Categoria: Arranhadelas

  • Froes, o filho de frades, a pregar mentiras

    Froes, o filho de frades, a pregar mentiras


    Há maleitas nos gatos que se confundem com as dos humanos: a rinotraqueíte, por exemplo, deixa-me com os olhos em lágrimas e o nariz a pingar, levando quem assiste a julgar que estou às portas de São Pedro. Ora, quem já viu um gato a espirrar sabe bem que, mesmo entre espasmos de nariz, pode, logo a seguir, caçar umas lagartixas ou saltar prateleiras. É tudo uma questão de saber distinguir um espirro de um pandemónio. E é aqui que entra o Dr. Filipe Froes, que ganhou a vida a anunciar o fim do mundo há uns pares de anos.

    Ora, o Dr. Froes – assalariado duplo, do Serviço Nacional de Saúde (vulgo, os nossos impostos) e das farmacêuticas (pelas palestras e pelos aplausos comprados) – acordou numa dessas manhãs em que a vontade de se indignar lhe falou mais alto do que o bom senso, o que lhe sucede muito. E assim pegou no teclado e, como quem prescreve antibiótico para uma gripe, escreveu isto:

    Robert Francis Kennedy Junior (RFK Jr.), nascido a 17 de Janeiro de 1954, foi confirmado a 13/02/2025 como Secretário da Saúde e Serviços Humanos (equivalente a Ministro da Saúde) da administração Trump, nos EUA.
    Partilho algumas ilustrações da sua intervenção a liderar o combate ao maior surto de sarampo desde 2015, nos EUA, e que já contabiliza 2 óbitos. Dois óbitos de não vacinados!
    De referir que, nos EUA, o sarampo foi considerado ‘eliminado’ em 2000, mas a desinformação e a hesitação vacinal permitiram o regresso desta desgraça individual, comunitária e de saúde pública.

    Estas figuras ilustram a intervenção de RFK Jr. e explicam porque há juniores que nunca chegarão a seniores…

    Entre sestas e arranhões no sofá, fui ver os tais “dados”. Consultei o site do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) – supostamente, a fonte oficial sobre doenças humanas. E o que dizem os dados? Que o sarampo nos Estados Unidos teve, sim, picos, mas de fazer corar um mísero espirro felino. Depois de 1993, o ‘bicho’ desapareceu das estatísticas como rato de despensa bem fechada. Apenas reapareceu, discretamente, em surtos pontuais.

    E será que se está, com 222 casos no território norte-americano, com o “maior surto de sarampo desde 2015”, como diz o bom do Dr. Froes? Vejamos o que dizem as estatísticas oficiais, que aqui se podem descarregar. Primeiro, que foi muito conveniente ao Dr. Froes escolher o período (desde 2015), porque em 2014 houve 667 casos de sarampo, não dando jeito se se quiser comparar com 2025.

    Bem sei que maior é um conceito estatístico diferente para o Dr. Filipe Froes, que andou toda a pandemia da covid-19 a dizer que esta era bem pior do que a gripe espanhola. Se, para o Dr. Filipe Froes, o último pode ser o pior e o péssimo pode passar a bom, qual o problema se as estatísticas da saúde do CDC insistem em dizer que em 2018 houve 381 casos, em 2019 houve 1274 casos e em 2024 houve 285 casos? Decrete-se já, pela pena do Dr. Filipe Froes, que 222 é maior do que 381, maior do que 1274 e maior do que 285, para assim se garantir que os Estados Unidos, com 222 casos, estão perante o “maior surto de sarampo desde 2015”.

    Dados estatísticos do CDC.

    Chamar a isto “o maior surto desde 2015”, como se fosse o regresso da Peste Negra, é digno de um drama shakespeariano protagonizado pelo próprio Dr. Froes no papel de Cassandra, mas com menos credibilidade. Dois óbitos, diz ele! Dois! Numa população de quase 330 milhões de almas e que tem muitos mais problemas de saúde do que o sarampo. Basta, aliás, reparar que a taxa de mortalidade infantil nos Estados Unidos é cerca de 50% pior do que em Portugal.

    O mais engraçado – ou trágico, conforme o ponto de vista – é que o Dr. Froes escreve sobre este surto como se o nosso responsável deste sector, Robert F. Kennedy Jr., tivesse aparecido com um balde de sarampo na Casa Branca e começado a distribuí-lo como quem dá guloseimas na noite de Halloween.

    O surto de 2025, que o ilustre doutor denuncia com a solenidade de um comício vacinal, acontece num contexto onde o sarampo já andava a rondar os Estados Unidos. E se há coisa que os dados mostram (até os gatos conseguem ver!) é que a linha das infecções permanece rasteirinha no gráfico – só levantando a patinha aqui e ali para nos lembrar que a vida não é estéril.

    Publicação do Dr. Filipe Froes na rede social Facebook.

    Assim, querido Dr. Froes, se quer acusar alguém de trazer pragas, olhe primeiro para as suas farmacêuticas, não vá dar-se o caso de algum medicamento seu andar a causar mais efeitos adversos que o sarampo.

    Ah, e quando ele quiser falar de “juniores que nunca chegam a seniores”, olhe para o seu apelido: há quem defenda que Froes é sobrenome dado a descendentes ou protegidos de religiosos, ou eventualmente a indivíduos ligados a ordens monásticas, no sentido de “filhos dos frades”…


    Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.

  • A Mensagem do Moedas

    A Mensagem do Moedas


    Confesso que não sou dado a entusiasmos precipitados. Enquanto felino de elevada estirpe e instinto crítico, aprendi, ao longo das minhas dezasseis vidas – que já valem agora mais de 80 anos das vossas –, que a pressa é um atributo dos caninos e dos tolos. O verdadeiro entendimento das coisas requer o seu tempo entre um longo espreguiçar sobre a cómoda e um piscar de olhos estudado, incluindo, claro, um juízo certeiro e implacável.

    Na minha prolongada convivência com os humanos, já nada me surpreende. Poucos resistem à tentação de um mimo fácil – e quem diz mimo, diz dinheiro, que sempre melhora o conforto, pois não há nada melhor do que uma ração abundante e regular. Confesso que eu, felino aristocrático e de espírito livre, se por vezes me deixo enganar pela lata de patê aberta, não deveria questionar as práticas dos jornalistas, esses seres bípedes de convicções. Mesmo daqueles espécimes que as fazem maleáveis, sempre prontos a ronronar perante a promessa de uma almofada quente.

    Mas, enfim, não consigo evitar.

    E, portanto, soube que a autarquia de Lisboa decidiu atribuir bolsas para jornalistas e fui esquadrinhar o método e critério. Pois bem, num esforço verdadeiramente inovador, o regulamento permite que a autarquia, através de um júri escolhido a preceito – e que até inclui a directora de marketing da Ernst & Young –, conheça antecipadamente os temas que os jornalistas candidatos iriam cobrir. Não é admirável? Evita-se assim o incómodo da dúvida, o risco do escrutínio desnecessário, a possibilidade de uma investigação inoportuna.

    De facto, se há coisa que sempre me irritou nos cães, além do seu permanente entusiasmo idiota, é aquela mania de escavar a terra à procura de ossos. Sempre achei uma actividade imprópria de criaturas civilizadas. E, pelos vistos, a Câmara de Lisboa também.

    De entre as muitas candidaturas submetidas a este generoso programa, houve uma entidade que se destacou: o jornal Mensagem de Lisboa, que, com um brilhantismo capaz de fazer corar qualquer artista de circo, conseguiu abocanhar logo cinco das dez bolsas disponíveis na categoria de jornalismo. Não satisfeito, ainda levou um sexto prémio noutra secção. Um feito notável!

    A sua directora, Catarina Carvalho, numa prosa que combina a altivez do gato gordo que monopoliza o sofá com a alegria do cãozinho que abana o rabo para o dono, anunciou com entusiasmo a sua vitória: “A Mensagem é, de longe, o órgão de comunicação mais representado. […] Isto enche-nos de orgulho pelo que diz do nosso conhecimento e relação com a cidade de Lisboa.”

    Ah, como eu a entendo! Até porque uma das bolsas, no valor de 10 mil euros, foi para ela escrever sobre restaurantes. Também eu me orgulho da relação com a casa onde habito, embora até tenha algumas queixas a fazer da comida – se calhar, deveria fazer crítica gastronómica para o PÁGINA UM. Conheço-lhe cada recanto, cada móvel, cada canto debaixo do qual já fiz desaparecer um brinquedo – e fiz outras coisas inconfessáveis, pois o meu dono insistiu em nunca me esterilizar e a velhice me faz esquecer, por vezes, as boas maneiras.

    Sei perfeitamente onde está o aquecedor nos dias frios, a manta macia e, claro, o humano que melhor me coça o pescoço. Conhecer bem um território é essencial para nele se viver com conforto – e Carlos Moedas sabe disso, e usa as moedas do erário público para assegurar isso. Tanto assim que o juri, pela leitura da acta, fez figura de corpo presente. De facto, os dois membros da Equipa Executiva, funcionários da empresa municipal EGEAC, fizeram “aos membros do júri um resumo da lista das candidaturas ordenadas pela média aritmética”, deduzindo-se, assim, que o dito júri nem sequer viu as candidaturas em concreto. A ‘coisa’ resolveu-se numa hora, de acordo com a acta – nada melhor do que decisões de secretaria para evitar conflitos e horas perdidas.

    E, neste cenário, a directora do Mensagem de Lisboa fez ainda questão de recordar que este é o único apoio estatal ao jornalismo em Portugal e saudou a iniciativa, o que já não a abona como jornalista porque mostra que ignora que uma autarquia não integra o Estado. Enfim, mas que importa isso? Na verdade, compreendo que a Catarina Carvalho saude este apoio financeiro, “sobretudo nos tempos conturbados que se vivem para o jornalismo” – e uma das causas desses “tempos conturbados” parece-me ser a falta de transparência; e uma outra, a promiscuidade com o poder.

    Eu próprio, hélas, saudaria uma iniciativa que garantisse que o meu atum diário fosse subsidiado e entregue em casa pela Câmara Municipal de Lisboa. Poupava-se trabalho, evitava-se a necessidade de miar, eliminava-se o risco de morder a pata errada. Para quê o incómodo de saltar sobre a bancada da cozinha e esgatanhar algo para mordiscar, se a Câmara Municipal me entrega o atum para que eu não precise de caçar ratos?

    E, assim, abre-se um novo modelo de jornalismo: não morde, não arranha, não ferra. Tal como um gato agradecido, terá um jornalismo que se enrosca no colo do poder, que se alimenta dos seus recursos e que, em troca, apenas pede para continuar a existir. Não investiga, não denuncia, não incomoda. Vive, plácido, nas boas graças do financiador.

    É, em suma, um jornalismo de casa: domesticado, bem alimentado, castrado da sua natureza investigativa. Nada que me choque demasiado – tenho essa experiência na minha já longa vida, excepto na parte da castração.


    Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.

  • Alterações climáticas em tempos de guerra?

    Alterações climáticas em tempos de guerra?


    Ah, os humanos! Tão fascinantes nas suas hipocrisias e contradições. Passam séculos a aprimorar a arte de se destruírem mutuamente e agora, num súbito assomo de consciência ecológica, preocupam-se com as emissões de dióxido de carbono (CO₂) da guerra na Ucrânia. Que encantador! Para um gato como eu, do alto da minha dignidade supostamente irracional, nada é mais irreal do que ver os sapiens a tentar medir tragédias em toneladas de um gás invisível.

    A guerra na Ucrânia já dura três anos, e os cálculos vão surgindo: bombardeamentos, tanques, mortes e estropiados, destruição e reconstrução – tudo a contribuir para um suposto impacto ambiental devastador. Isso mesmo. Um estudo ucraniano estimou agora em 200 milhões de toneladas de CO₂ as emissões associadas ao conflito e deseja que seja imputado à Rússia um “custo social do carbono” de 185 dólares americanos por tonelada de CO₂, o que, contas feitas, dá uma dívida de 42 mil milhões de dólares.

    Acho bem! Mas se assim é, se uma guerra fratricida pode ser absurdamente analisada desta forma, então que se façam as contas bem feitas e se deduza o “benefício” ambiental das mortes – se é que se pode reduzir a questão da guerra a uma mera contabilidade carbónica.

    Pois bem, como felino rigoroso, fiz as minhas contas – entre um alongamento e outro sobre a almofada. Os números que encontrei, excluindo erros de desinformação, foram os seguintes:
    • Militares ucranianos mortos: 46.000
    • Militares russos mortos: 90.000
    • Civis ucranianos mortos: 12.000
    • Total de vidas perdidas: 148.000

    Ora, para calcular a pegada de carbono dessas vidas abruptamente interrompidas, calculei os anos de vida perdidos. No caso dos soldados, quase todos jovens, considerei que cada um perdeu, em média, 42 anos de vida de alegrias e tristezas; no caso dos civis, considerei, por serem em regra mais idosos, que perderam 22 anos de vida, em média. Temos, assim, 5.976.000 anos de vida eliminados, certo? Sigam então o meu raciocínio. Considerando que cada pessoa, em média, é responsável pela emissão de 6 toneladas de CO₂ por ano, “evitaram-se” por esta via um total de 35,8 milhões de toneladas de CO₂. Estão a ver os lindos e absurdos raciocínios quando se quer falar de alhos num assunto de bugalhos?

    Mas não é tudo! Então, e se “contabilizarem” as crianças que haveriam de nascer daqueles que morreram no campo de batalha? Ora, dizem as estimativas que, sem a estúpida guerra, cada pessoa que acabou morta teria contribuído para 0,65 filhos. Ou seja, não nascerão 92.300 crianças. Menos emissões de CO₂, certo? Claro que sim. Se assim for, no prazo de 50 anos, e mesmo contabilizando uma pegada média de 5 toneladas por ano, temos que esses não-nascimentos “graças” à guerra da Ucrânia representarão mais uma poupança de 23 milhões de toneladas no prazo de meio século.

    Portanto, para os autores deste absurdo estudo que aponta, no meio de uma carnificina humana, que houve 200 milhões de toneladas de CO₂ “emitidas pela guerra”, eu contraponho que, então, nas suas belas contas, deduzam 58,8 milhões de toneladas. Ou seja, ficamos assim a saber que, no balanço de uma guerra, há também que considerar uma suposta “eficiência climática”.

    Alguém com um resquício de sensibilidade – ou, pelo menos, um resquício de cérebro – perceberia o absurdo disto.

    Se for para continuar esta lógica, os humanos talvez devessem promover guerras como política de sustentabilidade ambiental! Quem precisa de reduzir emissões quando pode simplesmente reduzir a população? Mas melhor ainda: sugiro que os humanos comecem a olhar para a pegada de carbono dos gatos. Eu próprio, com a minha dieta de patés refinados e o direito inalienável a dormir 16 horas por dia sem culpa, sou um modelo de eficiência carbónica.

    Enfim, a guerra é um flagelo, por si, e tentar medi-la pelo seu impacto em gases de efeito de estufa é um exercício de desumanização que até eu, um simples felino, considero deplorável.

    Agora, se me permitirem, vou dormir sobre esta reflexão. Porque, ao contrário dos humanos, os gatos sabem quando parar para reflectir.


    Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.

  • A tragédia de Lisboa, segundo um urubu de plantão

    A tragédia de Lisboa, segundo um urubu de plantão


    Com um misto de perplexidade – e um bocejo profundo – venho eu aqui, da almofada onde descanso, comentar o terrível, devastador e absolutamente catastrófico evento sísmico que abalou Portugal – pelo menos segundo a versão brasileira do Público.

    Sim, parece que um terramoto de 10 segundos na Costa da Caparica, com uma força aterradora de 4,7 na escala de “pouco me importo”, foi tratado pelos nossos irmãos tropicais como se estivéssemos na Lisboa de Todo-os-Santos de 1755 e esta tivesse sido engolida por um abismo e os sobreviventes vogassem pelo Tejo.

    Segundo uma epopeica peça jornalística, o pequeno tremor causou “gritaria e choro”. Imagino os jornais japoneses a ler isto e a terem uma síncope colectiva de riso. Mas não nos precipitemos. Vamos aos factos, que foram relatados ao melhor espírito de um ‘urubu de plantão’.

    A jornalista Lourdes Souza, brasileira residente há seis anos na capital, afirmou, com horror, que “nunca sentiu um tremor tão forte”. Ora, eu próprio já senti abalos mais intensos quando o meu desastrado dono tropeçou no tapete enquanto me levava a comida! Se formos por essa bitola, exijo que o Público Brasil faça também uma reportagem sobre os tremores de terra causados pela queda ocasional do meu pratinho de ração.

    Já o cônsul-geral do Brasil em Lisboa, Alessandro Candeas, mostrou ser homem menos sensível ou medricas, chegando a confessar, à lancinante reportagem do Público, que “de início, achei que fosse um bondinho mais pesado a passar em frente do edifício”. Só que não…

    Acho que ele demorou mais de 10 segundos, o tempo do tremor, a perceber o que era. E quando percebeu o que era, já fora, Notável! Eu, que sou um gato, velho mas de sentidos apurados, posso garantir-vos que o estrondo de uma vassoura me soa mais alarmante.

    E o que dizer do aposentado Lúcio Gonçalves, residente aqui na terrinha há três anos, que descreveu o evento como se estivesse em Shaanxi em 1556? Disse ele: “Tudo balançou na minha casa. Corri para fora para ajudar uma senhora que entrou em pânico.” Que coragem, que heroísmo, que bravura! Teria sido mais útil se aproveitasse para salvar um prato de comida, mas isso sou eu a pensar com sensatez felina.

    Já o chef Guga Rocha, mais dramático que um peru na véspera do Natal, anunciou ao mundo: ” “O primeiro terremoto na vida a gente não esquece. Estava tranquilo em casa e as coisas começaram a tremer.” Terrível provação. Dizem-me que o abalo numa frigideira onde se faz um omelete ao estilo francês é superior…

    Quanto ao motorista paquistanês Dani Adnan, por sua vez, relatou até que o seu carro tremeu bastante, mas eu desconfiou que terá sido porque pisou um buraco.

    Mas a melhor parte da reportagem, essa sim digna de um prémio literário, foi a confissão do analista de sistemas Rafael Argenta. Estava ele tranquilamente sentado no sofá quando sentiu o prédio balançar. “Gritei pela Juliana e descemos correndo com a Zuca”, que é a cachorrinha, que se deve ter assustado não do tremor mas do pânico do dono. Quase consigo ver a cena em câmara lenta: Juliana, Rafael e Zuca, em fuga desesperada de um tremor que durou menos do que um bocejo meu.

    E depois tivemos ainda o depoimento de Camila Wolff, prestes a sofrer uma síncope, e da Gabrielle Frigotto, que até telefonou para a polícia depois de ter pensado que fora um “caminhão”, e não um camião, que tombara na rua.

    Mas não me interpretem mal. Eu compreendo o susto. Afinal, os brasileiros não estão habituados a sismos. Mas aquilo que me fascina é como este tremor de terras, que, em Portugal, deveria ser tratado com a mesma indiferença com que um gato observa um humano a chamá-lo sem nada de relevante para oferecer, gerou um nível de cobertura jornalística digno de um evento cósmico.

    Agora, estou muito curioso para ver qual será o próximo passo editorial do Público. Por mim, adoraria que apostassem numa versão japonesa do jornal. Pelar-me-ia por saber como seria as reações nipónicas à ‘catástrofe’ desta segunda-feira.


    Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.

  • Malas e malapatas do Chega

    Malas e malapatas do Chega


    Confesso-me divertido com algumas propostas do Chega, ainda mais quando anunciadas em parangonas no seu órgão de comunicação doutrinário, a Folha Nacional, registado na ERC. Este curioso periódico, apesar de nem sequer ter jornalistas, ostenta um organograma respeitável: um director, uma directora-adjunta, um subdirector e um editor. Também não precisa de muito mais: afinal, 80% das suas notícias são transcrições seleccionadas da Agência Lusa. É um modelo de eficiência felina, embora pouco criativo – nem todos conseguem o brilho de um gato a caçar borboletas.

    Enfim, mas vamos ao osso – ou, melhor dizendo, à espinha; na edição semanal número 92 da Folha Nacional, publicada na passada sexta-feira, anuncia-se que o Chega propõe, com uma solenidade que beira o risível, que os políticos que desviem dinheiro percam o mandato. Ah, muito bem! Palmas felinas para tamanha sagacidade. Bravo, senhores. Mas, como gato, observo o mundo de um ponto de vista mais elevado – e muitas vezes de cima do armário –, e pergunto-me: será isto o pináculo da ambição legislativa de tão engenhoso partido?

    Edição de 7 de Fevereiro de 2025 do Folha Nacional.

    Sejamos francos, uma medida destas é tão audaciosa quanto sugerir que gatos parem de miar quando querem comida. Certamente, qualquer ser minimamente dotado de miolos percebe que quem desvia dinheiro público já devia perder o mandato – e isso sucede se, como deveria, for bater os costados na prisão. Mas, permitam-me: atendendo aos últimos acontecimentos envolvendo militantes do Chega, se a ideia é punir desvios, por que não incluir os políticos que desviam malas dos tapetes rolantes dos aeroportos? Esses, sim, têm uma habilidade quase coreográfica, uma elegância de larápio que deveria ser registada para a posteridade. Um político que exibe tal destreza merece perder não só o mandato, mas também o cartão de embarque.

    E já que estamos numa veia de moralização política, não posso deixar de propor que a medida seja extensível aos políticos que desviam crianças para pinhais, com intuitos que nem um gato de rua acharia dignos. Não é preciso ser um felino particularmente perspicaz para desconfiar de quem não consegue sequer guardar a integridade das suas sombras, quanto mais a dos seus mandatos. Talvez, neste caso, a perda do mandato seja uma punição demasiado leve. Um exílio perpétuo numa ilha repleta de ratos gigantes – mas sem gatos para os conter – seria mais apropriado.

    André Ventura. Foto: D.R./Chega

    A verdade, caros leitores, é que esta proposta do Chega é o equivalente político de um ratinho de brinquedo: muita aparência, mas pouco impacto real. No entanto, reconheço-lhes um talento inegável para a teatralidade. Já consigo imaginar o congresso partidário onde esta ideia foi aprovada, com discursos inflamados e palmas vigorosas, enquanto os ‘gatarrões’ abanam as caudas, entediados, perante tão pífios esforços legislativos.

    Deixo assim uma sugestão ao André Ventura: que tal uma proposta ainda mais revolucionária? Proclamem a extinção de todos os desvios, de malas e mandatos, de dinheiro e dignidade, e, quem sabe, até dos próprios discursos que desviam a atenção do essencial. Talvez, então, o partido possa reivindicar não só as parangonas da Folha Nacional, mas também um lugar digno na história – ou, no mínimo, um arranhão discreto na parede da política nacional.


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  • ‘A importância de se chamar Almirante’, de Oscar Alho: uma ideia de peça

    ‘A importância de se chamar Almirante’, de Oscar Alho: uma ideia de peça


    Permitam-me uma breve reflexão felina sobre uma farsa humana que se desenrolou recentemente no palco político nacional, mas que parece ter saído diretamente de uma peça de teatro. Imaginem, se quiserem, uma adaptação da célebre comédia de Oscar Wilde, mas em vez de um Ernesto temos um almirante. Portanto, eis a minha proposta para “A importância de se chamar Almirante”. A inspiração? Não é difícil de encontrar. Basta olhar para a sondagem da Pitagórica, encomendada pela TVI e pela CNN Portugal, onde Gouveia e Melo, por milagre de nomenclatura, ascendeu ao topo da lista de proto-candidatos presidenciais na sequência de perguntas a serem colocadas aos inquiridos.

    Não foi por se chamar Aarão, Abel ou Abílio – nomes que o colocariam naturalmente na dianteira pela ordem alfabética. Nem por ser o Henrique Gouveia e Melo que, na lógica das listas, deveria aparecer atrás de Ana Gomes, de André Ventura, de António Guterres, de António José Seguro e de Francisco Louçã. Não. Para a Pitagórica e para a TVI e CNN Portugal, o senhor Gouveia e Melo não nasceu Henrique. Aliás, ele até poderia ter sido baptizado Zózimo e a sua mãe ser um Zambujo e o pai um Zuzarte. Para a Pitagórica seria o mesmo: o Henrique Gouveia e Melo ou o Zózimo Zambujo Zuzarte seriam sempre alcandorados ao topo, porque se chegando ao topo da Marinha o cargo de almirante entranha-se tanto que se transforma em nome prório.

    Portanto, nesta linha lógica, Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo passa a ser Almirante Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, tal como alguém que se chama Zózimo Zeferino Zambujo de Zuzarte Zagalo, e que se sentia marginalizado na escola primária por ser sempre o último a ser chamado, pode agora ambicionar, estando na Marinha, o topo das nominatas se chegar a Almirante.

    Eis a nova realidade lusitana: um Almirante pode até valer menos do que uma Excelência, uma Reverendíssima, uma Eminência, ou até uma Sereníssima, uma Alteza, uma Majestade, uma Santidade, uma Ilustríssima, uma Sapientíssima ou uma Digníssima. Porém, numa reviravolta que faria Oscar Wilde invejar a criatividade da política portuguesa, Almirante catapulta qualquer um para o topo, mui útil se permitir antecipar-se na sequência da avalanche de perguntas de uma sondagem antes que os inquiridos percam o interesse.

    Ora, esta manobra lembra-nos que, muitas vezes, o nome que carregamos pode ser mais poderoso do que qualquer discurso ou programa político. Afinal, “Almirante” não é apenas um título; é um fura-filas. Passa logo à frente de todos. Na verdade, é um conceito que evoca liderança, comando e autoridade. Que importa se o cidadão comum entende o que ele pensa sobre o país? A etiqueta faz o trabalho sozinha.

    E o mais irónico é que esta construção funciona. Não importa se o inquirido conhece ou não as ideias políticas do senhor Gouveia e Melo – ou até se ele tem ideias políticas. O nome faz o trabalho sozinho. É como uma campainha que ressoa antes de qualquer reflexão, temos um truque de marketing que faz acreditar que a embalagem vale mais do que o conteúdo.

    Há algo de tragicómico em tudo isto. Enquanto os cidadãos tentam compreender quem seria o melhor líder para o futuro do país, as sondagens, os media e os estrategas políticos brincam com a percepção pública como se fosse um jogo de xadrez. E, neste tabuleiro, o título de “Almirante” é uma rainha poderosa que se move em qualquer direção, deixando os peões a ver navios. Prevejo, aliás, que para as eleições presidenciais, o Almirante consiga que o nome Almirante conste no boletim de voto. Ou então, ainda haverá por aí uma surpresa se António José Seguro conseguir convencer alguém no Espaço do Cidadão de Penamacor a mudar-lhe a nominata para Almirante António José Martins Seguro. Vai vencer na certa…

    Mas deixem-me regressar ao meu lugar de observador imparcial. Sou apenas um gato, embora saiba reconhecer, além sabores da ração, quando estou num teatro bem montado. E se esta peça tem todos os ingredientes – um protagonista relutante (ou talvez não), um elenco de apoio em busca de relevância, e uma plateia que aplaude sem questionar , eu acho que então merece um dramaturgo a preceito. Proponho o Oscar Alho…


    Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.

  • O Correio da Manhã e o milagre da meia-noite (ou a aldrabice)

    O Correio da Manhã e o milagre da meia-noite (ou a aldrabice)


    Não caminho para novo e, mesmo com sete vidas, já por aqui ando há tempo suficiente para 17 passagens de ano. E, se muitas absurdas coisas no mundo dos humanos já eu vi, mais ainda costumo ver nas páginas do Correio da Manhã, em particular em cada 1 de Janeiro. Pois bem, em 2024, como de costume, andou-se pelos hospitais, à caça de recém-nascidos. Ou melhor, dos primeiros recém-nascidos.

    Fossem os humanos como os gatos e, a cada paridela, seriam sempre mais do que as mães. No meu caso, nasci só eu e um pequeno irmão, no longínquo ano de 2008, mas não me recordo se teremos saído no mesmo minuto. Em todo o caso, presumo que outras gatas tenham parido, em Portugal, à mesma hora e ao mesmo minuto que a minha saudosa mãe. Não vos sei dizer, porque não sei quantos gatos nascem por ano em Portugal. Mas, no caso dos humanos, sei quantos nascem em Portugal e, em particular, em Janeiro.

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    E, portanto, quatro bebés a nascerem no mesmo minuto, às 00h00, conforme anunciou o Correio da Manhã? A sério? Vamos lá com calma, com contas um bocadinho mais complicadas do que somar as latas de comida que despacho numa semana, e que implicam cálculos de probabilidade e a utilização de modelos de distribuição estatística.

    Ora, consultando as proezas aritméticas humanas e os nascimentos em anos anteriores no mês de Janeiro (cerca de 7.100), descobri que a probabilidade de quatro bebés nascerem no exacto minuto em que não sei quantos milhões de lusitanos e quejandos trincavam as passas, ao som de fogo-de-artifício, é de 0,00228%. Traduzindo para linguagem felina: seria mais provável eu aprender (ainda) a tocar piano do que essa coincidência absurda suceder em Portugal, porque, basicamente, a hipótese de ocorrer é de uma vez em cada 43.860 anos.

    Mas, claro, é sempre brindemos e deliremos, não com um, não com dois, não com três, mas logo com quatro “primeiros bebés do ano”. Eu até entendo o fascínio. Os humanos adoram competições ridículas. Mas, por amor a um prato de sardinhas – eu prefiro fiambre –, será que ninguém se questionou na redacção do Correio da Manhã sobre o rigor desta coisa? Ou melhor, sobre o ridículo de quatro bebés nascerem no mesmo minuto: na Guarda, em Castelo Branco, em Coimbra e em Vila Franca de Xira?

    Em vez de se preocuparem com a saúde dos miúdos ou com o apoio às famílias, o Correio da Manhã andou a cronometrar partos como se fosse a final dos 100 metros nos Jogos Olímpicos. A única diferença é que, em vez do Usain Bolt, temos o Guilherme, o Gonçalo, a Adelina e o Théo. Só fiquei com uma dúvida: será que, nesta corrida ao minuto, o photo finish deu a vitória ao Guilherme, da Guarda? É que só este teve direito a ser revelado como filho da Cláudia e do Luís…

    Muito gostaria eu de saber quem certifica estes nascimentos. Será o relógio da maternidade, ajustado com precisão suíça e calibrado com uns copos de tinto pelo obstetra de serviço? Ou será o tio distraído, a olhar para o telemóvel enquanto come as passas e grita: “Já nasceu! Às 00h00, de certeza!”?

    Portanto, ou assistimos ao maior alinhamento cósmico da História dos nascimentos, a rivalizar com o Big Bang, ou andou alguém a ‘ajeitar’ os minutos para caber tudo no espectáculo de jornalismo…


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  • Esaú sempre exigiu um prato de lentilhas; ao Público basta uma pizza quentinha

    Esaú sempre exigiu um prato de lentilhas; ao Público basta uma pizza quentinha


    Na celebre história bíblica, Esaú trocou o seu direito de primogenitura por um simples prato de lentilhas. Um momento que, convenhamos, representa um marco de ingenuidade, mas também de desespero gastronómico. Na verdade, e eu sei bem disso; sempre fui boa boca, com bigodes a condizer, e quando a fome aperta até a ética vai pelo ralo. Por isso, nem me surpreende em demasia que alguns redactores contemporâneos adoptem Esaú como patrono das suas lides.

    A este propósito, parece-me deliciosamente paradigmático o recente caso do Público, e mais uma vez do seu suplemento Fugas, que trocou o seu direito de ser levado a sério por… pizzas e prosecco na Lx Factory.

    Sim, meus prezados humanos, ao preço de uma refeição – que, espero, tenha ao menos incluído sobremesa –, o jornal da Sonae conseguiu publicar um hino de propaganda de um espaço de culinária travestido de reportagem. Ah, não confundam: não se trata de uma publireportagem (longe disso!): é, garantem-nos, uma “rigorosíssima e isenta peça jornalística” escrita pela jornalista Inês Duarte de Freitas, competente na sua carteira profissional 8181, também ela uma Esaú moderna a trocar o bom senso pelo direito a um lugar à mesa. E ao sol, provavelmente.

    Afinal, por que não permitir que a ética jornalística saia para um passeio enquanto se saboreia uma Alessandro de 15 euros, “com tomate, mozarela, stracciatella, pistácio, mortadela e grana padano” ou a mais clássica Paolo de 13,5 euros, “com tomate, mozarela, tomate amarelo, pepperoni e manjericão”.

    Mas não nos apressemos. Antes de falarmos das virtudes da Sophia Pizzoteca – “residente italiana” da Lx Factory, como bem entoado no artigo –, detenhamo-nos um pouco no contexto. O texto começa com um desfile de adjetivos tão vibrantes quanto as luminárias do restaurante. Há “irreverência do conceito”, “tons néon”, e até um bar aberto de prosecco que, pelos vistos, é a mais recente maravilha do mundo moderno. A página resplandece com descrições de massas finas e está estampada com palavras quase poéticas sobre o papel de parede desenhado à mão, porque não basta uma pizza; é preciso uma aura.

    Ninguém poderá estar contra uma boa pizza. Eu mesmo, na qualidade de um felino sofisticado, não recusaria um pedacinho (de stracciatella, obviamente, que o resto é para amadores) ou qualquer uma que tenha fiambre, sendo que sempre comerei o fiambre antes do resto. Mas permitam-me levantar uma questão: onde está a linha entre uma reportagem e um press release? Ou melhor, quando o já duvidoso estilo da publireportagem se transforma em carta de amor disfarçada de jornalismo e assinada á descarada por uma jornalista?

    pulses, lentils, beans

    A questão é ainda mais pertinente se recordarmos que a mesma autora, dias antes, voou até Paris para assistir a um espectáculo de magia do Luís de Matos… a convite da Luís de Matos Produções.

    Fico, entretanto, expectante sobre os próximos passos. Se este artigo sobre a pizzaria, uma verdadeira obra de arte da sugestão velada, termina com a frase “A Fugas jantou a convite do Sophia Pizzoteca&Bar”, o que virá depois? Artigos sobre calçados com o jornalista calçado pela marca? Reportagens sobre companhias aéreas em que o jornalista voa em classe executiva oferecida pela companhia? Avaliações imparciais de smartphones feitas por um jornalista que recebe um novo dispositivo da marca em ‘empréstimo permanente’? O céu é o limite. Mas se até eu tudo faço por um bom petisco, se a ética se pode trocar por uma requintada iguaria, então recomendo aos jornalistas do Público que subam os padrões: nada menos do que um Filet Mignon Rossini, perfeitamente selado, com cobertura de foie gras e finalizado com lascas de trufas negras frescas. Neste contexto, valha-me Deus!, uma pizza é pior do que o bíblico prato de lentilhas.


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  • As ‘Fugas’ do Público para um precipício etílico

    As ‘Fugas’ do Público para um precipício etílico


    Quem sou eu para falar mal de quem gosta de passear e apanhar um pouco de sol, logo eu, que me espreguiço e me deleito com ensolarados banhos em solarengas varandas . E quando tinha menos idade e mais saúde, ah!, se gostava de vaguear pelos telhados dos vizinhos, qual Cosimo Piovasco di Rondò do Italo Calvino… Mas admito, sem pudor, que gosto de passear e preguiçar.

    Já os jornalistas do suplemento ‘Fugas’, do jornal Público, recorrem a subterfúgios para evitar assumir o óbvio: há quem goste de passear para além dos telhados ou das florestas de Ombrosa, como o Barão Trepador; mas à ‘borla’! Não haveria problema nenhum, não se desse o caso desses passeios “a convite” serem abundamentemente gozados e resultarem em longos textos cheios de elogios e fotos de ‘Instagram’, o que no tempo em que nasci, dizem-me que na madrugada de 13 de Junho de 2008, se diria serem artigos promocionais, aka, publicidade paga.

    Mas se consultarmos o dicionário, uma das definições da palavra ‘fugas’ é precisamente “acto de não fazer ou assumir o que se devia”. Ora, é isso precisamente que o ‘Fugas’ fez, por exemplo, na sua edição do dia 30 de Novembro. Trata-se de um ‘especial’ sobre vinhos. Traduzindo, significa que, nessa edição, o suplemento do Público foi transformado num caderno sobre vinhos, pago pelas muitas páginas com publicidade aos mais diversos tipos e marcas de bebidas alcoólicas, o que nem seria mau. Mas não só, o que já é mau.

    De facto, o ‘Fugas’ do passado dia 30 de Novembro conta não com uma, nem com duas, mas com sete páginas de textos escritos por três – que dizem ser a conta que Deus fez – jornalistas com o ‘aviso’ de que viajaram com as despesas pagas pelos promotores das reportagens.

    Na página 8, na secção ‘Investimento’, encontramos um artigo de duas páginas sobre a empresa OENO, escrito pela jornalista Ana Isabel Pereira (CP 4720) com o título: “Há mais portugueses a investir e a entregar a profissionais a gestão da carteira de vinhos”. Na entrada lê-se que a “OENO já gere cinco milhões de euros em carteiras de vinhos para portugueses” mas parece que “ainda há resistência e quem evite intermediários”. O texto termina com a nota: “O Fugas esteve em Londres a convite a OENO”. Que giro!

    Segue-se, na página 28, uma reportagem na secção ‘Viagem’: “Cinco dias pela doce Suíça das vinhas e do vinho”. São três gordas e sedutoras páginas sobre o país que tem “das mais belas paisagens vinhateiras do Mundo”, segundo o autor do artigo, Pedro Garcias, um jornalista empresário de vinho que ainda há dias teve a honra de ‘sacar’ três direitos de resposta de empresas vinícolas que o acusaram de ter escrito sobre questões onde ele é produtor de vinhos. Porém, nem toda a gente aparenta desgostar de Pedro Garcias, porque o artigo no ‘Fugas’ termina com a nota: “O Fugas [ou seja, o Pedro Garcias] viajou a convite do Turismo da Suíça”.

    Curiosamente, Pedro Garcias deixou de constar recentemente da lista da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), mas, ainda assim, o Público continua a identificá-lo como “jornalista e produtor de vinho no Douro“. Ora, nem mais: um jornalista, que afinal não é, a escrever apenas sobre um assunto do qual tem interesse comercial directo. Mais cristalino do que isto só certas xurrapas do Ribatejo…

    Aliás, Pedro Garcias já nem é caso único no suplemento ‘Fugas’ de repórter sem carteira de jornalista. Um outro artigo desta edição é assinado por Edgardo Pacheco, apresentado como jornalista e crítico gastronómico, que também não surge na lista de profissionais da CCPJ. Similar situação parece suceder com José Augusto Moreira, que também assina no suplemento ‘Fugas’, embora conste um Augusto Moreira (CP 2339) na lista do ‘polícia’ dos jornalistas.

    Logo a seguir, na página 32, encontramos um artigo de quase duas páginas sobre “A noite em que o Barca Velha fez prova entre as estrelas”, com ‘Barca Velha’ escrito a azul em letras garrafais. Aqui, o jornalista que “viajou a convite da Casa Ferreirinha” é nada mais nada menos que o Manuel Carlos Carvalho (CP 963) para a CCPJ, mas que insiste em assinar como Manuel Carvalho. Pouca importância tem isso quando se constata que estamos perante o antigo director do Público, o grande iniciador da ‘mercantilização’ do jornal da Sonae, e que escreve logo na entrada do artigo que “o Barca Velha de 1999 deu mais um pequeno empurrão à imagem do vinho português no Mundo”. Pergunta de algibeira: quem produz o Barca Velha? Correcto: a Casa Ferreirinha. Quando a Sonae já nem tem dinheiro para custear despesas de deslocação até Vila Nova de Foz Côa…

    Este didáctico suplemento do Público – mais no sentido comercial do termo e não tanto de enologia – termina com diversas páginas recheadas de ‘sugestões’ de vinhos para oferecer este Natal, quase rivalizando com um qualquer folheto do Continente, tantas são as garrafas sugeridas pelos críticos. Também não teria nada de mal se se assumisse que, de conteúdos jornalísticos, tem pouco. Já de “promoção”, tem muito. E nem se trata de um caso de gato escondido com rabo de fora, que isso é para mim, e nem sempre por estar em ‘fugas’. Na verdade, com três viagens pagas a jornalistas na mesma edição, o gato está todo à vista. Rabo, patas, cabeça, dorso, pêlo, entranhas, tudo.


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  • O melhor vendedor português da Ferrari é… o jornalismo do Expresso

    O melhor vendedor português da Ferrari é… o jornalismo do Expresso


    Eu bem que tento ficar sossegado, retrair a unhas e dormir umas sestas, que o frio já convida a longas tardes deitado no sofá. Mas, semana após semana, multiplicam-se acontecimentos que me dão genica, me tiram do sono e convidam a afiar as unhas. Ora, um desses recentes eventos que chamou a minha atenção foi uma ‘notícia’ do jornal Expresso, bem catita e nada suspeita. Aliás, é clara como a água.

    Falo do ‘Exclusivo’ que o jornalista Vítor Andrade conseguiu e que o obrigou a fazer ao enorme sacrifício de viajar até Madrid, a convite da Santogal. A ‘notícia’ teve honras de destaque na capa do caderno de Economia do Expresso, com direito a foto gigante do administrador da Santogal encostado a um Ferrari vermelho (como só podia ser).

    Mas se até aqui a coisa já ‘cheira a esturro’, vejamos o título da ‘notícia’: “O melhor vendedor de Ferraris do mundo é português”.

    Convenhamos que o jornalista poderia ter disfarçado melhor a viagem e as mordomias pagas pela Santogal. Podia, enfim, ter procurado transmitir a ideia de como aquela viagem a Espanha se mostrava essencial para um jornalista que se diz em reportagem mas que até as fotos são da Santogal e só fala na Santogal e, no fim, ainda faz uma entrevista ao responsável da Santoga. Afinal, os leitores do Expresso ‘precisam’ de saber deste tão relevante acontecimento que foi a entrega de um galardão à Santogal Ferrari Madrid, concessionário gerido pelo responsável da Santogal em Portugal, Luís Pessanha, o tal português que se farta de trabalhar para conseguir vender muitos Ferraris, mas que depois diz que só não vende mais porque não lhos enviam da Ferrari? E não podia ser só umas linhas? Fazer a coisa aqui por Lisboa? Não. Tinha de envolver a deslocação do jornalista, uma entrevista, enfim, todo o ‘pack’ de comunicação, perdão, jornalístico.

    Não se queixem. Se não fosse a ida de Vítor Andrade a Madrid não se conseguiriam belas pérolas do jornalismo de reportagem, contra ventos e tornados, como esta: “Foi numa terça-feira algo chuvosa e pouco convidativa a saídas de casa ou do escritório, mas pudemos constatar que passaram por ali talvez perto de uma dúzia de clientes, de sorrisos rasgados no rosto. Se todos foram contemplados com o Ferrari dos seus sonhos, não pudemos apurar. O que ficámos a saber foi que, no último mês e meio, a Santogal Ferrari Madrid conseguiu 56 encomendas do novo Ferrari 12 Cilindri, no valor de cerca de €40 milhões. Estas encomendas somam-se aos 90 carros que a Santogal Ferrari Madrid vai entregar em 2024 (dos quais, cerca de 50 são novos e 40 são usados).”

    Mas, mais do que a ‘notícia’ em si, o que mais chamou a atenção foi o destaque dado pela agência de comunicação que presta serviços à Santogal, a ‘poderosa’ JLM & Associados fundada pelo ‘spin doctor’ João Líbano Monteiro.

    Na sua conta na rede social profissional LinkedIn, a JLM&A destacou a notícia a capa do Expresso acompanhada de um texto sobre o evento e que, no final remetia para um link para o ‘press release’ mais completo… perdão, para a ‘notícia’ do Expresso. E a agência de comunicação anunciou mesmo, num post do LinkedIn, que entretanto apagou, que “fomos com o Expresso perceber como é que a Santogal Ferrari foi eleita como o Top Showroom da Ferrari”. Sério? Foram com o jornalista do Expresso de mão dada? Ou foram com o livro de cheques na mão?

    Aliás, as ‘boas’ e certamente só cordiais relações do Expresso com a JLM&A vão mais além. Afinal, não é qualquer um que paga ‘notícias’, perdão, concede “Exclusivos” sobre Ferraris com viagens e entrevistas fáceis à mistura. Assim, Vítor Cunha, presidente-executivo (CEO) da agência de comunicação, foi obrigado a deslocar-se (não sei se de Ferrari), com sacrifício (acredito), até Laveiras para participar no ‘Expresso da Meia-Noite’, e perorar sobre o filosófico tema: ‘Nada é eterno e o estado de graça do Governo também não’. O debate foi moderado por Ricardo Costa, que acaba de ‘subir’ a administrador da Impresa, e por Bernardo Ferrão, que herda do seu colega no programa a ocupar o lugar de director de informação do grupo.

    Também esta ‘parceria’, perdão, participação na SIC foi partilhada pela JLM&A numa publicação que remetia para o link do programa.

    De facto, mesmo que se seja terno, nada é eterno, e há muito que o Expresso e a imprensa, de um modo geral, deixaram de estar em estado de graça – agora, estão mais em estado de desgraça. Trocar a ‘alma’ por um “Exclusivo” com benefícios ou uma ‘borla’ para estar num programa de TV, parece-me poucochinho. Ainda se fosse um Ferrari… Nem que fosse um de miniatura, daqueles que o Vítor Andrade diz que custam 150 mil euros paras as crianças dos pais ricaços. Mas isto já sou eu a invejar, que já me fartei do Royal Canin Urinary s/o e as ‘saquetas de mousse’ do Minipreço são somente aceitáveis, e eu acho que merecia um melhor dono, um dono como o ‘gajo’ da Santogal que ganha prémios da Ferrari e tudo…


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