A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) arquivou uma queixa contra o Programa da Cristina onde, numa emissão, em Junho de 2019, o comentador Hernâni Carvalho usou a expressão “filho da puta” em duas ocasiões, perante a passividade da apresentadora, Cristina Ferreira. O programa, emitido em directo e durante o dia, está abrangido por regras específicas para proteger públicos sensíveis, como as crianças e os adolescentes. Para o canal de TV do grupo Impresa, “de nenhuma forma pode a SIC admitir que a emissão deste programa é (ou foi) suscetível de influir de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes“.
Pode-se dizer “filho da puta” na televisão portuguesa sem qualquer risco de se sofrer uma sanção por parte do regulador dos media, mesmo que seja dito num programa emitido durante o dia, e visto por crianças e adolescentes.
O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu arquivar uma queixa contra o ‘Programa da Cristina’ na SIC, de 28 de junho de 2019, no qual o jornalista e comentador Hernâni Carvalho usou por duas vezes a expressão “filho da puta”.
Hernâni Carvalho, jornalista e comentador.
O programa, emitido em directo e durante o dia, pertence “à categoria de entretenimento, e destinado a todos os públicos, sem restrições, constitui uma situação que apela necessariamente à avaliação da observância dos limites à liberdade de programação”, segundo a ERC. Está, por isso, abrangido por regras específicas que visam a proteção dos públicos mais sensíveis, em particular crianças e adolescentes.
O regulador demorou três anos e meio para proferir a decisão de arquivamento. A decisão foi tomada no dia 14 de Dezembro passado, mas divulgada apenas hoje no site do regulador.
Para a ERC, “a expressão não foi destinada a ninguém em particular, indivíduo ou grupo de pessoas, e constitui uma citação relacionada com uma pronúncia judicial”. O regulador considerou que “a expressão não é, assim, ofensiva, para efeitos da aplicação do normativo legal em causa”.
A ERC deliberou “arquivar a presente participação, por se considerar que a mera citação de uma expressão vernacular, no âmbito de um debate sobre um tema de interesse geral não pode, em si mesma, ser considerada ofensiva, nem atentatória dos direitos de outrem”.
Cristina Ferreira, apresentadora.
Para o regulador, não houve qualquer violação dos critérios para avaliação do incumprimento do disposto nas regras criadas para proteger públicos sensíveis.
Para a estação de televisão do grupo Impresa, “de nenhuma forma pode[ria] a SIC admitir que a emissão deste programa é (ou foi) suscetível de influir de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes”.
Na base da deliberação, está uma queixa enviada à ERC no próprio dia da emissão do programa. O queixoso alegava que o comentador da rubrica Crónica Criminal, inserida no Programa da Cristina, disse em direto “filho da puta” e que “a autora do programa, Cristina Ferreira, nem reagiu e nem “apresentou um pedido de desculpas às audiências”.
O primeiro caso apresentado naquela emissão na rubrica dedicada a crimes debruçou-se sobre uma situação de violência doméstica. Hernâni Carvalho disse então que “ninguém é preso em Portugal por causa disso”, e que “até há uma procuradora que diz que chamar filho da puta a um agente da PSP não tem mal nenhum”, concluindo que “é um grito de revolta”.
Cristina Ferreira questionou então “como é que uma procuradora diz que alguém chamar nomes aos elementos da polícia, ou o que quer que seja, é apenas um ato de revolta”. Mais à frente no programa, Cristina Ferreira afirmou que “às vezes é preciso ter um bocadinho de cuidado com as frases que são ditas”. E Hernâni Carvalho retorquiu: “no meu tempo, quando eu cresci, disseram-me que não se chama filho da puta a ninguém, muito menos a um agente da autoridade”.
A SIC considerou, em resposta à queixa, que o uso daquela expressão não é negativa nem tem impacto nas crianças e jovens. “Apenas se poderia falar de efeitos negativos para a personalidade de crianças e jovens se a linguagem utilizada o fosse de forma a ofender ou atentar contra os direitos fundamentais de outrem ou se o calão fosse usado de forma frequente e descontextualizada ou gratuita”, o que, segundo a SIC, não sucedeu.
Os responsáveis do canal da Impresa sustentaram ainda que, “quando enquadradas no contexto e lógica da rubrica, as palavras de Hernâni Carvalho são antes de desincentivo à utilização de linguagem agressiva e de apelo ao respeito pela integridade moral de todos, incluindo e sublinhando a das figuras de autoridade”.
Defendeu ainda que a postura de Cristina Ferreira, na ocasião, se justificou, defendendo que apresentadora procedeu bem, pois “não interrompeu ou procurou silenciar o convidado, ao contrário do pretendido pelo queixoso”.
Mas a SIC reconheceu que “a televisão, no contexto social atual, pode e deve, como importante peça da vida pública, contribuir para uma sociedade mais digna, a que não são alheios – antes são fundamentais – o desenvolvimento da identidade e a formação do caráter dos mais jovens”.
E garantiu que “não deixará de retirar as devidas consequências desta situação, designadamente sensibilizando a produtora do programa para os cuidados a observar relativamente à utilização de linguagem mais agressiva”.
Portugal tem uma das plataformas mais potentes de vigilância epidemiológica a nível mundial – o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) –, que permite em tempo real conhecer em detalhe as causas de morte e detectar rapidamente um problema de Saúde Pública para uma intervenção rápida. Mas depois tudo esbarra num crónico e irresponsável muro de obscurantismo e secretismo, apenas para salvar políticos da eventual exposição pública. Esconde-se para evitar conhecer problemas. E assim a culpa morre literalmente solteira. Daí que não surpreende que, apesar de tecnologicamente avançado nesta matéria, Portugal seja um dos três países da União Europeia que ainda nem sequer tem disponíveis no Eurostat os dados detalhados da mortalidade de 2020. E estamos em 2023.
Portugal, Itália e Bélgica são os únicos países da União Europeia ainda sem dados disponibilizados no Eurostat relativos às causas de morte em 2020, o primeiro ano da pandemia. O Mundo já está, segundo o método de calendarização mais usado, no ano de 2023. Esta base de dados específica do gabinete estatístico da União Europeia, que agrega também informação de outros países, permite conhecer com detalhe todas as causas de mortes, de acordo com as centenas de códigos (um por cada doença) da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial da Saúde (CDI).
Apesar de Portugal possuir desde 2014 um sistema pioneiro de vigilância de saúde pública em tempo real – o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) –, os meses passam sem que se consiga ainda perceber qual o verdadeiro impacte da pandemia, tanto de mortes directas (ou suspeitas) de covid-19 como de todas as outras causas.
O Instituto Nacional de Estatística já divulgou no ano passado os dados relativos a 2020, mas com uma agregação confusa – e que não segue as normas da (CDI). Por exemplo, no caso da covid-19, o código da CDI usado para mortes directas é o U07.1 (ou seja, existem testes laboratoriais a confirmar a presença do vírus), enquanto o código U07.2 se utiliza quando ocorre uma mera suspeita. Os códigos da totalidade de doenças e afecções do aparelho respiratório são iniciadas pela letra J neste sistema de classificação.
Com o SICO, o Governo português, através de diversas instituições, tem acesso imediato à informação diária – em tempo real, até –, porque os médicos legistas, ao introduzirem os dados dos certificados de cada óbito, este segue de imediato para o Ministério Público (para eventual pedido de autópsia), para entidades dos Ministérios da Saúde, da Justiça, da Administração Interna e da Defesa para todos os procedimentos e assentamentos legais que uma morte determina.
Contudo, esta desburocratização esbarra depois, como se tem observado nos últimos anos, numa barreira de secretismo e obscurantismo do Governo e Administração Pública. A única informação revelada a partir do SICO é a quantificação do número de mortes, por grupo etário e localização. Sobre as causas específicas de morte – e, portanto, sobre os impactes da covid-19 e do colapso do Serviço Nacional de Saúde (SNS) –, embora essa informação seja acessível de imediato, tanto para todo o ano de 2020 como até para o dia de hoje, nada as autoridades governamentais querem que se saiba publicamente.
Portugal é um dos três países da União Europeia sem dados de mortalidade por todas as causas no Eurostat. Já há cinco países com informação relativa a 2021.
Recorde-se, aliás, que sobre o excesso de mortalidade que atravessa Portugal de forma ininterrupta desde 2020, o Ministério da Saúde já veio dizer que conclusões só lá para o fim deste ano, através de um suposto estudo do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
O Ministério da Saúde também implementou há anos um intuitivo sistema de consulta de dados sobre causas de morte por mês, grupos etários e região, permitindo algum cruzamento de outras variáveis. Mas essa denominada Plataforma da Mortalidade foi entretanto retirada em 2021, sem qualquer explicação da Direcção-Geral da Saúde, e reapareceu agora, sem pompa, mas ainda apenas com 2019 como último ano disponível. Recorde-se que estamos no ano de 2023.
Mas voltando às estatísticas do Eurostat, o atraso de Portugal – e também da Itália e da Bélgica – ainda se mostra mais escandaloso por já haver cinco países da União Europeia com dados das causas de morte para 2021: República Checa, Lituânia, Holanda, Áustria e Polónia.
Quadro com as mortes atribuídas à covid-19 com confirmação laboratorial (U07.1). A base de dados do Eurostat permite pesquisa por qualquer doença letal por país e ano.
Os dados de conjunto já disponibilizados no Eurostat permitem começar a ter uma melhor percepção do impacte da pandemia do ponto de vista da saúde pública, detectando também alguma manipulação sobre os dados tornados públicos. Por exemplo, no caso específico do SARS-CoV-2, sem prejuízo de a covid-19 ter causado inequivocamente um acréscimo da mortalidade – e os dados estatísticos mostram sem margem para dúvidas –, houve países que parecem ter optado por alguma “criatividade” na hora da atribuição das causas de morte.
Por exemplo, no caso da Espanha, dos 74.839 óbitos atribuídas à covid-19, 14.481 (24%) não tiveram teste laboratorial a suportar essa causa de morte – e, por isso mesmo têm o código U07.2. Este problema também surge na França e na Holanda, em que 15,9% e 15,3% das mortes por covid-19 não tiveram confirmação laboratorial. Essa opção terá levado certamente a uma sobrestimação do peso da covid-19 nesses países.
Com efeito, de acordo com cálculos do PÁGINA UM aos dados do Eurostat referentes a 2020, a Espanha surge como o país da União Europeia a ter a covid-19 como o maior contribuidor para a mortalidade: 15,2% do total. Logo atrás surgem Eslovénia (14,4%), Liechtenstein (14,1%), Holanda (12,0%), Luxemburgo (10,7%), França (10,4%). No extremo oposto, surgem diversos países onde, em 2020, a covid-19 teve fraca expressão, incluindo a Noruega (que não é da União Europeia, mas integra o Eurostat) com apenas 1%, e diversos países da parte oriental da Europa.
Tecnologicamente, Portugal tem dos sistemas de vigilância epidemiológica mais modernos do Mundo. Mas, depois, tudo esbarra no secretismo e falta de transparência.
Também aqui os dados do Eurostat permitem revelar que houve alguns países, sobretudo no Leste da Europa, que tentaram ao longo de 2020 dar uma ideia de estarem a controlar a pandemia. E como? Manipulando a informação sobre a causa de morte. De facto, uma das consequências mais faladas da pandemia foi o “desaparecimento” da gripe e, em consequência, das pneumonias e doenças afins do aparelho respiratório.
Na generalidade dos países onde a covid-19 registou uma elevada letalidade, as doenças respiratórias como causa de morte desceram consideravelmente. Por exemplo, na Espanha – que, como se referiu contabilizou 74.839 óbitos por covid-19 (confirmada e suspeita) teve menos 7.906 mortes por doenças do aparelho respiratório (código J) face à média do quinquénio anterior. A Alemanha e Holanda tiveram menos 6.650 e 2.367 óbitos, respectivamente. neste grupo de doenças, que assim devem ser deduzidas às 39.886 e 20.212 mortes, respectivamente, atribuídas à covid-19.
Contudo, noutros países, sobretudo do Leste da Europa, estranhamente as doenças respiratórias não-covid tiveram um aumento em 2020, como foram os casos da Bulgária (mais 35,6% face á média do quinquénio anterior), da Roménia (mais 34,1%) e Eslováquia (mais 18,2%). Ou seja, neste caso, é muito provável ter existido pressão para que os médicos legislas atribuíssem a casos de covid-19 uma causa de morte distinta, como pneumonias.
Uma outra situação que se observa nos dados do Eurostat é a falta de rigor das informações políticas que foram sendo reveladas durante a pandemia, como o PÁGINA UM já tinha salientado em Julho passado. O caso mais flagrante sucede na Espanha, onde o desvio entre os dados do Eurostat e os inicialmente apontados no final de 2020 é colossal.
No Worldometers surgem, para o país-vizinho, 50.955 óbitos a 31 de Dezembro de 2020, mas no Eurostat as autoridades espanholas indicaram agora, apenas para aquele ano, 60.358 mortes por covid-19 (U07.1) e mais 14.481 com suspeitas (U07.2). Ou seja, somando os dois códigos há um desvio de 23.884 óbitos a mais, representando uma diferença de 47%.
Este tipo de manipulações em matéria de Saúde Pública, por ingerência política – de que o Governo português foi e é um expoente –, vem assim apenas reforçar a necessidade de analisar a pandemia desde 2020 não numa visão redutora do impacte da covid-19, mas sim no conjunto da mortalidade. E não apenas num ano, mas no conjunto de diversos anos. Por isso mesmo, com medo disso, o Governo português tudo tem feito para adiar o estudo sobre o excesso de mortalidade e sobretudo a tentar evitar a divulgação de dados detalhados (que não possam ser manipulados). Daí que haja tantos processos do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa para se aceder às bases de dados (anonimizadas), incluindo a do SICO.
Apenas uma semana após tomar posse na task force, Gouveia e Melo, o agora Chefe do Estado-Maior da Armada, negociou com o bastonário Miguel Guimarães as condições para se vacinarem quase três mil médicos que não estavam na lista de prioridade da Direcção-Geral da Saúde. O negócio envolveu o pagamento de mais de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas, e também uma contabilidade criativa com donativos de quatro farmacêuticas à Ordem dos Médicos. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde abriu um processo de esclarecimento, no decurso das investigações do PÁGINA UM.
A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) abriu um “processo de esclarecimento” para apuramento de eventuais ilegalidades em redor do acordo ad hoc para a vacinação de médicos não-prioritários em Fevereiro do ano passado entre o actual bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e o então coordenador da task force Gouveia e Melo, actual almirante e Chefe do Estado-Maior da Armada.
A informação oficial surge na sequência de uma investigação do PÁGINA UM ao registo das actividades operacionais e contabilísticas da campanha Todos por Quem Cuida – cujo acesso aos documento apenas foi possível após sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa –, que consistiu numa campanha de angariação de fundos protagonizado pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos, em parceria com a Apifarma.
Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force. Uma semana após a tomada de posse, começou logo a fazer aquilo que prometera não permitir: vacinações à margem das prioridades definidas pela DGS.
Numa mensagem ao PÁGINA UM, a IGAS diz que, “por Despacho do Inspetor-Geral [Carlos Carapeto] de 15 de Janeiro de 2023, foi determinada a abertura de um processo de esclarecimento, com o objetivo de avaliar se existe matéria que deva e possa ser avaliada (…) no âmbito das suas competências.”
O processo de esclarecimento, segundo o léxico operativo da IGAS, é formalmente “o conjunto organizado de documentos que traduzem um procedimento rápido e expedito destinado à recolha de elementos com vista ao esclarecimento de expediente geral, à verificação prévia de requisitos que habilitem a eventual decisão de instauração de ação inspectiva ou ao acompanhamento de ações inspetivas dentro ou fora” desta entidade. Sendo assim uma “análise de natureza inspetiva preparatória”, fica assim sujeita à elaboração de um relatório, que será para todos os efeitos consultável no futuro, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.
Sobretudo através de transferências da indústria farmacêuticas, na verdade este fundo foi gerido numa conta pessoal de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins (ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e indigitada presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte) e Eurico Castro Alves, recém-eleito presidente da secção regional do Norte da Ordem dos Médicos. O PÁGINA UM detectou, documentalmente, um conjunto de irregularidades e ilegalidades na gestão do fundo, que pode mesmo consubstanciar a criação de um “saco azul” de mais de 968 mil euros, além de fuga ao fisco e ausência declarações de rendimentos proveniente de farmacêuticas no Portal da Transparência do Infarmed.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, foi o “maestro” da campanha “Todos por Quem Cuida”, que, apesar das boas intenções, se encontra enxameada de maus procedimentos.
O acordo de vacinação dinamizado pelo bastonário da Ordem dos Médicos e pelo coordenador da task force tem, porém, contornos distintos, muito peculiares, mas não de menor gravidade, como o PÁGINA UM revelou em 15 de Dezembro passado, no primeiro de um conjunto de artigos de investigação jornalística dedicado à gestão do fundo “Todos por Quem Cuida”, que envolveu cerca de 1,4 milhões de euros.
Pouco depois de tomar posse como coordenador da task force – substituindo Francisco Ramos, que se demitira por irregularidades na selecção de profissionais para a administração das primeiras doses de vacinas (então ainda raras) –, Gouveia e Melo aceitou as diligências de Miguel Guimarães para serem vacinados quase 3.700 médicos que não se enquadravam nas prioridades determinadas pela Direcção-Geral da Saúde.
A norma 002/2021 de 30 de Janeiro de 2021 determinava então que na fase 1 deveriam ser vacinados os “profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados a doentes”, os profissionais de lares (ERPI) ou de instituições similares e da rede de cuidados continuados, as pessoas com 80 ou mais anos, as pessoas de mais de 50 anos com determinadas comorbilidades e ainda “os profissionais das forças armadas, forças de segurança, serviços críticos e titulares de órgãos de soberania e altas entidades públicas”. Para a fase 2, que então não estava ainda a desenvolver em Fevereiro de 2021, estava prevista a vacinação do grupo etário dos 65 aos 79 anos e pessoas dos 50 aos 64 anos com determinadas comorbilidades. Somente no final da Primavera de 2021 começaram a ser vacinados os menores de 50 anos, quando já não se colocavam problemas de escassez de doses.
A troco de mais de 27 mil euros para o Hospital das Forças Armadas, Gouveia e Melo permitiu, à margem das prioridades então definidas pela Direcção-Geral da Saúde, que Miguel Guimarães “brilhasse” junto dos seus colegas.
Ora, isso significava que uma pequena parte dos médicos – aqueles que trabalhavam no sector privado, em função não directamente de cuidados de saúde – seriam tratados em Fevereiro como comuns cidadãos, ou seja, seriam vacinados em função da idade e/ ou das comorbilidades – e não pela profissão ou pela inscrição numa associação pública profissional. Algo que Miguel Guimarães, como bastonário, nunca aceitou.
Por esse motivo, Miguel Guimarães foi lesto a estabelecer contactos com Gouveia e Melo, havendo um e-mail que mostra ter ocorrido uma reunião em 10 de Fevereiro de 2021 entre os dois. Seguiu-se troca de mensagens até que o bastonário conseguiu aquilo que desejava: em 25 de Fevereiro, após um contacto telefónico com Gouveia e Melo, Miguel Guimarães terá fechado então um acordo ad hoc – dir-se-ia informal, porque não há qualquer protocolo ou acordo escrito – para vacinar 1.382 médicos não-prioritários no pólo do Porto do Hospital das Forças Armadas, 2.004 no de Lisboa, 623 no Centro de Saúde Militar de Coimbra e 189 no centro hospitalar do Algarve.
Em vésperas da primeira toma, Miguel Guimarães estava sobretudo preocupado em saber se poderia chamar a comunicação social para acompanhar toda a operação, que acabou por se realizar de forma discreta. Foram vacinados quase 3.700 médicos. Obviamente, as vacinas tiveram de ser “desviadas” do circuito oficial.
Factura pela vacinação paralela dos médicos foi enviada à Ordem dos Médicos, mas paga pela campanha solidária. Contudo, depois surgem documentos de donativos de quatro farmacêuticas que custearam a vacinação.
Como contrapartida ao acordo, o Hospital das Forças Armadas recebeu 27.365 euros da Ordem dos Médicos – assumindo-se que cada administração custava 3,7 euros.
No processo consultado pelo PÁGINA UM, não existe qualquer documento comprovativo de um contrato de prestação de serviço que justifique este pagamento.
Se esse documento existe, então deveria estar nos documentos, porque o Tribunal Administrativo obrigou as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos a disponibilizarem todos os documentos operacionais e contabilísticos da campanha “Todos por Quem Cuida”. Ou seja, se existe e não foi disponibilizado aquando da consulta pelo PÁGINA UM, então houve incumprimento de uma sentença judicial, com subtracção de documentos.
Embora o pagamento pela administração das vacinas às Forças Armadas tivesse vindo da conta pessoal conjunta de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves – gestores da campanha Todos por Quem Cuida –, a factura foi passada em nome da Ordem dos Médicos.
Para aumentar o rol de irregularidades, existem também documentos de donativos para esse mesmo fim provenientes de quatro farmacêuticas: Gilead (3.725,2 euros), Ipsen Portugal (11.040 euros), Bial (2.590 euros) e Laboratórios Atral (10.000 euros).
Nenhuma destas farmacêuticas fez declaração de entrega de donativos no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, entidade cujo presidente, Rui Santos Ivo, continua sem realizar qualquer acção inspectiva. Ana Paula Martins, ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, trabalhava então na Gilead aquando da data desse alegado donativo.
Todos estes factos estão documentados pelo PÁGINA UM, no seguimento da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa.
Aliás, nessa documentação não existe qualquer acordo escrito entre a Ordem dos Médicos e a task force ou Gouveia e Melo, até por uma simples razão: a task force, criada em finais de Novembro é uma estrutura sem qualquer autonomia própria, dependente do Ministério da Saúde, uma vez que as atribuições concedidas ao “núcleo de coordenação” estiveram sempre sob a liderança da Direcção-Geral da Saúde (DGS), Infarmed, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS). Basta saber ler o artigo 4º do Despacho nº 11737/2020, de 26 de Novembro.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde, continua em silêncio sobre a vacinação de médicos não-prioritários à margem das normas em vigor em Fevereiro de 2021.
A evidência deste acordo ter sido realizado à margem da lei fica patente no silêncio do Ministério da Saúde quando, por duas vezes, o PÁGINA UM confrontou Manuel Pizarro sobre estas matérias: a primeira vez, no dia 5 de Dezembro passado; a segunda vez, uma semana depois, em 12 de Dezembro. Em mais de um mês, o Ministério da Saúde não mostrou qualquer reunião nem mostrou qualquer documento que comprove ter existido autorização superior para conceder um excepção – o que, obviamente, não significa que não surja, agora, assim, num repente, de forma inopinada, com a IGAS a iniciar um processo de esclarecimento.
Em todo o caso, será interessante saber como agirá agora a IGAS neste “processo de esclarecimento”, que envolve o próprio bastonário da Ordem dos Médicos e o atual Chefe do Estado-Maior da Armada – que até recebeu o Prémio Nacional de Bioética em Novembro de 2021 –, tendo em conta as recentes notícias de estar a decorrer um processo disciplinar contra a directora da Delegação Regional do Sul do INEM. Teresa Brandão é acusada pela IGAS de ter cometido irregularidades na vacinação contra a covid-19 naquele instituto, em Janeiro de 2021. Mas aí estavam em causa apenas quatro frascos de vacinas, que dariam para 24 doses.
Ora, o acordo ad hoc entre o bastonário Miguel Guimarães e o agora almirante Gouveia e Melo permitiram o desvio de 7.396 doses – 1.140 vezes mais. Uma questão de estatística, de legalidade e de ética que a IGAS agora analisará.
N.D. Em resultado da investigação do PÁGINA UM sobre este acordo ad hoc, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) abriu um processo por alegada falta de rigor. O processo surge no decurso de uma participação de alguém cuja identificação foi escondida pela ERC. A resposta do PÁGINA UM fez-se através de uma carta aberta, enviada também por e-mail, ao presidente do regulador, Sebastião Póvoas.
Foram dois dos rostos da Direcção-Geral da Saúde que, sobretudo nos bastidores, determinavam as normas e seleccionavam a informação a ser divulgada junto do público. De forma discreta, saíram de funções públicas e não demoraram a capitalizar a sua experiência. André Peralta Santos já colaborou pelo menos quatro vezes com a Pfizer. Já Válter Fonseca, que foi coordenador da Comissão Técnica da Vacinação contra a Covid-19 e era responsável pelas normas terapêuticas, também já começou a participar em eventos pagos por farmacêuticos. E trabalha agora numa startup de saúde que tem a Pfizer e a Novartis como clientes.
Dois dos mais destacados dirigentes da Direcção-Geral da Saúde durante a pandemia, Válter Fonseca e André Peralta Santos – e que entretanto saíram de funções – estão agora a aceitar recebimentos de farmacêuticas para participarem em eventos. O primeiro deste médicos, Válter Fonseca, que também é professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, está agora a trabalhar numa startup da área da saúde que estabeleceu um protocolo com a DGS e já recebeu financiamentos de farmacêuticas. Nada disto é, aparentemente, ilegal.
De acordo com a consulta do PÁGINA UM ao Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed – que regista, de forma voluntária e com fraquíssimo controlo por parte do regulador –, o antigo director de Serviços de Informação e Análise, André Peralta Santos, e o antigo director do Departamento em Saúde e ex-coordenador da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), Válter Fonseca, ficaram disponíveis no mercado para colaborar mais livremente com as farmacêuticas.
No caso de André Peralta Santos – que entrou em funções em Setembro de 2020 e teve a responsabilidade da sensível gestão do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) e dos números tornados públicos sobre a covid-19 –, a sua saída da DGS ainda ocorreu em 2021, supostamente para concluir o doutoramento na Universidade de Washington, embora ainda com uma ligação à Escola Nacional de Saúde Pública.
Este médico era também presença frequente nas famosas reuniões do Infarmed, onde expunha a evolução da pandemia aos responsáveis políticos.
Depois da sua saída da DGS, formalizada em Outubro de 2021, além de passar a integrar na universidade norte-americana um centro de análise estratégica de saúde global – que tem como clientes a Fundação Bill & Melinda Gates, a Organização Mundial de Saúde –, André Peralta disponibilizou-se para ser consultor e palestrante da Pfizer.
André Peralta Santos
Essa oferta ocorreu pelo menos por quatro vezes já identificadas pelo PÁGINA UM, tendo ele recebido oficialmente 4.400 euros. Saliente-se, contudo, que a Plataforma da Transparência do Infarmed não obriga as farmacêuticas a colocarem os comprovativos de quaisquer contratos ou documentos de efectivação de pagamentos.
De acordo com a descrição constante na base de dados do regulador – que há vários anos não faz qualquer fiscalização nos procedimentos de transparência entre farmacêuticas e profissionais de saúde –, André Peralta foi consultor da Pfizer numa reunião sobre abordagem terapêutica da covid-19, e participou ainda, ao longo de 2022, em três palestras financiadas por aquela farmacêutica norte-americana. Sempre, invariavelmente, sobre a pandemia. Por exemplo, num seminário sobre sepsis e infecções, organizado no Porto no início de Junho do ano passado, André Peralta ganhou 1.200 euros por compartilhar as suas opiniões sobre objectivos terapêuticos associados à covid-19 durante 40 minutos acompanhado de um médico espanhol (Alex Soriano). Depois, houve um almoço.
Válter Fonseca, enquanto dirigente da Direcção-Geral da Saúde em Novembro de 2021, ao lado de Filipe Froes, num evento da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, uma das associações médicas com maiores promiscuidades com as farmacêuticas.
O PÁGINA UM contactou André Peralta por e-mail, mas não obteve quaisquer comentários sobre se, atendíveis as suas anteriores funções na DGS, considerava éticas estas relações com uma das farmacêuticas que mais facturou durante a pandemia.
Quanto a Válter Fonseca, que ocupava o cargo de director do departamento de Qualidade da Saúde desde Novembro de 2018, a sua saída da DGS é mais recente: Setembro do ano passado. Mas já está a capitalizar a sua experiência e a explorar o seu know how junto das farmacêuticas. Sendo certo que “apenas” participou um evento pago (já registado este ano), em que recebeu 1.100 euros da Merck Sharp & Dohme (que comercializa um anticorpo monoclonal de tratamento da covid-19), Válter Fonseca tem, desde Novembro passado, o cargo de director de Decisão Médica e Qualidade de Saúde na start-up UpHill Health, que tem parcerias com farmacêuticas como a Novartis e a Pfizer.
Cartaz do congresso da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública.
Curiosamente, ou talvez não, Válter Fonseca, então funcionário público, enquanto director da DGS estabeleceu um protocolo com a UpHill em Outubro de 2021, disponibilizando normas clínicas que a empresa passou a poder usar (e comercializar) livremente. Um ano depois, Válter Fonseca acaba a trabalhar na empresa que beneficiou.
Válter Fonseca não respondeu ao pedido de comentários do PÁGINA UM.
Mas não têm sido apenas estes médicos, considerados especialistas em Saúde Pública, que têm estado a receber directa ou indirectamente benesses da indústria farmacêutica no decurso da pandemia.
A própria Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP) conseguiu um reforço substancial de patrocínios para os seus eventos, particularmente desde o ano passado, e sobretudo com a chegada de Tato Borges à presidência. Este médico – que é coordenador do agrupamento de centros de saúde de Gondomar – tem estado a capitalizar a pandemia tanto para as suas finanças pessoais como para as da sua associação.
A título pessoal, Tato Borges recebeu mais de 7.800 euros da Pfizer, e fez com que a farmacêutica norte-americana abrisse os cordões à bolsa para eventos da ANMSP. No ano passado, a Pfizer atribuiu um patrocínio de 20.000 euros para o congresso desta associação – e mereceu a distinção de “Parceiro Ouro” –, a que acresceram mais 17.800 euros em 2021.
A ANMSP, que antes da pandemia, recebia verbas irrisórias das farmacêuticas (10.530 euros, no total, entre 2016 e 2019), teve no ano passado apoios já substanciais, no valor global de 53.750 euros, dos quais 20.000 euros da Pfizer, 11.070 euros da AbbVie, 10.990 euros da Merck Sharpe & Dohme, 5.000 euros da Roche, 3.690 euros da Gilead e 3.000 euros da Janssen.
No auge, a sua popularidade nacional e internacional chegou a ser apelidada de “Jacindamania”. Nas eleições de Outubro de 2020, em plena pandemia, Jacinda Arden obteve 50,01% dos votos, um resultado histórico, assegurando 65 dos 120 lugares na Câmara dos Representantes. Mas a aprovação popular da estratégia fortemente restritiva e até segregacionista da primeira-ministra da Nova Zelândia foi-se esfumando, sobretudo quando a Ómicron “varreu” a ilha da Oceânia a partir do início do ano passado, e a inflação e as tensões sociais aumentaram. Para piorar, a Nova Zelândia apresenta, desde 2022, um inusitado excesso de mortalidade, confirmada por uma análise do PÁGINA UM recorrendo a dados estatísticos oficiais.
Heroína ou ditadora. Amor e ódio. Agradecimento e desprezo. Assim foram os sentimentos antagónicos em reacção ao anúncio da recente demissão de Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia. Não deixou ninguém indiferente. Nos antípodas do continente europeu, com uma população a rondar os 5,1 milhões de habitantes, nunca um Governo daquela ilha da Oceânia foi tão falado.
Até em Portugal, onde o interesse sobre a Nova Zelândia, antes da pandemia, era tão abundante como os cangurus naquela ilha: zero. A primeira-ministra da pequena ilha ao largo da Austrália tornou-se tudo menos consensual nos últimos três anos.
Jacinda Ardern com António Guterres.
Mulher, jovem e comunicativa, Jacinda Ardern revelou-se ao Mundo pela forma empática como lidou com o atentado contra a mesquita de Christchurch em Março de 2019, mas depois transformou-se numa “dama de ferro” pela forma como impôs uma estratégia de restrições durante a pandemia, com lockdowns draconianos – que proibiam mesmo “recuperar uma bola de críquete perdida no quintal do vizinho”, como recordava ontem uma notícia do The New York Times.
Além disso, apesar de inicialmente assegurar que as vacinas seriam voluntárias, impôs a sua administração obrigatória para determinadas profissões, como agentes fronteiriços, polícias, militares, profissionais do sector da Educação, da saúde e serviços policiais, além de empregados do sector da restauração. O seu discurso tornou-se, por vezes, incrivelmente segregacionista, defendendo a punição e discriminação de quem não se vacinasse ou realizasse testes. O bordão do governo trabalhista de Ardern não podia ser mais incisivo: “no jab, no job” [sem vacina, sem trabalho].
Com o surgimento das vacinas em finais de 2020, o objectivo de Jacinda Arden passou a ser alcançar rapidamente os 90% da população vacinada. Os fins desejados pela primeira ministra justificaram os meios por si impostos – e isso conseguiu Jacinda Ardern.
Jessica Ardern impôs a vacinação obrigatória em determinados grupos profissionais.
Os dados mais recentes do Ministério da Saúde neozelandês indicam que 90,2% dos maiores de 12 anos tinham completado a primeira fase da vacinação. Porém, a adesão ao primeiro reforço, para os maiores de 18 anos, já foi menor (73,3%), e ainda se reduziu mais para o segundo reforço. Neste momento, apenas 47,3% dos neozelandeses optaram por tomar o denominado segundo booster, mostrando uma tendência de desinteresse que também atinge Portugal.
Mas se a estratégia de Jacinda Ardern – que chegava a ser similar à chinesa, apontando para a covid zero – parecia estar a resultar nos primeiros dois anos da pandemia, em pouco mais de dois meses colapsou.
Com efeito, até ao final de Janeiro de 2022 a Nova Zelândia contava apenas 16.620 casos positivos de covid-19 desde o início da pandemia, contabilizando 63 óbitos. Como termo de comparação, Portugal – com o dobro da população – tinha, nessa altura, cerca de 20 mil mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 e mais de 2,8 milhões de casos positivos.
Vacinada em Junho de 2021, Jacinda Ardern testou positivo em Maio do ano passado. Usou fortemente as redes sociais para comunicar questões relacionadas com a covid-19.
Apesar de contar com uma população fortemente vacinada, a variante Ómicron “varreu” literalmente a ilha de Jacinda Ardern – e também a sua estratégia de covid, apesar de continuar a receber os louros de uma política segregacionista e pouco democrática. Na segunda semana de Maio do ano passado, a Nova Zelândia superava já um milhão de casos e, nesse mesmo mês, ultrapassou os 1.000 óbitos.
Actualmente, segundo os dados do Worldometers, este país da Oceânia regista mais de 2,1 milhões de casos – uma incidência que já ultrapassou a da Suécia –, embora conte somente com 3.676 óbitos, ou seja, uma taxa de letalidade de 0,17%, o que se explica pela menor agressividade da variante Ómicron.
À medida que o suposto sucesso da estratégia de Jacinda Ardern no combate à pandemia se esfumava com a Ómicron, aumentava a contestação interna à sua política segregacionista. Em Agosto do ano passado, manifestações em Wellington mostravam já uma estrela cadente em queda livre. Os índices de popularidade do Partido Trabalhista de Ardern tinha então despencado para os 33% de aprovação, quando no final de 2021 era ainda de 41%. No mês seguinte, Jacinda Arden viu-se obrigada a deixar cair as máscaras e os mandatos de vacinação, enquanto já defendia então ser necessário “virar a página”.
Manifestações contra os mandatos de vacinação atingiram o seu auge em Agosto do ano passado.
Mas já era tarde para recuperar a popularidade interna perdida. Hoje, o jornal Stuff noticia que uma pesquisa (Taxpayers’ Union – Curia Poll), realizada pouco antes do anúncio da sua renúncia, apurara que que 40% dos inquiridos tinham uma posição favorável à primeira-ministra neozelandesa contra 41% com opinião desfavorável. É a primeira vez, desde que o balanço de Jacinda Ardern se mostrava negativo. Por outro lado, o índice de popularidade do Partido Trabalhista desceu para os 31,7%, estando já bastante abaixo do Partido Nacional, de centro-direita, que conta com 37,2% das intenções de voto.
Recuperar a popularidade do Partido Trabalhista para as eleições marcadas para o próximo mês de Outubro será ainda mais complexo pela evolução económica e financeira, a par de uma situação de saúde pública marcada por um forte recrudescimento da mortalidade total.
De facto, a taxa de inflação na Nova Zelândia, que era de 1,5% em Março de 2021, estava já em 7,2% no terceiro trimestre ano passado, de acordo com dados oficiais. Este é o valor mais elevado desde Setembro de 1990. Embora a taxa de desemprego esteja em apenas 3,3% – o valor mais baixo dos últimos 15 anos –, existem receios forte de uma recessão económica.
Evolução da taxa de inflação anual (%) por trimestre na Nova Zelândia de Janeiro de 1990 a Setembro de 2022. Fonte: Stats NZ.
Em todo o caso, com um produto interno bruto per capital de cerca do dobro de Portugal, a situação económica não se augura demasiado dramática no futuro da Nova Zelândia.
Mais dramática mostra ser a evolução da mortalidade total da Nova Zelândia. Com efeito, se os dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) pareciam mostrar que a estratégia restritiva draconiana defendida por Jacinda Ardern era uma aposta vencedora, agora afigura-se terrível.
Uma análise detalhada aos dados oficiais do Stats NZ – a agência neozelandesa de Estatística – entre Janeiro de 2010 e Setembro do ano passado – uma tendência crescente da mortalidade total, depois de uma redução ao longo de 2020 e 2021. Considerando a média móvel de 12 meses – para atenuar completamente o efeito das variações sazonais –, observa-se um crescimento ininterrupto a partir de Novembro de 2020, quando então as medidas não-farmacológicas e os lockdowns reduziam o risco de vida para grande parte das doenças.
Evolução da mortalidade total na Nova Zelândia entre 2010 e 2019, e estimativa do excesso ou défice de mortalidade entre 2019 e 2022 (em todos os anos apenas para os primeiros nove meses) em função do número expectável e registado. Fonte: Stats NZ. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
A tendência de incremento da mortalidade total passou a ser preocupante quando em Novembro de 2021 se ultrapassaram os valores de Março de 2020. A mortalidade total em Setembro do ano passado – último período com dados – já se situou em 6.438 óbitos (média de 12 meses), que contrastava com os 5.786 óbitos no mês homólogo imediatamente anterior à pandemia (Setembro de 2019). Significa isto um desvio de 11%.
Fazendo uma análise comparativa, por agora, dos nove primeiros meses de cada ano (Janeiro a Setembro), desde 2010 até 2022, e considerando também a tendência crescente de mortalidade (por envelhecimento populacional), chega-se à conclusão que ao pretenso sucesso das políticas de saúde de Jessica Ardern em 2020 e 2021 sucedeu um desastre em 2022.
Sobretudo em 2020, a mortalidade total nos primeiros nove meses ficou bastante abaixo dos valores expectáveis: seria de aguardar, sem pandemia, um registo de 53.086 óbitos, mas afinal houve menos 3.592 mortes. Ou seja, com o Mundo então a sofrer uma pandemia, a Nova Zelândia apresentava até uma descida da mortalidade por todas as causas.
Evolução da mortalidade total por mês (média móvel de 12 meses) na Nova Zelândia entre Janeiro de 2015 e Setembro de 2022. Fonte: Stats NZ. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Em 2021, manteve-se esse saldo favorável, embora já não tão evidente. Seria expectável o registo de 54.018 óbitos, tendo-se contabilizado menos 624.
Porém, o ano de 2022 “estragou a festa” – e nem se pode dizer que tenha sido por causa da covid-19, porque entre Janeiro e Setembro morreram pouco mais de 2.900 neozelandeses por esta doença. Com efeito, o excesso na mortalidade total neste período foi de 4.856 óbitos, um valor que suplanta em muito o “défice” favorável de 2020 e 2021.
O grupo etário que apresentou um maior agravamento foi o dos muito idosos (maiores de 90 anos), que estão com valores cerca de 17% acima do período imediatamente anterior à pandemia, e numa tendência que não parece ter encontrado o topo. Essa “razia” dos super-idosos pode ter uma razão simples: a vida não dura sempre e o sacrifício de os proteger contra a covid-19 descurou outras afecções que agora manifestam os seus efeitos, através de um aumento dos desfechos fatais.
Essa evidência também se afigura no grupo etário dos 85 anos 89 anos, onde se observa uma redução da mortalidade expectável nos primeiros dois anos da pandemia, sucedendo depois um crescimento acentuado ao longo dos meses de 2022.
Evolução da mortalidade total por mês (média móvel de 12 meses) entre Janeiro de 2015 e Setembro de 2022 nos grupos etários dos maiores de 60 anos. Fonte: Stats NZ. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Já sem atenuação da mortalidade durante 2020 e 2021, a evolução dos desfechos fatais para os idosos entre os 80 e 84 anos apresenta também sinais preocupantes. Tanto antes como nos dois primeiros anos da pandemia, o número de óbitos por mês (média móvel de 12 anos) rondava valores entre os 800 e os 850, mas o valor de Setembro do ano passado situou-se nos 987 óbitos.
Tendência recente preocupante abrange também o grupo etário dos 75 aos 79 anos, com o número de óbitos em Setembro passado (média móvel de 12 meses) a aproximar-se dos 800, quando antes e durante os primeiros dois anos da pandemia andou entre os 650 e os 700 óbitos. Ou seja, os valores mais recentes representam um agravamento superior a 10% face ao normal.
Similar efeito, embora atenuado, se mostra nos diversos grupos etários dos 60 aos 74 anos, embora em termos relativos se esteja sempre perante acréscimo da ordem dos 10%.
Nas populações adultas entre os 40 e os 59 anos, o efeito da pandemia foi nulo. Quer antes da pandemia, quer antes do surgimento da vacina quer depois quer ainda nos meses de 2022, as flutuações são mínimas e dentro daquilo que estaticamente se pode considerar norma. O mesmo se aplica nos menores de 40 anos, tanto nos jovens adultos como nos adolescentes, crianças e recém-nascidos.
Evolução da mortalidade total por mês (média móvel de 12 meses) entre Janeiro de 2015 e Setembro de 2022 nos grupos etários dos menores de 60 anos. Fonte: Stats NZ. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Ou seja, tal como em muitos outros países – incluindo Portugal –, quando se olha para o impacte da pandemia nos menores de 50 anos, nada aconteceu. Sem vacina ou com vacina, o perfil da mortalidade total é similar àquilo que era antes de 2020.
Porém, o caso muda de figura para os mais idosos. Na Nova Zelândia, se a política de Jacinda Ardern foi de salvar idosos, de facto conseguiu-o, mas com um trágico desfecho: alguns idosos tiveram “direito” a uns quantos meses de vida suplementar, é certo, mas em absoluta reclusão e medo da covid-19.
E depois desses meses acabaram muitos desses – e outros mais, em excesso – por perecer. Sem glória. E a trágica procissão pode ainda estar no adro. Na Nova Zelândia, Jacinda Ardern já não estará no Governo para assumir responsabilidades; ao invés, sai com aura de heroína internacional, sobretudo para quem não olha para os números, para a realidade.
O PÁGINA UM foi olhar para os contratos das entidades públicas, sobretudo autarquias, alusivos à época natalícia, que inclui eventos que antecedem o Natal e que, em geral, se prolongam pela Passagem do Ano. De entre os contratos, quase oito centenas, já disponibilizados no Portal Base, encontrámos de tudo um pouco. E sobretudo falta de critérios. Aparentemente, cada entidade gasta no que quer e como quer. Em menos de um em cada 10 contratos se recorreu a concurso público.
Foram bonitas as festas da quadra natalícia. Pelo menos é aquilo que transparece das quase oito centenas de contratos públicos, assinados sobretudo por autarquias, que o PÁGINA UM compilou até ontem, que serviram para pagar iluminação, animações e diversões das mais variadas, cabazes para funcionários e carenciado – onde nem sequer faltou bacalhau e queijos –, muitos almoços e jantares, brindes e brinquedos a rodos, e demais parafernália necessária, como seja aluguer de equipamentos, assistência técnica e produção de som e imagem.
Embora ainda seja provável a introdução de mais contratos ao longo das próximas semanas no Portal Base alusivos ao Natal, o montante de gastos para alegrar uma parte dos portugueses durante umas semanas de Dezembro com dinheiros públicos ascendeu já aos 26,3 milhões de euros, envolvendo cerca de 330 entidades públicas, sendo que 243 são câmaras municipais e 30 juntas de freguesias. No lote estão igualmente diversas empresas municipais, mas também entidades privadas, como as ordens profissionais (que estão sujeitas às regras de contratação pública) e a Associação dos Comerciantes do Porto, que, por via de um protocolo com a autarquia, é uma das entidades pelas festividades natalícias nas ruas da Cidade Invicta.
Evento natalício no Seixal
Sendo o Natal sempre na mesma época do ano, e até no mesmo dia, aquilo que mais surpreende é o pouco uso na contratação por concurso público. De entre os 796 contratos públicos consultados pelo PÁGINA UM, 453 foram celebrados por ajuste directo, 274 por consulta prévia (que, em muitos casos, resulta em combinações) e apenas 69 através de concurso público.
Ou seja, em menos de nove em cada 100 contratos, quem ganhou teve mesmo de derrotar a concorrência. Em termos de montante, e por existirem limitações aos ajustes directos, o peso dos contratos após concurso público é um pouco maior: cerca de um terço do total, ou seja, um pouco mais de 8,5 milhões de euros. Os contratos por ajuste directo representam 31% e os restantes 36% foram por consulta prévia.
Individualmente, a entidade que mais investiu em efémeras animações do Natal passado foi a Secretaria Regional do Turismo e Cultura da Madeira que, através de sete contratos, gastou já 3,4 milhões de euros. Apenas um destes contratos foi por concurso público, no valor de quase 1,9 milhões de euros, que inclui também uma parte das festividades natalícias deste ano e eventos carnavalescos de 2023 e 2024.
Evento natalício em Santa Maria da Feira
Apesar de no caso da Madeira ser tradicionalmente o Governo Regional a arcar com os gastos de animação natalícia, houve autarquias daquele arquipélago que quiseram também abrir os cordões à bolsa com dinheiros públicos. Por exemplo, a Câmara Municipal da Calheta – que conta com cerca de 11 mil habitantes – gastou 256.983 euros, distribuídos por seis contratos, o maior dos quais, para iluminação decorativa do Natal e Passagem do Ano, ascendeu a quase 215 mil euros. E, por sua vez, a autarquia de Santa Cruz, com cerca de 43 mil habitantes, gastou 317.815 euros em cinco contratos, incluindo um no valor de mais de 48 mil para montar e desmontar gambiarras.
Os montantes despendidos em cada concelho são extremamente variados, e parecem depender mais de uma certa tradição do que da dimensão geográfica ou populacional, extravasando a simples iluminação e animação. Além disso, nem sempre é apenas a Câmara Municipal a assegurar as despesas, havendo casos dessa tarefa ficar remetida a empresas municipais ou mesmo a entidades externas com funções públicas.
Na capital portuguesa, ainda se está muito longe de apurar custos totais. Relacionado com o Natal, a autarquia liderada por Carlos Moedas apenas introduziu no Portal Base um contrato de cerca de 22.500 euros para “aquisição de material didático para oferta aos filhos dos trabalhadores do Município de Lisboa no Natal 2022”. Os contratos de animação em Lisboa em época natalícia ainda não são assim globalmente conhecidos, embora seja patente que várias juntas de freguesia da capital arcaram com custos de iluminação, como as das Avenidas Novas (54.550 euros), da Penha de França (39.800 euros), de Marvila (19.200 euros), dos Olivais (11.250 euros) e de Alvalade (5.900 euros)
Evento natalício em Portimão
No caso do Porto, pelos dados disponíveis a Câmara Municipal gastou pouco: apenas 21.650 para serviços de criação artística e instalação da decoração de Natal no Gabinete do Munícipe e para a produção de um filme promocional alusivo à época.
Porém, os gastos públicos acabaram por ser consideráveis, embora assumidas por outras entidades, como sejam a Associação dos Comerciantes do Porto (409.545 euros, que custeou a iluminação), a Associação dos Amigos do Coliseu do Porto (173.500 euros, que custeou o Circo do Natal) e a empresa municipal Ágora (92.932 euros, para pagamento de diversos eventos). Ou seja, para já, os eventos natalícios no Porto terão custado cerca de 700 mil euros.
De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, de entre as 10 entidades com mais gastos – lista liderada pela Secretaria Regional madeirense do Turismo e Cultura –, constam sobretudo concelhos da Grande Lisboa, Algarve ou cidades capitais de distrito. A câmara municipal individualmente com maiores gastos, contabilizados por agora, é a do Seixal: quatro contratos no valor total de 513.631 euros para dinamizar a sua Aldeia de Natal.
Jantar de Natal da Câmara Municipal do Crato
Muito próximos destes valores ficaram os gastos de duas autarquias algarvias: Portimão e Loulé. A primeira, do barlavento, gastou 510.365 euros, em 10 contratos diversos de iluminação e eventos, nenhum deles por concurso público. As despesas incluem mesmo um Jantar de Natal para funcionários municipais que custou 45.000 euros. Não se sabe se nesse jantar estiveram os funcionários da EMARP, a empresa municipal de águas e resíduos deste concelho. Se não estiveram, também tiveram direito ao seu jantar pago pela empresa, e que custou 9.675 euros. Além disso, neste concelho, a Junta de Freguesia de Portimão também gastou 15.131 euros em cabazes de Natal e 12.000 euros em iluminação de ruas.
Por sua vez, no barlavento algarvio, a Câmara Municipal de Loulé gastou um total de 489.978 euros em oito contratos alusivos à época natalícia, dos quais os dois maiores por concurso público. Também aqui quase tudo foi para iluminação e para custear as aldeias de Natal, agora muito em moda. Houve mais duas empresas municipais – Infraquinta, de gestão de infraestuturas públicas da Quinta do Lago, e a Inframoura, a congénere de Vilamoura – com gastos natalícios. A primeira pagou 25 mil euros por iluminação; a segunda 14.524 euros por cabazes de Natal.
De entre as Câmaras Municipais com gastos acima dos 400 mil euros estão ainda as de Castelo Branco (438.068 euros), da Maia (403.805 euros), de Leiria (403.270 euros) e Vila do Conde (400.889 euros).
UHF em concerto de Natal em Fafe.
Com montantes entre os 300.000 e os 400.000 euros encontram-se as autarquias de Albufeira, Bragança, Silves, Braga, Guarda, Santa Cruz (Madeira), Águeda e Almada. Por agora, o top 20 das entidades públicas com maiores despesas em actividades e eventos natalícios no ano passado é completado pelas Câmaras Municipais de Sintra (297.809 euros), Gondomar (262.065 euros) e Calheta (256.983 euros).
Mesmo alguns concelhos de pequeníssima dimensão não olharam a custos para alegrar o Natal. Os casos mais evidentes são os da Pampilhosa da Serra e de Pinhel. No primeiro caso, o município do distrito de Coimbra, com cerca de quatro mil habitantes, gastou 202.167 euros em cinco contratos (nenhum por concurso público) eventos de natureza natalícia. O segundo, no distrito da Guarda, com menos de 10 mil habitantes, despendeu 183.310 euros em contratos, todos apenas por consulta prévia.
Apesar de a iluminação ser o item com maior peso dos contratos já analisados pelo PÁGINA UM, representando um total de 10.939.122 euros (41,6% dos gastos totais), existe uma multiplicidade de gastos relacionados com a época natalícia nem sempre fáceis de agrupar. Nas categorias definidas pelo PÁGINA UM, além da iluminação – incluindo montagem e desmontagem, mas sem a parte dos custos energéticos –, a categoria da animação e diversão somou já 7.695.461 euros.
Cabazes de Natal da Câmara Municipal da Trofa.
Neste grupo estão as aldeias de Natal, mas também circos, peças de teatro e até concertos (de música clássica ou não) desde que inseridos em actividades alusivas àquela época do ano. Por isso, neste lote encontram-se, por exemplo, os quatro concertos dos UHF em Castro Verde, Lagos, Marco de Canavezes e Fafe.
Como complemento destas actividades, contam-se também os contratos para aquisição e aluguer de equipamentos – que totalizam, até agora, 1.232.932 euros –, os contratos para decorações diversas (incluindo árvores de Natal – englobando já 536.559 euros –, os contratos muito diversificados de assistência técnica, segurança e consultadoria – com um total de 430.701 euros – e ainda os contratos para serviços de som e imagem, sobretudo filmes promocionais e gravação para memória futura de eventos, com uma despesa de 291.015 euros.
A grande distância das duas categorias mais representativas em gastos natalícios – iluminação, animação e diversão, que totalizam 70,8% do valor dos contratos analisados, superando os 18,7 milhões de euros – surgem os cabazes de Natal ou de produtos destinados a ofertas natalícias, tanto a funcionários públicos como a pessoas carenciadas.
Iluminação natalícia em Lisboa, no Largo do Intendente.
O PÁGINA UM detectou quase seis dezenas de aquisições em que se refere expressamente a aquisição de Cabazes de Natal ou de produtos alimentares, que inclui até a compra de bacalhau, queijos e vinhos. O “fiel amigo” foi comprado, para oferta municipal a funcionários, pelas Câmaras Municipais de Mafra (35.294 euros), Leiria (19.040 euros), Portel (12.392 euros), Monchique (12.167 euros) e Viseu (7.843 euros), além de Ovar. Neste último caso, o contrato no valor de 16.517 euros, inclui outros produtos, mas especifica a aquisição de “729 (setecentos e vinte e nove) Peixes de Bacalhau da Noruega crescido (1,400 kg a 1,800 kg/cada)”. Nada mau.
Também houve 5.692 euros de compras de vinhos pela autarquia de Sines e 3.105 euros gastos em queijos pelos Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos dos Municípios de Loures e Odivelas.
No sector alimentar, os gastos também foram avultados para aquilo que se pode categorizar de catering, que basicamente consiste em almoços ou jantares de Natal, umas vezes para funcionários públicos, outras para idosos. De entre os contratos públicos, o PÁGINA UM detectou, para já, 19 almoços de Natal e 33 jantares de Natal.
O almoço mais caro foi pago pela Câmara Municipal de Redondo: 19.820 euros. No caso do jantar de Natal, a autarquia de Portimão despendeu 45.000 euros especificamente para obsequiar os seus funcionários.
Também houve gastos substanciais em brinquedos e brindes – uma categoria, por vezes, difícil de estabelecer, uma vez que inclui até publicações (livros) que aparentam ser acções de marketing político. Neste grupo, o PÁGINA UM contabilizou dezenas de contratos totalizando 755.996 euros para a aquisição dos mais distintos objectos.
Em muitos destes contratos que envolvem a aquisição de prendas nota-se uma completa ausência de critérios na escolha dos destinatários, mas em outros choca que os beneficiários sejam apenas funcionários públicos (mesmo que para os filhos), sabendo-se que as verbas, sendo públicas, provêm dos contribuintes.
Por exemplo, o município de Oeiras decidiu gastar 13.298 euros em brinquedos, mas especificando que eram para “os filhos dos trabalhadores do município, da assembleia municipal, juntas de freguesia, PSP, bombeiros e CCD [Centro de Cultura e Desporto]”.
Prendas de Natal em Oeiras apenas para funcionários autárquicos, polícias & bombeiros
Além de todos estes gastos, ainda constam dezenas de contratos que o PÁGINA UM classificou como “diversos”, cuja categorização se mostra de difícil enquadramento em outros, ou que obrigaria a uma consulta individual dos contratos. E é bom de ver que, até ontem, estavam 796 contratos alusivos à época natalícia no Portal Base.
Hoje, dia 17, foram inseridos mais seis, no valor total de 158.817 euros, e para coisas tão diversas como a aquisição de 1.676 euros de azeite para brindes de Natal pelos Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos dos Municípios de Loures e Odivelas ou os três contratos de uma empresa municipal da Feira para serviços de carpintaria, som e luz para o mercado de Natal. O Pai Natal, através dos dinheiros dos contribuintes, pode ser generosos até mais não…
O Ministério da Saúde recusa divulgar os contratos da compra das vacinas contra a covid-19. Agora, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, alega que está em curso uma auditoria aos procedimentos e que os contratos têm cláusulas secretas que não podem ser reveladas. O Tribunal Administrativo de Lisboa decidirá se assim é. E se um negócio que deverá rondar os 675 milhões de euros pode manter-se no segredo dos gabinetes políticos.
Os procedimentos de contratação e de gestão das vacinas da covid-19 estarão a ser alvo de uma auditoria, de acordo com um ofício de Graça Freitas, directora-geral da Saúde ao PÁGINA UM, em resposta a um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Esta acção pretende obrigar o Ministério da Saúde a disponibilizar os contratos com as farmacêuticas, bem como as guias de transporte (que confirmem a recepção da totalidade dos lotes comprados) e as diversas comunicações entre as partes.
Embora não adiantando quais as suspeitas de irregularidades que podem estar em causa – e que tenham levado à instauração de uma auditoria, de cuja iniciativa Graça Freitas nada acrescenta –, este motivo também poderá constituir um expediente para protelar o acesso aos documentos. O PÁGINA UM contactou o Ministério da Saúde para obter esclarecimentos adicionais sobre esta alegada investigação, mas não teve sucesso. Ignora-se assim, também aqui, quem ordenou a auditoria, quando tal sucedeu, qual a entidade que a está a desenvolver, quem são os visados e qual o prazo de conclusão.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde.
No ofício, Graça Freitas – que tem tido uma sistemática postura de obscurantismo ao longo da gestão da pandemia, apesar de ter esta tarde recebido a Grã-Cruz da Ordem de Mérito das mãos do Presidente da República – argumenta mesmo com as restrições da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, designadamente quanto ao “acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos”, cujo acesso “pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar.”
Recorde-se que o PÁGINA UM entrou com uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa no último dia do ano passado para obrigar o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, a disponibilizar a “consulta presencial e obtenção de cópia, em qualquer formato disponível, de todos os contratos integrais (incluindo anexos e cadernos de encargos) assinados entre a Direcção-Geral da Saúde (ou outras entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde) e as farmacêuticas que comercializam vacinas contra a covid-19, desde 2020 até à data, incluindo documentos de entrega (guias de transporte), bem como toda a documentação (troca de correspondência) entre as entidades adjudicantes e adjudicatárias ao longo desde período.”
Apesar da obrigatoriedade legal de colocar todos os contratos públicos no Portal Base, o Governo, através da DGS – que terá sido a única entidade pública a efectuar as aquisições –, está intencionalmente a omitir a inclusão de qualquer contrato relacionado com as vacinas contra a covid-19 desde Março de 2021. Ignoram-se assim, de forma inequívoca, quantos lotes foram adquiridos a cada farmacêutica, os preços unitários e as condições de venda, incluindo as relacionadas com responsabilização.
Na plataforma da contratação pública, apenas constam quatro contratos todos do primeiro trimestre de 2021: duas compras de vacinas à Pfizer Biofarmacêutica (no valor de 54.489.660 euros, em 19 de Fevereiro; e de 34.419.238 euros em 23 de Março) e mais duas à Moderna (27.247.155 euros e 18.780.000 euros, ambas em 23 de Março). No total constam assim apenas as compras de um pouco menos de 135 milhões de euros.
Esta é, contudo, uma percentagem minoritária das cerca de 45 milhões de doses supostamente adquiridas pelo Governo, mas sem qualquer base documental disponibilizada. O Ministério da Saúde tudo tem feito para esconder os documentos administrativos comprovativos dessas aquisições, bem como dos lotes inutilizados, doados e revendidos.
O ofício de Graça Freitas – que serviu também para o Ministério da Saúde alegar no Tribunal Administrativo de Lisboa para poder manter um manto de obscurantismo num negócio com as farmacêuticas que se aproximará dos 675 milhões de euros – acrescenta também que, além da auditoria, “existem outras razões ponderosas que decorrem do cumprimento de obrigações contratuais pelos Estados-Membros da União Europeia e impedem que seja facultado o acesso [à] informação pretendida”.
Segundo a directora-geral da Saúde, como a Comissão Europeia “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), acrescentando que isso “dispensa os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”.
Nessa medida, ainda de acordo com Graça Freitas, “a titularidade dos referidos APAs é apenas da Comissão e dos fabricantes de vacinas, os quais acordaram os termos contratuais aplicáveis, definindo, nomeadamente, a informação confidencial dos mesmos, bem como a informação passível a ser partilhada com terceiros”. E ainda acrescenta que não compete à DGS “fornecer essa informação a terceiros, uma vez que, por um lado, não é parte nos APAs celebrados e, por outro, ao partilhar informação confidencial estaria a violar vários princípios e disposições legais nacionais e europeias” – que, acrescente-se, não indica.
De facto, a legislação nacional de acesso aos documentos administrativos salienta que basta que os documentos em causa estejam na posse de uma entidade administrativa para que o seu acesso seja possível, independentemente de se parte activa. Por outro lado, não é líquido que os contratos assinados entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas – e que estão envoltos em polémica em outros países – contenham matéria restrita.
Graça Freitas recebeu hoje a Grâ-Cruz da Ordem de Mérito das mãos do Presidente da República. E tem tido, de facto, o grande “mérito” de esconder informação relevante aos portugueses.
E, por fim, embora as APAs tenham determinado compras centralizadas, em contornos ignorados pelo público, existem sempre documentos administrativos de aquisição – quatro dos quais até foram inseridos no Portal Base no início de 2021 –, incluindo guias de transporte e outras comunicações que têm necessariamente de ser acessíveis. Nem que seja para se comprovar que Portugal adquiriu mesmo 45 milhões de doses de vacinas, mais de 18 milhões do que as que já terão sido administradas.
Nessa medida, o PÁGINA UM irá requerer ao Tribunal Administrativo de Lisboa – como, aliás, tem sucedido noutros processos – que o juiz do processo de intimação solicite o envio da documentação em causa para averiguar se, efectivamente, existem restrições legais ou se, simplesmente, o Ministério da Saúde se encontra apenas a usar argumentos falsos para manter um negócio milionário fora da esfera pública.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.
As grandes farmacêuticas fizeram pressão junto do Twitter para censurar conteúdos sobre vacinas contra a covid-19 que podiam afectar os lucros recorde que obtiveram na pandemia. A alemã BioNtech, parceria da Pfizer na produção da sua vacina mRNA contra a covid-19, actuou junto do Twitter para censurar activistas e conteúdos que pediam que houvesse vacinas genéricas contra a covid-19 para os países mais pobres. Também o Governo alemão pressionou a rede social. Nas novas revelações dos chamados ‘Twitter Files’, conhecidas esta segunda-feira, também se ficou a saber que as farmacêuticas fizeram lobby para pressionar as redes sociais a censurar conteúdos sobre vacinas, incluindo publicações contra o ‘certificado digital’, ou ‘passe verde’, que vieram impulsionar – ou mesmo forçar – o consumo de vacinas contra a covid-19. Antes destas revelações, foram divulgados mais detalhes que deitaram por terra a tese do Partido Democrata, que foi amplificada pelos media mainstream, sobre a existência de uma alegada ingerência russa nas eleições presidenciais nos Estados Unidos.
Para proteger o seu lucro, a alemã BioNtech – que produz com a norte-americana Pfizer a vacina mRNA contra a covid-19, uma das mais utilizadas no Mundo –, pressionou o Twitter para que a rede social censurasse conteúdos de activistas que pediam o lançamento de vacinas genéricas, mais baratas, para os países mais pobres. Também o Governo alemão se juntou à farmacêutica para levar a plataforma, antes da sua aquisição por Elon Musk, a censurar activistas que pediam o acesso global às vacinas.
Esta é uma das novas revelações feitas esta segunda-feira pelo jornalista de investigação Lee Fang no Twitter, no âmbito dos chamados ‘Twitter Files’.
Segundo as informações divulgadas a partir da própria rede social, o BIO – um lobby da indústria farmacêutica, incluindo da Pfizer e da Moderna – pagou quase 1,3 milhões de dólares por uma campanha para censurar conteúdos no Twitter.
As farmacêuticas fizeram também pressão e lobby junto das redes sociais no sentido de serem censurados publicações de activistas sobre as vacinas contra a covid-19, incluindo também aquelas que contestassem o polémico “certificado digital” ou green pass, que, em alguns casos, implicou a obrigatoriedade de se ter a vacina para aceder a serviços ou viajar. O certificado foi uma das medidas que impulsionou o consumo e a venda de vacinas contra a covid-19.
De acordo com Fang, “a indústria farmacêutica pressionou as redes sociais para moldar conteúdos em torno da política da vacina”. Segundo o jornalista, o lobby das farmacêuticas “incluiu a pressão direta do parceiro da Pfizer, a BioNTech, para censurar ativistas que exigiam vacinas genéricas de baixo custo para países de baixo rendimento”.
A existência de pressão de farmacêuticas no sentido de as redes sociais censurarem conteúdos já tinha surgido antes. Segundo anteriores revelações dos ‘Twitter Files’, um administrador da Pfizer Scott Gottlieb, pressionou o Twitter no sentido de agir perante um tweet de Brett Giroir, um dos principais rostos da gestão inicial da pandemia nos Estados Unidos, que referia correctamente que a imunidade natural conferida pela infecção por covid-19 é superior à obtida pela vacina contra a doença.
O jornalista Lee Fang escreve agora que “em 2020, ficou claro que a pandemia exigiria uma inovação rápida” e que “desde cedo, houve um impulso para tornar a solução equitativa: uma parceria internacional para partilhar ideias, tecnologia, novas formas de medicina para resolver rapidamente esta crise”.
Mas “os gigantes globais dos medicamentos viam a crise como uma oportunidade para um lucro sem precedentes”. De acordo com o jornalista, “à porta fechada, as farmacêuticas lançaram um enorme blitz de lobbying [influência] para esmagar qualquer esforço para partilhar patentes/ IP para novos medicamentos relacionados com a covid-19, incluindo terapêuticas e vacinas”.
Fang revelou hoje que o BIO escreveu ao então recém-eleito presidente Biden, exigindo que o Governo dos Estados Unidos sancionasse “qualquer país que tente violar os direitos de patente e que crie medicamentos ou vacinas genéricas de baixo custo”.
Ora, segundo as novas revelações, “o blitz [bombardeamento] global de lobbying inclui pressão direta nas redes sociais”. A alemã “BioNTech, que desenvolveu a vacina da Pfizer, contactou o Twitter para lhe pedir que censurasse diretamente os utilizadores a pedirem vacinas genéricas de baixo custo” na rede social.
Os “representantes do Twitter responderam rapidamente ao pedido da farmacêutica alemã, que também foi apoiado pelo Governo alemão”. Um lobista na Europa pediu à equipa de moderação de conteúdos do Twitter “para monitorizar as contas da Pfizer, AstraZeneca & hashtags ativistas como #peoplesvaccine [vacinas do povo]”.
As supostas contas de “perfis falsos” que criticavam a Pfizer e que eram monitorizados pelo Twitter eram afinal de utilizadores verdadeiros, incluindo um reformado britânico que foi contactado telefonicamente por Fang. Estas contas eram sinalizadas pelo Twitter por alegados “potenciais termos de violações de uso”.
Além disso, o grupo de lobby da Pfizer e da Moderna “financiou na totalidade uma campanha especial de moderação de conteúdos desenhada por um prestador de serviços chamado Public Good Projects, que trabalhou no Twitter para definir regras de moderação de conteúdos em torno da “desinformação” covid”.
O BIO pagou um total de 1.275.000 dólares para a campanha, “parte da qual é revelada através de formulários fiscais”. A campanha, denominada “Stronger”, auxiliou o Twitter a criar bots de moderação de conteúdos, seleccionando quais as contas de saúde pública que podiam ser classificadas como “verificadas” pelo Twitter.
A campanha paga pela BIO visou muitos tweets que constituíam verdadeira desinformação, como os que tinham alegações de que as vacinas incluem microchips, mas também pressionou o Twitter a censurar tweets relacionados com passaportes de vacinas e vacinação obrigatória, políticas que coagiram no sentido da vacinação.
A campanha incluía e-mails regulares diretos com o Twitter, com listas de tweets para serem eliminados e outros para serem verificados. Fang mostrou um exemplo desses tipos de e-mails enviados directamente pelos lobistas das farmacêuticas.
Fang descobriu ainda nesta sua investigação – que contou com a colaboração de David Zweig e Leighton Woodhouse – que “este enorme impulso para censurar e rotular conteúdos sobre covid como desinformação, nunca se aplicava às empresas farmacêuticas”. De acordo com o jornalista, “quando grandes farmacêuticas exageravam descontroladamente os riscos de criar vacinas genéricas de baixo custo”, nada foi feito. Ou seja, “as regras aplicavam-se apenas aos críticos da indústria” farmacêutica.
Este conjunto de revelações surge no âmbito da decisão de Elon Musk, novo dono do Twitter, de tornar públicos documentos e mensagens internas que mostram as práticas de censura que a rede social levou a cabo até à compra da empresa por Musk, em Outubro de 2022. Do que foi revelado desde 2 de Dezembro do ano passado, até hoje, a censura foi aplicada sobretudo a críticos da gestão da pandemia, incluindo a supressão de informação verdadeira, e a vozes politicamente conservadoras, nomeadamente do Partido Republicano norte-americano.
Antes destas informações hoje tornadas públicas por Fang, o jornalista independente Matt Taibbi também revelou recentemente documentos e dados que comprovam a pressão feita pelo Partido Democrata sobre o Twitter para que corroborasse a sua tese sobre uma alegada interferência russa nas eleições presidenciais nos Estados Unidos. A recém-divulgada súmula de documentos divulgados por Taibbi é mais uma “machadada” na narrativa de uma tentativa de manipulação eleitoral por parte do Kremlin.
Os Democratas alegaram, em 2018, que o polémico hashtag #ReleaseTheMemo estaria a ser impulsionado por bots de origem russa, apesar dos registos apresentados pelos executivos da rede social negarem categoricamente essa teoria.
O “Memo” em questão, que milhares de utilizadores do Twitter queriam ver tornado público, era um documento confidencial de quatro páginas que afirmava que o FBI (Federal Bureau of Investigation) teria recorrido a “fontes duvidosas ou politicamente motivadas” e agido de forma tendenciosa contra Donald Trump no início da investigação à suposta interferência russa nas eleições presidenciais, ainda em 2016.
Submetido a 18 de Janeiro de 2018 pelo então responsável pelo Comité de Inteligência da Câmara dos Representantes pelo Partido Republicano, Devin Nunes, o relatório punha em causa, sobretudo, a legitimidade da autorização concedida ao FBI para a realização de escutas telefónicas a Carter Page, antigo conselheiro de campanha de Trump.
O seu conteúdo foi, porém, rapidamente desacreditado pela comunicação social como sendo uma “conspiração” e uma “piada”. Em simultâneo, os democratas Dianne Feinstein e Adam Schiff, argumentaram, numa carta aberta publicada a 23 de Janeiro de 2018, que o frenesim gerado no Twitter em torno do documento havia sido fomentado pelos serviços de inteligência russos.
No entanto, mensagens reveladas pelo jornalista Matt Taibbi mostram que os executivos da rede social refutaram, em diversas ocasiões, a ideia de que a catadupa de publicações referentes ao hashtag constituía uma manobra de propaganda russa.
Além disso, Taibbi referiu que a gigante tecnológica alertou “políticos e meios de comunicação” de que as contas que reproduziam tweets sobre #ReleaseTheMemo não tinham conexões à Rússia. Contudo, afirma, os avisos foram “totalmente ignorados”.
Para além de Feinstein e Schiff, também Richard Blumenthal, um senador de Connecticut, declarou na altura: “consideramos repreensível que agentes russos tenham manipulado tão avidamente americanos inocentes”.
Donald Trump
Segundo Matt Taibbi, a fonte das suspeitas levantadas por Feinstein, Schiff, Blumenthal e dos media mainstreamresumia-se ao site “Hamilton 68”, que monitorizava campanhas de influência russas e fora criado pelo ex-agente de contra-espionagem do FBI, Clint Watts.
“Todo o alvoroço sobre #RelaseTheMemo é baseada no Hamilton”, disse Yoel Roth, um executivo do departamento de Segurança e Confiança do Twitter, numa comunicação interna.
De facto, a “palavra” dos executivos do Twitter, que garantiam que a adesão dos utilizadores da rede social à hashtag era “esmagadoramente orgânico” não foi suficiente para abrandar as teses de manipulação russa pelos democratas.
Matt Taibbi salientou que as afirmações do controverso documento de Devin Nunes viriam a ser “quase todas confirmadas” por um relatório do Inspector-Geral do Departamento de Justiça, Michael Horowitz, em Dezembro de 2019.
[Pode ler aqui toda a cobertura dos “Twitter Files” feita pelo PÁGINA UM.]
O desinteresse pelo reforço sazonal das vacinas contra a covid-19 é evidente, mesmo nas populações menos jovens. De acordo com os números oficiais, quase 40% dos maiores de 50 anos optaram por não tomar a dose de reforço recomendada pela Direcção-Geral da Saúde (DGS). No grupo dos 50 aos 59 anos, os “não-reforçados” chegam a ser maioritários (58%). A fraca adesão levou ontem a DGS a possibilitar os boosters aos menores de 50 anos, mas já a entidade ainda liderada por Graça Freitas já nem faz recomendação, diz apenas ser uma decisão da esfera individual. Entretanto, nos Estados Unidos surgiu ontem um alerta sobre um eventual risco de acidentes vasculares cerebrais para as novas vacinas bivalentes da Pfizer.
A Direcção-Geral da Saúde (DGS) decidiu ontem disponibilizar a segunda dose de reforço da vacina contra a covid-19 para os menores de 50 anos, numa altura em que os centros de vacinação registam uma quebra acentuada na administração das doses de reforço.
O anúncio, feito ontem, decorre de uma actualização da norma da Campanha de Vacinação Sazonal que tem a particularidade de não recomendar directamente a vacinação de pessoas saudáveis neste grupo etário, deixando inteiramente a responsabilidade ao vacinado.
O comunicado da entidade ainda liderada por Graça Freitas diz, desta vez, através de uma cirúrgica alteração de uma norma que “poderão ainda ter acesso ao reforço sazonal as pessoas entre os 18 e os 49 anos de idade que, não cumprindo com os critérios da Tabela 1 [abrangendo maiores de 50 anos, pessoas vulneráveis e profissionais de saúde e de lares], queiram ser vacinadas após ponderação individual do benefício-risco”. Ou seja, até a recomendação caiu.
À decisão das autoridades de saúde não será alheio o crescente desinteresse dos portugueses na campanha de reforço sazonal, que resultará em parte de uma desconfiança crescente sobre a eficácia e benefícios da vacina contra a covid-19, e que tem sido alimentada por uma intolerável cultura de obscurantismo oficial. As autoridades de saúde portuguesas (DGS, Infarmed e Ministério da Saúde) têm estado a esconder informação sobre efeitos adversos das vacinas e sobretudo sobre as causas do excesso de mortalidade total dos últimos anos.
Os números oficiais da campanha sazonal não deixam margem para dúvidas. De acordo com o mais recente relatório de resposta sazonal em saúde, divulgado ontem pela DGS, as últimas duas semanas de 2022 e a primeira de 2023 receberam uma muito baixa adesão para administração da nova dose de reforço – isto é, na maior parte dos casos, a quarta dose desde finais de 2020.
Evolução do número de doses do reforço sazonal desde a semana 35 (início de Setembro) de 2022 por grupo etário. Fonte: DGS.
No total, nem sequer chegaram às 100 mil doses administradas em três semanas, confirmando-se assim a fraca adesão do grupo etário dos 50 aos 59 anos, cuja campanha se iniciara em 10 de Novembro passado, após um período de vacinação dos mais idosos iniciado em Setembro.
Embora as autoridades de saúde ainda tenham conseguido uma forte adesão dos maiores de 70 anos para a toma de mais uma dose, já se percepcionava um maior desinteresse ou mesmo desconfiança nos mais idosos. Comparando as taxas de vacinação entre o primeiro reforço (que em regra ocorreu entre finais de 2021 e inícios de 2022) e o agora reforço sazonal, observa-se uma queda de 19 pontos percentuais para os maiores de 70 anos. No caso dos maiores de 80 anos passou de 97% para 78%, enquanto no grupo dos 70 aos 79 anos desceu de 100% para 81%.
A descida ainda foi maior nas faixas etárias antecedentes. No grupo dos 60 aos 69 anos, apenas 63% decidiu, até agora, fazer o reforço sazonal, quando antes 94% tinha decidido vacinar-se com mais uma dose entre finais de 2021 e inícios de 2022. E no caso dos 50 aos 59 anos, o desinteresse ainda tem sido maior: no recente relatório da DGS indica-se que apenas 42% se vacinaram com dose de reforço sazonal.
Deste modo, considerando dados estratificados populacionais do Instituto Nacional de Estatísticas (a DGS não indica intencionalmente os valores que permitem calcular as percentagens por si indicadas), quase duas em cada cinco pessoas (38%) deste grupo etário, agregando cerca de 4,5 milhões de portugueses, optaram por não receber a dose de reforço sazonal.
Situação vacinal por grupo etário dos maiores de 50 anos no primeiro reforço e na campanha de reforço sazonal, atendendo às percentagens indicadas pela DGS e em função da população residente em 2020. Fonte: DGS e INE. Análise: PÁGINA UM.
Em concreto, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, na faixa dos maiores de 50 anos terão sido administradas quase 2,8 milhões de doses (62%) durante a denominada Campanha de Vacinação Sazonal, número contrasta com as 3,9 milhões de doses no primeiro reforço entre finais de 2021 e inícios de 2022.
Significa assim que o grupo classificado como “não-vacinado” – ou seja, que falha um reforço recomendado – está a engrossar cada vez mais. Considerando que na faixa dos maiores de 50 anos se contabilizavam cerca de 580 mil que não tinham tomado pelo menos uma dose de reforço – e a DGS indicava que, antes disso, 100% deste grupo etário tinha cumprido o esquema vacinal inicial –, verifica-se então que esse número quase triplicou, passando para quase 1,7 milhões.
Com a abertura da vacinação para os menores de 50 anos será assim expectável uma ainda menor adesão face ao primeiro reforço no período de 2021-2022. Segundo os dados da DGS, há um ano, aquando do primeiro booster, 76% do grupo dos 40 aos 49 anos tinha decidido tomar nova dose, descendo essa percentagem para os 62% no grupo dos 25 aos 39 anos e para os 56% dos 18 aos 24 anos. Aparentemente, a DGS abandonou definitivamente a ideia de reforços em adolescentes e crianças, embora continue a não apresentar as consequências neste grupo etário do processo de vacinação que decorreu entre o Verão de 2021 e inícios de 2022.
O crescente desinteresse dos portugueses em relação à vacina contra a covid-19, contudo, terá uma consequência financeira: até Outubro do ano passado, o Governo português já comprara quase 45 milhões de doses de vacinas contra a covid-19. Entre administrações, vendas e doações, o stock era então de 9,5 milhões de doses. Como na actual campanha sazonal se terá gastado cerca de menos 1,1 milhões de doses do que o previsto, significa que existe um risco de perderem a validade, excepto se forem doadas para países terceiros.
Aliás, ignora-se ainda quais as condições de compra de vacinas assumidas pelo Governo português, desconhecendo-se quais os compromissos de aquisições futuras, uma vez que o Ministério da Saúde está a esconder os contratos. O PÁGINA UM entrou, no último dia do ano passado, com processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra o ministério tutelado por Manuel Pizarro para aceder a esses documentos administrativos.
Entretanto, também ontem, a agência norte-americana Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) decidiu lançar um comunicado público, no decurso de um alerta do seu sistema de vigilância, informando ter solicitado uma investigação adicional sobre um eventual risco acrescido de acidentes vasculares cerebrais (AVC) isquémicos em maiores de 65 anos que receberam a vacina bivalente da Pfizer-BioNTech, ou seja, a nova vacina contra a variante original e a Ómicron.
Embora o CDC sugira, por agora, ser “muito improvável” que haja “um verdadeiro risco clínico”, sabe-se que o alerta surgiu após se ter constatado a ocorrência de 130 casos de AVC entre os 550 mil idosos que tinha tido reforços da vacina bivalente da Pfizer. Nenhum terá morrido.
O PÁGINA UM embrenhou-se na complexa base de dados da farmacovigilância da Agência Europeia do Medicamento. Denominada Eudravigilance, ali são depositadas as estatísticas das reacções adversas de milhares de fármacos, entre as quais as 10 vacinas já aprovadas na União Europeia. Esconde-se ali mais do que se revela, mas o PÁGINA UM encontrou uma forma de lhe indicarmos um valor mínimo de mortes suspeitas associadas às vacinas contra a covid-19, bem como os casos recuperados com sequelas. E também aponta estimativas para Portugal. Optámos, contudo, por apresentar uma abordagem que se pretende sobretudo didáctica, daí que, os números encontrados, não surgem no título.
Este artigo – ou análise, ou especulação no sentido filosófico do termo – podia seguir distintas abordagens. Uma possível seria uma abordagem tradicional: escrever-se-ia que o PÁGINA UM, consultando a Eudravigilance – uma base de dados sobre as reacções adversas de fármacos da Agência Europeia do Medicamento – conseguia dizer que as vacinas contra a covid-19 teriam causado (ou eram suspeitas de causar) pelo menos 13.669 mortes e deixado mais de 16 mil pessoas com sequelas. E depois apresentar, com base nessa informação, uma estimativa para Portugal, apontando para três centenas de mortes e mais 371 pessoas com sequelas.
Porém, sigamos uma via didáctica e pedagógica, embora também bastante crítica para com as autoridades de saúde e para os governos que lançam um manto obscuro sobre os perfis de segurança das vacinas, como se não pudessem ser questionados. E como se não fosse fundamental debater quais os critérios de vacinação, sem se caminhar para um dogma (vacinação maciça) que nada tem de científico e tem muito de comercial – e com danos.
Sede da Agência Europeia do Medicamento está agora com sede em Amsterdão, na Holanda.
Curiosamente, apesar de se seguirem critérios clínicos de muita duvidosa credibilidade, desde 2020 as autoridades de saúde dos diversos países não tiveram dúvidas quanto à necessidade de quantificar até à unidade, com uma precisão diária, as mortes causadas pela covid-19.
Porém, quando o assunto passa para os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, muda tudo de figura: os números tornam-se tabu, são mexidos com pinças, envoltos em “embrulhos laudatórios”, mesmo pelos reguladores, o que mais deveria fazer desconfiar do que tranquilizar.
Um processo de farmacovigilância constitui uma das fases fundamentais do controlo dos medicamentos, quaisquer que sejam, desde que se inicia a sua comercialização, ou seja, após a formal Autorização de Introdução no Mercado (AIM). De uma forma simplista, constituem processos dinâmicos – integrando as próprias farmacêuticas, os reguladores e os médicos que os prescrevem –, onde se faz de forma contínua um balanço risco-benefício e se registam os acontecimentos ou efeitos adversos (já conhecidos ou novos), complementados com relatórios periódicos de segurança e estudos de eficácia pós-autorização.
Por regra, estes procedimentos – que, por exemplo, nos Estados Unidos são supervisionados pela conhecida Food & Drugs Administration (FDA), e no espaço comunitário, onde Portugal se integra, pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) – devem decorrer, de forma discreta, sem causar polémicas nem alarmismos desnecessários, numa base de confiança. Por exemplo, a EMA é responsável pela gestão de cerca de 40 mil medicamentos – seria de doidos se tivéssemos continuamente a querer conhecer com detalhes os avanços e recuos da farmacovigilância de cada um deles.
Aspecto da base de dados da Eudravigilance, onde se pode consultar a informação por produto (nome comercial) ou substância.
Por definição, um medicamento é uma bênção ao serviço da Humanidade, mas seguindo sempre um princípio basilar da Medicina: primum non nocere – primeiro, não prejudicar. Um fármaco nunca é inócuo, ou raramente é. Aliás, por agir no nosso corpo é que torna possível ser um medicamento, embora o objectivo seja “matar a doença” sem nos matar.
É da lógica, assim, que existam quase sempre efeitos secundários, nem que seja por via do abuso. Numa parte, esses efeitos podem ser adversos, de maior ou menor gravidade, uns quantos expectáveis, outros nem tanto, conhecer isso mostra-se fundamental mais para o futuro do que para o presente. Assim, numa base probabilística podemos sempre saber se um determinado fármaco cumpre os seus objectivos iniciais sem que advenha daí efeitos secundários não identificados (ou escondidos) pelas farmacêuticas durante os ensaios clínicos.
Na medicina e prática clínica, a probabilidade, sabe-se bem, não é uma certeza. E, por isso, quase sempre um médico prescreve em função do seu conhecimento prévio sobre o doente, sobre a eficácia do fármaco face ao distúrbio que pretende controlar e sobre os eventuais efeitos adversos.
Nesta equação, em que o doente é a variável única e irrepetível, o médico “trabalha” sempre com base em probabilidades, mesmo que não pense muito nisso nem puxe por uma máquina de calcular. Por exemplo, para um doente com esta e aquela patologia e aquela e aqueloutra comorbilidade, qual a percentagem de sucesso de um fármaco ser eficaz e qual o risco de causar mais mal do que bem? Para saber isso, mesmo que seja experiente – e haja sempre uma boa dose de empirismo –, um médico usa os saberes que lhe são dados pelos ensaios clínicos e sobretudo pela farmacovigilância. Daí as bulas…
Por esse motivo, os efeitos adversos são sempre relativos. Para um doente com elevado risco de vida se apanhar determinada doença pode compensar “arriscar” um efeito secundário adverso (mesmo que seja a morte) através da toma de um medicamento, desde que a probabilidade desse medicamento o salvar seja consideravelmente maior do que a de o matar. Contudo, para a mesma doença, se estivermos perante alguém que, pelas suas características, não seja provável que venha a ser afectado com perigo, será imprudente administrar um fármaco que lhe pode causar mais desvantagens do que vantagens (ou mesmo nenhuma vantagem).
Aplicando ao caso das vacinas da covid-19, começam a surgir, embora ainda de uma forma quase envergonhada, estudos sobre a mortalidade atribuível à sua administração. Um artigo científico publicado na passada semana na revista Nature Communications refere que, num universo de 6.928.359 doses de vacinas administradas no Qatar entre Janeiro de 2021 e meados de Junho de 2022 se registaram 138 óbitos num período de 30 dias, sendo que oito tinham alta probabilidade, 15 tinham probabilidade intermédia e 112 probabilidade baixa. Independentemente.
Sede do Infarmed: onde se “sequestra” a verdade e onde não vive a transparência.
O risco pode parecer aqui bastante baixo – mesmo se a taxa de letalidade a partir do surgimento da Ómicron ronda os 0,1% –, mas também convém salientar que as limitações destes estudos são evidentes. Além de o período de análise ter sido bastante curto (apenas 30 dias), os próprios autores salientam “a falta de critérios claros e universalmente aceites” para determinar as relações causa-efeito, o que leva a que “a atribuição da causalidade recaía sobre o médico revisor”. E também, por outro lado, este estudo qatari admite uma “principal limitação”, que “é a falta de autópsias para determinar a causa exacta da morte”.
Mas, apesar de tudo isto, tanto este estudo como as declarações e relatórios do próprio Infarmed, em Portugal, enaltecem apenas o papel das vacinas, considerando-as universalmente seguras.
No caso do regulador português surpreende, aliás, a falta de circunspecção sobre esta matéria. No seu mais recente relatório de farmacovigilância, referente ao final de Setembro do ano passado, o Infarmed começa logo por garantir, em letras a negrito, que “a vacinação contra a covid-19 é a intervenção de saúde pública mais efetiva para reduzir o número de casos de doença grave e morte originados pela infeção pelo SARS-CoV-2”, acrescentando, na frase seguinte, que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a covid-19 são seguras e efetivas”, mas contudo são estudos antigos.
Aspecto da base de dados da Eudravigilance, mostrando as reacções por grupo etário, origem do reporte e tipologia de gravidade em função do grupo de distúrbios e tipo de distúrbio.
Aliás, nada pela leitura do relatório, mostra que a segurança é inquestionável. Ou melhor, confirma-se um dos aspectos mais inquietantes do programa de vacinação: a ausência de transparência na divulgação dos dados e na comunicação de informação fiável. Na verdade, o Infarmed tenta esconder mais do que revela.
Por exemplo, o regulador elenca o número de vacinas administradas por marca (Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen), apresentando ainda o total dos casos de reacções adversas (RAM), mas em seguida “esquece-se” de detalhar a gravidade de cada uma.
Depois, sobre a gravidade, agrega tudo, embora se fique a saber que houve 136 mortes, 302 pessoas correram risco de vida, 878 tiveram hospitalização (não se percebe se incluem ou não as 302 que correram risco de vida), 1.997 apresentaram um certo grau de incapacidade (não se explica a duração ou a presença de sequelas) e houve mais 4.980 casos classificados como relevantes clinicamente.
No caso específico das mortes, quase nenhuma informação: apenas que a mediana de idade é de 77 anos, o que significa pouco. Houve jovens e adolescentes mortos por causa da vacina. Ignora-se. Ainda se recordam do pequeno Rodrigo?
Como se sabe, o PÁGINA UM está em luta judicial, no Tribunal Administrativo de Lisboa, para obrigar o Infarmed a conceder o acesso aos dados discriminados (mas anonimizados) do Portal RAM, de modo a permitir analisar os efeitos adversos das vacinas (e também do antiviral remdesivir).
Além de argumentar que a divulgação de dados detalhados (mesmo se anonimizados) colocava em causa a protecção da intimidade, o Infarmed tem defendido ser suficiente a informação constante no Eudravigilance – uma base de dados de reporte das reacções adversas no Espaço Económico Europeu, que inclui os países da União Europeia, a Islândia, o Liechtenstein e a Noruega.
Ora, mas será assim?
Na verdade, não tanto assim. Primeiro, porque praticamente todos os dados da Eudraviglance estão agregados, não permitindo caracterizar os efeitos adversos de um determinado fármaco em Portugal: somente surge o número total de notificações por cada país. Por exemplo, fica-se sem saber, em detalhe, o grau de gravidade ou a incidência em função da idade.
Além disto, como se salienta no próprio site da Eudravigilance, “as informações contidas (…) não podem ser usadas para determinar a probabilidade de ocorrer um efeito adverso”, uma vez que, para isso, teria de se saber quantas pessoas tomam o medicamento e há quanto tempo está no mercado. E isso não é revelado, e podia… Ou melhor, deveria.
No caso das vacinas contra a covid-19, a Eudravigilance também faz específicos avisos. E estranhos. Isto porque afirma que “as informações neste site se referem a efeitos colaterais suspeitos, ou seja, eventos médicos que foram observados após a administração das vacinas contra a covid-19, mas que não estão necessariamente relacionados ou causados pela vacina”, acrescentando que “esses eventos podem ter sido causados por outra doença ou estar associados a outro medicamento tomado pelo paciente ao mesmo tempo.” E diz ainda que, como se têm de considerar outros factores, “somente uma avaliação detalhada de todos os dados disponíveis permite tirar conclusões robustas sobre os benefícios e riscos das vacinas”.
Mas isso, enfim, também se aplica a outros medicamentos? Claro que sim. Sempre foi assim. Contudo, não deixa de ser curioso reparar que existiram sempre tantas certezas em atribuir ao SARS-CoV-2 a causa da morte de um velhinho de 95 anos com 20 comorbilidades e a tomar 30 fármacos por dia, mas já a mesmo certeza não há se um adulto saudável sofre uma síncope após a administração da vacina…
Torna-se notória uma gestão política da informação sensível para as farmacêuticas por parte da EMA. Exemplo paradigmático passa-se no aviso sobre os desfechos fatais. Na verdade, consultando a Eudravigilance, não se consegue saber, com rigor, quantas mortes suspeitas são atribuídas às vacinas – e também a outros medicamentos. A EMA sabe, os reguladores (como o Infarmed para Portugal) também, mas não querem intencionamente que surja divulgado para o público.
No site da Eudravigilance salienta-se que “não se fornece o número total de casos relatados com desfecho fatal”, mas sim “o número de casos relatados como fatais para grupos de reacções específicas (por exemplo, distúrbios cardíacos) e para reacções específicas (por exemplo, enfarto do miocárdio)”. Deste modo, “como um caso individual pode conter mais de um efeito adverso suspeito, a soma do número de casos fatais por grupo de reacção será sempre maior do que o número total de casos fatais.”
Ora, mesmo assim, existe, porém, uma forma indirecta de conseguir obter um valor mínimo de mortes (pelo menos suspeitas) atribuíveis às vacinas contra a covid-19, identificando para cada vacina (ou outro fármaco) o grupo de distúrbios (ou outro tipo de anomalias) com o maior número de casos fatais.
Dir-se-ia ser tarefa complexa, porque no site do Eudravigilance surgem 27 grupos de distúrbios, a saber: distúrbios do sangue e do sistema linfático; distúrbios cardíacos; distúrbios congênitos, hereditários e genéticos; distúrbios do ouvido e do labirinto; distúrbios endócrinos; distúrbios oculares; problemas gastrointestinais; distúrbios gerais e condições no local de administração; distúrbios hepatobiliares; distúrbios do sistema imunológico; infecções e infestações; lesões, intoxicações e complicações processuais; investigações; distúrbios do metabolismo e nutrição; distúrbios musculoesqueléticos e do tecido conjuntivo; neoplasias benignas, malignas e não especificadas (incluindo cistos e pólipos); distúrbios do sistema nervoso; gravidez, puerpério e condições perinatais; problemas do produto; distúrbios psiquiátricos; distúrbios renais e urinários; distúrbios do aparelho reprodutor e da mama; distúrbios respiratórios, torácicos e do mediastino; distúrbios da pele e tecido subcutâneo; circunstâncias sociais; procedimentos cirúrgicos e médicos; e distúrbios vasculares.
Acaba, no entanto, por ser “operação” simples, porque facilmente se constata, para as diversas vacinas, que os “distúrbios gerais e condições no local de administração” constituem sempre o grupo com o maior número de casos fatais.
Ora, estando neste grupo um vasto conjunto de sintomas minor – menores, ou seja, que só por si não seriam a causa de mortes, como por exemplo um inchaço na zona da administração ou outros sinais detectáveis pelo médico ou perceptíveis pelo doente sem recurso a diagnósticos complementares –, significa que nos desfechos fatais teriam ocorrido, necessariamente, pelo menos mais um outro distúrbio (muito grave). Contudo, o inverso não se aplica: ou seja, alguém que tenha morrido de enfarto do miocárdio (inserido no grupo dos distúrbios cardíacos) com suspeita atribuída à vacina pode não ter tido nenhum dos sintomas incluídos no grupo dos “distúrbios gerais e condições no local de administração”.
Sendo assim, os desfechos fatais suspeitos de estarem associados às vacinas contra a covid-19 nunca podem ser inferiores (e serão provavelmente bem superiores) aos que estão contabilizados no grupo dos “distúrbios gerais e condições no local de administração”.
E é assim que se chega ao valor de mortes no título desta análise.
Considerando os três tipos de vacinas da Pfizer-Biontech, também as três vacinas da Moderna, mais ainda as da Janssen e da AstraZeneca – que acabaram por ser quase “descontinuadas” –, bem como de outras duas ainda sem expressão (Novavax e Valneva) chega-se à conclusão que terão sido notificadas pelo menos 13.669 mortes com causa atribuível à administração vacinal.
Desfechos (nº) dos casos de reacções adversas nos países do Espaço Económico Europeu, por tipologia de gravidade, atribuíveis às vacinas contra a covid-19 (por vacina), considerando os diagnósticos reportados como distúrbios gerais e condições no local de administração. Fonte: Eudravigilance. Análise: PÁGINA UM. Para ver em maior dimensão, clicar AQUI.
Destas, destaca-se a primeira versão da vacina da Pfizer (6.369 óbitos), seguindo-se a primeira versão da vacina da Moderna (4.006 óbitos) e depois a da AstraZeneca (2.254 óbitos). Mais atrás surge a vacina da Janssen, com 935 óbitos.
Embora já referido, convém reiterar mais uma vez: estes números absolutos nada dizem sobre o risco relativo de cada vacina – e o seu perfil de segurança –, porque seria necessário conhecer o número de doses administradas e feitas análises estratificadas. Além disto, seria importante incluir outros factores, conhecer em que circunstâncias ocorreram os desfechos fatais (por exemplo, se na primeira ou segunda ou seguintes tomas).
Em todo o caso, sempre se poderá adiantar que, pelo menos a atender à muito maior administração de vacinas da Pfizer em Portugal, o perfil de segurança da AstraZeneca e da Moderna é substancialmente pior. Mas isso fica para explicações a dar pelo Infarmed.
Mas as mortes não são o único problema dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19. Recorrendo ao mesmo método, constata-se que, no Espaço Económico Europeu, estão contabilizados pelo menos 345.583 casos (pessoais, diga-se) de reacções adversas ainda sem recuperação, mais 306.623 em fase de recuperação, mais 16.043 recuperados com sequelas e 568.255 recuperados completamente. Por fim, a Eudravigilance reporta 371.368 casos cujo desfecho é desconhecido.
Na verdade, isto já diz alguma coisa, mas muito pouco, tanto mais que não se consegue saber detalhes sequer em cada país, e muito menos por grupo etário. Por exemplo, quantas mortes ou recuperados com sequelas se encontram no grupo etário das crianças e adolescentes, onde a covid-19 é pouco perigosa? Não se sabe.
Porém, pode-se sempre realizar uma estimativa para Portugal com base no peso das reacções adversas no nosso território nos casos totais reportados no Espaço Económico Europeu para cada uma das 10 vacinas – que ronda sempre os 2%, excepto para as vacinas da Novavax e da Valneva –, e assumindo uma distribuição equitativa dos vários desfechos possíveis.
Assim sendo, para Portugal chega-se a um número substancialmente superior ao indicado para o Infarmed: em vez dos 136 óbitos, reportados em Setembro do ano passado, estaremos acima dos 300 mortes – mais precisamente 301.
Estimativa dos desfechos (nº) dos casos de reacções adversas em Portugal, por tipologia de gravidade, atribuíveis às vacinas contra a covid-19 (por vacina), considerando os diagnósticos reportados como distúrbios gerais e condições no local de administração. Fonte: Eudravigilance. Análise: PÁGINA UM. Para ver em maior dimensão, clicar AQUI.
Além disso, contabilizar-se-á, seguindo os critérios da Eudravigilance, mais 371 recuperados com sequelas, 7.791 não recuperados, 13.035 recuperados completamente e ainda 6.944 em recuperação e 8.805 com situação desconhecida.
Esta é, assuma-se, uma aproximação à realidade. Mas tem de ser assim apresentada, para se exigir mais informação; e é essa que deve ser dada pelas autoridades de saúde, porque tem a ver com o elemento mais importante de cada um de nós: a própria vida.