Categoria: Exame

  • Presidente do Infarmed vai ter mesmo de ir a tribunal por causa das reacções adversas às vacinas

    Presidente do Infarmed vai ter mesmo de ir a tribunal por causa das reacções adversas às vacinas

    Em mais um episódio do longo processo de intimação para obrigar o Infarmed a facultar o acesso a uma base de dados de “manifesto interesse público”, a juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa decidiu ontem que Rui Santos Ivo vai ter mesmo de se sentar à sua frente para dar explicações orais. Se não vai como testemunha, vai então como parte. A audiência está agendada, provisoriamente, para o próximo dia 24 de Janeiro.


    O presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, tem mesmo de depor em sessão especial do processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa que decidirá se a base de dados dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir devem ser públicas ou se se podem manter no “segredo dos deuses”. A sessão deverá ocorrer ainda este mês. Será a primeira vez que o Infarmed terá de justificar, sem contorcionismos, os motivos para esconder informação relevante sobre Saúde Pública.

    A decisão surgiu ontem num despacho da juíza Sara Ferreira Pinto, após mais uma tentativa do regulador nacional dos medicamentos de obstaculizar o acesso à informação.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed: há um ano a esconder dados do Portal RAM, não quer agora testemunhar perante o Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Recorde-se que o PÁGINA UM luta há mais de um ano para consultar em detalhe os dados anonimizados relacionados com os efeitos adversos resultantes destes dois fármacos (as vacinas das farmacêuticas Pfizer, Moderna, Astrazeneca e Janssen e o antiviral da Gilead). O acesso permitirá análises estatísticas mais finas sobre o tipo de afecções detectadas, o grau de gravidade e a incidência/ prevalência em função da idade.

    O primeiro requerimento do PÁGINA Um foi dirigido ao presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo em 6 de Dezembro de 2021, mas nem após um parecer não vinculativo da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) – que considerou haver “manifesto interesse público” em conhecer a segurança das vacinas” –, o regulador vacilou, e continuou a esconder dados, revelando apenas relatórios trimestrais de rigor e fiabilidade muito questionáveis.

    Após a interposição de uma intimação por parte do PÁGINA UM em Abril do ano passado, o Infarmed tem feito todas as manobras jurídicas para adiar uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Apesar de uma intimação ser classificada como “processo urgente”, os argumentos no Tribunal Administrativo correm há já quase nove meses, não havendo o mínimo sinal de transparência por parte do Infarmed: a sua estratégia – através da sociedade BAS, que, aliás, representa outras entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde em processos semelhantes – tem sido sobretudo de pôr em causa a possibilidade legal de mesmo um jornalista poder aceder à base de dados.

    Sede do Infarmed: onde se “sequestra” a verdade e onde se veda o acesso à transparência.

    O argumento principal do Infarmed tem sido a (estafada) impossibilidade de anonimizar a informação. Ou seja, supostamente para proteger a identidade de pessoas, não se fornece nenhuma informação relevante. E tem dito também que a informação possível já se encontra na base de dados EudraVigilance, da Agência Europeia do Medicamento (EMA). Esses dados são apresentados em formato agregado, sem qualquer detalhe informativo, e sem sequer quantificar óbitos por idade nem explicitar em que consistem os casos graves. Além disso, a maior parte da informação nem sequer está desagregada por país.

    Na verdade, o Infarmed tem-se esforçado em convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que, na terceira década do século XXI, ainda não se mostra tecnicamente possível numa base de dados informatizada excluir, de uma forma muito simples (por exemplo, através de uma simples instrução para seleccionar ou não determinado campo ou variável) os eventuais nomes das pessoas que aí constem, substituindo-os por códigos. Mas isto sempre através de requerimentos, nunca de viva voz.

    Por isso, quando o PÁGINA UM sugeriu no mês passado – no meio de um processo onde a estratégia de defesa do Infarmed procura complexificar algo simples (uma base de dados é um documento administrativo passível de consulta se anonimizados os dados pessoais, através de uma simples operação informática) – a auscultação presencial de Rui Santos Ivo, a sociedade de advogados BAS, que representa o regulador, alegou que os estatutos o impediam de depor como testemunha, uma vez que era “parte interessada”.

    Além disso, o requerimento daquela sociedade de advogados para excluir Rui Santos Ivo do rol de testemunhas pretendeu também retirar o cunho político da recusa do Infarmed em disponibilizar o Portal RAM ao PÁGINA UM. Ao pretender colocar o assunto como “eminentemente técnico”, a defesa de Rui Santos Ivo dizia que, em audiência provisoriamente marcada para o próximo dia 24 de Janeiro, basta[ria] ouvir Márcia Silva, directora de Gestão do Risco de Medicamentos do Infarmed – que, aliás, será tão parte interessada no processo como o seu presidente. Note-se que Márcia Silva foi indicada pelo Infarmed, e não mereceu qualquer oposição do PÁGINA UM no âmbito deste processo, como deve suceder numa questão jurídica justa e civilizada.

    Com o despacho de ontem, a juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa até acabou por aceitar que, para se ouvir Rui Santos Ivo, não se use o estatuto de “testemunha”, mas isso não obste que não se tenha de deslocar à audiência. Assim, não indo como “testemunha”, irá como “parte”. Uma questão de semântica, portanto.

    Ou seja, vai dar ao mesmo; mas assim se mostra como, de expediente em expediente, o Infarmed continua a esconder uma base de dados de manifesto interesse público. E o Ministério da Saúde a tudo isto assiste, calado e de forma serena. Até quando? O Tribunal Administrativo de Lisboa decidirá.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Em caso de derrota, os custos podem, não incluindo honorários do nosso advogado, atingir mais de 1.400 euros. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Sem levantar ondas: Infarmed demora 11 anos a retirar fármaco cancerígeno do mercado português

    Sem levantar ondas: Infarmed demora 11 anos a retirar fármaco cancerígeno do mercado português

    Eis um caso paradigmático de um medicamento retirado discretamente do mercado, mas com um polémico histórico de problemas éticos e de segurança. Em 2011, foi revelado que a pioglitazona, um antidiabético no mercado desde 1999, causava cancro da bexiga. Três anos mais tarde, duas farmacêuticas foram condenadas ao pagamento de uma indemnização avultada por um tribunal norte-americano, mas na Europa somente França e Alemanha decidiram retirar o fármaco de circulação. Em Portugal, o Infarmed aguardou 11 anos pela decisão da Agência Europeia do Medicamento de suspender o fármaco, usando argumentos pouco claros. E não responde quantos foram os casos de cancro da bexiga reportados no Portal RAM com ligação directa a este fármaco.


    Passaram 11 longos anos até o Infarmed decidir retirar do mercado português um medicamento para tratamento de diabetes tipo II considerado cancerígeno, e já envolto num processo judicial nos Estados Unidos, que levou duas farmacêuticas (Takeda e Eli Lilly) a pagarem 9 mil milhões de dólares por esconderem dados clínicos sobre efeitos secundários graves.

    A decisão do regulador português foi tomada na semana anterior ao Natal, no passado dia 21 de Dezembro, mas de uma forma absurdamente discreta, através de uma simples circular onde a retirada do fármaco em causa – a pioglitazona, comercializada (como genérico) em comprimidos sob a forma de genérico pela farmacêutica Mylan –, surge integrada numa lista de 13 medicamentos com suspensão de autorização de introdução de mercado (AIM), entre os quais um antibiótico, um anti-retroviral e outros para tratamento de sintomas da artrite, gripe e colesterol.

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    Na divulgação à imprensa, o Infarmed não fez qualquer menção às polémicas e casos judiciais envolvendo ao pioglitazona, referindo mesmo que “não há evidência de dano ou falta de eficácia em nenhum dos medicamentos incluídos neste procedimento”. O regulador, presidido por Rui Santos Ivo, justifica a suspensão de comercialização de todos aqueles fármacos por o Comité dos Medicamentos de Uso Humano (CHMP) da Agência Europeia do Medicamento (EMA) ter ficado com “dúvidas quanto à integridade dos dados em estudos realizados pela empresa Synchron Research Services localizada em Ahmedabad”, no estado indiano de Gujarate, que aparentemente apenas se referem a questões de bioquivalência.

    Salienta-se aqui o termo “aparentemente”, porque os documentos da EMA e a troca de correspondência entre este organismo europeu e o Infarmed estão legalmente protegidos, por razões comerciais, e os tribunais administrativos portugueses já sentenciaram não haver possibilidade, mantendo-se os diplomas legais em vigor, de aceder a esse tipo de informação ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. O PÁGINA UM perdeu, aliás, um processo em tribunal em Outubro passado, ficando impedido de aceder a documentos sobre a pandemia.

    Segundo apurou o PÁGINA UM junto de médicos, antes desta decisão do Infarmed de suspender a administração de pioglitazona, já poucos diabéticos usavam este fármaco. Em cerca de 1,3 milhões de diabéticos em Portugal, estima-se que pouco mais de quatro mil continuavam a usar a pioglitazona, até por existirem alternativas terapêuticas mais seguras.

    Porém, (mais) este episódio demonstra como a preocupação do regulador português aparenta incidir mais na protecção dos interesses das farmacêuticas do que na protecção e informação dos consumidores.

    De facto, a pioglitazona – patenteada pela japonesa Takeda em 1985, com uso clínico a partir de 1999 e comercializada na Europa desde Outubro de 2000 – começou a ter uma utilização bastante intensa a nível mundial na primeira década do presente século, quer de forma isolada (sob a marca comercial de Actos) quer em produtos combinados com outros fármacos. Em 2011 passou a ser comercializado também como genérico, e foi a partir daí que começaram a ser descobertos os efeitos secundários adversos.

    Circular de 2011 do Infarmed sobre a pioglitazona.

    Em Abril desse ano, a Food and Drug Administration (FDA) – o regulador norte-americano – passou a obrigar a inclusão de risco de cancro na bexiga na bula da pioglitazona. Essa decisão levaria a França, nesse mesmo ano, e a Alemanha, dois anos mais tarde, a retirarem este fármaco do mercado. No entanto, a EMA, bem como o Infarmed, para o mercado português, decidiram apenas exigir mais estudos, considerando que os benefícios suplantavam os riscos.

    De acordo com uma circular do Infarmed de Junho de 2011 – ou seja, há mais de 11 anos –, a CHMP do regulador europeu solicitou “ao Titular de Autorização de Introdução no Mercado a realização de um estudo epidemiológico europeu que permita uma caracterização mais robusta do risco de cancro da bexiga, em particular, o risco associado ao tempo de exposição e o risco associado à idade, para que possam vir a ser tomadas medidas de minimização do risco mais específicas”. E estabeleceu ainda que “este estudo deve incidir sobre a análise do tipo, evolução e gravidade dos casos de cancro da bexiga que ocorreram nos doentes em tratamento com pioglitazonas em comparação com os diabéticos que não estão em tratamento com pioglitazonas.”

    Porém, apesar disso, o Infarmed assegurava já então, nessa circular, e sem os tais estudos que a EMA pedira, que “os benefícios da pioglitazona continuam a superar os seus riscos em doentes que respondam adequadamente ao tratamento”, sugerindo somente precaução na prescrição em doente que tenham ou tivessem tido “cancro da bexiga ou que apresentem hematúria macroscópica de causa desconhecida” ou estivesse sujeitos a factores de risco, como idade, tabagismo e “exposição a certos químicos ou tratamentos”, não especificados.

    Não houve nenhuma alteração nos procedimentos nos anos seguintes, mesmo quando a farmacêutica japonesa Takeda e o seu parceiro de marketing, a norte-americana Eli Lilly, foram condenadas em Abril de 2014 por sentença de um tribunal do Estado da Louisana ao pagamento de um verba de 9 mil milhões de dólares, por “danos punitivos”.

    O tribunal norte-americano considerou que a Takeda escondera deliberadamente os efeitos da pioglitazona na promoção de cancro da bexiga em diabéticos, obrigando-a ao pagamento de dois terços do montante. A farmacêutica japonesa conseguira, antes da perda do monopólio da comercialização, receitas da ordem dos 4,5 mil milhões de euros apenas no ano de 2011, representando então 27% da sua facturação.

    Takeda foi multada em 6 mil milhões de dólares por um tribunal norte-americano em 2014. A sua parceira Eli Lilly foi condenada ao pagamento de 3 mil milhões de dólares.

    Apesar das limitações legais de aceder a documentos considerados “segredo comercial”, o PÁGINA UM contactou o Infarmed, para que esclarecesse “os verdadeiros motivos para a retirada deste fármaco”, e que fossem indicados “quantos pacientes usaram o fármaco no ano mais recente, quais as alternativas farmacológicas actualmente existentes, e quantos doentes portugueses tratados com pioglitazona foram, segundo dados do Portal RAM, diagnosticados com cancro da bexiga desde 2011.”

    O Conselho Directivo do Infarmed, presidido por Rui Ivo Santos, somente repetiu os termos da sua circular de Dezembro passado, além de acrescentar que “a associação entre desenvolvimento ou agravamento de cancro da bexiga com a utilização de medicamentos contendo pioglitazonas é um risco já conhecido desde 2011 e já está incluído nos Resumo das Caraterísticas do Medicamento e Folheto Informativo de todos estes medicamentos, nomeadamente na secção 4.3, 4.4, 4.8 e 5.3, secções 2 e 4.”

    Eis a hermética forma de comunicação do Infarmed em 2023 sobre um medicamento retirado do mercado em 2022, mas que já dava sinais de preocupantes problemas, também de ética, desde 2011.

  • Excesso líquido de mortalidade em três anos superou os 28.500 óbitos. Mais de 2.000 foram entre grupos etários pouco afectados pela covid-19

    Excesso líquido de mortalidade em três anos superou os 28.500 óbitos. Mais de 2.000 foram entre grupos etários pouco afectados pela covid-19

    Esqueça as estatísticas simplistas da imprensa mainstream. Esqueça as explicações surreais e às cegas dos “peritos” sobre as causas do excesso de mortalidade. Esqueça as tentativas do ministro Manuel Pizarro de culpar as ondas de calor. Leia sim a análise exclusiva do PÁGINA UM que mostra como o excesso de mortalidade não foi homogéneo ao longo dos grupos etários, e que existem situações demasiado suspeitas para não se fazer uma investigação independente sobre o que se anda a passar desde 2020 em Portugal. Investigação essa que deveria incluir, obviamente, uma investigação judicial se a procuradora-geral da República, Lucília Gago, estivesse virada para estes assuntos mundanos e, enfim, demasiado comezinhos como são a morte e a Saúde Pública.


    Já se sabia que o processo de envelhecimento populacional em Portugal – que está associado também a uma boa notícia: vive-se mais tempo, morre-se mais tarde – levaria a um aumento absoluto de óbitos no último triénio. De acordo com a tendência demográfica a partir de 2014, era muito expectável que se registasse uma subida média de cerca de 1.500 óbitos em cada ano.

    Podia num ano ser mais, mas seria compensado com um valor inferior no ano a seguir. Em termos médios o incremento não deveria fugir muito daquele incremento.

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    Porém, a pandemia – e o pandemónio em que se transformou a gestão dos serviços de saúde portugueses – trocou as voltas às leis naturais da vida. Em 2020, com o surgimento do SARS-CoV-2, a mortalidade associada à covid-19 e a outras causas disparou: em vez dos esperados 113.705 óbitos – sensivelmente mais 1.350 mortes do que em 2019, que foi ano “ameno” –, contabilizaram-se 123.743 óbitos.

    O ano seguinte (2021) foi ainda bem pior, sobretudo por causa dos meses de Janeiro e Fevereiro, com uma mortalidade sem precedentes associada a surtos de covid-19 e a uma vaga de frio que deixou o Serviço Nacional de Saúde num caos. Em resultado, 2021 acabou por atingir um recorde de 125.231 óbitos, isto é, um excesso de mortalidade de 10.128 mortes. Confrontando com o ano de 2021, este excesso foi até ligeiramente superior a 2020 (10.038 óbitos a mais), o que já mereceria uma especial preocupação.

    Evolução da mortalidade total em Portugal desde 2014 até 2022, com cálculo da mortalidade expectável e do excesso de mortalidade líquida. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Mostra-se extremamente anormal dois anos sucessivos de excesso de mortalidade – mesmo no meio de uma pandemia, que, contudo, “substituiu” as pneumonias típicas (cuja incidência desceu abruptamente, também por via do desaparecimento dos surtos gripais desde 2020 até à data). Ainda mais quando em 2021 já uma parte substancial do ano decorreu com a população mais vulnerável sob protecção das supostamente eficazes vacinas contra a covid-19.

    Certo é que, lamentavelmente, dois anos de excesso de mortalidade não bastaram: houve um terceiro. De facto, ao invés de se observar uma inversão dos padrões de mortalidade – ou seja, uma redução por via da morte de uma quantidade muito elevada de pessoas vulneráveis –, o ano de 2022 contabilizou novo excesso líquido de mortalidade: mais 8.338 óbitos. E de forma também anormalmente consistente, com nove meses sempre acima dos 10 mil óbitos. O recente mês de Dezembro foi mesmo o mais mortífero do ano passado, com 12.246 óbitos.

    Exesso de mortalidade líquida em Portugal em cada grupo etário por ano no triénio 2020-2022. O valor total incluiu a mortalidade com idade desconhecida, pelo que não cotrresponde ao somatório dos valores dos grupos etário. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Deste modo, segundo os cálculos e estimativas do PÁGINA UM, mesmo considerando ser expectável um aumento da mortalidade absoluta – como se disse, fruto do envelhecimento da população –, o triénio da pandemia (2020-2022) acarretou um excesso líquido de óbitos da ordem dos 28.504.

    Note-se mais uma vez que este é um “excesso líquido”, uma vez que seria sempre expectável tal incremento de cerca de 1.500 óbitos por ano. Ou seja, face ao triénio anterior, o triénio 2020-2022 teria, em situações normais, um acréscimo de cerca de nove mil óbitos mesmo com as habituais doenças.

    Em termos absolutos, a faixa etária mais afectada foi a dos maiores de 85 anos, embora tenha sido notório que o último triénio não tenha sido nada favorável para o grupo das pessoas em idade de reforma. Na verdade, a proximidade do excesso relativo de mortalidade entre os grupos dos maiores de 85 anos (+9,5% no conjunto do triénio), dos 75 aos 84 anos (+8,8%) e dos 65 aos 74 anos (+7,7%) indicia que não foi apenas a covid-19 a responsável pela “sangria”, tendo em conta que a taxa de letalidade daquela doença é bastante distinta entre estes três grupos.

    Análise para o grupo etário dos maiores 85 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, é certo que os maiores de 85 anos foram, em termos absolutos, o grupo mais fustigado pela morte – como é, desde sempre, a “lei da vida”. Porém, deve considerar-se que este grupo etário tem estado em franco crescimento – pelo aumento da expectativa de vida. Por exemplo, no início dos anos 70 do século passado viviam pouco mais de 40 mil idosos com mais de 85 anos; início do presente século já eram mais de 150 mil; em 2019 tinha subido para os 215 mil; e em 2020, segundo as estimativas do Instituto Nacional de Estatística, eram já 328 mil.

    Estes números são excelentes notícias: significou que um cada vez mais número de pessoas consegue atingir idades avançadas. Mas a inexorável “lei da morte” nos leva. E daí que não é de estranhar, digamos assim, que cada vez haja mais mortes a atingir os maiores de 85 anos.

    Porém, não se exagere. Mesmo com um crescimento expectável na mortalidade absoluta neste grupo etário – que antes do triénio da pandemia se situaria na ordem dos 1.500 óbitos em cada ano –, em 2020 acabaram por falecer 5.201 pessoas a mais; em 2021 mais 4.506 e no ano passado mais 4.424. Significa assim que, no total, morreram precocemente – mesmo se acima da esperança média de vida – um total de 14.131 pessoas neste grupo etário.

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    Em todo o caso, saliente-se que mesmo com esta sangria, este grupo de pessoas deverá continuar a aumentar nos próximos anos – antes da pandemia crescia a um ritmo acima das 10 mil pessoas por ano –, continuando assim a exigir maiores investimentos em cuidados de saúde.

     No caso do grupo imediatamente antecedente – o dos 75 aos 84 anos –, o último triénio foi também bastante trágico, sobretudo porque o excesso se manteve elevado e estável. Ao contrário do grupo dos maiores de 85 anos, nesta faixa etária estava a observar-se um ligeiro decréscimo da mortalidade (cerca de 300 óbitos em cada ano), que advinha, em grande medida, a melhoria dos cuidados médicos que permitia que um maior número de pessoas pudesse dar o “salto” em vida para o grupo etário seguinte.

    Os três últimos anos vieram, contudo, inverter fortemente essa tendência. Em 2020 observou-se um excesso líquido de 2.959 óbitos; no ano seguinte de 3.110 mortes e em 2022 contabilizaram-se mais 2.492 óbitos do que o expectável. No total registou-se assim um acréscimo de 8.561 mortes acima do esperado.

    Análise para o grupo etário dos 75 aos 84 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Também preocupante foi o excesso líquido de mortalidade entre os 65 e os 74 anos, que estará longe de ser explicado apenas pela covid-19. Neste caso, no primeiro ano da pandemia contabilizaram-se mais 1.246 óbitos, em 2021 mais 1.716 mortes e, no ano passado, mais 892 óbitos.

    Neste caso deve considerar-se que este acréscimo líquido tem em conta que existia uma tendência de aumento da mortalidade absoluta da ordem dos 200 óbitos por ano, resultante do aumento deste grupo etário, formado por pessoas nascidas entre meados das décadas de 40 e início dos anos 50 do século passado.

    Análise para o grupo etário dos 65 aos 74 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Mas mesmo nos grupos mais jovens – que foram apenas marginalmente afectados pela covid-19 –, observou-se excesso de mortalidade. Com excepção dos menores de 15 anos, em todas as idades contabilizou-se mais mortes do que seria de esperar nos últimos três anos.

    Em termos relativos, o maior aumento – e mais surpreendente – verificou-se no grupo etário entre os 15 e os 24 anos (+12,8%), ainda mais com a particularidade de o pior ano (com mais excesso) ter sido o de 2022, como já foi abordado ontem pelo PÁGINA UM.

    Análise para os grupos etários dos menores de 1 ano (A), dos 1 aos 4 anos (B), dos 5 aos 14 anos (C) e dos 15 aos 24 anos (D): mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM. Para visualizar com maior detalhe: menores de 1 ano, entre os 1 e os 4 anos; entre os 5 e os 14 anos; e entre os 15 e os 24 anos.

    No entanto, a mesma situação observou-se no grupo etário dos 35 aos 44 anos. Neste caso, o excesso do triénio foi de 5,1%, mas a distribuição não foi homogénea em termos absolutos. O excesso em 2020 foi de 52 mortes, subiu em 2021 para os 57 e quase duplicou no ano passado (mais 106 óbitos).

    Explicação para isto? Não existe, apesar da existência da base de dados discriminada do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) que poderia apurar quais foram as doenças responsáveis por estes desvios. Mas, como se sabe, o Ministério da Saúde recusa a divulgar essa e outras bases de dados, estando a decorrer ainda processos judiciais sobre esta matéria nos tribunais administrativos.

    Análise para o grupo etário dos 35 aos 44 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Também nos dois grupos subsequentes, entre os 45 e os 64 anos) se conta excesso de mortalidade em qualquer um dos três últimos anos, embora mais moderado em 2020 face a 2021 e 2022.

    No caso do grupo dos 55 aos 64 anos, o excesso líquido de mortalidade foi de 1.439 óbitos (+5,1%), sendo que o PÁGINA UM estimou que, com base nos valores efectivos e na tendência entre 2014 e 2019, um total de 450 mortes a mais se contabilizaram em 2020, mais 664 em 2021 e ainda mais 325 no ano que se concluiu no sábado passado.

    Análise para o grupo etário dos 55 aos 64 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em relação ao grupo dos 45 aos 54 anos, o excesso líquido de mortalidade foi de 3,1%, significando assim mais 399 óbitos no último triénio do que o esperado. Nesta faixa etária, observou-se excesso em todos os três anos, mas muito mais moderado em 2022.

    Com efeito, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, em 2020 contabilizaram-se 166 mortes a mais, e em 2021 um acréscimo não esperado de 172, tendo no ano passado descido para 61 mortes a mais.

    O grupo adulto menos afectado pelo excesso generalizado de mortalidade acabou por ser o dos 25 aos 34 anos, que “apenas” registou um acréscimo de 2,7% na mortalidade expectável para o triénio 2020-2022.

    Análise para o grupo etário dos 45 aos 54 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Neste caso, porém, os valores absolutos são relativamente baixos: 45 óbitos a mais nos três anos, o que se pode considerar dentro da normalidade, sobretudo se se, em termos de tratamento estatístico, fossem aplicados intervalos de confiança nesta análise.

    Esta análise do PÁGINA UM comprova sobretudo a necessidade premente de uma avaliação independente das causas de morte aos diversos grupos etários, não podendo continuar-se nesta “alimentada” ignorância, que alimenta a especulação de supostos peritos – e mais as suas “explicações” com base em impressões, “cherry picking” e enviesamentos a segurar teses durante a pandemia.

    Análise para o grupo etário dos 25 aos 34 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Perante isto, seria muito fácil, demasiado fácil, conhecer a verdade: bastaria o Ministério da Saúde disponibilizar a base de dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) – onde constam as causas discriminadas de morte desde 2014 – e dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos – que permite aferir quais as doenças que justificaram os internamentos e as mortes em meio hospitalar. Em pouco tempo, em demasiado pouco tempo, com os meios estatísticos já disponíveis, seria possível apurar o que sucedeu nos últimos três anos.

    E arrepiar caminho, salvando-se o que se pode e deve salvar. Ontem já era tarde. Enquanto isso, só este ano, com o terceiro dia ainda em curso, já se finaram mais de mil portugueses….

  • Jovens dos 15 aos 24 anos são o grupo etário com maior excesso relativo na mortalidade total entre 2020 e 2022

    Jovens dos 15 aos 24 anos são o grupo etário com maior excesso relativo na mortalidade total entre 2020 e 2022

    A covid-19, como doença, não teve qualquer impacte relevante nos jovens, e as medidas não-farmacológicas até terão permitido que muitos lactentes e crianças em idade pré-escolar tivessem sobrevivido nos últimos três anos. Estimativas rigorosas do PÁGINA UM, com base na informação do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e ponderada a evolução da mortalidade nos anos pré-pandémicos, mostram que até aos cinco anos o saldo foi francamente positivo: até aos cinco anos de idade terá havido 220 mortes a menos do que previsivelmente ocorreria se não houvesse pandemia. Porém, no grupo dos 15 aos 24 anos, sucedeu um “desastre”, e sobretudo no ano passado: um inacreditável aumento de 115 mortes acima do esperado entre 2020 e 2022, que não encontra, em termos relativos, comparação sequer com os valores contabilizados para os mais idosos. E se não foi por culpa da SARS-CoV-2, do que foi então? Não se sabe, porque o Ministério da Saúde não diz, não investiga e opõe-se nos tribunais administrativos para não se saber. E a sociedade, no seu todo, também parece mostrar-se indiferente.


    O grupo etário mais afectado pelos três anos da pandemia foi, de forma surpreendente, os adolescentes e jovens entre os 15 e os 24 anos. Uma análise estatística estratificada do PÁGINA UM, tendo em consideração a tendência da mortalidade no período anterior à pandemia (2014-2019) – que está dependente dos avanços médicos e das variações absolutas da população dentro de cada faixa etária – revelou um agravamento de 13% na mortalidade nos jovens entre os 15 e os 24 anos no conjunto dos anos de 2020, 2021 e 2022.

    De acordo com os cálculos do PÁGINA UM, neste grupo etário – que se encontra em ligeiro decréscimo devido à redução da natalidade nas últimas décadas – seria expectável que, em função do que sucedera entre 2014 e 2019, tivessem morrido 303 pessoas em 2020, mas acabaram por se registar mais 28 óbitos. Ou seja, 331 mortes.

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    Sem pandemia, em 2021 estimava-se a morte de 300 jovens destas idades, mas acabaram por falecer mais 12. Já no ano de 2022, que agora terminou, ainda se agravou mais: seria de esperar uma mortalidade total ao longo dos meses de 296 óbitos, mas o valor suplantou em 25,5% essa fasquia: contaram-se 371 mortes, mais 75 do que seria de aguardar. Desde 2014, o máximo ocorrera em 2017, com 326 óbitos.

    Esta situação ainda é mais surpreendente, porque 2022 foi o terceiro ano consecutivo em excesso, não havendo uma explicação com base na mortalidade por covid-19. De acordo com a base de dados da mortalidade e morbilidade hospitalar, constante na Plataforma da Transparência do SNS, registaram-se seis óbitos atribuídos ao SARS-CoV-2 entre os 15 e os 24 anos, sendo metade em 2021 e a outra metade em 2022.

    Análise para o grupo etário dos 15 aos 24 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Neste grupo etário, em termos de mortalidade total – e salientando que os óbitos são, felizmente, raros nestas idades –, a covid-19 representou 0,6% das causas de entre os 1014 dos desfechos fatais ocorridos nos últimos três anos. Se se considerar a taxa de letalidade da covid-19 nos jovens entre os 15 e os 24 anos – e assumindo que cerca de metade deste grupo etário esteve em contacto com o vírus –, os valores em Portugal são irrelevantes: 0,001%. Muito mais baixos do que os relativos às pneumonias. Aliás, ao longo da pandemia da covid-19, a morbilidade e mortalidade associadas às doenças do aparelho respiratório nos mais jovens diminuíram consideravelmente.

    Em contraste com a situação dramática dos jovens dos 15 aos 24 anos, o triénio da pandemia (2020-2022) foi anormalmente favorável nos lactantes e crianças com menos de 5 anos. De acordo com as estimativas do PÁGINA UM, os recém-nascidos tiveram, durante a pandemia muito maiores chances de sobrevivência, porventura devido a um menor contacto com factores externos.

    Análise para o grupo etário dos menores de 1 ano: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e défice (valor inferior a zero) de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do “défice” de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável, daí dar um número negativo. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Nesta fase mais frágil da vida, em 2020 registaram-se menos 60 óbitos do que se esperaria; em 2021 menos 86 óbitos; e no ano passado menos 52. No total do triénio conta-se assim uma “poupança” de 198 vidas, ou seja, um decréscimo de quase 24%, o que é muito significativo.

    No grupo etário das crianças em idade pré-escolar (1 aos 4 anos) também se registou um decréscimo acentuado, mas menor, embora também muito significativo. Neste grupo – que, por norma, é de baixíssima mortalidade – contabilizaram-se menos 10 óbitos em 2020, menos nove em 2021 e menos três no ano passado. Contas feitas, estas 22 vidas poupadas representam uma redução global no triénio, face aos valores expectáveis, de 11%.

    Análise para o grupo etário dos 1 aos 4 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e défice (valor inferior a zero) de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do”défice” de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável, daí dar um número negativo. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    No caso do grupo dos 5 aos 14 anos, o triénio da pandemia foi praticamente indiferente. No ano de 2020 houve uma poupança de 10 vidas, mas em 2021 surgiu um acréscimo de 10. No ano passado, o número de óbitos foi aquele que seria expectável.

    Para Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, a “consistência dos números de excesso de mortalidade” na faixa dos 15 aos 24 anos deveria merecer uma “investigação aprofundada das autoridades de Saúde”. Para este pediatra, seria extremamente fácil analisar, até pelo número de casos, se os incrementos se deveram a acidentes, a problemas de toxicodependência, a suicídios, ou a outras causas. “Esses dados existem; basta que as autoridades queiram analisar”.

    Análise para o grupo etário dos 5 aos 14 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e défice (valor inferior a zero) de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do “excesso” ou “défice” de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável, daí resultando um número positivo ou negativo. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Quanto à eventualidade de um incremento nos próximos anos da mortalidade em crianças em idade pré-escolar – porque muitos lactentes mais frágeis sobreviveram, nos últimos três anos,  devido a super-protecção a agentes externos devido às medidas não-farmacológicas durante a pandemia –, Amil Dias está optimista: “pode haver um rebound [agravamento por um aumento do contacto de agentes externos], mas os lactentes mais frágeis que acabaram por sobreviver, por estarem mais protegidos, podem ter ficado mais fortalecidos e, assim, terem maiores probabilidades de sobrevivência”.


    N.D. Amanhã, o PÁGINA UM apresenta uma análise detalhada similar para os grupos etários com idades superiores aos 25 anos. Serão apresentados os gráficos, com os valores, de excesso de mortalidade total, bem como uma análise global do excesso de mortalidade total (que, para ser mais rigoroso, não deve ser feito comparando somente os diversos). Saliente-se que, ainda com mais rigor, se poderia realizar cálculos com intervalos de confiança, mas não modificaria muito as conclusões que se podem retirar desta análise exclusiva. Realizaram-se pequenas rectificações de valores das estimativas durante a tarde de 3 de Janeiro de 2023.

  • Vacinas: Manuel Pizarro com processo de intimação no Tribunal Administrativo por esconder contratos

    Vacinas: Manuel Pizarro com processo de intimação no Tribunal Administrativo por esconder contratos

    O Ministério da Saúde recusa divulgar os contratos das compra das vacinas contra a covid-19. Desde Março de 2021, não é colocado no Portal Base qualquer documento sobre compras às farmacêuticas. Até então teriam sido compradas menos de 11 milhões de lotes, menos de 25% do total eventualmente adquirido. Ignora-se também as condições acordadas, nomeadamente ao nível da responsabilização e de eventuais compras obrigatórias no futuro.


    O PÁGINA UM entrou hoje, último dia do ano, com mais um processo de intimação para obrigar o Ministério da Saúde a revelar documentos administrativos, que continua a esconder. O processo tem já o número 3879/22.1BESLSB, devendo ser distribuído na segunda-feira. O Ministério da Saúde será notificado para responder obrigatoriamente durante a próxima semana.

    Desta vez, já com Manuel Pizarro como ministro da Saúde, pretende-se a “consulta presencial e obtenção de cópia, em qualquer formato disponível, de todos os contratos integrais (incluindo anexos e cadernos de encargos) assinados entre a Direcção-Geral da Saúde (ou outras entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde) e as farmacêuticas que comercializam vacinas contra a covid-19, desde 2020 até à data, incluindo documentos de entrega (guias de transporte), bem como toda a documentação (troca de correspondência) entre as entidades adjudicantes e adjudicatárias ao longo desde período.”

    Apesar da obrigatoriedade legal de colocar todos os contratos públicos no Portal Base, o Governo, através da Direcção-Geral da Saúde – que terá sido a única entidade pública a efectuar as aquisições –, está intencionalmente a omitir a inclusão de qualquer contrato relacionado com as vacinas contra a covid-19 desde Março de 2021. Ignoram-se assim, de forma inequívoca, quantos lotes foram adquiridos a cada farmacêutica, os preços unitários e as condições de venda, incluindo as relacionadas com responsabilização.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    Na plataforma da contratação pública, ainda hoje consultada pelo PÁGINA UM, apenas constam quatro contratos todos do primeiro trimestre de 2021: duas compras de vacinas à Pfizer Biofarmacêutica (no valor de 54.489.660 euros, em 19 de Fevereiro; e de 34.419.238 euros em 23 de Março) e mais duas à Moderna (27.247.155 euros e 18.780.000 euros, ambas em 23 de Março). No total constam assim apenas as compras de um pouco menos de 135 milhões de euros.

    No caso destes contratos com a Pfizer foram então compradas 6.761.401 doses, ao preço unitário de 12 euros, mas ignora-se o custo unitário das vacinas da Moderna, porque são omitidos documentos fundamentais. Em todo o caso, se se considerar um preço unitário similar, nestes quatro contratos terão sido adquiridas cerca de 10,6 milhões de doses de vacinas contra a covid-19.

    Essa é uma pequena percentagem da quantidade já administrada. Em Outubro passado, o Ministério da Saúde revelou ao PÁGINA UM que, desde Dezembro de 2020, Portugal já comprara quase 45 milhões de vacinas contra a covid-19 e que teria então um stock de cerca de 9,5 milhões de doses. O Ministério da Saúde acrescentava ainda que “até 17 de Outubro foram administradas cerca de 25 milhões de vacinas”. Esta semana, o gabinete de Manuel Pizarro disse que tinham sido administradas 26,5 milhões de doses nos dois últimos anos. Em causa estará um negócio global que terá já custado, pelo menos, 675 milhões de euros ao Estado português.

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    Para confirmar as condições das compras e da assumpção de responsabilidades, o PÁGINA UM solicitou formalmente, após diversos pedidos informais, que o Ministério da Saúde disponibilizasse todos os contratos e documentos complementares. O pedido foi formulado em 22 de Novembro passado, e no dia 6 de Dezembro a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde assumiu ao PÁGINA UM que “não possui a informação pretendida”, e que tinha enviado o pedido, conforme imposição legal, para a Direcção-Geral da Saúde (DGS) “para pronúncia e resposta”.

    Como habitualmente, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas – que esta semana anunciou a reforma – nem sequer respondeu. Como a DGS não tem personalidade jurídica para responder em processos administrativos, será o Ministério da Saúde que foi intimado junto do Tribunal Administrativo.

    Este processo de intimação será o terceiro instaurado pelo PÁGINA UM ao longo de 2022, sendo o primeiro no mandato de Manuel Pizarro, que assim mantém a filosofia de obscurantismo da sua antecessora, Marta Temido.

    Os outros dois ainda estão em fase de decisão, em recurso. Além destes processos, o PÁGINA UM entrou com intimações por obscurantismo – ou seja, recusa de acesso a documentos administrativos – envolvendo outras entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, nomeadamente a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (que venceu), a Administração Central do Sistema de Saúde (que venceu em primeira instância, estando em recurso) e Infarmed.

    Neste último caso, o PÁGINA UM perdeu um processo – por o Tribunal Administrativo considerar que os documentos sobre segurança dos medicamentos estão abrangidos por segredo comercial – e está em curso outro, desde Abril passado, relativo aos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Em caso de derrota, os custos podem, não incluindo honorários do nosso advogado, atingir mais de 1.400 euros. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Irmão do presidente da República ganha contrato na NAV três dias após nomeação de Alexandra Reis para liderar a empresa pública

    Irmão do presidente da República ganha contrato na NAV três dias após nomeação de Alexandra Reis para liderar a empresa pública

    Não foi apenas a negociar a indemnização de 500 mil euros por rescindir com a TAP que os caminhos do advogado Pedro Rebelo de Sousa e da ex-secretária de Estado do Tesouro se cruzaram. Três dias após a nomeação formal de Alexandra Reis para liderar a NAV, esta empresa pública contratou a sociedade do irmão do presidente da República para prestar serviços jurídicos na área do trabalho. Em todo o caso, já se sabia desde Abril passado que a agora ex-secretária de Estado do Tesouro iria para aquela empresa pública de gestão da navegação aérea. Quanto a Pedro Rebelo de Sousa, apesar do seu irmão, o presidente da República, defender que tem já pouca influência na gestão do sociedade de advogados que fundou, imagine-se então se tivesse muita: o PÁGINA UM revela aqui a evolução dos contratos públicos sacados pela SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados, na esmagadora maioria por ajuste directo.


    A sociedade de advogados de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do presidente da República, conseguiu ganhar um contrato de prestação de serviços à Navegação Aérea de Portugal (NAV), no valor de 66.861 euros, apenas três dias após a nomeação formal de Alexandra Reis como presidente do conselho de administração daquela empresa pública.  O despacho de nomeação, assinado pelo ainda ministro das Finanças, Fernando Medina, e pelo demissionário ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos tem data de 24 de Junho deste ano; o contrato entre a NAV e a SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados é de 27 de Junho, embora tenha entrado em vigor retroactivamente, em 14 de Junho daquele mês.

    Embora Alexandra Reis não tenha estado directamente envolvida no contrato – terá sido assinado por dois vogais em funções, uma vez que só assumiu a presidência formal em 1 de Julho –, há muito era conhecida a sua indigitação para liderar a empresa de gestão do tráfego aéreos. E as suas ligações a Pedro Rebelo de Sousa eram óbvias: o advogado negociara, no início deste ano, a famosa indemnização de 500 mil euros pela rescisão do cargo de vogal do conselho de administração da TAP.

    Pedro Rebelo de Sousa, como surge no site da SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados

    Alexandra Reis saíra da companhia aérea estatal em Fevereiro passado – em rota de colisão com a CEO Christine Ourmieres-Widener –, mas em 11 de Abril já estava o seu currículo em análise pela Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração (CReSAP).

    O contrato de prestação de serviço, disponível no Portal Base, não identifica sequer quem assinou o contrato de ambas as partes – o que é uma situação ilegal e de pouca transparência, uma vez que a protecção de dados não se aplica aos nomes das pessoas envolvidas na sua assinatura –, e apenas refere, de forma muito abstracta, o objecto: “serviços de assessoria jurídica no âmbito da área de prática de Direito do Trabalho”, remetendo para um caderno de encargos não disponibilizado (o que também não é legal). Sabe-se apenas que a sociedade de Rebelo de Sousa foi a escolhida, ignorando-se os critérios, depois de uma consulta prévia a outros três conhecidos escritórios de advogados: PLMJ, Garrigues e Vieira de Almeida.

    Alexandra Reis foi nomeada para liderar uma empresa que três dias depois contratou o advogado que negociara a sua indemnização pela rescisão na TAP.

    Este contrato de Rebelo de Sousa acaba por ser, porém, apenas mais um dos muitos que a sua sociedade tem conseguido nos últimos anos.

    Apesar de Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, ter já tentado desvalorizar o papel do irmão na sociedade SRS (que fundou e onde é manager partner), dizendo que tem “uma posição simbólica” –, na verdade os contratos com entidades públicas e similares têm estado a aumentar nos últimos três anos. E este ano bateu já mesmo um recorde: contabilizam-se 10 contratos com o valor total de 471.216 euros, sem IVA incluído.

    Este ano, o contrato mais elevado foi assinado com a Secretaria de Estado Regional da Economia da Madeira (100.000 euros). Aliás, no arquipélago madeirense, Pedro Rebelo de Sousa conseguiu seis contratos nos últimos dois anos no valor de 234.950 euros.

    Acima do valor do contrato com a NAV, a SRS obteve também um contrato de 70.000 euros com a ATEC, uma academia de formação nascida de um acordo entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional e empresas alemãs (Volkwagen, Autoeuropa, Siemens e Bosch).

    No lote de entidades públicas com contratos este ano com Pedro Rebelo de Sousa conta-se ainda a Fundação Centro Cultural de Belém (15.000 euros), os municípios de Sever do Vouga (50.000 euros) e do Porto (44.955), a própria Ordem dos Advogados (20.000 euros), a Ordem dos Contabilistas Certificados (59.400 euros), a Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas da Madeira (25.000 euros) e a Transtejo (20.000 euros).

    Uma evidência dos negócios da sociedade de Pedro Rebelo de Sousa estarem de vento em pompa é a evolução da facturação. Nos últimos três anos (2020-2022), a SRS concretizou contratos públicos no total de 1.286.751 euros, quando no triénio anterior facturara, em contratos deste género, apenas 455.378 euros.

    Evolução do valor total dos contratos públicos da SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados. Fonte: Portal Base.

    Se se considerar a média dos 10 anos anteriores a 2020, a SRS registara apenas um valor anual de 158.054 euros, que contrasta com os 428.917 euros de média anual do triénio 2020-2022. Ou seja, um aumento de 171%.

    Além disto, nos últimos três anos, Pedro Rebelo de Sousa conseguiu também angariar 17 novos clientes entre as entidades públicas, ou seja, antes de 2020 nunca com estas estabelecera contratos. E também desde 2020, grande parte dos contratos obtidos foram concretizados apenas pela “linda cor dos olhos” do irmão do presidente da República: 73% do montante nestes últimos três anos foi obtido em ajustes directos, sem concorrência, apenas por contactos privilegiados.

    Note-se que alguns dos contratos entretanto assinados nos últimos anos podem não estar ainda no Portal Base.

  • Afinal, passa-se alguma coisa extraordinária com as acções da Tesla? E com Elon Musk?

    Afinal, passa-se alguma coisa extraordinária com as acções da Tesla? E com Elon Musk?

    Hoje, a sessão em Wall Street fechou com as acções da Tesla a subirem 8%, mas têm sido as desvalorizações ao longo do ano de 2022 que têm marcado a “vida” da mediática empresa do sector automóvel de Elon Musk, que apresenta uma queda de mais de 60% desde Janeiro. Os media mainstream têm freneticamente noticiado, em êxtase, o suposto colapso da Tesla, e culpam a postura de Elon Musk e a sua compra e gestão do Twitter. Mas será uma grande surpresa esta descida das acções da Tesla, após uma vertiginosa subida de mais de 1.000% em menos de dois anos? O PÁGINA UM apresenta uma análise.


    The smart money is selling; the dumb money is buying“. A frase aplica-se hoje como ontem aos mercados de capitais. Quem percebe de mercados financeiros, vende na altura certa; quem não percebe, compra na altura em que não deve.

    Foi Luís Gomes, economista e co-fundador da Criptoloja, que recordou ao PÁGINA UM aquela frase, a propósito da queda recente das acções da Tesla.

    Elon Musk

    Quando falamos da Tesla, falamos do maior fabricante automóvel do mundo em valor em bolsa, com uma capitalização (actual) de quase 350 mil milhões de dólares. O segundo lugar é ocupado pela nipónica Toyota, a uma grande distância do líder: tem pouco mais de metade da capitalização bolsista. Empresas como a Volkswagen, onde está integrada a Autoeuropa, tem uma capitalização bolsista de 20% da Tesla.

    A Tesla chegou a valorizar cerca de 1.300% em menos de dois anos: em Janeiro de 2020 estava nos 28 dólares e atingiu um pico nos 414 em Novembro de 2021. O seu valor em bolsa chegou a ultrapassar um bilião de dólares, ou seja, 1.000.000.000.000 dólares.

    Já no final de 2020, quando a acção chegou então aos 240 dólares, houve grandes investidores que apostaram na sua queda (short sellers), mas erraram e viram a vida a andar para trás. Num só mês, no final daquele ano, a Tesla valorizou 44%.

    Foi o caso de Michael Burry, que ficou conhecido por ter antecipado a crise financeira de 2008 e de ter lucrado com ela. Mas, este ano, este tipo de investidores acertou em cheio.

    Capitalização bolsista em 29 de Dezembro de 2020 das 10 principais empresas do sector automóvel, em mil milhões de dólares. Fonte: companiesmarketcap.com

    Agora, em 2022, as acções da companhia estão a registar uma descida de 68%, mas isso também compara com uma descida de 45% de rivais como a Ford Motor e a Volkswagen.

    Era natural que, após uma valorização tão forte, as acções da Tesla recuassem? Sim. Mas há outros factores que têm contribuído para esta descida, incluindo indicadores suportados na análise técnica, e, em particular, a expectativa sobre a evolução das vendas de veículos eléctricos e da economia em 2023, entre outros.

    Mas então, e a compra do Twitter por Elon Musk está a provocar a queda da Tesla em bolsa, como transparece nas notícias de alguma imprensa mainstream?

    O investimento de Elon Musk no Twitter – uma empresa que vinha a perder receitas e não estará nas melhores condições financeiras – contribui, certamente, para um sentimento de incerteza, mas não é um factor crucial para a evolução da cotação da Tesla, ao contrário da redução de produção na sua fábrica em Xangai, na China, como noticiou  recentemente a Reuters.

    Variação (%) da cotação de empresas do sector automóvel em 2022 (até dia 22 de Dezembro). Fonte: Yahoo Finance.

    É verdade que alguns analistas no mercado temem que Musk esteja distraído com a gestão do Twitter, que tem mais de 400 milhões de utilizadores, mas a precisar de mais receitas. Por outro lado, com a compra do Twitter por 44 mil milhões de dólares, operação que concluiu em Outubro, Musk vendeu, em 2022, quase 40 mil milhões de dólares em ações da Tesla. E o mercado não fica indiferente.

    “A Tesla tem muito ruído à sua volta. Mas, se olharmos para a Meta (Facebook) ou para a Amazon, estão também em valores mínimos de ciclo. Não é só a Tesla”, diz Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros. Acresce que, “na Tesla, há a notícia de que a pausa na produção na China vai continuar. Ou seja, há factores intrínsecos e outros que são de mercado”.

    Note-se, por exemplo, que as acções da Meta desvalorizaram 65% desde o início deste ano. As da Amazon caem 50%.

    E, em termos de análise técnica, Luís Gomes apontou que, desde Maio deste ano, a Tesla iniciou uma tendência descendente, com a ocorrência de máximos e mínimos decrescentes. Além disso, rompeu todos os denominador suportes Fibonacci, em particular o de 61,8%. Ou seja, desde o máximo de Novembro de 2021, em que se encontrava em torno de 414 dólares norte-americanos, já corrigiu mais de 70%, faltando agora o último suporte Fibonacci, o de 78,6%. E estamos perto.

    Variação (%) da cotação de empresas do sector automóvel desde 31 de Dezembro de 2019 e 22 de Dezembro de 2022. Fonte: Yahoo Finance

    Ontem, a Tesla já subira 3,31%, fechando nos 112,72 dólares na abertura. Hoje fechou nos 121,82 dólares, recuperando assim 11,7% em apenas duas sessões. Mas, em mercados bolsistas, estas variações têm pouco significado. A acção pode ainda não ter tocado “no fundo” desta descida, e, caso rompa o já mencionado nível 78,6% Fibonacci, que estará situado em redor dos 90 dólares, poderá deixar de “ter fundo”.

    Mesmo assim, perante a constante desvalorização ao longo de 2022, nos últimos três anos as acções da Tesla somam um ganho de “apenas” 300%”. Ou seja, quadruplicaram!

    Saliente-se que nas últimas semanas, à medida que muitos investidores institucionais fecham posições nas suas carteiras com a chegada do final do ano, alguns movimentos nos mercados tornam-se mais expressivos. Estes movimentos são usuais em Dezembro.

    Filipe Garcia lembrou que “empresas como a Tesla são muito grandes” e “têm um peso muito grande em índices ETF, por exemplo”. Ora, nesta altura do ano, basta que grandes investidores estejam a “desfazer” o seu investimento num desses índices para abanar a cotação de ações como as da Tesla.

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    A menor liquidez nestes dias que se aproximam do final de ano, devido ao facto de haver menos investidores no mercado, também contribuem para grandes oscilações das cotações.

    O facto é que, apesar da descida que as acções da Tesla registam em 2022, a maioria dos analistas continua a recomendar a sua compra. O preço médio estimado atribuído às acções da Tesla no final de 2023 situa-se nos 248 dólares por acção.

    George Gianarikas, analista que acompanha há muitos anos as ações da Tesla, é dos que está positivo em relação à evolução da companhia. Analista na Canaccord Genuity, Gianarikas disse, em entrevista à Yahoo Finance, que “actualmente, o mercado não parece estar muito positivo em relação às Tesla, e é compreensível”.

    E explica: “Ouvimos Elon Musk numa conversa no Twitter Spaces e soa decididamente negativo no curto prazo. Há muita incerteza sobre as vendas (de viaturas novas) no quarto trimestre. Há muita incerteza sobre as vendas em 2023. Há muito incerteza sobre a trajectória da margem da empresa”.

    Variação da cotação diária (em dólares) da Tesla entre finais de 2019 e 22 de Dezembro de 2022. Fonte: Yahoo.

    Nessa entrevista, Gianarikas está, porém, optimista quanto ao futuro da empresa de Elon Musk, porque a Tesla “tem um balanço incrivelmente forte para resistir às adversidades de uma recessão” e, por outro lado, “estão destinados a aumentar a sua liderança em veículos eléctricos”, um segmento que pensa “estar prestes a penetrar realmente no mercado automóvel global”.

    Por sua vez, Elon Musk também tem justificado a queda da cotação da Tesla, que é generalizada a outros títulos, às decisões da Reserva Federal norte-americana (FED), devido ao aumento das taxas de juro, que tornaram o mercado de acções menos atraentes para os investidores.

    Quanto à imprensa mainstream, parece previsível que os ataques a Musk vão continuar. Até porque o multimilionário, ao comprar o Twitter, acabou com aquele que era o receio dos seguidores da religião ‘woke’ e dos que têm apoiado a censura e a desinformação em torno da pandemia nas redes sociais.

    Os media tradicionais têm passado a ideia ao público de que Musk permitiu que surgisse desinformação no Twitter e até discurso de ódio, o que é falso. Pelo contrário: desinformação era o que existia antes de Musk assumir a liderança da rede social Twitter, como comprovam os documentos internos que Musk tem tornado públicos, nos chamados Twitter Files.

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    Com a divulgação dos Twitter Files, Musk tirou todos os esqueletos do armário da empresa que agora lidera, mostrando o nível de censura elevado que existia naquela plataforma e que se estende a todas as outras redes sociais e grandes tecnológicas. Ou seja, ganhou muitos inimigos entre os defensores da censura e desinformação.

    E agora que Musk apontou novas baterias à imprensa mainstream, classificando-a de “obsoleta”, abriram-se feridas insanáveis. O novo dono do Twitter assumiu já que deseja criar uma alternativa aos media tradicionais, que acusa de parcialidade e de se limitarem a propagar propaganda. E entretanto disse mesmo que está aberto à ideia de comprar a plataforma de conteúdos Substack, muito usada por escritores e jornalistas independentes, para rivalizar com os media mainstream. Por isso, a guerra entre Musk e os media mainstream parece estar para durar.


    N.D. Luís Gomes é sócio minoritário (5%) da Página Um Lda., a empresa gestora do PÁGINA UM.

  • Expresso beneficia de “preferência” da Biblioteca Nacional

    Expresso beneficia de “preferência” da Biblioteca Nacional

    Contrato assinado em Novembro prevê entrega até Fevereiro do próximo ano de 2.565 edições digitalizadas do semanário da Impresa, fundado em 1973, para substituir microfilmes já obsoletos. Directora-geral da Biblioteca Nacional diz não estarem previstos contratos similares com outros jornais, mas abre essa possibilidade se houver garantias de qualidade. Novo modelo de depósito legal já prevê agora entrega de exemplares digitalizados sem custos para o Estado.

    ESTA NOTÍCIA MERECEU UM DIREITO DE RESPOSTA, PUBLICADO VOLUNTARIAMENTE PELO PÁGINA UM, QUE PODE SER LIDO AQUI.


    A Biblioteca Nacional comprou directamente à Impresa a digitalização de todas as edições do Expresso desde a sua fundação, em 6 de Janeiro de 1973 até finais de 2021 para substituir as suas cópias em microfilme, considerada uma tecnologia já obsoleta. A aquisição, cujo contrato foi assinado em meados do mês passado, englobará um total de 553.010 imagens digitais, correspondentes à versão impressa de todos os cadernos de 2.565 edições daquele semanário, e terá um custo total de 135.990 euros, incluindo IVA.

    Esta opção de aquisição directa ao grupo fundado por Francisco Pinto Balsemão – e que contou com o actual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, como um dos seus directores – será mais onerosa do que a digitalização de fotogramas de cerca de seis dezenas de títulos de jornais antigos, contratada entretanto à RFS-Telecomunicações em Junho passado.

    Sala de leitura principal da Biblioteca Nacional.

    De entre os periódicos antigos abrangidos por este contrato estão os jornais O Século (1880-1990), com 350.439 imagens; Novidades (1885-1974), com 172.597 imagens; Diário da Manhã (1931-1974), com 120.021 imagens; Diário dos Açores (a partir de 1870), com 106.311 imagens, Diário de Luanda (1936-1976), com 134.873 imagens; A Voz (1927-1974), com 101.900 imagens; e A Aurora (1910-1920), com 1.419 imagens.

    Nesse caso, a Biblioteca Nacional comprometeu-se a pagar 171.511 euros por um volume de páginas que variará ente 1.000.000 e 1.162.000 imagens. Ou seja, terá um custo unitário de entre 14,8 e 17 cêntimos. A Impresa receberá – por uma digitalização que, na verdade, já fez – um valor unitário de 24,6 cêntimos, ou seja, cerca de 45% a mais.

    A directora-geral da Biblioteca Nacional, Inês Cordeiro, justificou ao PÁGINA UM a opção por adquirir a digitalização integral em alternativa à digitalização dos microfilmes por “garantia de completude da cópia integral do jornal”, bem como pela “melhor qualidade da cópia digital”, que será a cores (ao contrário do microfilme, que é a preto e branco), e pela rapidez do processo. A Impresa garantiu a entrega das cópias digitais –até finais de Fevereiro de 2023, que depois poderão ser consultadas pelos leitores, mas exclusivamente nos terminais da Biblioteca Nacional, por razões de direitos de autor (que geralmente pertencem aos jornalistas e não aos donos dos jornais).

    Recorde-se que somente a partir de Janeiro de 2022 o Governo passou a permitir o envio de jornais tradicionais (impressos) em formato digital para efeitos de cumprimento da Lei do Depósito Legal, que até então exigia a entrega de 11 exemplares em papel por edição, a serem posteriormente distribuídos por determinadas bibliotecas do país. A legislação não previu a entrega gratuita de versões digitais de forma retroactiva, ou seja, de edições anteriores a este ano.

    A Biblioteca Nacional poderia optar por digitalizar os exemplares em papel que estão no seu acervo, mas essa tarefa arriscava causar algum grau deterioração. Aliás, uma grande parte dos exemplares de jornais antigos que sejam requisitados pelos leitores para consulta são já em microfilmes, que agora serão gradualmente substituídos por cópias digitais.

    O contrato que abrange a compra do Expresso digital abre também a possibilidade de outros grupos de media poderem encaixar receitas extraordinárias no caso de também já possuírem colecções digitalizadas das suas edições. Embora Inês Cordeiro adiante que “neste momento não se encontram previstos contratos similares [ao da Impresa] com outros órgãos de comunicação social”, diz, contudo, que “tal hipótese poderá vir a ser considerada caso se detete que o proprietário/ detentor dos direitos de determinado jornal impresso possui uma cópia digital do mesmo capaz de substituir o microfilme existente na Biblioteca Nacional” com as vantagens apresentadas pelo Expresso.

    Essa possibilidade, porém, terá um custo muito superior ao do Expresso se aplicado, por exemplo, a diários como o Público, que está a completar 33 anos de existência e conta já com quase 12 mil edições.


    N.D. Por lapso, escreveu-se inicialmente que uma empresa contratada pela Biblioteca Nacional se denominava RSF-Telecomunicações, quando, na realidade, se chama RFS-Telecomunicações.

  • Este ano contam-se nove meses com mais de 10.000 mortes; antes da pandemia havia dois ou três em cada 12 meses

    Este ano contam-se nove meses com mais de 10.000 mortes; antes da pandemia havia dois ou três em cada 12 meses

    Nos últimos 36 meses registam-se 19 meses com mais de 10.000 óbitos, uma situação sem memória nos tempos modernos. No triénio anterior (2017-2019) houve apenas sete no total, todos em meses de Inverno. Neste ano de 2022 agravou-se o cenário dos dois primeiros anos de pandemia: em 2020 houve seis meses acima daquela fasquia, e em 2021 foram quatro. Tamanha persistência em números elevados é completamente absurda, ainda mais com uma taxa elevadíssima de vacinação contra a covid-19, que supostamente seria eficaz para debelar os efeitos da pandemia. O contínuo excesso pode ser agora por causa das alterações climáticas, como diz o ministro da Saúde… ou, se calhar, com maior grau de probabilidade, de tudo o resto, a começar pelo alheamento do Governo à situação. E pela forma como escondem informação.


    O ano ainda não terminou, ainda faltam nove dias para Dezembro acabar, mas um trágico recorde está garantido: o ano de 2022 contará nove meses com uma mortalidade acima de 10.000 óbitos. Somente Agosto (9.306 mortes), Setembro (8.754) e Outubro (9.525) não superaram aquele número. Dezembro ainda não atingiu as 10.000 mortes, mas será uma questão de tempo: até dia 21 registam-se 8.502 óbitos – uma média diária de quase 405, o que significa que até à passagem de ano será expectável chegar-se a valores que rondem os 12.500 óbitos.

    Esta é uma situação inaudita nos tempos modernos, e mesmo nos dois anos anteriores, em pandemia. Em 2020 foram contabilizados seis meses com mais de 10.000 óbitos: Janeiro (antes da chegada do SARS-CoV-2), Março, Abril, Julho, Novembro e Dezembro. No ano seguinte contabilizaram-se quatro: Janeiro, Fevereiro, Novembro e Dezembro. Nos primeiros dois meses de 2021, a mortalidade total foi, contudo, extraordinariamente elevada: 19.646 e 12.747 óbitos, respectivamente.

    woman in black dress holding brown paper bag

    O significado de nove meses (em 12) com um número de óbitos acima de 10.000 é muito relevante face ao perfil tradicional da mortalidade portuguesa, claramente com uma evolução sazonal: Inverno mais mortífero Verão mais “ameno”. No presente século, e no período anterior à pandemia, geralmente registavam-se somente dois ou três meses com valores acima daquela fasquia – por regra entre Novembro e Fevereiro. Em 2011 e 2004 até só houve um mês com esse nível de mortalidade (Janeiro, com 10.575 óbitos).

    Consultando dados mensais do Pordata a partir de 1980, no final do século XX até era raro um ano ter mais de dois meses acima de 10.000 óbitos, observando-se mesmo um (1982) que não registou qualquer mês nessas circunstâncias.

    A mortalidade em 2022 sempre em níveis anormalmente elevados – e ainda mais sucedendo a dois anos com mais de 120 mil óbitos, em cada um – constitui mais um indicador de uma “mortalidade estrutural”, isto é, que não advém de eventos sazonais associados a infecções respiratórias e/ ou ondas de calor.

    Mortalidade total por mês em 2022. Valor de Dezembro estimado em função da média diária de óbitos até dia 21. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Antes da pandemia, por norma, a mortalidade diária entre o último terço do Outono e em grande parte do Inverno situava-se entre os 350 e os 450 óbitos (em picos de surtos gripais intensos), havendo uma tendência de decréscimo ao longo da Primavera. O Verão constitui a época menos letal, mesmo quando surgem repentinas e mortíferas ondas de calor. Por norma, o mês de Setembro até costuma ser o menos letal, seguindo-se Agosto.

    Em situações normais, o “comportamento letal” do Verão também dependia de como o Inverno tinha sido, e vice-versa. Ou seja, após uma elevada mortalidade associada a um surto gripal, geralmente sucedia um Verão ameno, mas se fosse demasiado ameno, o Inverno seguinte tinha tendência a ser mais mortífero.

    Ora, nada disto sucedeu em 2022, ainda mais quando 2020 e 2021 já tinham sido anos de excesso de mortalidade. Com efeito, se contabilizarmos Novembro e Dezembro de 2021, até Julho deste ano contabilizaram-se nove meses consecutivos acima de 10.000 óbitos, o que significa que houve, grosso modo, em média, mais de 330 óbitos diários. Nem essa inaudita sequência refreou o ressurgimento de níveis elevados de mortalidade, após o período estival geralmente menos letal.

    Número de meses com mais e com menos de 10.000 óbitos entre 1980 e 2022. Fonte: Pordata. Análise: PÁGINA UM.

    Comparando o período pandémico – no pressuposto de que a pandemia ainda assim continua a ser considerada pela Organização Mundial de Saúde – com o período homólogo imediatamente anterior, confirma-se o problema “estrutural” do excesso de mortalidade em Portugal, e que nem se pode argumentar que seja muito por causa da covid-19.

    Com efeito, este ano a covid-19 está a contribuir para a mortalidade total em níveis similares a 2020 (5,7% e 5,6%, respectivamente), o que não deixa de ser paradoxal, uma vez que 2022 tem uma elevada taxa de imunidade vacinal (e com reforços) e o primeiro ano de pandemia apenas começou a contabilizar mortes por covid-19 a partir de meados de Março.

    Em todo o caso, 2022 não se compara com 2021, em que a covid-19 terá representado, de acordo com as classificações oficiais, 9,5% de todas as mortes. Convém, contudo, salientar que a taxa de letalidade a partir do surgimento da variante Ómicron esteve quase sempre abaixo de 0,25%, até início de Outubro, quando a Direcção-Geral da Saúde modificou a estratégia de testagem (quebrando a série estatística). Ou seja, em praticamente todo o ano de 2021, antes da Ómicron, e já com o programa de vacinação em pleno, a taxa de letalidade da covid-19 (então dominada pela variante Delta) até era francamente superior; chegou mesmo a ultrapassar os 3% em Janeiro de 2021 e registou alguns picos acima de 1% entre meados de Outubro e a primeira quinzena de Novembro daquele ano.

    Comparação da evolução da mortalidade diária (média de sete dias) entre 15 de Março de 2020 e 20 de Dezembro de 2022 (1.011 dias) e o período homólogo de 2017 a 2019. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Certo é que o contínuo excesso de mortalidade ao longo dos meses deste ano – e depois de dois anos já de excesso – é difícil de compreender. Ou melhor dizendo, é difícil de admitir, ademais tendo em conta o aparente alheamento das autoridades de Saúde e do Governo, que mostram uma apatia para apurar as verdadeiras causas desta situação.

    Na verdade, não é apatia, é activa atitude obscurantista: recorde-se que o Ministério da Saúde, quer através da Direcção-Geral da Saúde, quer da Administração Central do Sistema de Saúde, tem sistematicamente recusado disponibilizar, entre outras, as bases de dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH) – que permitiriam ao PÁGINA UM apurar os desvios sobre as principais causas de morte e hospitalização nos últimos anos.

    E recorde-se também que o actual ministro da Saúde, Manuel Pizarro, em nada mudou a filosofia da sua antecessora, Marta Temido, no sentido de não promover uma investigação independente às origens do excesso de mortalidade. Aliás, preferiu conjecturar em torno das alterações climáticas como culpadas pelo excesso de mortalidade.

  • Acórdão demolidor: médico João Júlio Cerqueira condenado por ofensas com “contornos xenófobos inadmissíveis”

    Acórdão demolidor: médico João Júlio Cerqueira condenado por ofensas com “contornos xenófobos inadmissíveis”

    O conhecido médico João Júlio Cerqueira, uma das voz mais activas durante a pandemia, viu o Tribunal da Relação confirmar o crime de difamação contra especialista de Medicina Tradicional Chinesa, Pedro Choy. No seu agora infame blogue e mural do Facebook intitulado Scimed, que deixou de estar activo a partir de Maio passado, contando então com mais de 78 mil seguidores, Cerqueira proferiu incessantes insultos a Choy em 18 publicações nas redes sociais durante quase dois anos. O médico-blogger já tinha sido condenado na primeira instância a pagar uma indemnização de 15.000 euros e mais 3.000 euros de multa por difamação agravada.


    Quem semeia insultos, colhe condenações. João Júlio Cerqueira, médico tornado blogger, foi condenado pela segunda vez por insultos proferidos contra o mais reconhecido especialista em Medicina Tradicional Chinesa em Portugal, Pedro Choy. A notícia foi avançada no final desta tarde pelo jornal Público, e o PÁGINA UM revela agora na íntegra o acórdão do Tribunal da Relação proferido em 25 de Outubro passado, e que transitou em julgado este mês.

    Cerqueira, que operava o blogue Scimed, já tinha sido condenado na primeira instância ao pagamento de uma indemnização de 15.000 euros, além de 3.000 euros de multa pelo crime de difamação agravada. Vai ter mesmo de pagar estes montantes, não tendo conseguido convencer os desembargadores da justeza dos seus insultos.

    Pedro Choy e João Júlio Cerqueira debateram ideias no Prós & Contras de 1 de Abril de 2019. A partir daí, o médico montou uma campanha de difamação cerrada contra as práticas do acupunctor português de mãe chinesa.

    Na verdade, mesmo considerando que Pedro Choy é uma “figura pública”, o que permitiria a eventualidade de lhe dirigir críticas mais acérrimas, os três desembargadores consideraram, no seu acórdão, que “as publicações e as expressões pelo arguido [João Júlio Cerqueira] concretizadas na internet e dadas como provadas, (…) possuem um carácter manifestamente pejorativo da pessoa do ofendido, situando-se no puro plano pessoal, com contornos xenófobos inadmissíveis, como é flagrante no uso da expressão ‘chop choy’, para além de se reportarem ao seu carácter (apelidando-o de ‘charlatão’, ‘vendedor de banha da cobra’, ‘costureiro de pele’, ‘desonesto’, ‘ignorante’, ‘básico’, ‘mentiroso’, ‘burro’), por forma a o enxovalhar e humilhar, sendo manifestamente atentatórias da honra e consideração da pessoa daquele, em concreto, estando para além de qualquer crítica à Medicina Tradicional Chinesa”.

    Primeira das 145 páginas do acórdão do Tribunal da Relação. A partir da página 136, os desembargadores são demolidores sobre os actos do médico João Júlio Cerqueira.

    Acrescentam ainda os desembargadores que, além de ter exprimido “juízos de apreciação e de valoração pessoais, que ultrapassam o âmbito da crítica sustentada”, João Júlio Cerqueira ainda fez mais e pior: “deturpou e distorceu as afirmações prestadas por Pedro Choi (…), formulando interpretações e as ‘traduções’ que bem entendeu, por forma a desacreditá-lo, ao lhe atribuir a prolação de frases distintas das proferidas pelo mesmo, evidenciando-se a manifesta intenção de o rebaixar e humilhar.” Os magistrados são peremptórios: “o arguido [agora duplamente condenado] distorceu e deformou, deliberadamente, o significado das palavras” de Pedro Choy.

    Ao todo, contabilizaram-se 18 publicações e republicações daquele médico da região do Porto no seu blog e na sua página do Facebook denominados Scimed – e que se auto-intitula “Ciência Baseada na Evidência” – e no seguimento de um programa Prós & Contras na RTP1 em 1 de Abril de 2019, em que esteve em representação da Ordem dos Médicos. O tribunal decidiu condenar o médico por um crime de forma continuada.

    Cerqueira foi defendido pelo advogado Francisco Teixeira da Mota que já prometeu recorrer da decisão para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Este causídico diz que está em causa a liberdade de expressão, embora o acórdão não lhes conceda muitas esperanças. “Em termos de juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem adoptaria se o caso lhe fosse submetido, consideramos que, neste caso, e tal como assim se entendeu na decisão recorrida, que se mostram extravasados os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão, por as expressões, reproduções e imputações dos factos assentes, concretizadas pelo arguido, se dirigiram directamente à pessoa do assistente, sendo ofensivas da honra e consideração que lhe são devidas, nada tendo a ver com uma crítica da sua actuação, ou seja, ultrapassando o âmbito da crítica sustentada, objectiva e equilibrada, que poderia, e tem todo o direito de ter, sobre o entendimento que preconiza, enquanto médico, sobre a ausência de evidência científica da Medicina Tradicional Chinesa ou sobre a eficácia ou ineficácia das respectivas práticas, mas que não se verifica na situação em apreço.”, destacam os desembargadores Anabela Simões Cardoso, Jorge Antunes e Sara Oliveira Pinto.

    E concluem: “As expressões utilizadas pelo arguido, nas publicações, da sua autoria, (…) e que foram dadas como provadas, não são essenciais para a expressão da sua opinião, sobre o exercício da Medicina Tradicional Chinesa, que podia ser concretizado sem se dirigir à pessoa, em concreto, do assistente, com emissão de juízos depreciativos que não possuem qualquer conexão com aquele exercício, como sucedeu, no caso.

    João Júlio Cerqueira foi uma das mais activas vozes na perseguição de opiniões contrárias à gestão oficial da pandemia a partir de 2020. Após a condenação em primeira instância deixou de ser tão activo e abandonou as redes sociais a partir de Maio passado.

    Os advogados de Pedro Choy prometem avançar agora com uma nova acção contra João Júlio Cerqueira, uma vez que o médico-blogger não pagou ainda a indemnização de 15.000 euros. O Estado aplicou-lhe uma multa de 3.000 euros. Cerqueira ainda tentou em Janeiro passado, quando da condenação em primeira instância, apelar a donativos através do Patreon, mas actualmente não tem qualquer apoiante.

    Saliente-se que, curiosamente, João Júlio Cerqueira é filho da também médica Berta Nunes – actual deputada do Partido Socialista, ex-secretária de Estado das Comunidades e antiga presidente da autarquia de Alfândega da Fé –, uma reputada especialista em Antropologia Médica, tendo lecionado esta disciplina na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. A sua tese de doutoramento, publicada em livro sob o título “O saber médico do povo”, abrange “a cultura e as práticas do cuidado do corpo e da saúde de uma população rural” transmontana, demonstrando a “importância do conhecimento e valorização dos saberes locais pelo saber oficial”, ou seja, pela medicina convencional. Berta Nunes até já participou mesmo no conhecido Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes, no concelho de Montalegre.


    Leia aqui o acórdão integral do Tribunal da Relação.