Desde 2020, a Feira do Livro de Lisboa foi “empurrada” para Agosto. Depois de fortes restrições nas úlltimas duas edições, abriu ontem a 92ª edição. Há muitos livros, encontros com autores e muitos comes-e-bebes. Só faltam mesmo as máscaras, que não deixam saudade.
Já foi na Primavera, com chuvadas à mistura, agora tem sido em pleno Verão, mas é uma tradição incontornável em Lisboa. A caminho do centenário, ontem, abriu a 92ª edição da Feira do Livro, em pleno Parque Eduardo VII.
Embora o panorama sócio-económico actual seja de crise e inflação, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) promete que esta, sim, será a maior de sempre: 340 pavilhões e 140 participantes, entre grandes grupos editoriais, pequenas editoras e mesmo alfarrabistas.
Ontem, na inauguração, a maior diferença que saltou à vista, face aos dois anos anteriores, não foram os livros, nem as roulottes com comida, nem a presença já habitual do presidente da República. Foi sim uma ausência face às duas edições anteriores (2020 e 2021): a máscara facial. Além de todas as outras medidas como a entrada condicionada ou o álcool gel.
A “normalidade” tem-se vindo a recuperar aos poucos e os corredores da Feira comprovaram-no. Poucas foram as máscaras, muitos os livros.
Longe de estarmos perante uma canícula, pela tarde de ontem o fluxo de visitantes ainda era moderado, e concentrava-se não tanto nos pavilhões, mas nas sombras das árvores. E também, sem surpresa, nas zonas dos “comes e bebes”, incluindo bancas de gelados, mais apetecíveis que um Prémio Nobel.
Mas não apenas de livros viverá esta feira. Estamos perante um evento cultural em que haverá workshops, debates, showcookings – que foram interrompidos durante a pandemia – e as costumeiras sessões de autógrafos para todos os gostos e feitios. Os fins-de-semana são garantidamente os dias com maior concentração de autores para dois dedos de conversa – às vezes nem isso, se a fila for grande para os mais populares – e uns autógrafos da praxe.
Um colaborador da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, que já representa a marca na Feira do Livro de Lisboa há seis anos, disse ao PÁGINA UM que a afluência de visitantes estará agora próxima da realidade pré-pandemia. “Nota-se uma clara diferença em relação aos últimos anos, as pessoas estão mais descontraídas e não têm tanto medo de mexer nos livros”, reconheceu Gonçalo Silva.
Junto aos stands do grupo editorial Penguin Random House, o testemunho de outro vendedor também foi positivo. João Alves, um estreante a trabalhar nesta edição, assegurou que, apesar de ser esperada uma maior afluência ao final da tarde, logo nas primeiras horas da manhã “as vendas correram muito bem”.
Este será o terceiro e último ano em que a Feira do Livro decorre na recta final do Verão (em Agosto e Setembro), ainda no decurso das medidas impostas no âmbito da pandemia. Em 2023, o evento voltará a realizar-se de acordo com o calendário habitual – entre Maio e Junho. Na cidade do Porto, por sua vez, a sua Feira inicia-se hoje.
Apesar de um abrandamento, o excesso de óbitos continua ainda em Agosto. Os dias com menos de 300 óbitos tornaram-se mais frequentes, mas mesmo assim a média continua acima daquele patamar, o que se mostra intolerável face a um excesso de mortalidade que vem desde finais de Fevereiro. Com base na situação até dia 18, o PÁGINA UM prevê que este será o segundo mais mortífero Agosto deste século, apenas ultrapassado por 2003 que registou uma das piores onda de calor.
Apesar de uma redução da mortalidade nas últimas três semanas, o presente mês de Agosto continua a estar com níveis muito acima do expectável. De acordo com a análise do PÁGINA UM, a partir do perfil e especificidades em anos anteriores e ao longo do mês em curso, será provável que a mortalidade total em Agosto de 2022 fique apenas abaixo da registada em 2003, quando uma onda de calor intensa no início daquele mês fez disparar os óbitos. Naquele ano, Agosto contabilizou 10.111 óbitos.
Agosto de 2003 registou uma das mais inclementes ondas de calor de que há registo, que se iniciou em 30 de Julho e se prolongou até ao dia 15 daquele mês. Quando a população estava menos envelhecida, foi estimado um excesso global de 1.953 óbitos, sobretudo no interior. Nos distritos de Guarda, Castelo Branco, Portalegre e Évora a mortalidade foi superior a 80% face ao expectável.
Agora, sendo quase garantido que no presente mês de Agosto se interromperá a inédita série de nove meses, iniciada em Novembro do ano passado, com mortalidade total acima dos 10 mil óbitos, mostra-se muito provável, em todo o caso, que se fique bem acima dos 9 mil, mesmo assim um valor bastante elevado para esta época do ano.
Até dia 18, de acordo com os dados disponível do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito terão morrido 5.447 pessoas, ou seja, 7% acima da média do último quinquénio.
Desde 2009, no período homólogo apenas 2018 apresenta um número mais elevado (5.617), mas muito por força também de uma onda de calor que, no início de Agosto daquele ano, causou uma elevada mortalidade, mas à qual sucedeu uma queda acentuada na segunda quinzena.
No caso de Agosto deste ano, a mortalidade continua bastante elevada, mesmo nas semanas em que as temperaturas estiveram mais amenas. Apesar do mês em curso ter tido 10 dias em mortalidade diária abaixo dos 300 óbitos – algo que somente acontecera em sete dias até finais de Julho –, a média continua elevadíssima (303 por dia), sobretudo porque o excesso de mortalidade tem estado omnipresente desde finais de Fevereiro.
Nessa medida, e com o aumento da temperatura para os próximos dias, será expectável que a mortalidade diária continue a rondar os 300 óbitos, o que a confirmar-se significará que Agosto de 2022 será o segundo pior de sempre, a seguir a 2003. O PÁGINA UM prevê que a mortalidade do final de Agosto estará compreendida entre 9.300 e 9.500 óbitos.
Recorde-se que o Ministério da Saúde prometeu apenas para 2023 revelar as conclusões de um estudo, do qual pouco se sabe, sobre as causas do excesso de mortalidade em Portugal, mantendo, por outro lado, a recusa em divulgar o acesso aos dados em bruto do SICO ao PÁGINA UM, uma questão que está a ser dirimida no Tribunal Administrativo de Lisboa.
Também a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, que poderia dar indicações sobre as causas principais desse excesso, foi retirada pelo Ministério da Saúde do Portal da Transparência do SNS – e depois mutilada –, razão pela qual também ontem o PÁGINA UM intentou outro processo de intimação junto do Tribunal para obrigar a Administração Central do Serviço de Saúde a disponibilizar a versão original.
N.D. Foi alterado o título e alguns pormenores do texto em 28 de Agosto, porque se constatou que, pelo menos até aos anos 40 do século XX, em grande parte devido à elevadíssima taxa de mortalidade infantil, os meses de Verão eram bastante mortíferos, ao contrário do que passou a verificar-se nos últimos 50 anos.
Depois de dois processos contra o Ministério da Saúde (um dos quais em “representação” da Direcção-Geral da Saúde), de mais dois contra o Infarmed e de mais um contra a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, o PÁGINA UM decidiu apresentar uma nova intimação desta vez contra a decisão da Autoridade Central do Sistema de Saúde. Em causa está o “expurgo” da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, que foi retirada em Maio passado do Portal da Transparência, após o PÁGINA UM ter publicado investigações comprometedoras. A base de dados foi “reposta” no início deste mês, mas completamente “mutilada” , impossibilitando qualquer análise séria que possa, por exemplo, explicar as causas para o excesso de mortalidade em Portugal desde finais de Fevereiro.
Vítor Herdeiro, amigo de longa data da ministra da Saúde e presidente da Administração Central do Serviço de Saúde, vai ter de justificar junto do Tribunal Administrativo de Lisboa as razões para a retirada da base de dados original da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar que constava do Portal da Transparência do SNS.
Esta é a consequência imediata do processo de intimação apresentado hoje pelo PÁGINA UM – o sexto envolvendo o Ministério da Saúde ou entidades tuteladas pela ministra Marta Temido – que tem, como objectivo primordial, a reposição da base de dados que permitia uma avaliação rigorosa do desempenho do SNS durante a pandemia, auxiliando também a perceber quais as doenças que estarão a causar um excesso de mortalidade desde finais de Fevereiro.
Como denunciou o PÁGINA UM em editorial no dia 16 de Junho, o Ministério da Saúde decidiu “expurgar” a base de dados com informação mensal desde Janeiro de 2017 sobre o número de internamentos e de óbitos, envolvendo 62 unidades do SNS, desagregados por sexo (dois) e por grupo etário (sete). Essa base de dados, que em Janeiro deste ano contava 440.036 linhas de informação, permitira ao PÁGINA UM elaborar um dossier específico de oito artigos, entre 13 de Maio e 1 de Junho, que mostrava uma situação muito distinta da “narrativa oficial” quanto aos números da pandemia e sobre o desempenho das diferentes unidades hospitalares mesmo em relação a outras doenças.
Um dos artigos do dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho no PÁGINA UM, com informação obtida a partir da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, agora “apagada”.
O ministério liderado por Marta Temido nunca assumiu terem sido razões políticas, em resultados das investigações do PÁGINA UM, a determinarem o “apagão” da base de dados, embora haja uma coincidência entre a decisão de retirar essa informação do Portal da Transparência e a publicação dos primeiros artigos noticiosos.
A ACSS adiantaria, mais tarde, como causa do “expurgo”, a necessidade de uma “análise interna”, mas nunca explicou cabalmente qual o propósito.
Certo é que após um pedido expresso do PÁGINA UM para acesso à base de dados original, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), Vítor Herdeiro decidiu em 5 de Agosto repor no Portal da Transparência um “sucedâneo” da base de dados, mas que constitui uma autêntica mutilação da versão pública original, tornndo-a inútil.
Com efeito, a base de dados original foi partida em três completamente separadas – por sexo, por faixa etária e por instituição –, impedindo assim, por exemplo, comparações entre unidades de saúde em função do grupo etário.
Também ficou impedido de se conhecer os números absolutos de internamentos e de óbitos em unidades de saúde por tipologia de doença, impossibilitando apurar-se que tipo de doenças estarão a tornar-se mais mortíferas desde finais de Fevereiro, quando Portugal iniciou um período sem precedentes de contínuo excesso de mortalidade.
A intimação agora apresentada ao Tribunal Administrativo de Lisboa pretende assim que, independentemente de Marta Temido concordar com a “mutilação” da base de dados agora exposta no Portal da Transparência do SNS, a versão original seja disponibilizada ao PÁGINA UM. Isto é, o objectivo é o Tribunal sentenciar o amigo da ministra da Saúde a entregar obrigatoriamente a base de dados original (existente antes e existente agora) da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar – que esteve disponível ao público até Maio deste ano – ao PÁGINA UM.
Se o Tribunal Administrativo de Lisboa condenar a ACSS a entregar essa base de dados original, o PÁGINA UM compromete-se a disponibilizá-la imediatamente no seu site. E continuará a dissecar essa informação – vital para compreender o excesso de mortalidade em curso –, sob a forma de análises e notícias rigorosas e isentas.
Saliente-se que a intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões é um processo considerado e, por isso, os prazos são curtos. A entidade pública responsável dispõe de 10 dias para responder, e o juiz deve decidir em cinco dias, embora possam ser pedidos mais informações.
Marta Temido (ministra da Saúde) e Victor Herdeiro (presidente da ACSS), terceiro e quarto a contar da esquerda, juntos na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho. Foram companheiros durante três mandatos na Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.
Caso a entidade pública continue sem satisfazer o pedido, após intimada pelo tribunal para o fazer, o juiz deve determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, sem prejuízo da responsabilidade (civil, disciplinar, criminal) a que possa haver lugar.
Além dos seis processos de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboam envolvendo entidades públicas na área da Saúde (Ministério da Saúde, Infarmed, Inspecção-Geral das Actividades em Saúde e agora AACS), o PÁGINA UM tem ainda em curso mais três acções similares (satisfação de pedidos de acesso a documentos administrativos) sobre a Ordem dos Médicos, Ordem dos Farmacêuticos e Conselho Superior da Magistratura (CSM), tendo já vencido duas acções em primeira instâncias. Porém, nesses dois casos, as duas entidades (CSM e Ordem dos Médicos) recorreram da decisão para o tribunal superior, demonstrando uma cultura pouco atreita à transparência.
N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores é o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso. Até ao momento, estão em curso oito processos administrativos e mais dois em preparação.
O maior incêndio deste ano, reactivado ontem, dois dias após ser considerado controlado, vem mostrar sobretudo as crónicas falhas no combate e na gestão florestal, sobretudo em zonas sob gestão do Estado. As áreas protegidas continuam a ser as zonas mais fustigadas ano após ano. Na Serra da Estrela, metade da área foi atingida pelas chamas desde 2017. No presente século, pouco ou quase nada não foi passada pelo fogo. Mas não é um exclusivo. O PÁGINA UM apresenta um retrato de uma triste realidade que atinge as nossas áreas (des)protegidas.
O Parque Natural da Serra da Estrela não é apenas a maior área protegida do país. Com o violento incêndio da última semana – acrescido de reacendimentos que vieram reavivar as crónicas deficiências do sistema de gestão florestal e de combate aos fogos –, também já é aquela com maior superfície ardida desde o início do século em função da área total.
Embora ainda seja prematuro estabelecer a dimensão final, por ainda estar em curso o incêndio que começou no dia 6 – e que ontem se reactivou –, estima-se que já tenham sido destruídos 22.343 hectares este ano na Serra da Estrela, de acordo com valores avançados pelo Público.
Considerando este valor, os incêndios nesta área protegida – que ocupa 89.132 hectares no centro do país, quase nove vezes a cidade de Lisboa – já lavraram cerca de 85 mil hectares desde 2001, segundo os registos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) consultados pelo PÁGINA UM.
Embora algumas partes da Serra da Estrela – como sucede noutras regiões – tenham sofrido mais do que um fogo ao longo das últimas duas décadas, a área ardida acumulada nesta área protegida é agora de quase 96%. Ou seja, são poucas as zonas desta região que não “sentiram” o fogo no presente século.
Os incêndios deste mês fizeram assim que o Parque Natural da Serra da Estrela ultrapassasse aquele que era então a área protegida mais vulnerável ao fogo: o Parque Natural do Alvão, com 84,2% da área ardida acumulada desde 2001.
Contudo, esta área protegida de reduzidas dimensões – com apenas 7.238 hectares, localizada nos municípios de Mondim de Basto e Vila Real, e que tem as Fisgas de Ermelo como principal atracção – tem sido poupada aos fogos nos últimos anos.
Desde o início do século, quase toda a área ardida no Parque Natural do Alvão se concentrou em 2001 (6.094 hectares) e em 2013 (3.154 hectares).
Ao invés, o Parque Natural da Serra da Estrela regista sistematicamente fogos com dimensão relevante. Desde 2001 contabiliza nove anos sempre com mais de 2.000 hectares ardidos, sendo que em três se superaram os 10 mil hectares: 2003 (11.593 hectares); 2017 (20.202) e este ano, onde já se terá superado os 22 mil hectares.
A situação dramática da Serra da Estrela é apenas o reflexo supremo do estado calamitoso das áreas protegidas do país que, embora naturalmente de maior risco de incêndios pela abundância vegetal, se mostram, na prática, completamente desprotegidas. Na verdade, ardem mais do que as áreas não-protegidas, apesar de ocuparem apenas 742 mil hectares, ou seja, cerca de 8% do território português.
De acordo com uma análise do PÁGINA UM, os incêndios dentro das 48 áreas classificadas em Portugal Continental – sendo 32 geridas pelo ICNF, 15 por municípios e uma por privados – afectaram, desde 2001, um total de 229.559 hectares, ou seja, 31% do total. Convém referir, contudo, a existência de recorrências em determinadas áreas.
Zonas protegidas classificadas com área total e área queimada (em hectares) e área afectada (em percentagem) entre 2001 e 2022 (dados provisórios). Fonte: ICNF.
Embora a destruição em 2022 em áreas classificadas esteja já próxima dos 30 mil hectares, o pior ano continua ainda a ser 2003. Nesse ano, os incêndios afectaram 40.717 hectares, dos quais 20.139 hectares no Parque Natural de São Mamede e 11.5593 hectares na Serra da Estrela.
Há cinco anos, em 2017, os fogos dizimaram mais 34.608 hectares de áreas protegidas, com destaque para os 20.202 hectares também na Serra da Estrela e os 9.986 hectares no Parque Natural do Douro Internacional.
Destaque-se, de igual modo, os anos de 2010 e 2016 com vastas zonas de áreas protegidas fustigadas por incêndios. No primeiro ano ardem 16.225 hectares e no segundo 16.695 hectares.
Porém, o fenómeno dos incêndios não é homogéneo por todas as zonas classificadas, tanto mais que uma quantidade substancial é de pequena dimensão, de carácter menos rural e/ ou integrando sobretudo ecossistemas menos propensos ao fogo (zonas húmidas, por exemplo).
Assim, de acordo com os registos do ICNF, 98% de toda a área ardida desde 2021 concentra-se em apenas 14 zonas protegidas.
Além da Serra da Estrela e do Alvão, as áreas protegidas mais fustigadas são a Área de Paisagem Protegida do Corno do Bico (70% da área afectada), o Parque Nacional da Peneda-Gerês (46%), os Parques Naturais da Serra de São Mamede (39%), do Douro Internacional (38%), da Serra de Aire e Candeeiros (31%), do Montesinho (24%), da Ria Formosa (16%) e de Sintra-Cascais (11%).
O PÁGINA UM apresenta hoje uma análise detalhada ao recente relatório do Infarmed da farmacovigilância das vacinas contra a covid-19. Além da fé em estudos com mais de um ano, o relatório com dados até final de Julho esconde muito, interpreta de forma enviesada e tenta fabricar uma narrativa. Com esta análise, o PÁGINA UM não pretende afirmar que as vacinas contra a covid-19 são inseguras; exige sim que a informação seja disponibilizada para análise independente e que o Infarmed mostre uma efectiva transparência, defendendo os interesses da Saúde Pública.
Com dados referentes a 31 de Julho, o Infarmed acaba de publicar mais um relatório de farmacovigilância sobre a monitorização da segurança das vacinas contra a covid-19 em Portugal.
Antes de debater o estilo deste relatório do Infarmed, diga-se que não disfarça ao que vem: logo na primeira página da Introdução, à terceira frase, dispara-se: “A vacinação contra a COVID-19 é a intervenção de saúde pública mais efetiva para reduzir o número de casos de doença grave e morte originados pela infeção pelo SARS-CoV-2. Diversos estudos comprovam que as vacinas contra a COVID-19 são seguras e efetivas.”
Mostra-se muito curioso observar um “árbitro”, que ainda por cima tem como função a defesa da saúde pública, fazer essa declaração de princípios. Pode-se dizer que, na verdade, remete para a existência de “diversos estudos”, e até os cita.
Fomos ver.
Descontando a referência ao INFOMED (Base de dados de medicamentos de uso humano) e a relatórios do Public Health England, o Infarmed remete os “comprovativos” de que as vacinas contra a covid-19 para cinco estudos em concreto, presumindo-se que fossem as últimas actualizações com dados científicos independentes e inquestionáveis.
Refere-se este artigo a dados recolhidos, portanto, numa fase muito prévia da vacinação – ou seja, sem se poder aferir de efeitos a médio e longo prazo. Além disso, este relatório integra quatro investigadores com ligações à Pfizer. Daqui se compreende, desde já, a necessidade de uma regulação independente em termos de farmacovigilância, e que o Infarmed não pode nem deve assumir que este estudo (não inteiramente independente) constitui uma garantia da eficácia e da segurança das vacinas.
Capa do último relatório do Infarmed. São 13 páginas com parca e enviesada informação.
Integrando investigadores associados à vacina da AstraZeneca, este artigo está a “marinar” desde 22 de Fevereiro de 2021 num portal como Preprint. Passaram mais de 17 meses desde a pré-publicação e custa a ser validado pelos seus pares. Formalmente, ainda não é um artigo científico e os 17 meses de espera não são uma boa notícia.
Como facilmente se compreende aborda apenas os efeitos de curto prazo das vacinas, ainda mais numa fase em que ainda não se tinha decidido politicamente dar doses de reforço (terceira e quarta toma). Basta, aliás, citar a parte final das conclusões deste estudo para perceber que utilizá-lo, como faz o Infarmed, como garantia da eficácia e da segurança das vacinas é perfeitamente abusivo:
“In conclusion, short-term adverse effects of both vaccines are moderate in frequency, mild in severity, and short-lived. Adverse effects are more frequently reported in younger individuals, women, and among those who previously had COVID-19. The post-vaccine symptoms (both systemic and local) often last 1–2 days from the injection. Our data could be used to inform people on the likelihood of side-effects on the basis of their age and sex and the type of vaccine being administered. Furthermore, our data support results from randomised controlled trials in a large community-based scenario showing evidence of reduction in infection after 12 days and substantial protection after 3 weeks.”
Na verdade, estudos desta natureza mostram, sim, a necessidade de uma farmacovigilância independente – e que analise a informação recolhida ao longo do tempo (e não apenas de curto prazo) sem estar com uma postura pré-concebida de que um medicamento é seguro porque… há estudos.
Publicado em 24 de Fevereiro de 2021 no New England Journal of Medicine, mostra bem os “estranhos tempos” da Ciência em tempos de pandemia: o artigo científico aborda a eficácia da vacinação com base na recolha de dados entre 20 de Dezembro de 2020 e 1 de Fevereiro de 2021, e foi logo aceite menos de um mês após ser encerrado. Turbo-ciência. Além disso, estamos perante um estudo da primeira fase da vacinação, e nem sequer se debruça sobre eventuais efeitos secundários. Também não abrangeu população com idade inferior a 16 anos nem população com infecção prévia do SARS-CoV-2.
Não sei se vale a pena referir que os valores apontados de eficácia das vacinas neste estudo – numa altura em que a variante Ómicron ainda não surgira – são hoje pouco realistas.
Onde está a Ciência e o rigor nos tempos que correm?
O quinto estudo intitula-se “FDA-authorized mRNA COVID-19 vaccines are effective per real-world evidence synthesized across a multi-state health system” e foi publicado na revista Med em Agosto de 2021. Consiste num estudo feito por uma empresa médica (Mayo Clinic), e considerando a data da sua publicação, fácil se mostra concluir que se aplica às primeiras fases da vacinação e quando se estava perante outras variantes dominantes. As anotações sobre as limitações deste estudo, expostas no próprio artigo, deveriam levar o “nosso” Infarmed a uma maior contenção.
Dissecar estes estudos “lançados” pelo Infarmed para sustentar uma “tese” – que não lhe cabe fazer, porque a sua função é avaliar, de forma independente, eventuais efeitos adversos não detectados nas fases prévias dos ensaios clínicos – serve para demonstrar a falta de independência do regulador nacional nesta matéria.
E constitui a antecâmara para mostrar a forma enviesada como o Infarmed apresenta números e os comenta no seu relatório.
Aliás, como esconde dados e como interpreta de forma enviesada as reacções adversas (e a sua gravidade). E quando se esconde ou se interpreta abusivamente, legitimamente há motivos para desconfiar das motivações.
Através da leitura deste relatório do Infarmed – e dos anteriores – não se sabe, por exemplo, o número de casos por grupo etário das hospitalizações, risco de vida (e quais as afecções e as eventuais sequelas) e morte decorrentes da vacinação.
Essa informação é vital, porque não é indiferente o risco em função da idade, tendo em conta uma doença (que a vacina pretende evitar) que apresenta taxas de letalidade (também em função da variante e também da imunidade natural) absolutamente distintas.
Quem sai beneficiado por não se saber toda a informação? E quem sai prejudicado?
Um efeito adverso grave num grupo etário em que a doença é bastante letal não pode ser visto da mesma forma que um efeito adverso grave num grupo etário em que a doença é praticamente benigna. Uma morte causada por uma vacina (medicamento), contra uma doença que tem uma taxa de letalidade de 15% num determinado grupo etário numa certa fase, não pode ser olhada nem analisada da mesma forma que uma morte causada num grupo etário em que a taxa de letalidade seja praticamente de 0,00% numa faixa etária de pessoas jovens e saudáveis. Para o primeiro caso, a decisão de manter o medicamento pode justificar-se; no segundo caso não.
Aliás, veja-se como reagiram as autoridades de saúde da Dinamarca perante a vacinação de menores de idade por força do (re)conhecimento científico. Aliás, este país escandinavo já deixou de permitir a vacinação de menores de 18 anos.
Ora, no seu relatório, o Infarmed esconde intencionalmente toda essa informação.
Por outro lado, o relatório do Infarmed impossibilita também de se saber quais os efeitos adversos de médio e longo prazo sobre as pessoas vacinadas, até porque lança logo um aviso quando se refere às mortes causadas pelas vacinas:
“Estes acontecimentos não podem ser considerados relacionados com uma vacina contra a COVID-19 apenas porque foram notificados de forma espontânea ao Sistema Nacional de Farmacovigilância. Na grande maioria dos casos notificados em que há informação sobre história clínica e medicação concomitante, um resultado adverso fatal pode ser explicado pelos antecedentes clínicos do doente e/ou outros tratamentos, sendo as causas de morte diversas e sem apresentação de um padrão homogéneo. A vacinação contra a COVID-19 não reduzirá as mortes provocadas por outras causas, por exemplo, problemas de saúde não relacionados com a administração de uma vacina, pelo que durante as campanhas de vacinação é expectável que as mortes por outras causas continuem a ocorrer, por vezes em estreita associação temporal com a vacinação, e sem que necessariamente haja qualquer relação com a vacinação.”
Estas frases são muito verdadeiras, mas com um “problema”: quando se tratou ou trata da doença propriamente dita – a covid-19 –, as autoridades de saúde nunca tiveram a mesma interpretação.
Veja-se como ficaria esta passagem do relatório do Infarmed se se aplicasse à covid-19 [marca-se a negrito as partes alteradas do texto original do Infarmed]:
“Estes acontecimentos não podem ser considerados relacionados com a COVID-19 apenas porque foram notificados de forma espontânea ao Sistema Nacional de Farmacovigilância. Na grande maioria dos casos notificados em que há informação sobre história clínica e medicação concomitante, um resultado adverso fatal pode ser explicado pelos antecedentes clínicos do doente e/ou outros tratamentos, sendo as causas de morte diversas e sem apresentação de um padrão homogéneo. A COVID-19 não reduzirá as mortes provocadas por outras causas, por exemplo, problemas de saúde não relacionados com a esta doença, pelo que durante a pandemia é expectável que as mortes por outras causas continuem a ocorrer, por vezes em estreita associação temporal com a COVID-19, e sem que necessariamente haja qualquer relação com a COVID-19.”
Parecem lógicas as frases assim, certo?
Quem tem medo da informação? Quem tem medo dos olhares independentes?
Aliás, há um outro aspecto onde se mostra um enviesamento na análise. Como se sabe, as autoridades andam a inculcar a ideia de existir uma “pandemia” de long-covid – efeitos de longo prazo da covid-19. Porém, se uma parte muito substancial da população que teve covid-19 também foi vacinada, como atribuir cientificamente uma deterioração da saúde a uma causa ou a outra? Ou a outra qualquer?
Na verdade, está verdadeiramente o Infarmed a considerar os efeitos de longo prazo da vacinação?
Por outro lado, veja-se o rigor “científico” do Infarmed mesmo quando, escondendo dados essenciais, deixa “rabos de fora”. Na página 6 escreve que “verifica-se que as reações adversas às vacinas contra a COVID-19 são pouco frequentes, com cerca de 1 caso em mil inoculações, um valor estável ao longo do tempo”. Mentira. Falso.
Fazendo umas contas simples a partir dos quadros disponibilizados, e se compararmos globalmente as vacinas administradas em Abril-Maio de 2022 (441.980 doses) e em Junho-Julho (700.997), verificamos que foram registadas, respectivamente, 480 e 1.204 reacções adversas. Significa que no primeiro período se passou de um registo de 1,08 casos por 1.000 vacinas para 1,72 por 1.000 vacinas no período mais recente. Resultado: temos um incremento de 59% nas reacções adversas que coincidiram com a fase da quarta dose para os mais idosos. Mesmo que existam reportes deferidos (que não é dito), o Infarmed não considera isto relevante?! Não batem as sinetas de alarme?
E também o Infarmed não considera relevante que, face aos dados de Dezembro de 2021, as reacções adversas da vacinação – contra uma doença que é genericamente benigna para crianças e adolescentes saudáveis – tenham subido de 0,06 casos por 1.000 vacinas para 0,21 na faixa dos 5 aos 11 anos – ou seja, um aumento de 250% –, e tenha incrementado de 0,17 para 0,22 na população dos 12 aos 17 anos (aumento de 25%)? Nada disto conta para o Infarmed?
Infarmed declara que a “transparência é um [seu] princípio fundamental”, mas luta pelo contrário no Tribunal Administrativo de Lisboa.
E depois de tudo isto, ainda tem o Infarmed o descaramento de terminar as suas 13 páginas cheias de coisa nenhuma, e parca e enviesada informação, com a seguinte frase: “A transparência é um princípio fundamental para o Infarmed e para a Agência Europeia do Medicamento”.
Claro que é! Por isso mesmo, o Infarmed anda a batalhar no Tribunal Administrativo de Lisboa para evitar ser obrigado a entregar os dados anonimizados e em bruto do Portal RAM ao PÁGINA UM. O processo de intimação do PÁGINA UM, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO financiado pelos leitores, foi intentado em Maio, aguardando-se nas próximas semanas uma decisão. Fundamental para se saber a verdade.
Uma análise detalhada do PÁGINA UM – embora ainda não validada pelo Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista – revela que, entre Maio e a primeira semana de Agosto deste ano, morreram mais 5.548 pessoas do que no período homólogo de 2017-2021, um acréscimo de 20,1%. Mas o excesso de mortalidade não é semelhante: em alguns concelhos assistiu-se a um autêntico morticínio, em Lisboa e Porto o fenómeno é “moderado” e há até 48 municípios em que os óbitos foram em menor número do que expectável. O Ministério da Saúde anuncia estudo, mas continua a lutar no Tribunal Administrativo para não dar informação.
Em Monforte, pequeno município norte-alentejano com um pouco menos de três mil habitantes, morre-se pouco, mesmo se a população é idosa. Entre 2017 e 2021, nas semanas de 18 a 31 – sensivelmente entre Maio e o início de Agosto –, não foram frequentes as cerimónias fúnebres: 10, em média, o que dá menos de um enterro em cada uma destas 14 semanas.
Este ano, porém, foi bem diferente. De acordo com os dados disponíveis do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), em Monforte realizaram-se 25 enterros. No ano passado, no mesmo período, apenas foram sete. Há dois anos, 15.
Embora Monforte seja, com 150% de óbitos acima da média desde Maio, o concelho do país com um maior excesso relativo de mortalidade, a situação é absolutamente anómala em muitas mais regiões, mas sem se encontrar um padrão muito definido. Segundo os cálculos rigorosos – e não sensacionalistas – do PÁGINA UM, há mais dois concelhos do país em que, no período em análise, a mortalidade mais do que duplicou: Povoação (114%), com 30 mortes este ano que confronta com uma média de 14, e Alvito (102%), com 19 mortes este ano que compara com uma média de nove.
Apesar de não se encontrar bem definido um padrão regional no excesso de mortalidade – os 20 municípios com um excesso de 50% distribuem-se pelas diversas regiões do Continente e também pelos Açores e Madeira –, destacam-se, porém, diversos municípios alentejanos. Além de Monforte e Alvito, salienta-se o excesso de mortalidade em Arraiolos (75%), Avis (60%) e Nisa (52%). E também algarvios, como Vila do Bispo (80%), Lagoa (64%), Alcoutim (62%) e Vila Real de Santo António (50,2%).
Os outros concelhos com mortalidade acima de 50% no período estão, efectivamente, distribuídos pelo país: Nordeste (Açores, 91%), Manteigas (distrito da Guarda, 80%), Azambuja (Lisboa, 74%), Calheta (Açores, 70%), Fornos de Algodres (Guarda, 68%), Figueiró dos Vinhos (Leiria, 65%), Calheta (Madeira, 61%), Santa Cruz (Madeira, 60%), Póvoa de Lanhoso (Braga, 55%), Vila Nova de Foz Côa (Guarda, 55%).
Por regra, a maioria dos municípios com excesso de mortalidade superior à média nacional neste período – que foi de 20,1% no período em análise, a que correspondem mais 5.548 mortes do que o expectável – são de pequena ou média dimensão. Ou seja, com menor capacidade de resposta em termos de cuidados médicos.
Com efeito, o concelho de Lisboa – o município que, por ser o mais populoso e também bastante envelhecido apresenta sempre o maior número de óbitos – não foi particularmente atingido por esta “onda de morticínio” que está a atravessar Portugal sem que haja sinais evidentes de uma intervenção governamental ou judiciária. Entre Maio e a primeira semana de Agosto, o PÁGINA UM apurou que se registaram na capital portuguesa um total de 1.892 óbitos, o que contrasta com uma média de 1.659 no período homólogo de 2017-2021. Em todo o caso, mesmo se o valor deste ano significa um excesso de 14% – portanto, 6 pontos percentuais abaixo da média nacional –, está relativamente próximo do número de 2020 (1.835 óbitos).
Aliás, o problema do excesso de mortalidade, apesar de mesmo assim ser relevante, parece bastante menor nos principais centros urbanos, onde existem melhores cuidados hospitalares mas também uma maior atenção mediática.
Além de Lisboa, também o Porto registou um excesso de mortalidade relativamente moderado: contabilizaram-se este ano 785 óbitos, que confronta com uma média de 708 no período 2017-2021.
Já os outros três concelhos do top 5 em termos populacionais – e com menos recursos de cuidados hospitalares – tiveram excesso de mortalidade mais elevado. Em Sintra – o segundo município mais populoso – contam-se este ano, no período em análise, 850 óbitos, um acréscimo de 125 óbitos face à média (+17,3%). Já acima da média nacional encontram-se Vila Nova de Gaia (excesso de 24,2%) e Cascais (22,6%). No primeiro destes concelhos morreram este ano 807 pessoas (650 no período 2017-2021) e no segundo 613 (mais 113 do que no período homólogo de 2017-2021).
De entre os concelhos com um excesso de mortalidade acima da média nacional destacam-se também, pela diferença absoluta de óbitos, os casos da Covilhã (mais 59 óbitos este ano face à média, um acréscimo de 49%), Seixal (mais 117 óbitos, um acréscimo de 34%), Braga (mais 101, um acréscimo de 33%), Santa Maria da Feira (mais 82 óbitos, um acréscimo de 31%), Maia (mais 80, um acréscimo também de 31%), Loulé (mais 56, um acréscimo de 29%), Viseu (mais 63, um acréscimo de 26%), Barreiro (mais 57, um acréscimo também de 26%), Barcelos (mais 56, um acréscimo de 25%), Odivelas (mais 78, um acréscimo de 24%), Valongo (mais 43, um acréscimo também de 24%) e Figueira da Foz (mais 46, um acréscimo também de 24%).
Porém, não se pense que o excesso de mortalidade seja um problema transversal em todos os municípios – e que, portanto, se possa apenas especular com base em ondas de calor, nas mortes por covid-19 ou por outros factores mais ou menos metafísicos. De facto, para mostrar que o problema é mais complexo – e a necessitar de uma investigação meticulosa e independente –, observam-se 48 municípios onde a mortalidade este ano, no período em análise, até foi mais baixa do que a média.
Saliente-se que hoje o Ministério da Saúde anunciou que vai avançar com “um estudo aprofundado” sobre “os excessos de mortalidade mais recentes”, nomeadamente “os que coincidem com a maior intensidade epidémica da covid-19 e do calor”.
Segundo o Público – que atribuiu erradamente ao Expresso ter sido o primeiro órgão de comunicação a detectar que todos os meses deste ano tiveram sempre mais de 10.000 óbitos – este estudo incidirá sobre os dois primeiros anos da pandemia “mas pressupõe-se que abrangerá também os primeiros sete meses deste ano, uma vez que o número de óbitos continuou elevado neste período, bem acima do padrão dos anos anteriores à pandemia, apesar de a covid-19 ter agora um peso mais reduzido na estatística das mortes por todas as causas.”
O Ministério da Saúde continua, entretanto, a recusar disponibilizar ao PÁGINA UM os dados detalhados e em bruto do SICO – que permitiria fácil e rapidamente identificar as causas de mortes que justificam o excesso de mortalidade nos últimos meses –, aguardando-se ainda a decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa sobre esta matéria. Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República mantém-se silenciosa sobre este assunto.
Um discreto e diligente burocrata, que foi saltitando de administração hospitalar em administração hospitalar, até ser colocado na presidência da Administração Central do Serviço de Saúde pela ministra Marta Temido (amiga de longa data), decidiu expurgar do acesso público, em Maio passado, uma detalhada base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar. Repôs agora, mas trucidando-a em três e “mutilando” a informação, tornando-a num sucedâneo inútil. O PÁGINA UM vai recorrer, mais uma vez, ao Tribunal Administrativo, e ao seu FUNDO JURÍDICO (com o apoio dos seus leitores), para obrigar o Ministério da Saúde a disponibilizar a base de dados original.
Um carniceiro de cutelo em riste não teria feito melhor obra a despedaçar uma carcaça. Victor Herdeiro – presidente da Administração Central do Serviço de Saúde (ACSS) e amigo de longa data da ministra da Saúde Marta Temido – mandou repor ontem a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar no Portal da Transparência do SNS, mas partida em três, com uma frequência trimestral e expurgando dados estatísticos que tornam intencionalmente a informação inútil.
Recorde-se que a retirada da base de dados original ocorreu após o PÁGINA UM ter começado a elaborar um conjunto de artigos de investigação sobre o desempenho das unidades hospitalares do SNS nos seus diversos departamentos (e doenças) ao longo da pandemia. Até Maio passado, a base de dados então existente no Portal da Transparência do SNS continha informação estatística (e, portanto, anonimizada) com uma frequência mensal e diversos campos que possibilitavam múltiplas análises: mês e ano, tipo de doenças (por grupo, incluindo covid-19), grupo etário, sexo, unidade de saúde, número de internados, dias de internamento e óbitos.
Marta Temido (ministra da Saúde) e Victor Herdeiro (presidente da ACSS), terceiro e quarto a contar da esquerda, juntos na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho.
Ora, os serviços de Victor Herdeiro “mutilaram” completamente a base de dados, com o fito de esconder análises mais elaboradas a partir da base de dados original – que requeria conhecimentos estatísticos mais avançados –, impedindo assim a descoberta de diferenças entre a “narrativa oficial” do Ministério da Saúde e a realidade.
Um dos artigos do dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho no PÁGINA UM, com informação obtida a partir da original base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar. Com a base de dados sucedânea e “mutilada” passará a ser impossível análises similares.
Com efeito, a ACSS – que alega, na comunicação formal de Victor Herdeiro ao PÁGINA UM, que estavam em causa informação protegida pelo Regulamento Geral de Protecção de Dados (na verdade, nunca houve nomes de pessoas divulgados) – não apenas alargou a periodicidade (passando a agregar dados mensais em trimestre) como expurgou, com intenção, os dados absolutos, disponibilizando somente taxas de internamento e de mortalidade.
A utilidade desta informação é agora nula.
Além disso, a base de dados original foi partida em três completamente separadas – por sexo, por faixa etária e por instituição –, impedindo assim, por exemplo, comparações entre unidades de saúde em função do grupo etário. Algo que se conseguia antes, agora o presidente da ACSS decidiu expurgar para evidente satisfação do Ministério da Saúde, para quem a base de dados original poderia vir a fazer (mais) mossa.
Recorde-se que os laços entre Marta Temido e Victor Herdeiro são bastante estreitos e de longa data. Ambos tiraram o curso de Direito, tendo-se cruzado nos corredores da Universidade de Coimbra, embora o actual presidente da ACSS seja mais velho (nasceu em 1969, enquanto Temido nasceu no início de 1974). No entanto, passaram a ter contactos estreitos há cerca de duas décadas, porque ambos ingressaram na carreira de administradores hospitalares.
Na Associação Nacional de Administradores Hospitalares (APAH) – uma poderosa agremiação por via das ligações políticas e dos financiamentos das farmacêuticas –, Victor Herdeiro e Marta Temido compartilharam mesmo três mandatos ao longo de nove anos: 2008-2011, 2011-2013 e 2013-2016.
Nos dois primeiros mandatos, Temido foi tesoureira e Herdeiro vogal, enquanto naquele último triénio a actual ministra presidiu à APAH, mantendo-se Herdeiro como vogal. Já sem Marta Temido nos órgãos sociais desta associação, Victor Herdeiro foi vice-presidente no mandato de 2016-2019. Ambos são também “responsáveis” pelo convite a Alexandre Lourenço para presidir à APAH há seis anos, como o próprio confessou em Março último.
Apesar desta tentativa de obstaculização ao acesso à informação e ao sinal evidente de obscurantismo da Administração Pública por conveniência política, o PÁGINA UM já solicitara expressamente ao presidente da ACSS o acesso integral à base de dados original – que continua a ser produzida mas não divulgada agora no Portal da Transparência do SNS. Como Victor Herdeiro não cedeu essa base de dados original, e já passou o prazo de 10 dias úteis para resposta, o PÁGINA UM apresentará, na próxima semana, um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo para obrigar a ACSS a disponibilizar esse conjunto de dados.
Caso o Tribunal Administrativo de Lisboa conceda ao PÁGINA UM o direito a ter acesso à base de dados original, poderemos continuar a ter informação isenta e rigorosa. Se o Tribunal não conceder esse direito, o obscurantismo do Ministério da Saúde vence e não haverá mais informação sobre o desempenho do SNS de forma independente.
N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores é o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso. Até ao momento, estão em curso oito processos administrativos e mais dois em preparação.
Estava prevista a instalação de 200 bebedouros em Lisboa no âmbito da Capital Verde Europeia, mas o projecto arrastou-se e só foram ainda colocados 30 em dois anos e meio. Este ano, nem um. Não houve problema: a EPAL, em parceria com a autarquia de Lisboa e uma associação ambientalista ligada ao PSD, foi mesmo assim distinguida com um prémio promovido pela revista Visão e patrocinado em 60 mil euros pela “holding” Águas de Portugal.
Uma trintena de bebedouros colocados ao longo dos anos da graça de 2020 e de 2021 foi o quanto bastou para a Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL) – em parceria com a autarquia de Lisboa e o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território (GEOTA) – “arrebatar” um prémio de sustentabilidade.
A inusitada façanha – quase ao nível das ancestrais inaugurações dos chafarizes do Estado Novo – foi entronizada pela revista Visão em Junho passado, através dos Prémios Verdes, cujo patrocínio exclusivo, com direito a contrato no Portal Base no valor de 60.000 euros, foi do Grupo Águas de Portugal – nada mais, nada menos do que a empresa-mãe da EPAL.
Inauguração do bebedouro da EPAL em Janeiro de 2020
O contrato em causa incluía também a realização de entrevistas e artigos de opinião de pessoas ligadas a esta empresa pública de saneamento.
Aliás, entre o júri dos prémios – que contou com cinco categorias – estiveram a própria directora da Visão, Mafalda Anjos, e o presidente do Grupo Águas de Portugal, José Furtado, que tem como seu vice-presidente José Manuel Sardinha, que acumula a presidência da própria EPAL.
Mas ainda mais espantoso do que o “amor maternal” do Grupo Águas de Portugal para com a sua empresa-filha EPAL é o facto de o projecto dos bebedouros estar ainda muito longe da conclusão. Ou melhor dizendo, está muito atrasado.
Primeiro bebedouro instalado, em foto tirada na semana passada.
Em concreto, dois anos e meio se passaram desde a “primeira pedra” e a taxa de execução está em apenas 15%, quase fazendo jus à primeira grande obra pública da antecessora da EPAL: o Aqueduto das Águas Livres demorou mais de 13 anos até chegar a Lisboa no século XVIII no meio de avanços e muitos recuos.
Lançado com pompa e circunstância em 27 de Janeiro de 2020, com direito à presença do então ministro do Ambiente Matos Fernandes e uma vasta comitiva, o primeiro dos 200 bebedouros, a serem disseminados pela capital, foi “plantado” na Avenida da Liberdade defronte à sede da EPAL. A cerca de 20 metros encontra-se um antigo e elegante bebedouro em pedra lioz, inactivo, como tantos outros em jardins alfacinhas.
Aplicativo H2o Quality mostra localização dos bebedouros da EPAL/Câmara de Lisboa e das juntas de freguesia.
Mas este, tal como os outros 199 previstos – que contavam com um orçamento de 400 mil euros –, eram de última geração: “mais modernos e inclusivos, em espaços abertos e fechados, que podem ser utilizados por crianças, adultos e pessoas com mobilidade reduzida”, possibilitando o enchimento de garrafas e de fornecimento de água a animais de estimação.
Aquando da inauguração deste primeiro bebedouro, enfatizou-se a sua importância na sustentabilidade ambiental e o seu enquadramento nas iniciativas de Lisboa como Capital Verde Europeia. Mas foi-se o ano de 2020, e apesar de se saber que os bebedouros eram de “água da torneira”, o projecto foi perdendo gás. Este ano, por exemplo, ainda não foi colocado nenhum.
Marcos Sá, assessor de comunicação da EPAL, alega questões contratuais para que apenas estejam até agora instalados 30 bebedouros, faltando portanto 170. “A partir de determinados valores, somos obrigados a fazer concursos públicos, e tivemos de os fazer para a montagem”, esclareceu o porta-voz da empresa.
Os bebedouros deste projecto podem ser encontrados no aplicativo H2O Quality, que tem também a localização de vários outros patrocinados por juntas de freguesias, nomeadamente Penha de França, Arroios e Estrela, que, aliás, nunca receberam prémio algum.
A EPAL garante agora que está prevista a conclusão da instalação dos 200 bebedouros no “primeiro trimestre de 2023”, após ter sido já feita uma adjudicação por ajuste directo. Certamente que se com 15% da “empreitada” concluída se recebeu um prémio, com 100% mais lhe serão atribuídos.
Oitavo processo de intimação do PÁGINA UM nos tribunais entrou hoje. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) está a criar obstáculos para se conhecer as diligências processuais contra médicos, entre os quais o pneumologista Filipe Froes. Mais uma iniciativa do FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores em prol da transparência da Administração Pública.
Três meses depois do pedido infrutífero para consultar os 34 processos instaurados a médicos desde 2018 – que englobam 26 de fiscalização, quatro de esclarecimento e quatro de contraordenação –, e que incluem o relativo ao pneumologista Filipe Froes, o PÁGINA UM apresentou hoje uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
Este é o oitavo processo similar em prol da transparência intentado pelo PÁGINA UM desde Abril passado, englobando, na sua maioria, entidades tuteladas pela ministra da Saúde, Marta Temido.
António Morais (ao centro), presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, tem em curso um processo de contra-ordenação instaurado pela IGAS, mas esta entidade está a obstaculizar o acesso à informação sobre 34 processos abertos a médicos desde 2018.
O processo agora intentado contra a IGAS surge já depois de um parecer não vinculativo da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e de uma tentativa – fora do prazo legal – do inpector-geral da IGAS em protelar o acesso aos comprometedores processos, cuja consulta serve também para averiguar a qualidade da tramitação. Por exemplo, no caso do pneumologista Filipe Froes, apesar do anúncio da abertura de um processo de averiguações em Novembro passado, nunca foram publicitadas as conclusões nem os pormenores das diligências levadas a cabo. Algo que, tanto neste como em outros casos, o PÁGINA UM tem legitimidade para conhecer.
Recorde-se que Filipe Froes continua a ser consultor da DGS e membro destacado da equipa que elabora as terapêuticas contra a covid-19, embora mantenha uma promíscua relação com a indústria farmacêutica. Só este ano recebeu cerca de 30 mil euros, integrando o quadro de consultores (advisory board) da Sanofi, AstraZeneca, Merck Sharp & Dohme e Gilead.
Filipe Froes teve um processo de averiguação aberto pela IGAS em Novembro do ano passado, mas nunca se soube que diligências foram efectivamente realizadas.
Para esta última empresa, Froes é especificamente consultor para o remdesivir, um antiviral que ele, como consultor da DGS, continua a recomendar como terapêutica, apesar dos efeitos adversos causados e da fraca eficácia. Tem também sido um profícuo divulgador do Paxlovid, um polémico antiviral da Pfizer, farmacêutica da qual recebeu oficialmente mais de 130 mil euros desde 2013.
No âmbito das investigações do PÁGINA UM às relações promíscuas entre médicos e farmacêuticas, a IGAS anunciou no mês passado a instauração de um processo de contra-ordenação ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais, que entretanto foi excluído da lista de consultores do Infarmed. António Morais – que chegou a apresentar uma queixa contra o director do PÁGINA UM junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social – presidente de uma sociedade científica que recebe quase 20 vezes mais verbas por ano do que aquela que seria admissível para que ele fizesse consultadoria para entidades estatais.
N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores é o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso. Até ao momento, estão em curso oito processos administrativos e mais dois em preparação.
Nono mês consecutivo sempre acima de 10.000 óbitos. Enterrou-se como nunca em Maio, Junho e Julho deste ano. O mais recente trimestre superou em 20% a média do último quinquénio, ultrapassando as 31 mil mortes. O Governo nada diz e a Procuradoria-Geral da República meteu todos os magistrados em “férias grandes”. Retrato de um país “esquizofrénico” que, ainda há pouco tempo, garantia que todas as vidas contavam.
Nove meses seguidos de mortalidade mensal sempre acima dos 10.000 mil óbitos já seria, por si só, calamitoso. Nunca antes sucedeu uma sequência tão longa a superar esta fasquia, mas as estatísticas mostram já muito mais do que uma mera calamidade. Estaremos ao nível de uma catástrofe ímpar; e ímpar até pelo ensurdecedor silêncio de políticos e magistrados.
O PÁGINA UM faz, entretanto, contas. Este Julho – que termina dentro de algumas horas, e mesmo faltando apurar números definitivos, sobretudo dos últimos dias – será garantidamente o pior de sempre desde que existem registos. E será certamente um máximo histórico para este mês em função da população nacional e da sua estrutura etária.
De acordo com os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), pelas 18:40 horas de hoje, estavam já contabilizados 10.527 óbitos por todas as causas desde o dia 1 de Julho. Certamente, o valor final superará os 10.600 – aliás, dentro das estimativas feitas pelo PÁGINA UM na passada quarta-feira –, ultrapassando assim o máximo anterior, o ano 2020.
Recorde-se que, há dois anos, num cenário pós-primeira vaga da pandemia – e quando a mortalidade por covid-19 rondava então somente três óbitos por dia –, o tempo mais quente causou um excesso de mortalidade nunca bem explicado.
Foi neste contexto que morreram quase duas dezenas de idosos num lar de Reguengos de Monsaraz, em parte por abandono e negligência. Nesse período, a Direcção-Geral da Saúde ainda desaconselhava o uso de ar condicionado por alegado perigo (nunca provado) de disseminação do SARS-CoV-2, agudizando assim as condições de saúde dos mais vulneráveis.
O mês de Julho de 2020 acabou assim com um saldo de 10.413 óbitos, de acordo com dados definitivos do Instituto Nacional de Estatística, o que já era um valor completamente anormal. Por regra, Julho é o segundo mês menos mortífero do ano (8.151 óbitos no quinquénio anterior à pandemia), ultrapassando apenas Setembro (7.885 óbitos no mesmo período).
Porém, mais grave ainda do que um Julho de 2022 anormalmente mortífero – com um recorde absoluto e ostentando os dois dias do ano mais letais (dias 14 e 15 com 458 e 454 óbitos, respectivamente) –, é este suceder a um Junho e a um Maio que também bateram recordes absolutos. E em larga escala.
Com efeito, o Junho deste ano terminou com 10.216 óbitos. Nunca noutro qualquer ano se superara os 10 mil. Cruzando os dados do INE e do Pordata, o Junho anterior mais mortífero foi o de 1981, com 8.867 óbitos, que ficou marcado por uma avassaladora onda de calor de 11 dias seguidos, e que terá causado um excesso de 1.906 óbitos.
Por sua vez, em Maio deste ano contaram-se 10.373 mortes por todas as causas, bem acima do pior ano anterior: Maio de 2020, em plena primeira vaga da pandemia, contabilizou 9.595 óbitos agregando todas as doenças.
Para destacar a situação inaudita que se tem estado a viver em 2022 – com o Governo a furtar-se a dar justificações e a recusar revelar bases de dados que intencionalmente esconde –, saliente-se que o mais recente Abril foi o segundo pior de sempre e o Março o quarto.
Mortalidade acumulada no trimestre Maio-Junho-Julho entre 1980 e 2022. Fonte: INE e Pordata. Análise: PÁGINA UM.
O morticínio do trimestre Maio-Julho deste ano – pela sua dimensão e persistência – também se releva quando se comparam períodos homólogos. No total, nestes três meses foram já contabilizados 31.116 óbitos, superando em mais de 2.500 mortes o segundo pior trimestre homólogo (2020, com 28.575 mortes).
Se se considerar a mortalidade média deste trimestre no último quinquénio (2017-2021), o excesso de mortalidade deste ano é de 5.211 óbitos, ou seja, um acréscimo de 20%. Ou, se se quiser noutra perspectiva, em média, nos meses de Maio, Junho e Julho morreram a mais 56 pessoas todos os dias. Todos os 92 dias, incluindo dias úteis, feriados e fins-de-semana.
E isto incluindo dois dos anos em que a pandemia da covid-19 esteve já presente, um dos quais (2020) sem vacina e com quase toda a população ainda sem contacto com o SARS-CoV-2.
Apesar deste morticínio da Primavera e Verão de 2022, a mortalidade total acumulada desde o início de Janeiro ainda não supera o ano passado, marcado por um excesso inaudito de óbitos sobretudo em Janeiro e Fevereiro.
Porém, caso se mantenha a tendência dos últimos meses – que está a atingir especialmente os maiores de 85 anos, o ano de 2022 ultrapassará os níveis de mortalidade total acumulada de 2021 ao longo do próximo mês de Agosto, algo que seria improvável acontecer em Fevereiro último.
Diferencial acumulado de óbitos por todas as causas ao longo do tempo (até 29 de Julho) entre 2022 e 2021. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Com efeito, uma vez que os dois primeiros meses de 2021 foram anormalmente letais, o diferencial no dia 28 de Fevereiro entre este ano e o ano passado era então de 10.003 óbitos – ou seja, em 2022 morreram em Janeiro e Fevereiro menos 10.003 pessoas do que no ano passado.
Porém, a partir de Março deste ano a mortalidade disparou, pelo que o diferencial se situa agora em redor de apenas 1.500 óbitos. Se Agosto se mantiver em 2022 tão mortífero como foram os últimos cinco meses, ter-se-á apenas de adivinhar o dia em que o presente ano supera o de 2021 em número acumulado de óbitos.