Categoria: Exame

  • Gestão da pandemia faz perder 10.000 novas vidas em Portugal

    Gestão da pandemia faz perder 10.000 novas vidas em Portugal

    Não se deve apenas contabilizar as vidas perdidas durante a pandemia, mas também os bebés que não nasceram, e que todos os anos não serão recordadas porque nem sequer tiveram a oportunidade de ser concebidas. O PÁGINA UM fez uma análise aos dados do Instituto Nacional de Estatística e concluiu que o medo e a incerteza deixaram um rasto marcante: em média por dia, entre Dezembro de 2020 e Março deste ano, houve menos 20 nascimentos por dia face à média antes da pandemia. São já 10 mil vidas literalmente perdidas.


    A pandemia provocou, por via da incerteza resultante do alarme social e do receio quanto ao futuro económico, uma redução de 20 nascimentos por dia em Portugal, o que, em termos práticos, significa que nasceram menos cerca de 10 mil crianças entre Dezembro de 2020 e Março de 2022. Esta é a principal conclusão de uma análise do PÁGINA UM à evolução do número de nascimentos registados na base de dados do Instituto Nacional de Estatística.

    Embora a pandemia tenha chegado a Portugal em Março de 2020, o seu impacte indirecto na descida das gravidezes e nos partos – que não se deveu em nada a questões sanitárias – apenas se começou a observar em Dezembro daquele ano, devido ao tempo de gestação.

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    De facto, excluindo os prematuros, somente a partir de Dezembro de 2020 todos os recém-nascidos foram concebidos em plena pandemia, que desde o início ficou marcado pela incerteza quanto ao futuro, o que terá influenciado muitas famílias e mulheres a adiarem a decisão de ter filhos.

    De acordo com os cálculos do PÁGINA UM, a média diária de nascimentos entre Dezembro de 2020 e Março de 2022 – abrangendo os 16 meses com um efectivo impacte, ou influência, da pandemia – situou-se nos 216, variando entre um mínimo de 194, em Janeiro de 2021, e um máximo de 242, em Setembro de 2021.

    Confrontando este período com os cinco períodos homólogos pré-pandemia – a começar no período de Dezembro de 2014 a Março de 2016 e a terminar no período de Dezembro de 2018 e Março de 2020 –, constata-se uma evidente queda: os nascimentos desde 2014 apresentavam valores relativamente estáveis, em redor dos 235 por dia, pese embora as flutuações mensais.

    Número de nascimentos por dia (média) antes e durante a pandemia. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Para ficar demonstrado o efeito da pandemia, saliente-se que a média diária de nascimentos entre Abril e Novembro de 2020 – ou seja, de bebés concebidos antes de Março de 2020 – se manteve em linha com o período pré-pandemia: 236.

    Os primeiros três meses da pandemia – Março, Abril e Maio de 2020 – foram aqueles onde se destaca uma maior retracção nas gravidezes, pois a maior redução nos nascimento ocorreu no período compreendido entre Dezembro daquele ano e Fevereiro de 2021.

    Com efeito, em Dezembro de 2020 registaram-se apenas 204 nascimentos por dia, quando a média desse mês no quinquénio anterior (2015-2019) era de 232. Por sua vez, em Janeiro de 2021 nasceram apenas 194 bebés – o valor mais baixo num mês desde que existem registos em Portugal –, o que contrasta com uma média também de 232 no quinquénio anterior (2016-2020), ainda sem influência da pandemia. Por sua vez, em Fevereiro de 2021, contabilizaram-se 205 nascimentos por dia, quando a média no quinquénio anterior foi de 225.

    Evolução do número de nascimentos (média diária) por mês entre Janeiro de 2011 e Março de 2022. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Ao longo de 2021 houve meses que registaram um maior número de nascimentos por dia, acompanhando o perfil habitual – nascem mais crianças no Verão do que no Inverno, o que significa que as concepções são mais frequentes no Outono –, mas com uma redução face aos período pré-pandemia.

    Por exemplo, os partos em Setembro de 2021 – de crianças concebidas maioritariamente em Dezembro de 2020 – atingiram em média os 242 por dia, mas mesmo assim bastante abaixo do habitual. Nos cinco meses de Setembro anteriores tinham nascido 262 crianças por dia – ou seja, mais 20 em cada 24 horas, ou mais 600 nos 30 dias.

    Embora com um desfasamento de nove meses, mostra-se também evidente os efeitos marcantes das ondas de alarme social que se foram enraizando desde 2020. Por exemplo, as repercussões da maior concentração de mortes atribuídas à covid-19 em Janeiro e Fevereiro de 2021 atingiram os nascimentos em Outubro e Novembro desse ano, que registaram decréscimos de 28 e 23 partos por dia, respectivamente.

    Total de nascimentos por mês entre Janeiro de 2011 e Março de 2022. Fonte: INE.

    Os primeiros três meses de 2022 mostram um ligeiro acréscimo na natalidade face aos meses homólogos de 2021, mas continuam ainda abaixo da média do período pré-pandemia.   

    Ignora-se se a redução dos nascimentos foi acompanhada por um aumento do número de interrupções voluntárias de gravidez, porquanto a Direcção-Geral da Saúde não divulga quaisquer elementos desde 2018.

    Em todo o caso, existem indicadores de que possa ter ocorrido um maior recurso ao aborto a partir de Março de 2020, uma vez que os quatro primeiros meses de 2020 (Janeiro a Abril) até registaram um aumento de partos face à média, sendo que somente a partir de Agosto daquele ano se acentuou a redução nos nascimentos.

  • Até 13 de Junho, em média há 61 dias com menos de 300 óbitos. Este ano, só tivemos um dia

    Até 13 de Junho, em média há 61 dias com menos de 300 óbitos. Este ano, só tivemos um dia

    Por norma, mesmo nos primeiros anos da pandemia, a Primavera seguiu o padrão habitual de menor taxa de mortalidade, mas 2022 está a fugir completamente do padrão. O número de óbitos em Maio e Junho assemelham-se aos de dias de Inverno, e não existe uma explicação para tamanha mortandade, uma vez que na Primavera as doenças fatais do sistema respiratório e circulatório causam menos vítimas. Do que estão a morrer os portugueses, um dos povos mais vacinados do Mundo contra a covid-19?


    Em 2022, o excesso de mortalidade em Portugal é já estrutural, e todos os indicadores mostram que se prolongará. A culpa não é directamente da covid-19, mas aparentam, cada vez mais, ser de factores decorrentes da gestão da pandemia que terá exacerbado outras doenças não relacionadas com a sazonalidade.

    Uma análise estatística do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação dos Certificado de Óbito (SICO) revela que este ano houve apenas um dia – 2 de Maio – com os óbitos totais abaixo dos 300. Nesse dia faleceram 291 pessoas – uma situação excepcionalmente atípica. Na verdade, noutros anos a excepção é quando, em plena Primavera, há dias com mais de 300 óbitos.

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    Com efeito, se excepcionarmos o ano de 2020 – no auge da primeira vaga da pandemia –, em quase todos os dias de Maio dos anos anteriores a mortalidade esteve abaixo dos 300 óbitos por dia. Aliás, em 2014 todos os dias de Maio registaram mortalidade abaixo daquela fasquia. No ano passado (2021), após um Inverno de morticínio, apenas em quatro dias de Maio se registaram mais de 300 óbitos.

    Em 2020, mesmo tendo em conta as mortes por covid-19 – numa população então completamente naïve (sem contacto anterior com o vírus) –, contabilizaram-se 10 dias de Maio abaixo desse nível de mortalidade total.

    Em Junho, acrescente-se, ainda é mais raro observarem-se mais de 300 óbitos diários. No entanto, neste ano em curso morreram 324 pessoas no dia menos mortífero – aliás, dois dias: 1 e 3 de Junho. O dia mais mortífero foi ontem, 13 de Junho, com o SICO a apontar 385 óbitos, valor que poderá vir a aumentar devido a actualizações que ocorrem com regularidade no prazo de 48 horas.

    A dimensão da catástrofe que se vive agora é incomensurável, e não aparenta ser passageira ou conjuntural. Com efeito, considerando os últimos 10 anos – que englobam 2020 e 2021, já dentro da pandemia –, observa-se uma média de 61 dias com menos de 300 mortes, que resultam da chegada das temperaturas mais amenas e propícias a menores fatalidades por doenças respiratórias e do sistema circulatório.

    Número de dias com mortalidade abaixo (verde) e acima dos 300 óbitos por dia até 13 de Junho entre 2009 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Numa perpectiva relativa, e tendo em conta os primeiros 164 dias do ano, seria suposto que, em média, 62,8% (103 em 164) dos dias registassem uma mortalidade total acima dos 300 óbitos. Ora, este ano está em 99,4%.

    Numa altura em que Portugal é um dos países mais vacinados com vacinas contra a covid-19, já inoculou 300 mil idosos com a quarta dose e apresenta a mais alta incidência cumulativa de covid-19 (desde o início da pandemia) no universo dos Estados com mais de 10 milhões de habitantes (48 casos por 100 habitantes), o “perfil” evolutivo da mortalidade total no ano de 2022 não encontra paralelo, mesmo se confrontada com 2020 e 2021.

    Recorde-se que, no primeiro ano da pandemia, a mortalidade total aumentou significativamente sobretudo em Março e Abril, e em alguns dias de Maio, mas mesmo assim em 13 de Junho contabilizavam-se 21 dias com menos de 300 óbitos. Note-se que, para aquele ano, nos 143 dias acima dos 300 óbitos, estão englobados os meses de Janeiro e Fevereiro, antes da chegada da covid-19 ao território português.

    No ano passado, os dias com menos de 300 óbitos atingiram níveis até ligeiramente acima da média (76 dias), mas muito por força da elevadíssima mortalidade em Janeiro e Fevereiro. Saliente-se que nos dois primeiros meses de 2021 morreram, em média, 634 e 457 pessoas, respectivamente, quando no período de 2015-2019 (pré-pandemia) a mortalidade em Janeiro e Fevereiro foi de 405 e 371 óbitos, respectivamente.

    Mortalidade média diária por mês no período 2015-2019 (média) e em 2020, 2021 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Porém, ao contrário daquilo que por norma sucede – mesmo com os anos de 2020 e 2021 –, o ano agora em curso está a apresentar um perfil de autêntico colapso. E nem pareceria expectável em Janeiro. Com efeito, o primeiro mês de 2022 até teve uma mortalidade total abaixo da média de 2015-2019 (apenas 379 óbitos vs. 405), ligeiramente abaixo de 2020 (ainda antes da pandemia, com 383) e bem abaixo de 2021 (634 óbitos).

    No entanto, a partir daí, ao invés do que por norma sucede – com o aproximar da Primavera a mortalidade começa a descer –, o mês de Fevereiro deste ano suplantou já a média do período 2015-2019 (382 óbitos vs. 371), ficou acima de 2020 (com 341 óbitos) e já se aproximou de 2021 (ainda com 457 óbitos).

    O mês de Março de 2022 começou já a mostrar sinais de graves problemas de saúde pública. Não apenas a mortalidade total suplantou o período homólogo de 2020 – que marcou a chegada da covid-19 ao território português – como também foi superior à média de 2015-2019 e aos valores do ano passado.

    A mortalidade do mês de Abril deste ano assemelhou-se bastante à do mês homólogo de 2020 (339 óbitos vs. 350). Porém, com a enorme diferença de que, em 2020, a covid-19 estava a entrar numa população sem qualquer imunidade, enquanto em 2022 tínhamos já então cerca de 40% da população com contacto anterior com o vírus, apresentava uma das mais altas taxas de vacinação do Mundo e “beneficiava” de um lamentável (e teórico) “rejuvenescimento” da população mais vulnerável, por força do sistemático excesso de mortalidade ao longo da pandemia.

    Contudo, o mês de Maio, e agora também Junho, estão a confirmar que existe actualmente um inquestionável problema. A mortalidade total não diminuiu ao longo da Primavera, como seria de esperar, e “estabilizou” em redor dos 330-350 óbitos por dia. No presente ano, Maio registou 334 óbitos por dia, e em Junho (até dia 13) até subiu, fixando-se em 346.

    Em anos anteriores, os valores geralmente estão já, nesta época do ano, muito abaixo dos 300. Aliás, em Maio, a mortalidade total é em média (2015-2019) de apenas 279 óbitos e nos primeiros 13 dias de Junho atinge os 269.

    Embora a mortalidade acumulada em 2022 seja ainda menor do que a do ano passado, a tendência mostra que pode vir a suplantar, até Dezembro, os valores de 2021. Com, efeito, confrontando a mortalidade de ambos os anos até finais de Fevereiro, o ano de 2021 apresentava então um diferencial a rondar os 10 mil óbitos (32.433 vs. 22.429), mas agora, em meados de Junho, a diferença cifra-se apenas em 4.336 óbitos (62.639 vs. 58.303).

  • Um (inexplicado) ‘morticínio’ nunca visto em Junho

    Um (inexplicado) ‘morticínio’ nunca visto em Junho

    Mesmo em 2020 e em 2021, em plena pandemia, Junho foi mês ameno, tal como é norma nos outros anos em que a transição da Primavera para o Verão se mostra mais aprazível para se manterem as vidas. Mas este ano sucedem-se os dias com mais de 300 óbitos, e já se chegou mesmo aos 362 em apenas 24 horas. O excesso de mortalidade nos mais idosos chega a atingir os 42%.


    Este ano, nos primeiros 10 dias de Junho – um mês caracterizado por um reduzido nível de mortalidade – registaram-se 684 óbitos em excesso face à média do último quinquénio (2017-2021), que inclui os dois primeiros anos da pandemia.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), entre os dias 1 e 10 de Junho contabilizaram-se 3.390 mortes por todas as causas, quando a média (2017-2021) se situa nos 2.706. Ou seja, um aumento global de 25%.

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    Este acréscimo, da ordem dos 68 óbitos por dia, não é justificável apenas pela covid-19, mesmo se Portugal atravessa, oficialmente, um estranhíssimo recrudescimento da pandemia, porquanto apresenta uma taxa de mortalidade que é 17 vezes superior à média mundial, e não encontra paralelo a nível europeu. Nos últimos dados semanais, apenas até ao dia 6 de Junho, a DGS informou que a covid-19 foi responsável por aproximadamente 42 óbitos diários, dos quais 33 de pessoas com mais de 80 anos.

    Pela primeira vez desde que existem registos diários, não houve ainda qualquer dia de Junho deste ano abaixo dos 300 óbitos. Aliás, em anos anteriores, raros foram os dias acima dessa fasquia. Por exemplo, todos os dias da primeira década de Junho dos anos de 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2017 e até de 2021 nunca ultrapassaram os 300 óbitos.

    Mortalidade total em Portugal nos primeiros 10 dias (primeira década) de Junho entre 2009 e 2022. Fonte: SICO.

    A mortalidade nesse período, entre os anos de 2009 e 2021, situou-se entre os 2.387 óbitos (em 2011) e os 2.840 (2016). Até este ano, o valor máximo diário tinha sido registado em 5 de Junho de 2018, com 314 mortes. Na passada quarta-feira, dia 8, contabilizaram-se 362 mortes.

    Este excesso de mortalidade está, porém, exclusivamente concentrado na população mais idosa, a partir dos 65 anos, e sobretudo nos maiores de 85 anos, que têm sido continuamente flagelados desde o início da pandemia.

    Segundo a análise do PÁGINA UM, a mortalidade nos maiores de 85 anos registou, nos primeiros 10 dias de Junho, um aumento de 42% face à média do último quinquénio – ou seja, morreram 1.540 pessoas, quando a média se situava nos 1.085. Esta situação mostra-se ainda mais assombrosa tendo em conta a “sangria” já decorrente de dois anos de pandemia, em que este grupo etário foi o mais flagelado.

    Mortalidade total em Portugal nos primeiros 10 dias (primeira década) de Junho entre 2017 e 2022 nos grupos etários dos maiores de 55 anos. Fonte: SICO.

    A faixa etária imediatamente anterior – dos 75 aos 84 anos – também regista uma subida inopinada, da ordem dos 21%: a média do último quinquénio era de 797; este ano subiu para os 968.

    No caso do grupo dos 65 aos 74 anos, o aumento foi de quase 18%, tendo morrido 476 pessoas, o que confronta com os 404 óbitos em média entre 2017 e 2021.

    Nos menores de 65 anos não se observa qualquer variação de relevo, registando-se até, na generalidade dos grupos etários, valores mais baixos do que a média. A excepção refere-se ao grupo dos 35 aos 44 anos (mais 8,8% do que a média), mas dentro do intervalo expectável para esta época do ano.

    As autoridades de Saúde mantém um silêncio activo sobre esta matéria.

  • Estado compra 21 milhões de euros em antivirais ‘promovidos’ por Filipe Froes

    Estado compra 21 milhões de euros em antivirais ‘promovidos’ por Filipe Froes

    O PÁGINA UM confirmou hoje que os antivirais, que tiveram aprovação em tempo recorde, já foram adquiridos para integrar a Reserva Estratégica de Medicamentos. Custo de cada tratamento, para doentes ainda com sintomas ligeiros ou moderados, podem ascender aos 500 euros. Mas as polémicas não se restringem aos custos.


    O Governo decidiu comprar cerca de 21 milhões de euros em antivirais contra a covid-19 às farmacêuticas Pfizer e o Merck Sharpe & Dohme (MSD), destinadas a doentes considerados vulneráveis, mas ainda com sintomas ligeiros ou moderados.

    Nos Estados Unidos, onde sobretudo o antiviral da Pfizer – o Paxlovid – está a ser mais usado, têm sido reportados casos de doentes que, após o tratamento, voltam a ter covid-19 com sintomas graves.

    A notícia foi esta tarde confirmada ao PÁGINA UM pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), e surge após Graça Freitas ter homologado uma nova norma terapêutica, no passado dia 28 de Maio, que incluiu, pela primeira vez, a adopção conjunta dos fármacos irmatrelvir e ritonavir (sob a marca Paxlovid, da Pfizer) e do fármaco molnupiravir (sob a marca Lagevrio, da MSD).

    Paxlovid, da Pfizer. A farmacêutica norte-americana prevê facturar, até ao final do ano, 20 mil milhões de euros com este fármaco.

    A nova norma terapêutica (Norma 005/2022) foi elaborada por uma equipa de consultores onde se destaca o pneumologista Filipe Froes, um dos médicos com maiores relações comerciais com a Pfizer e a MSD. Na segunda semana de Maio, Froes desdobrou-se publicamente em declarações elogiosas a favor dos antivirais e anticorpos monoclonais para tratamento da covid-19. A inclusão destes fármacos na norma tornou, na prática, obrigatória a sua aquisição pelo Estado.

    Estes medicamentos – cuja rapidez na aprovação por parte dos reguladores causa espanto, apesar das dúvidas da sua eficácia e das notícias sobre os efeitos secundários – têm sido, claramente, uma aposta de marketing das farmacêuticas nesta fase da pandemia: na generalidade, destinam-se a doentes com sintomas ligeiros a moderados, numa altura em que a Omicron, no caso português, somente causa a hospitalização de 0,2% dos casos positivos.

    Como cada tratamento poderá vir a custar cerca de 500 euros, fácil se conclui que as farmacêuticas ficam com os louros e com o dinheiro mesmo se a eficácia dos medicamentos for idêntica à de um placebo. E isto já para não falar nos problemas já anotados, sobretudo nos Estados Unidos, onde o seu uso, promovido por Joe Biden, se tem generalizado.

    O elevado preço destes fármacos também tem sido alvo de fortes críticas,

    Filipe Froes,o principal promotor dos antivirais, também elaborou a norma que “forçou” a aquisição dos antivirais.

    Além disso, por exemplo, no caso do Paxlovid, as interacções medicamentosas que desaconselhavam o seu uso (mais de uma centena) podem restringir a sua aplicação prática.

    As aquisições da DGS, que ainda não constam no Portal Base, foram realizadas no âmbito da criação da “Reserva Estratégica de Medicamentos”.

    Constituída em 2020, no contexto da pandemia, essa reserva é constituída, segundo o gabinete de comunicação da DGS, por “medicamentos, equipamentos de proteção individual e outros produtos de saúde, os quais foram sendo disponibilizados aos serviços de saúde de acordo com as necessidades, privilegiando os princípios da eficácia financeira, adaptabilidade, bom uso e eficiência dos artigos que a constituem, evitando dispersão e desperdício desnecessários.”

    Numa parte dos casos, como sucedeu com o antiviral remdesivir, da Gilead, que se mostrou pouco eficaz – mas que ainda integra a Norma 005/2022, não sendo coincidência Filipe Froes manter-se como consultor daquela farmacêutica norte-americana especificamente para este fármaco –, Portugal foi obrigado a fazer as compras, porque a contratualização foi centralizada pela Comissão Europeia. Com o remedesivir, a DGS gastou também quase 20 milhões de euros no final de 2020.

    Noutros casos, foi realizada através de “acordos bilaterais com as empresas, tendo sido a aquisição de antivirais uma das recentes aquisições realizadas”, adiantou a DGS ao PÁGINA UM.

    Embora a DGS nada refira sobre compra de anticorpos monoclonais – que são novos fármacos destinados a doentes com fraca imunidade –, terão também já sido adquiridas doses de Ronapreve, produzido pelas farmacêuticas Roche e Regeneron, uma vez que o fármaco consta como integrado na Reserva Estratégica de Medicamentos pelo Infarmed. Ainda em análise, também para compra, estarão os anticorpos monoclonais da GlaxoSmithKline (Xevudy), da AstraZeneca (Evusheld) e da Cektrion HealthCare (Regkirona).

    Destaque-se que, de acordo com o site Worldometers, a mortalidade atribuída à covid-19 atingiu, no passado dia 8 de Junho, o valor mais baixo desde 21 de Março de 2020, no início da pandemia. Anteontem, a nível mundial contabilizaram-se 1.281 óbitos (média móvel de 7 dias), o que contrasta com o máximo deste ano nos 10.952 mortes, ocorrido em 9 de Fevereiro. O valor máximo durante a pandemia verificou-se em 27 de Janeiro de 2021 com 14.723 óbitos, ou seja, o valor mais recente representa 8,7% do pico.

  • Quatro em cada 10 entidades da Administração Pública sujeitas a queixas por ‘obscurantismo’ no acesso aos seus arquivos nem sequer colaboram com o ‘regulador’

    Quatro em cada 10 entidades da Administração Pública sujeitas a queixas por ‘obscurantismo’ no acesso aos seus arquivos nem sequer colaboram com o ‘regulador’

    Desde 1993 há uma lei, cheia de boas intenções, para promover a abertura dos arquivos da Administração Pública aos cidadãos, mas na prática, três décadas depois da sua criação, a cultura de secretismo e de obscurantismo continua bem enraizada. As queixas à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) sucedem-se, mas muitas caem em “saco roto”, até porque cada vez mais entidades públicas nem se dão ao trabalho de justificarem os seus actos. A lei até diz que os funcionários públicos têm o dever de colaboração com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar, mas ninguém se importa. Eis o obscurantismo em todo o seu esplendor no Portugal democrático do século XXI.


    Quatro em cada 10 entidades que não satisfizeram pedido de consulta de documentos públicos nem sequer colaboram com a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) quando esta entidade elaborou os seus pareceres após a recepção de queixas. Esta situação é bem reveladora de uma postura de obscurantismo da Administração Pública, que se tem vindo a agravar, como o PÁGINA UM tem revelado.

    De acordo com um levantamento exaustivo aos 304 pareceres resultantes de queixas decididas em 2021 pela CADA – a entidade responsável pela regulação do direito dos cidadãos a acederem a documentos da Administração Pública e outras entidades com funções similares –, houve 121 que ficaram sem resposta à solicitação para serem apresentadas justificações para a recusa.

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    Saliente-se que a legislação, criada em 1993, estipula que “todos os dirigentes, funcionários e agentes dos órgãos e entidades a quem (…) têm o dever de cooperação com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar ou de outra natureza”.

    A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), tuteladas pelo Ministério do Ambiente e da Acção Climática, encabeçam a lista das entidades públicas ou equiparadas que mais ignoraram a CADA, que é presidida pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira.

    A APA, presidida por Nuno Lacasta, esteve envolvida em nove queixas, por recusa de acesso a documentos, e apenas respondeu a três ofícios da CADA. Já Nuno Banza, presidente do ICNF, teve pior desempenho: em sete queixas, deu zero respostas à CADA.

    Na lista compilada pelo PÁGINA UM destacam-se ainda o Instituto da Segurança Social (com cinco queixas não respondidas), a Câmara Municipal de Grândola e o Agrupamento de Escolas dos Templários de Tomar (ambas com quatro queixas, respectivamente), e a Câmara Municipal do Porto (com três queixas). Nestes processos, a vasta maioria dos requerentes são cidadãos.

    Nuno Banza (primeiro à direita), presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Esta entidade teve sete queixas por recusar o acesso a documentos públicos em 2021. Em nenhum caso apresentou sequer justificação à CADA.

    Uma parte substancial destas queixas foi intentada por organizações não-governamentais, sobretudo associações ambientalistas, como é o caso da Zero. No ano passado, esta associação solicitou informação por três vezes à APA e por sete vezes ao ICNF, mas só com a intervenção da CADA conseguiu a informação pretendida.

    Francisco Ferreira, presidente da Zero, lamenta esta situação: “Compreendemos que possa existir dificuldades em responder com celeridade em alguns casos, mas não é aceitável que não haja sequer uma resposta onde se proponha uma data para satisfação pedidos”. Para este ambientalista,“tem de ser implementada uma cultura na Administração Pública que permita uma maior transparência na divulgação da informação”.

    Questionado o Ministério do Ambiente sobre a postura dos seus dirigentes, o gabinete de Duarte Cordeiro diz que, no futuro, “tudo fará para obstar a que estas situações se repitam com entidades que tutela e com elas procurará estabelecer mecanismos para ultrapassar essas dificuldades”, acrescentando que o ministro é “um defensor do acesso à informação por parte dos cidadãos e de uma administração transparente”.

    Quanto à CADA – cujos pareceres são não-vinculativos, ou seja, mesmo se favorável aos queixosos a entidade requerida pode continuar a recusa, obrigando a um processo de intimação no Tribunal Administrativo –, não aparenta grande incomodidade por ser ignorada por muitas entidades da Administração Pública, dizendo que “corresponder ao convite é uma opção da entidade demandada”.

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    Sobre a possibilidade de tornar vinculativos os pareceres, Alberto Oliveira refere que “a opção legislativa, desde a primeira Lei [em 1993] (…) tem sido a de contemplar a CADA como uma figura próxima da do Ombudsman, também sem poderes vinculativos.” E acrescenta ainda que “uma característica específica da CADA, face à figura genérica do provedor de justiça, é a de que, diferentemente do que com este acontece, a apresentação tempestiva de queixa à CADA interrompe o prazo para propositura de intimação contenciosa”.

    Uma vantagem que, diga-se, constitui uma vantagem irrelevante ou até contraproducente, porque se as entidades públicas recusarem o pedido do requerente e depois não cumprirem o parecer não-vinculativo da CADA, resta apenas então o recurso ao Tribunal Administrativo. Ou seja, na prática, mesmo que a Justiça dê razão ao requerente, perde-se apenas meses de forma inglória e gasta-se dinheiro, não havendo qualquer punição do dirigente da Administração Pública que recusou indevidamente um direito dos cidadãos.

    Aliás, tem sido para acelerar o processo de acesso que o PÁGINA UM decidiu, em alguns casos, nem sequer recorrer à CADA: opta antes por fazer logo entrar no Tribunal Administrativo um processo de intimação, como aliás sucederá com a recusa da ministra Marta Temido em abrir os arquivos do Ministério da Saúde desde 2020.

    Sobre a norma que estipula que “todos os dirigentes, funcionários e agentes dos órgãos e entidades a quem (…) têm o dever de cooperação com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar ou de outra natureza”, o presidente daquela instituição nada refere. A impunidade é absoluta.

  • Ministério da Saúde diz ser “manifestamente abusivo” pedido de jornalistas para consulta do seu arquivo

    Ministério da Saúde diz ser “manifestamente abusivo” pedido de jornalistas para consulta do seu arquivo

    O PÁGINA UM solicitou acesso aos documentos administrativos na posse do gabinete da ministra Marta Temido desde Janeiro de 2020. Resposta: o pedido é “manifestamente excessivo, abusivo e, logo, inexequível”. O caso seguirá agora para Tribunal Administrativo, através do FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, mas desde já fica claro que o Ministério da Saúde não aprecia que se veja in loco a sua acção política ao longo dos últimos dois anos e meio.


    A Secretaria-Geral do Ministério da Saúde considera que o pedido do PÁGINA UM para aceder aos ofícios, pareceres, relatórios e outros documentos administrativos na posse do Gabinete de Marta Temido desde 2020 é “manifestamente excessivo, abusivo e, logo, inexequível”, acrescentando que assim “não nos é possível satisfazer o solicitado”.

    Esta é a resposta ontem enviada ao PÁGINA UM no decurso de um pedido expresso, ao abrigo da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), onde se solicitava “o acesso a cópia digital ou em papel, ou outro qualquer formato, de (…) correspondência oficial, pareceres, relatórios e outros documentos escritos ou em formato audiovisual, na posse do Ministério da Saúde (e respectivas Secretarias de Estado), por si elaborados ou elaborados por outras entidades públicas e privadas, ou mesmo por particulares (incluindo assessores e consultores), produzidos desde Janeiro de 2020 até à data.”

    Marta Temido, ministra da Saúde.

    No seu pedido, o PÁGINA UM discriminou uma lista exaustiva de mais de duas dezenas de entidades nacionais e internacionais que tivessem sido destinatárias ou remetentes dos documentos em posse do Ministério de Marta Temido, entre  as quais a Direcção-Geral da Saúde, o Infarmed, as Administrações Regionais de Saúde, o Conselho Nacional de Saúde, o Gabinete do Primeiro-Ministro, a Presidência de Conselhos de Ministros, a Assembleia da República, a Presidência da República, a Ordem dos Médicos, os Conselhos de Administração das unidades de saúde do SNS e do sector privado, a APIFARMA, as empresas farmacêuticas, a Agência Europeia dos Medicamentos, a Comissão Europeia e diversas instituições da União Europeia.

    Apesar desse detalhe, e ignorando na resposta ser este pedido feito por um órgão de comunicação social – cujos direitos de acesso estão consagrados na Constituição da República Portuguesa, na Lei da Imprensa e no Estatuto do Jornalista –, o Ministério da Saúde defende que “as entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo ou sistemático ou ao número de documentos requeridos sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente”.

    Recorde-se, porém, que a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos não estipula a partir de que “número de documentos requeridos” se considera os pedidos “manifestamente abusivos”, sendo certo que, se tal for feito de forma arbitrária, significaria a denegação do direito de informação incompatível num Estado democrático. Ainda mais sendo feito por um órgão de comunicação social num processo de investigação jornalística.

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    Na verdade, a LADA prevê sim que, nos casos da existência de muitos documentos para consulta, a entidade pública requerida possa ter mais tempo – até dois meses, em vez de 10 dias – para os disponibilizar, por fases, mas sempre fundamentando previamente.

    No seu ofício, embora negando desde já permissão de acesso ao seu arquivo sem condicionalismos nem restrições – que permitiria conhecer em detalhe todas as orientações da sua política nos últimos dois anos e meio –, o Ministério da Saúde ainda sugere que o director do PÁGINA UM esclareça “qual a informação que pretende aceder, em termos claros e precisos”, deduzindo-se que Marta Temido queira que o jornalista indique os números dos ofícios ou os títulos dos relatórios ou os autores dos pareceres que só o seu gabinete conhece na íntegra.

    Na verdade, o PÁGINA UM – e qualquer cidadão – poderia escolher os documentos produzidos e à guarda do Ministério da Saúde se o gabinete cumprisse o estabelecido na LADA. Com efeito, a alínea a) do nº 1 do artigo 10º deste diploma legal – existentes desde 1993 para promover a transparência na Administração Pública – estabelece que “os órgãos e entidades a quem se aplica a presente lei publicitam nos seus sítios na Internet, de forma periódica e atualizada, no mínimo semestralmente, os documentos administrativos, dados ou listas que os inventariem que entendam disponibilizar livremente para acesso e reutilização nos termos da presente lei, sem prejuízo do regime legal de proteção de dados pessoais”.

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    Isto é, o Ministério da Saúde ostensivamente não divulga a lista dos documentos que produz e só mostra eventualmente disposição em os divulgar se um jornalista adivinhar a sua referência administrativa interna em detalhe.

    O PÁGINA UM irá recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa com um processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões contra o Ministério da Saúde. Esta iniciativa utilizará, como habitualmente, o seu FUNDO JURÍDICO.

  • Primavera varre de luto várias regiões de Portugal. Conheça os 21 concelhos com agravamento da mortalidade total superior a 50%

    Primavera varre de luto várias regiões de Portugal. Conheça os 21 concelhos com agravamento da mortalidade total superior a 50%

    O PÁGINA UM analisou a mortalidade total em cada um dos 308 municípios portugueses entre as semanas 13 e 21; ou seja, grosso modo, nos dois primeiros meses da Primavera. Alguns concelhos parecem ter sido varridos por um desastre. Mas ninguém estuda as causas. A Direcção-Geral da Saúde dá mais atenção à varíola dos macacos do que a apurar a raiz de uma Primavera funesta.


    Nunca a Primavera foi tão fúnebre em Portugal. Apesar da pandemia da covid-19 estar já em fase endémica – e numa altura em que o Governo decidiu intensificar o programa de vacinação contra esta doença com a quarta dose –, nunca como agora as agências funerárias de vastas regiões do país tiveram tanta actividade ao longo dos meses de Abril e Maio.

    De acordo com a análise detalhada do PÁGINA UM aos dados disponíveis do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), este ano a mortalidade total no país cresceu 16% entre o início da semana 13 (28 de Março) e o fim da semana 21 (29 de Maio) face à média do período homólogo dos cinco anos anteriores à pandemia (2015-2019).

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    Segundo os registos por concelho do SICO, o número total de óbitos nos 308 municípios portugueses neste período atingiu, este ano, os 21.263, o que contrasta com as 17.698 mortes no período homólogo do ano passado – que tragicamente “beneficiou” da mortandade dos dois primeiros de 2021 – e com as 20.987 mortes em 2020, que integra a primeira fase da pandemia da covid-19 em Portugal. No período de 2015-2019, a média foi de 18.306 óbitos,

    Mas esse aumento, já de si significativo à escala nacional, não ocorreu de forma uniforme.

    Analisando a situação individual de cada município, os cenários são muito mais preocupantes em determinadas regiões, sobretudo no Minho, em algumas partes do interior das regiões Norte e Centro, no Baixo Alentejo, no Algarve e nos Açores. Detectaram-se mesmo três municípios onde a mortalidade nas semanas de 13 a 21 de 2022 mais do que duplicou quando comparada com a média do período homólogo no período 2015-2019: Calheta (+118%), Monforte (+107%), Alvito (103%). Caso se considere o período 2017-2021, para integrar os dois anos de pandemia, a situação não se altera muito.

    Variação da mortalidade total nas semanas 13-21 de 2022 face à média do período homólogo de 2015-2019. Fonte: SICO. Mapa: ©João Cláudio Martins.

    Praticamente todos os concelhos com maiores incrementos são rurais – e, portanto, com menor quantidade e qualidade de serviços e assistência médica, como se pode observar naqueles que, além dos três já mencionados, registaram aumentos superiores a 50% em comparação com o período 2015-2019: Santana (95%), Terras de Bouro (83%), Miranda do Corvo (80%), Vizela, Reguengos de Monsaraz e Alcoutim (75% cada), Vila Franca do Campo (72%), Pinhel (70%), Mira (64%), Almodôvar (60%), Sousel (59%), Nordeste (57%), Tabuaço (55%), Alpiarça e Estremoz (53%, ambos), Alandroal (52%), Vale de Cambra e Sabrosa (51% ambos).

    No entanto, também alguns importantes concelhos, mais urbanos, contabilizaram acréscimos significativos, como Ponte de Lima (acréscimo de 43%, decorrente de 106 óbitos em 2022 em confronto com 74 óbitos em média no período homólogo de 2015-2019), Viseu (41%; 224 vs. 158), Portimão (38%; 141 vs. 102), Beja (36%; 111 vs. 81), Póvoa de Varzim (35%; 110 vs. 81), Maia (35%; 216 vs. 160) e Oeiras (31%; 332 vs. 253).

    Os cinco mais populosos municípios de Portugal apresentaram situações quase semelhantes, com excepção do Porto. No caso de Lisboa – que, além de ser o concelho mais povoado, tem uma população bastante idosa – registou-se um acréscimo de 12%, ligeiramente abaixo da média nacional, mas mesmo assim um aumento absoluto de 138 óbitos (1.247 este ano vs. 1.109 no período de 2015-2019).

    Sintra, por sua vez, contabilizou um acréscimo de 15%, com 546 óbitos este ano que confrontam com 477 em média no período 2015-2019. Mais a norte, Vila Nova de Gaia – o terceiro concelho com mais habitantes – registou uma subida de 22% na mortalidade total (519 vs. 426). Cascais – o quinto concelho mais povoado de Portugal – teve um aumento em linha com a média (16%), decorrente dos 382 óbitos que comparam com os 330 em média no período 2015-2019.

    O município do Porto, o quarto município mais populoso, acaba por ser, de entre os concelhos urbanos, uma feliz excepção. Entre as semanas 13 e 21 contou 484 óbitos, somente mais cinco do que a média no período de 2015-2019, o que resultou num aumento de apenas 1%.   

    Contudo, se os dados concelhios mostram que, durante a presente Primavera, houve um agravamento da mortalidade muito significativo e bastante preocupante em vastas regiões do país, também causa admiração que se encontrem 77 concelhos com uma redução, por vezes significativa, o que mostra assim realidades distintas e não a existência de factores abrangentes que atingem todo o país por igual.

    Quais são os motivos? Ninguém sabe. Nem estuda.

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    Aparentemente, o excesso de mortalidade em Portugal está para ficar, de forma indefinida, sobretudo se não se quiser colocar a hipótese de se estar perante disfunções do Serviço Nacional de Saúde e de que os acréscimos de óbitos são efeitos secundários da estratégia governamental em secundarizar as outras doenças em tempos de pandemia.

    Entretanto, a Direcção-Geral da Saúde considera mais relevante um acompanhamento diário da situação da varíola dos macacos – que ainda não causou qualquer fatalidade –, e nem autoriza que outros façam o trabalho por si.

    Recorde-se que o PÁGINA UM já solicitou à DGS o acesso aos dados em bruto do SICO, o que foi recusado. Espera-se, neste contexto, uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa para que se possa apurar as causas desta Primavera funesta.

  • Mortes por todas as causas dos maiores de 85 anos em Abril e Maio estiveram 32% acima da média

    Mortes por todas as causas dos maiores de 85 anos em Abril e Maio estiveram 32% acima da média

    O PÁGINA UM analisou a mortalidade total em Abril e Maio de 2022 e foi confrontar com anos anteriores, tendo concluído que a Primavera deste ano está a ser dramática para os maiores de 85 anos. Após dois anos de pandemia e doses sucessivas de vacinas, a covid-19 já não explica tudo, ou não explica quase nada. Numa altura em que o Ministério da Saúde se regozija de já ter vacinados com a quarta dose cerca de 200 mil idosos, talvez seja altura de perguntar, e investigar mesmo a sério, porque estão tantos idosos a morrer de repente.


    Numa altura em que o processo de vacinação contra a covid-19 entra numa “quarta ronda” – isto é, segundo reforço após a denominada “vacinação completa” –, assiste-se em Portugal a um desastre de Saúde Pública: a mortalidade dos mais idosos está a atingir, nesta Primavera, níveis inusitadamente elevados.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM à mortalidade dos meses de Abril e Maio de 2022, em comparação com os períodos homólogos – com base nos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e do Instituto Nacional de Estatística (INE) –, observa-se um acréscimo de 32% da mortalidade por todas as causas face à média dos cinco anos anteriores à pandemia (2015-2019).

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    Com efeito, para este grupo etário – que excede já a esperança média de vida –, foram contabilizados em Abril e Maio deste ano um total de 9.307 óbitos, o valor mais alto de sempre, enquanto que entre 2015 e 2019 faleceram em média, nestes dois meses, uma média de 7.044 pessoas, ou seja, mais 2.263 mortes.

    Caso se compare com Abril e Maio de 2020 – logo no início da pandemia sem vacina, sem experiência terapêutica, mas também sem sinais ainda da degradação da qualidade do SNS –, o presente ano mostra um incremento de 569 mortes, isto é, mais 6,5%.

    Contudo, se se confrontar com o ano passado – com praticamente toda a população vacinada, mas após o mais “negro” período de mortalidade de que há registo em Portugal (Janeiro e Fevereiro), o incremento dos óbitos deste ano em Abril e Maio é avassalador: mais 2.309 mortes, o que representa mais 33%.

    O cenário deste ano ainda é mais preocupante, porque claramente não surge associada à covid-19. Embora não seja possível saber com exactidão quantos óbitos por covid-19 de maiores de 85 anos houve nos meses de Abril e Maio deste ano – a DGS sempre optou, intencionalmente para dificultar análises independentes, por “dessincronizar” os grupos etários quando apresenta mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 e mortes por todas as causas –, o PÁGINA UM estima que esta doença terá sido a causa de, no máximo, 10% de todas as mortes neste grupo etário.

    Mortalidade por todas as causas em Abril e Maio desde 1996 até 2022 nos maiores de 85 anos. Fonte; INE (1996-2021) e SICO (2022).

    Essa estimativa advém do facto de a DGS apontar para a ocorrência de 1.109 mortes por covid-19 para os maiores de 80 anos entre 29 de Março e 30 de Maio deste ano. Ou seja, tal significa que a mortalidade nos maiores de 85 anos terá sido, com grande probabilidade, menor do que 930 óbitos, necessários para perfazer 10% do total.

    Este incremento da mortalidade nos mais idosos ainda se mostra mais preocupante na presente Primavera – mesmo quando, repita-se, estamos a referir um grupo etário acima da esperança média de vida –, porque decorre após dois anos de morticínio nesta faixa etária.

    Com efeito, de acordo com dados do INE e SICO, entre Março de 2020 e Fevereiro de 2022, a mortalidade total nos maiores de 85 anos foi de 110.659 óbitos, um aumento de 12% face ao período homólogo imediatamente anterior à pandemia (Março de 2018 a Fevereiro de 2020), onde se registaram, para este grupo etário, um total de 98.864 mortes.

    Convém referir que comparações com anos anteriores devem ser feitas com precaução, sobretudo com décadas anteriores, uma vez que a população muito idosa (maiores de 85 anos) tem vindo a aumentar ao longo do tempo, em função da diminuição da mortalidade precoce.

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    Por exemplo, os maiores de 85 anos em 1989 representavam apenas 0,9% da população (cerca de 90 mil pessoas), em 1996 situava-se já em 120 mil (1,2%), enquanto em 2020 já chegavam aos 320 mil (3,2%). Ou seja, sendo “natural” ocorrer uma maior concentração de óbitos na faixa dos mais idosos – a taxa de mortalidade, antes da pandemia, rondava os 15% por ano – , a actual dimensão, neste período do ano (Primavera), já não é.

    Contudo, até agora, este acrescimento brutal da mortalidade nos mais idosos não incomoda as autoridades de Saúde nem o Governo nem os denominados “peritos”, que não esboçam qualquer reacção nem procuram sequer estabelecer uma causa científica.

    Saliente-se que a actual situação portuguesa, para o grupo etário dos maiores de 85 anos, é única na Europa, de acordo com os dados analisados pelo EuroMomo. Portugal e Alemanha são os países que apresentam um estranho acréscimo de mortalidade nos mais idosos, situação que contrasta com a generalidade dos restantes Estados que estão com mortalidade dos mais idosos em níveis inferiores à média.

  • Esgotos, agricultura e pressão urbana são os factores que maiores danos causam aos rios

    Esgotos, agricultura e pressão urbana são os factores que maiores danos causam aos rios

    Uma coisa é saber, em teoria, que as actividades humanas causam prejuízos nos ecossistemas aquáticos; outra é quantificar os prejuízos. Além disso, nem tudo o que vem do Homem é mau, ou pode sempre ser mau. Uma recente meta-análise internacional quantificou esses impactes negativos, mas também, paradoxalmente, alguns positivos. O estudo tem um “dedo” de uma instituição portuguesa: a Universidade de Coimbra.


    Já se sabia que a descarga de esgotos, a agricultura e a urbanização estavam entre os factores de degradação das funções dos ecossistemas ribeirinhos – como a capacidade de autodepuração, a decomposição de matéria vegetal e o desenvolvimento de organismos aquáticos, muitos dos quais utéis ou relevantes para as actividades humanas.

    Mas um recente estudo internacional veio agora relevar quais são os “factores de stress” mais importantes para a degradação dos ecossistemas aquáticos de água doce, e que os estão a tornar “cadeias alimentares simplificadas e menos produtivas”.

    Com base numa meta-análise sustentada em 125 artigos científicos, o estudo foi publicado em meados do mês passado na revista cientifica Global Change Biology – e que conta com a participação da investigadora Verónica Ferreira, da Universidade de Coimbra –, tendo hierarquizado, de forma quantitativa, os três principais factores de degradação: efluentes de águas residuais, agricultura e uso do solo urbano.

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    Para a bióloga Verónica Ferreira, que é investigadora do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), a redução na capacidade de autodepuração dos rios e ribeiros mostra-se “especialmente preocupante”, apontando as “altas concentrações de nutrientes na água [causadas pela poluição orgânica e química, sobretudo por nitratos], que são muitas vezes responsáveis por blooms de algas nocivos”.

    Atendendo à importância dos rios e dos ribeiros na biodiversidade mundial, designadamente no fornecimento de água potável, na proteção contra cheias e na irrigação de áreas agrícolas, os autores do estudo alertaram para a necessidade de “medidas urgentes” nos principais “factores de stress”. Apelam também à realização de “mais estudos sobre os efeitos de múltiplos ‘factores de stress’ na multifuncionalidade dos ecossistemas, de modo a compreender-se melhor o peso do impacto humano”.

    Apesar dos efeitos nocivos da acção humana no funcionamento dos rios e ribeiros, Verónica Ferreira salienta que “é importante considerar o contexto regional dos rios e ribeiros”, exemplificando com “os efeitos de efluentes de estações de tratamento de águas residuais [ETAR] na produção primária que são mais fortes a latitudes mais baixas do que a latitudes mais elevadas, considerando o intervalo 35ºN – 53ºN.”

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    A investigadora acrescenta ser “também necessário considerar várias funções ecossistémicas na avaliação do funcionamento de rios e ribeiros, já que um dado impacte humano pode ter efeitos em algumas funções, mas não em outras”.

    Com efeito, o estudo identificou, em simultâneo, alguns efeitos positivos das actividades humanas. A decomposição de matéria vegetal é um exemplo: embora inibida pela descarga de águas residuais, esta funcionalidade foi, por outro lado, estimulada em 57% pelas elevadas concentrações de nutrientes na água, um efeito supostamente negativo da acção humana.

    A revista Global Change Biology tem como editor-chefe e fundador o fisiologista Stephen P. Long, que desde 2012 lidera o projecto Realizing Increased Photosynthetic Efficiency (R.I.P.E), um projecto de investigação financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates que tem como objectivo maximizar a produção alimentar mundial, potencializando a fotossíntese das plantas através da sua modificação genética.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    O PÁGINA UM revela dados oficiais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que contam uma história bem diferente sobre os primeiros “passos” da pandemia da covid-19. O Portal da Transparência da Morbilidade e Mortalidade mostra que, afinal, o primeiro internamento por covid-19 não foi em Março de 2020, mas no mês anterior. É apenas um pormenor? Pode ser que sim, mas há uma evidência: os dados da Direcção-Geral da Saúde não encaixam em nada nos dados do SNS.


    O primeiro doente internado com diagnóstico de covid-19 em Portugal registou-se afinal ainda em Fevereiro de 2020, de acordo com os dados do Portal da Transparência da Morbilidade e Mortalidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Tratou-se de uma mulher com mais de 65 anos que esteve internada em uma das unidades do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que integra os hospitais de São José, Curry Cabral, Santo António dos Capuchos, Santa Marta e D. Estefânia (pediatria) e a Maternidade Alfredo da Costa.

    Esta informação contraria os dados até agora conhecidos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que somente em 2 de Março de 2020 confirmou o primeiro caso de infecção por SARS-CoV-2 em Portugal: um médico de 60 anos que estivera no norte de Itália.

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    Recorde-se que a DGS começou a divulgar “boletins informativos” diários em 26 de Fevereiro de 2020, mas o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto relatório desse mês somente apresentavam o total dos casos suspeitos e os suspeitos nas últimas 24 horas. Nesta fase, os resultados dos testes PCR demoravam, por vezes, um dia. No dia 29 de Fevereiro daquele ano, o boletim analítico apontava um total de 70 casos suspeitos, dos quais 11 nas últimas 24 horas, mas zero casos confirmados.

    Porém, na verdade, seguindo os dados do SNS – que identifica os internados por covid-19 através do diagnóstico de doenças com “códigos para fins especiais” –, já estaria aquela mulher internada em Lisboa, cujo desfecho não é conhecido. Certo apenas é que não se registou qualquer óbito por covid-19 em Fevereiro desse ano.

    Com a confirmação da chegada oficial da covid-19 a Portugal, a DGS começou então a elaborar os famosos “relatórios de situação”, com o primeiro a surgir no dia 3 de Março, onde já surgiram quatro casos. Porém, segundo a DGS, todos os quatro eram homens: dois na faixa etária dos 30 aos 39 anos, um com idade entre os 40 e 49 anos e outro no grupo dos 60 aos 69 anos. A primeira mulher infectada surge apenas no relatório de 4 de Março, mas integrando a faixa etária dos 40 aos 49 anos. Nesse dia já estavam internadas nove pessoas.

    O mês de Março foi, porém, efectivamente o início da pandemia e de um alarmismo que parou o país, tendo sido registados 491 internamentos, dos quais 247 com mais de 65 anos, tendo-se contabilizado 138 óbitos certificados em hospital.

    Também aqui os dados do SNS começam a não bater certo com os da DGS, que apontou a existência de 187 óbitos atribuídos à covid-19, o que pode significar que houve, desde o início, uma inflação das mortes causadas pelo SARS-CoV-2 ou que houve muitas vítimas que faleceram fora de ambiente hospitalar sem receberem assistência devida.

    Recorde-se que o PÁGINA UM denunciou que, apesar de ter sido considerada uma doença de elevada infecciosidade – que obrigou, na esmagadora maioria dos casos ao internamento de casos moderados e graves –, “apenas” 68% do total dos óbitos contabilizados pela DGS em 2020 e 2021 foram certificados em unidades de saúde.

    Com efeito, até Dezembro de 2021, o Portal da Transparência do SNS aponta para um total de 12.837 pessoas falecidas devido à acção directa do SARS-CoV-2, enquanto que contabiliza, para o mesmo período, 18.974 óbitos por covid-19. Ou seja, um diferença de 6.137 mortes que, a terem mesmo morrido de covid-19, o desfecho observou-se fora de unidades de saúde; portanto, em lares ou nas suas residências.