem ser intuídos pelo local de ocorrência do óbito. No caso em concreto, os óbitos em ERPI estarão incluídos em “Outro local”, sendo que outros campos existentes são “Instituição de Saúde”, “No domicílio” e “Desconhecido”. Neste último caso, os números são relativamente pequenos (poucas centenas durante um ano).

    De acordo com a análise do PÁGINA UM, desde 16 de Março de 2020 até 10 de Fevereiro de 2022, registaram-se 34.774 óbitos em “Outro local”, quando no período homólogo anterior se contabilizaram 26.864 óbitos, ou seja, um acréscimo absoluto de 7.910 mortes, que representam um crescimento de 29,4%. Para se ter uma ideia mais exacta da autêntica hecatombe que terá ocorrido nos lares, saliente-se que as ERPI legalizadas têm apenas uma ocupação de cerca de 100 mil pessoas.

    Óbitos diários (média móvel de 7 dias) registados em “Outros locais” durante e antes da pandemia. Fonte: SICO.

    Este aumento relativo foi 2,5 vezes superior ao que se registou em instituições de saúde (subida relativa de 11,9%) e nove vezes superior ao contabilizado no domicílio (mais 3,3%). Em termos globais, no período em análise, contabilizaram-se 238.152 mortes por todas as causas (8,6% atribuídas à covid-19), um aumento de 25.404 (ou mais 11,9%) face ao período homólogo imediatamente anterior à pandemia.

    Saliente-se que estes valores de óbitos intuídos para os lares podem pecar por defeito, porquanto um número considerável de óbitos de utentes de ERPI estará contabilizado nas unidades de saúde, bastando a morte ter sido declarada no hospital durante um internamento. No entanto, também deve ser destacado que, em virtude da avançada idade, os óbitos nesta faixa etária são mais prováveis: para os maiores de 85 anos, a taxa de mortalidade no prazo de um ano ronda os 15%. Em todo o caso, a dimensão do aumento é avassaladora.

    Com efeito, desde o início da pandemia, em todos os meses de 2020 e 2021, e também em Janeiro do presente ano, se observou um significativo excesso de óbitos certificados em “Outros locais”, ou seja, maioritariamente em lares. No entanto, durante o Inverno de 2020-2021, e sobretudo em Janeiro do ano passado, assumiu proporções nunca vistas, quando aos surtos de SARS-CoV-2 sobreveio uma vaga de frio e o colapso no atendimento hospitalar.

    Diferencial de óbitos diários (média móvel de 7 dias) registados em “Outros locais” no período pandémico face ao período homólogo (Março de 2018 a Fevereiro de 2020). Fonte: SICO.

    Nesse mês, no SICO, estão registados 2.674 óbitos em “Outros locais”, ou seja, mais 87% do que em Janeiro de 2020 (1.428 óbitos) e mais 75% do que em Janeiro de 2019 (1.529 óbitos).

    Contudo, tanto antes como depois daquele funesto mês, os óbitos em “Outros locais” – e, portanto, nos lares – sempre esteve acima do esperado. De acordo com a análise do PÁGINA UM, o diferencial de mortalidade face ao período homólogo do ano imediatamente anterior à pandemia – ou seja, 2020 compara com 2018; e 2021 compara com 2019; e Janeiro e Fevereiro de 2022 compara com esses meses de 2020) – foi sempre largamente positivo. Ainda em 2020, registou-se um pico de 635 óbitos a mais em Julho, que se deveu quase em exclusivo a uma onda de calor e a inúmeras mortes de idosos por desidratação, de que o caso do lar de Reguengos de Monsaraz terá sido somente uma ponta do icebergue conhecida.

    Diferencial de óbitos por mês em “Outros locais” entre o período pandémico e o período de Março de 2018 e Janeiro de 2020. Fonte: SICO.

    Porém, mesmo com o avanço do programa de vacinação contra a covid-19 ao longo de 2021, esta faixa etária continuou a registar um excesso de óbitos, que continua ainda em 2022.

    No mês passado, houve mais 248 óbitos certificados em “Outros locais” em comparação com Janeiro de 2020, ou seja, em vésperas do surgimento do SARS-CoV-2 em Portugal. Ou seja, nem sequer se observou um “benefício” da comunidade perante a elevada mortandade na população idosa no primeiro ano da pandemia, o que revela a significativa fragilidade que este grupo etário continua a ter.

    Note-se que, apesar da elevada letalidade da covid-19 em idades avançadas – ao contrário da benignidade desta doença em crianças, adolescentes e jovens adultos –, a covid-19 não terá sido a exclusiva causa desta “razia” em lares.

    Mesmo que a DGS venha agora a divulgar números concretos sobre os lares, os óbitos ali atribuídos ao SARS-CoV-2 estarão, certamente, empolados, uma vez que no ponto 69 da Orientação nº 9 assinada por Graça Freitas, determinou-se que “todo o óbito ocorrido, durante a Pandemia covid-19, numa instituição [ERPI] com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que tenha apresentado sintomas compatíveis com a doença, (…) deve ser considerado um ‘caso suspeito’ de infeção por SARS-CoV-2, até prova em contrário, isto é, apresentar resultado negativo incluindo post mortem, se aplicável, no teste laboratorial para SARS-CoV-2.”

    Como quase nunca se fizeram autópsias nestas circunstâncias, todos os idosos que morreram no decurso de surtos em lares levaram com o selo “covid-19” como causa de morte, independentemente do verdadeiro motivo do falecimento ou da eventualidade de ocorrência de negligência ou falta de assistência médica adequada.

  • Ordem judicial obriga desbloqueio de ponte mas manifestantes ganham alento com 9 milhões de dólares

    Ordem judicial obriga desbloqueio de ponte mas manifestantes ganham alento com 9 milhões de dólares

    O terceiro fim-de-semana do Comboio da Liberdade aproxima-se e as posições de ambos os lados continuam irredutíveis, mas civilizadas. Trudeau não aceita negociar; os manifestantes não arredam pé de Ottawa, apesar de se sucederem ordens judiciais. Entretanto, a GoFundMe já é passado; em uma semana, os organizadores conseguiram arrecadar mais do que aquilo que perderam com a decisão da semana passada daquela plataforma de crowdfunding.


    O Tribunal Superior de Justiça de Ontário ordenou o fim do bloqueio da Ambassador Bridge, que liga Windsor a Detroit, e que constitui uma das principais ligações comerciais entre o Canadá e os Estados Unidos.

    A ponte tem estado bloqueada há cinco dias por camionistas integrados no Freedom Convoy, e abre assim mais uma frente de conflito com a aproximação do terceiro fim-de-semana de protestos na capital Ottawa contra as restrições e mandatos impostos pelo Governo de Justin Trudeau.

    A decisão foi tomada em audiência nesta sexta-feira e as especificidades ainda estão a ser finalizadas, de acordo com a CBC News. Com esta medida, a polícia passa a ter uma base legal mais forte para uma intervenção mais musculada, uma vez que os incumprimentos passam a ser crime.

    Contudo, ao longo desta semana, apesar do “estado de emergência” decretado anteontem pelo mayor de Ottawa, Jim Wilson, e da decisão judicial de proibição de buzinadelas dos camionistas, o braço-de-ferro entre o Governo de Justin Trudeau e os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy) mantém-se forte. E nenhuma das partes parece desejar ceder.

    Porém, nos últimos dias, outras províncias canadianas têm mostrado sinais de cedência. Na terça-feira passada, foram levantadas várias restrições na província de Saskatchewan, entre as quais o uso de máscara e a proibição de entrada em restaurantes dos não-vacinados. As províncias de Alberta e Quebec também estabeleceram um plano programado de levantamento das restrições até Março.

    Mas na capital as autoridades provinciais e federais têm tido uma postura diferente, tentando eliminar simplesmente os protestos. Na última semana têm procurado “sabotar” o fornecimento de bens aos manifestantes, e sobretudo o financiamento. Recorde-se que, há uma semana, a plataforma de crowdfunding GoFundMe cedeu às pressões do Governo de Justin Trudeau, e bloqueou nove dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 6,3 milhões de euros), provocando uma fúria dos internautas que colocaram a credibilidade daquele empresa em nível muito baixo.

    Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá.

    No entanto, para os manifestantes esse revés transformou-se num novo alento: através de uma plataforma similar, a GiveSendGo, foi atingida em apenas uma semana a fasquia dos 9 milhões de dólares americanos, equivalente a quase 8 milhões de euros.

    Esta verba é já superior ao montante “congelado” pelo GoFundMe, que entretanto foi pressionado a devolver integral e automaticamente todas as verbas doadas.

    Porém, as autoridades têm tentado a via judicial para que essas verbas não cheguem ao destino. Se essa é uma possibilidade, o mesmo não sucederá com as bitcoins arrecadadas numa outra campanha de apoio aos manifestantes.

    Na Tallycoin foram já angariadas criptomoedas no valor de mais de 800 mil euros. Por se basear num sistema monetário descentralizado e completamente anonimizado está imune a qualquer interferência judicial e política.

    N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataforma MIGHTYCAUSE.

  • Carta aberta de médicos acusa bastonário Miguel Guimarães de violação deontológica

    Carta aberta de médicos acusa bastonário Miguel Guimarães de violação deontológica

    Uma carta aberta de destacados médicos acusa Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, de querer deter “poderes de autoridade científica suprema ou de verdade absoluta”. O PÁGINA UM revela em primeira-mão, em exclusivo, o teor integral de uma dura missiva enviada a todos os órgãos da Ordem dos Médicos, pedindo-lhes que “avaliem os factos recentes e incentivem a que todos os médicos sejam devidamente respeitados”.


    Um conjunto de 23 médicos – entre os quais o catedrático Jorge Torgal (antigo presidente do Infarmed) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia) –, e mais dois médicos dentistas, escreveram esta tarde a todos os membros dos vários órgãos da Ordem dos Médicos (OM) acusando o bastonário Miguel Guimarães de “grave violação da dignidade que se espera” do máximo representante desta classe profissional.

    Os signatários da carta, a que o PÁGINA UM teve acesso em primeira-mão – que integram parte do grupo de 91 profissionais de saúde que apelaram ao Governo para suspender a vacinação universal de crianças saudáveis –, acusam Miguel Guimarães de desrespeito e mesmo de violação do Código Deontológico, e recordam ainda que o bastonário é apenas “o representante oficial da OM, mas isso não lhe confere poderes de autoridade científica suprema ou de verdade absoluta”.

    woman in black shirt wearing black sunglasses

    Em causa está sobretudo a abertura de um processo disciplinar a Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da OM, por declarações contra a vacinação contra a covid-19 de crianças saudáveis. Esta decisão da OM surge após uma queixa de 16 médicos, encabeçados por Filipe Froes – um pneumologista com ligações financeiras à Pfizer e outras farmacêuticas. Quase todos são muito próximos ou homens de confiança de Miguel Guimarães.

    Embora seja urologista, nem sequer da área da pediatria, o bastonário tem vindo a menorizar o papel do presidente do Colégio de Pediatria – que sempre falou sobre a vacinação de crianças a título pessoal – e depreciado os médicos signatários daquele abaixo-assinado. E tem argumentado ser apenas ele que deve falar “Não são duas vozes [que há na OM], é só uma, pois o doutor Jorge Amil não fala em nome da Ordem”, esclareceu já Miguel Guimarães em declarações à CNN Portugal.

    Jorge Amil foi alvo de queixa de médicos próximos do bastonário Miguel Guimarães.

    Considerando que esta situação “tem de acabar”, o bastonário anunciou já a convocação de um Conselho Nacional Executivo para discutir o assunto. Em cima da mesa, sabe o PÁGINA UM, está a destituição imediata de Jorge Amil Dias da presidência do Colégio de Pediatria, antes mesmo da conclusão do processo disciplinar, que demorará sempre meses.

    A postura de Miguel Guimarães é duramente criticada agora pelos 25 médicos que entendem que “o conhecimento científico é dinâmico”, tanto assim que, salientam, “alguns países europeus, nomeadamente os nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega) e até o Reino Unido ou a Alemanha, decidiram reapreciar o benefício da vacinação contra a covid-19 em crianças, e não estão a recomendá-la de forma universal na população infantil.”

    E, lembrando ainda que as afirmações ou convicções científicas de Miguel Guimarães “não reflectem, nem vinculam, toda a população médica”, os subscritores desta carta aberta salientam que “são conhecidos contornos de documentos técnicos de grupos especializados e estatutariamente legitimados dentro da Ordem dos Médicos [como são os casos dos Colégios de Especialidade e de Competência], que devem ser devidamente ponderados nas decisões ou recomendações oficiais da Ordem, e tendo em exclusiva consideração a bondade das recomendações do ponto de vista do interesse dos doentes.”

    Saliente-se que o PÁGINA UM solicitou, no final do ano passado, o acesso a todos os pareceres dos Colégios da Especialidade da Ordem dos Médicos. No entanto, Miguel Guimarães não acedeu ao pedido, tendo a Comissão de Acesso ao Documentos Administrativos dado razão ao PÁGINA UM, mas em moldes dúbios, e para os quais foi pedido uma clarificação que ainda não foi concluída.


    CARTA INTEGRAL – Pode ser descarregada AQUI.

    Dig.mo Bastonário,
    Dig.mo Presidente da Assembleia de Representantes,
    Dig.mos Membros do Conselho Superior,
    Dig.mos Membros do Conselho Nacional,
    da Ordem dos Médicos

    Os signatários fazem parte dum grupo de 90 Médicos, que entenderam subscrever um apelo público para que o programa de vacinação infantil contra a Covid-19 fosse suspenso e reapreciado nas suas vantagens em comparação com os riscos incorridos.

    Esta preocupação decorre do conhecimento de potenciais riscos a curto, médio e longo prazo, da existência de efeitos adversos documentados em registos amplos de farmacovigilância como o VAERS americano, ou a EudraVigilance europeia, para além de centenas de publicações isoladas. Por outro lado, alguns países europeus, nomeadamente os nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega) e até o Reino Unido ou a Alemanha, decidiram reapreciar o benefício da vacinação contra a Covid-19 em crianças, e não estão a recomendá-la de forma universal na população infantil.

    O apelo formulado pelos médicos subscritores desse documento tem, pois, fundamentação genérica, já que o conhecimento científico é dinâmico, particularmente neste domínio, e não ofendeu as recomendações da Autoridade de Saúde, nem convidou à desobediência civil.

    Os subscritores do apelo são médicos com competência e méritos demonstrados nos respectivos domínios de atividade.

    Todavia, a forma como o Dig.mo Bastonário a eles se referiu nas suas intervenções e comunicados públicos foi depreciativa e violou os deveres de representação profissional e de ética no relacionamento e referência pública.

    A Ordem dos Médicos estabelece princípios de deontologia entre Colegas no seu Art.º 128 do Código Deontológico, que não foram devidamente respeitados pelo Dig.mo Bastonário nas suas declarações públicas ao referir-se aos subscritores. O Dig.mo Bastonário é o representante oficial da Ordem dos Médicos, mas isso não lhe confere poderes de autoridade científica suprema ou de verdade absoluta.

    As suas afirmações ou convicções científicas não refletem, nem vinculam, toda a população médica. São conhecidos contornos de documentos técnicos de grupos especializados e estatutariamente legitimados dentro da Ordem dos Médicos, que devem ser devidamente ponderados nas decisões ou recomendações oficiais da Ordem, e tendo em exclusiva consideração a bondade das recomendações do ponto de vista do interesse dos doentes.

    Cabe a outras entidades tomar a responsabilidade de decisões políticas, pelos motivos que bem entendam considerar.

    Se um grupo de Médicos, neste caso perto de uma centena, faz um apelo público à reapreciação científica duma decisão, espera-se que o seu representante máximo aja com a devida compostura, dignidade e respeito, sugerindo que esse escrutínio seja feito.

    Tratar Colegas dignos e competentes com desprimor e acusá-los sumariamente de falta de rigor, é grave violação da dignidade que se espera do Bastonário da Ordem dos Médicos.

    Por todas estas razões, os signatários apelam a todos os órgãos nacionais da Ordem dos Médicos que avaliem os factos recentes e incentivem a que todos os médicos sejam devidamente respeitados em declarações públicas em nome da Ordem que a todos deve orgulhar.

    Jacinto Gonçalves (OM nº 9882), João Gorjão Clara (OM nº 12251), Ramiro Araújo (OM nº 12477), Jorge Torgal (OM nº 14433), Fernando Torrinha (OM nº 17492), Horácio Costa (OM nº 17788), António Neves Silva (OM nº 18873), Pedro Covas (OM nº 21555), Carlos Diogo de Matos (OM nº 24630), Teresa Gomes Mota (OM nº 27477), Cristina Nogueira (OM nº 30347), Pedro Girão (OM nº 31918), Óscar Prim da Costa (OM nº 35019), Marisa Vieira (OM nº 38193), António Caiado (OM nº 38427), Cristina Nunes (OM nº 40275), Carlos Mata (OM nº 41048), Leonor Boto (43033), Tiago Marques (OM nº 44104), Ana Rita Pereira (OM nº 46566), Sofia Almeida (OM nº 51699), Tiago Araújo dos Santos Silveira (OM nº 51992), Nuno Alfaro Simões (OM nº 55243), Eugénia Matos (OM nº 55288) e Pedro Rabaço (OMD 916).

    10 de fevereiro de 2022

  • Mercado de veículos eléctricos de vento em popa

    Mercado de veículos eléctricos de vento em popa

    Apesar da retracção do mercado automóvel em tempos de pandemia, as vendas de veículos eléctricos cresceram em 2021. Só na China, União Europeia e Estados Unidos venderam-se cerca de 6,2 milhões de unidades. Com a “urgência climática” adivinha-se um negócio ainda mais florescente nos próximos anos.


    As vendas de carros eléctricos aumentaram 50 vezes na última década. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), no ano passado venderam-se em todo o Mundo 6,6 milhões destes veículos, número que contrasta com os cerca de 130 mil adquiridos em 2012. Nos últimos três anos, as vendas triplicaram.

    Apesar da queda no consumo de grande parte dos bens e serviços causada pela pandemia, que fez também tremer o sector automóvel, o mercado dos denominados “carros ecológicos” registou um aumento significativo. Em 2019, as vendas de carros eléctricos totalizaram 2,2 milhões de unidades, perfazendo 2,5% do total dos veículos transacionados. No ano seguinte, as vendas subiram para os três milhões. Ao longo de 2021, os 6,6 milhões vendidos representaram 9% do mercado global deste sector.

    Os veículos eléctricos, porém, não circulam de igual forma nos quatro cantos do Mundo. Nove em cada 10 destes automóveis estão na China, países europeus e Estados Unidos. Significa que, nas restantes regiões, as vendas são ainda pouco expressivas.

    black and silver car on parking lot

    As vendas do ano passado reforçam este padrão: cerca de metade (3,4 milhões de unidades) dos novos carros eléctricos circulam agora nas estradas chinesas. O Governo da China ambiciona chegar a uma participação de 20% no mercado global até 2025.

    O bom desempenho das vendas na China estará associado também a razões fiscais. Com efeitos a partir de 2022, o governo de Xi Jinping decidi reduzir em 30% os subsídios para a compra destes veículos, já depois de uma descida de 10% no ano passado. Estes subsídios serão mantidos, pelo menos, por mais dois anos.

    Também na Europa as vendas dispararam, com um crescimento no ano passado de quase 70%, totalizando 2,3 milhões de unidades. Metade eram híbridos.

    Pela primeira vez no Velho Continente, as vendas dos carros eléctricos bateram as dos veículos a gasóleo, atingindo uma fatia do mercado da ordem dos 21% em Dezembro passado. Os países europeus com maiores quotas no mercado eléctrico são agora a Alemanha (com 25%), a França e o Reino Unido (ambos com cerca de 15%), a Itália (com quase 9%) e Espanha (com 6,5%).

    silver car parked near brown building during daytime

    Num cenário em que as vendas do sector automóvel na Europa registaram uma descida de 25% entre 2019 e o ano passado, este aumento em contra-ciclo no sector dos eléctricos acentua a tendência de preferência dos consumidores em detrimento dos carros a diesel ou a gasolina. Mas há outras razões.

    As políticas da União Europeia para redução das emissões de dióxido de carbono (CO2) – num contexto em que alterações climáticas começam a estar no centro do debate político – também explicam esse alento nos veículos eléctricos.

    Recorde-se que a Comissão Europeia pretende reduzir a zero as emissões de CO2 para carros novos a partir de 2035, o que implica o fim da comercialização de veículos com motores a gasóleo ou a gasolina.

    A acompanhar esta tendência, várias marcas de automóveis, como a Ford e a Volkswagen, garantiram que, até 2030, metade das unidades vendidas serão veículos eléctricos. A Volvo, por sua vez, comprometeu-se a vender exclusivamente este tipo de automóveis a partir do final da presente década, tendo anunciado um investimento de 955 milhões para a produção de novos modelos eléctricos.

    Nos Estados Unidos, as vendas de veículos eléctricos no ano passado superaram a marca do meio milhão. Entre Janeiro e Junho de 2021, de acordo com o Green Car Reports, estes veículos tiveram um crescimento de 117,4% face ao período homólogo do ano anterior, embora continuem a ser ainda muito minoritários nas estradas norte-americanas. Naquele período representaram apenas 2,4% de todos os novos registos automóveis.

    street traffic lights on red and orange

    A Tesla, empresa fundada por Elon Musk, domina o mercado norte-americano, com 66,3%, apesar de ter visto a concorrência crescer, mas ainda a grande distância. As outras duas marcas que ocupam o pódio são a Chevrolet (9,6%) e a Ford (5,2%).

    Também em Portugal, a Tesla manteve-se como a marca de eleição dos condutores na categoria dos veículos 100% eléctricos (BEV), tendo vendido 1.612 unidades no ano passado, segundo a Associação de Utilizadores de Veículos Eléctricos (UVE). Em segundo lugar ficou a Peugeot, seguida da Renault, com 1.545 e 1.182 unidades, respectivamente.

    Saliente-se que, em Novembro do ano passado, as vendas de veículos ligeiros 100% eléctricos representaram uma quota de mercado de 18,1%, ultrapassando, pela primeira vez, os veículos com motor a gasóleo (quota de 17,7%).

    No segmento dos híbridos plug-in (PHEV), as fabricantes de automóveis alemãs lideraram o mercado: Mercedes-Benz, com 3.783 unidades, e a BMW com 3451. A sueca Volvo, a terceira marca mais vendida, contabilizou 2.195 unidades.

    Como em outros países, no nosso país o crescimento do mercado de veículos de baixas emissões de CO2 (híbridos ou 100% eléctricos) tem razões fiscais que o suportam. No caso nacional, porém, os apoios têm sido modestos. Por exemplo, no ano passado o Orçamento de Estado previa um subsídio de 3.000 euros na compra de veículos 100% elétricos, desde que o preço de compra não ultrapasse os 62.500 euros, mas aplicado apenas aos primeiros 700 veículos.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Conheça três dos lobbistas das farmacêuticas que exigem castigo do presidente do Colégio de Pediatria

    Conheça três dos lobbistas das farmacêuticas que exigem castigo do presidente do Colégio de Pediatria

    Três dos médicos, aliados do bastonário Miguel Guimarães e com fortes ligações ao sector farmacêutico, são subscritores de um pedido de sanção disciplinar contra o presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, Jorge Amil Dias.


    Três dos principais subscritores da denúncia à Ordem dos Médicos contra Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria daquela associação profissional de direito público, têm fortes ligações à indústria farmacêuticas, incluindo aquelas que mais têm beneficiado economicamente com a pandemia.

    O primeiro subscritor é o pneumologista Filipe Froes, mas uma investigação do PÁGINA UM mostra que, além deste médico, há mais dois com vastos contactos com a indústria farmacêutica: Luís Varandas e Carlos Robalo Cordeiro. Todos são muito próximos do bastonário, o urologista Miguel Guimarães.

    Na carta-denúncia, os 16 subscritores – que incluem todos os membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 – solicitam “a avaliação da conduta, por eventual infração disciplinar” de Jorge Amil Dias, tentando também que seja destituído da liderança do Colégio de Pediatria. Miguel Guimarães já prometeu levar o assunto a reunião do Conselho Nacional Executivo.

    Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos.

    Em causa estão declarações públicas e a participação num abaixo-assinado deste pediatra contra a vacinação universal de crianças saudáveis, bem como as críticas que teceu a um parecer da Direcção-Geral da Saúde que claramente possui enviesamentos e deturpações de estudos científicos.

    Amil Dias tomou sempre as posições a título pessoal e nunca em nome da Ordem dos Médicos, mas mesmo assim terá irritado o actual bastonário, incondicional apoiante das políticas governamentais. E Miguel Guimarães conseguiu, com a denúncia encabeçada por Filipe Froes, tentar silenciar a voz incómoda de Jorge Amil Dias.

    Médico no Hospital Pulido Valente, o pneumologista Filipe Froes lidera também o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19, e é um dos clínicos portugueses com maiores ligações à indústria farmacêutica. Desde 2013 amealhou mais de 380 mil euros de diversas empresas deste sector, com destaque para a Pfizer (134,5 mil euros), Merck Sharp & Dohme (85,5 mil euros) e BIAL (47,3 mil euros).

    No seu portefólio constam ainda a Sanofi (maior fornecedora de vacinas anti-gripe), a AstraZeneca (outra produtora de vacinas anti-covid) e a Gilead. Para esta última, Froes foi mesmo consultor para o uso do remdesivir, um fármaco já desaconselhado pela Organização Mundial de Saúde em doentes-covid. No entanto, Filipe Froes, que também é consultor da Direcção-Geral da Saúde e que integra a equipa responsável por indicar as terapêuticas contra a covid-19 nos hospitais portugueses, mantém o remdesivir na lista de fármacos a prescrever.

    Por sua vez, Luís Varandas, infecciologista pediátrico no Hospital Dona Estefânia (Lisboa) e também professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, é outro dos subscritores da denúncia contra Jorge Amil Dias, que tem também beneficiado bastante com a pandemia do ponto de vista financeiro.

    Filipe Froes, pneumologista, numa das suas muitas palestras pagas por farmacêuticas.

    Até 2020, as suas relações com a indústria farmacêutica, a título pessoal ou através da sua empresa SISP, Lda., cingiam-se a algumas palestras ou ao financiamento de viagens para congressos internacionais. No total, entre 2013 e 2020 recebeu um total de 18.872 euros, ou seja, apenas 2.359 euros por ano.

    Com o aumento do interesse das farmacêuticas na vacinação de crianças contra a covid-19, Luís Varandas foi contratado pela Pfizer como consultor e palestrante, tendo recebido no ano passado, apenas da Pfizer, 27.148 euros.

    O médico chegou a escrever vários artigos, incluindo no Expresso, e a prestar declarações na imprensa sempre a apoiar a vacinação universal de crianças, mas jamais assumindo a sua posição de consultor da farmacêutica que vendia as vacinas.

    Luís Varandas é também um membro destacado da Ordem dos Médicos, sendo o responsável pela secção de Pediatria do Colégio da Competência da Medicina do Viajante.

    Também bastante lucrativa tem sido a pandemia para Carlos Robalo Cordeiro, antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e actual director da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar desta cidade.

    Tanto pessoalmente como através da sua empresa por quotas (Robalo Cordeiro, Lda.), este pneumologista recebeu já um bom pecúlio das farmacêuticas desde o início da pandemia: em 2020 teve direito a 27.441 euros, e em 2021 deram-lhe 26.006 euros, a título de consultor, palestrante e moderador, além de financiamento de viagens ao estrangeiro para congressos.

    No seu portefólio de negócios contam-se 11 farmacêuticas, entre as quais a AstraZeneca (5.907 euros), a Boehringer Ingelheim (16.478 euros), a Merck Sharp & Dohme (5.345 euros), a Roche (7.950 euros), a Sanofi (2.675 euros) e a Pfizer (2.562 euros). Robalo Cordeiro foi recentemente eleito presidente da European Respiratory Society, onde não surge, à data de hoje, ainda qualquer menção a conflitos de interesse, apesar de ele os ter.

    Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, é assim apresentado no júri de um prémio promovido por uma farmacêutica.

    Esta postura é contrária à do presidente cessante, Marc Humbert, que através de uma declaração de interesses elenca todas as relações regulares com 14 farmacêuticas, entre as quais a Janssen, Bayer, AstraZeneca, GSK, Novartis e Sanofi. A revista científica desta poderosa sociedade médica internacional tem como editor-chefe Martin Kolb, que assume ter recebido donativos, honorários pessoais e outros benefícios da Roche, Boehringer Ingelheim, GSK, Gilead, AstraZeneca e Novartis, entre outras farmacêuticas.

    Carlos Robalo Cordeiro é bastante próximo de Miguel Guimarães, tendo sido por ele escolhido para membro do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a COVID-19, e para presidir a comissão científica do último congresso desta associação profissional.

    O processo contra Jorge Amil Dias deve ser conduzido pela também pediatra Maria do Céu Machado, antiga presidente do Infarmed e que preside ao Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos. Tem sido ela a supervisionar todos os processos instaurados contra aqueles que fogem da opinião oficial da Ordem dos Médicos ao nível da gestão da pandemia, sendo bastante próxima de Miguel Guimarães. Aliás, os dois integraram, no ano passado, o júri do BI Award for Innovation in Healthcare, um prémio promovido pela farmacêutica Boehringer Ingelheim, onde também teve assento Carlos Robalo Cordeiro.

  • Covid-19 ‘perdeu’ por 5-39 contra doenças respiratórias

    Covid-19 ‘perdeu’ por 5-39 contra doenças respiratórias

    A cobertura mediática, muitas vezes alarmista, sobre os efeitos da covid-19 nos jovens está a ignorar um facto essencial: os internamentos e as mortes por doenças respiratórias em menores de 25 anos, mesmo sendo eventos muito raros, têm sido em muito maior número desde o início da pandemia. E há ainda um paradoxo: antes da pandemia, os números das doenças respiratórias ainda eram maiores. E mesmo se se juntar a esta contabilidade, para avaliar o verdadeiro impacte da pandemia, os números da covid-19.


    A pandemia da covid-19 está a ter um impacte paradoxalmente benéfico nas faixas etárias dos bebés, crianças, adolescentes e jovens adultos. De acordo com a análise do PÁGINA UM à base de dados pública do Serviço Nacional de Saúde (SNS) da morbilidade e mortalidade nos hospitais portugueses, desde o início da pandemia até Outubro do ano passado, a covid-19 não só tem mostrado ser doença relativamente benigna para os mais jovens, como tem indirectamente reduzido o número de vítimas causadas pelas doenças respiratórias.

    Com efeito, os dados do SNS mostram, de forma inequívoca, que a covid-19 foi responsável, nos primeiros 20 meses da pandemia, pelo internamento de 1.022 menores de 25 anos, uma quantidade muito inferior à registada por doenças respiratórias: 11.344, no mesmo período.

    No caso de mortes, as diferenças são também colossais, mas ainda mais relevantes, segundo os registos de óbito do SNS, que não são exactamente coincidentes com os números divulgados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS).

    shallow focus photography of two boys doing wacky faces

    No período em análise, a covid-19 terá sido a causa da morte de uma criança com menos de um ano – falecida no Centro Hospitalar (CH) de Lisboa Central em Setembro de 2020 –, outra com idade entre 1 e 4 anos no CH do Algarve em Agosto do ano passado, e mais três jovens entre os 15 e 24 anos – um em Outubro de 2020 no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures; outra no CH de Lisboa Norte, em Fevereiro do ano passado; e ainda outra no CH de Gaia-Espinho, em Agosto também do ano passado. Ou seja, cinco óbitos.

    Morte por doenças respiratórias, durante o mesmo período, foram 39 – quase oito vezes mais. Não houve para nenhuma destas mortes qualquer relevância mediática. Mais estranho ainda porque estão também em causa, em muitas destas situações, crianças de tenra idade. Se até aos 5 anos, a covid-19 levou apenas duas crianças – seguindo os dados do SNS –, já as doenças respiratórias tiraram a vida a três bebés com menos de um ano, e a outras três com idades entre 1 e 4 anos.

    No primeiro grupo etário, os óbitos por doenças respiratórias ocorreram no Hospital de São João (Porto), em Julho de 2020, no CH de Entre Douro e Vouga, no mês seguinte, e no CH de Lisboa Norte, em Fevereiro do ano passado. No segundo grupo observaram-se duas mortes em Março de 2020, logo no início da pandemia, um no CH de Lisboa Norte e outro no Hospital de São João, e uma terceira em Janeiro do ano passado, também no CH de Lisboa Norte.

    No grupo etário seguinte – dos 5 aos 14 anos –, a covid-19 não matou ainda, apesar da pressão para os pais vacinarem os seus filhos, mas as doenças respiratórias foram mais inclementes: nove óbitos registados em hospitais do SNS entre Março de 2020 e Outubro do ano passado.

    Número de internamentos por covid-19 e por doenças respiratórias (DResp) entre Março de 2020 e Outubro de 2021, e nos dois períodos homólogos imediatamente anteriores à pandemia. Fonte: SNS.

    Para a faixa etária subsequente, a menor gravidade da covid-19 ainda se mostra mais evidente: os três óbitos que causou nos primeiros 20 meses da pandemia contrastam com as 24 mortes provocadas por doenças respiratórias.

    Porém, apesar desse impacte das doenças respiratórias nos mais jovens – mas mesmo assim pouco relevante em termos de Saúde Pública, porquanto os menores de 25 anos são quase 2,5 milhões de habitantes –, curiosamente o surgimento do SARS-CoV-2 teve como consequência directa uma redução significativa dos internamentos e mortes neste grupo etário por causa de problemas respiratórias. E mesmo se juntarmos covid-19 às doenças respiratórias.

    Na verdade, comparando os internamentos integrados de covid-19 e doenças respiratórias nos primeiros 20 meses da pandemia (Março de 2020 a Outubro de 2021) com os dois períodos homólogos imediatamente anteriores – em que “somente” havia doenças respiratórias – constata-se que o surgimento do SARS-CoV-2 quase foi uma “bênção” para bebés, adolescentes e jovens adultos. E não só nos internamentos; também os desfechos fatais diminuíram bastante.

    De facto, juntando covid-19 e doenças respiratórias, o SNS contabiliza nos primeiros 20 meses da pandemia um total de 12.366 internamentos e 44 óbitos. Saliente-se que quase 92% desses internamentos e 89% destas mortes são da responsabilidade das doenças respiratórias.

    Ora, estes números contrastam com os 24.610 internamentos e as 71 mortes causadas apenas por doenças respiratórias no período homólogo imediatamente anterior à pandemia, ou seja, entre Março de 2018 e Outubro de 2019.

    Se recuarmos ao período homólogo antecedente – entre Março de 2017 e Outubro de 2018 –, nota-se que o impacte das doenças respiratórias até foi um pouco pior: 25.171 internamentos e 87 mortes. Ou seja, cerca do dobro das mortes verificadas durante a pandemia, quando a covid-19 se juntou às outras doenças respiratórias.

    Apesar disto tudo, intensificou-se, nos últimos meses – e particularmente nas últimas semanas, no caso das crianças –, campanhas de pressão para a vacinação de crianças e jovens contra a covid-19. E mesmo pediatras têm sido alvo de críticas e processos entre os seus pares.

    Foi o caso de Jorge Amil Dias – um dos subscritores de um abaixo-assinado de profissionais de saúde que exigiram a suspensão da vacinação em crianças saudáveis – que, apesar de ser presidente do Colégio da Pediatria da Ordem dos Médicos, foi alvo de um processo disciplinar e de destituição daquele cargo por defender que não se deveria vacinar crianças saudáveis, após o próprio bastonário, Miguel Guimarães, o ter criticado. Saliente-se que o bastonário da Ordem dos Médicos, que diz ser o único representante desta associação profissional de direito público, é um urologista.

  • Clima de crispação social e política cresce no Canadá

    Clima de crispação social e política cresce no Canadá

    O “estado de emergência” e a proibição judicial de buzinar em Ottawa teve um impacte quase nulo nos manifestantes, que estão a recuperar rapidamente, por outras vias, o financiamento retido pela GoFundMe. Entretanto, o ambiente político no Canadá está a adensar-se.


    Apesar do “estado de emergência” decretado anteontem pelo mayor de Ottawa, Jim Wilson, e da decisão judicial de proibição de buzinadelas dos camionistas, continua inabalável o braço-de-ferro entre o Governo de Justin Trudeau e os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy). Nenhuma das partes parece querer ceder.

    Ontem, o juiz Hugh McLean ordenou que cessasse o barulho das buzinas como forma de protesto, alegando que não é “uma expressão de qualquer grande pensamento”, no seguimento de queixas de moradores incomodados com a presença de entre quatro e cinco centenas de camiões.

    No entanto, essa aparenta ser uma pequena limitação para refrear o dinamismo dos manifestantes, que prometem não arredar pé do centro de Ottawa. Movimentos similares, mas de menores dimensões, surgiram entretanto, durante o fim-de-semana, em outras cidades canadianas, entre as quais Toronto, cidade de Quebec e Winnipeg.

    Justin Trudeau, ontem, na Câmara dos Comuns.

    Desde que, na sexta-feira passada, o Freedom Convoy viu a plataforma de crowdfunding GoFundMe suspender a campanha que já recolhera 10 milhões de dólares canadiano (cerca de 6,3 milhões de euros), os ânimos dos manifestantes têm sido reforçados com uma redobrada solidariedade, tanto no Canadá como em outras partes do Mundo.

    A plataforma da GiveSendGo – que substituiu a da GoFundMe, que se viu, entretanto, obrigada a prometer a devolução incondicional dos montantes retidos aos doadores – conta já com apoios de 6,6 milhões de dólares, o que representa mais de 5,7 milhões de euros. Por outro lado, a comunidade das criptomoedas, através da Tallycoin, já recolheu quase meio milhão de euros em bitcoins.

    O mayor de Ottawa, Jim Watson, tem acentuado, em tom dramático, a presença dos manifestantes, dizendo que os residentes da capital “estão aterrorizados”, e acusando as incessantes buzinadelas de serem uma forma de “guerra psicológica”. Após Watson ter, no domingo, declarado o “estado de emergência”, foi solicitado ainda ao Governo federal o envio urgente de 1.800 operacionais da Real Polícia Montada Canadiana, com o objetivo de “recuperar a cidade”.

    Organizadores do Freedom Convoy, em conferência de imprensa, têm insistido no pacifismo da manifestação e apelam à negociação para acabar com as restrições.

    Poucas horas depois, a polícia de Ottawa terá apreendido milhares de litros de combustível e propano, comprometendo o funcionamento de cerca de mil camiões. No domingo, as autoridades confirmaram a abertura de mais de 60 investigações criminais supostamente associadas aos protestos, alegando danos, roubos, crimes de ódio e danos à propriedade, e chegou mesmo a ameaçar deter quem ajudasse os manifestantes. Terão sido também passadas cerca de 450 multas por excesso de ruído, desde a manhã de sábado.

    No entanto, curiosamente, apesar das insistentes acusações de vandalismo e violência, as autoridades canadianas continuam sem disponibilizar imagens ou outras provas de comportamento ilegal dos manifestantes, para além das buzinadelas e da ocupação de ruas por veículos e pessoas. Os organizadores do Freedom Convoy têm sistematicamente negado quaisquer ilegalidades, falando mesmo em boa relação com as forças policiais, insistindo na necessidade de diálogo com as autoridades.

    Entretanto, o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, reapareceu ontem, num debate de emergência na Câmara dos Comuns, e declarou que os protestos “têm de parar”, acusando os manifestantes de “tentarem bloquear a nossa Economia, a nossa democracia e a vida quotidiana dos nossos concidadãos”.

    Este debate mostrou, contudo, o início de uma divisão política em torno da gestão da pandemia, por via das acções do Freedom Convoy. Enquanto Jagmeet Singh, líder do Novo Partido Democrático (NDP), a quarta força política do país, mostrou apoio ao Goveno, considerando que não se está perante um “protesto pacífico”, já a líder da oposição (Partido Conservador), Candice Bergen, acusou Trudeau de alimentar a divisão e o descontamento do país pela forma de gestão da pandemia.

    Mesmo no partido de Trudeau, o mal-estar começa a eclodir, o que pode complicar ainda mais a gestão deste delicado conflito social, que dificilmente poderá ser feito através de repressão policial, pelas imprevisíveis consequências na opinião pública canadiana.
    Hoje, o deputado liberal Joel Lightbound criticou abertamente a gestão da pandemia pelo Governo federal, considerando ser “hora de pararmos de dividir a população”, acrescentando que “nem todos podem ganhar a vida com um MacBook numa casa de campo”, numa alusão às restrições da actividade económicas ao longo da pandemia.
    O mal-estar desta conferência de imprensa foi de tal dimensão que Lightbound se viu já forçado a pedir, esta noite, a sua demissão de presidente do caucus de Quebec.

    N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataforma MIGHTYCAUSE.