São apenas dois dias, e sem aparato demasiado espampanante, mas o primeiro evento de maior dimensão da novel Sociedade Portuguesa de Saúde Pública revela bem como o debate público sobre futuras pandemias está a ser rapidamente enviesado. Instalando-se um nicho criado pela pandemia, esta sociedade científica foi ocupada por altos funcionários públicos de confiança política do actual Governo, e o seu primeiro congresso, em parceria com duas associações, conta apenas com “peritos” escolhidos a dedo. E, claro, mãos de farmacêuticas, que patrocinam talks, que, na verdade, são sessões públicas de lobby descarado. Uma viagem ao programa do Congresso Saúde Pública 23, conduzida pelo PÁGINA UM, sob o mote “Uma Nova Era”.
A Culturgest vai ser hoje e amanhã palco do Congresso Saúde Pública 23, com o mote “Uma Nova Era”. Uma notícia normal diria que, no auditório e diversas salas do edifício da Caixa Geral de Depósitos, passaram as principais figuras que marcaram os anos da pandemia, tanto do quadrante político como de especialistas.
Para debater políticas públicas de Saúde, inovação e ciências e assuntos paralelos, e até equidade para pessoas LGBTQIA+, está prevista a presença, logo pela manhã de hoje, como cabeças de cartaz, a ex-ministra da Saúde Marta Temido, a directora-geral da Saúde Graça Freitas, o seu antecessor e ex-presidente da Cruz Vermelha Portuguesa Francisco George, e ainda Raquel Duarte, ex-secretária de Estado da Saúde e uma das peritas requisitadas nas famosas reuniões do Infarmed.
Em segundo plano, estarão outras figuras bastante mediáticas, classificadas pelo Governo como “peritos” durante a pandemia, como o pneumologista Filipe Froes, o epidemiologista Henrique Barros (marido da actual secretária de Estado da Promoção da Saúde), o imunologista Miguel Prudêncio, o presidente da European Respiratory Society Carlos Robalo Cordeiro, e ainda o novo subdirector-geral da Saúde, André Peralta Santos.
Mais do que debater Saúde Pública, pelos palcos da Culturgest, sobretudo pelo seu auditório, se espraiará, contudo, a promiscuidade entre poder político, sociedades médicas e farmacêuticas, num conluio que, sem encontrar fronteiras, começa a cansar por recorrente. Vejamos.
Organizado por três associações – Sociedade Portuguesa de Saúde Pública, Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública e Associação Portuguesa para Promoção da Saúde Pública –, o congresso conta com o patrocínio oficial da Caixa Geral de Depósitos, que cedeu o espaço e a logística, mas quem abre os cordões à bolsa, até por não haver inscrições pagas, são quatro farmacêuticas – Abbott, GlaxoSmithKline, Pfizer e Sanofi –, que têm ali palcos majestáticos para exporem os seus consultores, grande parte dos quais com um papel mediático durante a pandemia.
Apesar de ainda não serem conhecidos todos os montantes envolvidos – e que apenas serão oficializados quando integralmente inseridos no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed –, alguns detalhes conhecidos já demonstram servir este congresso para falar mais do que de saúde. Pelos sinais – e porque não vale a pena obter reacções, porque todos negariam, horrorizados pela torpe suspeita –, ali se espraia, de forma mais ou menos discreta, lobbies com bypass directo entre Governo, Administração Pública, supostas sociedades científicas e farmacêuticas.
O caso mais paradigmático passa-se com a principal organizadora do congresso, a novel Sociedade Portuguesa de Saúde Pública (SPSP), que tem na Culturgest o seu segundo evento público conhecido, após uma singela apresentação de um livro em Março passado, coordenado por Francisco George, seu presidente.
Anunciada em Maio do ano passado, a SPSP terá 20 fundadores, onde também pontificam, segundo então se revelou na comunicação social, a pneumologista e ex-secretária de Estado da Saúde Raquel Duarte, os epidemiologistas Baltazar Nunes e Andreia Leite, o presidente do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), Fernando Almeida, o professor jubilado em Saúde Pública Constantino Sakellarides (e ex-director-geral da Saúde), o psiquiatra Daniel Sampaio, o médico Rui Portugal, na época subdirector-geral da Saúde, o então presidente do Conselho Nacional de Saúde, Henrique Barros; e a ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos Ana Paula Martins, então na farmacêutica Gilead e que agora preside ao Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte.
Francisco George, depois da passagem pelas funções de director-geral da Saúde e de presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, por nomeação governamental, fundou a Sociedade Portuguesa de Saúde Pública com três altos funcionários públicos de confiança política.
No entanto, apenas assinaram a constituição desta associação, em 6 de Maio de 2022, Francisco George, o então subdirector-geral da Saúde Rui Portugal – que se demitiu no final do mês passado, pouco tempo depois de admitir candidatar-se ao lugar de Graça Freitas – e o presidente e a vogal do INSA, Francisco Lopes de Almeida e Cristina Abreu dos Santos. Saliente-se que, conforme referido no seu site, o Conselho Directivo do INSA dirige os seus serviços “em conformidade com a lei e as orientações governamentais”, sendo apenas constituído por duas pessoas.
Diga-se que a SPSP acaba por ser similar à co-organizadora Associação Portuguesa para a Promoção da Saúde Pública (APPSP), mas esta não tem o élan de ter sociedade na denominação. Com efeito, a APPSP é uma associação criada em 1969 por Arnaldo Sampaio, director-geral da Saúde entre 1972 e 1976, sedeada na Escola Nacional de Saúde Pública.
Se o excessivo peso de funcionários públicos de confiança política provoca legítimas dúvidas sobre a independência e isenção deste tipo de organizações, estas também se desvanecem na leitura da localização da sede da SPSP: Centro de Saúde de Sete Rios, em Lisboa. Ou seja, em instalações públicas.
Certo é, de entre as poucas intervenções públicas da SPSP, destacam-se as recentes declarações de Francisco George, em Março passado, que mostraram uma grande sintonia com os interesses governamentais. De facto, o antigo director-geral da Saúde e ex-presidente da Cruz Vermelha defendeu então a aprovação da lei de protecção em emergência de saúde pública para que, em futuras pandemias, se restrinjam administrativamente direitos e liberdades individuais.
Apesar das evidências científicas internacionais sobre os impactes negativos dos confinamentos rígidos, os peritos portugueses associados ao Governo insistem agora em defender medidas administrativas de restrição às liberdades em futuras crises sanitárias.
Nessas declarações à Lusa, Francisco George deu também, como presidente da SPSP, o seu aval aos confinamentos durante a pandemia, considerando-os “uma medida absolutamente essencial” para controlar e prevenir a covid-19. Ora, os Governos costumam agradecer essas opiniões de sociedades científicas independentes na aparência.
No entanto, a nível internacional, e em revistas científicas independentes, já há muito se coloca em causa os confinamentos como solução adequada para a pandemia da covid-19. Por exemplo, no ano passado, John Ioannidis, o mais relevante epidemiologista mundial, destacava, num artigo em co-autoria no International Journal of Forecasting, que “a população em geral foi confinada e colocada em alerta de terror para evitar que os sistemas de saúde entrassem em colapso”, mas “tragicamente, muitos sistemas de saúde enfrentaram grandes consequências adversas, não pela sobrecarga de casos de covid-19, mas por razões muito diferentes”. E apontava para os “pacientes com ataques cardíacos [que] evitaram hospitais para atendimento, tratamentos importantes (por exemplo, para cancro) [que] foram injustificadamente atrasados” , para além de prejuízos na saúde mental.
Ioannidis também salientava que “com operações prejudicadas, muitos hospitais começaram a perder pessoal, reduzindo sua capacidade de enfrentar crises futuras”, como por exemplo uma segunda onda, e que “com o novo desemprego massivo, mais pessoas arriscaram perder o seguro de saúde.”
Ex-ministra Marta Temido fará uma aparição na abertura do congresso, com Francisco George, Paulo Macedo (CEO da Caixa Geral de Depósitos) e Raquel Duarte.
Mas isso foram sempre aspectos nunca admitidos pelos “peritos” governamentais portugueses, alguns dos quais agora com ligações umbilicais à SPSP, como é o caso de Raquel Duarte. Antiga secretária de Estado da Saúde, Raquel Duarte destacou-se no grupo de peritos ad hoc das conhecidas “reuniões do Infarmed” – que validava todas as medidas do Governo de António Costa, substituindo a Comissão Nacional de Saúde Pública, que nunca foi colocada a funcionar – e é co-autora de uma obra apologética sobre a estratégia governativa, apresentada em Maio do ano passado na Universidade do Minho diante de um agradado primeiro-ministro.
Além destas ligações de boa convivência com o Governo, a SPSP também não fugiu ao amplexo com farmacêuticas. Não se conhecendo ainda todos os financiamentos deste congresso, no Portal da Transparência do Infarmed – cuja inserção de registos é voluntária e pouco ou nada fiscalizada pelo regulador dos medicamentos, presidido por Rui Santo Ivo –, já consta o apoio da Pfizer à SPSP. E, oficialmente, não é pequeno: 15.000 euros.
Isto considerando que este dinheiro serve para patrocinar o “sponsor talk by Pfizer”, a moderna designação para 45 minutos da apresentação de Charles Jones, director sénior de inovação e estratégia mRNA da Pfizer, acompanhada pelas palavras de Miguel Prudêncio, investigador do Instituto de Medicina Molecular, e de Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP). Desde que assumiu a liderança desta associação de médicos, em finais de 2021, Tato Borges – que tem pretensões a ser o próximo director-geral da Saúde – já recebeu por seis vezes apoios da Pfizer, no valor total de 10.210 euros, incluindo uma viagem a um congresso à cidade canadiana de Toronto.
Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, co-organizadora do congresso. Desde que assumiu funções, este médico começou a dar palestras financiadas pela Pfizer.
Se 15.000 euros valem 45 minutos de “sponsor talk by Pfizer”, similares montantes se deverão praticar nas outras “talks” – assim à inglesa, que se paga melhor. Todas com participantes e moderadores que garantem ausência de surpresas ou vozes dissonantes. Por exemplo, a “sponsor talk by Abbott”, financiada por esta farmacêutica norte-americana, contará com a moderação de Francisco George, e a participação do médico espanhol José María Eiros Bouza e do médico português Gonçalo Órfão.
A Sanofi – que está numa promíscua campanha, através da Sociedade Portuguesa de Pediatria em coligação com a imprensa, para convencer o Governo a administrar anticorpos monoclonais contra o vírus sincicial respiratório (VSR) a todos os recém-nascidos – desembolsará mais, porque pagou duas “sponsor talks”, ambas nesta sexta-feira.
A primeira terá como cabeça-de-cartaz a pediatra Teresa Bandeira para falar… sobre o vírus sincicial respiratório e “novas soluções para um desafio de saúde pública”. Teresa Bandeira foi a principal subscritora do parecer que recomendou a compra massiva de anticorpos monoclonais da Sanofi e AstraZeneca à Direcção-Geral da Saúde. E ainda em Abril passado participou num evento promovido pela Sanofi sugestivamente denominado “Rumo a uma nova era de prevenção do vírus sincicial respiratório“. Desta vez, para a sessão de 20 minutos na Culturgest, a moderação será de… Gustavo Tato Borges, putativo candidato a director-geral da Saúde e presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Público, e co-organizador do evento.
Teresa Bandeira, presidiu à Sociedade Portuguesa de Pediatria entre 2014 e 2016.
Moderada pela jornalista do Expresso Vera Lúcia Arreigoso, a segunda “sponsor talk by Sanofi” tem como tema a nova vacina contra a gripe como “uma prioridade de Saúde Pública”, e conta com três palestrantes: Carlos Aguiar, Sofia Duque e Carlos Robalo Cordeiro. Nem de propósito, ou talvez sim, a Sanofi começou a comercializar recentemente uma vacina quadrivalente contra a gripe, e tem-se multiplicados em eventos de promoção, em parceria com órgãos de comunicação social, como Expresso no âmbito da Flu Summit.
Estes eventos são sempre óptimos momentos de cortesia e lobby, como a que ficou patente na homenagem a Graça Freitas, que entre muitos sorrisos juntou Lacerda Sales, ex-secretário de Estado da Saúde e actual deputado que presidente à comissão parlamentar da TAP, e ainda Helena Freitas, directora-geral da Sanofi Portugal, e Carlos Robalo Cordeiro.
Aliás, este pneumologista e professor da Universidade de Coimbra – um empolgado adepto da vacinação contra a covid-19 de jovens, chegando a integrar um grupo de queixosos que espoletou um torpe processo disciplinar contra Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, por recomendar prudência – é sempre um habituée deste tipo de eventos. Com benefícios: só no ano passado, o actual presidente da European Respiratory Society amealhou quase 25 mil euros das farmacêuticas, dos quais 3.414 euros da Sanofi. Este ano conta, em menos de seis meses, um pouco menos de 11 mil euros. Apesar disso, a declaração de interesses deste médico naquela sociedade internacional está a branco, sem qualquer justificação, apesar de o PÁGINA UM ter pedido esclarecimentos, que não obteve reacção.
Conforme foto da edição do Expresso de 7 de Março passado, no recente Flu Summit, evento organizado pelo Expresso e pago pela Sanofi, Graça Freitas foi homenageada, enquanto se debatia a nova vacina da farmacêutica contra a gripe.
Froes falará, nesta sexta-feira, sobre “a vacinação como um pilar para o envelhecimento saudável”, numa altura em que concentra os seus esforços de consultadoria e de marketing na promoção de uma nova vacina pneumocócica da Merck Sharpe & Dohme (MSD) para bebés, crianças e adolescentes.
Em parte por esse motivo, este ano, e até agora, quase dois terços dos cerca de 20 mil euros daquilo que Froes oficialmente recebeu de farmacêuticas foi a partir da MSD, que já no ano passado, com a Sanofi, fora um dos seus principais “mecenas”. Este ano, este pneumologista ainda só recebeu cerca de 1.600 euros da GSK, mas não estão ainda incluídos os honorários da “sponsor talk by GSK” de amanhã na Culturgest.
Filipe Froes, ao centro, é um dos médicos do Serviço Nacional de Saúde com mais ligações à indústria farmacêutica, apesar de ser consultor da Direcção-Geral da Saúde. Com um processo disciplinar pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) desde Fevereiro de 2022 (e nunca concluído), foi, apesar disso, mandatário do actual bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes (ao seu lado esquerdo).
Depois da palestra de meia hora de Filipe Froes, terminará o Congresso Saúde Pública 23, organizado por associações “associadas” ao Governo, e com “talks” financiadas por farmacêuticas, com um derradeiro evento: a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, presidirá ainda à cerimónia de entrega de prémios aos vencedores das PH Innovation Sessions, ou seja, aos melhores trabalhos apresentados nas outras salas.
A organização não informa, no seu site, se os prémios são monetários e financiados por farmacêuticas. Em todo o caso, os funcionários públicos que participem, e recebam diploma, têm dispensa de serviço. Não parece demasiado mau para quem tem de ouvir palestras financiadas por farmacêuticas.
N.D.O Código Deontológico dos Jornalistas determina que “a distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.” Uma vez que, aparentemente, subsistem dúvidas de certos reguladores sobre a interpretação desta frase, declara-se o óbvio: quando o leitor ler, numa notícia, um qualquer adjectivo, então estará perante uma opinião. Se não for uma notícia e se ler um adjectivo, então será também uma opinião. Em todo o caso, tudo se interpreta com rigor e honestidade. Mesmo quando se escolhem os adjectivos.
A Administração do Hospital de Braga “esqueceu-se” de publicar no Portal Base, durante mais de dois anos, e em alguns casos até mais de três anos, dezenas de contratos de aquisição de equipamentos de protecção individual e de materiais relacionados com a pandemia. O PÁGINA UM identificou 32 contratos acima de 100 mil euros, envolvendo 17 empresas, que tiveram um custo total de 7 milhões de euros para os cofres do Hospital de Braga. A legislação obriga que sejam publicitados na plataforma da contratação pública no prazo máximo de 20 dias úteis, mas detectaram-se sete contratos que demoraram mil ou mais dias até serem conhecidos. O atraso, que curiosamente só atinge aquisições associadas à covid-19, não é um mero pormenor burocrático. Ao fim deste tempo todo, mostra-se agora quase impossível averiguar as condições de aquisição e se as entregas foram mesmo realizadas pelos fornecedores, tanto mais que, como se estava num regime de excepção, tudo foi combinado por ajuste directo e sem redução a escrito.
O Hospital de Braga demorou mais de dois anos, e por vezes até mais de três anos, a disponibilizar pelo menos 32 contratos no Portal Base relacionadas com aquisições de equipamentos de protecção individual e materiais relacionados com a pandemia.
Como a generalidade desses contratos foi feita por ajuste directo, sem sequer serem reduzidos a escrito – beneficiando de um regime de excepção instituído pelo Governo – não existem quaisquer documentos de suporte nem referências, na maior parte dos casos, às quantidades compradas nem comprovativos idóneos que atestem as quantidade efectivamente entregue pelos fornecedores escolhidos a dedo, e sem critério objetivo, pela administração hospitalar.
São 32 contratos acima de 100 mil euros que acabaram “esquecidos” pelo Hospital de Braga durante mais de dois anos, dificultando agora qualquer verificação da sua execução. Todos associados a aquisições no âmbito da pandemia.
De acordo com um levantamento do PÁGINA UM, foram estabelecidos, sem documentação, 32 contratos superiores a 100 mil euros pelo Hospital de Braga durante 2020 – e em grande parte nos primeiros meses da pandemia – e os primeiros meses de 2021 (até Maio) para a compra sobretudo de máscaras, luvas de nitrilo e outros equipamentos de protecção individual, bem como de zaragatoas e testes. Só estes contratos totalizaram 7.013.105 euros. Existem mais contratos com valores abaixo da fasquia dos 100 mil euros, a generalidade por ajuste directo sem redução a escrito.
Cinco destes contratos ascendem aos 400 mil euros, tendo sido estabelecidos por ajuste directo entre Março e Agosto de 2020, embora a informação no Portal Base apenas tenha começado a surgir a partir de Janeiro deste ano. Três destes contratos milionários de 2020, esquecidos nos corredores do Hospital de Braga, só foram introduzidos no mês passado, em Maio deste ano. Segundo a portaria que regula o funcionamento e gestão do portal dos contratos públicos (Portal Base), as entidades públicas têm a obrigatoriedade de entregar informação sobre os contratos, mesmo daqueles que sejam por ajuste directo e sem redução a escrito, até 20 dias úteis após a sua celebração. Atente-se também que sem o regime de excepção seria impossível a aquisição deste tipo de materiais por ajuste directo, sem contrato escrito, envolvendo tão avultados montantes.
Sendo certo que nem sempre as entidades públicas cumprem o prazo de 20 dias, mostra-se, contudo, completamente inaudito a ocorrência de atrasos tão elevados nestes contratos do Hospital de Braga, até porque somente atingem as aquisições relacionadas com a pandemia ao longo de 2020 e dos primeiros meses de 2021. Numa panóplia de outros contratos, para a aquisição de medicamentos para outras doenças, por exemplo, o Hospital de Braga não apresenta atrasos desta ordem de grandeza, nem pouco mais ou menos, mesmo em aquisições feitas no auge da pandemia. O “problema” foi, de facto, exclusivamente, dos contratos relacionados com a covid-19.
Com efeito, dos 32 contratos analisados pelo PÁGINA UM – todos acima de 100 mil euros, dos quais 28 se celebraram em 2020 e quatro em 2021 (até Maio) –, aquele que demorou menos tempo entre a celebração do contrato (sem redução a escrito) e a sua publicação do Portal Base foi para a compra de 4.800 testes PCR à empresa Horiba, em 20 de Maio de 2020, com um custo total de 178 mil euros. Como a sua publicitação ocorreu apenas em 23 de Maio passado, decorreram assim 733 dias até constar no Portal Base.
No extremo oposto, identificaram-se dois contratos que demoraram 1.140 dias a serem publicitados: um da Teprel, para a aquisição de um número indeterminado de humidificadores com gerador de fluxo, no valor de 106.961 euros – adquiridos logo no início da pandemia (26 de Março de 2020), e que apenas foi colocado no Portal Base no mês passado –, e outro da Colunex, que vendeu em Março de 2020 um número indeterminado de máscaras cirúrgicas e FFP2 no valor de 477.500 euros. Ignora-se o valor unitário de cada tipo de máscara e, obviamente, a quantidade adquirida e efectivamente entregue.
Aliás, os contratos envolvendo a Colunex, uma empresa conhecida por vender colchões, já tinha merecido uma notícia do PÁGINA UM em 6 de Novembro do ano passado, quando se detectou que tinha facturado 1,3 milhões de euros numa semana no início da pandemia por vendas de máscaras aos hospitais do Tâmega e Sousa, aos dois centros hospitalares do Porto, à Unidade Local de Saúde de Matosinhos e ao Hospital do Santo Espírito da Ilha Terceira. Neste último caso, existe a informação no Portal Base de que “na 1ª entrega todo o material foi devolvido por não corresponder ao adjudicado”, mas não são registadas anomalias nos outros contratos.
Conselho de Administração do Hospital de Braga, que a partir de 2019 deixou de ser gerido por uma parceria público-privada. Em primeiro plano, o presidente, João Porfírio Oliveira, responsável máximo pelas aquisições e pelos atrasos na publicitação dos contratos no Portal Base.
Como em Novembro do ano passado ainda não constavam as vendas da Colunex ao Hospital de Braga – dois contratos por ajuste directo, um no valor de 477.500 euros e outro de 414.000 euros –, agora sabe-se que a empresa de colchões terá facturado, em contratos sem redução a escrito, cerca de 2,3 milhões de euros. Isto se não houver mais contratos “escondidos” do Portal Base. Note-se que antes da pandemia as vendas da Colunex a entidades públicas foram de zero.
No caso destas compras do Hospital de Braga, a Colunex – que, portanto, facturou nos dois contratos 891.500 euros – nem foi a empresa que mais facturou. O pódio vai para a Alfagene, uma empresa de comercialização de produtos laboratoriais, que conseguiu três chorudos contratos em 2020, que só agora em 2023 acabaram plasmados no Portal Base, embora sem qualquer documento associado, porque também foram por ajuste directo sem redução a escrito.
O mais elevado foi assinado em 6 de Agosto de 2020 para a aquisição de 30.000 testes e custou 573.900 euros. Demorou 900 dias a aparecer no Portal Base. O segundo contrato mais valioso da Alfagene envolveu a compra de “kits de estracção e detecção de SARS-CoV-2”, sem indicação da quantidade. Celebrado em 15 de Janeiro de 2021, com um valor contratual de 426.762 euros, a informação da sua existência apenas surgiu no Portal Base 840 dias depois. O terceiro contrato foi assinado em 12 de Maio de 2021, para mais kits em número indeterminado, tendo o Hospital de Braga desembolsado mais 426.762 euros. A informação sobre este contrato demorou 744 dias a chegar ao Portal Base. No total, a Alfagene facturou ao Hospital de Braga 1.427.424 euros em contratos escondidos durante mais de dois anos. Quantos kits entregou? Não se sabe.
A Colunex, com sede numa freguesia de Paredes, fundada em 1986, vende sobretudo colchões de gama alta, mas facturou 2,3 milhões de euros em equipamentos de protecção individual nos primeiros meses da pandemia, sempre por ajuste directo.
Além da Colunex e da Alfagene, o Hospital de Braga celebrou contratos, “esquecidos” durante mais de dois anos, com a Teprel (quatro contratos no valor total de 697.977 euros), a PTTEX (três contratos no valor total de 569.500 euros), a Interhigiene (dois contratos no valor total de 440.000 euros), a Intehigiene (dois contratos no valor de 397.500 euros), a Bastos Viegas (dois contratos no valor total de 393.646 euros), a A Menarini (dois contratos no valor total de 316.000 euros), a Fapomed (dois contratos no valor de 255.000 euros) e ainda, com um contrato cada, as seguintes empresas: Clinifar, Intersurgical, Roche, Horiba, Quilabam, PHM, Medicinália Cormédica, Batist Medical Escala Braga (para remodelação dos serviços de urgência) e Enerre.
Note-se que fora deste período (a partir de Maio de 2021), e com outros produtos (ao longo de todo o período da pandemia), os prazos entre a celebração dos contratos e a sua publicitação são incomensuravelmente mais curtos. A título de exemplo, um contrato assinado entre o Hospital de Braga e a empresa Raclac para a aquisição de luvas de nitrilo em 22 de Julho do ano passado, no valor de 127.594 euros, demorou apenas cinco dias a surgir no Portal Base. Ou seja, um contrato assinado mais de um ano depois dos primeiros é publicitado em cinco dias; os outros, na primeira fase em que tudo era permitido com o argumento da urgência em salvar vidas demoraram, por vezes, mais de 1.000 dias, ficando esquecidos mesmo quando a calma ressurgiu.
No passado dia 2, o PÁGINA UM contactou à Administração do Hospital de Braga, presidido por João Porfírio de Oliveira, pedindo diversos esclarecimentos e documentos. Questionou-se sobre como se comprovava a verdadeira aquisição dos materiais e a veracidade das entregas dos materiais, quem foi responsável pelas aquisições e quais foram as razões para a demora da publicitação da informação dos contratos no Portal Base. Também se perguntou se o Hospital de Braga informava alguma entidade tutelada pelo Ministério da Saúde sobre as aquisições feitas no âmbito da pandemia.
Também se questionou se ainda existem mais contratos relativos aos anos da pandemia (2020 a 2022) não colocados no Portal Base e quais os montantes efectivamente gastos pelo Hospital de Braga em equipamentos de protecção individual e em testes e outros materiais no âmbito da pandemia.
Solicitava-se, de igual modo, que fossem enviados as facturas e os documentos de entrega (guias de remessa) dos materiais.
Hoje, em nota enviada ao PÁGINA UM, que pode ser lida aqui na íntegra, a Administração do Hospital de Braga nada esclarece de forma considerada plausível sobre os motivos do atraso na publicitação dos contratos escondidos por mais de dois anos – e que, saliente-se, de novo, apenas atinge contratos relacionados com a covid-19 – nem envia qualquer documento.
Hospital de Braga passou de novo para a esfera pública em 2019.
Apesar de ser evidente o tempo em que os contratos e os montantes envolvidos estiveram escondidos, o Conselho de Administração do Hospital de Braga diz que “a priorização dada à situação epidemiológica de Covid-19, bem como as medidas excecionais e temporárias decorrentes, obrigou à aquisição de diverso equipamento de proteção individual e sanitário, tendo sido celebrados para o efeito diversos contratos, todos no cumprimento dos requisitos, procedimentos e transparência exigíveis.” Ou seja, a transparência foi tão grande que, na esmagadora maioria dos contratos, nem sequer se explicita a quantidade adquirida, e portanto nem se sabe o valor unitário e o nível de especulação de preços.
Mais adiante, na sua nota, o Conselho de Administração do Hospital de Braga diz também que “a excecionalidade da situação, associada a dificuldades relacionados com os recursos humanos, conduziram à publicação desfasada de alguns contratos, encontrando-se, atualmente, os procedimentos normalizados e todos os contratos integralmente publicados”, acrescentando ainda que “a missão e o foco de atuação do Hospital de Braga, EPE passam por privilegiar o acesso, a prestação de cuidados de excelência e a melhoria contínua da Qualidade, da Segurança e Sustentabilidade Financeira e Ambiental, desenvolvendo a sua atividade no cumprimento do enquadramento legal que lhe é aplicável.”
Por fim, diz ainda que “anualmente, é elaborado, entre outros, o Relatório e Contas, onde se encontra espelhada informação referente à atividade, ao desempenho e às contas do Hospital de Braga, EPE e onde consta, desde 2020, um capítulo dedicado à Covid-19.”
Transparência e rigor na gestão dos dinheiros públicos continuam a ser atributos menosprezados. Administração do Hospital de Braga apresenta justificações absurdas para atrasos incompreensíveis.
Analisado os relatórios e contas do Hospital de Braga de 2020 e 2021, o PÁGINA UM confirmou que os capítulos dedicados à covid-19 nada esclarecem sobre as aquisições, fornecedores e quantidades entregues. Do ponto de vista contabilístico, no ano de 2020 apenas surge um quadro elencando os custos por grandes itens, com um montante total de 20.439.019,77 euros. Para o ano de 2021, o pouco detalhe é similar, apontando-se um custo global de 38.33.071,93 euros.
Que todo este dinheiro foi gasto, não haverá grande dúvidas. Se correspondeu a material efectivamente entregue e consumido, e a custos justos, aparentemente só com uma investigação policial se encontrará luz. Até porque, face a tantos contratos de elevado montante, por ajuste directo, sem conhecimento de quantidades nem preços unitários, e escondidos durante mais de dois anos do conhecimento público, somente uma instância de investigação policial, ou uma qualquer divindade, conseguirá apurar se estamos perante uma mera negligência ou um esquema ilegal num período onde o dinheiro público era fácil de gastar, aos milhões, sem questionar. Aliás, parecia mesmo mal estar a questionar-se. E houve empresas privadas que agradeceram.
CONTRATOS DO HOSPITAL DE BRAGA NO ÂMBITO DA COVID-19 ACIMA DE 100.00 EUROS ENTRE MARÇO DE 2020 E MAIO DE 2021
Alfagene
Data do contrato: 6/8/2020
Data da publicação: 23/1/2023
Dias entre contrato e publicação: 900 dias
Aquisição de 30.000 testes para SARS-CoV-2 com colocação de equipamentos
Não há uma sem duas, e não houve duas sem três: depois de sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa e de um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, três juízes conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo só precisaram de três páginas para recusar as pretensões da Administração Central do Sistema de Saúde para que fosse negado o acesso ao PÁGINA UM de uma das mais importantes bases de dados de saúde do país, que permite avaliar, de uma forma independente, o desempenho do Serviço Nacional de Saúde e identificar anomalias graves nos hospitais. A luta judicial dura há mais de um ano, entre um “David” e um “Golias” que não se importou, durante o processo, em usar mentiras e argumentos falaciosos. A ACSS começou por alegar a impossibilidade de anonimização de dados, mas quando foi demonstrada a mentira, adiantou que, afinal, o pedido era “manifestamente abusivo” porque demoraria muito tempo a retirar dados nominativos dos registos, apesar de estarmos no século XXI e de um sistema informático fazer essa operação enquanto o diabo esfrega um olho. Esta acção do PÁGINA UM (que só em taxas de justiça já ultrapassou mais de 1.000 euros) foi financiada pelos seus leitores através do FUNDO JURÍDICO. A defesa da ACSS, a cargo da sociedade BAS (que costuma cobrar 60 euros por hora), foi financiada através do Orçamento do Estado.
Derrota no Tribunal Administrativo de Lisboa. Derrota no Tribunal Central Administrativo Sul. E, mesmo alegando ser “manifestamente abusivo” o pedido de acesso por parte do PÁGINA UM à base de dados anonimizados dos internamentos – que permitirá uma avaliação verdadeiramente independente do desempenho do Serviço Nacional de Saúde ao longo dos últimos anos –, a Administração Central do Sistema de Saúde recebeu terceira derrota, desta vez do Supremo Tribunal Administrativo.
O Ministério da Saúde, através das entidades tuteladas por Manuel Pizarro, vai ter mesmo de disponibilizar o acesso ao PÁGINA UM da base de dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos. O acórdão, com data de 1 de Junho, assinada por três conselheiros, com José Veloso como relator, é muito claro e taxativo na análise ao “recurso de revista” apresentado pela ACSS. Em apenas três páginas, os conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo decidem “não admitir a revista” das decisões dos outros tribunais.
Supremo Tribunal Administrativo: em três páginas “concede” terceira derrota ao obscurantismo do Ministério da Saúde.
“Constatamos desde logo a ‘unanimidade de decisão dos tribunais de instância’, o que não sendo só por si garantia de acerto não deixa de constituir um relevante sinal de bom direito”, salientam os conselheiros do Supremo, acrescentando que “também se constata que tais ‘decisões’ – mormente a consubstanciada no acórdão recorrido – embora abordem matéria de algum melindre, face à dimensão e à relevância dos direitos com que contende, não se mostra, no caso, de tratamento particularmente complexo, e foi apreciada e decidida pelos tribunais de instância de forma suficientemente consistente, e aparentemente correcta, não se vislumbrando nelas a ocorrência de erros manifestos que imponham a revista em nome da clara necessidade de melhor aplicação do direito”.
Além de tudo isto, seguindo o texto do acórdão exarado pelo conselheiro José Veloso, as alegações da ACSS não imputam qualquer “erro de julgamento de direito”, mas sobretudo “a dificuldade de execução da intimação, mormente no que respeita à concretização dos dados pessoais que devem ser expurgados, facilitando, e esclarecendo, a fase executiva que lhe compete”.
Mas essa alegada dificuldade – uma completa falácia porque a anonimização de dados, num sistema informático do século XXI, é um procedimento que exige ordens muito simples e seguras –, acrescenta o acórdão do Supremo, concordando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, “não deverá ser desvirtuado o reconhecimento do direito na fase declarativa mediante a antecipação das dificuldades da fase executiva.”
Em suma, a ACSS – que já defendia, em desespero, que o pedido do PÁGINA UM (um órgão de comunicação social, cujo acesso à informação constitui um direito consignado na Constituição da República) deveria ser recusado por ser “manifestamente abusivo” – terá 10 dias para fornecer finalmente o acesso e cópia digital da BD-GDH
A importância da informação contida nesta base de dados é enorme, podendo revelar mesmo informação com consequências políticas significativas, quer durante a pandemia, quer antes, quer depois.
Esta base de dados (BD-GDH), gerida sem influência governamental, integra todos os doentes internados nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, identificando o diagnóstico principal (aquele que, após o estudo do doente, revelou ser o responsável pela sua admissão no hospital), os diagnósticos secundários (todos os restantes diagnósticos associados à condição clínica do doente, podendo gerar a existência de complicações ou de comorbilidades), os procedimentos realizados, destino após a alta (transferido, saído contra parecer médico, falecido) e, no caso de recém-nascidos, o peso à nascença.
Embora também constem dados de identificação (nome, idade e sexo), o sistema informático possibilita o expurgo dessa informação – neste caso, como se tratam de milhões de registos, basta substituir o nome do doente por um código – a base de dados é perfeitamente anonimizável.
Em todo o processo judicial, iniciado a 21 de Julho do ano passado, a ACSS – ainda presidida por Victor Herdeiro, um amigo próximo da ex-ministra Marta Temido –, esteve sempre em discussão se a base de dados continha ou não informação nominativa, como defendia o Ministério da Saúde, que é aliás argumento recorrente da estratégia de obscurantismo do Governo em matérias sensíveis politicamente.
Victor Herdeiro, presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (quarto a contar da esquerda, ao lado da ex-ministra da Saúde): há quase um ano a tudo fazer para esconder uma base de dados politicamente sensível. O Supremo Tribunal Administrativo é a terceira instituição judicial a dar razão ao PÁGINA UM sobre o direito de acesso a informação anonimizável.
No entanto, no caso da BD-GDH, a falácia dos dados nominativos facilmente caiu por terra e nem os diversos magistrados que tiveram o processo de intimação em mãos – desde a primeira juíza do Tribunal Administrativo até aos três conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, passando pelos três conselheiros do Tribunal Central Administrativo Sul – foram insensíveis às alegações capciosas dos advogados da ACSS, pertencentes à sociedade BAS, que chegaram a afirmar ser tecnicamente impossível a anonimização.
Porém, a mentira tinha a perna curta. A anonimização da BD-GDH é um procedimento corriqueiro e bem conhecido da ACSS, tanto assim que esse expediente administrativo costuma estar expressamente delegado num dos vice-presidentes para conceder acessos a investigadores. Por exemplo, no presente conselho directivo da ACSS, Victor Herdeiro delegou na sua vice-presidente Sandra Brás a competência “para autorizar o fornecimento de dados anonimizados provenientes da Base de Dados Nacional de Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH)”, através da Deliberação 835/2021 publicado em Diário da República em 9 de Agosto de 2021.
Na verdade, o receio do Ministério da Saúde passa pela possibilidade de se fazer uma análise independente a uma das bases de dados fundamentais de avaliação do desempenho do Serviço Nacional de Saúde, que permitirá detectar situações anómalas nos hospitais, escondidas aos cidadãos e até aos próprios doentes e familiares.
PÁGINA UM quer saber o que se passa nos hospitais públicos. O Ministério da Saúde não quer que o PÁGINA UM tenha acesso a uma base de dados que revela o que se passa nos hospitais públicos.
Por exemplo, através da BD-GDH conseguir-se-á avaliar, por indicadores de internamento, a evolução de doenças e outras afecções, como enfartes ou tumores, ou mesmo a ocorrência de acidentes ou outras falhas médicas em unidades de saúde, uma vez que se mostra possível comparações cronológicas e por hospital. Conseguir-se-á também, por exemplo, esclarecer afinal se a incidência de internamentos durante a pandemia por covid-19 ou com covid-19, e mesmo a sua prevalência como infecção nosocomial (ou seja, “apanhada” durante um internamento por outra causa). Por isso, esta base de dados é politicamente sensível, mas de fundamental acesso para uma sociedade de princípios democráticos.
Aliás, no ano passado, antes de o PÁGINA UM ter solicitado acesso à BD-GDH, a informação tratada e acessível no Portal da Transparência do SNS permitira a revelação de um conjunto de situações escamoteadas pelo Ministério da Saúde durante a pandemia. Com efeito, usando a então base de dados da Morbilidade e Mortalidade – uma simplificação da BD-GDH –, o PÁGINA UM revelara que, até Janeiro de 2022, houvera menos 51 mil hospitalizações de crianças durante a pandemia por todas as doenças; apurara que a variante Ómicron tinha indicadores de letalidade inferiores aos da gripe; identificara problemas graves (com aumento de taxas de letalidade mesmo em alas não-covid); determinara que a taxa de mortalidade da covid-19 foi evoluindo ao longo da pandemia e em função dos hospitais, sendo 30% superior à das doenças respiratórias; desmistificara a alegada elevada pressão durante a pandemia, até porque houve menos 280 mil doentes por outras causas não-covid; e também identificara estranhas descidas na mortalidade por cancros e outras doenças, bem como colocara dúvidas sobre a mortalidade por covid-19 nos hospitais.
No decurso dessa investigação, Victor Herdeiro terá ordenado a suspensão da divulgação daquela base de dados, para a “análise interna”, restaurando passado algumas semanas, mas completamente mutilada. Apenas a repôs depois do PÁGINA UM ter decidido, face às evidentes manipulações, solicitar formalmente o acesso à BD-GDH, a base de dados primitiva, que também serve para determinar os financiamentos a receber pelos hospitais públicos.
Contudo, a prioridade do PÁGINA UM passou a ser o acesso à BD-GDH por ser uma base de dados com elementos em bruto, e que a serem manipulados politicamente já configuram actos criminosos, uma vez que a informação ali constante tem relevância financeira, uma vez que parte do financiamento dos hospitais públicos provêm desses registos.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.
De doença banal, com casos clínicos de rara gravidade, e já com imunoprofilaxia existente para bebés de risco, a Sanofi e a AstraZeneca conseguiram, num passe de mágica, que o vírus sincicial respiratório (VSR) ficasse nas bocas do mundo, enquanto aceleravam a aprovação de um novo fármaco. Nos últimos meses, a estratégia é convencer a Direcção-Geral da Saúde e o Infarmed para que a administração do novo fármaco (nirsevimab) abranja todos os bebés (e não apenas os grupos de risco), um negócio que multiplicará em mais de 20 vezes a receita anual do anterior fármaco. Para esse objectivo, as farmacêuticas contam com a “colaboração” da imprensa e também de médicos e da Sociedade Portuguesa de Pediatria, que viu os “cheques” da Sanofi no ano passado superarem o montante recebido nos cinco anos anteriores. Uma investigação do PÁGINA UM aos meandros da promiscuidade entre farmacêuticas, imprensa e médicos.
Esta é a história de mais um novo fármaco – um dos muitos que salvam vidas, evitam sofrimento, concedem melhorias. Mas é também a história de um, mais um, novo fármaco que tem de percorrer a fase seguinte ao sucesso da investigação e ao calvário das aprovações, depois de ensaios clínicos, pelos reguladores. Custe aquilo que custar, muito foi o custo de investigação, e muito dinheiro há para ganhar, não apenas para compensar os encargos dos fracassos de outras investigações, como para gratificar (e bem) os accionistas.
Mas esta é também, na verdade, a história de um novo fármaco no novo mundo da comunicação social onde já campeia, sem escrúpulos, a promiscuidade entre indústria farmacêutica, médicos e sociedades médicas e agora a imprensa, nas barbas do reguladores, que se concertam para um único objectivo: criar um ambiente favorável na opinião pública e convencer os Estados a abrirem os cofres da Fazenda Pública, porque, assim deve aparentar ser, fundamental para a saúde pública ou para a saúde individual dentro de um colectivo, um determinado fármaco, qual Santo Graal.
Esta é, portanto, a história cheia de marketing, de agenda setting, de lobbies, agora com media partners à mistura – esqueçamos o obsoleto advertising, até porque as leis do medicamento proíbem, na generalidade, com poucas excepções, a publicidade.
No corpo da notícia explicava-se que a dita Sociedade Portuguesa de Pediatria defendia “num parecer técnico enviado à Direcção-Geral da Saúde (DGS)” – que, oh! admiração, é “confidencial”, e nem o Público se mostrou interessado em o conhecer, e só depois disso fazer o artigo – que “parecem existir benefícios em introduzir em Portugal um fármaco recentemente aprovado pela Agência Europeia do Medicamento (…) à base de uma nova substância activa que previne a infecção e o desenvolvimento de doenças provocadas” pelo VSR.
Chamada de primeira página do Público da edição de 25 de Maio, anunciando que a Sociedade Portuguesa de Pediatria recomendava junto da DGS a administração universal de um fármaco da AstraZeneca. A notícia omitia então o interesse directo da Sanofi, uma das principais financiadoras daquela sociedade médica, e que tivera um conteúdo pago no Público sobre o vírus sincicial respiratório há cerca de um mês.
E, em seguida, explicitava-se que o dito fármaco é um anticorpo monoclonal denominado nirsevimab, da farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca – aliás, a mesma empresa que já produzia um fármaco semelhante administrado a bebés prematuros ou com comorbilidades muito específicas, o palivizumab, usado em Portugal pelo menos desde 2008, de acordo com contratos consultáveis no Portal Base.
Omissão na notícia publicada originalmente: o nirsevimab não é um fármaco da AstraZeneca, aprovado em finais de Outubro do ano passado pela Agência Europeia do Medicamento, sob a forma comercial de Beyfortus. É um fármaco também da francesa Sanofi e, de uma forma mais marginal, da sueca Sobi.
A omissão no Público pode parecer irrelevante, mas não é. Pelo contrário, como sói dizer-se: o diabo está nos detalhes. Tendo sido intencional ou não – já lá iremos, nesse aspecto –, a falta de referência à Sanofi – que foi entretanto acrescentada pela direcção editorial do Público, após o PÁGINA UM a ter questionado – escondeu mais uma vez, aos olhos dos leitores, as emaranhadas relações de promiscuidade entre farmacêuticas, sociedades médicas, médicos e imprensa com o fito de promover fármacos.
A história do nirsevimab e sobretudo da ascensão do RSV como problema de Saúde Pública susceptível de fazer manchetes é um case study. Sendo case study está muito longe de ser caso único – pelo contrário.
Começa então em Março de 2017, quando a MedImmune – a biotecnológica da AstraZeneca – e a Sanofi Pasteur – a divisão de vacinas da Sanofi – anunciaram um acordo para desenvolver e comercializar um anticorpo monoclonal, então baptizado de MEDI8897. O objectivo era desenvolver um fármaco na mesma linha de um outro anticorpo monoclonal – o palivizumab, comercializado sob a forma de Synagis desde 1998 – para prevenção de doenças do trato respiratório inferior causado pelo VSR.
A empresa com a “massa” para desenvolver o MEDIU8897 era a Sanofi: o acordo de 2017 estabeleceu que esta farmacêutica francesa faria um adiantamento de 120 milhões de euros à AstraZeneca, podendo o pagamento total atingir, em função de objectivos, os 495 milhões de euros. De igual modo, entrou também em jogo a farmacêutica sueca Sobi – especializada em doenças raras – que ficou com os direitos de comercialização do Synagis (o anterior anticorpo monoclonal para prevenir o VSR) nos Estados Unidos, e uma parcela futura nos lucros do MEDI8897. Tudo isto envolveu muitos milhões. Na verdade, à cabeça a AstraZeneca recebeu da Sobi 1,5 mil milhões em dinheiro e acções, e ficaram outros montantes a aguardar novas decisões.
Na altura, o fármaco MEDIU8897 ainda estava na fase IIb dos ensaios clínicos, em bebés prematuros não elegíveis para tomar Synagis. E acrescentava então um comunicado da AstraZeneca que estava previsto na fase III dos ensaios clínicos testar-se o medicamento em bebés saudáveis. Em 2017 já estava plenamente definido que a Sanofi seria a responsável pela comercialização do fármaco, quando fosse aprovado pelos reguladores. Dir-se-ia que o novo anticorpo monoclonal tinha grande chances de sucesso comercial, porque substituiria um produto similar mais antigo, a começar por ser de apenas uma dose, ao contrário do palivizumab.
O marketing para promover mediaticamente o tema do vírus sincicial respiratório começou no final de 2021 com um evento pago pela AstraZeneca ao Público. A partir do ano passado, os eventos, também em outros media (como o Expresso) começaram a ser promovidos pela Sanofi, que tem a área comercial de um novo fármaco (com a AstraZeneca e a Sobi) aprovado na Europa. As notícias sobre o VSR e o novo fármaco aumentaram substancialmente a partir do ano passado na generalidade da imprensa.
Esse update – chamemos-lhes assim – permitiria a criação de um novo monopólio, contornando a perda da patente – e a possibilidade de venda como genérico – do palivizumab, um fármaco com duas décadas de existência.
Contudo, o mercado para os anticorpos monoclonais para o VSR era, em 2017 – como antes, e até 2020 –, bastante reduzido, circunscrevendo-se aos bebés prematuros e com determinadas patologias cardíacas e respiratórias.
Embora causando mortalidade relevante em países subdesenvolvidos – mas aí as simples diarreias mostram-se mortíferas –, o RSV sempre foi sobretudo um problema clínico de nicho nos países mais desenvolvidos, pela quase nula letalidade. Além disso, com o surgimento do palivizumab, mesmo os grupos de risco ficaram substancialmente protegidos.
Os bebés saudáveis têm, por regra, virtualmente uma baixa mortalidade e uma baixíssima morbilidade, ou seja, reduzido grau de hospitalização. Tanto assim que, por regra, antigamente eram raros os exames (testes PCR) para identificar se era o VSR o responsável por casos de bronquiolite, traqueobronquite, pneumonia viral, conjuntivite ou otite, mesmo se se sabia que mais de 90% das crianças até aos dois anos são infectadas por este vírus. A razão de não se fazer testes chamava-se pragmatismo: a identificação do VSR em caso das doenças acima referidas “não vai alterar a terapêutica instituída”, como o próprio site da Direcção-Geral da Saúde admite.
Notícia do Público de 25 de Maio omitia referência ao interesse directo da Sanofi. E incluía a opinião da pediatra Teresa Bandeira, que também emitia opinião num conteúdo pago (pela Sanofi) inserido no Estúdio P, uma secção comercial mas com textos de estilo jornalístico deste diário.
Quando se refere que o VSR era um problema clínico de nicho não significa que fosse negócio despiciendo para as farmacêuticas, e em particular para a AstraZeneca e o seu palivizumab. Muito pelo contrário. As farmacêuticas fazem-se pagar bem por medicamentos destinados a poucos clientes, sobretudo se, para salvar a vida a esses poucos clientes, os custos – leia-se, custos hospitalares, além de mortes – são relevantes.
Por exemplo, nos Estados Unidos estima-se que entre 58 mil e 80 mil crianças com menos de cinco anos sejam internadas em cada ano, até porque virtualmente todas acabam mais tarde ou mais cedo por serem infectadas. Pode parecer um valor muito elevado, mas não é: com menos de 5 anos vivem 22,9 milhões de crianças, naquele país, o que o significa uma taxa de internamento que ronda os 3 em cada 1.000 crianças.
Entre 1% e 2% dos menores de seis meses infectados por VSR acabam por necessitar de hospitalização, e uma pequena minoria pode ainda necessitar de oxigénio, fluidos intravenosos e, em casos mais graves, ventilação mecânica. Mas a mortalidade é, em países desenvolvidos, bastante rara. Aliás, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) nem sequer apontam uma taxa de letalidade e muito menos de mortalidade.
AstraZeneca criou um anticorpo monoclonal em 1998 para imunoprofilaxia de bebés de risco contra o vírus sincicial respiratório. A pandemia da covid-19 “hipersensibilizou” a opinião pública para as infecções respiratórias. Com a investigação de um novo anticorpo monoclonal (niservimab), a AstraZeneca e a sua parceria Sanofi viram na possibilidade de administração universal um negócio fabuloso.
Contactado pelo PÁGINA UM, Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Especialidade da Ordem dos Médicos, recusando debruçar-se sobre a questão das terapêuticas, salienta que as doenças associadas ao VSR são, efectivamente, “muito comuns, embora tenham ocorrido alguns surtos fora de época durante a pandemia” da covid-19. Para este pediatra, tendo em conta que já existe a administração de um anticorpo monoclonal a grupos de risco, o alargamento para o universo dos recém-nascidos terá de ser “uma decisão política”.
Recorde-se que, em entrevista ao PÁGINA UM em Novembro do ano passado, Amil Dias defendia que “o ideal seria que ninguém ficasse doente, e todos gostávamos que nenhum de nós, nem os nossos filhos, ficasse doente, mas isso é simplesmente impossível. Se nós erradicássemos todos os micróbios que causam infecção, provavelmente nós também desaparecíamos. A nossa relação de há milhões de anos com o ambiente em que vivemos, e com os micróbios, foi estabelecendo equilíbrios do sistema imunitário, de convivência e de organização que nos permitiu evoluir. Quando desequilibramos essa relação, acontece o que vemos este ano: com o confinamento nestes últimos dois anos, de repente apareceram doenças que, em algumas crianças, tiveram uma gravidade excessiva. Foi o caso das hepatites.”
Contudo, mesmo causando doenças muito raramente graves, sabe-se que, sobretudo em idades tão tenras, não se olha muito a gastos na hora de pagar facturas às farmacêuticas. Ou melhor, olha-se mas apenas se houver alarme público e os holofotes da imprensa estiverem a pressionarem os poderes políticos. E as farmacêuticas sabem disso – e sabem bem as regras e como devem jogar bem. E definem quase sempre os preços de venda não tanto pelos custos de investigação e de produção, mas pelo estado financeiro do país e pelos custos que supostamente poupam pela eficácia do seu medicamento.
Até agora, a DGS apenas recomenda anticorpos monoclonais em bebés com determinados factores de risco. Sociedade Portuguesa de Pediatria, que recebeu 108 mil euros da Sanofi no ano passado (mais do que nos cinco anos anteriores), considera que a administração deve ser universal a todos os recém-nascidos.
Por mais loas à Humanidade que façam, o objectivo principal de uma farmacêutica é sacar o máximo possível num monopólio antes de se perder a exclusividade da patente ou que surja uma alternativa mais apelativa da concorrência. Resultado: por vezes, o negócio é ruinoso para os Estados sem grandes vantagens em termos de Saúde Pública. Um milhão a salvar uma vida pode significar muitas mais mortes porque não se alocou esse milhão para o tratamento de outra doença com fármacos mais baratos. Não são análises nem decisões fáceis de se fazerem, mas necessárias.
Por exemplo, em 2011, um artigo científico apontava que na Flórida “o custo da imunoprofilaxia com palivizumab excedeu em muito o benefício económico de prevenir hospitalizações, mesmo em lactentes com maior risco de infecção por VSR”. Isto porque o preço por tratamento era extremamente elevado. Por exemplo, em prematuros com menos de seis meses de idades, a imunoprofilaxia com este anticorpo monoclonal da AstraZeneca custava entre 3.092 mil e quase 915 mil euros.
No Canadá, onde o fármaco é comercializado pela AbbVie – devido a um acordo comercial –, o preço de venda atingia há poucos anos os 15.000 dólares por grama, sendo esta farmacêutica acusada de tácticas de vendas agressivas. Segundo uma notícia da CBC, no período de 2015-2016, o Canadá gastou 43,5 milhões de dólares para imunizar 6.392 crianças, o que significa, em média, à cotação actual, um custo de quase 4.700 euros por criança.
Mais de 90% dos bebés são infectados pelo RSV nos seus primeiros anos de vida. Em Portugal, a taxa de letalidade é irrelevante, mesmo havendo algumas centenas de internamentos por ano, porque os grupos de risco já beneficiam de imunoprofilaxia.
Em Maio de 2019, uma revisão sistemática publicada na revista científica Pediatrics, analisando 28 avaliações económicas ao palivizumab, concluiu que os elevados preços e a eficácia do fármaco apenas justificava o seu uso em prematuros – que representam cerca de 8% dos recém-nascidos –, e em lactentes com cardiopatia congénita, displasia broncopulmonar e doença pulmonar crónica. Mesmo que seja aparentemente um lote minoritário de pacientes, os valores são muito significativos.
Por exemplo, nos Estados Unidos, a farmacêutica Sobi – que tem o monopólio do palivizumab nos Estados Unidos, bem como interesses comerciais para o novo anticorpo (nirsevimab) – facturou no ano passado quase 302 milhões de euros apenas para este fármaco, uma subida de 32% face a 2021, de acordo com o seu relatório e contas.
Em Portugal, desconhece-se o número exacto de crianças a quem é administrado o palivizumab nem se sabe o preço médio de cada tratamento, mas a norma da DGS em vigor recomenda o fármaco apenas a bebés com comorbilidades específicas graves. Por agora, o negócio para este medicamento em concreto não é muito chorudo. Pela consulta dos contratos no Portal Base, desde 2008 foram comprados 9,1 milhões de euros deste anticorpo monoclonal, sendo que em 2014 se registou o maior gasto: quase 2,2 milhões de euros. No ano passado despendeu-se 713 mil euros – mesmo se houve supostamente surtos graves – e este ano já se investiu 185 mil euros.
As campanhas de marketing da Sanofi incluem produção de eventos pagos a grupos de media para promoção da prevenção contra o RSV, ou seja, de promoção de um medicamento desta farmacêutica. Os eventos têm cobertura noticiosa (travestida de conteúdo comercial), um deles contando mesmo com a presença do CEO da Impresa.
Mas entretanto, surgiu a pandemia da covid-19 e, embora num a primeira fase a gripe e outras infecções respiratórias tenham ficado em segundo plano por algum tempo – por força de uma menor prevalência dos outros microorganismos, em parte também pelas restrições físicas –, as farmacêuticas viram na hipersensibilização pública uma excelente janela de oportunidades para aumentar o negócio.
Daí que sobretudo a partir de 2021, as infecções causadas pelo VSR tenha sido catapultadas para um patamar de gravidade inimaginável. Assim, sobretudo a partir de finais de 2021 – e também depois de se anunciarem ensaios para vacinas por parte da GlaxoSmithKline, Pfizer e Moderna –, o interesse noticioso pelo VSR aumentou significativamente. E daí até se “falar” da premente necessidade de se fazer imunoprofilaxia a todos os bebés foi um passo.
Para se ter uma melhor percepção dessa mudança, vejam-se as notícias do Público sobre o RSV. Entre os anos de 2010 e 2020 encontram-se apenas três notícias sobre o VSR, sendo que apenas uma aborda especificamente este vírus. No entanto, o foco estava equilibrado: destacava-se um estudo que comprovava ser a síndrome de Down um factor de risco, tal como sucedia “nas crianças potencialmente vulneráveis, isto é, os bebés prematuros ou com doenças crónicas, em especial do foro cardíaco”.
No Expresso, os conteúdos pagos pela Sanofi foram escritos por jornalistas, apesar de ser proibido pelo Estatuto dos Jornalistas. Mas, além do conteúdos pagos, proliferaram, a partir sobretudo do final de 2021, as notícias (com suposta independência editorial) sobre a gravidade do VSR. Uma coincidência.
A esta notícia do longínquo dia 21 de Março de 2010, junta-se outra de 28 de Fevereiro de 2012, sobre as mortes acima do esperado então detectadas. O então director-geral da Saúde, Francisco George garantia, como porta-voz dos “especialistas”, que não havia razões para alarme, informando que, além da estirpe da gripe que estava a circular ser a A (H3N2), mais letal para os idosos e mais vulneráveis, havia ainda outros vírus em circulação, apontando especificamente “o coronavírus [não o SARS-CoV-2, obviamente], o adenovírus, o metapneumovírus e o vírus sincicial respiratório”.
A terceira notícia sobre VSR em 11 anos saiu em 14 de Janeiro de 2020, poucos meses antes do surgimento da covid-19 em Portugal. Porém, o foco era a habitual gripe.
Foi já em finais de 2021, estando a covid-19 ainda omnipresente, mas após um anormal pico fora de época de doenças associadas ao VSR em pleno Verão, disparou uma “epidemia de notícias” sobre o tema na generalidade da imprensa. Por coincidência – ou não – vieram com o surgimento de conteúdos comerciais à boleia de uma conferência na Culturgest, em Lisboa, organizada em 20 de Novembro desse ano pela AstraZeneca sobre, claro, o VSR. Tanto a AstraZeneca como a Sanofi estavam numa corrida contra o tempo para obterem a autorização da Agência Europeia do Medicamento (ENA) antes das vacinas desenvolvidas pela concorrência.
Conteúdo pago pela Sanofi em Abril deste ano, apresentando o VSR como “uma ameaça à saúde dos mais novos”. Não era referido especificamente o niservimab (comercializado pela Sanofi), mas surgia o pediatra Luís Varandas a falar de que “há um novo anticorpo monoclonal, já autorizado pela Agência Europeia de Medicamentos, de administração única, a recém-nascidos e lactentes, no início da estação do VSR”. A Sociedade Portuguesa de Pediatria fez entretanto lobby a favor desse anticorpo monoclonal.
Nos meses seguintes, e ao longo de 2022, a AstraZeneca seria substituída pela sua parceira Sanofi na promoção do debate em redor do VSR, tanto no Público como no Expresso. Esses eventos tiveram sempre a participação de diligentes médicos, membros de sociedades médicas, investigadores e também associações, destacando-se a Associação Portuguesa de Economia da Saúde e a Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro. Esta segunda associação recebeu no ano passado da AstraZeneca um apoio de 12.000 euros para as suas actividades, conforme se observa no Portal da Transparência do Infarmed.
Em paralelo, a Sanofi criou um think tank com médicos que se destacaram mediaticamente, como é o caso de Ricardo Mexia, antigo presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública e actual presidente da Junta de Freguesia do Lumiar.
O ano de 2022 teve efectivamente um boom de notícias sobre VSR em toda a imprensa portuguesa e mundial. Em Portugal, registam-se 14 no Diário de Notícias, no Observador 12, na CNN Portugal 22, e no Expresso aparecem 25 notícias, se incluirmos os conteúdos comerciais denominados Projetos Expressos – que são escritos por jornalistas isentos de processos disciplinares por esses actos pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.
Aliás, nesses eventos – apresentados como parcerias – nunca se assume que se trata de uma prestação de serviços do Expresso nem se informa os leitores que a Sanofi pagou todo o evento e que existe a obrigação de acompanhamento mediático. A farmacêutica também não coloca o valor que paga por esta operação de marketing – que indirectamente promove um seu medicamento – no Portal da Transparência do Infarmed. Os reguladores – tanto da imprensa (ERC) como das farmacêuticas (Infarmed) fecham os olhos. Aliás, o presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, já participou em eventos do Expresso patrocinados por farmacêuticas. E não foi apenas em um, isolado. Nem em dois. Esteve bem presente, pelo menos, em três.
Numa dessas conferências sobre RSV feitas pelo Expresso, em Novembro do ano passado, coberto para a edição semanal em papel do jornal, diz-se que “o Expresso associou-se à Sanofi para promover um debate sobre os principais vírus respiratórios que afetam as crianças, nomeadamente o vírus sincicial respiratório (RSV), que é responsável por 285 internamentos – desde outubro do ano passado até agora – e que pode causar doença respiratória grave nas crianças”.
Note-se que nessa altura já a AstraZeneca e a Sanofi tinham alcançado a aprovação do niservimab pela Agência Europeia do Medicamento, e o evento, grandioso, contou com a presença do próprio CEO da Impresa, Francisco Pedro Balsemão, e a moderação da jornalista da SIC Ana Patrícia Carvalho e até da apresentadora Carolina Patrocínio. A directora-geral da Sanofi prometia então, em declarações ao Expresso, ir “trabalhar com as autoridades portuguesas e com a DGS para que seja possível percebermos a necessidade e a possibilidade de fazermos uma imunização para o RSV”.
Conteúdos comerciais da Sanofi no Público sobre RSV também houve. E também muitas notícias. Só durante o ano passado foram 15 – e para que não se diga que se atirou um número ao calhas, aqui seguem os títulos e ligações:
Helena Freitas, director-geral da Sanofi em Portugal. Eventos pagos a grupos de media têm sido excelentes formas de marketing para estabelecer contactos com a imprensa, médicos e até reguladores, como o Infarmed.
Se considerarmos as notícias que saíram no Público desde a aprovação do niservimab (da AstraZeneca, Sanofi e Sobi) pela Agência Europeia do Medicamento – ou seja, nos últimos sete meses –, contam-se então 19 artigos, considerando os seguintes oito já publicados ao longo dos primeiros cinco meses de 2023:
Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, tem participado em diversos eventos pagos pelas farmacêuticas ao Expresso, como em Maio do ano passado, numa conferência promovida pela GlaxoSmithKline.
Em abono da verdade, a notícia de primeira página do Público da semana passada era a sequência de um take da Lusa de 27 de Março – disseminado, como convém, pela generalidade de imprensa mainstream –, onde se anunciava que “um grupo de especialistas de diversas áreas alertou esta segunda-feira para a elevada carga em Portugal da infeção por Vírus Sincicial Respiratório (RSV), que provoca bronquiolites, defendendo que é preciso definir um método preventivo universal para todas as crianças.”
Toda esta parafernália noticiosa em redor da RSV foi sendo acompanhada pelos famigerados conteúdos comerciais. Discretos mas eficazes. E sem se ficar a saber os valores envolvidos, e sem também se ficar a saber se os contratos dispõem de cláusulas que obrigam os órgãos de comunicação social a fazer notícias para “manter a chama acesa”. Ou se o jornal mantém com notícias a “chama acesa” na esperança de serem contratados mais conteúdos comerciais da farmacêutica.
Conteúdos pagos do Público (e de outros media mainstream) são classificados como notícias pelo Google News.
Em todo o caso, o conteúdo comercial da Sanofi publicado pelo Público em finais de Abril deste ano merece uma análise cuidada. Primeiro, surge identificada como notícia no Google News. Depois, dá largas ao necessário alarmismo, usando o título: “Vírus sincicial respiratório – uma ameaça à saúde dos mais novos”.
No corpo do texto, num estilo completamente jornalístico – que induz a certeza de ter sido escrito por um actual ou antigo jornalista –, trata-se de se expor os supostos perigos críticos das doenças causadas pelo VSR em todos os bebés, e não apenas os prematuros ou com comorbilidades. Grande parte deste conteúdo comercial serviu também para divulgar os benefícios da rede de vigilância do VSR (VigiRSV), que passou a integrar 20 hospitais.
A divulgação por uma empresa farmacêutica da iniciativa de um instituto público (INSA) e de uma sociedade médica (Sociedade Portuguesa de Pediatria) para medir a incidência do RSV é mais do que óbvia: a Sanofi tinha um interesse directo em manter o tema como assunto, e sobretudo quantificando-o para assim ajudar a criar alarme social. Não por acaso, o INSA passou a divulgar, a partir do ano passado, os dados quantitativos da RSV juntamente com os da gripe – como se o grau de gravidade fosse semelhante. Aliás, muitos “especialistas”, alguns deles cronicamente associados a farmacêuticas, foram mesmo entranhando o VSR no contexto da covid-19.
Capa da edição de 4 de Novembro de 2022 do Diário de Notícias. O pneumologista Filipe Froes e outros médicos “colaram” o VSR à covid-19 e à gripe, tornando-o assim, artificialmente, um problema de Saúde Pública. Grande parte destes médicos têm fortes ligações à indústria farmacêutica.
Depois de Filipe Froes ter introduzido em Portugal a possibilidade de “uma pandemia tripla no Inverno” – covid-19, gripe e VSR, o que jamais ocorreu – , outros “opinion makers” da pandemia se juntaram, sempre colocando a VSR num nível de grave problema de Saúde Pública. Por exemplo, numa notícia da CNN Portugal em 29 de Novembro do ano passado, surgem a falar numa “epidemia tripla”, que incluiria o VSR, o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges, o investigador no Instituto de Medicina Molecular Miguel Castanho, o diretor do Centro Materno Infantil do Norte, Alberto Caldas Afonso, e ainda Bernardo Gomes.
Entre linhas, a publicidade encapotada. A notícia da CNN Portugal, escrita pela jornalista Daniela Costa Teixeira, dizia ainda que “para já, não há nenhum tratamento específico para a doença causada por este vírus, mas a Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla inglesa) deu luz verde à comercialização na União Europeia (UE) do fármaco Beyfortus para a prevenção da doença do trato respiratório inferior causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR).”
Além da publicidade por promoção de um fármaco, ainda por cima um erro crasso e grave: a notícia da CNN Portugal omite que o Beyfortus (o nome comercial do nirsevimab, da AstraZeneca, Sanofi e Sobi) não é o primeiro fármaco para prevenir as doenças associadas ao RSV; existe já o Synagis (o nome comercial do palivizumab).
Não é caso único nem se justifica por ignorância do jornalista – a ignorância no jornalismo não é aceitável. As notícias de “promoção” do VSR como problema grave de Saúde Pública e da “promoção” explícita ou implícita do nirsevimab como solução miraculosa e necessária para todos os bebés estão intimamente ligadas. No marketing farmacêutico não há coincidências. Ou então assistimos a dezenas largas de coincidências.
Notícias “favoráveis” associadas a contratos com os media para a realização de conteúdos comerciais e “eventos em parceria” passaram a ser, na verdade, peças fundamentais de marketing mascarado de publicidade. E melhor ainda se essa publicidade encapotada foi feita por médicos. Por exemplo, no texto da Sanofi de Abril passado inserido no Público como conteúdo comercial, consta o seguinte: “Mas, graças à evolução da ciência, é possível que nos cheguem boas notícias em breve, nomeadamente em termos de soluções para prevenir a doença. Segundo Luís Varandas, ‘há um novo anticorpo monoclonal, já autorizado pela Agência Europeia de Medicamentos, de administração única, a recém-nascidos e lactentes, no início da estação do VSR, e prosseguem estudos com vacinas para grávidas, com o objectivo de transmitir anticorpos ao bebé através da placenta, à semelhança do que já acontece com as vacinas contra a tosse convulsa, gripe e a Covid-19’.
Ora, nem mais: uma das “boas notícias em breve” é, segundo o pediatra Luís Varandas, o anticorpo monoclonal da AstraZeneca… e da própria Sanofi – que é quem paga o conteúdo comercial.
Mas até a chamada de primeira página da semana passada do Público sobre a elaboração de um parecer sobre o nirsevimab da Sociedade Portuguesa de Pediatria – enviado para a DGS aceitar a sua administração universal em bebés – tem água no bico.
Manuel Carvalho, director do Público, declarou por escrito ao PÁGINA UM que “o PÚBLICO e os seus jornalistas não se arrogam no direito de determinar se a administração de um medicamento, seja o nirsevimab ou qualquer outro, é cientificamente recomendada ou economicamente viável”, acrescentando que “na notícia em causa, o que se fez foi apenas noticiar que a Sociedade Portuguesa de Pediatria assumiu uma opção sobre essa questão através do envio de um parecer à DGS, no âmbito de um processo de avaliação que está em curso”. E ainda referiu que “a infecção por VSR tem, como é sabido, causado grande debate pelo elevado número de casos e de hospitalizações e, por isso, o facto de a EMA ter aprovado recentemente uma nova substância que previne a infecção, e de existir um processo de avaliação em Portugal garante a maior pertinência jornalística.”
E concluiu: “havendo posições contrárias proveniente de entidades ou personalidades credíveis, trataremos de as divulgar em nome de um debate público aberto e saudável.”
Ora, mas faltou ao Público – que refira-se, novamente, tem recebido dinheiro da Sanofi para promover o RSV como questão premente de Saúde Pública e em consequência o niservimab – informar os leitores sobre as relações comerciais entre a Sociedade Portuguesa de Pediatria e a Sanofi. E acrescentar que se intensificaram muito. E que isso até se vê numa base de dados pública: o Portal da Transparência.
Vejamos então. Em 2017, por diversos eventos, a Sanofi concedeu 21.500 euros à Sociedade Portuguesa de Pediatria, e suas “subsecções”, valor que desceu cerca de 3.000 euros em cada um dos anos de 2018 e 2019. No ano da pandemia aumentou para 23.520 euros e situou-se nos 19.602 euros em 2021. No ano passado – já em pleno funcionamento da rede de vigilância da infecção pelo RSV (VigiRSV), promovida pela Sociedade Portuguesa de Pediatria e o Instituto Nacional de Saúde (INSA), ferramenta vital para manter mediaticamente o tema em ebulição –, o fluxo financeiro da Sanofi para esta sociedade médica subiu para os 108.461 euros, o valor mais elevado de uma farmacêutica num só ano a esta associação presidida pela pediatra Inês Azevedo.
De uma forma directa, nem a Sanofi (nem a AstraZeneca) financiam a VigiRSV – pelo menos nada consta no Portal da Transparência do Infarmed –, mas a farmacêutica francesa decidiu fazer generosos donativos à SPP para os seus congressos: no de 2021 foram 27.382 euros; no de 2022 mais 58.254 euros.
Neste último caso estamos perante o mais elevado patrocínio individual, desde 2013 (ano em que começaram os registos na plataforma do Infarmed), recebido pela Sociedade Portuguesa de Pediatria, que tem como outros importantes financiadores a Pfizer, que este ano já transferiu cerca de 54 mil euros. A AstraZeneca, que não tem ingerência na comercialização do novo fármaco, deu apenas 6.000 euros à Sociedade Portuguesa de Pediatria para ter um stand no congresso do ano passado.
Inês Azevedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria, em Outubro do ano passado, no congresso desta agremiação de médicos. A Sanofi concedeu um patrocínio directo de 58.254 euros. No total, ao longo de 2022, a farmacêutica francesa deu um apoio total superior a 108 mil euros.
Uma coisa é certa: se estas promiscuidades envolvendo imprensa, sociedades médicas (e médicos) sucedem com todo este esplendor – e sem denúncia pela própria comunicação social que dela agora está a beneficiar –, imagine-se noutros países de maior dimensão e poder económico.
No caso específico do niservimab, e de acordo com a Airfinity, garantir a administração deste fármaco a todas as crianças é um negócio verdadeiramente apetecível. Como o preço estimado será de cerca de 280 euros por criança na Europa (e 600 euros nos Estados Unidos), só em Portugal estamos a falar de mais de 22 milhões de euros por ano, considerando o nascimento de cerca de 80 mil bebés anualmente.
A Airfinity previu, aliás, uma receita potencial para a AstraZeneca e a Sanofi da ordem dos 1,1 mil milhões de dólares por conseguir a aprovação da imunoprofilaxia contra o VSR antes da concorrência.
Sanofi e AstraZeneca procuram vantagem de serem os primeiros a tentar convencer Governos a administrarem imunoprofilaxia contra o VSR a todos os recém-nascidos, e não apenas aos grupos de risco como sucedia com o primeiro anticorpo monoclonal.
No comunicado desta consultora, em vésperas da aprovação do nirsevimab pela Agência Europeia do Medicamento, citava-se mesmo um analista em ciências biológicas, Sam Campbell, que informava das vantagens em ser a primeira empresa a entrar no mercado, e que a concorrência, quando apresentasse os seus fármacos, teriam de apresentar já uma “vantagem significativa em termos de preço, logística ou eficácia”.
Por tudo isto se compreende como a imprensa mainstream não parou de falar de RSV enquanto a Sanofi e a Astrazeneca (e, de uma forma secundária, a Sobi) trabalhavam na aprovação do medicamento e implementavam uma forte campanha de marketing, envolvendo médicos e a Sociedade Portuguesa de Pediatria.
O primeiro que se levanta, abre o cofre. Sempre foi este o lema das farmacêuticas. Mas, agora, com as sociedade médicas e sobretudo a imprensa a escovarem as ditas pantufas…
Esta notícia foi objecto de um direito de resposta publicado a 26 de Outubro de 2023 por determinação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, cujo texto pode ser lido aqui.
Portugal é um país de mitos, não fosse ter mais de oito séculos. Ainda mais que, por mares nunca dantes navegados, andou a tentar convencer meio-Mundo de que éramos fantásticos, e com essas mentiras, muitos convencemos, e até nos convencemos, a nós próprios, até que, de facto, de tempos em tempos, até fomos fantásticos.
Por exemplo, o mito da saudade, estado de espíritos que os portugueses inculcaram ser apenas deles. Há o mito de D. Sebastião, desaparecido em combate em Alcácer-Quibir, mas que, Encoberto, surgiria por fim, numa madrugada de nevoeiros, para tornar Portugal no V Império, sucessor dos antigos impérios da Babilónia, da Pérsia, da Grécia e de Roma. Ou outro qualquer rei, enfim.
Há o mito que somos um país de brandos costumes, mas matámos e esquartejámos como os demais. E parece que ainda sucede o mesmo, agora, por vezes. Há ainda o mito de de sermos um país de vocação florestal, mas Portugal andou de charneca em charneca durante séculos, só viu crescer floresta desde o final da Monarquia até ao final dos anos 70 do século passado, e tem a partir daí se transformado de pira de lenha em pira de lenha…
E depois, por fim, temos o mito de o Benfica, quando campeão de futebol, catapultar a nossa Economia, arremessar pelos ares o nosso Produto Interno Bruto (PIB).
Bem sabe o PÁGINA UM que, antes de nós, outros almejaram escrutinar esse mito. Por exemplo, em 2019 o Expresso e o Jornal Económico abordaram o mito, e consideraram ser suficiente começar a análise desde o ano de 1994, a partir dos dados do Instituto Nacional de Estatística e do Pordata.
Até podendo haver também o mito de que a imprensa mainstream chega onde os jornais independentes de pequena dimensão nem sonham, deixemos isto para outras núpcias. Foquemo-nos apenas num facto. Pode começar-se por uma série mais longa: mesmo mais longa do que a usada em 2014 pelo site Poupar Melhor – que fez a análise ao mito do Benfica vs. PIB, usando o Banco Mundial.
Ora, pode e deve-se ir mais longe, porque, na verdade, existem dados mais antigos, pelo menos nos relatórios das séries longas do INE e do Banco de Portugal. Com mais tempo, talvez até fosse possível desencantar, dos calhamaços do INE, este indicador económico desde a época de 1934-1935, se considerássemos a prova equivalente à actual Primeira Liga.
E, assim fizemos, “confrontámos” o desempenho do PIB do ano económico – em termos percentuais, calculado a nível per capita, para eliminar variações demográficas – com o vencedor do campeonato à última jornada em cada Primavera.
Confessemos: talvez Expresso e o Jornal Económico não tenham desejado analisar uma série mais longa, entrando pelo Estado Novo adentro e atravessando os primeiros anos da Democracia por laivos de pudor: é que uma coisa é brincar ao mito das vitórias do Benfica servirem para a Economia celebrar, outra é envergonhar o nosso regime com o do Salazar ou do Marcelo Caetano.
Na verdade, esqueçam quem foi campeão a partir de 1954 até ao fim do Estado Novo: aquilo que mais ressalta nesses 20 anos é o triste facto de nos tempos de Salazar e Marcelo, o Caetano, não ter ocorrido um miserável ano em recessão. Todos os anos tiveram crescimentos positivos. E bem positivos, hélas. Ao invés, em 50 anos de Democracia – e contando ser positivo aquele que está curso – já contamos com 11 anos em recessão: logo os três primeiros em Democracia (1974, 1975 e 1976), 1984, 1993, 2003, 2009, mais o triénio 2011-2013 e 2020.
Para piorar – ou melhor, para envergonhar o nosso actual regime (a Democracia, que deveria dar uma “cabazada” ao raio da Ditadura), ou melhor dizendo, os políticos que todos os anos nos pespegam cravos na lapela sem assumirem que Liberdade deveria conjugar com desenvolvimento decente –, também fomos analisar, já agora, quais foram os anos do top 10 económicos.
Enfim, os quatro primeiros foram todos no Estado Novo: 1965 e 1972 (+9,9%, cada), 1962 (+9,4%), 1970 (+8,3%); e só depois surgem dois anos de Democracia: 1987 e 2022 (ambos com 6,8%, sendo que este sucedeu ao ano de pior recessão, o de 2021). Antes dos anos de 1988 (+6,5), 1990 (6,4%) e 1989 (+5,9%), ainda se intromete neste top 10 mais um ano de Ditadura: 1971 (+6,7%).
Escusado se mostraria dizer, por já se ter dito não haver anos de recessão entre 1954 e 1973, que todos os anos de recessão foram em Democracia.
Mas esqueçamos – quer dizer, não deveríamos esquecer; pelo contrário, sem qualquer espécie de saudosismo pelos tempos da Outra Senhora, deveríamos questionar mais os políticos sobre tão fraca performance em Liberdade – os regimes e foquemo-nos no essencial (enfim!) desta análise.
Convém salientar que, como será do conhecimento quase geral, sobretudo o Benfica dominou o futebol na parte final do Estado Novo: nos 20 últimos anos (épocas futebolísticas), as águias – que venceram até duas Taças dos Campeões Europeus e perderam outras tantas finais – conquistaram 13 campeonatos nacionais, restando cinco para o Sporting e dois para o Porto.
Crescimento anual (%) do PIB per capita desde 1954 (até 2022, assumindo-se que 2023 será positivo) com indicação do clube que venceu a época no ano. Vermelho: Benfica; Azul: Porto; Verde: Sporting: Negro: Boavista. Fonte: Liga Portuguesa de Futebol Profissional (vencedores dos campeonatos); INE e Banco de Portugal (dados do PIB).
Em todo o caso, em termos relativos, o Sporting ”conseguiu” dois campeonatos em dois dos melhores anos de crescimento do PIB (1962, com 9,4%; e 8,3%, em 1970). Já o Benfica, teve um “desempenho” muito diversificado: tanto ganhou campeonatos em anos de extraordinário crescimento do PIB (1965 e 1972, ambos com 9,9%) como venceu, no período em análise, naquele que foi o ano de menor desempenho do Estado Novo (1963, com apenas +1,1%).
Quanto ao Porto, no período do Estado Novo, as suas vitórias ocorreram num clima económico sem grande fulgor: em 1956, com o PIB a crescer 3,4%, e em 1959, com 2,9%.
Como também se sabe, o Porto acabou a dominar o futebol português a partir de finais dos anos 70. Entre 1978 e 2013, o clube nortenho venceu 22 campeonatos em 36 possíveis, restando nove ao Benfica, quatro ao Sporting e um ao Boavista. Depois de 2013, o Benfica tem sobressaído novamente, com seis campeonatos em 10 possíveis.
Obviamente que seria ridículo associar as vitórias do Porto ao fulgor económico do país, mas pode-se sempre dizer que o clube de Pinto da Costa – na verdade, o actual presidente dirige os seus destinos desde 1982 – acaba associado às crises.
As estatísticas são o que são, e contra esses “factos”, enfim, só se podem apresentar – e relativizar, claro.
De facto, se considerarmos o período da Democracia, o Porto venceu 18 campeonatos com o PIB a crescer nesse ano, e ergueu a taça sete vezes com o PIB a decrescer. Contas feitas, 72% das vitórias em ano de, digamos assim, vacas a engordar.
Este desempenho confronta com desempenhos bem mais favoráveis – e coincidentemente semelhantes – do Benfica e do Sporting, pois ambos conquistaram 83% dos seus campeonatos em regime democrático com o PIB a subir. No caso do clube da Luz foram 15 campeonatos em “alta” económica (assumindo já o PIB positivo em 2023) e apenas três em anos de recessão, enquanto os sportinguistas apenas tiveram um dos seus cinco campeonatos em regime democrático em ano de descida do PIB. Já agora, no ano em que o Boavista foi campeão, em 2001, o PIB aumentou em 1,2% – pouco, mas positivo.
Se considerarmos todo o período em análise (desde 1954), verifica-se que, qualquer que seja a causa, incluindo ser um acaso, o ano económico tem uma “probabilidade” de ser menos favorável quando o Porto é campeão. De facto, em 27 campeonatos conquistados neste período (70 anos), sete ocorreram em recessão, ou seja, 16%.
Quanto ao Benfica, em 28 campeonatos apenas registou três com queda do PIB,o que representa praticamente 10%.
Analisando um passado mais recente, observa-se também que os anos económicos melhorzinhos estão mais associados ao Benfica campeão: os últimos sete campeonatos vitoriosos do clube da Luz (2010, 2014, 2015, 2016, 2017, 2019 e 2023) coincidiram com anos de PIB positivo. Ao invés, nos últimos sete campeonatos do Porto (2009, 2011, 2012, 2013, 2018, 2020 e 2022), apenas dois (2018 e 2022) coincidiram com anos de PIB a crescer.
Isto poderia significar que, então sim, o Benfica faz crescer mais o PIB do que o Porto. Se assim fosse – e se houvesse uma correlação sem ser espúria –, então melhor ainda seria o Sporting ser mais vezes campeão, porque em 11 campeonatos ganhos desde 1954, apenas em um ano houve recessão: por ironia, no primeiro ano da nossa Democracia, em 1974.
N.D. Como salientado desde a fundação do PÁGINA UM, constando no Código de Transparência, assumo-me como adepto e sócio do Benfica, desde 2000. Nunca essa apetência clubística “cegou” a minha objectividade, e “pelo-me” pelo dia em que me apresentem provas concretas para poder escrever algo desfavorável (desde que verídico, obviamente) para o clube ou a administração da SAD. Pedro Almeida Vieira
Nos últimos quatro anos, a Parque Escolar – escolhida agora para dinamizar a habitação pública – não mostrava contas e nem se incomodava com críticas dos partidos da oposição nem com notícias da imprensa. O PÁGINA UM meteu um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa no passado dia 8. Esta semana, os Ministérios das Finanças e da Educação apressaram-se a aprovar os relatórios de 2019, 2020 e 2021. E prometem para breve o de 2022. Para já, ficou-se a saber que a dívida total ascende aos 1.213 milhões de euros, e há ainda um conjunto de anomalias contabilísticas detectadas pelo auditor.
A Parque Escolar – a empresa estatal que, em breve, ficará com a função de construção pública, mudando mesmo de denominação – colocou esta tarde os relatórios e contas de 2019, 2020 e 2021 no seu site. Esta decisão vem no seguimento de uma intimação apresentada no mês passado pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa.
A administração desta empresa – que passará a denominar-se Construção Pública, tendo o diploma da sua reestruturação sido promulgado pelo Presidente da República na semana passada – remeteu também ao PÁGINA UM os ofícios enviados à tutela com as contas dos exercícios a partir de 2019, para aprovação, mas que estavam “engavetados”.
De acordo com as datas desses ofícios, agora na posse do PÁGINA UM, o relatório de 2019 estava na posse da Secretaria de Estado do Tesouro e do Ministério da Educação desde Novembro de 2020, o relatório de 2020 desde Maio de 2021 e o relatório de 2021 desde Maio de 2022.
No que diz respeito ao relatório e contas do ano passado, em ofício enviado esta tarde ao PÁGINA UM, a secretária-geral da Parque Escolar, Alexandra Viana Ribeiro, diz que “ainda não se encontra concluído, designadamente por aguardar o parecer do conselho fiscal (…) e a respetiva aprovação pelas tutelas”, prometendo o seu envio posteriormente.
Este é, para já, o corolário de mais uma vitória do PÁGINA UM em prol da transparência da Administração Pública, uma vez que a Parque Escolar, que passará a assumir funções de promoção de habitação pública, tinha o ano de 2018 como o último com contas aprovadas e disponibilizadas.
João Costa, ministro da Educação, em Maio do ano passado prometeu que divulgaria as contas de 2019, 2020 e 2021 da Parque Escolar “brevemente”. Só com a intimação do PÁGINA UM se apressou, com Fernando Medina, a aprová-las e divulgar no site da empresa pública.
E, mesmo assim, este relatório de 2018, bem como os dos anos de 2016 e 2017, apenas foram publicados em Março do ano passado, o que suscitou então questões da Iniciativa Liberal junto do Ministério das Finanças, que tutela a empresa pública. Segundo informações avançadas na altura pelo Jornal de Negócios, a dívida da empresa em 2021 seria de 981,7 milhões de euros.
Contudo, na verdade, e de acordo com análise rápida do PÁGINA UM, a dívida é bem superior. O passivo corrente – com previsão de pagamento em menos de 12 meses – era então de 151,7 milhões de euros, mas o passivo não corrente ascendia aos 1.061,4 milhões de euros. No total, o passivo total situava-se nos 1.214,1 milhões de euros, um pouco mais de 232 milhões do que o valor apontado pelo Jornal de Negócios.
O aumento da dívida acaba por relativizar os resultados líquidos positivos, até porque os activos da Parque Escolar beneficiaram bastante pelo aumento de capital estatutário no valor de cerca de 342,5 milhões de euros por incorporação de 138 escolas e por conversão de um empréstimo da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, após dação em cumprimento do Palácio Valadares, no Largo do Carmo, em Lisboa.
Um dos aspectos mais relevantes dos relatórios e contas, agora disponibilizados e que estará na base do atraso de anos na sua divulgação, prende-se com as reservas feitas pelo auditor das demonstrações financeiras, a cargo da Grant Thornton.
Por exemplo, no relatório de 2019 – que somente agora vê a luz do dia, após a intervenção do PÁGINA UM –, o auditor critica a forma de cálculos das depreciações das propriedades de investimento (que incluem escolas), que além do mais, em diversas obras em curso, não tiveram ainda os terrenos transmitidos para a empresa pública, nem foram “objecto de avaliação por peritos independentes”.
Também é considerado que os cerca de 37 milhões de euros de provisões – devidos a processos judiciais em curso – podem não ser suficientes.
Requerimento do advogado da Parque Escolar onde elenca a cronologia da aprovação das contas pela tutela após a intimação do PÁGINA UM.
Mais grave ainda é o alerta transmitido pelo auditor de que “na realização de diversos concursos públicos, verificou-se que houve concertação de preços entre as empresas fornecedoras de monoblocos, no que respeita ao preço de transporte, montagem, aluguer e desmontagem dos mesmos, durante as várias fases de realização das obras”.
A Grant Thornton escreveu então que “esta situação originou gastos adicionais (…), cujo montante total não foi, ainda, possível de quantificar.”
Outra situação irregular passa-se com o mobiliário escolar e sobretudo com o equipamento informático. O auditor salienta que “não foram objecto de inventariação física”, acrescentando que, desse modo, “não podemos concluir, na presente data, sobre a existência de todos os bens e, consequentemente, do respectivo valor registado no balanço”.
Os alertas de desconformidades mantiveram-se no relatório de 2020 e 2021, praticamente nos mesmos moldes.
Saliente-se que depois de se recusar tacitamente a disponibilizar os documentos solicitados, a Parque Escolar acabou por optar por satisfazer o pedido antes de ser obrigado por sentença judicial.
Em requerimento hoje apresentado no Tribunal Administativo de Lisboa, o advogado da empresa pública diz que “nada disse [ao PÁGINA Um], apenas e só, porque alguns documentos solicitados (…) não estavam finalizados (…), porquanto faltava a aprovação dos relatórios e contas pela tutela para concluir os processos.”
Na verdade, ao juiz do processo a Parque Escolar admite mesmo que o relatório e contas de 2019 foi apenas aprovado pela tutela na passada segunda-feira, enquanto os relativos a 2020 e 2021 acabaram sendo aprovados hoje, dia 25 de Maio.
Apesar deste contra-relógio, a Parque Escolar deverá vir a ser condenada pelo tribunal ao pagamento das custas, uma vez que não respondeu favoravelmente antes da entrada da intimação do PÁGINA UM. O montante das custas gastas pelo PÁGINA UM serão aplicadas em similares processos de intimação por não divulgação de documentos públicos, através do seu FUNDO JURÍDICO.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.
As manifestações globais começam a viralizar, mas também são alvo de ataques na imprensa mainstream, que acusa os seus promotores de serem o “braço” popular de grupos de direita conservadora e mesmo de extrema-direita, congregando também anti-vacinas e teóricos da conspiração. Será assim? O PÁGINA UM apresenta os perfis dos 11 principais promotores do Reignite Freedom, um dos movimentos mais dinâmicos, e que organizou este sábado uma manifestação em Lisboa por causa da reunião do Clube de Bilderberg.
“We are many, we are united, we are ready” [nós somos muitos, nós estamos unidos; nós estamos prontos] – este é o lema da manifestação de protesto do movimento Reignite Freedom que hoje se realiza em Lisboa, integrado num movimento mais alargado, o Global Walkout, nascido no ano passado protagonizado pela activista australiana Monica Smit.
Não é um acaso o momento e local desta manifestação na capital portuguesa por parte daqueles que alertam para os perigos da globalização e da concentração de poder em elites políticas e financeiras, e que considerando mesmo que o The Great Reset, defendido em 2020 pelo World Economic Forum, tem propósitos malévolos.
Hotel Pestana, em Lisboa, onde se reúne este fim-de-semana o Clube de Bildeberg.
Nos próximos três dias, o Hotel Pestana Palace, em Lisboa, será o palco da reunião anual do Clube de Bilderberg, uma espécie de fórum (mais ou menos) secreto e agendas de similar calibre, e que constitui um alvo sempre apetecível dos movimentos anti-globalização.
Embora os objectivos formais do Reignite Freedom sejam apenas ideologicamente anti-globalização – no sentido de considerarem a sua missão como de “reacção global unificada e estratégica contra a agenda globalista, garantindo que mantém a liberdade individual e colectiva”, conforme consta no seu site –, a imprensa mainstream não tem sido favorável às manifestações antiglobalização.
Na generalidade, surgem coladas às ideologias de extrema-direita, de negacionistas da pandemia e mesmo a teóricos da conspiração. E isto quando não simplesmente ignoradas, com a completa ausência de cobertura.
Por isso, sobre o movimento Reignite Freedom, o PÁGINA UM decidiu traçar o perfil das 11 personalidades que constituem a sua “equipa de lançamento”, onde desponta como figura maior o advogado John F. Kennedy, durante anos um destacado e reconhecido activista ambiental, e agora candidato nas primárias do Partido Democrata às eleições norte-americanas, mas que caiu em desgraça na imprensa mainstream durante a pandemia.
ROBERT F. KENNEDY JR
Sobrinho do antigo presidente norte-americano John F. Kennedy, o agora candidato pelo Partido Democrata às presidenciais norte-americanas de 2024 tem um longo historial como activista ambiental, destacando-se como advogado do poderoso National Resources Defense Council, uma organização não-governamenal ecologista com cerca de 2,5 milhões de membros.
Defensor da “liberdade de escolha médica”, Robert F. Kennedy fundou a Children’s Health Defense (CHD), uma organização sem fins-lucrativos que se destacou pela contestação ao uso de timesoral (contendo mercúrio) em vacinas por alegadamente estar associado a autismo, doença de Alzheimer e esclerose múltipla, entre outras doenças. Apesar de garantir a segurança dessa substância, as autoridades norte-americanas retiraram o seu uso na generalidade das vacinas. No entanto, estas posições justificaram-lhe o rótulo de anti-vacinas, sobretudo quando colocou questões sobre a segurança das vacinas contra a covid-19.
Aliás, no passado dia 24 de Março, Kennedy, juntamente com a Children’s Health Defense, avançou com uma “acção legal colectiva” contra o presidente norte-americano Joe Biden, o virologista Anthony Fauci e outros responsáveis de topo da actual Administração, acusando-os de encetar uma “campanha concertada para que as três principais redes sociais nacionais censurassem discurso protegido constitucionalmente”.
Candidato às primárias do Partido Democrata para as eleições para a Presidência dos Estados Unidos em 2024, Robert Kennedy Jr não tem tido a vida facilitada nas redes sociais: em Agosto do ano passado as suas contas de Instagram e de Facebook foram eliminadas por ter alegadas violações às regras “da política de desinformação” sobre a covid-19.
Porém, mantém-se bastante activo no Twitter, rede onde conta mais de 1,3 milhões de seguidores.
Quando o movimento organizador do protesto de sábado foi lançado, o sobrinho do antigo presidente norte-americano John F. Kennedy foi, desde logo, uma das principais figuras a dar a cara pelo projecto, e está prevista a leitura de uma sua mensagem.
MONICA SMIT
Líder do movimento “Reignite Freedom”, a activista australiana de 34 anos surge como o rosto mais activo e está presente na manifestação em Lisboa.
Durante a pandemia de covid-19, perante as duras restrições impostas pelo Governo australiano, Smit fundou a Reignite Democracy Australia (RDA), uma organização que, segundo consta na página oficial, “visa a manutenção da liberdade individual e colectiva”. Entre as suas reivindicações, está a “abolição da censura” e da “tirania médica”.
A cobertura mediática de Smit não lhe tem sido nada favorável: a propósito de um vídeo que a activista publicou esta semana nas redes sociais, no qual pedia donativos financeiros para a sua associação por estar alegadamente à beira da falência, foi ridicularizada por vários jornais, incluindo o britânico Daily Mail.
Apelidada habitual e insistentemente como “anti-vacinas”, Monica Smit está já habituada a um tratamento hostil. No Verão de 2021 foi alvo de acusações criminais – que lhe seriam retiradas em Julho do ano passado – por ter promovido manifestações contra o confinamento, e chegou mesmo a ser detida durante 22 dias.
A activista foi novamente acusada por incumprimento das ordens da autoridade de saúde de Melbourne em 2021, motivo que a levou novamente ao tribunal em Dezembro do ano passado. Smit contra-atacou, dizendo ser sua intenção processar as autoridades pela sua detenção.
De acordo com a sua página de LinkedIn, e antes de ter fundado a sua organização, Smit trabalhava como jornalista independente, desde Fevereiro de 2018, tendo viajado durante esse período para os Estados Unidos, Canadá, Equador, Honduras e Guatemala.
Sem qualquer indicação de formação académica nessa rede social, Monica Smit refere experiências profissionais anteriores no ramo imobiliário e de publicidade.
ROBERT MALONE
Conhecido virologista e imunologista norte-americano, devido ao seu papel pioneiro no desenvolvimento da tecnologia de mRNA, Robert Malone, agora com 63 anos, foi um dos nomes mais credíveis no mundo da Ciência a criticar a vacinação contra a covid-19.
A sua posição crítica valeu-lhe, por um lado, o respeito pelos grupos que contestavam aquelas vacinas, mas por outro uma imprensa hostil que se apressou a desvalorizar as suas investigações e a desmentir a ideia, que o próprio proclamava, de ser ele o “inventor das vacinas de mRNA”.
Em Portugal, jornais como a Visão, o Polígrafo e o Observador publicaram artigos que contradiziam as afirmações de Malone e negavam a suposição de que ele teria sido uma figura central na criação desta nova espécie de vacinas.
Robert Malone
Se houve ou não paternidade, certo é que os trabalhos de Robert Malone foram indesmentivelmente uma das primeiras peças do “puzzle” da tecnologia mRNA aplicada nas vacinas contra a covid-19 da Pfizer e da Moderna. Na década de 1990, em conjunto com outros colegas, publicou um artigo que demonstrava como a injecção de RNA nos músculos produzia proteínas.
No entanto, como reportou o jornal New York Times no ano passado, Malone não foi o único, nem o principal autor do artigo científico. Na verdade, como o PÁGINA UM confirmou, o artigo em causa publicado na Science em 23 de Março de 1990, tem sete autores, sendo que Malone é o segundo, atrás de Jon A. Wolff, um geneticista falecido em Abril de 2020.
Além disso, embora a descoberta tenha sido cabal para o desenvolvimento das actuais vacinas de mRNA mensageiro, foram ainda necessários “aprimoramentos” ao longo de vários anos, nos quais Robert Malone já não participou.
Em todo o caso, durante a pandemia, as suas afirmações mais contundentes incidiram sobre os possíveis efeitos secundários da vacinação e à “toxicidade” da proteína spike, à relativização da gravidade da doença e à defesa do uso de ivermectina e hidroxicloroquina como formas de tratamento contra a covid-19.
Robert Malone, em Lisboa, numa tertúlia em Setembro de 2021, dinamizada pela Cidadania XXI.
No entanto, embora Malone tenha colaborado, ao longo da vida profissional, com a indústria farmacêutica, e estado até envolvido na pesquisa para a vacina do vírus Ébola e na terapêutica para o Zika, tem sido apelidado pela imprensa mainstream como anti-vacinas. Isto mesmo depois de Malone se ter vacinado em 2021, como assumiu num evento em Lisboa.
À boleia da covid-19, Robert Malone – que sempre garantiu não pertencer a nenhum partido político – começou a dar entrevistas em canais conservadores, sendo a sua aparição mais polémica ocorrido no conhecido podcast The Joe Rogan Experience, em Dezembro de 2021, episódio que acabaria por ser censurado pelo Youtube.
Tendo-se tornado num ‘activista’ assumido, soma mais de 300 mil seguidores na plataforma Substack, enquanto no Twitter está próximo de 1,1 milhões de seguidores.
MIKE YEADON
Em Março de 2021, a Reuters escreveu um artigo sobre Mike Yeadon intitulado “O ex-cientista da Pfizer que se tornou um herói anti-vacinas”. De facto, quando pesquisamos o seu nome no motor de busca do Google, a primeira página que aparece diz-nos que se trata de um “activista anti-vacinas britânico” e “farmacologista reformado”. Mas será mesmo assim?
Quando Michael Yeadon se pronunciou publicamente contra as medidas de contenção da pandemia, as suas declarações – na altura extremamente controversas – circularam na internet, dizendo-se que seriam do “vice-presidente da Pfizer”. No entanto, apesar de Yeadon ter, efectivamente, trabalhado durante vários anos naquela farmacêutica alemã, o cargo que alguns internautas lhe atribuíram nunca foi seu. Este cientista foi, na realidade, vice-presidente do departamento de investigação de alergias e doenças respiratórias daquela empresa entre 2006 e 2011.
Mike Yeadon
Fora da Pfizer, Michael Yeadon co-fundou e foi presidente da Ziarco, uma empresa de biotecnologia entretanto adquirida em 2017 pela farmacêutica suíça Novartis, num contrato inicialmente fechado por 325 milhões de dólares (cerca de 300 milhões de euros), mas que previa pagamentos suplementares em função de objectivos. O negócio acabou por ser um fiasco para a farmacêutica suíça, com um prejuízo de 485 milhões de dólares assumido em 2020, porque o fármaco desenvolvido pela Ziarco para o tratamento de eczema nunca obteve autorização de comercialização.
O prestígio de Yeadon foi também diminuindo, nos últimos três anos, por força da “classificação” pela imprensa mainstream de ser ele um “activista anti-vacinas”, após as suas críticas contra as medidas de combate à covid-19.
Em Outubro de 2020, este cientista chegou a defender que a pandemia no Reino Unido “tinha terminado” e que “não haveria uma segunda vaga de infecções”, pelo que as vacinas seriam desnecessárias. Estas declarações chegaram a ser alvo de uma análise do jornal português Polígrafo em Fevereiro de 2021, que lhe atribuiu a classificação de “pimenta na língua”.
Além de se pronunciar contra as máscaras e confinamentos, Yeadon pôs também em causa a segurança das vacinas contra a covid-19, alegando que poderiam provocar infertilidade nas mulheres.
PETER McCULLOUGH
Cardiologista norte-americano, aos 60 anos Peter McCullough tem um currículo extenso. Formado em 1984 em Ciência pela Universidade de Baylor, uma década depois completou um mestrado em Saúde Pública na Universidade do Michigan, onde estudou Epidemiologia.
Entre 2010 e 2013, McCullough ocupou cargos executivos no hospital St. John Providence, no Estado do Michigan, e, posteriormente, na especialidade de Medicina Interna do Centro Médico da Universidade de Baylor, no Texas, onde permaneceu até Fevereiro de 2021.
Depois, exerceu como cardiologista clínico na Heart Place, o maior grupo em prestação de cuidados cardiovasculares no norte do Texas. Desde Agosto passado, ocupa o cargo de director científico da The Wellness Company, sediada em Miami.
Peter McCullough
Tal como sucedeu com Robert Malone, devido às suas posições contrárias à gestão da pandemia, o cardiologista teve a sua conta do Twitter suspensa antes da compra por Elon Musk. Com a nova administração da rede social, a sua conta foi reactivada e McCullough tem já mais de 800 mil seguidores.
McCullough, que tem no seu perfil uma imagem onde se lê “Corageous Discourse [Discurso Corajoso]” não se tem, de facto, coibido, seja em entrevistas, conferências ou nas redes sociais, de manifestar as suas opiniões controversas em relação à vacinação contra a covid-19.
No início deste ano, esteve no programa (recentemente suspenso) de Tucker Carlson, no canal conservador Fox News, para falar do misterioso aumento de problemas do foro cardíaco entre jovens atletas. Foi, também entrevistado por Joe Rogan para o seu podcast, em Dezembro de 2021, e até pelo polémico Steve Bannon em Julho do ano passado.
O médico já esteve em Portugal, onde participou no Congresso Internacional sobre Gestão de Pandemias que ocorreu em Fátima em Outubro passado.
Conotado com o “populismo de extrema-direita”, o partido, do qual Anderson faz parte desde a sua fundação, há 10 anos, segue a linha habitualmente associada a este espectro ideológico: tendencialmente nacionalista, crítico da União Europeia, e apologista de restrições mais apertadas à imigração.
Em Dezembro de 2021, Anderson foi uma entre seis eurodeputados a sofrerem sanções do Parlamento Europeu (PE), por se ter recusado mostrar o certificado de vacinação contra a covid-19 para entrar na sede desta instituição. A penalização de Anderson não foi, contudo, das mais pesadas: apenas perdeu as regalias de parlamentar por dois dias.
Christine Anderson
Outro momento em que a conduta da eurodeputada destoou ocorreu em Novembro do ano passado, quando se recusou a denominar o regime de Vladimir Putin como “terrorista”. A resolução, considerada sobretudo um gesto simbólico, teve a aprovação da esmagadora maioria (um total 494), mas Anderson, ao lado de 57 outros eurodeputados, rejeitou atribuir aquela designação à Rússia, e votou contra. A eurodeputada e mais seis membros do seu partido foram os únicos políticos alemães a assumir esta posição.
No seu país, Anderson é figura polémica, somando controvérsias e sendo acusada de ser simpatizante do PEGIDA – sigla para “Patriotic Europeans Against the Islamization of the West” –, um movimento político conhecido pela sua hostilidade ao islamismo e à forte rejeição de refugiados e imigrantes.
Em Fevereiro deste ano, Christine Anderson chegou a ser, de forma indirecta, alvo de um comentário condenatório do primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau, que considerou que o Partido Conservador do Canadá “devia explicações” depois de três dos seus membros terem aparecido ao lado da eurodeputada alemã numa fotografia, que se tornaria viral.
JIMMY LEVY
Cantor norte-americano, inicialmente de gospel, agora com 25 anos, Jimmy Levy já era um influencer antes da sua participação na 18ª edição do programa American Idol, estreado em Fevereiro de 2020, lhe conferir maior visibilidade.
Depois da sua breve passagem pelo concurso televisivo, Jimmy Levy lançou duas músicas com uma forte mensagem de contestação, em parceria com o rapper Hi-Rez, intituladas “This is a War” e “Welcome to the Revolution”, esta última com uma evidente mensagem de alerta para a segurança das vacinas contra a covid-19. Juntas, as duas músicas somam mais de seis milhões de visualizações no Youtube.
Contudo, o Instagram é a rede social onde Levy tem um maior número de seguidores, totalizando mais de um milhão.
Jimmy Levy
Nas suas plataformas digitais, o jovem artista partilha frequentemente opiniões de cariz político, tendo já criticado, em várias ocasiões, a vacinação contra a covid-19, bem como outras medidas “progressistas”, como a sexualização das crianças.
Durante as eleições presidenciais do Brasil no início deste ano, Levy declarou-se um devoto apoiante de Jair Bolsonaro e condenou o tratamento que os manifestantes contra Lula da Silva receberam em Brasília. Na internet, circula uma fotografia sua com um chapéu em que se lê “Lula Ladrão seu lugar é na prisão”.
O músico chegou a encontrar-se com Bolsonaro, junto do qual tem fotografias e vídeos que partilhou nas redes sociais. A sua voz activa em defesa do antigo presidente brasileiro colocou-o na mira de alguns órgãos de comunicação brasileiros.
Judeu, diz ter sido salvo pela fé, depois de “múltiplas tentativas de suicídio” desde a sua adolescência. Nos últimos meses, começou a promover encontros de culto para “adorar Yeshua”, nos quais canta. Num recente episódio, chegou até a ser retido e expulso pela polícia.
MORGAN C. JONAS
No seio do movimento Global Walkout, o australiano Morgan C. Jonas, de 38 anos, é a personalidade mais próxima da líder Monica Smit. Na verdade, os dois activistas estão noivos.
No seu site oficial, Jonas revela que a desconfiança sobre o poder político começou a brotar durante a campanha presidencial de Donald Trump, em 2016. Na altura, era dono de uma empresa de equipamentos para desportos de combate, e os discursos de Trump fizeram-no repensar o seu modelo de negócio, sustentado sobretudo em importações, outsourcing e produção no estrangeiro, algo que contribuiria para o progressivo enfraquecimento do sector industrial.
Morgan C. Jonas
Para si, esse foi o ponto de viragem. A partir daí, cresceu em Jonas a vontade de empreender uma mudança, expondo “políticos corruptos” e “as suas más acções”.
Esse desejo culminou na organização de um comício em 2019, cujo alvo era Daniel Andrews – o primeiro-ministro do Estado australiano de Victoria, onde Jonas reside, na cidade de Melbourne. Na altura, o principal objectivo era denunciar os “perigosos” acordos comerciais com o Partido Comunista Chinês.
Com a pandemia de covid-19, Morgan C. Jonas lançou o “MCJ Report”, um programa com conteúdos noticiosos da sua autoria, somando conflitos com as autoridades. Em Setembro do ano passado fundou o Freedom Party of Victoria, com resultados modestos nas eleições para a Assembleia legislativa (1,71%).
ALEXANDER TSCHUGGUEL
O austríaco Alexander Tschugguel, que completa 30 anos em Junho, é um dos mais jovens propulsores do Global Walkout, sendo conhecido por protagonizar actos de protesto impetuosos e suis generis.
Por exemplo, em 2019, para combater o “paganismo”, liderou um grupo de manifestantes que roubou estátuas indígenas em madeira, de mulheres nuas e grávidas, expostas dentro da Igreja de Santa Maria em Traspontina, perto do Vaticano, e atirou-as ao Rio Tibre. E assumiu o acto no YouTube, na página do Instituto São Bonifácio, que se assume como “plataforma para apoiar a luta pela fé católica e defender essa fé quando e onde for necessário”.
Alexander Tschugguel
Descendente de uma família austríaca abrasonada da região de Bolzano, em Itália, Tschugguel é o arquétipo do conservador. Baptizado na doutrina protestante de Lutero, converteu-se ao catolicismo, aos 15 anos, regressando a uma tradição que tinha atravessado todos os seus antepassados, mas “quebrada” pelo seu bisavô.
Um ano depois, juntou-se uma organização política de carácter católico e conservador originária do Brasil, a “Tradição, Família e Propriedade” e, desde então, tem sido um fervoroso defensor dos valores católicos e tradicionais: opõe-se ao aborto, ao casamento homossexual, à União Europeia, e é avesso às políticas climáticas.
Em 2013, foi também um dos fundadores do partido conservador e eurocéptico Die Reformkonservativen, que cessou a actividade em 2016.
Em 2019, Alexander Tschugguel organizou também um protesto que consistia em orar, junto à catedral de Santo Estêvão, em Viena, que estava naquele momento a ser palco de um evento anual de angariação de fundos para campanhas de sensibilização para o HIV.
MICHAEL J. MATT
Jornalista norte-americano, Michael J. Matt combate, nas suas próprias palavras, “lunáticos e hereges” desde 1996. Após o falecimento do seu pai, Walter Matt, em 2002, assumiu o seu lugar como editor do The Remnant, um jornal norte-americano católico tradicionalista fundado em 1967.
Matt é, também, produtor da Remnant TV, uma plataforma que pretende ser “rival” do Youtube e onde apresenta o seu próprio programa.
Extremamente crítico do pontificado do Papa Francisco, opõe-se às mudanças na Igreja Católica, sobretudo daquelas tomadas a partir do chamado Concílio Vaticano II, em 1962. Na versão digital do seu jornal, defende que “tem lutado contra esta revolução na Igreja há mais de quarenta anos, tal como tem lutado contra os erros que infectam o Estado moderno – o liberalismo, socialismo, comunismo, a Nova Ordem Mundial, uma cultura de juventude degenerada, a epidemia de abortos, eutanásia, educação sexual”.
Michael J. Matt
O legado do “jornalismo católico”, herdado por Michael J. Matt através da sua família, remonta a várias gerações atrás. Foi o seu pai que criou The Remnant, depois de uma contenda com o seu irmão (o tio de Michael J. Matt), Alphonse Matt, com quem conduzia, até então, o The Wanderer, o jornal católico mais antigo do país, fundado em 1867 no Estado do Minnesota.
O The Remnant tem sido apelidado por alguns grupos – católicos ou de direitos civis, como o Southern Poverty Law Center, uma organização sem fins lucrativos – como “radical” e “reaccionário”, e acusado de “antisemitismo”.
No Twitter, Michael J. Matt tem mais de 32 mil seguidores, e o canal de Youtube do jornal conta com 262 mil subscritores.
AMANDA FORBES
Embora seja um dos principais rostos do Global Walkout, a canadiana Amanda Forbes é pouco conhecida publicamente. As causas que abraça dizem respeito sobretudo à “liberdade médica”, e à liberdade de escolha e consentimento informado nas políticas de vacinação.
Amanda Forbes
Integrou ainda a organização sem fins lucrativos Vaccine Choice Canada, fundada em 2014.
Amanda Forbes é também presidente da Children’s Health Defense Canadá e co-fundadora da Freedom Organization, que promove conferências sobre saúde.
Ainda em plena pandemia da covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma nova emergência sanitária em redor do surto de uma doença viral já conhecida desde 1957. Em Portugal, os primeiros casos foram detectados em 18 de Maio do ano passado. Um ano depois, a “montanha pariu um rato”: 953 casos; e apenas uma morte, segundo o Ministério da Saúde, ou nenhuma morte, segundo a OMS.
Foi apresentada como uma ameaça pandémica, ainda longe estava a pandemia da covid-19 da fase de “rescaldo”. Há um ano, no dia 18 de Maio de 2022, o vírus causador de uma doença denominada Monkeypox (varíola-dos-macacos) – entretanto rebaptizada como Mpox – causava apreensão, e a Direcção-Geral da Saúde (DGS) começava a apresentar relatórios diários sobre a evolução dos casos em Portugal, na linha das preocupações transmitidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por exemplo, nesse dia, a CNN Portugal salientava que os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos afirmava que os relatos chegados de África indicavam que “a varíola dos macacos causou a morte a uma em cada dez pessoas que ficaram doentes”, acrescentando ser “uma taxa alta [10% de letalidade], mas ainda assim bastante abaixo da varíola comum, que antes de ser considerada erradicada, por meio da vacina, matava cerca de 30% dos doentes, segundo dados da Organização Mundial de Saúde”.
Mas, na verdade, a evolução mundial da Mpox – mesmo se apenas há uma semana deixou de ser emergência internacional de saúde pública – ficou muito aquém das previsões mais catastrofistas. De acordo com o mais recente relatório da OMS, foram reportados 87.377 casos positivos de Mpox até 8 de Maio deste ano, envolvendo 111 países, que resultaram em 140 óbitos. Ou seja, uma taxa de letalidade de 0,16%.
Contudo, mesmo sendo globalmente já bastante baixas, as taxas de letalidade foram muito distintas entre continentes e países. Em África registaram-se 18 mortes em 1.587 casos positivos, uma taxa de letalidade de 1,13%, enquanto na Europa essa taxa foi de 0,02%, que correspondeu a seis óbitos decorrentes de 25.891 casos positivos.
Os cinco países com maior número de óbitos foram os Estados Unidos (com 42 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,14%), México (com 26 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,65%), Peru (com 20 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,53%), Brasil (com 16 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,15%) e Nigéria (com 9 óbitos e uma taxa de letalidade de 1,08%). Apesar do alarme global, apenas houve registo de mortes em 20 países, dos quais oito contabilizando um óbito.
De acordo com este relatório da OMS, na Europa (incluindo Israel) apenas foram reportadas três mortes em Espanha, duas na Bélgica e uma na República Checa. Sobre Portugal, a OMS aponta zero mortes em 953 casos.
Esta informação não coincide, porém, com a transmitida ao PÁGINA UM por fonte oficial do Ministério da Saúde, que salienta ter ocorrido “em Abril de 2023, um caso fatal num indivíduo com comorbilidade a condicionar imunodepressão grave, que apresentou uma evolução rara da Mpox para uma forma progressiva e disseminada”.
Ontem, o Ministério da Saúde destacou que “o controlo desta epidemia só foi possível pela pronta resposta a nível nacional, nomeadamente em termos de diagnóstico clínico e laboratorial da infeção, reforçando-se a cooperação entre os organismos do Ministério da Saúde e as associações de base comunitária.”
No comunicado do Ministério da Saúde, é apresentada uma citação da secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares, que destaca que “o trabalho com as comunidades em maior risco e a rápida partilha de informação e boas práticas entre os países mais afetados foi crucial”, acrescentando que isso “permitiu dar novos passos na preparação dos sistemas de saúde para a vigilância e intervenção face a doenças infeciosas emergentes, realidade que as alterações climáticas e maior circulação de pessoas torna hoje mais premente”.
O Ministério da Saúde diz também que “foi possível interromper as cadeias de transmissão, através do diagnóstico, sensibilização e, posteriormente, através da vacinação”. Segundo o Ministério da Saúde, “numa primeira fase, a vacina foi oferecida a pessoas que tinham tido contacto com alguém infetado, com posterior alargamento a outros indivíduos em maior risco”, abrangendo até ao final da semana passada 3.554 indivíduos, a maioria na região de Lisboa e Vale do Tejo.
Esta operação não terá tido encargos públicos. Fonte do Ministério de Manuel Pizarro informou o PÁGINA UM que “Portugal recebeu até à data um total de 11.460 doses da vacina, todas doadas no âmbito da aquisição conjunta por parte da Autoridade Europeia de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias”.
Desde 2019, em cada ano, morreram menos de três bebés com menos de um ano em cada 1.000 nascimentos. Apesar de uma ligeira subida entre 2021 e 2022, nunca em Portugal se registara quatro anos consecutivos com a fasquia abaixo deste nível. Em 1970, a taxa de mortalidade infantil era 22 vezes superior. Médicos ouvidos pelo PÁGINA UM confirmam desempenho que coloca Portugal no Primeiro Mundo, mas lançam alertas para o futuro, sobretudo com a comunidade estrangeira ainda sem acompanhamento médico adequado e com a opção de partos fora dos hospitais.
Quatro anos consecutivos com menos de três mortes de bebés com menos de um ano de idade por cada 1.000 nascimentos – este é o melhor desempenho de sempre do indicador da mortalidade infantil em Portugal, de acordo com a série de dados entre 1970 e 2022, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
O primeiro ano em que Portugal conseguira ficar abaixo dos três óbitos por mil nascimentos foi em 2010, tendo repetido em 2013, 2014, 2015, 2017 e depois, paulatinamente, a partir de 2019. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) até se conseguiram os melhores desempenhos: 2,44 e 2,43, respectivamente.
Sendo certo que a mortalidade infantil em 2022 subiu ligeiramente face a 2021, não existem, na verdade, motivos para fazer soar os alarmes, porque será humana e tecnologicamente impossível reduzir indefinidamente a mortalidade infantil.
Actualmente, os valores colocam Portugal no pelotão da frente a nível mundial neste importante indicador que, além de representar vidas humanas, separa indelevelmente os países desenvolvidos daqueles que estão bastante atrasados em termos de desenvolvimento.
Além disso, este indicador mostra uma evolução extraordinária numa geração: em 1970, a mortalidade infantil era cerca de 22 vezes superior: morriam então mais de 55 bebés em cada 1.000 nascimentos, ou seja, 5,5%. A partir da década de 80 do século passado, o indicador passou a estar abaixo dos 20, descendo para menos de 10 em 1.000 nascimentos nos anos 90. No presente século, apenas num ano (2002) se superou os 5 óbitos por 1.000 nascimentos, estando os valores da última década entre os 2,44 (em 2020) e os 3,24 (em 2016).
Vários factores têm contribuído para o caminho que levou o país a uma redução tão acentuada da mortalidade infantil. “Melhorou o acesso a cuidados de saúde primários; houve uma maior vigilância de grávidas; e mais partos no hospital” destacou, ao PÁGINA UM, Miguel Oliveira e Silva, ginecologista-obstetra no Hospital de Santa Maria e professor catedrático de Ética Médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Evolução da taxa de mortalidade infantil (óbitos por mil nascimentos) entre 1970 e 2022. Fonte: INE.
Este médico considera que os actuais indicadores são “positivos e encorajadores”, mas, apesar de acreditar que se pode reduzir ainda mais a mortalidade infantil em Portugal, defende que “não se pode esperar uma redução a zero”. “Haverá sempre algumas mortes”, apontou.
Para este especialista, que também já foi presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, há porém questões fundamentais a resolver no sector da Saúde Pública. “Preocupa-me que 1,5 milhões de portugueses não tenham ainda acesso a cuidados de saúde primários, não têm médico de família. Isso pode afectar a vigilância de grávidas por terem dificuldade de acesso a cuidados de saúde.”
Este problema incide, em particular, à comunidade imigrante, sobretudo os que são oriundos de países asiáticos, como a Índia, o Bangladesh ou o Paquistão. “Além da questão da língua, porque não falam português e alguns mal falam inglês, não têm também acesso a cuidados de saúde primários; e, aliás, estamos muito longe disso”, lamenta Miguel Oliveira e Silva.
Também Maria Paula Arteaga, directora do serviço de obstetrícia do Hospital dos Lusíadas, está preocupada com as perspetivas futuras. Sendo especializada em Medicina Materno-Fetal e Obstetrícia de Alto Risco, releva o aumento da mortalidade infantil em 2022 face a 2021, mas também de mães.
Esta responsável salienta que, desde a década de 70, “a medicalização dos partos fez melhorar muito” o nível de mortalidade de mães e bebés, bem como a universalização do Plano Nacional de Vacinação. E considera que, apesar de tudo, se assiste actualmente a algum retrocesso que pode resultar num aumento futuro dos níveis de mortalidade infantil e materna.
“Por um lado, há muito mais mulheres de risco (a serem mães), mais velhas e com mais comorbilidades. A média de idades das mães nos partos ronda os 37 anos. Há mais mães com patologias e, portanto, mais gravidezes com patologias.”, destaca Maria Paula Arteaga.
Além disso, a médica obstetra lamenta que estejam a “aumentar os partos não medicalizados, os partos em casa”, considerando-os “um risco enorme”. “O parto em si é um risco. Uma mulher pode morrer de hemorragia pós-parto”, relembra ao PÁGINA UM. “Se antes, havia um excesso de medicalização do parto, agora caiu-se no extremo: temos telemóveis, Internet e Chat GPT, mas quer-se fazer partos como em África. Não faz sentido”, desabafa.
Para Maria Paula Arteaga “devem existir normas e deve haver um meio-termo: não é medicalizar os partos, nem é cair no outro extremo”.
O secretismo tem sido a base do negócio das vacinas contra a covid-19. Contratos com claúsulas confidenciais, assumidas pela Comissão von der Leyen, custos unitários e totais escondidos pelos Governos, e cada vez mais lotes a serem deitados para o lixo por perda de validade. Mas agora que a pandemia foi dada como “extinta” pela Organização Mundial da Saúde, estando agora a covid-19 em fase endémica, os negócios chorudos das farmacêuticas anunciam-se ruinosas para as contas públicas na área da Saúde. Desde 2020, o Governo português já autorizou, através de Resoluções de Conselho de Ministros, gastos de quase 877 milhões de euros para a compra de 40 milhões de doses. Mas, pelas contas do PÁGINA UM, terá de pagar mais 66 milhões de doses, atendendo ao número estimado para Portugal nos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), feitos em nome dos Estados-membros pela Comissão Europeia.
Portugal já gastou quase 877 milhões de euros com o processo de vacinação contra a covid-19, mas a factura total deverá superar os 1,6 mil milhões de euros, independentemente de as doses virem a ser administradas.
Embora o Governo queira manter secretos os contratos assinados com as farmacêuticas – estando uma intimação a correr uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, por iniciativa do PÁGINA UM –, as diversas Resoluções de Conselho de Ministros, a última de 15 de Dezembro do ano passado, desvendam já um pouco do véu sobre os sumptuosos gastos para uma operação vacinal sem precedentes, mas que foi perdendo gás nos últimos meses.
Na última semana com dados disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde, entre 15 e 21 de Abril, foram apenas vacinadas 187 pessoas por dia. Na época de Inverno de 2022-2023 apenas se vacinaram cerca de 30% da população total, mas apenas 1% dos menores de 50 anos decidiu tomar a dose de reforço.
Com o final do período de emergência da pandemia, recentemente decretado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), será previsível que a administração das vacinas se circunscreva à população mais vulnerável – os maiores de 65 anos e/ ou pessoas com comorbilidades, tal como sucede com a vacina da gripe –, mas as compras terão de se manter por força dos acordos entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas.
Ainda antes da aprovação de qualquer vacina, a Comissão Europeia, através de acordos específicos – os denominados Advance Purchase Agreements (APAs) – negociou contratos com cláusulas confidenciais, embora se saiba que foram assumidas compras de até 4,6 mil milhões de doses de vacinas a um custo total estimado próximo de 71 mil milhões de euros, de acordo com o Relatório Especial do Tribunal de Contas Europeu. Ou seja, um custo médio de 15,4 euros.
Ursula von der Leyen estabeleceu acordos secretos e principescos para as farmacêuticas.
Mesmo estando os compromissos assumidos pelo Governo português através da Comissão von der Leyen ainda no segredo dos deuses, como a população do nosso país representa 2,3% da população da União Europeia, a Direcção-Geral da Saúde deverá ter de adquirir um total de cerca de 106 milhões de doses.
Ora, de acordo com informações transmitidas pelo Ministério da Saúde ao jornal Público, entre 2020 e este ano, as farmacêuticas – sobretudo a Pfizer e a Moderna – entregaram apenas cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses encomendadas e adquiridas para o período até 2023.
Deste modo, Portugal terá ainda de encomendar um pouco mais de 44 milhões de doses, mesmo se não tiver população suficiente a querer vacinas antes daquelas perderem a validade.
Seja como for, e apesar do Governo, ao arrepio de um Estado democrático, esconder intencionalmente os contratos e os compromissos financeiros com as farmacêuticas, sabe-se que, até agora, e pela consulta das diversas Resoluções de Conselho de Ministros, o Governo consignou para a compra de vacinas e aquisição de consumíveis (agulhas, seringas e solventes) um total de 876.892.973 euros.
Ainda durante o ano de 2020, o Governo de António Costa disponibilizou uma verba de 215,5 milhões de euros, através de três diplomas. Ao longo de 2021 foram aprovados pelo Governo mais dois reforços muito substanciais – o primeiro de cerca de 241,5 milhões de euros e o segundo de um pouco mais de 291 milhões de euros.
Por fim, no ano passado, houve mais dois reforços que totalizaram os 128,4 milhões de euros. Estes montantes não incluem os gastos que muitas autarquias tiveram com arrendamento de espaço e contratação de pessoal de enfermagem para os centros de vacinação.
Mas há ainda mais incógnitas: não se sabe quantos dos 877 milhões de euros consignados para o programa vacinal se destinaram especificamente para a compra das vacinas, e se somente estarão pagas as 40 milhões de doses entregues ou também as 21,7 milhões de doses já encomendadas mas não entregues.
Governo já consignou 877 milhões de euros para o programa vacinal contra a covid-19. Ainda vai ter de gastar muito mais mesmo que não haja procura dos portugueses por mais vacinas.
Contudo, certo é que, confirmando-se que Portugal terá de adquirir o equivalente a 2,3% das doses assumidas pela Comissão von der Leyen, proporcional à população comunitária, o custo apenas das vacinas contra a covid-19 deverá ascender aos 1,6 mil milhões de euros. Ou seja, tanto quanto o Governo já autorizou gastar, até agora, na execução do programa vacinal.
Porém, com uma diferença: enquanto até finais de 2022 apenas se deitou ao lixo, uma percentagem pequena de vacinas – o Ministério da Saúde fala numa taxa de inutilização de 8,5% –, a partir de agora, a menos que haja uma renegociação – que nunca poderá a prazer ser desfavorável aos vendedores –, as doses inutilizadas podem superar largamente aquelas que forem administradas. E começa a renascer o espectro do que sucedeu há uma década, com o Tamiflu.