Categoria: Exame

  • Quatro em cada 10 entidades da Administração Pública sujeitas a queixas por ‘obscurantismo’ no acesso aos seus arquivos nem sequer colaboram com o ‘regulador’

    Quatro em cada 10 entidades da Administração Pública sujeitas a queixas por ‘obscurantismo’ no acesso aos seus arquivos nem sequer colaboram com o ‘regulador’

    Desde 1993 há uma lei, cheia de boas intenções, para promover a abertura dos arquivos da Administração Pública aos cidadãos, mas na prática, três décadas depois da sua criação, a cultura de secretismo e de obscurantismo continua bem enraizada. As queixas à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) sucedem-se, mas muitas caem em “saco roto”, até porque cada vez mais entidades públicas nem se dão ao trabalho de justificarem os seus actos. A lei até diz que os funcionários públicos têm o dever de colaboração com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar, mas ninguém se importa. Eis o obscurantismo em todo o seu esplendor no Portugal democrático do século XXI.


    Quatro em cada 10 entidades que não satisfizeram pedido de consulta de documentos públicos nem sequer colaboram com a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) quando esta entidade elaborou os seus pareceres após a recepção de queixas. Esta situação é bem reveladora de uma postura de obscurantismo da Administração Pública, que se tem vindo a agravar, como o PÁGINA UM tem revelado.

    De acordo com um levantamento exaustivo aos 304 pareceres resultantes de queixas decididas em 2021 pela CADA – a entidade responsável pela regulação do direito dos cidadãos a acederem a documentos da Administração Pública e outras entidades com funções similares –, houve 121 que ficaram sem resposta à solicitação para serem apresentadas justificações para a recusa.

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    Saliente-se que a legislação, criada em 1993, estipula que “todos os dirigentes, funcionários e agentes dos órgãos e entidades a quem (…) têm o dever de cooperação com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar ou de outra natureza”.

    A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), tuteladas pelo Ministério do Ambiente e da Acção Climática, encabeçam a lista das entidades públicas ou equiparadas que mais ignoraram a CADA, que é presidida pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira.

    A APA, presidida por Nuno Lacasta, esteve envolvida em nove queixas, por recusa de acesso a documentos, e apenas respondeu a três ofícios da CADA. Já Nuno Banza, presidente do ICNF, teve pior desempenho: em sete queixas, deu zero respostas à CADA.

    Na lista compilada pelo PÁGINA UM destacam-se ainda o Instituto da Segurança Social (com cinco queixas não respondidas), a Câmara Municipal de Grândola e o Agrupamento de Escolas dos Templários de Tomar (ambas com quatro queixas, respectivamente), e a Câmara Municipal do Porto (com três queixas). Nestes processos, a vasta maioria dos requerentes são cidadãos.

    Nuno Banza (primeiro à direita), presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Esta entidade teve sete queixas por recusar o acesso a documentos públicos em 2021. Em nenhum caso apresentou sequer justificação à CADA.

    Uma parte substancial destas queixas foi intentada por organizações não-governamentais, sobretudo associações ambientalistas, como é o caso da Zero. No ano passado, esta associação solicitou informação por três vezes à APA e por sete vezes ao ICNF, mas só com a intervenção da CADA conseguiu a informação pretendida.

    Francisco Ferreira, presidente da Zero, lamenta esta situação: “Compreendemos que possa existir dificuldades em responder com celeridade em alguns casos, mas não é aceitável que não haja sequer uma resposta onde se proponha uma data para satisfação pedidos”. Para este ambientalista,“tem de ser implementada uma cultura na Administração Pública que permita uma maior transparência na divulgação da informação”.

    Questionado o Ministério do Ambiente sobre a postura dos seus dirigentes, o gabinete de Duarte Cordeiro diz que, no futuro, “tudo fará para obstar a que estas situações se repitam com entidades que tutela e com elas procurará estabelecer mecanismos para ultrapassar essas dificuldades”, acrescentando que o ministro é “um defensor do acesso à informação por parte dos cidadãos e de uma administração transparente”.

    Quanto à CADA – cujos pareceres são não-vinculativos, ou seja, mesmo se favorável aos queixosos a entidade requerida pode continuar a recusa, obrigando a um processo de intimação no Tribunal Administrativo –, não aparenta grande incomodidade por ser ignorada por muitas entidades da Administração Pública, dizendo que “corresponder ao convite é uma opção da entidade demandada”.

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    Sobre a possibilidade de tornar vinculativos os pareceres, Alberto Oliveira refere que “a opção legislativa, desde a primeira Lei [em 1993] (…) tem sido a de contemplar a CADA como uma figura próxima da do Ombudsman, também sem poderes vinculativos.” E acrescenta ainda que “uma característica específica da CADA, face à figura genérica do provedor de justiça, é a de que, diferentemente do que com este acontece, a apresentação tempestiva de queixa à CADA interrompe o prazo para propositura de intimação contenciosa”.

    Uma vantagem que, diga-se, constitui uma vantagem irrelevante ou até contraproducente, porque se as entidades públicas recusarem o pedido do requerente e depois não cumprirem o parecer não-vinculativo da CADA, resta apenas então o recurso ao Tribunal Administrativo. Ou seja, na prática, mesmo que a Justiça dê razão ao requerente, perde-se apenas meses de forma inglória e gasta-se dinheiro, não havendo qualquer punição do dirigente da Administração Pública que recusou indevidamente um direito dos cidadãos.

    Aliás, tem sido para acelerar o processo de acesso que o PÁGINA UM decidiu, em alguns casos, nem sequer recorrer à CADA: opta antes por fazer logo entrar no Tribunal Administrativo um processo de intimação, como aliás sucederá com a recusa da ministra Marta Temido em abrir os arquivos do Ministério da Saúde desde 2020.

    Sobre a norma que estipula que “todos os dirigentes, funcionários e agentes dos órgãos e entidades a quem (…) têm o dever de cooperação com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar ou de outra natureza”, o presidente daquela instituição nada refere. A impunidade é absoluta.

  • Ministério da Saúde diz ser “manifestamente abusivo” pedido de jornalistas para consulta do seu arquivo

    Ministério da Saúde diz ser “manifestamente abusivo” pedido de jornalistas para consulta do seu arquivo

    O PÁGINA UM solicitou acesso aos documentos administrativos na posse do gabinete da ministra Marta Temido desde Janeiro de 2020. Resposta: o pedido é “manifestamente excessivo, abusivo e, logo, inexequível”. O caso seguirá agora para Tribunal Administrativo, através do FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, mas desde já fica claro que o Ministério da Saúde não aprecia que se veja in loco a sua acção política ao longo dos últimos dois anos e meio.


    A Secretaria-Geral do Ministério da Saúde considera que o pedido do PÁGINA UM para aceder aos ofícios, pareceres, relatórios e outros documentos administrativos na posse do Gabinete de Marta Temido desde 2020 é “manifestamente excessivo, abusivo e, logo, inexequível”, acrescentando que assim “não nos é possível satisfazer o solicitado”.

    Esta é a resposta ontem enviada ao PÁGINA UM no decurso de um pedido expresso, ao abrigo da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), onde se solicitava “o acesso a cópia digital ou em papel, ou outro qualquer formato, de (…) correspondência oficial, pareceres, relatórios e outros documentos escritos ou em formato audiovisual, na posse do Ministério da Saúde (e respectivas Secretarias de Estado), por si elaborados ou elaborados por outras entidades públicas e privadas, ou mesmo por particulares (incluindo assessores e consultores), produzidos desde Janeiro de 2020 até à data.”

    Marta Temido, ministra da Saúde.

    No seu pedido, o PÁGINA UM discriminou uma lista exaustiva de mais de duas dezenas de entidades nacionais e internacionais que tivessem sido destinatárias ou remetentes dos documentos em posse do Ministério de Marta Temido, entre  as quais a Direcção-Geral da Saúde, o Infarmed, as Administrações Regionais de Saúde, o Conselho Nacional de Saúde, o Gabinete do Primeiro-Ministro, a Presidência de Conselhos de Ministros, a Assembleia da República, a Presidência da República, a Ordem dos Médicos, os Conselhos de Administração das unidades de saúde do SNS e do sector privado, a APIFARMA, as empresas farmacêuticas, a Agência Europeia dos Medicamentos, a Comissão Europeia e diversas instituições da União Europeia.

    Apesar desse detalhe, e ignorando na resposta ser este pedido feito por um órgão de comunicação social – cujos direitos de acesso estão consagrados na Constituição da República Portuguesa, na Lei da Imprensa e no Estatuto do Jornalista –, o Ministério da Saúde defende que “as entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo ou sistemático ou ao número de documentos requeridos sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente”.

    Recorde-se, porém, que a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos não estipula a partir de que “número de documentos requeridos” se considera os pedidos “manifestamente abusivos”, sendo certo que, se tal for feito de forma arbitrária, significaria a denegação do direito de informação incompatível num Estado democrático. Ainda mais sendo feito por um órgão de comunicação social num processo de investigação jornalística.

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    Na verdade, a LADA prevê sim que, nos casos da existência de muitos documentos para consulta, a entidade pública requerida possa ter mais tempo – até dois meses, em vez de 10 dias – para os disponibilizar, por fases, mas sempre fundamentando previamente.

    No seu ofício, embora negando desde já permissão de acesso ao seu arquivo sem condicionalismos nem restrições – que permitiria conhecer em detalhe todas as orientações da sua política nos últimos dois anos e meio –, o Ministério da Saúde ainda sugere que o director do PÁGINA UM esclareça “qual a informação que pretende aceder, em termos claros e precisos”, deduzindo-se que Marta Temido queira que o jornalista indique os números dos ofícios ou os títulos dos relatórios ou os autores dos pareceres que só o seu gabinete conhece na íntegra.

    Na verdade, o PÁGINA UM – e qualquer cidadão – poderia escolher os documentos produzidos e à guarda do Ministério da Saúde se o gabinete cumprisse o estabelecido na LADA. Com efeito, a alínea a) do nº 1 do artigo 10º deste diploma legal – existentes desde 1993 para promover a transparência na Administração Pública – estabelece que “os órgãos e entidades a quem se aplica a presente lei publicitam nos seus sítios na Internet, de forma periódica e atualizada, no mínimo semestralmente, os documentos administrativos, dados ou listas que os inventariem que entendam disponibilizar livremente para acesso e reutilização nos termos da presente lei, sem prejuízo do regime legal de proteção de dados pessoais”.

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    Isto é, o Ministério da Saúde ostensivamente não divulga a lista dos documentos que produz e só mostra eventualmente disposição em os divulgar se um jornalista adivinhar a sua referência administrativa interna em detalhe.

    O PÁGINA UM irá recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa com um processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões contra o Ministério da Saúde. Esta iniciativa utilizará, como habitualmente, o seu FUNDO JURÍDICO.

  • Primavera varre de luto várias regiões de Portugal. Conheça os 21 concelhos com agravamento da mortalidade total superior a 50%

    Primavera varre de luto várias regiões de Portugal. Conheça os 21 concelhos com agravamento da mortalidade total superior a 50%

    O PÁGINA UM analisou a mortalidade total em cada um dos 308 municípios portugueses entre as semanas 13 e 21; ou seja, grosso modo, nos dois primeiros meses da Primavera. Alguns concelhos parecem ter sido varridos por um desastre. Mas ninguém estuda as causas. A Direcção-Geral da Saúde dá mais atenção à varíola dos macacos do que a apurar a raiz de uma Primavera funesta.


    Nunca a Primavera foi tão fúnebre em Portugal. Apesar da pandemia da covid-19 estar já em fase endémica – e numa altura em que o Governo decidiu intensificar o programa de vacinação contra esta doença com a quarta dose –, nunca como agora as agências funerárias de vastas regiões do país tiveram tanta actividade ao longo dos meses de Abril e Maio.

    De acordo com a análise detalhada do PÁGINA UM aos dados disponíveis do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), este ano a mortalidade total no país cresceu 16% entre o início da semana 13 (28 de Março) e o fim da semana 21 (29 de Maio) face à média do período homólogo dos cinco anos anteriores à pandemia (2015-2019).

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    Segundo os registos por concelho do SICO, o número total de óbitos nos 308 municípios portugueses neste período atingiu, este ano, os 21.263, o que contrasta com as 17.698 mortes no período homólogo do ano passado – que tragicamente “beneficiou” da mortandade dos dois primeiros de 2021 – e com as 20.987 mortes em 2020, que integra a primeira fase da pandemia da covid-19 em Portugal. No período de 2015-2019, a média foi de 18.306 óbitos,

    Mas esse aumento, já de si significativo à escala nacional, não ocorreu de forma uniforme.

    Analisando a situação individual de cada município, os cenários são muito mais preocupantes em determinadas regiões, sobretudo no Minho, em algumas partes do interior das regiões Norte e Centro, no Baixo Alentejo, no Algarve e nos Açores. Detectaram-se mesmo três municípios onde a mortalidade nas semanas de 13 a 21 de 2022 mais do que duplicou quando comparada com a média do período homólogo no período 2015-2019: Calheta (+118%), Monforte (+107%), Alvito (103%). Caso se considere o período 2017-2021, para integrar os dois anos de pandemia, a situação não se altera muito.

    Variação da mortalidade total nas semanas 13-21 de 2022 face à média do período homólogo de 2015-2019. Fonte: SICO. Mapa: ©João Cláudio Martins.

    Praticamente todos os concelhos com maiores incrementos são rurais – e, portanto, com menor quantidade e qualidade de serviços e assistência médica, como se pode observar naqueles que, além dos três já mencionados, registaram aumentos superiores a 50% em comparação com o período 2015-2019: Santana (95%), Terras de Bouro (83%), Miranda do Corvo (80%), Vizela, Reguengos de Monsaraz e Alcoutim (75% cada), Vila Franca do Campo (72%), Pinhel (70%), Mira (64%), Almodôvar (60%), Sousel (59%), Nordeste (57%), Tabuaço (55%), Alpiarça e Estremoz (53%, ambos), Alandroal (52%), Vale de Cambra e Sabrosa (51% ambos).

    No entanto, também alguns importantes concelhos, mais urbanos, contabilizaram acréscimos significativos, como Ponte de Lima (acréscimo de 43%, decorrente de 106 óbitos em 2022 em confronto com 74 óbitos em média no período homólogo de 2015-2019), Viseu (41%; 224 vs. 158), Portimão (38%; 141 vs. 102), Beja (36%; 111 vs. 81), Póvoa de Varzim (35%; 110 vs. 81), Maia (35%; 216 vs. 160) e Oeiras (31%; 332 vs. 253).

    Os cinco mais populosos municípios de Portugal apresentaram situações quase semelhantes, com excepção do Porto. No caso de Lisboa – que, além de ser o concelho mais povoado, tem uma população bastante idosa – registou-se um acréscimo de 12%, ligeiramente abaixo da média nacional, mas mesmo assim um aumento absoluto de 138 óbitos (1.247 este ano vs. 1.109 no período de 2015-2019).

    Sintra, por sua vez, contabilizou um acréscimo de 15%, com 546 óbitos este ano que confrontam com 477 em média no período 2015-2019. Mais a norte, Vila Nova de Gaia – o terceiro concelho com mais habitantes – registou uma subida de 22% na mortalidade total (519 vs. 426). Cascais – o quinto concelho mais povoado de Portugal – teve um aumento em linha com a média (16%), decorrente dos 382 óbitos que comparam com os 330 em média no período 2015-2019.

    O município do Porto, o quarto município mais populoso, acaba por ser, de entre os concelhos urbanos, uma feliz excepção. Entre as semanas 13 e 21 contou 484 óbitos, somente mais cinco do que a média no período de 2015-2019, o que resultou num aumento de apenas 1%.   

    Contudo, se os dados concelhios mostram que, durante a presente Primavera, houve um agravamento da mortalidade muito significativo e bastante preocupante em vastas regiões do país, também causa admiração que se encontrem 77 concelhos com uma redução, por vezes significativa, o que mostra assim realidades distintas e não a existência de factores abrangentes que atingem todo o país por igual.

    Quais são os motivos? Ninguém sabe. Nem estuda.

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    Aparentemente, o excesso de mortalidade em Portugal está para ficar, de forma indefinida, sobretudo se não se quiser colocar a hipótese de se estar perante disfunções do Serviço Nacional de Saúde e de que os acréscimos de óbitos são efeitos secundários da estratégia governamental em secundarizar as outras doenças em tempos de pandemia.

    Entretanto, a Direcção-Geral da Saúde considera mais relevante um acompanhamento diário da situação da varíola dos macacos – que ainda não causou qualquer fatalidade –, e nem autoriza que outros façam o trabalho por si.

    Recorde-se que o PÁGINA UM já solicitou à DGS o acesso aos dados em bruto do SICO, o que foi recusado. Espera-se, neste contexto, uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa para que se possa apurar as causas desta Primavera funesta.

  • Mortes por todas as causas dos maiores de 85 anos em Abril e Maio estiveram 32% acima da média

    Mortes por todas as causas dos maiores de 85 anos em Abril e Maio estiveram 32% acima da média

    O PÁGINA UM analisou a mortalidade total em Abril e Maio de 2022 e foi confrontar com anos anteriores, tendo concluído que a Primavera deste ano está a ser dramática para os maiores de 85 anos. Após dois anos de pandemia e doses sucessivas de vacinas, a covid-19 já não explica tudo, ou não explica quase nada. Numa altura em que o Ministério da Saúde se regozija de já ter vacinados com a quarta dose cerca de 200 mil idosos, talvez seja altura de perguntar, e investigar mesmo a sério, porque estão tantos idosos a morrer de repente.


    Numa altura em que o processo de vacinação contra a covid-19 entra numa “quarta ronda” – isto é, segundo reforço após a denominada “vacinação completa” –, assiste-se em Portugal a um desastre de Saúde Pública: a mortalidade dos mais idosos está a atingir, nesta Primavera, níveis inusitadamente elevados.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM à mortalidade dos meses de Abril e Maio de 2022, em comparação com os períodos homólogos – com base nos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e do Instituto Nacional de Estatística (INE) –, observa-se um acréscimo de 32% da mortalidade por todas as causas face à média dos cinco anos anteriores à pandemia (2015-2019).

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    Com efeito, para este grupo etário – que excede já a esperança média de vida –, foram contabilizados em Abril e Maio deste ano um total de 9.307 óbitos, o valor mais alto de sempre, enquanto que entre 2015 e 2019 faleceram em média, nestes dois meses, uma média de 7.044 pessoas, ou seja, mais 2.263 mortes.

    Caso se compare com Abril e Maio de 2020 – logo no início da pandemia sem vacina, sem experiência terapêutica, mas também sem sinais ainda da degradação da qualidade do SNS –, o presente ano mostra um incremento de 569 mortes, isto é, mais 6,5%.

    Contudo, se se confrontar com o ano passado – com praticamente toda a população vacinada, mas após o mais “negro” período de mortalidade de que há registo em Portugal (Janeiro e Fevereiro), o incremento dos óbitos deste ano em Abril e Maio é avassalador: mais 2.309 mortes, o que representa mais 33%.

    O cenário deste ano ainda é mais preocupante, porque claramente não surge associada à covid-19. Embora não seja possível saber com exactidão quantos óbitos por covid-19 de maiores de 85 anos houve nos meses de Abril e Maio deste ano – a DGS sempre optou, intencionalmente para dificultar análises independentes, por “dessincronizar” os grupos etários quando apresenta mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 e mortes por todas as causas –, o PÁGINA UM estima que esta doença terá sido a causa de, no máximo, 10% de todas as mortes neste grupo etário.

    Mortalidade por todas as causas em Abril e Maio desde 1996 até 2022 nos maiores de 85 anos. Fonte; INE (1996-2021) e SICO (2022).

    Essa estimativa advém do facto de a DGS apontar para a ocorrência de 1.109 mortes por covid-19 para os maiores de 80 anos entre 29 de Março e 30 de Maio deste ano. Ou seja, tal significa que a mortalidade nos maiores de 85 anos terá sido, com grande probabilidade, menor do que 930 óbitos, necessários para perfazer 10% do total.

    Este incremento da mortalidade nos mais idosos ainda se mostra mais preocupante na presente Primavera – mesmo quando, repita-se, estamos a referir um grupo etário acima da esperança média de vida –, porque decorre após dois anos de morticínio nesta faixa etária.

    Com efeito, de acordo com dados do INE e SICO, entre Março de 2020 e Fevereiro de 2022, a mortalidade total nos maiores de 85 anos foi de 110.659 óbitos, um aumento de 12% face ao período homólogo imediatamente anterior à pandemia (Março de 2018 a Fevereiro de 2020), onde se registaram, para este grupo etário, um total de 98.864 mortes.

    Convém referir que comparações com anos anteriores devem ser feitas com precaução, sobretudo com décadas anteriores, uma vez que a população muito idosa (maiores de 85 anos) tem vindo a aumentar ao longo do tempo, em função da diminuição da mortalidade precoce.

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    Por exemplo, os maiores de 85 anos em 1989 representavam apenas 0,9% da população (cerca de 90 mil pessoas), em 1996 situava-se já em 120 mil (1,2%), enquanto em 2020 já chegavam aos 320 mil (3,2%). Ou seja, sendo “natural” ocorrer uma maior concentração de óbitos na faixa dos mais idosos – a taxa de mortalidade, antes da pandemia, rondava os 15% por ano – , a actual dimensão, neste período do ano (Primavera), já não é.

    Contudo, até agora, este acrescimento brutal da mortalidade nos mais idosos não incomoda as autoridades de Saúde nem o Governo nem os denominados “peritos”, que não esboçam qualquer reacção nem procuram sequer estabelecer uma causa científica.

    Saliente-se que a actual situação portuguesa, para o grupo etário dos maiores de 85 anos, é única na Europa, de acordo com os dados analisados pelo EuroMomo. Portugal e Alemanha são os países que apresentam um estranho acréscimo de mortalidade nos mais idosos, situação que contrasta com a generalidade dos restantes Estados que estão com mortalidade dos mais idosos em níveis inferiores à média.

  • Esgotos, agricultura e pressão urbana são os factores que maiores danos causam aos rios

    Esgotos, agricultura e pressão urbana são os factores que maiores danos causam aos rios

    Uma coisa é saber, em teoria, que as actividades humanas causam prejuízos nos ecossistemas aquáticos; outra é quantificar os prejuízos. Além disso, nem tudo o que vem do Homem é mau, ou pode sempre ser mau. Uma recente meta-análise internacional quantificou esses impactes negativos, mas também, paradoxalmente, alguns positivos. O estudo tem um “dedo” de uma instituição portuguesa: a Universidade de Coimbra.


    Já se sabia que a descarga de esgotos, a agricultura e a urbanização estavam entre os factores de degradação das funções dos ecossistemas ribeirinhos – como a capacidade de autodepuração, a decomposição de matéria vegetal e o desenvolvimento de organismos aquáticos, muitos dos quais utéis ou relevantes para as actividades humanas.

    Mas um recente estudo internacional veio agora relevar quais são os “factores de stress” mais importantes para a degradação dos ecossistemas aquáticos de água doce, e que os estão a tornar “cadeias alimentares simplificadas e menos produtivas”.

    Com base numa meta-análise sustentada em 125 artigos científicos, o estudo foi publicado em meados do mês passado na revista cientifica Global Change Biology – e que conta com a participação da investigadora Verónica Ferreira, da Universidade de Coimbra –, tendo hierarquizado, de forma quantitativa, os três principais factores de degradação: efluentes de águas residuais, agricultura e uso do solo urbano.

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    Para a bióloga Verónica Ferreira, que é investigadora do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), a redução na capacidade de autodepuração dos rios e ribeiros mostra-se “especialmente preocupante”, apontando as “altas concentrações de nutrientes na água [causadas pela poluição orgânica e química, sobretudo por nitratos], que são muitas vezes responsáveis por blooms de algas nocivos”.

    Atendendo à importância dos rios e dos ribeiros na biodiversidade mundial, designadamente no fornecimento de água potável, na proteção contra cheias e na irrigação de áreas agrícolas, os autores do estudo alertaram para a necessidade de “medidas urgentes” nos principais “factores de stress”. Apelam também à realização de “mais estudos sobre os efeitos de múltiplos ‘factores de stress’ na multifuncionalidade dos ecossistemas, de modo a compreender-se melhor o peso do impacto humano”.

    Apesar dos efeitos nocivos da acção humana no funcionamento dos rios e ribeiros, Verónica Ferreira salienta que “é importante considerar o contexto regional dos rios e ribeiros”, exemplificando com “os efeitos de efluentes de estações de tratamento de águas residuais [ETAR] na produção primária que são mais fortes a latitudes mais baixas do que a latitudes mais elevadas, considerando o intervalo 35ºN – 53ºN.”

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    A investigadora acrescenta ser “também necessário considerar várias funções ecossistémicas na avaliação do funcionamento de rios e ribeiros, já que um dado impacte humano pode ter efeitos em algumas funções, mas não em outras”.

    Com efeito, o estudo identificou, em simultâneo, alguns efeitos positivos das actividades humanas. A decomposição de matéria vegetal é um exemplo: embora inibida pela descarga de águas residuais, esta funcionalidade foi, por outro lado, estimulada em 57% pelas elevadas concentrações de nutrientes na água, um efeito supostamente negativo da acção humana.

    A revista Global Change Biology tem como editor-chefe e fundador o fisiologista Stephen P. Long, que desde 2012 lidera o projecto Realizing Increased Photosynthetic Efficiency (R.I.P.E), um projecto de investigação financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates que tem como objectivo maximizar a produção alimentar mundial, potencializando a fotossíntese das plantas através da sua modificação genética.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    O PÁGINA UM revela dados oficiais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que contam uma história bem diferente sobre os primeiros “passos” da pandemia da covid-19. O Portal da Transparência da Morbilidade e Mortalidade mostra que, afinal, o primeiro internamento por covid-19 não foi em Março de 2020, mas no mês anterior. É apenas um pormenor? Pode ser que sim, mas há uma evidência: os dados da Direcção-Geral da Saúde não encaixam em nada nos dados do SNS.


    O primeiro doente internado com diagnóstico de covid-19 em Portugal registou-se afinal ainda em Fevereiro de 2020, de acordo com os dados do Portal da Transparência da Morbilidade e Mortalidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Tratou-se de uma mulher com mais de 65 anos que esteve internada em uma das unidades do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que integra os hospitais de São José, Curry Cabral, Santo António dos Capuchos, Santa Marta e D. Estefânia (pediatria) e a Maternidade Alfredo da Costa.

    Esta informação contraria os dados até agora conhecidos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que somente em 2 de Março de 2020 confirmou o primeiro caso de infecção por SARS-CoV-2 em Portugal: um médico de 60 anos que estivera no norte de Itália.

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    Recorde-se que a DGS começou a divulgar “boletins informativos” diários em 26 de Fevereiro de 2020, mas o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto relatório desse mês somente apresentavam o total dos casos suspeitos e os suspeitos nas últimas 24 horas. Nesta fase, os resultados dos testes PCR demoravam, por vezes, um dia. No dia 29 de Fevereiro daquele ano, o boletim analítico apontava um total de 70 casos suspeitos, dos quais 11 nas últimas 24 horas, mas zero casos confirmados.

    Porém, na verdade, seguindo os dados do SNS – que identifica os internados por covid-19 através do diagnóstico de doenças com “códigos para fins especiais” –, já estaria aquela mulher internada em Lisboa, cujo desfecho não é conhecido. Certo apenas é que não se registou qualquer óbito por covid-19 em Fevereiro desse ano.

    Com a confirmação da chegada oficial da covid-19 a Portugal, a DGS começou então a elaborar os famosos “relatórios de situação”, com o primeiro a surgir no dia 3 de Março, onde já surgiram quatro casos. Porém, segundo a DGS, todos os quatro eram homens: dois na faixa etária dos 30 aos 39 anos, um com idade entre os 40 e 49 anos e outro no grupo dos 60 aos 69 anos. A primeira mulher infectada surge apenas no relatório de 4 de Março, mas integrando a faixa etária dos 40 aos 49 anos. Nesse dia já estavam internadas nove pessoas.

    O mês de Março foi, porém, efectivamente o início da pandemia e de um alarmismo que parou o país, tendo sido registados 491 internamentos, dos quais 247 com mais de 65 anos, tendo-se contabilizado 138 óbitos certificados em hospital.

    Também aqui os dados do SNS começam a não bater certo com os da DGS, que apontou a existência de 187 óbitos atribuídos à covid-19, o que pode significar que houve, desde o início, uma inflação das mortes causadas pelo SARS-CoV-2 ou que houve muitas vítimas que faleceram fora de ambiente hospitalar sem receberem assistência devida.

    Recorde-se que o PÁGINA UM denunciou que, apesar de ter sido considerada uma doença de elevada infecciosidade – que obrigou, na esmagadora maioria dos casos ao internamento de casos moderados e graves –, “apenas” 68% do total dos óbitos contabilizados pela DGS em 2020 e 2021 foram certificados em unidades de saúde.

    Com efeito, até Dezembro de 2021, o Portal da Transparência do SNS aponta para um total de 12.837 pessoas falecidas devido à acção directa do SARS-CoV-2, enquanto que contabiliza, para o mesmo período, 18.974 óbitos por covid-19. Ou seja, um diferença de 6.137 mortes que, a terem mesmo morrido de covid-19, o desfecho observou-se fora de unidades de saúde; portanto, em lares ou nas suas residências.

  • Instituto tutelado pelo ministro Duarte Cordeiro compra notícia para sair no Expresso

    Instituto tutelado pelo ministro Duarte Cordeiro compra notícia para sair no Expresso

    O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), tutelado pelo ministro do Ambiente Duarte Cordeiro, contratou a Impresa, detentora do Expresso e da SIC, para garantir a cobertura mediática de um evento. A SIC Notícias disponibilizou uma pivot para ser mestra-de-cerimónias e o Expresso publicou uma notícia sobre a iniciativa conforme contratado, escrita por um jornalista que trabalha numa empresa de comunicação. Com este contrato fica-se a saber que por 19.500 euros consegue-se uma cobertura mediática favorável no Caderno Principal do Expresso. “Em nada as parcerias do Grupo Impresa condicionaram alguma vez a liberdade do Expresso”, garantiu ao PÁGINA UM não o director do Expresso, mas sim uma agência de comunicação que representa a empresa fundada por Pinto Balsemão.


    Para os leitores do semanário Expresso, a página 24 da edição da passada sexta-feira do Primeiro Caderno continha apenas uma notícia. Neste caso, sobre Áreas Protegidas e mais em concreto abordando um certamente meritório plano do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF): o Missão Natureza 2022. A notícia surgia assinada como todas as restantes notícias daquela edição do semanário do Grupo Impresa. Por um jornalista, portanto.

    Normal e natural, por isso, conter o artigo as declarações do presidente do ICNF, Nuno Banza, de um investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, de um biólogo da Associação Natureza Portugal, de uma engenheira florestal da União da Floresta Mediterrânica e até do ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro.

    João Vieira Pereira, director do Expresso.

    Na notícia, o governante aparecia a reconhecer que seria “bastante difícil” cumprir o desígnio [de reverter a tendência negativa de conservação de espécies selvagens”, mas a comprometer-se a “trabalhar nesse sentido”. E garantindo também: “Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade.”

    Poderiam os leitores mais exigentes questionar a pertinência deste assunto nas páginas do mais importante semanário do país – o lançamento da Missão Natureza 22, uma iniciativa do ICNF a desenvolver até 2027 –, mas compreenderiam lendo uma pequena caixa: “O Expresso associou-se à iniciativa e à realização do primeiro evento”.

    Porém, em abono da verdade, a associação do Expresso não foi por amor à causa ambientalista: custou 19.500 euros ao ICNF. Ou, noutra perspectiva, o Expresso vendeu uma página do seu jornal para publicitar – sem fazer referência a ser publicidade – uma iniciativa de um instituto de um ministério do Governo.

    Com efeito, a notícia da página 24 da edição do Expresso foi a concretização de um compromisso da Impresa previsto em contrato assinado no próprio dia do lançamento do evento público (20 de Maio) com o ICNF.

    Assinado por via de uma decisão do vice-presidente do ICNF, Paulo Salsa, neste contrato – cujo caderno de encargos o PÁGINA UM não conseguiu ainda obter, por não constar no Portal Base e o instituto não o ter ainda disponibilizado –, no contrato ficaram definidas as obrigações do Expresso para a prestação de “serviços de apoio” e a “organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022”. Nesse âmbito terá estado também incluída a transmissão do evento público de 20 de Maio nas redes sociais do Expresso, que contou com a pivot da SIC Notícias Ana Patrícia Carvalho como mestra-de-cerimónia.

    Notícia do Expresso foi feita como contrapartida de um contrato assinado no próprio dia do evento.

    Por outro lado, para a escrita da notícia (encomendada), o Expresso decidiu não destacar a habitual jornalista que trata as temáticas ambientais (Carla Tomás), tendo optado por “contratar” um colaborador, Francisco de Almeida Fernandes.

    Apesar de acreditado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CP 7706), Almeida Fernandes trabalha na Mad Brain, uma empresa de comunicação e produção de conteúdos, que, entre outras empresas, tem a Galp no seu portefólio.

    Tanto este jornalista como uma outra jornalista, Fátima Ferrão (CP 6197), através da Mad Brain, escrevem também regularmente para diversos órgãos de comunicação social da Global Media (Diário de Notícias, Dinheiro Vivo e Jornal de Notícias), umas vezes como jornalistas, outras como produtores de conteúdos comerciais, numa promiscuidade impedida pela Lei da Imprensa e pelo Estatuto do Jornalista.

    No entanto, até agora, nem a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e nem a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista intervieram para estancar esta situação.

    O PÁGINA UM contactou o Ministério do Ambiente para saber se o ministro Duarte Cordeiro tinha conhecimento e concordava com este modus operandi do ICNF – compra de notícias com garantia de uma boa cobertura –, mas o seu gabinete de imprensa disse que o governante participou no evento do ICNF por “convite”, acrescentando que “todas as questões relativas à organização do evento devem ser colocadas ao Instituto [ICNF]”.

    Ontem, o PÁGINA UM contactou o presidente do ICNF, Nuno Banza, questionando-o sobre os pressupostos que levaram à decisão do Conselho Directivo em contratar uma empresa de media para garantir cobertura mediática, se foram ou serão contratados outros media para o mesmo efeito, e se considerava que este tipo de contratações não desvirtua a necessária independência que se espera da comunicação social.

    Ana Patrícia Carvalho, jornalista da SIC Notícias, serviu de mestra-de-cerimónias do evento público do ICNF. Na transmissão, o Expresso equivocou-se no apelido.

    Até agora, Nuno Banza respondeu apenas que “tratando-se de um pedido de informação relativo a um procedimento administrativo, encaminhei nesta data [ontem] aos serviços para que sejam recolhidos os documentos que fazem parte integrante deste [contrato] e que serão disponibilizados logo que reunidos”, prometendo ainda partilhar “a informação assim que possível”.

    Sobre este contrato, o PÁGINA UM colocou também diversas questões ao director do Expresso, João Vieira Pereira.

    Objecto social da Mad Brain, a empresa para onde trabalha o jornalista Francisco de Almeida Fernandes, e que produz também (ou sobretudo) conteúdos comerciais.

    Nessa missiva, perguntou-se se considerava que os leitores do Expresso conseguiriam compreender de imediato que o texto da página 24 do Caderno Principal não se tratava de um artigo noticioso com liberdade editorial, mas antes da concretização de um dos compromissos estabelecidos num contrato com uma compensação financeira.

    Perguntou-se também se tinha conhecimento de que o jornalista que assina a peça, e colabora com alguma regularidade no Expresso, trabalha também para uma agência de comunicação (Mad Brain), que tem entre outros clientes, a Galp Energia.

    E, por fim, perguntou-se se considerava lícito que um jornal possa fazer notícias de eventos que tenham na sua génese contratos de prestação de serviços com entidades públicas ou mesmo empresas privadas, usando jornalistas com carteira profissional.

    João Vieira Pereira não respondeu ao PÁGINA UM, mas o Grupo Impresa, através da empresa de comunicação JLM & Associados, comunicou, por escrito, que “a Impresa, tal como grande parte dos grupos de media nacionais e internacionais, tem parcerias com instituições no sentido de criar projetos de interesse geral”, anotando ainda que “em nada as parcerias do Grupo Impresa condicionaram alguma vez a liberdade do Expresso”.

    Quanto ao jornalista do artigo contratualizado, Francisco de Almeida Fernandes, a JLM & Associados diz que aquele “não trabalha para uma agência de comunicação, mas sim para uma empresa produtora de conteúdos.”

    Convém acrescentar que no Portal da Justiça consta o seguinte objecto social da Mad Brain: “Atividades de edições e publicações. Organização de eventos e animação turística. Formação. Serviços de comunicação e produção de conteúdos. Arrendamento e gestão de alojamento local.”

  • Em Portugal, Omicron tem indicadores menos ‘agressivos’ do que a gripe

    Em Portugal, Omicron tem indicadores menos ‘agressivos’ do que a gripe

    O PÁGINA UM analisou, com detalhe, e com os dados possíveis, a evolução da agressividade da covid-19 em Portugal desde o início da pandemia. E apurou que as taxas de internamento e de letalidade global agora com a variante Ómicron a dominar são já inferiores às que se registam em surtos gripais em países com estimativas para aquela doença, como os Estados Unidos. Só o risco global de morte para o pequeno grupo dos que são internados por covid-19 ainda continua a superar o da gripe, mas tal dever-se-á aos grupos vulneráveis. Apesar de haver muitos que insistem numa alegada 6ª vaga para vender antivirais experimentados com variantes mais agressivas, a pergunta coloca-se: vale a pena tal esforço financeiro quando o SARS-CoV-2 se mostra agora muito mais “sereno”? E mais outra: não há mais prioridades em Saúde Pública?


    Em Janeiro deste ano, a taxa de internamento de infectados com o SARS-CoV-2 foi de apenas 0,2%, e a taxa de letalidade da covid-19 situou-se somente em 0,04%, os valores mais baixos desde o início da pandemia. Ou seja, em cada 1.000 casos positivos detectados no primeiro mês de 2022 somente duas pessoas acabaram internadas.

    Como o risco de morte dos internados rondava então os 21%, significa que no primeiro mês deste ano, que correspondeu até a uma elevada incidência, morreu uma pessoa por cada 2.500 casos positivos. No período de maior agressividade da pandemia, a covid-19 chegou a apresentar uma taxa de letalidade global de 3,2% (Fevereiro de 2022), considerando os óbitos registados nos hospitais, ou seja, 16 vezes superior. Portanto, naquele mês, para cada 2.500 casos positivos houve 16 óbitos.

    Estas são as principais conclusões de uma análise exclusiva do PÁGINA UM, através do cruzamento dos casos positivos por mês, divulgados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), com a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

    green ceramic mug on wooden desk

    Saliente-se que, no caso dos óbitos, estão apenas incluídos os óbitos por covid-19 com registo em unidades do SNS. O Ministério da Saúde nunca esclareceu a razão pela qual cerca de um terço das vítimas do SARS-CoV-2 – que acabaram por morrer com graves insuficiências respiratórias – terem falecido sem tratamento hospitalar.

    Mostra-se, em todo o caso, evidente que, apesar do surgimento da variante Omicron ter provocado uma subida abrupta de casos positivos, a agressividade do covid-19 decaiu significativamente. Nas fases de dominância das variantes Alfa (Primavera de 2020) e Delta (primeiros meses de 2021), as taxas de hospitalizações chegaram a rondar, ou estar mesmo acima, dos 15%. Ou seja, por cada 1.000 casos positivos, 150 acabavam por ser hospitalizados.

    Número de casos positivos, internamentos, óbitos atribuídos à covid-19 e respectivas taxas (%) de internamento, mortalidade dos internados e letalidade global em Portugal por mês. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em Janeiro do ano passado – o mês com maior número de mortes atribuídas à covid-19 –, a taxa nem esteve exageradamente alta (3,3%), mas devido ao colapso do SNS e à vaga de frio a taxa de mortalidade hospitalar por esta doença atingiu um pico de quase 32%, como revelou o PÁGINA UM na semana passada.

    Contudo, desde o surgimento e dominância da variante Omicron, no final do ano passado, a taxa de hospitalizações por covid-19 começou a cair abruptamente. Em Novembro de 2021 foi de 1,6% (16 internamentos em cada 1.000 casos positivos), o que já era o valor mais baixo de sempre. Em Dezembro desceu para 0,7% (7 internamentos em cada 1.000 casos positivos) e em Janeiro passado – últimos dados disponíveis – já somente atingiu os 0,2%.

    Evolução da taxa (%) de internamento atribuída à covid-19 (internados por casos positivos) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Apenas uma análise mais fina, estratificada por grupos etários, permitiria apurar se esta diminuição abrupta foi homogénea para toda a população ou se se verificam diferenças distintas em função da idade.

    Porém, apesar desses elementos serem recolhidos e tratados pelo Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), a DGS tem manifestado uma sistemática atitude obscurantista, razão pela qual o PÁGINA UM intentou na semana passada um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Ministério da Saúde. Uma das bases de dados que o PÁGINA UM pretende aceder é, exactamente, o SINAVE.

    Evolução da taxa (%) de mortalidade hospitalar dos internados com covid-19 (óbitos por internados) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em todo o caso, mesmo com base nos dados globais, do ponto de vista epidemiológico os indicadores da covid-19 começam, cada vez mais, a assemelhar-se a um surto gripal. Com efeito, embora em Portugal não existam sequer estimativas razoáveis sobre a incidência da gripe, a taxa de hospitalização e mortalidade associada ao vírus influenza (também como “porta de entrada” das subsequentes pneumonias), indicadores dos Estados Unidos permitem uma comparação razoável.

    Evolução da taxa (%) de letalidade atribuída à covid-19 (mortes nos hospitais por casos positivos) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, de acordo com as estimativas anuais do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nas épocas de 2010-2011 a 2019-2020, a taxa de internamento associado à gripe situou-se entre os 0,7% (2018-2019) e os 2,0% (2014-2015), enquanto a taxa de letalidade esteve compreendida entre os 0,06% (2019-2020) e os 0,17% (2014-2015).

    Porém, a taxa de mortalidade hospitalar no caso das gripes mostra-se, em comparação com a situação dos internados-covid em Portugal (que ronda os 20%), substancialmente menor, situando-se entre os 5,4% (2019-2020) e os 12,6% (2010-2011).

    Número de casos positivos, internamentos, óbitos atribuídos à covid e respectivas taxas (%) de internamento, mortalidade dos internados e letalidade global em Portugal por mês. Fonte: CDC. ACálculos e análise: PÁGINA UM.

    Esta situação indiciará que os internados mais vulneráveis – que necessitam de internamento – terão um risco de morte superior no caso da covid-19 do que na gripe. Mais uma vez, o tira-teimas seria uma análise estratificada, mas somente se o Tribunal Administrativo de Lisboa obrigar o Ministério da Saúde será possível retirar uma conclusão elucidativa.

    Porém, ninguém, para já, pode negar uma evidência: a covid-19 de 2022 claramente não é a mesma covid-19 do passado. E mais do que as vacinas, a “chave” da mudança aparenta estar na variante Omicron, que trouxe maior transmissibilidade mas muito menor agressividade. Um sinal do seu carácter (já) endémico.

  • Nove investigadores ‘arrasam’ de cima a baixo gestão política e mediática da pandemia em revista científica de renome

    Nove investigadores ‘arrasam’ de cima a baixo gestão política e mediática da pandemia em revista científica de renome

    Com a espuma dos dias a desaparecer em redor da pandemia, começam a surgir investigadores com coragem para análises menos emotivas e mais científicas. Anteontem, na prestigiada BMJ Global Health foi publicado um extenso artigo de nove investigadores de diversas universidades dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido onde não se poupam críticas aos abusos cometidos na gestão da pandemia que colidiram “com os direitos humanos e promoveram a polarização social, afectando a saúde e o bem-estar”.


    Nove investigadores norte-americanos, canadianos e britânicos acusam as políticas de vacinação contra a covid-19, seguidas pelos diversos países democráticos, de terem tido “efeitos prejudiciais na confiança do público, na confiança nas vacinas, na polarização política, nos direitos humanos, nas desigualdades e no bem-estar social”.

    Num extenso artigo de 14 páginas publicado na passada quinta-feira na prestigiada revista científica BMJ Global Health, os nove investigadores – que trabalham, entre outros centros, na Universidade de Oxford, Johns Hopkins University (Maryland), London School of Hygiene & Tropical Medicine, Universidade de Washington e Universidade de Toronto – questionam “a eficácia e as consequências da política de vacinação coerciva na resposta à pandemia”, recomendando aos decisores políticos que “retomem abordagens de saúde pública não discriminatórias e baseadas na confiança.”

    white toilet paper roll on brown wooden table

    Intitulado “The unintended consequences of COVID- 19 vaccine policy: why mandates, passports and restrictions may cause more harm than good”, o artigo aborda, em detalhe, como foi implementada a estratégia de vacinação maciça e as suas implicações em termos de psicologia comportamental (reactância, dissonância cognitiva, estigma e desconfiança), política e direito (efeitos nas liberdades civis, polarização e governança global), socio-economia (efeitos na desigualdade, capacidade do sistema de saúde e bem-estar social) e de integridade da Ciência e da Saúde pública (a erosão da ética da saúde pública e da supervisão regulatória). E também a forma ziguezagueante como políticos e media se comportaram.

    Reconhecendo que as vacinas tiveram impacto significativo na redução da taxa de mortalidade relacionada com a covid-19, os investigadores criticam sobretudo os mecanismos de coerção e estigmatização implementados nos últimos dois anos, que “provocaram considerável resistência social e política”, o que, segundo eles, tiveram “consequências prejudiciais não intencionais”, as quais “podem não ser éticas, cientificamente justificadas e eficazes.”

    Primeira página do artigo.

    Por exemplo, no caso da adopção dos certificados digitais, como passes sanitários para o acesso a determinados locais, os investigadores salientam que acabou por “colidir com os direitos humanos e promover a polarização social afectando a saúde e o bem-estar”, tendo sido usado com um fito “inerentemente punitivo, discriminatório e coercitivo.” Defendem, por isso, ser da máxima importância uma reavaliação “à luz das consequências negativas.”

    No artigo relembra-se também a manipulação da opinião pública em redor da eficácia das vacinas ao longo do ano passado para incentivar a adesão da população.

    “A lógica comunicada publicamente para a implementação de tais políticas mudou ao longo do tempo”, salientam os autores. Numa primeira fase dizia-se que a vacinação visava a “proteção dos mais vulneráveis”. Em seguida serviria para se alcançar a “imunidade de rebanho’, acabar com a pandemia’ e ‘voltar ao normal’, assim que o suprimento de vacinas fosse suficiente”. Porém,“no final do Verão de 2021” já passou a defender-se “a recomendação universal de vacinação para reduzir a pressão hospitalar e nas unidades de cuidados intensivos na Europa e América do Norte”.

    Sobre as políticas gerais da vacinação obrigatória, os autores admitem que têm sido cada vez mais desafiadas e questionadas, devido à diminuição significativa da eficácia contra a infecção, apontando também que estudos realizados em Israel e no Reino Unido mostram que a “vacinação forçada aumentou os níveis de contestação, especialmente naqueles que já desconfiavam das autoridades”, agudizando a polarização social.

    Neste aspecto, os media mainstream são particularmente criticados pelos investigadores, por terem usado “narrativas simplistas sobre percepções públicas complexas”, sobretudo quando sistematicamente optaram por catalogar as posições críticas como uma “consequência de forças ‘anti-ciência’ e de ‘extrema-direita”.

    Nessa linha, a pressão social sobre os não-vacinados chegou a níveis de perseguição. Por exemplo, ainda que a imunidade natural – adquirida por uma infeção anterior por SARS-CoV-2, tenha fornecido uma protecção significativa, mesmo superior à da imunidade vacinal, “muitos dos que foram infetados acabaram por ser suspensos dos seus empregos ou até mesmo despedidos”, no caso de não se terem vacinado, denunciam os investigadores. “Estas pessoas, ficaram impedidas de viajar ou de participar em eventos públicos”, acrescentam.

    Não ser vacinado passou a ser alvo de uma discriminação automática, incentivada por políticos e mesmo pelos media. Discriminar ou rotular não-vacinados “tornou-se socialmente aceitável entre os grupos de pró-vacinas, media e o público em geral, que viram a vacinação completa como uma obrigação moral e parte do contrato social”, referem os investigadores, mas apontam as consequências nefastas: “O efeito, no entanto, tem sido o de polarizar a sociedade – física e psicologicamente (…) A política de vacinas parece ter impulsionado as atitudes sociais em direção a uma dinâmica nós/eles em vez de adaptativa com estratégias para diferentes comunidades e grupos de risco.”

    Para exemplificar, as atitudes hostis de responsáveis políticos, os investigadores elencam frases ameaçadoras e estigmatizantes de diversos políticos, como Emmanuel Macron, Justin Trudeau, Joe Biden, Jacinda Ardern e Tony Blair.

    A declaração do presidente francês, feita no início de Janeiro deste ano, é bastante reveladora da procura de estigmatização: “É uma pequena minoria que está a resistir. Como reduzir essa minoria? Irritando-os ainda mais… Quando a minha liberdade ameaça a liberdade dos outros, eu passo a ser um irresponsável e alguém irresponsável não é um cidadão”.

    Também a de Tony Blair é destacada: “Precisamos chegar aos não-vacinados. Francamente, se você ainda não está vacinado, se é elegível e não tem razões de saúde para não ser vacinado, você não é apenas um irresponsável, mas um idiota.” E também são salientadas duas intervenções do presidente norte-americano, uma das quais em Setembro do ano passado em que responsabilizava os não-vacinados pela manutenção da pandemia. Joe Biden garantia que se estava perante uma “pandemia de não-vacinados”. Como agora se sabe, as vacinas concedem uma protecção extremamente curta ou mesmo irrelevante na redução da transmissão.

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    Segundo os investigadores, “os governos abusaram [também] do poder, invocando um constante estado de emergência, evitando [assim] a consulta pública”, além de terem demonstrado “que confiavam excessivamente nos dados fornecidos pelas farmacêuticas”.

    Considerando também que “a confiança nas autoridades de saúde se perde quando estas não são transparentes” – até porque não existiu transparência sobre o impacto negativo das vacinas, o que “exacerbou as ansiedades sociais, frustrações, raiva e incerteza”, os investigadores concluem que “as consequências criadas por estas circunstâncias, provocam uma tensão entre os princípios constitucionais e bioéticos, especialmente em democracias liberais”. Razão que os leva depois a relembrar que “as estruturas éticas foram projetadas para assegurar que os direitos e liberdades sejam respeitados mesmo durante a emergência de saúde pública”.

  • Ministério da Saúde é, desde hoje, réu no Tribunal Administrativo por recusar tornar públicos documentos sobre a pandemia

    Ministério da Saúde é, desde hoje, réu no Tribunal Administrativo por recusar tornar públicos documentos sobre a pandemia

    Perante a recusa sistemática de acesso a documentos administrativos por parte da Direcção-Geral da Saúde, pedidos ao longo dos últimos meses, o PÁGINA UM avançou hoje com um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Ministério da Saúde. O processo é considerado “urgente” e já foi distribuído a uma juíza, e será a derradeira hipótese de terminar com o obscurantismo em redor da gestão política da pandemia. Conheça quais são os documentos em causa, incluindo base de dados, que a DGS tem estado a recusar ao PÁGINA UM.


    A ministra da Saúde, Marta Temido, terá de se justificar perante o Tribunal Administrativo de Lisboa sobre as razões para recusar o acesso a um vasto conjunto de documentos administrativos solicitados pelo PÁGINA UM à Direcção-Geral da Saúde (DGS).

    O processo de “intimação para prestação de informação e passagem de certidões” foi hoje intentado pelo director do PÁGINA UM, e como processo urgente, sob o número 1438/22.8BELSB, foi já distribuído à juíza Ilda Maria Pimenta Côco.

    Apesar de ter sido a DGS a recusar sistematicamente o fornecimento de documentos administrativos, incluindo o acesso a base de dados, do ponto de vista formal o réu, neste processo, será o Ministério da Saúde.

    Marta Temido, ministra da Saúde, tem acompanhado a pandemia da covid-19 desde o início.

    A decisão do PÁGINA UM decorre de longas e pacientes tentativas de obtenção de documentação relacionada com o sistema de informação e de gestão da pandemia da covid-19, cujos pedidos têm sido quase todos recusados pela directora-geral da Saúde Graça Freitas.

    Apesar de diversos pareceres não-vinculativos já emitidos pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), instando a DGS a fornecer o acesso a um vasto conjunto de documentos essenciais para a compreensão da dimensão e amplitude da pandemia, e das respostas políticas, a DGS somente por uma vez disponibilizou dados: os pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19. Porém, recusou disponibilizar as actas das reuniões, de modo a esconder o sentido de voto dos membros que, por exemplo, se opuseram à estratégia de vacinação dos adolescentes.

    Com a intimação agora apresentada, o Tribunal Administrativo de Lisboa poderá, no prazo de sensivelmente um mês, decidir pela obrigatoriedade no fornecimento dos documentos administrativos. E, neste caso, o próprio Ministério da Saúde vai ser mesmo obrigado a justificar os motivos de manter um secretismo absoluto sobre documentos administrativos relacionados com a covid-19.

    Este processo de intimação insere-se na campanha do PÁGINA UM em prol da defesa da informação científica e da transparência, sendo integralmente financiada pelo FUNDO JURÍDICO, através de donativos dos leitores na plataforma MIGHTYCAUSE, tendo como patrono o advogado Rui Amores, especialista em Direito Administrativo. Este é o sexto processo intentado pelo PÁGINA UM.

    Conheça aqui quais são os documentos solicitados pelo PÁGINA UM ao Ministério da Saúde como entidade que tutela a DGS:

    1 – Actas de todas as reuniões da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, criada pelo despacho de V. Exa. com o número 012/2020 de 4 de Novembro de 2020.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde, tem sistematicamente recusado responder aos pedidos do PÁGINA UM. Tudo pode mudar com a intervenção do Tribunal Administrativo.

    2 – Base de dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), a plataforma que tem vindo a ser usada para acompanhamento da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, devendo ser autorizado o acesso presencial à referida base de dados, e onde conste a seguinte informação detalhada (para cada um dos casos positivos reportados pelos médicos e laboratórios):
    a) Data da confirmação do teste positivo
    b) Identificação da pessoa (com id anonimizado)
    c) Idade à data da validação
    d) Nacionalidade do utente
    e) Concelho do utente
    f) Variante do vírus (se identificada)
    g) Situação da vacinação (vacinada parcialmente com uma dose; vacinação completa; vacinação completa com dose de reforço; não-vacinada)
    h) Marca da vacina (se vacinado)
    i) Data do óbito (se ocorreu).

    3 – Dados anonimizados de todos os óbitos registados no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) desde 2013 até à data, onde conste (obviamente sem identificação da pessoa) a data do óbito, a idade da pessoa em causa, o local do óbito (concelho) e a causa apurada do óbito de acordo com o código respectivo da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), devendo assim ser expurgados os dados que possam identificar, mesmo que indirectamente, a pessoa em causa. Se se considerar que a indicação do local do óbito (concelho) seja susceptível de identificar qualquer pessoa, então que se opte pela identificação do local por distrito. E se se considerar que até com o distrito seja passível de uma identificação, então prescinde-se da identificação do local do óbito, desde que os outros elementos solicitados estejam presentes. Pode, e deve, ser expurgado o nome do médico legista.

    4 – Documentos administrativos que contenham o registo do número de testes de detecção de SARS-CoV-2 por idade (desagregada por idade ou agregada por faixa etária) em cada dia, desde o início da pandemia, quer sejam testes PCR quer testes de antigénio, bem como os documentos administrativos que contenham o registo do número de casos positivos por idade (desagregada por idade ou agregada por faixa etária) em cada dia, desde o início da pandemia, quer sejam testes PCR quer testes de antigénio.

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    5 – Documentos administrativos que contenham o registo (ou cujos dados permitam apurar) sobre a evolução (temporal) da incidência cumulativa (real ou estimada) e as taxas de letalidade em Portugal das diferentes variantes classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como de preocupação (VOC), designadamente a Alpha, Beta, Gamma, Delta e Omicron, e de interesse (VOI), designadamente a Lambda e Mu.

    6 – Documentos administrativos que contenham o registo do número de surtos de covid-19 em unidades hospitalares – isto é, que a covid-19 seja considerada infecção nosocomial –, discriminados por unidade e mês (ou outro qualquer período temporal), integradas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), desde o início da pandemia até à data da consulta a efectuar.

    7 – Documentos administrativos que contenham o registo com o número total de infecções (casos positivos) por covid-19, e eventualmente discriminadas por unidade hospitalar e por mês (ou outro qualquer período temporal), adquiridas durante o internamento por outras causas, ou seja, que seja possível aferir do número de infecções nosocomiais de covid-19, desde o início da pandemia até à data da consulta a efectuar.

    8 – Documentos administrativos que contenham o registo com o número total de óbitos atribuídos à covid-19 em doentes previamente internados por causas não-covid e que sofreram infecção nosocomial de covid-19 durante o internamento, e eventualmente discriminados por unidade hospitalar e por mês (ou outro qualquer período), desde o início da pandemia até à data da consulta a efectuar.

    people in white shirt holding clear drinking glasses

    9 – Documentos administrativos que contenham informação detalhada, desde o início da pandemia, até ao momento da consulta, relacionada com o internamento de doentes com teste positivo à covid-19 (internados-covid). Basicamente, aquilo que se solicita é a base de dados, convenientemente anonimizada, que a DGS confirmou em 4 de Fevereiro p.p. a sua existência, através de comunicado de imprensa, onde se destaca que cerca de 75% das pessoas consideradas doentes-covid estiveram internadas por consequência direta dessa infeção.

    10 – Documentos administrativos que contenham informação desde o início da pandemia, até ao momento da consulta, sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos tenham ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que tenha apresentado sintomas compatíveis com a doença. Em suma, pretende-se ter acesso, consultar e obter cópia integral de todas as comunicações recebidas pela DGS, ou o suporte digital dessas comunicações após tratamento informático, em cumprimento do ponto 68 da Orientação nº 009/2020 de 11 de Março de 2020, com actualização em 10 de Janeiro p.p.. Ou, em alternativa, um documento oficial já existente que contenha, de forma clara, e discriminada, essa informação