Categoria: Entrevistas

  • Deana Barroqueiro

    Deana Barroqueiro

    Na vigésima primeira sessão da BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com a escritora Deana Barroqueiro.



    Autora amplamente reconhecida pela sua habilidade em transformar episódios históricos em narrativas vibrantes, Deana Barroqueiro tem vindo a afirmar-se como uma das grandes vozes da literatura portuguesa no romance do género histórico. Para a escritora, a História não é apenas um registo do passado, mas uma fonte inesgotável de inspiração literária e um veículo poderoso para compreender as complexidades do presente.

    Nascida nos Estados Unidos, mas assumindo-se como uma orgulhosa portuguesa a 100%, Deana Barroqueiro licenciou-se em Filologia Românica e foi durante várias décadas professora do ensino secundário, tendo feito a sua estreia ‘formal’ com um admirável conjunto de romances de aventuras (para todos os públicos) com ênfase, primeiro, nos Descobrimentos, mas centrando-se depois na figura de Pêro da Covilhã.

    Mas após essas obras foi consolidando a sua carreira literária sobretudo através de romances de grande fôlego e detalhe, entre os quais se destacam ‘O espião de D. João II’, ‘D. Sebastião e o vidente’, ‘Fernão Mendes Pinto e a Peregrinação’, e ‘1640’.

    À conversa com Pedro Almeida Vieira na Biblioteca do PÁGINA UM, Deana Barroqueiro reflecte sobre o seu percurso de vida e a sua abordagem ao romance histórico, partilhando como a pesquisa rigorosa e a escrita criativa se cruzam para dar vida às histórias que apaixonam os leitores.

    Deana Barroqueiro fotografada no PÁGINA UM.

    E também fala de uma outra das suas paixões, o mundo da gastronomia, que a fez escrever ‘História dos paladares’, com o qual foi galardoada com o Prix International de la Littérature Gastronomique 2021, pela Académie Internationale de la Gastronomie.

    Entre os romances patentes na Biblioteca do PÁGINA UM, Deana Barroqueiro recomenda ‘O bobo’, de Alexandre Herculano – inicialmente publicado em 1843 na revista ‘O panorama’, e em volume em 1878 –, ‘O regicida’ e ‘A filha do regicida’, de Camilo Castelo Branco – publicados em 1874 e 1875, respectivamente –, ‘A casa do pó’, de Fernando Campos – publicado em 1987 – e ainda ‘Índias’, de João Morgado, publicado em 2016.

    Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Deana Barroqueiro.

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  • ‘Proibir o uso das redes sociais pelos adolescentes é mais uma forma de o Governo controlar o mundo digital’

    ‘Proibir o uso das redes sociais pelos adolescentes é mais uma forma de o Governo controlar o mundo digital’

    Há mais de duas décadas que o investigador Andrew Lowenthal defende os direitos humanos e civis no espaço digital. Actualmente, dirige a liber-net, uma organização sem fins lucrativos de combate ao autoritarismo digital. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, feita por videochamada a partir de Sydney, na Austrália, o investigador e activista comentou as duas recentes iniciativas legislativas do Governo australiano que fizeram soar os alarmes dos defensores dos direitos fundamentais: uma proposta que visava o alegado combate à desinformação, que foi vista como uma ameaça à liberdade de expressão; e uma iniciativa legislativa para proibir os menores de 16 anos de aceder a redes sociais. O primeiro diploma acabou por ‘morrer na praia, depois de o Governo não ter conseguido reunir suficiente apoio para que fosse aprovado. O segundo foi aprovado, mas está a gerar polémica por haver quem defenda que o Governo deveria optar por uma abordagem mais pedagógica em vez de proibir o acesso. Lowenthal sublinhou que a iniciativa levanta ainda muitas dúvidas sobre como vai ser protegida a privacidade de todos os australianos online no processo de confirmar a idade de quem acede a redes sociais no país. Nesta entrevista, Lowenthal falou ainda sobre a rede X e os eventuais riscos da proximidade de Elon Musk à nova administração Trump e defendeu que devem existir mais redes sociais e descentralizadas, em vez das actuais plataformas controladas por “meia-dúzia da oligarcas”.



    Mais do que nunca, há que estar vigilante para evitar que ideais totalitários tomem conta da Internet, designadamente através de ferramentas de controlo da informação e da eliminação da liberdade de expressão e da privacidade. Esta a é a visão de Andrew Lowenthal, que há mais de duas décadas trabalha na defesa dos direitos humanos e civis no espaço digital.

    Segundo o investigador e director executivo da liber-net, uma organização sem fins lucrativos de combate ao autoritarismo digital, duas recentes iniciativas legislativas na Austrália são a prova de que não se pode baixar os braços e tem de se continuar vigilante, para impedir que a censura e a vigilância dos cidadãos passe a ser o ‘novo normal’ no mundo online.

    Uma das iniciativas legislativas na Austrália, alegadamente visando o combate à desinformação, colocava em perigo a liberdade de expressão. A segunda proposta legislativa, visava impedir que menores de 16 anos pudessem usar redes sociais, o que levanta questões sobre o perigo de passar a ser obrigatório que todos, adultos incluídos, tenham de apresentar uma prova de identificação ou dados biométricos para entrar em plataformas como Facebook, Instagram ou X.

    Andrew Lowenthal tem sido uma das vozes a combater o autoritarismo no mundo digital e tem participado em conferências e concedido entrevistas em vários países. / Foto: D.R.

    A primeira proposta foi retirada, depois de o Governo não ter obtido apoio suficiente para que fosse aprovada. A segunda foi aprovada à pressa e sem tempo para que partidos e o público a pudessem analisar e debater convenientemente. Mas a polémica em torno deste diploma promete continuar, até porque, para ser confirmada a idade, na prática, todos os utilizadores terão de passar a apresentar alguma prova de serem maiores de 16 anos, eliminando assim um direito fundamental: o direito à privacidade.

    Nesta entrevista, Lowenthal alertou que esta alteração à Lei levanta riscos sobre a segurança de protecção dos dados e abre a porta a uma potencial vigilância apertada dos cidadãos australianos no mundo online. Numa futura crise, como foi o caso da pandemia de covid-19, o Governo pode mesmo usar esse recurso para impedir cidadãos, incluindo jornalistas, de aceder a redes sociais.

    Lowenthal, que colaborou nas investigações dos ‘Twitter Files‘ − que expuseram a máquina de censura que existia no antigo Twitter e que englobava a Casa Branca e diversas entidades oficiais −, defendeu que devem existir mais redes sociais e descentralizadas, deixando algumas dúvidas sobre a centralização da rede X na figura do seu proprietário, o magnata Elon Musk, que é aliado declarado do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

    A small camera sitting on top of a white table
    Há receios de que uma nova lei na Austrália para impedir o acesso de menores de 16 anos às redes sociais pode vir a impor a todos os australianos, incluindo adultos, a apresentação de um documento de identificação digital ou dados biométricos, como a leitura facial, para poderem usar plataformas como o Facebook, Instagram ou X. A acontecer, eliminará a privacidade dos utilizadores e deixará nas mãos das redes sociais e do Governo muitos dados que podem ser roubados por ‘piratas’ e também o poder de vigiar os australianos, podendo, no futuro, ter a capacidade de impedirem cidadãos específicos, designadamente jornalistas e opositores políticos, de usar redes sociais. / Foto: D.R.

    Na Austrália, tem havido iniciativas legislativas preocupantes, nomeadamente para eliminar a liberdade de expressão. Afinal, o que se passa na Austrália?

    O Governo diria que estão a tentar eliminar a desinformação, mas a forma como funcionaria teria um impacto significativo na liberdade de expressão na Austrália. Estavam essencialmente a propor criar um sistema com dois níveis de liberdade de expressão em que, se se tratasse de um académico, um político ou um jornalista dos media ‘mainstream’, não seria abrangido por esta lei. Mas se fosse um jornalista de um meio de comunicação social independente, um comentador no Twitter ou um ‘influencer‘ no Instagram a dizer exactamente aquilo que o académico ou o político dissesse, seria considerado como estando a espalhar desinformação. Seria criado um sistema com dois níveis de direito à liberdade de expressão na Austrália. As definições que propunham eram muito vagas; apenas diziam que as informações tinham de ser razoavelmente verificáveis. Mas seria verificável à luz dos ‘standards‘ de quem? Pensando na covid-19, diriam que seria razoavelmente verificável a afirmação que a vacina impede a transmissão do vírus, por exemplo [o que se sabe que é falso]. Seria complemente selectivo.

    A lei também iria impor multas enormes às plataformas que operam redes sociais, de 5% da facturação anual a nível global; não apenas a facturação registada na Austrália. Por exemplo, o Facebook poderia ser multado em 5% das sua facturação anual global por não combater suficientemente o que o Governo entendesse tratar-se de desinformação. Também iria endereçar toda a informação que fosse considerada pelo Governo como prejudicial para o ambiente ou para a economia, por exemplo. Se alguém criticasse os bancos, estaria a espalhar desinformação. Na Saúde, se alguém criticasse confinamentos ou o uso de máscaras, tudo o que o Governo considerasse ser desinformação, poderia ser abrangido.

    O que foi positivo é que, em geral, as pessoas que habitualmente têm criticado este novo tipo de regime de censura têm sido classificadas como sendo de direita, apesar de muitas vezes serem de esquerda; mas assim que alguém critica estas coisas é logo acusado de ser direita. Mas, neste caso, a oposição [à proposta legislativa] por parte de progressistas foi muito significativa. Porque, em termos de estrutura de decisão política, há uma câmara inferior e uma superior, com os senadores, e partido com a maioria na câmara inferior não tem a maioria no Senado e precisa do apoio dos partidos progressistas para aprovar legislação. E todos disseram ‘não’. Disseram que iria ser muito mau para a liberdade de expressão. O que é particularmente de destacar é que, finalmente, se abriu uma brecha entre os progressistas. Há uma fatia considerável de pessoas que vêem esta ideia da desinformação e entendem como pode ser usada para censurar, e como potencialmente poderia ser usada contra todos nós.

    Mas será que alguns políticos aprenderam a lição com o facto de Donald Trump ter vencido as eleições norte-americanas? Porque, um dos temas que preocupava muitos norte-americanos era a questão da liberdade de expressão. Sabemos como a Casa Branca liderada por Biden era pró-censura, designadamente na Internet. Há quem defenda que um dos motivos que levou à vitória de Trump foram receios nessa temática. Os políticos estão a aprender a lição, de que as pessoas não querem censura? 

    Penso que esse ambiente político já chegou à Austrália. As pessoas estão agora mais confiantes para dizerem o que pensam e não estão disponíveis para alinhar com um conjunto particular de ideias que lhes queiram estar a impor. Penso que teve definitivamente um efeito. Não se sabe ao certo em que medida, porque, ao mesmo tempo, muitos dos partidos progressistas têm muitos receios sobre a desinformação que pensam estar associada a Trump e isso pode facilmente ter o efeito contrário e pensarem: ‘temos de nos proteger de todas as mentiras que Trump vai andar a espalhar e que vão chegar aos cidadãos australianos’. Começa a haver um regresso de normalidade. As pessoas olham para a legislação e tentam vê-la sob uma luz menos emocional. O jogo parece ter mudado, o que é muito, muito encorajador.

    Foto: D.R.

    Mas o pior já passou ou vai haver nova tentativa para eliminar a liberdade de expressão no futuro, na Austrália?

    Penso que não vão tentar voltar a tentar aprovar esta lei. Até porque haverá eleições na Austrália no próximo ano, no primeiro semestre. Algumas pessoas pensam que o que está a acontecer é que o Governo está a tentar apressar a aprovação de legislação, porque esta semana é a última em que o Parlamento está reunido [semana passada]. No início do próximo ano, vão convocar eleições.  Por isso, estão a apressar tudo isto. E estão a cometer erros em resultado de estarem com muita pressa. Penso que se tentarem voltar a tentar fazer passar esta lei teria de a mudar radicalmente, porque teve a oposição de dois terços do Senado. Depois, Os Verdes votarem contra não foi bem por serem a favor da liberdade de expressão. Foi parcialmente por isso. Eles queriam que o Governo tivesse mais autoridade sobre as empresas [tecnológicas] mas estavam também incluídos os media ‘mainstream‘, que são contra o partido Os Verdes. Em alguns níveis queriam mais autoridade e em outros não. É uma posição complicada. O que podem tentar fazer, e já estão a tentar, é tentar aprovar outro tipo de leis. Uma das novas, que já mencionámos, é a que visa proibir os adolescentes de aceder a redes sociais, proibindo todos com menos de 16 anos de aceder à maioria das redes sociais. O acesso ao TikTok, Instagram, Facebook e X seria banido a todos com 15 anos e menos. Isso traz imensos problemas. Sim, as redes sociais têm efeitos negativos em adolescentes, mas em ambos os casos estão a tentar fazer algo muito autoritário, em vez de adoptar uma abordagem educativa a este problema. Está a gerar muita contestação, incluindo de progressistas, finalmente. Um dos grandes problemas é: como se verifica se alguém tem mais de 16 anos? Têm de arranjar uma forma, ainda não especificaram como, para verificar a idade de todos, para que possam usar as redes sociais. Portanto, os adultos terão de se identificar, de algum modo, para poderem usar o Facebook ou o Instagram, ou outra rede social. Potencialmente, [será usada] uma forma de identificação digital ou reconhecimento facial ou partilhando a carta de condução ou o passaporte. Com todos as questões de segurança que surgem com isso, em termos dessas empresas terem acesso a uma quantidade enorme de dados sensíveis. Há sempre o risco de roubo ou fugas. Depois, o Governo ficaria a saber tudo o que as pessoas diriam nas redes sociais; cada comentário, cada ‘like‘, cada publicação, cada pensamento. Não queremos isto.

    E vimos o que aconteceu durante a covid-19, com a censura. No futuro, numa futura crise, pessoas, incluindo jornalistas, poderiam ser simplesmente banidos das redes sociais, de modo fácil.

    Seria muito fácil banir pessoas das redes sociais. Mas também mataria algumas destas plataformas. Porque muitas pessoas usariam o Facebook, mas menos pessoas usariam o X ou o TikTok se tivessem de se identificar de algum modo. E se alguém quisesse criar uma rede social que exige identificação real, então também poderia ser possível criar uma rede social para as pessoas que não querem identificar-se, ou as pessoas terem uma opção. Mas isso seria excluir as pessoas que não querem disponibilizar dados reais sobre si. É mais uma forma de o Governo controlar o mundo digital.

    O que passa com a Austrália? Porque, durante a pandemia de covid-19, foi um dos países mais autoritários do mundo. Vimos imagens terríveis de violação de direitos humanos e civis por parte das autoridades; violência sobre cidadãos australianos; imposição de medidas sem base na evidência científica.  Porquê esta abordagem radical, agora, para acabar com direitos humanos e civis?

    É uma pergunta muito interessante. Penso que a forma como as pessoas vêem a Austrália já desapareceu há muito tempo. Essa versão da Austrália morreu na década de 70 [do século passado] mas continuou a estar viva nos filmes e nos media. Mas é uma sociedade muito urbana, a maioria das pessoas trabalha no sector dos serviços. Poucas pessoas trabalham com as mãos ou no exterior. É uma sociedade altamente institucional, com as pessoas a trabalharem com computadores. Isso torna as pessoas um pouco frágeis. Todos vivemos nos subúrbios. Esta ideia anterior de uma Austrália forte e resiliente já não existe há muito tempo. Numa crise, manifesta-se de forma significativa. Depois, há confiança no Governo porque nunca tivemos uma guerra para obter a independência, nunca passámos por uma ditadura. Até à covid-19, penso que 9 em 10 cidadãos australianos podiam confiar no Governo; talvez 8 em 10. Nunca fomos realmente confrontados com este tipo de desafios. Essa confiança foi explorada durante a covid-19. Isso agora está a mudar, porque grande parte da confiança desapareceu, pelo menos junto de uma porção significativa da população. E muita da oposição que tem havido a este tipo de leis sobre a desinformação e a verificação de idades para aceder a redes sociais está muito ligada ao movimento de liberdade de decisão na Saúde, o movimento que saiu da covid-19, que não é da direita nem de esquerda, que é mais anti-autoritário. Esse movimento é que conseguiu parar esta lei sobre desinformação.

    Página da liber-net fundada, uma iniciativa criada por Andrew Lowenthal. / Foto: PÁGINA UM

    Esteve na Web Summit, em Lisboa, recentemente. Pode falar sobre o evento em que participou?

    Tivemos um pequeno evento na Web Summit para falar sobre censura e alegações de desinformação e como podem ser usadas para censurar. Este evento resultou de conversas que tive com Paddy Cosgrove, o CEO, que está muito activo politicamente e no ano passado teve de se afastar do evento porque fez comentários não muito controversos sobre o conflito Israel-Gaza. Houve uma resposta desproporcional.

    Foi imediatamente cancelado.

    Foi cancelado, mas regressou e, não posso falar em seu nome, mas compreendeu os perigos da censura e do cancelamento, porque aconteceu directamente com ele. O evento, foi uma curta conversa. Estiveram presentes representantes de grandes media ‘mainstream‘ e de meios independentes que têm trabalhado sobre temas similares aos que temos estado a falar; desinformação; covid-19; os camionistas no Canadá; toda a farsa ‘Russiangate’ nos media [que envolveu acusações falsas sobre Trump]. Houve um debate aceso no final. Houve pessoas que falaram com muita paixão de ambos os lados. Houve pessoas muito críticas dos media ‘mainstream‘, que acham que os media foram longe demais e perderam o contacto com a realidade. Alguns media ‘mainstream‘ reconheceram isso, em particular um senhor que estava presente e admitiu que os media ‘mainstream‘ tinham feito um péssimo trabalho em torno do estado mental débil de Biden. Houve outras pessoas a admitir os erros dos media ‘mainstream‘. Houve uma pessoa que gere uma grande plataforma de media europeia que admitiu que, na covid-19, não tiveram uma diversidade de opiniões. Algumas pessoas reconheceram alguns dos problemas. Houve outras que acharam que não fizeram nada de errado e disseram: ‘vocês é que são o problema; deve-se sempre confiar no Governo’.

    Isso vai contra o que é o Jornalismo.

    O que penso é que este tipo de debates não tem sido permitido. Tem havido imensas conferências sobre desinformação, mas é com pessoas que têm todas a mesma opinião, de que há uma crise de desinformação, e admito que há problemas, mas nunca promovem uma auto-reflexão sobre se não se está a ultrapassar a fronteira e a entrar no campo da censura. Por isso, para mim, esta rejeição da proposta de lei na Austrália é tão emocionante. Porque muitas destas pessoas, não apenas pessoas da direita, mas também pessoas da esquerda, veem que há problemas com toda esta máquina de combater a desinformação e do quanto se excedeu e de como pode ser perigosa para a liberdade de expressão. Estou bastante encorajado a esse respeito.

    Há problemas com desinformação, sempre houve esses problemas. Também mencionou os efeitos que as redes sociais podem ter nos adolescentes. Mas deve haver uma abordagem pela educação e não pela censura e o autoritarismo.

    Sem dúvida. Muitas pessoas da esquerda estão a chegar a essa conclusão. Tenho ouvido alguns a usar o argumento de, por exemplo, no tema do LGBT, um jovem com 15 ou 16 anos, que não conhece ninguém na escola ou está isolado e não sabe como se conectar com pessoas; as redes sociais são um meio para encontrar pessoas e se conectar e avançar, sendo alguém muito diferente na sociedade. E estão a querer impedir isso, estarão a isolar estes miúdos e afastá-los uns dos outros. Há grandes problemas nas redes sociais mas colocar um cobertor e bloquear o acesso como solução… Talvez tenha razão e, dado o que a Austrália fez na covid-19, não é inteiramente surpreendente que faríamos isto neste tema. Mas criou uma polémica. Portanto, a história acabou por conduzir a duas situações. Porque, há esta tendência profundamente autoritária na Austrália, numa sociedade muito resiliente e bem gerida aos olhos de fora − excessivamente gerida, a meu ver. Por outro lado, há esta rejeição deste novo sistema de controlo social na Internet.

    Lowenthal dedica-se há mais de duas décadas a defender os direitos humanos e civis no mundo digital. / Foto: D.R.

    O que espera do futuro? Tem esperança de que a sociedade ocidental não vá cair na armadilha de voltar aos tempos de censura e a tempos de autoritarismo? Ou está pessimista e pensa que a batalha ainda não terminou e a liberdade a democracia estão em perigo?

    Talvez ambas. Penso que a única forma de se reverter este totalitarismo e ditaduras é através de se estar vigilante constantemente. Estou muito mais optimista do que estava há umas semanas. Há mais pessoas a fazer ouvir a sua voz sobre como estão fartas disto. Mas a luta não terminou. Vai continuar indefinidamente. Mas, talvez, haja mais vitórias no curto e médio prazos, e mais desafios que surgirão depois. Mas temos estado a ter algumas vitórias, o que é muito bom.

    Sobre o X, tem havido celebridades e mesmo jornais, como The Guardian, a sair da rede social. Colaborou nos ‘Twitter Files’ e sabe sobre a censura que o antigo Twitter fez e como se articulou com a Casa Branca de Biden para censurar. Como vê estas saídas do X, numa altura em que a rede social regista um recorde de utilização?

    Deve haver múltiplas plataformas de redes sociais. Temos demasiada centralização nas redes sociais. Talvez, hoje, um utilizador pode concordar com Elon Musk [dono da rede X] e amanhã pode discordar. E ele tem muito poder sobre aquela plataforma, não é algo democrático. É baseada no que ele pensa hoje e pode não pensar o mesmo amanhã. Não creio que a Bluesky seja para mim, mas ainda não a vi bem. Precisamos de ter redes sociais descentralizadas e não apenas meia-dúzia de oligarcas a controlar estas plataformas, o que é, definitivamente um problema. No futuro, deveria haver uma maior diversidade de plataformas do que as que temos actualmente. Obviamente, há também problemas sobre a proximidade que Musk tem com a nova administração [Trump]. Temos de estar vigilantes, mesmo em relação a pessoas que a dada altura considerámos serem nossas aliadas. Temos de poder criticar e manter as pessoas de acordo com os princípios, fundamentalmente.

    NOTA: Transcrição editada e adaptada para português de entrevista feita em inglês.


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  • Alexandre Vidal Porto

    Alexandre Vidal Porto

    Na décima nona sessão da BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com o diplomata e escritor brasileiro Alexandre Vidal Porto.



    Advogado e diplomata brasileiro com uma longa carreira internacional, Alexandre Vidal Porto não disfarça que a Literatura é, em si, mais do que um meio de se expressar, sendo sobretudo uma forma de testemunhar e contribuir para a defesa da diversidade.

    Tendo-se estreado em 2005, com o romance ‘Matias na cidade’, foi consolidando a sua obra literária com ‘Sergio Y. vai à América’ (2014), vencedor do Prémio Paraná de Literatura; com ‘Cloro’, finalista do prêmio Jabuti 2019, e, recentemente, com ‘Sodomita’ (2023), que foi agora galardoado com o Prémio Machado de Assis. Enquanto isso, foi colunista do jornal ‘Folha de São Paulo’ durante vários anos.

    A pretexto do lançamento deste último romance em Portugal, que retrata a vida de um homossexual português degredado para o Brasil no século XVII, Alexandre Vidal Porto conversa, de forma descontraída, com Pedro Almeida Vieira na Biblioteca do PÁGINA UM sobre os processos criativos, como concilia a vida profissional e a sua paixão pela literatura, a forma como transporta a sua vivência pessoal para a vida literária.

    Alexandre Vidal Porto fotografado no PÁGINA UM.

    Na conversa são também abordados temas mais intimistas e sobre a sua posição política num Brasil política e socialmente dividido.

    E Alexandre Vidal Porto fala ainda nas suas raízes portuguesas – na verdade, tem também nacionalidade portuguesa –, oriundas da região de Aveiro. Apesar disso, confessa não conhecer em detalhe a literatura de Portugal, mas mesmo assim aborda a inovação de diversas obras de José Saramago, em especial ‘O Evangelho segundo Jesus Cristo’, o seu romance preferido do Prémio Nobel da Literatura.

    Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Alexandre Vidal Porto.

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  • ‘Nas redes sociais, as pessoas estão cansadas de as prioridades dos anunciantes estarem em primeiro lugar’

    ‘Nas redes sociais, as pessoas estão cansadas de as prioridades dos anunciantes estarem em primeiro lugar’

    Em exclusivo para o PÁGINA UM, a directora de operações da Bluesky − a rede social ‘sensação’ que ganhou milhões de seguidores no último mês, após a vitória de Donald Trump nas presidenciais norte-americanas, − garantiu que a chave do sucesso está em dar prioridade aos utilizadores e não aos anunciantes. Rose Wang defendeu que os utilizadores gostam de ter ferramentas para poderem decidir que conteúdos veem. A jovem executiva de 33 anos explicou como uma equipa de apenas 20 pessoas está a gerir o crescimento da Bluesky que, dos 13 milhões de utilizadores que tinha no final de Outubro, passou a ter agora 23 milhões. Também falou sobre o conceito descentralizado, “aberto” e colaborativo desta rede social e defendeu a política de moderação de conteúdos da sua rede social, que funciona “por camadas”, com intervenção dos utilizadores. A privacidade dos dados também foi um dos temas abordados. Sobre o ‘concorrente’ mais directo, disse que “o X se tornou num grande megafone para um partido”.



    É a ‘app’ sensação do momento entre as plataformas que operam redes sociais. Em apenas um mês, a Bluesky saltou dos 13 milhões de utilizadores para os 23 milhões. Parte do crescimento deve-se a migração de utilizadores que deixaram a rede X (ex-Twitter), de Elon Musk, descontentes pelo facto de o magnata ter ajudado o antigo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a regressar à Casa Branca, nas recentes eleições presidenciais que levaram à derrota da candidata democrata, Kamala Harris.

    Rose Wang, 33 anos, é Chief Operating Officer (COO) da Bluesky, que nasceu como um projecto interno do Twitter. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, feita por videochamada, Rose Wang falou sobre como uma equipa de apenas 20 pessoas está a gerir uma plataforma de milhões de utilizadores. Também defendeu a política de moderação de conteúdos da Bluesky, que conta com diferentes “camadas”, em que utilizadores dispõem também de ferramentas de ‘moderação’.

    A Bluesky é uma rede social descentralizada que foi pensada por Jack Dorsey, co-fundador do Twitter, com o objectivo de criar uma plataforma sem um controlo central. O projecto acabou por tornar-se autónomo e desvincular-se do Twitter, já na ‘era’ Musk. Mas Dorsey decidiu sair da Bluesky, em Maio deste ano, desencantado com o caminho que a rede social estava a seguir e acusou a Bluesky de estar a cometer os mesmos erros que o Twitter cometeu.

    A Bluesky, que funcionava apenas por convite, começou a estar aberta a todos os utilizadores a partir de Fevereiro deste ano. Não vende os dados dos utilizadores a anunciantes e, no mês passado, anunciou que conseguiu um financiamento de 15 milhões de dólares (14.2 milhões de euros), através de uma operação financeira liderada por uma empresa de ‘venture capital’ ligada ao sector das criptomoedas.

    Rose Wang, Chief Operating Officer (COO) da Bluesky. / Foto: D.R./Bluesky

    Qual é o conceito da Bluesky? Qual é a filosofia da rede social?

    A Bluesky é fundamentalmente diferente das outras plataformas de redes sociais porque somos uma rede social aberta, que coloca os utilizadores em primeiro lugar e dá às pessoas a possibilidade de escolha. O que é que isso significa exactamente? Estamos habituados a estar presos num algoritmo controlado por um pequeno grupo de pessoas. Não é o caso da Bluesky. Os utilizadores construíram cerca de 50 mil ‘feeds’, nomeadamente de gatos, mais de  200  ‘feeds’ sobre Taylor Swift e muitos outros que estão organizados cronologicamente ou com base naquilo que os seguidores estão a colocar ‘gostos’ (‘likes’). As possibilidades são infinitas. E quando se mistura com este feed, encontra-se um cantinho mais aconchegante para estar com pessoas com os mesmos interesses porque não existe um algoritmo único denominador que ou promove as publicações mais polarizadoras ou as publicações com mais ‘posts’ (‘threads’). Consegue-se interagir com pessoas reais e divertir-se e ter conversas, de novo.

    Pensa que a Bluesky é a resposta que a Internet estava à procura, em termos de uma rede social mais descentralizada, porque os algoritmos são um problema, tal como a publicidade e outros temas.

    Penso que a Bluesky está a cumprir uma promessa do que uma rede social deveria ter sido desde o início. Se pensarmos no e-mail ou nas operadoras de comunicações móveis. Se estou no Gmail, consigo falar consigo no Yahoo!. Isso não acontece nas redes sociais. Se estou no Facebook, não consigo falar consigo no LinkedIn. É um jardim fechado entre paredes que é dono da sua identidade, tenta mantê-la na sua plataforma, não a deixa sair, porque despromovem ‘links’; as pessoas estão cansadas de um espaço [redes sociais] onde as suas prioridades não estão em primeiro lugar, onde as prioridades dos anunciantes estão primeiro. Porque são eles que estão a pagar pelo serviço. Portanto, é por isso que chegámos a um mundo em que existe tanta toxicidade, tanto discurso de ódio e tanta desinformação. Porque as empresas não são incentivadas para tornar a experiência melhor para o utilizador final. Apenas são incentivadas a tornar a experiência melhor para os anunciantes. Para a Bluesky, a nossa missão é dar prioridade ao utilizador, como nosso principal cidadão. Aquilo que procuramos é: está a divertir-se? Está a fazer amigos? Está mesmo a publicar posts? O que está a acontecer na Bluesky é fundamentalmente diferente do que o que está a acontecer no Twitter, ou X. Por exemplo, no X, 1% dos seus utilizadores publicam posts. Não são muitas as pessoas que estão a interagir com o resto da rede social. Na Bluesky, cerca de 30 das pessoas fazem publicações. Na última semana tivemos 1,5 milhões de publicações de pessoas por hora. Foi tão emocionante assistir a isso porque: ‘olha, esta é uma rede social onde podes tirar o filtro, em vez de seres uma versão menos autêntica de ti’. Não é preciso fazer isso na Bluesky. Pode-se auto-expressar e expressar partes de si, em comunidades mais pequenas e ‘feeds’ diferentes, onde não ser julgado, poderá fazer amigos e criar ligações de novo.  Penso que é por isso que as pessoas estão a gostar da Bluesky.

    Falou sobre desinformação. Qual é a vossa política, em termos de moderação de conteúdos? Há receios sobre se a Bluesky vai ser uma rede social que vai aplicar uma forte censura como a que assistimos, por exemplo, no Facebook e no antigo Twitter, onde vimos cientistas e investigadores proeminentes e até jornalistas a serem censurados. O que podemos esperar da Bluesky?

    Moderação é governação. Se pensarmos nas redes sociais, a forma como a moderação funciona, o que vemos é um pequeno grupo de pessoas a tomar decisões sobre que conteúdos são autorizados ou não na plataforma, quem é permitido e não permitido na plataforma. Isso é ter muito poder. Nós somos mais inspirados na abordagem de uma governação baseada numa república democrática, onde existem camadas de governação. Quando alguém entra na ‘appBluesky, entra na nossa sociedade. Há outras sociedades; há o ‘Greysky’; pode construir a ‘Greensky’; ou a ‘Yellowsky’. Pode ter as próprias regras e uma Constituição própria. Quando entra na nossa Bluesky, temos os nossos termos de serviço e as regras de comunidade, que são como que a Constituição deste espaço, que o nosso director de Segurança e Confiança, Aaron Rodericks -, ex-responsável da equipa de ‘Elections Integrity’ no Twitter – gere implementa. A Constituição apenas protege contra desinformação, discurso de ódio, assuntos graves. Mas há muitos assuntos que não atingem esse nível de gravidade, como deepfakes, má-educação, informação especulativa que não é desinformação. Há uma zona cinzenta e é aí que demos ferramentas aos utilizadores para gerirem os seus espaços. Não é muito diferente do que se passa no Reddit, onde moderadores de comunidades também gerem sub-comunidades, mas apenas têm soluções manuais. O que fizemos foi melhorar essa experiência e dar ferramentas digitais aos utilizadores. Pode retirar todos os ‘spoilers’ de filmes na rede. E pode esconder todos os ‘spoilers’ de filmes. Ou política: algumas pessoas querem ver publicações de política; em alguns dias quer ver publicações de política e em outros não quer ver; há um filtro para isso que um utilizador criou. É isso que é bom na Bluesky: não tem de esperar por uma autoridade central, ou um centro de gestão, como nós, que vá fazer essas mudanças que a sua comunidade precisa. E é difícil porque somos uma equipa de 20 pessoas, provavelmente não conseguimos chegar a todos os assuntos. Se tem essas soluções, o utilizador pode decidir o que a sua comunidade precisa e outros utilizadores vão olhar para o seu feed e escolher subscrever a sua etiqueta de moderação. Essa é a promessa de uma república democrática.

    Foto: D.R.

    Quantos utilizadores tem a Bluesky hoje? E com uma equipa de 20 pessoas; como é que estão a gerir toda esta atenção?

    Temos cerca de 23 milhões de utilizadores na Bluesky, o que é muito emocionante. Temos apenas 20 membros na equipa. Mas isto não é novo. Somos muito inspirados em equipas como as do Instagram e WhatsApp, antes de serem adquiridas. Eram equipas pequenas de 18 a 23 pessoas a servir centenas de milhões de utilizadores. Há um precedente. E há um benefício em ter uma pequena e forte equipa. Primeiro, temos muita experiência. Mencionei Aaron Rodericks. É importante que não se tenha pessoas que nunca trabalharam em empresas de redes sociais. E em equipas pequenas é mais fácil tomar decisões. Por isso, conseguimos agir tão rápido, como equipa. Temos uma coordenação apertada e caminhamos para o mesmo objectivo. É algo mais difícil de se fazer quando se tem uma grande equipa.

    Mas precisa de mais servidores e há outro tema: tem muito mais conteúdo para moderar. É um crescimento enorme em tão pouco tempo.

    Para nós, ao mesmo tempo, não é novo. No mundo ocidental, a app Bluesky entrou nos tops da App Store e está nas notícias. Mas vimos a Bluesky a crescer em outras partes do mundo. Quando tornámos a app pública (antes era por convite), em fevereiro deste ano, tivemos mais de um milhão de utilizadores japoneses. Quando o X foi banido no Brasil, este ano, tivemos mais de quatro milhões de brasileiros a vir para a Bluesky em poucas semanas. A equipa tem experiência com fases de grande crescimento. É por isso que a rede não registou períodos significativos de estar em baixo. Por isso, as pessoas continuam a divertir-se sem se sentirem inseguras, ao contrário de outras plataformas. A nossa equipa tem experiência e está pronta para mais.

    E na Europa. Suponho que tenham também muitos utilizadores europeus e portugueses.

     Temos muitos utilizadores europeus e portugueses, o que significa que tenho de ir a Portugal.

    Definitivamente.

    É emocionante para nós. Vemo-nos como uma plataforma global. Se vir a nossa equipa, vem de todo o mundo e é muito diversa, em termos de género e ‘raça’. A equipa reflecte a base de utilizadores que queremos ter na Bluesky, desde que tenha um diálogo gentil e saudável. É difícil gerir. A liberdade de expressão no Reino Unido é diferente do que é nos Estados Unidos. Os valores em diferentes países da União Europeia são ligeiramente diferentes. São este tipo de nuances que nos fazem quer dar ferramentas aos utilizadores para criarem o seu novo feed para servir a comunidade. Isto está a ressoar muito com os europeus, não há um controlo centralizado que garante que os anunciantes estão a ter um lucro maior.

    E em relação aos regulamentos na União Europeia? Se continuam a crescer a esta ritmo, precisam ajustar-se a regras da União Europeia. Podem ajustar-se ou ainda têm tempo para se ajustar?

     Vamos cumprir com as regras europeias. Houve uma notícia sobre haver uma regulação europeia que nós não cumpríamos, mas se ler a notícia, nenhum regulador tentou entrar em contacto com a Bluesky, só falaram com a imprensa, o que está bem. Se tivessem falado connosco, teríamos imediatamente feito essa mudança. Temos a total intenção de cumprir com as regras.

    A person holding up a smart phone in their hand

    E quais são os vossos planos? Quais são as novas funcionalidades que querem disponibilizar?

    Sem dúvida. Olhamos sempre para o que as pessoas realmente precisam e o que está a acontecer na app. Penso que o motivo por que as pessoas estão a vir para a Bluesky é que não há outro lugar onde ir para ver notícias globais e de última hora de vários lados. O X tornou-se num grande megafone para um partido. O Threads despromove ligações da Internet e conteúdo político. A Bluesky está a fazer oposto: ‘venham, partilhem os vossos links aqui’. Mesmo a forma como o nome de utilizador funciona; pode-se usar um website como nome de utilizador porque é dono dessa identidade. Queremos mais notícias na Bluesky e vamos criar mais funcionalidades para que os media possam publicar. Parte disto é compreender o que está a acontecer. O Guardian anunciou hoje que o tráfego da Bluesky para seu jornal é duas vezes aquilo que vem do Threads. Isto na primeira semana na plataforma, com 300 mil seguidores. O tráfego nas notícias do Guardian é mais alto do que em qualquer semana de 202 no Twitter em 2024, onde tinha 10,8 milhões de utilizadores. Em geral, há muito mais interacção na Bluesky porque não se está preso a um algoritmo.

    Então é uma boa plataforma para quem tem publicações?

    Sem dúvida.

    Como opera a Bluesky em termos de consentimento dos utilizadores sobre a utilização dos seus conteúdos para treinar inteligência artificial (IA)?

    A Bluesky teve de escolher entre ter os dados públicos ou privados. A maioria das redes sociais escolheu dados privados, o que significa que são donos dos dados, estão a treinar os seus modelos de inteligência artificial com os dados dos utilizadores e estão a vender os dados privados a anunciantes. Queríamos sair desse mundo. Portanto fizemos uma plataforma aberta como o Reddit. É aberta como a Internet. Não somos donos dos seus dados, é o utilizador. E o utilizador é dono da sua identidade. Aquilo que estamos a tentar fazer é que seja o utilizador a expressar o seu consentimento sobre se as empresas de IA podem usar ou não os seus dados. Não podemos obrigar as empresas de IA a seguir o consentimento que você expressou, mas podemos dar-lhe, pelo menos, as ferramentas para poder expressar o seu consentimento. E esse é nosso primeiro passo nesse sentido.

    Como definiria, em resumo, a Bluesky?

    A Bluesky põe os utilizadores em primeiro lugar, e isso significa que lhes estamos a dar escolha; podem escolher ‘feeds’ diferentes e podem conhecer pessoas reais e divertir-se, novamente, em comunidades.


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  • ‘Sou e serei sempre, com muito orgulho, independente’

    ‘Sou e serei sempre, com muito orgulho, independente’

    É conhecido pela sua vida na política, mas a sua paixão são a água e o ambiente. Depois de ter sido o mentor do plano de drenagem de Lisboa, há precisamente duas décadas, António Carmona Rodrigues é presidente da AdP – Águas de Portugal e coordena o Grupo de Trabalho ‘Água que Une’, que visa assegurar a disponibilidade de água no país para todos os usos essenciais. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Carmona Rodrigues fala sobre o sector da água e o ambiente e a necessidade de ter estratégias bem pensadas para o futuro, incluindo de prevenção e preparação para eventos extremos, como o que afectou Valência, em Espanha, recentemente. Carmona Rodrigues também recorda os tempos de actividade política activa, os quais lhe chegaram a trazer alguns dissabores, e diz não ter guardado ressentimentos, embora guarde memórias.    



    Tornou-se mais conhecido pelo seu papel na política, mas é uma das principais ‘autoridades’ em Portugal em matéria de água e ambiente. Podia estar a saborear a reforma mas, aos 68 anos, António Carmona Rodrigues preside à AdP – Águas de Portugal, cargo para o qual foi nomeado em Maio deste ano e que “não podia recusar”.

    Mas foi também nomeado, em Julho, para coordenar o Grupo de Trabalho ‘Água que Une’, para elaborar uma nova estratégia nacional para a gestão da água. Este grupo que Carmona Rodrigues coordena é responsável, provavelmente, pela principal tarefa que o país enfrenta para o futuro: assegurar a disponibilidade de água para todos os usos essenciais. “O nosso dever cívico é tentar contribuir para melhorar o que não está bem”, afirmou nesta entrevista ao PÁGINA UM.

    António Carmona Rodrigues na sede do jornal PÁGINA UM. / Foto: PÁGINA UM

    Depois de ter sido o mentor do plano de drenagem de Lisboa, cuja construção está em marcha, Carmona Rodrigues foi chamado a liderar esta iniciativa interministerial no âmbito da qual vai ser revisto o Plano Nacional da Água para 2025-2035 e desenvolvido um plano de armazenamento e de distribuição eficiente de água para a agricultura – Plano REGA –, designadamente em articulação com outros instrumentos de planeamento e gestão que estão em vigor, como é o caso do Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais (PENSAARP 2030).

    Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Carmona Rodrigues falou sobre um dos projectos em curso no âmbito das novas origens de água: o projecto de dessalinização da água do mar no Algarve. Também abordou a a sua ‘paixão’ pela água e pelo ambiente e os desafios que o país enfrenta e defendeu que devem ser adoptadas estratégias de prevenção, designadamente para se lidar com eventuais eventos extremos, como as trágicas cheias recentes em Valência, Espanha. Também recordou a sua vida política, que até lhe valeu um longo processo judicial, que se arrastou por nove anos, culminando na sua absolvição.

    Independente, Carmona Rodrigues foi ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação e deu ao PSD a maior vitória de sempre na capital, quando foi eleito presidente da autarquia, em 2005. Admitiu não ter “nada contra os partidos”, mas prefere ser independente. “Sou e serei sempre, com muito orgulho, independente”, afirmou durante a entrevista.

    O presidente da AdP – Águas de Portugal foi também nomeado, em Julho, coordenador do Grupo de Trabalho ‘Água que une’, cuja missão é desenhar uma estratégia para garantir a disponibilidade de água para todos os usos essenciais no país. / Foto: PÁGINA UM

    Considerou que a democracia não está em perigo em Portugal, mas criticou a grande resistência à mudança que existe no país. Defendeu que Portugal precisa modernizar, por exemplo, a “própria lei do poder local, que é uma lei obsoleta”, e lamentou que “parece que essas matérias são tabus em Portugal”. Lembrou que se trata de uma lei criada em 1976, que “deu muitos bons frutos”. Mas sublinhou que, até aos anos 90, “os autarcas comungavam do primeiro interesse, que era servir as comunidades, estivessem eles no poder ou na oposição”. “Hoje só vejo a dita oposição a não deixar fazer. A oposição transformou-se muito em não deixar fazer, por qualquer meio”, frisou.

    Carmona Rodrigues não duvida que “a democracia não está em perigo, mas devia haver um esforço de adaptação legal, institucional, aos tempos modernos”. “Não se muda. Não se muda porquê? Na água, toda a gente é criticada por não se adaptar, na política não, é o contrário”, apontou, referindo ainda os exemplos dos que defendem a Regionalização ou a adopção de alterações à Constituição da República.

    Disse que há muitas opções na política que podiam ser discutidas e recordou uma experiência extrema levada a cabo na antiga Grécia, em que governantes foram escolhidos por amostra estatística, sem opção de recusarem desempenhar as funções de gestão do bem público.

    Mas, em Portugal, lamentou que nem debater algumas temas, se pode. “Em Portugal, penso que temos passado muitos anos com uma grande resistência à mudança”, observou.


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  • Nicolau Santos

    Nicolau Santos

    Na décima oitava sessão da BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com o jornalista e também escritor Nicolau Santos.



    Muito mais conhecido pelo seu passado jornalístico, que iniciou no final dos anos 70, tendo passado pelas direcções do Público e do Expresso, Nicolau Santos é actualmente presidente do Conselho de Administração da RTP, depois de ocupar posição similar na Agência Lusa.

    Mas a conversa na Biblioteca do PÁGINA UM, com Pedro Almeida Vieira, incide sobretudo numa vertente menos conhecida de Nicolau Santos, mas que que (com)vive com indisfarçável entusiasmo: a Literatura. Depois de diversas incursões pela poesia (em alguns livros em parceria com António Costa Silva, ex-ministro da Economia), Nicolau Santos estreou-se agora no romance, com ‘Amarelo tango’, uma saga familiar que retrata a história da sua própria família, tendo como contexto inicial a ida do seu avô para Angola.

    Uma oportunidade também para conversar sobre as ‘dificuldades’ e aprendizagens da escrita, sobre a realidade e a ficção, e sobre o processo de colonização e descolonização, tendo sempre Angola como epicentro.

    Nicolau Santos

    Apesar de uma promessa inicial para não se abordar temas relacionados com a RTP, esta longa conversa acabou (e bem) por ‘resvalar’, a partir do minuto 70, para a situação (de crise) da imprensa, e sobre as suas causas e soluções, bem como sobre o serviço público da imprensa (e da televisão e rádios públicas).

    Entre as obras patentes na Biblioteca do PÁGINA UM, Nicolau Santos recomendou os romances ‘Equador’, de Miguel Sousa Tavares, publicado originalmente em 2003, e ainda ‘A Rainha Ginga’, de José Eduardo Agualusa, publicado em 2014.

    Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Nicolau Santos.

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  • Cristina Carvalho

    Cristina Carvalho

    Na décima sétima sessão da BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com a escritora Cristina Carvalho.



    Nasceu e cresceu num ambiente cheio de Literatura e de saber: filha de professor e divulgador Rómulo de Carvalho (que, na poesia, assinava com o pseudónimo António Gedeão) e da escritora e arquivista Natália Nunes, Cristina Carvalho tem-se consolidado como uma das mais consistentes escritoras das últimas duas décadas, centrando a sua produção literária sobretudo no romance biográfico e para o público juvenil.

    Apesar desse ambiente familiar, ou talvez por causa disso, a sua estreia foi tardia: à beira de fazer 40 anos, com ‘Até já não é adeus’, em 1989, publicando somente mais quatro obras até 2008. Mas a partir daí tem-se mostrado imparável, publicando a um ritmo de impressionante quantidade e qualidade, que já lhe mereceu duas distinções: o Prémio SPA/RTP 2016, com ‘O olhar e alma: romance de Modigliani’, e o Grande Prémio de Literatura Biográfica Miguel Torga 2021, com ‘Ingmar Bergman: o caminho contra o vento’.

    Conta também mais de uma dezena das suas obras no Plano Nacional de Leitura, tendo também sido nomeada para o Prémio ALMA em 2023, o mais prestigiado prémio internacional de literatura juvenil.

    Cristina Carvalho fotografada no PÁGINA UM.

    Numa conversa descontraída com Pedro Almeida Vieira, também fruto de uma já longa amizade, Cristina Carvalho fala do seu percurso literário, das suas escolhas e viagens, das suas amizades, das suas opções e entusiasmos na escrita e na divulgação das suas obras.

    Entre as obras patentes na Biblioteca do PÁGINA UM, Cristina Carvalho recomendou os romances ‘As pessoas invisíveis’ (2022), de José Carlos Barros; ‘Rio Homem’ (2010), de André Gago; ‘A febre das almas sensíveis’ (2018), de Isabel Rio Novo; e ainda ‘O magriço’ (2020), de Tiago Salazar.

    Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Cristina Carvalho

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  • ‘O cartão europeu de vacinação é mais uma machadada grave nos nossos direitos, liberdades e garantias’

    ‘O cartão europeu de vacinação é mais uma machadada grave nos nossos direitos, liberdades e garantias’

    A psicóloga, comentadora e antiga deputada Joana Amaral Dias é uma das três autoras da Petição Pela Rejeição do Cartão Europeu de Vacinação, a qual conta com mais de 16.600 assinaturas. A petição será apreciada em sede da Comissão de Saúde. Para as peticionárias, o cartão representa uma séria ameaça aos direitos, liberdades e garantias individuais e se for aliado à identidade digital e euro digital poderá ser usado para controlar os cidadãos. Assim, qualquer Estado que tenha nas suas mãos estas ferramentas digitais ficará com um poder sobre a população que coloca em risco a democracia. Com esta Petição, as autoras da iniciativa pretendem, primeiro, alertar a população; segundo, comprometer os deputados com as suas decisões, para que mais tarde não posso dizer que nada sabiam. O objectivo final é o de deter a adopção deste cartão em Portugal.    



    A psicóloga, comentadora e antiga deputada Joana Amaral Dias e a médica-dentista e defensora da medicina baseada na evidência Marta Gameiro são as vozes defensoras dos direitos humanos e liberdades fundamentais que, pela segunda vez, surgem no Parlamento para ‘agitar as águas’ em torno de novas políticas de saúde pública que ameaçam tornar-se em instrumentos de controlo e vigilância para usar nos cidadãos.

    Depois de terem sido ouvidas no Parlamento a propósito de uma petição que pedia um referendo sobre a adesão de Portugal ao Tratado Pandémico da Organização Mundial de Saúde, Joana Amaral Dias e Marta Gameiro lançaram uma nova petição, com a jurista Alexandra Marcelino, para a rejeição do cartão europeu de vacinação. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Joana Amaral Dias alertou que “este cartão europeu de vacinação é mais uma machadada grave nos nossos direitos, liberdades e garantias”.

    Esta petição conta com mais de 16.600 assinaturas e vai ser analisada no Parlamento, tendo baixado à Comissão de Saúde para apreciação. Para já, foi designado como relator, no dia 25 de Outubro, o deputado do Livre Paulo Muacho.

    Joana Amaral Dias. / Foto: Júlia Oliveira

    Em causa está o projecto EUVABECO, criado pela da Comissão Europeia, o qual “visa intensificar e controlar a vacinação na União Europeia (UE), e está em vias de lançar 5 ‘ferramentas’ que devem, até 2030, governar a Saúde Pública e Privada”, segundo o texto da petição. Uma das ‘ferramentas’ consiste num “cartão de vacinação transfronteiriço, permitindo o controlo dos cuidados de saúde a nível global e ao longo da vida”.

    A fase de teste-piloto arrancou em Setembro passado e vai durar até Agosto de 2025. Portugal é um dos cinco países onde o cartão vai ser testado a par da Bélgica, Grécia, Letónia e Alemanha.

    Mas, recorda a petição, “a agenda da EUVABECO prevê a implementação deste CVE (cartão de vacinação europeu) em 2026, que, integrado no sistema global de certificação digital da Organização Mundial da Saúde (OMS), está a ser conjugado com dois outros projectos, a saber: Identidade Digital Europeia eMoeda Digital Europeia”. Para as peticionárias, “o CVE surge como um instrumento de rastreamento, controlo e coerção dos cidadãos, que, se não for travado, nos conduzirá a cinco pontos de não retorno”.

    Joana Amaral Dias. / Foto: Júlia Oliveira

    A decisão de lançar esta petição surgiu devido à “magna importância” do tema, “que diz respeito à saúde de todos” e que envolve a criação, “por parte de pessoas não eleitas”, de um instrumento “sem discussão pública” e até contra a vontade de cidadãos. Para as peticionárias, o cartão visa coligir dados dos europeus e centralizá-los, sendo que Portugal já tem um cartão de vacinação.

    Joana Amaral Dias alertou que os dados do cartão serão “armazenados de forma electrónica e centralizados em instâncias europeias” que terão acesso a dados de saúde dos europeus e poder usá-los a ser bel-prazer”.

    Para as peticionárias, o problema não está apenas no cartão e nas ferramentas que o acompanham, mas no facto de vir a poder ser usado em articulação com o euro digital a identidade digital. Segundo Joana Amaral Dias, o cartão de vacinação, aliado a estes instrumentos “torna-se especialmente maquiavélico e perverso, porque qualquer Estado que disponha destes três elemento pode ‘vergar a espinha’ a qualquer cidadão”. “Qualquer estado que detenha estas ferramentas deixa de ser democrático”, alertou.

    Para já há que aguardar que seja agendada a data para ouvir as peticionárias na Comissão de Saúde. Segundo Joana Amaral Dias, o primeiro objectivo da petição é alertar as populações, mas também conseguir que os deputados se comprometam com as suas decisões, não podendo, no futuro, fingir que nada sabiam. Por fim, o terceiro objectivo é deter a implementação do cartão em Portugal.

    No caso da petição relativa ao Tratado Pandémico, esforços de aumento de literacia sobre o tema levados a cabo em diversos países, como foi feito em Portugal por Marta Gameiro e Joana Amaral Dias, a pressão dos cidadãos, médicos e investigadores acabou por surtir algum efeito, pois o Tratado não chegou a ser adoptado, mas a OMS não desistiu que o implementar.


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  • ‘Estamos cá não só para gozar a nossa vida, mas para fazer alguma coisa pelos outros’

    ‘Estamos cá não só para gozar a nossa vida, mas para fazer alguma coisa pelos outros’

    Quando se fala em Habitação, o nome que mais surge na mente de muitos portugueses é o de Helena Roseta. Foi pela sua mão e vontade que nasceu, em 2019, a primeira Lei de Bases da Habitação. Mas a influência na sociedade portuguesa da arquitecta e antiga deputada e ex-autarca não se tem ficado pela defesa do direito de todos de viver numa casa condigna, como dita a Constituição da República. Helena Roseta participou, por exemplo, na recente manifestação contra a violência policial e a pedir justiça para Odair Moniz, natural de Cabo Verde e a residir em Portugal, que foi morto a tiro por um agente da PSP. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Helena Roseta fala sobre o seu percurso de vida, a família e sobre política a activismo cívico. Também deixa um alerta: a democracia está em desconstrução e é preciso lutar contra a onda que tenta arrastar a Europa e o Ocidente de volta ao totalitarismo. Por fim, deixa uma mensagem aos jovens: se quiserem mudar o mundo, não o façam sozinhos, procurem apoios; e nunca baixem os braços.    



    Prestes a completar os 77 anos, Helena Roseta não baixa os braços e continua a dar o seu contributo para mudar o mundo. A arquitecta e antiga deputada e ex-autarca defende que “estamos cá não só para gozar a nossa vida, mas para fazer alguma coisa pelos outros”.

    Para Helena Roseta, vivemos num tempo em que na Europa, e no Ocidente em geral, se sente uma nova onda de regresso ao totalitarismo que precisa ser combatida. “o tempo actual tem algumas semelhanças com os anos 30, em que a gente sente um retrocesso muito grande relativamente a conquistas e progressos”, disse.

    Helena Roseta / Foto: D.R.

    Disse que “a História tem movimentos pendulares, não está sempre no mesmo sentido e, normalmente, após momentos de grande progresso em direcção a mais liberdade, a mais democracia, há momentos de regresso, de retrocesso e nós estamos a assistir a um momento desses”. Lembrou que a Europa passou, nos pós-guerra, por um “período de expansão dos direitos sociais”, tal como os Estados Unidos, que “também tiveram um período de grande expansão de direitos humanos e de liberdades” e que lidou com a questão racial. “Nós estamos a ter agora a questão racial e eu sei de que lado estou, estou no mesmo lado em que estaria Martin Luther King”, sublinhou.

    Citando Manuel Alegre, defendeu que a democracia está numa fase de “desconstrução” e isso “obriga-nos a um activismo mais forte”. Frisou que, “na fase da construção as pessoas podem ir com a onda. Na fase da desconstrução é preciso desconstruir a onda, é preciso estar contra a onda e isso é mais exigente”.

    Helena Roseta na celebração da primeira Lei de Bases da Habitação, em 2019. / Foto: D.R.

    Nesta entrevista, Helena Roseta também falou sobre a crise no acesso a casas e disse que “estamos a ter a consequência, por um lado, da ausência de políticas de habitação”, por outro, das políticas de cidade que não souberam acomodar, por exemplo, as grandes vagas de imigração, “primeiro da província, das ex-colónias, depois dos PALOPs (Países de Língua Oficial Portuguesa), depois de outros países”, designadamente do Brasil e “agora da Ásia”. Mas também culpou a financeirização do sector imobiliário e da Habitação.

    A ex-deputada deixou críticas à ineficácia do Parlamento. “Hoje, temos um Parlamento muito mais virado para a expressão das oposições do que para a formação democrática da decisão colectiva”, lamentou. E deu o exemplo de como se conseguiu aprovar a Constituição da República numa altura em que existia uma polarização muito superior à que existe hoje, com manifestações e em pleno PREC (Processo revolucionário em Curso).

    Também deixou uma mensagem aos jovens: “ninguém muda o mundo sozinho”. E deixou dois conselhos: “não fazer nada sozinhos; e não baixar os braços”.


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  • Isabel Lucas

    Isabel Lucas

    Na décima sexta sessão de BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com a jornalista, escritora e crítica literária Isabel Lucas



    Jornalista e professora da Escola Superior de Comunicação Social, Isabel Lucas é, actualmente, uma das mais conceitudas críticas literárias de Portugal, mas destacou-se também na literatura (ou jornalismo) de viagens, sendo autora do aclamado ‘Viagem ao sonho americano’, editado originalmente em 2017, e agora em nova edição.

    O seu olhar sobre os Estados Unidos, que dá a conhecer ao longo de 12 reportagens, percorridos que foram 27 Estados, e a compliação das suas melhores entrevistas a escritores estrangeiros (‘Conversas com escritores’, publicado este mês) são o ponto de partida para uma conversa descontraída com Pedro Almeida Vieira, onde se percorrem os meandros da Literatura e do Jornalismo.

    Isabel Lucas fotografada no PÁGINA UM.

    Entre as obras patentes na Biblioteca do Página Um, Isabel Lucas escolheu o romance ‘A Torre de Barbela, de Ruben A., publicado em 1964, e o romance ‘Lilias Fraser’, de Hélia Correia, publicado originalmente em 2001.

    Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Isabel Lucas

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