Categoria: Exame

  • Presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia ‘insufla’ há três anos graves incompatibilidades, mas manteve-se como consultor de entidades públicas

    Presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia ‘insufla’ há três anos graves incompatibilidades, mas manteve-se como consultor de entidades públicas

    António Morais manteve-se como consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e do Infarmed depois de ter tomado posse em 2019 como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), uma das associações médicas com maiores relações comerciais com a indústria farmacêutica. A lei determina que só poderia manter aquelas funções se a SPP recebesse em média um máximo de 50 mil euros por ano. Porém, a SPP recebeu no último quinquénio 17 vezes mais do que esse patamar. Todas as decisões da DGS e do Infarmed que tenham sido tomadas com base em pareceres de António Morais estão feridas de nulidade.


    O presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), António Morais, está a violar há três anos as regras de incompatibilidade que o deveriam impedir de se manter como consultor do Infarmed e da Direcção-Geral da Saúde. As decisões administrativas que tenham sido tomadas com base em pareceres em que este pneumologista tenha participado são nulas.

    As duas entidades públicas, contactadas pelo PÁGINA UM, não se pronunciam. António Morais – que é desde 2016, e apresenta-se como tal no seu currículo, consultor de doenças intersticiais pulmonares do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias da DGS e membro da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde do Infarmed – também não respondeu ao pedido de esclarecimentos.

    António Morais, ao centro, numa foto durante a cerimónia de posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Janeiro de 2019.

    Em causa está o incumprimento do regime de incompatibilidade previsto num decreto-lei de 2014 que abrange consultores, membros de comissões, grupos de trabalho, júris de concursos que, entre outras funções, “participem na escolha, avaliação, emissão de normas e orientações de carácter clínico, elaboração de formulários, nas áreas do medicamento e do dispositivo médico no âmbito dos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica, bem como dos serviços e organismos do Ministério da Saúde”.

    As normas deste diploma acabaram também por ser adoptadas pelo Infarmed, a entidade reguladora dos medicamentos.

    De entre as diversas incompatibilidades, aquela que mais salta à vista, no caso de António Morais, é a que proíbe os consultores da DGS e do Infarmed de serem membros de órgãos sociais de sociedades científicas – como é o caso da SPP – que “tenham recebido financiamentos de empresas produtoras, distribuidoras ou vendedoras de medicamentos ou dispositivos médicos, em média por cada ano num período de tempo considerado até cinco anos anteriores, num valor total superior a 50.000”.

    Ora, António Morais preside à SPP desde 14 de Janeiro de 2019, e esta sociedade médica ultrapassa larguíssimamente o patamar dos 50 mil euros anuais. Quando este pneumologista – que exerce no Hospital de São João e na Trofa Saúde, além de ser também professor na Faculdade de Medicina do Porto – tomou posse, a SPP tinha recebido no quinquénio anterior uma média de 799.634 euros do sector farmacêutico, ou seja, 16 vezes mais do que o limite imposto pela norma das incompatibilidades.

    Receitas totais directas (em euros) da Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2014 e 2022 provenientes do sector farmacêutico. Fonte: Infarmed.

    No quinquénio 2017-2021, que engloba já os três anos de presidência de António Morais, os montantes arrecadados pela SPP ainda aumentaram mais: situam-se nos 870.512 euros por ano. Para este aumento muito contribuiu o ano passado em que a SPP recebeu um financiamento recorde vindo do sector farmacêutico de 1.301.972 euros.

    Até à data, de acordo com a Plataforma da Publicidade e Transparência do Infarmed, a SPP amealhou 329.393 euros em 2022, mas usualmente a maior fatia de patrocínios e contratos comerciais com a indústria farmacêutica regista-se no último trimestre de cada ano no âmbito do Congresso de Pneumologia.

    No ano passado, para a realização deste evento de três dias num hotel de cinco estrelas em Vilamoura, a SPP obteve quase 370 mil euros de patrocínios, além de inscrições de médicos no valor de 193 mil euros que acabaram também por ser pagas pelas farmacêuticas.

    Sé neste último quinquénio, a SPP recebeu mais de 50 mil euros em média por ano de nove companhias farmacêuticas: Boehringer Ingelheim (104.034 euros), Novartis Farma (90.914 euros), BIAL (89.236 euros) Pfizer (82.440 euros), GlaxoSmithKline (71.189 euros), A. Menarini (68.533 euros), AstraZeneca (61.930 euros), Roche (53.050 euros) e Sanofi (51.895 euros). Teve ainda relações comerciais, envolvendo sobretudo patrocínios, de mais 20 empresas farmacêuticas e de produtos médicos.

    Apoios do sector farmacêutico (em euros) à Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2017 e 2021. Fonte: Infarmed.

    Para além da questão ética, as incompatibilidades de António Morais têm consequências legais e jurídicas muito graves. De acordo com o artigo 5º do Decreto-Lei nº 14/2014, “os pareceres emitidos ou as decisões tomadas por comissões, grupos de trabalho, júris e consultores, em que intervenham elementos em situação de incompatibilidade não produzem quaisquer efeitos jurídicos”, o que significa, em consequência, que “as decisões dos órgãos deliberativos (…) são nulas”, caso se baseiem naqueles pareceres.

    António Morais, por seu turno, pode vir também a ser sancionado, porque o artigo 6º do mesmo diploma legal determina a obrigatoriedade de ele cessar as suas funções de consultor a partir do dia de tomada de posse como presidente da SPP (14 de Janeiro de 2019). O PÁGINA UM teve acesso à sua última declaração, com data de 5 de Março de 2018 – numa altura, portanto, em que ainda não presidia à SPP, e não estaria a violar o regime de incompatibilidades –, e que ainda consta no site do Infarmed.

    Por essa falha, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde pode, de acordo com a lei, aplicar-lhe uma coima entre 2.000 e 3.500 euros.

  • Quatro em cada 10 crianças com primeira dose não levaram (ainda) a segunda

    Quatro em cada 10 crianças com primeira dose não levaram (ainda) a segunda

    Os portugueses parecem ter-se fartado das vacinas contra a covid-19. Apenas um terço dos pais decidiram vacinar as suas crianças com duas doses, e uma parte considerável (22%) ponderou e decidiu não dar a segunda dose. Nos adultos jovens, a dose de reforço não está também a ter grande adesão. No grupo entre os 18 e os 24 anos já são mais aqueles que desistiram da vacina.


    O programa de vacinação contra a covid-19 está a perder gás, sobretudo na população mais jovem. Quatro em cada 10 crianças vacinadas com a primeira dose contra a covid-19 nos primeiros meses do ano não receberam a segunda dose.

    Mesmo considerando que as infecções pela variante Ómicron, sobretudo durante o mês de Janeiro, tenha levado à não promoção, por parte da Direcção-Geral da Saúde (DGS), da segunda dose nas crianças que tiveram entretanto contacto com o vírus, mostra-se já notório que muitos pais terão desistido da segunda toma.

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    Embora a DGS não divulgue dados absolutos – para dificultar análises independentes –, terão sido vacinadas com a primeira dose cerca de 55% das crianças entre os 5 e os 11 anos, mas até ao dia 11 de Abril (últimos dados disponíveis), somente 33% estavam com a vacinação completa.

    Assim, como 45% das crianças nunca foram vacinadas contra a covid-19, e os pais de 22% decidiram não lhes dar (ainda) a segunda dose, então significa que apenas seis em cada 10 pais que autorizaram a primeira toma quiseram depois que lhes dessem a segunda.

    A análise do PÁGINA UM aos dados da DGS também permitem aferir que não é expectável uma evolução significativa deste rácio nesta faixa etária nos próximos tempos. Entre 7 de Março e 11 de Abril a taxa de vacinação completa somente subiu de 28% para 33%, o que deverá corresponder a pouco mais de 30 mil vacinas numa faixa etária que integra quase 650 mil pessoas.

    Por outro lado, nota-se que a adesão dos adolescentes e adultos em idade activa às doses de reforço está muito longe de atingir os níveis da vacinação com as duas primeiras doses.

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    No caso dos adolescentes, com idades entre os 12 e 17 anos, os dados da DGS nem indicam que estejam a ser feitas inoculações de reforço. Aparentemente, esta entidade, que no Verão passado tanto defendia a relevância de se vacinar adolescentes para defender os mais idosos, deixou agora de considerar relevante repetir doses, mesmo sabendo-se que a imunidade vacinal se perde passado poucos meses.

    No entanto, Graça Freitas continua a manter a obrigatoriedade do uso de máscaras no interior dos estabelecimentos de ensino.

    Também nas faixas etárias entre os 18 e os 65 anos, onde o programa vacinal inicial teve uma adesão praticamente total (entre os 98% na faixa dos 18-24 anos e os 100% na faixa dos 50-64 anos), a dose de reforço não está agora a ser procurada com grande intensidade. E sobretudo nos adultos jovens.

    Assim, até 11 de Abril, apenas 43% do grupo etário entre os 18 e 24 anos quiseram levar dose de reforço, valor que sobe para os 58% na faixa etária dos 25 aos 49 anos e para 83% para a faixa dos 50 aos 64 anos. Mesmo nos mais idosos, a taxa de reforço não atinge os mesmos patamares, embora muito próximo dos 100%. A diferença pode advir do facto de muitas pessoas idosas que tomaram as duas primeiras doses terem entretanto falecido de causas diversas.

    Apesar da ausência de dados absolutos de vacinação no último mês – por opção intencional da DGS –, considerando as estimativas da população calculadas pelo Instituto Nacional de Estatística e a evolução da percentagem de vacinados por grupo etário, terão sido inoculadas entre 7 de Março e 11 de Abril quase 215 mil pessoas. Ou seja, menos de seis mil vacinas administradas por dia.

  • A solidariedade também atrai abutres

    A solidariedade também atrai abutres

    O jornalista Nuno André esteve três semanas num centro de refugiados ucranianos na fronteira polaca, e fez várias incursões pela Ucrânia em ajuda humanitária. Regressado a Portugal, nos próximos dias mostrará aquilo que viu e sentiu. Eis o segundo episódio de Crónicas da Ucrânia.


    Na constante tensão entre aquilo que consideramos ser bom, porque nos dá prazer, e aquilo que tem de ser feito, porque é nosso dever, está o eixo em torno do qual se desenvolve o nosso carácter. Assim, se as dificuldades nos proporcionam oportunidades – vimos, ouvimos e lemos –, então não podemos ignorar.

    Portugueses, espanhóis, franceses, italianos, alemães, polacos, e tantos outros cidadãos do Mundo, partiram em carros particulares, enviaram carrinhas, alugaram autocarros, com a nobre intenção de levar mantimentos e resgatar famílias ucranianas.

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    Para nós, portugueses, tratou-se de uma viagem, entre ida e volta, de cerca de sete mil quilómetros, a gastar entre mil e três mil e quinhentos euros, dependendo do veículo ser ligeiro ou pesado, e a despender no mínimo seis dias, caso não tenha havido paragens para pernoitar ou descansar durante uma viagem de mais de oitenta horas.

    Estes números são meramente indicativos, e dependeram da carga, do número de condutores ou das obrigações legais. Aqui, não se contabilizaram as despesas com o alojamento e alimentação. Gastaram-se milhares e milhares de euros em deslocações. Fomos generosos, não há dúvida.

    Esta ajuda humanitária não esperou por instruções governamentais. Diria mesmo que não dependeu em nada das associações ou organizações oficiais teoricamente organizadas e estruturadas.

    Na generalidade, a acção humanitária eclodiu no seio das famílias comuns, em reuniões de jantar ou em encontros informais entre amigos, que não se conformaram com o cenário desastroso que diariamente passou a invadir os nossos lares.

    Por tudo isto, este texto podia terminar por aqui. Eventualmente, concluindo que se o egoísmo produz um efeito deletério sobre o desenvolvimento da sociedade, o altruísmo evoca o que de melhor existe no ser humano, para viver, e persistir em viver, em comunidade.

    Contudo, na verdade, a ajuda humanitária aos refugiados ucranianos teve tanto de belo como de perverso. Somos, por isso, obrigados a denunciar, a entender e a refletir sobre aquilo que aconteceu, e continua a acontecer, nas fronteiras, nos campos de refugiados. De forma perversa, mas também discreta. E, por isso, mesmo, por discreta, persistente.

    Os centros humanitários de apoio aos refugiados e sobreviventes ucranianos surgiram logo nos primeiros dias após a invasão pela Rússia. E de um modo voluntário e improvisado. E não estando preparados para receber tanta gente, funcionaram; ainda que sem liderança, estrutura ou organização formal.

    Além dos problemas inerentes ao grande fluxo de pessoas – como a higiene (ou falta dela) –, estiveram em causa problemas de segurança.

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    Nunca faltaram alimentos nem transportes nem cuidados de saúde. Os refugiados eram, na sua maioria, mulheres, crianças e idosos que caminhavam com ar cansado, desolado, entristecido. Traziam consigo toda uma vida arrumada numa pequena e singela bagagem. Sem casa, sem conforto, sem destino.

    Esta fragilidade abriu as portas aos criminosos – pervertidos, carniceiros – que, apercebendo-se dos pontos fracos, facilmente aproveitaram para raptar e traficar pessoas. Levaram-nas consigo. Fizeram-nas desaparecer. Nunca mais saberemos do seu paradeiro, e nem sequer daremos pela sua ausência. Serão vítimas da guerra. Os anónimos desaparecidos que caem nas estatísticas das estimativas. Sem rosto. O seu desaparecimento individual jamais será notícia.

    Durante as primeiras duas semanas do conflito, os campos de acolhimento não gozavam de vigilância nem de um registo capaz de cruzar informação sobre as pessoas que entravam e saíam. Qualquer motorista, que ali chegasse, parava o carro e oferecia boleia. Tudo simples. Não havendo controlo, os raptores circularam pelos corredores junto aos quartos onde dormiam centenas de refugiados, no meio de tantos outros que ofereciam autêntica ajuda humanitária.

    Fotografavam e filmavam crianças e mulheres, enquanto estas dormiam ou conversavam. Escolhiam. Apresentavam-se mais tarde com a promessa de lhes oferecerem um transporte, uma casa, um emprego, uma vida renovada, nova.

    Mostravam, de forma encenada, fotografias dos seus lares, apresentavam contratos de trabalho como garantia de emprego, e exibiam filmes da sua própria família, talvez fictícia, que se mostrava contente e preparada para os receber. Actuavam com rapidez e astúcia.

    O comportamento destes homens e mulheres chamou à atenção dos verdadeiros voluntários e, quando confrontados, estes limitavam-se a fingir não perceber a língua, saindo de cena sem dar nas vistas. Enquanto não houve uma forte presença policial nestes centros, pouco foi possível fazer para impedir esses crimes.

    Chegou a haver denúncias, e pessoas identificadas pelas autoridades. Contudo, sem provas concretas – ou porque não tinham sido apanhados em flagrante delito –, pouco ou nada se conseguiu fazer.

    Ser-se jovem, mulher, bonita ou elegante eram critérios essenciais no momento de escolher quem resgatar. Ali, a generosidade era aplicada segundo o peso e a medida. Fez doer a alma. Ainda me faz doer.

    Depois de terem sido aplicadas regras de segurança apertadas, o ritmo abrandou. Passou a ser obrigatório o registo de cada motorista e a viatura à chegada e à saída. Cada refugiado era registado à entrada e só podia sair depois de declarar todos dados, de forma a saber-se com quem e para onde seguia. Proibiu-se a circulação no interior dos espaços reservados aos refugiados, e criaram-se postos de controlo à saída do estacionamento.

    Enquanto estive, durante três semanas em Przemyśl, consegui perceber melhor a diferença entre solidariedade e bondade. Em nome da solidariedade, as mulheres bonitas também devem ser resgatadas – e mesmo sendo a beleza um aspecto relativo e discutível, constatei ser esse um critério determinante para esta mobilização. A solidariedade também atrai abutres.

    Já a bondade, não repara no número de dentes, no busto ou nas cicatrizes provocadas pelo tempo. Não olha para a cor da pele. Não olha a origem dos refugiados. Nem olha para o conflito.

  • PÁGINA UM já colocou o Conselho Superior da Magistratura no banco dos réus

    PÁGINA UM já colocou o Conselho Superior da Magistratura no banco dos réus

    Primeira acção de intimação do PÁGINA UM, utilizando o seu FUNDO JURÍDICO, pretende obrigar o Conselho Superior da Magistratura a ceder documentos administrativos sobre a Operação Marquês. A entidade de cúpula do sistema judiciário já foi mesmo hoje citada pelo Tribunal Administrativo de Lisboa para responder em 10 dias. Visando aumentar a transparência e abertura da Administração Pública, nas próximas semanas o PÁGINA UM intentará processos similares contra o Infarmed, a Direcção-Geral da Saúde e a Ordem dos Médicos.


    O PÁGINA UM apresentou ontem uma acção de intimação no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM).

    Em causa está a recusa desta entidade de cúpula do sistema judiciário português em facultar o acesso aos documentos de inspecção à distribuição do processo da Operação Marquês em 2014 – onde o ex-primeiro-ministro José Sócrates é o principal arguido –, contrariando mesmo um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    Extracto da citação ao Conselho Superior de Magistratura hoje feita pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

    Inicialmente, o CSM exigia que o director do PÁGINA UM PÁGINA UM esclarecesse “qual a finalidade do acesso e da recolha” dos documentos solicitados, embora a juíza Ana Sofia Wengorovius, encarregada da protecção de dados daquela entidade defendesse, desde já, num longo parecer de sete páginas, o secretismo deste inquérito, que na verdade se trata da “averiguação sumária nº 2018-346/AV”.

    Mais tarde, após o parecer favorável da CADA, o CSM reiterou a recusa, recordando que os pareceres daquela entidade “não são vinculativos”, e desafiava “o requerente [director do PÁGINA UM] querendo, intentar respetiva acção especial de acesso a documento administrativo”.

    O PÁGINA UM aceitou o “convite”, depois de exarar o seu público protesto num artigo, publicado em 23 de Março passado, intitulado “Da justiça do Burkina Faso e do Conselho Superior da Magistratura de Portugal“.

    Esta inédita acção de intimação do PÁGINA UM contra o CSM – é a primeira vez que uma acção deste género é intentada por um órgão de comunicação social contra este organismo para “prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões” – já foi hoje distribuída ao juiz Pedro de Almeida Moreira, tendo o processo recebido o número 894/22.9BELSB.

    O processo intentado pelo PÁGINA UM tem como patrono o advogado Rui Amores, e o valor da causa é de 30.000,01 euros para permitir a possibilidade de recurso ao Supremo Tribunal Administrativo em caso de o juiz Pedro de Almeida Moreira considerar que o CSM tem o direito, 48 anos após a instauração da democracia em Portugal, de manter escondido documentos que exemplificam o funcionamento do sistema judiciário do país.

    Pagamento de custas do processo de intimação contra o Conselho Superior da Magistratura

    Os custos processuais – incluindo a taxa de 306 euros, já pagos – serão integralmente pagos pelo FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, criado no passado dia 1 de Abril através de donativos dos leitores. Actualmente, este fundo conta com o apoio de cerca de 150 pessoas e um montante arrecadado já acima dos 4.000 euros.

    Este FUNDO JURÍDICO servirá para suportar encargos similares aos do processo contra o Conselho Superior de Magistratura, nomeadamente envolvendo, para já, o Infarmed (cuja intimação será entregue na próxima semana), a Direcção-Geral da Saúde e Ordem dos Médicos.  

    Hoje mesmo o Conselho Superior da Magistratura, como réu, foi já “devidamente citado, para no prazo de 10 dias, responder, querendo ao requerido pelo requerente [Pedro Almeida Vieira, director do PÁGINA UM], nos autos de intimação”.

    Se outras diligências não forem consideradas necessárias, o juiz Pedro de Almeida Moreira terá de decidir ao fim de cinco dias, arquivando o processo ou obrigando o CSM a facultar a documentação ao PÁGINA UM, aplicando uma sanção pecuniária por cada dia de atraso.

    No entanto, apesar de serem processos urgentes, existem mecanismos de dilação que podem fazer estes prazos escorregarem por alguns meses. Em todo o caso, a decisão final deste processo constitui sobretudo (mais) um teste à maturidade da democracia portuguesa.


    O FUNDO JURÍDICO DO PÁGINA UM pode ser apoiado através da plataforma do MIGHTYCAUSE ou pedindo informações complementares pelo correio electrónico geral@paginaum.pt.

  • Antigo bastonário da Ordem dos Médicos preferia que Graça Freitas jogasse ‘pela Ciência’ e não ‘pelo seguro’

    Antigo bastonário da Ordem dos Médicos preferia que Graça Freitas jogasse ‘pela Ciência’ e não ‘pelo seguro’

    A Direcção-Geral da Saúde quer manter por tempo indeterminado a obrigatoriedade de máscaras em recintos fechados, mas a falta de Ciência desta medida faz com que José Manuel Silva, que ocupou o cargo de bastonário da Ordem dos Médicos durante seis anos e é agora presidente a autarquia de Coimbra, desafie Graça Freitas para um debate, e acusa muitas medidas de serem “irracionais”. Esta é a antevisão da primeira ENTREVISTA P1, a publicar amanhã no PÁGINA UM.


    José Manuel Silva – bastonário da Ordem do Médicos por dois mandatos, entre 2011 e 2017, o segundo com uma votação de 91,25% – acusa a Direcção-Geral da Saúde de falta de rigor científico por pretender manter o uso de máscaras por mais tempo.

    O actual presidente da Câmara Municipal de Coimbra – que concedeu ontem uma longa entrevista ao PÁGINA UM, a publicar amanhã – questiona muitas das “medidas irracionais” ao longo da pandemia, e sobretudo a estratégia não-científica dos últimos meses, desafiando mesmo a também médica Graça Freitas, directora-geral da Saúde, para um debate onde esta explique “o que é jogar pelo seguro”.

    Ontem, em entrevista à Rádio Renascença, Graça Freitas considerou não ser ainda tempo de abandonar a máscara em espaços fechados, defendendo a importância de “jogar com segurança e não perder nada do que já foi adquirido”, sendo assim, na sua opinião de Autoridade de Saúde Nacional, “seguro esperar mais uns dias”, sem adiantar um período.

    José Manuel Silva, antigo bastonário da Ordem dos Médicos (2011-2017) e actual presidente da Câmara Municipal de Coimbra em entrevista ao PÁGINA UM. (Foto: ©António Honório Monteiro)

    Também sem explicar a base científica desta métrica, a directora-geral da Saúde diz que “a mortalidade [causada pela covid-19] ainda não atingiu aquele valor que impusemos – que é a mortalidade baixar de 20 óbitos por milhão de habitantes a 14 dias”, a fasquia supostamente necessária para implementar “outro pacote de medidas menos restritivas”.

    Entretanto, conforme noticiou hoje o Público, as escolas receberam uma orientação da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares para garantirem a disponibilização de equipamentos de protecção individual no terceiro período, o que indicia a possibilidade de dois anos lectivos sucessivos sempre com os estudantes “mascarados” em sala de aula.

    Comentando ao PÁGINA UM as afirmações da directora-geral da Saúde, José Manuel Silva diz que gostaria “que jogássemos pela Ciência”. E lança o desafio: “Eu gostaria de ter um debate com ela [Graça Freitas] sobre esta questão. A Direcção-Geral da Saúde tem de decidir com bases científicas rigorosas”, salienta, alertando que não existe nenhuma evidência clínica sobre os benefícios da manutenção das máscaras nas actuais circunstâncias.

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    “As máscaras foram necessárias na fase pior da pandemia”, recorda o antigo bastonário da Ordem dos Médicos, salientando, contudo, que “agora, em que não há uma pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde, acho até contraproducente”. E acrescenta ainda: “andar de máscara depois de termos 86% da população vacinada não tem nenhum fundamento científico”, concluindo que com o SARS-CoV-2 a ser agora endémico a normalidade já deveria ter regressado em Outubro do ano passado.

    Na entrevista a publicar amanhã ao final da tarde, realizada no gabinete do novo presidente da Câmara Municipal de Coimbra, sem qualquer dos presentes usar máscara, José Manuel Silva – que foi uma das surpresas das autárquicas de Setembro ao derrotar esmagadoramente o histórico socialista Manuel Machado – aborda os constrangimentos e desafios da cidade do Mondego, as relações com a Universidade, o processo de regionalização e descentralização.

    Mas também analisa, em detalhe, e de forma por vezes contundente, a gestão da pandemia, o papel dos médicos e da sua Ordem, as relações perigosas com as farmacêuticas e a situação do SNS.

  • Caridade sem prazo de validade

    Caridade sem prazo de validade

    O jornalista Nuno André esteve três semanas num centro de refugiados ucranianos na fronteira polaca, e fez várias incursões pela Ucrânia em ajuda humanitária. Regressado a Portugal, nos próximos dias mostrará aquilo que viu e sentiu. Eis o primeiro episódio de Crónicas da Ucrânia.


    De forma objectiva e fria, primeiro os factos. Durante as primeiras horas do dia 24 de Fevereiro, ouviram-se as sirenes em Kyiv, e mísseis russos caíram sobre solo ucraniano. Foi o despertar de mais uma guerra – uma nova ferida no coração da Humanidade.

    Ninguém pareceu surpreender-se. As movimentações militares e políticas, nas semanas antecedentes, prognosticavam uma invasão iminente, e, por esse motivo, as forças armadas ucranianas estavam preparadas para uma resposta defensiva minimamente eficaz. O avanço das tropas russas fez-se por três frentes: norte, leste e sul. A Ucrânia aplicou a Lei Marcial.

    Entretanto, quase todos nos sentámos no sofá para assistir, ao vivo, pela televisão, jornal e redes sociais, ao desenrolar de uma história que tem sempre pouco de original.

    Como sabemos, os responsáveis políticos dos países ditos ocidentais optaram por não intervir directamente. Enviaram apenas armamento, dinheiro e, a custo, sancionaram a Rússia.

    Mais lesta se mostrou a sociedade civil. Poucos dias após a eclosão do conflito, gentes de várias nações orquestraram, à margem dos governos e das instituições internacionais, planos individuais e humanitários.

    Por exemplo, no dia 1 de março, já tinham saído de Portugal mais de uma dezena de camiões carregados com mantimentos, recolhidos em escolas, sedes de associações, juntas de freguesia.

    E tudo serviu para o transporte: carros, carrinhas e camiões para levarem alimentos, roupas, medicamentos e o mais que se imaginasse poder ser útil para os refugiados da guerra.

    Mas foram também braços e pernas para ajudar. Muitos voluntários seguiram para a fronteiras da Polónia, Eslováquia, Hungria e Roménia junto à Ucrânia. E juntaram-se a muitos outros.

    Impossível saber agora – nem nunca saberemos – quantas toneladas de mantimentos foram enviadas pelos portugueses, sobretudo por causa de uma evidente falta de gestão organizada, que dificultou, em grande escala, que o generoso apoio de tantas famílias pudesse ser mais útil.

    E isso deve levar-nos a reflectir sobre a necessidade de uma educação e uma preparação social para que, no futuro, a solidariedade seja eficaz.

    Logo nas primeiras horas da minha chegada ao centro de apoio aos refugiados em Przemyśl, na fronteira polaca, foi evidente que, a montante, nos países que doaram os mais diversos mantimentos não havia a mínima ideia daquilo que mais falta fazia. Não havia uma plataforma ou uma central de informação e, portanto, nunca foi possível saber o que já tinha sido enviado, nem para onde, nem aquilo que seria útil.

    Como resultado, logo no final da primeira semana de Março, os responsáveis pelos armazéns do centro de refugiados em Przemyśl impediram mesmo a entrega de peças de vestuário. A quantidade de roupa enviada foi de tal modo exagerada que não havia forma nem meios para a guardar, escolher ou separar. Chegou-se a assistir a descargas descontroladas feitas pelos camionistas que, desesperados, tiveram de encontrar soluções de recurso para evitarem regressar ao ponto de partida com a carga. Houve mesmo quem tivesse sido multado ou visse o seu camião apreendido na Polónia por essa prática ser considerada crime.

    Perguntavam algumas mulheres ucranianas: “porque é que nos enviaram vestidos, calções ou fatos de banho?”; ou então: “para quem são estes sapatos de salto alto?”… E havia roupa suja, rasgada, de odor duvidoso. Felizmente, e saliente-se, também chegaram muitos casacos para o frio, sacos-cama, botas quentes.

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    Mas os problemas não se limitaram à roupa. Também se estenderam à alimentação, que deu dores de cabeça (e de barriga) a muitos.

    Falemos do centro que conheci, em Przemyśl, com vários pontos de entrega de refeições confecionadas. Para quem chegava da Ucrânia, havia pizzas, hambúrgueres, sopas e muitas outras receitas mais ou menos condimentadas. Tudo gratuito. Toda esta alimentação e refeições quentes provinham de uma empresa financiada com dinheiro dos fundos humanitários da Polónia.

    Ou seja, a maior parte dos alimentos que enviámos para a fronteira nunca chegou a fazer falta. Muito menos enlatados cuja validade terminava em 2017. Tudo isto, contrariando a realidade que se vive no interior da Ucrânia, onde aí sim fazem falta enlatados, chouriços, leite, bolachas, fruta, pois as massas ou o arroz, por exemplo, dificilmente podem ser cozinhados por faltar gás, eletricidade e água.

    Ainda assim vai chegando alguma alimentação necessária para os civis e para os militares. A enviar alimentos, que sejam em lata, mas com a garantia de que chegam mesmo às cidades e outras terras ucranianas, onde fazem falta.

    Situação similar aconteceu com os medicamentos e material médico. Quem estava em Portugal e noutros países europeus, talvez tenha idealizado um cenário de guerra junto às fronteiras, onde apareceriam feridos com braços esfacelados e pernas amputadas, balas nos corpos, feridas, fraturas expostas. A realidade era outra.

    No limite, os refugiados chegavam com dores de cabeça, febre ou diarreia – excepção para diabéticos, grávidas ou para quem sofria de outras doenças crónicas. Nestes casos, o apoio especializado estava garantido nos hospitais locais e de campanha na Polónia.

    Os medicamentos faziam falta sim, mas no interior da Ucrânia, sobretudo nas cidades cercadas ou bombardeadas. E aí tem chegado pouco do que tem sido enviado. É, por isso, legítimo perguntar onde param as toneladas de paracetamol, de amoxicilina e betadine que se enviaram ao longo do mês de Março.

    E tanto mais havia a dizer sobre os quilos e quilos de fraldas, as centenas de sacos de rações para animais, os milhares de escovas de dentes e as paletes de água engarrafada…

    Entretanto, somente agora, mais de um mês após o início das hostilidades, chegam à Ucrânia os políticos. Sem coletes. Sem capacetes. Sorridentes. Para se ser herói não é preciso ter uma capa. Só é preciso “ter lata”. E dentro do prazo.

  • Covid-19: Comissão Europeia ‘apanha’ com mais de 333 mil protestos contra certificado digital

    Covid-19: Comissão Europeia ‘apanha’ com mais de 333 mil protestos contra certificado digital

    Nunca antes se viu tanta participação num procedimento de consulta pública a um regulamento comunitário. Comissão von der Leyen quer manter certificado discriminatório de não-vacinados, incluindo recuperados, até Junho de 2023, A Alemanha, que ontem chumbou um projecto para tornar a vacina obrigatória para os maiores de 60 anos, lidera os países com maior número de comentário. Em Portugal, o debate sobre esta matéria tem sido inexistente.


    Está ao rubro o último dia da consulta pública do regulamento que visa prolongar o uso do certificado digital da covid-19 por mais um ano. De acordo com a consulta do PÁGINA UM pelas 17:30 horas ao site da Comissão Europeia, onde se encontra a plataforma que permite formalmente apresentar os comentários à proposta, estavam já contabilizados 333.596 comentários de cidadãos, empresas e entidades diversas, um aumento extraordinário face aos registados no início desta semana.

    Quase todos os comentários, convenientemente identificados e registados, contestam a possibilidade de se manter o sistema de controlo da pandemia da covid-19, já em fase endémica, através de restrições discriminatórias aos não-vacinados.

    No domingo passado, o PÁGINA UM destacava já a existência de mais de 136 mil comentários, o que colocava esta proposta da Comissão von der Leyen como a mais polémica de sempre.

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    Em contraciclo com as decisões de diversos países europeus em cessar a discriminação dos cidadãos em função do seu estado vacinal contra a covid-19, e tendo em conta a evidência de as vacinas não funcionarem como “barreira” segura contra a transmissão do coronavírus, a Comissão Europeia insiste estender por mais um ano a aplicação dos certificados digitais para condicionar ou proibir a circulação aérea e o acesso a certos lugares públicos por não-vacinados.

    Ursula von der Leyen, que é uma adepta da imposição da vacinação obrigatória universal, incluindo a jovens e crianças, tem já pronta uma proposta de regulamento para prolongar até 30 Junho de 2023 o controlo de entradas através deste certificado, que apenas atesta a toma de vacinas ou a ocorrência de uma infecção recente.

    Como os certificados têm agora uma validade de nove meses, a implementação desta medida garante às farmacêuticas pelo menos mais um reforço vacinal. No limite, quem tomou a chamada “dose de reforço” até finais de Novembro do ano passado terá de receber uma quinta dose para não sofrer restrições de circulação até ao meio do próximo ano.

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    Porém, anteontem, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) vieram recomendar que, por agora, fossem vacinadas com a quarta dose apenas as pessoas com mais de 80 anos.

    Curiosamente, nos últimos dias, a origem de uma parte muito significativa dos comentários à consulta pública é a Alemanha, o país de Ursula von der Leyem, cujo Parlamento rejeitou ontem uma proposta do chanceler Olaf Scholz de tornar a vacinação obrigatória para os maiores de 60 anos. No Bundestag, a medida foi rejeitado por 378 deputados, tendo 296 votado a favor.

    Pelas 17:30 horas de hoje, provenientes da Alemanha estavam contabilizados 123.888 comentários – no domingo passado eram apenas 22.592 –, enquanto a Itália, que liderou na “contestação” à medida durante a maior parte do tempo da consulta pública, contava 37.334 comentários.

    A Áustria – que chegou a implementar um sistema que visava tornar a vacinação obrigatória, sob pena de pesadas multas, mas acabou por suspender a medida por ter tido um efeito oposto – ocupa agora a terceira posição dos comentários (33.143) sobre o prolongamento da vigência do certificado digital. Com um número superior a 10 mil comentários encontram-se ainda a Holanda (28.458), França (19.704), República Checa (19.190), Eslováquia (18.235) e Bélgica (10.174).

    No caso de Portugal, contabilizam-se, por agora, somente 1.947 comentários, ocupando a 16ª posição. No passado domingo eram 1.257.

    Número de comentários por país no site da Comissão Europeia (17h30 de hoje) sobre a proposta de regulamento para prolongamento do certificado digital até Junho de 2023

    Com o fim da consulta pública, à meia-noite de hoje, hora da Europa Central, as próximas semanas serão fundamentais para saber se a Comissão von der Leyen manterá a intenção de avançar mesmo com a renovação do certificado digital, uma vez que nunca antes houve uma tão grande participação pública contra um regulamento comunitário. Por norma, antes da decisão final, as propostas recebem poucas dezenas ou centenas de comentários.

    Apesar desta contestação, em Portugal o tema dos certificados digitais, cujo uso discriminatório ainda se mantém, não tem merecido a mínima atenção da imprensa mainstream e dos partidos políticos. Na semana passada, o PÁGINA UM quis saber, por duas vezes, a opinião dos partidos políticos com assento parlamentar, mas apenas o PCP respondeu.

    Partido Socialista, Partido Social Democrata, Chega, Bloco de Esquerda, PAN e Livre alhearam-se, não revelando a respectiva opinião, se é que a têm, sobre um tema que marcou indelevelmente a sociedade nos últimos dois anos.

  • Senhor administrador, pode dizer-nos quanto doou?

    Senhor administrador, pode dizer-nos quanto doou?

    A guerra da Ucrânia mobilizou cidadãos e empresas para ajuda aos refugiados. Mas será que os empresários portugueses estão dispostos a revelar quanto deram do seu bolso, como fazem muitos estrangeiros? O PÁGINA UM foi perguntar a seis empresas portuguesas que apelaram aos seus clientes para ajudarem o povo ucraniano com bens e dinheiro.


    Em crises humanitárias, quem anda por “passadeiras vermelhas” quase sempre aproveita o seu mediatismo, influência social e mesmo o cofre pessoal para ajudar os mais necessitados. Celebridades e empresários, muitas vezes os mais ricos do Mundo, avançam rapidamente para os holofotes, anunciando apoios de muitos milhares ou milhões de euros e dólares. Na verdade, alguns deles chegam aos milhares de milhões.

    Por exemplo, segundo uma compilação da Forbes feita em Janeiro passado, Warren Buffet estava no topo do filantropos norte-americanos com donativos, sobretudo nos sectores da saúde e apoio à pobreza, que totalizavam já os 46,1 mil milhões de dólares.

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    Um pouco mais atrás, surgiam Bill Gates e a sua ex-mulher Melinda, com 33,4 mil milhões. George Soros, Michael Bloomberg, Mackenzie Scott (ex-mulher do fundador da Amazon Jeff Bezos), Charles Feeney (co-fundador do Duty Free Shoppers) e Betty e o seu marido Gordon (co-fundadores da Intel) também já doaram ao longo da vida, pessoalmente ou através das suas fundações, mais de cinco mil milhões de euros.

    Embora com valores mais modestos – mas em níveis estratosféricos para o comum dos mortais –, desportistas, artistas e influencers têm contribuído para muitas campanhas de apoio social.

    No caso da guerra da Ucrânia, essa mobilização tem-se intensificado nas últimas semanas. Por exemplo, a actriz Mila Kunis, nascida na Ucrânia, e o seu marido Ashton Kutcher, doaram já três milhões de dólares, mas conseguiram ainda, através dos seus fãs, ultrapassar os 35,7 milhões em donativos, que envolveram quase 75 mil pessoas numa campanha no GoFundMe.

    Também o casal de actores Blake Lively e Ryan Reynolds prometeu doar até um milhão de dólares. A modelo Gigi Hadid comprometeu-se, por sua vez, a doar um mês de salário. E o tenista suíço Roger Federer deu 500 mil euros para apoiar crianças ucranianas. A lista é quase infindável.

    A invasão da Ucrânia também impulsionou uma forte onda de solidariedade na sociedade portuguesa, pouco vista nas últimas décadas, tanto a nível individual como empresarial. Mas em duas coisas a realidade nacional parece distinguir-se de outros países com uma cultura mais anglo-saxónica.

    A primeira decorre da nossa dimensão: os donativos reflectem a escala da economia portuguesa, e não se encontra em Portugal verdadeiros filantropos, daqueles que concedem em vida uma parte substancial da sua riqueza em benfeitorias sociais.

    A segunda tem a ver com a forma como empresas e empresários em muitos países mostram uma atitude mais proactiva na divulgação das suas acções de beneficência, aproveitando-as mesmo como marketing corporativo e pessoal. Em Portugal, raramente essa atitude se tem visto.

    Assim, o PÁGINA UM decidiu contactar seis das maiores empresas nacionais que desenvolveram campanhas de angariação de fundos e donativos para o povo ucraniano, a saber: Sonae, CTT, Jerónimo Martins, Galp Energia, EDP e a sua subsidiária EDP Renováveis.

    Em geral, essas campanhas consistiram sobretudo em apelos para os clientes entregarem bens nas lojas dessas empresas, que depois as encaminharam para as fronteiras ucranianas, embora algumas tenham também prometido donativos directos.

    Porém, o PÁGINA UM quis saber mais. Além de perguntar, em concreto, como correram as suas campanhas, quisemos conhecer os montantes doados por cada um dos membros dos respectivos conselhos de administração.

    É tema tabu.

    Apenas os CTT, a Jerónimo Martins e a EDP Renováveis responderam, mas todas descartando fornecer elementos sobre os donativos dos seus responsáveis máximos.

    Fonte oficial dos CTT disse ao PÁGINA UM que a empresa já fez chegar à Ucrânia “40 toneladas de donativos [bens], na sua maioria alimentação e roupa, mas também calçado, artigos para crianças, produtos de higiene e primeiros socorros”, tendo o último camião descarregado essas ofertas de clientes no passado dia 29 de Março. Sobre eventuais contribuições do Conselho de Administração, a mesma fonte diz que os CTT “não divulgam essas informações”, acrescentando somente que esta campanha contou com uma “participação muito activa de todos os colaboradores”.

    Já a EDP e o Grupo Jerónimo Martins – que anunciou a alocação de cinco milhões de euros em apoio aos refugiados ucranianos na Polónia, onde detém a cadeia de supermercados Biedronka – também não quiseram revelar se os administradores deram donativos a título pessoal.

    Ambas as empresas limitaram-se a “encaminhar” o PÁGINA UM para os comunicados de imprensa nos respectivos sites oficiais.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Iniciativa da Comissão Europeia causa maior polémica de sempre, mas em Portugal é ignorada pelos partidos e imprensa mainstream

    Iniciativa da Comissão Europeia causa maior polémica de sempre, mas em Portugal é ignorada pelos partidos e imprensa mainstream

    Consulta pública para renovar por mais um ano a vigência do certificado digital está a merecer uma contestação nunca vista. Em situações normais, regulamentos em dicussão recebem poucas dezenas ou centenas de comentários antes da sua aprovação, mas o prolongamento do documento que é a imagem da discriminação a quem recusa vacinar-se, em muitos casos por ter imunidade natural, já conta com mais de 136 mil comentários de cidadãos e entidades sobretudo da Itália, Holanda, Alemanha, Bélgica e Eslováquia. Em Portugal, porém, no pasa nada. A imprensa mainstream ignora o assunto. E de todos os partidos políticos, apenas o PCP quis falar ao PÁGINA UM.


    Manter ou não manter por mais um ano o certificado digital de vacinação como forma de discriminar os não-vacinados contra a covid-19 no controlo transfrointeiriço ou locais públicos e privados: eis a magna questão.

    Falta menos de uma semana para terminar a mais concorrida e polémica iniciativa legislativa da Comissão Europeia, e quase todos os principais partidos políticos portugueses ignoram este assunto. E nem se mostram interessados em o debater. A imprensa mainstream também nada noticia sobre a intenção da Comissão von der Leyen, que tomará uma decisão após a consulta pública que termina na próxima sexta-feira, dia 8.

    A fase de consulta pública do projecto de regulamentação da Comissão von der Leyen em prolongar a vigência do certificado digital até Junho de 2023 – declaradamente para incentivar a vacinação contra a covid-19 está a sofrer uma contestação nunca vista.

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    De acordo com os registos no site da Comissão Europeia foram contabilizadas, até às 19:30 horas de hoje, um total de 136.039 comentários e apreciações à proposta de uso do certificado digital, praticamente todas contra.

    Em pouco mais de um mês, os comentários mais do que duplicaram. Em 24 de Fevereiro, num levantamento do PÁGINA UM, estavam então registados 61.532 comentários.

    A Itália – país onde o uso do certificado digital para uso interno se aplicou de forma radical, condicionando mesmo o acesso ao emprego, transportes públicos e a bens essenciais – lidera as estatísticas, com 24.413 comentários de cidadãos e entidades.

    Segue-se a Holanda e a Alemanha a pouca distância uma da outra, com 22.631 e 22.592 comentários, respectivamente. A França conta já com 17.282, e Bélgica e Eslováquia contam, cada, com mais de cinco mil.

    Portugal é apenas o 13º país com mais comentários, com um total de 1.257,o que se deverá, em grande medida, à falta de eco sobre a consulta pública, quase um boicote, pela imprensa mainstream.

    Para obter uma reacção sobre a necessidade de prolongamento do certificado digital – que cientificamente não garante a não transmissibilidade da covid-19 nem tão-pouco de mecanismo de controlo da pandemia –, o PÁGINA UM contactou durante a passada semana todos os partidos políticos com assento na Assembleia da República e/ou no Parlamento Europeu sobre esta matéria, a saber: Partido Socialista, Partido Social Democrata, Chega, Iniciativa Liberal, CDS, PAN, Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português (PCP).

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    Apesar de terem sido feitos dois contactos, apenas o PCP reagiu. Referindo que “quando da discussão e aprovação do ‘certificado digital’ no Parlamento Europeu”, discordou e repudiou “um regulamento que permitia aos Estados Membros imporem restrições à circulação de pessoas”, incluindo o acesso ao emprego, os comunistas dizem “não ver nenhuma razão para alterar a nossa posição”.

    E relembram ainda que “a Organização Mundial de Saúde, não só desaconselhou que tal decisão fosse tomada, como chamou a atenção para o facto de se estar a fazer tábua rasa do Regulamento Sanitário Internacional, subscrito por 196 países, que aponta soluções mais eficazes.”

    Para o PCP, que defende ser a vacinação eficaz no combate à covid-19, não é com o certificado digital, “com este tipo de imposições”, que se consegue convencer os mais reticentes, mas sim “através de outras medidas mais eficazes”. No entanto, para este partido político “não se justifica a introdução da obrigatoriedade.”

    O Governo português, por seu turno, aparenta querer manter a sua vigência, tanto mais que tomou a decisão deixar cair o prazo de validade dos certificados dos menores. Significa assim que os maiores de 18 anos terão de tomar reforços da vacina contra a covid-19 de 9 em 9 meses, independentemente do seu grau de imunidade, caso pretendam renovar o seu “passe sanitário administrativo”.

    Recorde-se que o regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, ainda em vigor, que criou, em Junho do ano passado, “um regime para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, teste e recuperação da COVID-19 (Certificado Digital COVID da UE)” pretendia “facilitar a livre circulação de pessoas durante a pandemia”. Mas era temporário, com o prazo de um ano e apenas para controlo transfronteiriço.

    Porém, estes certificados foram depois abusivamente aproveitados por diversos Estados-membros, incluindo Portugal, para discriminarem não-vacinados (mesmo se recuperados há mais de seis meses) no acesso a determinados espaços.

    Em todo o caso, de acordo com um levantamento ontem apresentado pelo jornal ECO, há 15 países que já decidiram terminar com as restrições nas viagens para os cidadãos da União Europeia ou do Espaço Schengen, a saber: Dinamarca, Eslovénia, Finlândia, Hungria, Irlanda, Islândia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, República Checa, Roménia, Suécia, Suíça e Liechtenstein.

  • Infarmed recusa informação detalhada sobre efeitos adversos das vacinas contra a covid-19. PÁGINA UM vai apelar ao Tribunal Administrativo para se saber a verdade

    Infarmed recusa informação detalhada sobre efeitos adversos das vacinas contra a covid-19. PÁGINA UM vai apelar ao Tribunal Administrativo para se saber a verdade

    Contrariando um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, a entidade reguladora dos medicamentos insiste em não permitir o acesso independente à base de dados dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e também do remdesivir, o polémico antviral da Gilead. A derradeira hipótese de se saber a verdade é através de uma intimação junto do Tribunal Administrativo. O PÁGINA UM inicia hoje uma campanha de angariação no MightyCause denominada “INFARMED – UMA LUZ PARA A TRANSPARÊNCIA” com o objectivo específico de suportar custos de patrocínio jurídico e demais despesas correlacionadas.


    O Infarmed mantém a recusa em permitir o acesso à base de dados do Portal RAM, onde constam os dados brutos dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, apesar de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    Em carta endereçada ao PÁGINA UM esta tarde, assinada por toda a sua direcção – o presidente Rui dos Santos Ivo e os vice-presidentes António Manuel Faria Vaz e Cláudia Susana Belo Ferreira –, o Infarmed não quer permitir que se tenha acesso directo aos dados anonimizados com toda a informação detalhada, e que permitira aferir para Portugal os verdadeiros impactes das vacinas, bem como a forma como são definidos os critérios para a inclusão dos efeitos adversos em cada idade.

    O Infarmed defende que devem ser apenas disponibilizados ao público “os dados constantes da base de dados EudraVigilance”, mas que são apenas apresentados em formato agregado, não sendo possível um grande detalhe informativo. Na sua deliberação, onde recusa o acesso de informação a um órgão de comunicação social – violando assim a Lei da Imprensa –, a direcção do Infarmed conclui que, “face ao parecer emitido [pela CADA] e no quadro dos regimes legislativos e regulamentares supra expostos, é [nosso] entendimento (…) que os dados solicitados devem ser obtidos por consulta à base de dados EudraVigilance.”

    Como o entendimento do PÁGINA UM é diferente, procuraremos criar condições para apresentar uma intimação ao Tribunal Administrativo contra este obscurantismo do Infarmed e das suas ligações pouco transparentes com a indústria farmacêutica. Em prol da verdade.

    Os apoios podem ser encaminhados directamente para a plataforna de angariação no MightyCause denominada “INFARMED – UMA LUZ PARA A TRANSPARÊNCIA” com o objectivo específico de suportar custos de patrocínio jurídico e demais despesas correlacionadas.