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  • Nininho Vaz Maia recebe 1,5 milhões em contratos públicos desde 2023

    Nininho Vaz Maia recebe 1,5 milhões em contratos públicos desde 2023

    A crescente popularidade do cantor Nininho Vaz Maia, que foi esta semana constituído arguido no âmbito de uma operação de combate ao tráfico de droga, tem causado uma ‘corrida’ das autarquias à sua contratação. Apenas desde Janeiro de 2023, em 41 contratos públicos, já facturou perto de 1,5 milhões de euros. Este ano, em pouco mais de quatro meses, a fasquia aproxima-se do meio milhão de euros..

    O contrato mais recente, adjudicado como habitualmente por ajuste directo, foi celebrado com o município de Anadia, no distrito de Aveiro, na passada terça-feira, no mesmo dia em que o popular cantor foi alvo de buscas e acabou constituído arguido no âmbito de uma operação da Polícia Judiciária denominada SKYS4ALL.

    Nininho Vaz Maia / Foto:D.R.

    Num comunicado citado pela imprensa, o artista alegou estar inocente: “importa deixar absolutamente claro que o Nininho está inocente e que confiamos plenamente na Justiça. Estamos certos de que tudo será esclarecido com brevidade […]”.

    Para já, a acusação criminal não parece ter arrefecido a requisição do cantor, já que se mantém no cartaz para encerrar hoje o festival da Queima das Fitas do Porto 2025, organizado pela Federação Académica do Porto.

    Resta saber se o cantor vai continuar a ser tão solicitado por autarquias como tem sido nos últimos dois anos. Segundo um levantamento feito pelo PÁGINA UM, constam na plataforma de contratos públicos, o Portal Base, um total de 41 contratos feitos por entidades públicas para a contratação de Nininho Vaz Maia. O primeiro foi assinado em Janeiro de 2023, com o município de Vila Nova de Foz Côa, no valor de 26 mil euros. e o mais recente na passada terça-feira com o município de Anadia.

    Neste recente contrato com autarquia da Bairrada, o cantor receberá 40.590 euros por um concerto de 90 minutos na ‘Feira da Vinha e do Vinho’, agendado para o dia 18 de Junho. O contrato foi efectuado com a Gigs on Mars, detida em partes iguais por Pedro Pontes, agente do cantor, e pela empresa Lemon Ibéria, controlada por António Vilas Boas, fundador dos Pólo Norte.

    De entre os 41 contratos encontrados desde 2023 – antes desse ano, não existem outros -, 40 foram feitos através de ajuste directo e apenas um pelo procedimento de contratação excluída, o que, na prática significa o mesmo: o cantor foi ‘escolhido a dedo’.

    Nininho Vaz Maia afirmou estar inocente, num comunicado enviado à imprensa. / Foto: D.R.

    Ao todo, foram 36 autarquias e quatro entidades municipais que contrataram o popular cantor nascido numa família cigana, que se tornou numa das coqueluches do panorama musical nacional.

    O montante dos contratos oscila entre os 22.140 euros e os 217.132 euros, sendo que neste último caso se tratou de um espectáculo que abrangeu ainda performances de Profjam e a Festa M80 num contrato com a autarquia de Vila do Conde.

    Em média, excluindo o montante mais elevado dos contratos, o valor pago por autarquias para contratar o cantor rondou os 33.320 euros, com IVA incluído, sendo evidente que os cachets têm aumentado. Nos contratos estabelecidos este ano (Abrantes, Góis, Olhão, Estremoz, Vila Real, Alter do Chão, Marinha Grande e Azambuja), que atingem os 4.711 euros, o valor médio é já de cerca de 47 mil euros por concerto.

    A maioria dos contratos foi adjudicada a Nininho Vaz Maio através da empresa Gigs on Mars, Lda, mas também há contratos através de outras entidades, sobretudo quando outros artistas estão envolvidos, designadamente com as empresas Music Mov, Miguel Castro Oliveira Unipessoal, Lda – IAM Event Production & Brand Consultancy e José Manuel Rodrigues Caetano, Unipessoal, Lda.

    Se, para já, não há sinais de estar a abrandar a procura de serviços do artista, as críticas já fazem ouvir sobre a sua contratação e presença em espectáculos, designadamente no encerramento da Queima das Fitas do Porto, apesar de o cantor não ter sido ainda condenado na Justiça.

    Saliente-se, aliás, que como fenómeno musical, Nininho Vaz Maia tem feito também um percurso fora do circuito dos contratos públicos, sendo exemplo disso a Queima das Fitas (esteve no ano passado em Coimbra) e sobretudo espectáculos comerciais, com entradas pagas. Por exemplo, há menos de dois meses esgotou duas noites no Meo Arena, em Lisboa.

    De resto, o facto de o cantor ter nascido numa família pertencente a uma minoria pode mesmo pesar a seu favor e mitigar o facto de ser arguido num processo de tráfico de droga, podendo evitar que Nininho Vaz Maia perca o seu ‘allure‘ numa época em que a etnia ou a origem e nacionalidade são factores usados politicamente, tanto por partidos da esquerda, como da direita.

    De facto, Nininho tornou-se num dos símbolos de homenagem à cultura cigana e de defesa das minorias, perante o crescimento de discursos hostis à sua comunidade e também a imigrantes, numa altura em que em Portugal se assiste a um cada vez maior aprofundamento da desigualdade económica e social.

    Foto: D.R.

    Em ano de eleições legislativas e autárquicas, mesmo estando acusado, Nininho Vaz Maia pode encontrar alguma ‘imunidade’ e continuar a ser requisitado por autarquias, graças à sua origem familiar, e mediante o aproveitamento ideológico das minorias — de forma positiva ou negativa — pelos partidos tanto de esquerda como de direita.

    Assim, apesar de estar acusado, talvez o popular artista consiga continuar a facturar com contratos com entidades públicas, lucrando com a crescente polarização política em torno das minorias.

  • Depois de nove dias sem precisar de Espanha, rede eléctrica portuguesa volta a ‘pôr-se a jeito’

    Depois de nove dias sem precisar de Espanha, rede eléctrica portuguesa volta a ‘pôr-se a jeito’

    Ainda não existem explicações definitivas nem garantias de que não ocorrerá novo apagão no sistema eléctrico português, causado por uma dependência artificial de electricidade importada de Espanha. Mas hoje regressou o business as usual. Ao décimo dia do colapso da rede eléctrica nacional, registado pelas 12h30 do dia 28 de Abril, Portugal começou a importar electricidade de Espanha, como se nada tivesse ocorrido.

    De acordo com os dados consultados pelo PÁGINA UM numa plataforma da Red Eléctrica de España, até às 19 horas de hoje (hora espanhola), o sistema eléctrico português já importara do país vizinho um total de 12.845 MWh, tendo o saldo importador passado a ser favorável a Espanha desde as 8h20. À hora da publicação desta notícia, Espanha estava a exportar para Portugal cerca de 800 MW.

    Mas esta “normalização” — que esteve na origem de cerca de dez horas de apagão — levanta uma questão cada vez mais difícil de ignorar: se o sistema eléctrico nacional conseguiu manter-se durante nove dias completamente independente de importações de Espanha, entre 29 de Abril e 7 de Maio, qual foi afinal a necessidade de estar a importar 8.000 MW de potência instantânea no momento do apagão do dia 28 de Abril? Além disso, não se pode sequer afirmar que Portugal estivesse à míngua de electricidade. Também segundo dados da Red Eléctrica de España, durante os últimos nove dias, Portugal ajudou o sistema eléctrico espanhol a estabilizar, através da exportação regular de electricidade.

    Segundo cálculos do PÁGINA UM, entre 29 de Abril e 7 de Maio, o sistema eléctrico português exportou 85.966 MWh para Espanha, com um pico no passado dia 3 de Maio de 24.512 MWh — um valor que corresponde a cerca de 16% do consumo médio diário de electricidade em Portugal, demonstrando existir folga suficiente não só para garantir o abastecimento nacional como também para apoiar o país vizinho.

    Mas a 28 de Abril, pouco antes do colapso, Portugal importava cerca de um terço da electricidade que, nesse momento, estava a ser consumida, através das interligações com Espanha. Tecnicamente, isso não constituiria problema se existissem garantias de redundância e de reserva imediata. Porém, como se verificou nesse dia, uma quebra súbita na produção espanhola impossibilitou compensar a falha portuguesa, que, por sua vez, não tinha unidades em prontidão para iniciar rapidamente a produção. Esta dependência mútua, sem planos de resposta em tempo real, resultou numa queda sincronizada: Portugal desligou-se integralmente da rede ibérica, num fenómeno designado por grande perda de sincronismo.

    a lit candle in the dark with a black background

    A restauração de um sistema eléctrico após um colapso total exige um processo designado por black start, que consiste no arranque progressivo da rede a partir de unidades capazes de operar sem depender da energia da rede. Estas unidades, normalmente hidroeléctricas ou térmicas específicas, devem estar preparadas para reactivar segmentos da rede em sequência, garantindo a estabilidade da frequência e da tensão a cada passo. Em Portugal, como noutros países europeus, este processo é tecnicamente exigente e moroso — agravado, neste caso, por perturbações no acoplamento com Espanha, que dificultaram a sincronização das redes.

    Nos dias seguintes ao apagão, a REN informou que as trocas comerciais com Espanha estavam suspensas, sendo apenas admitidas em situações técnicas excepcionais. Contudo, os dados mostram que Portugal continuou a exportar para Espanha durante quase todo o período entre 29 de Abril e 7 de Maio. E o fornecimento não foi pequeno: num total de 85.965,5 MWh exportados neste período de nove dias, os valores diários oscilaram entre 999,3 MWh, logo a 29 de Abril, e 1.447 MWh no dia seguinte. Nos primeiros três dias de Maio, as exportações totalizaram 59.756 MWh, descendo para 23.764 MWh entre os dias 4 e 7 de Maio. Já hoje, Portugal teve apenas um pequeno período de exportação durante a madrugada, num total de 559 MWh. No mesmo intervalo entre 29 de Abril e 7 de Maio, Portugal apenas importou 1.729 MWh — um valor residual, justificado apenas por necessidades técnicas.

    Uma das razões para a “ajuda” de Portugal à rede espanhola nos últimos nove dias parece residir na morosidade do reatamento das centrais nucleares espanholas após o apagão. Só hoje, 8 de Maio, os diagramas de carga — os chamados diagramas técnicos de balanço diário — revelam que a produção nas cinco centrais nucleares espanholas está finalmente ao nível do período pré-apagão. E com essa estabilização, o sentido do comércio inverteu-se.

    Exportações para Espanha e importações a partir de Espanha do sector eléctrico português entre os dias 29 de Abril e 8 de Maio (até 19 horas de Espanha). Fonte: Red Eléctrica de España.

    Este regresso à ‘normalidade’, com electricidade a fluir com base em critérios estritamente comerciais, expõe um problema que permanece sem resposta pública: por que razão Portugal, com potência instalada mais do que suficiente para garantir os seus consumos internos, se coloca frequentemente numa posição de dependência, em tempo real, da produção espanhola?

    Se foi possível manter, durante nove dias, o abastecimento com recursos próprios — e ainda ajudar de forma significativa um vizinho em dificuldades —, talvez seja chegada a hora de rever as premissas operacionais do sistema eléctrico ibérico. Excepto se o objectivo futuro for continuar a andar sobre o fio da navalha… com ‘kits apagão’ em casa.

  • EDP terá perdido 1,5 milhões de euros com ‘apagão’

    EDP terá perdido 1,5 milhões de euros com ‘apagão’

    O ‘apagão’ eléctrico que afectou a Península Ibérica no passado dia 28 de Abril deixou também um ‘vazio’ de pelo menos 1,5 milhões de euros nas receitas da EDP devido a consumos de energia que não ocorreram. A estes prejuízos há ainda que juntar os custos que a empresa teve de suportar com a reposição do serviço na rede.

    De acordo com cálculos feitos pelo PÁGINA UM, com base nos indicadores económicos do último relatório e contas da EDP, só na perda de receita devido à ausência de consumos de energia durante as quase nove horas que durou o ‘blackout‘ a empresa não viu entrar nos seus cofres cerca de 1,4 milhões de euros de lucro bruto que poderia ter recebido se não tivesse existido o ‘apagão’.

    Sede da EDP, em Lisboa / Foto:D.R.

    Esta estimativa é conservadora, já que o período em que ocorreu o ‘blackout‘, entre as 11h33 (hora de Lisboa) e as cerca da 20h00, coincidiu com as horas em que o consumo de electricidade, por força da actividade de empresas, comércio e indústria. Por outro lado, a EDP não terá tido alguns dos custos inerentes ao fornecimento de energia, embora, por outro lado, terá mantido, em princípios, as receitas interentes à disponibilização de potência aos seus clientes.

    Segundo o relatório e contas da EDP de 2024, a empresa recebeu 1.136 milhões de euros de lucro bruto com o negócio de venda de electricidade em Portugal, com o valor a corresponder às receitas obtidas descontado o montante dos custos com a operação. Nos seus negócios em Espanha, o lucro bruto da EDP em Espanha no sector eléctrico foi de 449 milhões de euros.

    Além disso, segundo estimativas do PÁGINA UM, consultando especialistas no sector, a empresa terá incorrido em custos com a reposição de electricidade após o ‘apagão’, no chamado ‘black start’ que ascenderão a 200 mil euros.

    Miguel Stilwell d’Andrade, presidente-executivo da EDP. / Foto: D.R.

    O PÁGINA UM colocou questões por e-mail ao director de comunicação do grupo EDP sobre estas matérias, mas até à publicação deste artigo ainda não recebeu respostas.

    Recorde-se que Portugal e Espanha viveram no dia 28 de Abril um ‘apagão’ eléctrico histórico, ainda com origem desconhecida, que deixou sem luz a Península Ibérica desde as 11h33, hora de Lisboa, até ao final da tarde, tendo o serviço começado a ser reposto gradualmente nos dois países.

    Em Portugal, as redes de comunicações ficaram sem serviço e as redes de transportes foram afectadas, designadamente a rede ferroviários e o metro. As disrupções também atingiram os aeroportos, indústrias, comércio e serviços. O único meio de comunicação e informação que ficou disponível foi a rádio.

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    Segundo dados divulgados hoje pelo Banco de Portugal, a actividade económica sofreu uma quebra de quase 15% devido ao ‘apagão’, de acordo com um indicador diário de actividade económica referente à semana terminada a 4 de Maio.

    Contudo, este indicador não permite aferir o verdadeiro impacto económico, porque apenas “cobre diversas dimensões correlacionadas” com a atividade económica em Portugal, entre as quais “tráfego rodoviário de veículos comerciais pesados nas autoestradas, consumo de eletricidade e de gás natural, carga e correio desembarcados nos aeroportos nacionais e compras efetuadas com cartões em Portugal por residentes e não residentes”.

    Assim, não reflecte a realidade do prejuízo económico, tanto macroeconómico como microeconómico, e não só, causado a nível global pela falha na disponibilização de electricidade em todo o país.

    Como o PÁGINA UM noticiou em primeira mão, o ‘apagão’ em Portugal sucedeu num contexto de dependência artificial das importações de Espanha. No momento em que ocorreu o ‘blackout‘ no país vizinho, Portugal estava a importar cerca de 30% do seu consumo, pelo que a quebra abrupta de produção em Espanha ‘contagiou’ o sistema eléctrico nacional. Também o PÁGINA UM foi o primeiro a informar e a explicar que a reposição da rede eléctrica — processo designado por black start — poderia demorar várias horas

    Indicador diário de actividade económica. / Fonte: Banco de Portugal

    A reposição de electricidade demorou longas horas, mais do que sucedeu em Espanha, provando que a REN-Redes Energéticas e a EDP foram apanhadas desprevenidas. Aliás, para activar a barragem de Castelo de Bode, a EDP teve de levar um gerador que não se encontrava no local, segundo noticiou o jornal Expresso.

    De resto, segundo apurou o PÁGINA UM, a EDP chegou mesmo a contactar antigos funcionários da empresa, já reformados, para pedir auxílio e tirar dúvidas em relação aos procedimentos necessários para voltar a repor o serviço. A EDP também não comentou esta informação.

  • Justiça ‘torpedeia’ Gouveia e Melo: Supremo arrasa processos contra militares castigados

    Justiça ‘torpedeia’ Gouveia e Melo: Supremo arrasa processos contra militares castigados

    Fim de linha para o ‘justiceiro’ Gouveia e Melo. Um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), particularmente demolidor para a cúpula da Marinha, anulou todos os processos disciplinares que castigaram 11 militares do navio de patrulha NRP Mondego, que se recusaram, em Março de 2023, a cumprir uma missão alegando falta de condições de segurança.

    No acórdão de 230 páginas, os juízes consideram inválido o processo desde a sua origem, apontando múltiplas ilegalidades e violações de direitos fundamentais, incluindo o direito à defesa, à produção de prova e à imparcialidade do processo. E consideram que o Tribunal Central Administrativo do Sul agiu correctamente quando declarou nulo um despacho de 1 de Julho de 2024 proferido pelo Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Henrique Gouveia e Melo, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelos militares, confirmando os castigos impostos pelo Comandante Naval.

    Agora, o tribunal superior considera tão graves as falhas legais — e mesmo constitucionais — que nem sequer permite qualquer “apreciação e qualificação do comportamento dos militares da Marinha” nos polémicos eventos de 2023. Recorde-se que Gouveia e Melo chegou a deslocar-se à Madeira para uma repreensão pública aos militares, observada in loco pela comunicação social.

    Em 11 de Março de 2023, quatro sargentos e nove praças do NRP Mondego recusaram embarcar numa missão de vigilância a um navio russo ao largo do Porto Santo, alegando falta de segurança. Dezasseis dias depois, nova missão falhou: embora o Mondego tenha largado do Funchal rumo às Selvagens, para render elementos da Polícia Marítima e do Instituto das Florestas, acabou por regressar ao Caniçal por problemas técnicos e de segurança.

    Gouveia e Melo, mesmo antes de qualquer acção de apuramento dos factos, criticou os militares, que foram logo alvo de penas disciplinares, com suspensões de serviço a variar entre os 10 e os 90 dias, segundo a categoria, posto e antiguidade de cada um. Em causa estaria o incumprimento de deveres militares previstos no regulamento de disciplina em vigor.

    Primeira página do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.

    Estas sanções seriam depois confirmadas pelo próprio Gouveia e Melo num despacho que indeferiu o recurso hierárquico interposto pelos advogados dos militares. Esse despacho do então Chefe do Estado-Maior da Armada foi agora arrasado pelos juízes-conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo.

    No acórdão, o tribunal superior sublinha que o oficial instrutor do processo disciplinar esteve envolvido nos factos em causa — o que o tornaria legalmente impedido — e criticou ainda a recusa de provas requeridas pela defesa, bem como a ausência de informação aos arguidos sobre os seus direitos legais e constitucionais.

    O tribunal considerou também que o processo violou os princípios constitucionais do contraditório e do direito de audiência, impedindo um julgamento justo. Entre outras críticas, rejeita a recusa de reconstituição dos factos e de peritagens externas ao navio, bem como a argumentação da Marinha de que tal escrutínio colocaria em risco a segurança nacional. “A falta de informação aos arguidos, em sede de processo disciplinar militar, dos seus direitos e deveres, nomeadamente o direito a serem assistidos por advogado e o direito ao silêncio, constitui violação dos direitos de audiência e defesa”, salientam os juízes-conselheiros.

    NRP Mondego

    E dizem ainda que a existência de “diligências complementares de prova”, encetadas pela Marinha sem a garantia de defesa dos arguidos, constitui uma “nulidade insanável”.

    A decisão judicial, que aponta atropelos até constitucionais do ex-líder militar, coloca em ênfase a personalidade de Gouveia e Melo, quando se mostra cada vez mais evidente que apresentará uma candidatura à Presidência da República. Com efeito, a anulação do despacho de Gouveia e Melo e a declaração de nulidade de todo o processo disciplinar colocam em causa o exercício de autoridade do então Chefe do Estado-Maior da Armada num dos episódios mais mediáticos da sua liderança, abrindo também espaço para um debate sobre o respeito pelas garantias fundamentais no âmbito da justiça militar.

  • Comissão da Carteira de Jornalista admite que esteve a funcionar sem actas

    Comissão da Carteira de Jornalista admite que esteve a funcionar sem actas

    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) reconheceu, num recurso entregue ao Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), a contestar uma sentença favorável ao PÁGINA UM, que o seu Secretariado — o órgão colegial executivo e decisório composto, entre 2022 e o início deste ano, por Licínia Girão, Jacinto Godinho e Paulo Pinheiro — nunca produziu actas durante o mandato anterior, limitando-se a elaborar “ordens de trabalho”.

    Esta confissão, de enorme gravidade jurídica e institucional, demonstra que a CCPJ operou à margem da legalidade, violando de forma continuada o Código do Procedimento Administrativo (CPA) e os princípios estruturantes da Administração Pública.

    Foto: PÁGINA UM

    Com efeito, o Secretariado da CCPJ, enquanto órgão colegial de um organismo público, está sujeito à elaboração de actas em todas as reuniões com deliberações, as quais devem identificar os membros presentes, os assuntos discutidos, os votos emitidos e as decisões tomadas. Ora, nos órgãos colegiais, a única forma de exteriorizar validamente uma deliberação é a acta, pelo que a sua inexistência implica automaticamente a nulidade dos actos praticados, porque “care[ce]m em absoluto de forma legal

    A admissão pública da CCPJ de que o Secretariado deliberava sem quórum, sem registos formais e sem qualquer mecanismo transparente de controlo interno lança a suspeita sobre a validade de todos os actos administrativos por ele produzidos entre 2022 e 2025, incluindo emissões, renovações, suspensões e recusas de títulos profissionais de jornalista, bem como instauração de processos disciplinares e de contra-ordenação. O PÁGINA UM vai comunicar esta ilegalidade ao Ministério Público.

    Mas o escândalo institucional não termina aqui. A CCPJ — que aguarda a nomeação do seu novo presidente — não quer aceitar a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que determinou o acesso integral também às actas do Plenário da Comissão, composto por nove elementos, bem como aos processos disciplinares abrangidos pela Lei da Amninistia aquando da visita do Papa Francisco a Portugal em Agosto de 2023. Contesta essa decisão com o argumento inusitado de que deve poder apagar nomes constantes dessas actas, alegando pretensas questões de privacidade ou protecção pessoal.

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    Na prática, a CCPJ — que se apresenta como garante do rigor e da ética jornalística — defende em tribunal o direito a manipular documentos administrativos e a reescrever documentos oficiais, apagando rastos de decisões tomadas e anulando o princípio da responsabilidade individual em actos administrativos que podem ter produzido danos concretos a jornalistas. A intenção de expurgar nomes das actas é justificada com o receio de que os membros da CCPJ fiquem sujeitos a críticas ou escrutínio público.

    Este argumento é particularmente preocupante vindo de uma entidade composta exclusivamente por jornalistas, cuja profissão exige, em princípio, compromisso com a transparência, a prestação de contas e o interesse público. Porém, a CCPJ chega a tentar convencer os desembargadores do TCAS de que, nos pedidos de acesso às actas e também a processos disciplinares amnistiados, o director do PÁGINA UM não demonstrou sequer deter qualquer interesse concreto, jornalístico ou noticioso, nem em nome próprio nem da comunidade, e que não justificou a relevância da questão para efeitos de escrutínio público ou jornalístico.

    Ou seja, jornalistas eleitos por jornalistas e por empresas de comunicação, cuja acção pode e deve ser fiscalizada por outros jornalistas, defendem agora o obscurantismo para sua própria defesa.

  • ‘A chave da descarbonização não é na Europa que se decide; é nos outros países mais poluidores’

    ‘A chave da descarbonização não é na Europa que se decide; é nos outros países mais poluidores’



    A propósito do ‘apagão’ eléctrico que Portugal sofreu no dia 28 de Abril de 2025, o PÁGINA UM republica esta entrevista a Paulo Carmona, director-geral da Energia e Geologia, que foi publicada originalmente em 19 de Fevereiro. O gestor foi nomeado para o cargo em regime de substituição em Agosto do ano passado. Poderá ser substituído em breve, na sequência de um novo concurso para a escolha de um novo director-geral, que terminou no dia 14 de Abril. Paulo Carmona tem liderado a DGEG numa altura em que Portugal, como outros países, de deparam com o ‘trilema energético’, tendo de gerir a transição da descarbonização, a par de garantir a soberania, independência e segurança energética, e, ao mesmo tempo, levar a cabo essas duas metas sem sobrecarregar os consumidores. Até porque “Portugal é um país pobre” e há que pensar nos consumidores. Muitos vivem em situação de pobreza energética, sem aquecimento.

    À beira dos 60 anos, e perto da reforma, Paulo Carmona recebeu o convite inesperado para ser director-geral de Energia e Geologia. Foi nomeado para o cargo no final de Agosto do ano passado.

    A vista do seu gabinete, em Entrecampos, é um espelho do cenário que se vive no sector energético, de transição e transformação. Vê-se o ‘velhinho’ Edifício Marconi que tem, em frente, em construção, o novo edifício da Fidelidade; no quarteirão ao lado, onde estava parte da Feira Popular, está o terreno vazio que será preenchido com um novo edifício do Banco de Portugal.

    O telefone tocou diversas vezes durante a entrevista. Deu para sentir a azáfama de quem tem muitas solicitações.

    Logo no início da entrevista ao PÁGINA UM, no início de Janeiro, Paulo Carmona confessou que aceitou o convite para este cargo por querer “retribuir” ao país e à sociedade o que de bom recebeu na vida. “Como tive sorte, como fui feliz nesse aspecto, em várias frentes — pessoais, familiares, profissionais — só tenho de estar agradecido e de devolver à sociedade o que fez por mim”. E acrescentou: “é preciso levantarmo-nos do sofá, da zona de conforto, e ir lutar por aquilo que acreditamos”. “É um país fantástico. Pelo menos, digo aos meus filhos: estou a fazer algo pelo vosso futuro”. Isto, apesar de dois dos seus três filhos residirem actualmente no estrangeiro.

    Paulo Carmona no seu gabinete na sede da Direcção-Geral de Energia, em Lisboa. / Foto: PÁGINA UM

    Mas o ter aceite o convite faz parte da postura que adoptou na vida, de se render perante as oportunidades. Foi também, assim, que antes de chegar à liderança da DGEG, aceitou ser coordenador na Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energias Renováveis 2030. “Nada na minha vida foi planeado. A minha vida é uma sucessão de acasos”, disse.

    Antigo dirigente da Iniciativa Liberal, António Carmona, de 59 anos, é licenciado em gestão, administração e gestão de empresas pela Universidade Católica e concluiu ainda programas avançados na Kellogg School of Management e na AESE Business School.

    Trabalhou como gestor e consultor, e, entre os vários cargos que desempenhou, foi presidente do Fórum dos Administradores e Gestores de Empresas. Na área de energia, foi ‘chairman’ na National Oil Reserves Agency Association e presidiu à Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis. Mais recentemente, também fundou a Associação Portuguesa dos Contribuintes, que teve de ‘por de parte’ para de dedicar às suas novas funções. Teve também de abdicar de cargos como administração não executivo em quatro empresas nacionais e ao cargo de vice-presidente da Associação Empresarial de Portugal, dona do Centro de Congressos de Lisboa.

    Apesar de lamentar ter de deixar os diversos cargos que ocupava em empresas e organizações, pensa que valeu a pena. “Foi por uma boa causa, espero eu”, disse. “As coisas que me acontecem, acontecem sempre por bem, pela positiva”. Como sou uma pessoa com alguma sorte, se vim para aqui é porque os deuses, Deus, a mística (o quis)” , disse.

    Foto: PÁGINA UM

    Na DGEG, antecipa muito trabalho e a sua prioridade é “organização”. “Não funciona mal, pode funcionar melhor e pode ir no caminho da excelência que é isso que estamos a fazer; a tentar transformar, ao nível de pessoas, ao nível da formação, digitalização, com algum apoio do PRR-Plano de Recuperação e Resiliência, mas sobretudo com organização”, afirmou.

    Paulo Carmona garantiu que, para já, não está na mesa a criação de um super-organismo que concentre as várias entidades do sector da energia e da geologia em Portugal. “Estava no programa eleitoral” e, quando Paulo Carmona foi nomeado, “falou-se nisso”, até porque foi gestor. “Mas, para já não está nada, não existe nada, não fui contactado para nada; esse projecto – não digo que está parado – mas não existe, nesta altura, esse conceito de fusão”, asseverou. “Acredito que, mais tarde ou mais cedo possa acontecer”. Mas há muitos outros temas mais “urgentes e prioritários”, como a organização da DGEG.

    Lidera a DGEG numa altura em que Portugal, como outros países, de deparam com o ‘trilema energético’, tendo de gerir a transição da descarbonização, a par de garantir a soberania, independência e segurança energética, e, ao mesmo tempo, levar a cabo essas duas metas sem sobrecarregar os consumidores. Até porque “Portugal é um país pobre” e há que pensar nos consumidores. Muitos vivem em situação de pobreza energética, sem aquecimento.

    Foto: PÁGINA UM

    Por isso, defende a posição do actual Governo que está “entusiasmado” com o Plano Nacional de Energia e Clima 2030, mas não está “excitado”, como o anterior governo de António Costa. “Estar entusiasmado não é estar excitado ao ponto de ficar cego”. disse.

    Nesta entrevista, falou também sobre o primeiro leilão de energia eólica offshore do país e sobre a meta de Portugal duplicar a electricidade renovável até 2030, pelo que a DGEG terá de acelerar o licenciamento. E lembrou que “grande parte da nossa política energética é decidida em Bruxelas”.

    Mas garantiu: “em termos de políticas energéticas, vamos construir um futuro que será melhor para os portugueses, mas com mais bom-senso, mais ligado à terra.”

    Para Paulo Carmona, prosseguir com a descarbonização da economia portuguesa e europeia só faz sentido se a política for acompanhada pelos países que são grandes poluidores, como a China e a Índia. Lembrou que “somos responsáveis por 0,12% das emissões a nível mundial”. Assim, “estamos na linha da frente dos países com mais redução de emissões nos últimos anos”. Também “somos um país com poucas emissões per capita, dentro da Europa, que, por sua vez, no mundo é das das zonas com menores emissões per capita“.

    Contudo, defendeu que tem de haver uma maior solidariedade por parte dos grandes poluidores — a China, a Índia, alguns países em África — e que dominam o mercado de matérias-primas. “Temos de nos preocupar mais com o tema da solidariedade mundial porque até poderíamos, eventualmente, descarbonizar tudo em Portugal; seria difícil, com custos […] mas conta com 0,12% das emissões mundiais”, lembrou. “Basta a China abrir uma daquelas mega fábricas de produção de electricidade à base de carvão, lá vão todos os esforços de Portugal em 2 ou 4 anos”, salientou.

    Foto: PÁGINA UM

    Disse ainda que os manifestantes a favor da descarbonização, “em vez de andar a fazer manifestações ou andarem a pinchar as coisas, deviam fazer manifestações em frente à embaixada dos outros países que poluem mais”.

    “O planeta está a ser salvo, aqui na Europa. É onde estão a ser feitos maiores esforços no caminho da transição energética e descarbonização. Não podemos ficar sentados e quietos, não é isso. A chave da descarbornização e transição energética não é na Europa que se decide; é nos outros países mais poluidores, e que nós temos da nossa parte, ou ajudá-los, ou fazer pressão para que deixem de ser poluidores”. No caso de Portugal, “se reduzirmos tudo, 0,12%, o planeta nem nota”.

  • Boavista 3.0

    Boavista 3.0


    Deveria ser uma noite tranquila de futebol – e até foi – sem sobressaltos. Mas nunca é. O cronista que também é jornalista, que por sua vez é também director do próprio jornal, decidiu que merecia a ida ao Estádio da Luz ver o seu Benfica, escrevinhar a crónica e degustar o seu farnel.

    No entanto, o problema da multipersonalidade – que isto de dizer esquizofrenia já nem sei se se pode – impôs-se. Às oito da noite, quando a bola já rolava, o director entendeu que havia condições para cobrir, com urgência, a notícia explosiva sobre os negócios imobiliários de Hugo Soares que, no dia anterior, apontara o dedo ao Chega por interesses imobiliários, quando afinal tinha os seus próprios terrenos no jogo. E havia mais umas nuances. As empresas dos homens do Chega eram um hino à falta de cumprimento das regras de gestão; e até o presidente do Parlamento, José Pedro Aguiar-Branco, molhava o bico e tinha também a sua empresa imobiliária. E decidiu telepaticamente falar com o jornalista, que fez um bypass ao cronista.

    O director insistia. “Notícia para o Página Um, tem de ser hoje ainda!” — ordenava. O jornalista suspirava. O cronista tentava ignorar. Mas o director é teimoso. Assim, com o olhar intercalando entre o relvado e a timeline de um documento de texto, a crónica do jogo teve de ser intercalada com mais um caso de ‘normalidade política lusitana’, ou seja, mais um escândalo.

    Assim, enquanto à esquerda, Bruma – acho que era ele – lançava um sprint pela ala, à direita eu abria os registos empresariais de Hugo Soares. “Compra e venda de imóveis próprios ou alheios”. Pimba, mais um parágrafo. Cruzamento para a área, desvio de cabeça, defesa do guarda-redes. “Capital social de 5 mil euros transformado num pé-de-meia de 285 mil.” Será que o guarda-redes do Boavista, que fez defesas espectaculares – se calhar para impressionar o Preud’homme, velha estrela numa época em que o Benfica andou mal – também faz render assim os seus investimentos? Duvido.

    O Benfica marcou entretanto pelo italiano Belotti, mas a história mais dramática era a de Aguiar-Branco, que detém quase 40% de uma empresa do sector imobiliário. Para alguns, uma jogada legal. Para outros, um autogolo ético.

    Ao intervalo, entre uma trinca na maçã e um gole de água, a notícia já estava a meio. A segunda parte começou. Um cartão vermelho para um jogador do Boavista ajudou o Benfica, mas não a mim. O jornalista corria contra o tempo, mas o cronista teimava em rever na televisão o pisão do Miguel Reisinho ao Kökçü com a mesma atenção aos detalhes que dava ao RusticGate. Porque sim, a política e o futebol não são assim tão diferentes: ambos têm os seus protagonistas, os seus falhanços clamorosos e, claro, as suas infracções. O problema é que, na política, o VAR está a dormir.

    O segundo tempo caminhava para o fecho e a notícia precisava também de ser encerrada. Entre um contra-ataque perigoso e mais um remate defendido, surgiam os detalhes finais: a ligação entre os negócios imobiliários e os interesses políticos, os lucros que surgem do nada, os terrenos que mudam de valor por decisão legislativa. No ecrã do telemóvel, as últimas correcções. No campo, o Benfica tentava dilatar a vantagem. E eu? Eu tentava não perder o fio à meada.

    Foi então que o inevitável aconteceu. Golo! Pavlidis, vindo do banco, ampliava a vantagem para 2-0. E, no mesmo instante, o jornalista concluía o seu artigo: “No fim, todos ganham. Ou quase todos.” O director podia respirar aliviado. A manchete estava pronta. O cronista, por sua vez, olhava para o campo e pensava: “Mas será que algum dia eu vou poder simplesmente ver um jogo de futebol?”

    No final do jogo, com o Benfica a atropelar o Boavista por 3-0, o jornalista enviava a notícia para publicação. O director, satisfeito, desligava as notificações. E o cronista, esse, ficava a matutar: “Mas afinal quem é que marcou os golos desta noite? O Benfica ou os negócios imobiliários da política portuguesa?”

    Saí do estádio com essa dúvida a martelar na cabeça. No metro, olhei para os adeptos e ouvi as suas conversas. Alguns celebravam o resultado, outros lamentavam a falta de eficácia perante um checo que defendeu mais de 10 remates.

    Ninguém, obviamente, falava dos negócios imobiliários de Hugo Soares ou Aguiar-Branco. No país do futebol, os verdadeiros jogos jogam-se nos bastidores, com jogadas bem mais sofisticadas do que um contra-ataque bem desenhado.

    Cheguei ao PÁGINA UM ainda a tempo de umas arrumações para receber uns amigos, para uma conversa sobre a vida, a inteligência artificial e ideias para este jornal. E a crónica desta A Varanda da Luz fica assim, hoje, algo esquisita. É a vida. Importante, sim, é que foi um dia triplamente ganho, não fosse o Benfica espetar 3-0 ao Boavista.

  • Moreirense 3.2 (antecedido de Mónaco 3.3)

    Moreirense 3.2 (antecedido de Mónaco 3.3)


    A escrita tem destas coisas – ou melhor, eu tenho destas coisas. Houve um tempo em que Da Varanda da Luz era escrita inteiramente no estádio, num nível fisicamente acima do fervor dos adeptos, acompanhado pelo famigerado farnel. Era um ritual, quase religioso, com a escrita a sair enquanto mal assistia ao jogo e, amiúde, apenas com o aviso de um bruá para poder ver os golos ao vivo. Publicava a crónica ali mesmo, sem filtro nem ponderação, porque a urgência do momento assim o exigia. Era, muitas vezes, um dos últimos jornalistas a sair do estádio, já com as luzes normais apagadas e apenas as vermelhas brilhantes acesas, dando-me uma sensação de exclusividade. Ajustes e acertos? Esses, em muitos casos, vieram depois, quando já ninguém queria saber, mas ainda assim os fiz, que a dignidade da crónica também conta.

    Mas veio a edição quinzenal e, com ela, um novo método – ou uma nova complicação. Já não era um sprint frenético de 90 minutos e descontos. Pior: a crónica começou a “ir-se fazendo”, o que nunca é boa ideia. Entre outras escritas, outras paixões e, claro, algumas conveniências, a crónica passou a ser apenas alinhavada no estádio e concluída à distância, com a serenidade – ou procrastinação – de quem acha que há sempre tempo. E foi assim que, aqui e ali, começou a sair fora de horas, por vezes colada a um jogo da Liga dos Campeões, porque o futebol não tem paciência para cronogramas nem respeita calendários editoriais.

    Eis o que nos traz a este momento. A crónica sobre o jogo contra o Moreirense deveria ter saído antes, a quente. Não saiu. E eis-me, assim, a concluí-la, como já fizera com o Barcelona, porque assim se fica com a sedução do futebol europeu. Mas hoje não estou talhado para uma crónica sobre o Mónaco. Até porque cheguei atrasado – o Montenegro não me deixou.

    Portanto, terão os leitores – se calhar poucos – apenas para ler a crónica do Moreirense,  e antes umas fotografias deste Benfica – Mónaco por um lugar nos oitavos de final da Liga dos Campeões. Ainda bem que não me apeteceu escrevê-la – e não me levem a mal. Previ que seria um jogo de sofrimento. E não me enganei: passámos à rasca, como poderíamos ter ido de vela. A imprevisibilidade nos jogos do Benfica já se torna previsível.


    Hesito, mas não muito. A dúvida instala-se como incerto anda a meteorologia deste Fevereiro, sem ser suficientemente enevoada para me fazer recuar, mas incómoda o bastante para me obrigar a pensar duas vezes se trago o chapéu de chuva. Esta tarde não chovia, mas veio-me a pergunta que não cala: vou ou não vou ao jogo? Sei que, no final, a resposta quase sempre é afirmativa, embora, a cada jornada que passa, a interrogação se torne um ritual — uma espécie de exame de consciência benfiquista, um exercício de ascese futebolística. Vale a pena? E não é só pelo resultado do Glorioso que pesa; é a antecâmara do jogo, a travessia, a incerteza do que ali me espera.

    Bem sei que, se o Benfica me desse apenas alegrias, não haveria grande mérito em ser benfiquista. O fervor clubístico vive de uma mística que se alimenta do triunfo, se bem que também de alguma provação, não demasiada, para que a felicidade se mostre ainda mais dulcífera. E é nesta última que a reflexão se impõe.

    Como Job a questionar a justiça divina, dou por mim a interrogar-me sobre as razões pelas quais me imponho esta jornada, sabendo que pode redundar em euforia galopante – o Campeonato está no papo –, mas também em aborrecimento taciturno – com esta equipa não vamos lá – ou, pior, naquela cólera amarga que apenas a ineficácia ofensiva e a displicência defensiva conseguem produzir – e aqui não reproduzo palavras por decoro.

    (ena, ena… um brinde do VAR que nos oferece um penálti… e golooooooooo! PAVlidis, sem hipóteses!)

    Bom, mais bem-disposto, embora não o suficiente para me fazer esquecer a viagem de metro. Ah, o metro. Esse purgatório subterrâneo onde se comprimem almas sofredoras de todas as condições, algumas com cachecóis encarnados, outras alheias ao rito futebolístico, mas todas reféns da mesma lógica de transporte errático. No Metropolitano de Lisboa, a passagem de um comboio não é nunca uma certeza, mas uma hipótese estatística, sujeita a atrasos e a falhas técnicas que soam a castigo divino. Quando não, o melhor que se aspira é um trem de sete em sete minutos, ou dez, sempre cheio nas proximidades do início e fim do jogo. Ando cada vez mais exigente desde que andei de metropolitano de Copenhaga: três minutos e lá vem mais um. De certeza.

    (e goloooooooooo!!! PAVlidis de novo. Finalmente, com veia goleadora o grego; finalmente, a fazer jus às três primeiras letras do nome)

    Estou mais animado, mas, enfim, agora tenho de continuar a minha reflexão. Dizia eu que, mais de uma vez parado numa plataforma pejada de fiéis e de curiosos, questiono-me se a peregrinação à Luz será assim tão distinta da Via Dolorosa. Pelo menos Jerusalém tem uma mística que a justifica; já a estação do Alto dos Moinhos, onde de ordinário saio para apanhar a credencial, nada tem para devaneios místicos.

    Mas avanço, porque a recompensa há-de vir – um dia. Há-de vir, mesmo sem saber que recompensa me espera: a Liga dos Campeões ou só o (habitual) campeonato nacional? Em todo o caso, a chegada ao estádio é sempre um alívio. Sair do metro e respirar o ar fresco – mesmo que cheire a castanhas queimadas, a torresmos suspeitos e a bifanas de qualidade duvidosa – traz um conforto que só quem passou vinte minutos em contacto forçado com a axila de um estranho pode verdadeiramente apreciar.

    Mas depois de subir do piso -2 até ao piso 4, começa a ascensão, mas já nada heróica, e sim lenta e implacável: a grande escadaria que tenho de calcorrear, até chegar à Varanda da Luz – esse meu santuário laico onde a devoção se consume –, anda a inclinar-se com os anos. Os meus anos, diga-se. Aqui, permito-me mais uma analogia bíblica: Moisés subiu ao monte Sinai para receber os mandamentos; e eu subo esta ladeira maldita para receber, com sorte, um golo bem construído. Mas se Moisés seguia ao encontro aprazado com Deus, eu, amiúde, nada tenho garantido.

    (olha!, temos golo do Moreirense; como é possível!)

    E ia eu embalado para escrever que, quando finalmente atinjo o meu lugar, olho para a imensidão do estádio e sinto, momentaneamente, que tudo valeu a pena… Mentira: hoje sinto que, mais uma vez, vamos andar à rasca, como têm sido quase todos os jogos deste campeonato, tirando um ou outro. O relvado está ali, verde e aparentemente promissor, como se cada jogo fosse um novo começo, uma nova possibilidade de redenção – mas não… Os dois primeiros golos do Pavlidis concederam-me esperança – não para o mítico 15-0 –, mas surgem demasiados adormecimentos…

    De facto, nos últimos tempos, a esperança inicial tem cedido demasiadas vezes à frustração. O jogo começa e, em poucos minutos, aquilo que deveria ser um caminho glorioso revela-se uma provação. A bola não circula com a fluidez desejada, os passes saem denunciados, e a nossa defesa parece acreditar mais na fé do que na marcação aos atacantes.

    E eu pergunto-me: vale a pena tudo isto? Vale a pena suportar o metro, a escadaria, a angústia dos minutos que passam sem golo? Por regra, quando o adversário marca, o estádio mergulha num silêncio fúnebre, a dúvida a todos assola, incluindo os jogadores. Talvez esta Via Sacra seja, afinal, um castigo. Talvez Deus (ou Eusébio, que, no fundo, são manifestações do mesmo princípio metafísico) me esteja a pôr à prova.

    (goloooooooo… 3-1, marca Otamendi)

    Pelo menos há animação… isso não posso questionar. E vou agora descansar um pouco que o intervalo está a chegar.

    (e vem o intervalo…)

    … e recomeça o jogo.

    Aqui está o texto corrigido, mantendo o acordo ortográfico anterior a 1990:


    Portanto, continuemos: sina ou malapata, de jornada em jornada, de dúvida em dúvida, de sofrimento em sofrimento, cumpre-se a minha peregrinação. Sei que voltarei a questionar-me se devo meter-me no metro, se quero mesmo subir aquela escadaria, se tenho estofo para mais uma noite de emoções extremas no resultado, mas de exibições pouco consistentes. Mas também sei que, quando cá chego, quando finalmente me sento na Varanda da Luz, fico sempre com esperança de que tudo melhore. Na verdade, por mais irritante que por vezes esteja, o Benfica não se explica – cumpre-se.

    E cumpre-se sempre da forma mais imprevisível possível, confesso. Porque, no fundo, o Benfica já nem é apenas uma equipa de futebol – é uma experiência existencial, um exercício contínuo de fé cega e teimosia emocional. Cada jogo traz consigo a promessa de redenção, mas também a ameaça de um martírio. E é neste limbo que me encontro desde que comecei estas crónicas, e nem sei que lição tenho de aprender.

    No fundo, talvez seja isso que me mantém preso a este ritual: a ilusão de que, um dia, deixe de sofrer – e só haja prazer. A chatice é que esse El Dorado nunca mais chega – e eu, aqui, de coração nas mãos.

    E jogo a jogo tudo recomeça. Sempre recomeça, como um ciclo vicioso de esperança e frustração. Os jogadores voltam a correr, a bola volta a rolar, e eu volto a iludir-me, a acreditar que desta vez será diferente, que hoje veremos uma exibição convincente, sem tremores nem sobressaltos. E eu a repetir-me. Já acho que fazem de propósito. O Benfica é mestre na arte de manter os seus adeptos em suspense, de os obrigar a viver cada minuto como se fosse o último, de os fazer passar do êxtase ao desespero num simples passe mal medido. E, por mais que todos se queixem, por mais que resmunguem e ameacem nunca mais voltar, o Benfica sabe que estarão aqui na próxima jornada, no mesmo lugar, a repetir o mesmo ritual.

    (e golo do Moreirense; grande porcaria: 3-2 para sofrer)

    E pronto, instala-se de novo o pânico. O estádio, que há instantes parecia exalar um alívio quase festivo, regressa ao estado natural de inquietação. As mãos voltam à cabeça, os murmúrios ganham volume, e já vejo quem pragueje de pé, indignado com a facilidade com que se sofrem golos.

    E o relógio, esse maldito, mexe-se agora numa sádica lentidão, e eu sei o que me espera: uns dez minutos, com descontos, de mais tormento – uma vergonha para um Benfica de glórias perante uma equipa de Moreira de Cónegos. Pelo amor do Santo Padre!!!

    (… nem vale dizer nada sobre o jogo…)

    Pronto! Mais uma vitória suada, com golos sofridos, uma porcaria! Regresso no próximo. Claro!

  • A deliciosa (e grave) reacção de José Gabriel Quaresma

    A deliciosa (e grave) reacção de José Gabriel Quaresma

    O PÁGINA UM recebeu, com alguma estupefacção, um escrito inflamado de José Gabriel Quaresma, jornalista e pivot da TVI/CNN Portugal, que, incomodado com a nossa exposição factual sobre a sua promíscua dualidade de funções – acumulando o exercício do jornalismo com a propriedade de uma empresa de consultoria de imagem e formação em media training –, resolveu brindar-nos com uma ameaça judicial… e não só. O que será esse misterioso “e não só”? Um desafio à espada? Um duelo ao pôr do sol? Uma maldição rogada sobre a nossa linha editorial?

    Mais do que o tom da missiva – que, pela sua estrutura e pontuação errática, nos sugere ter sido redigida entre acessos de fúria –, impressiona-nos a qualidade da prosa, que nos leva a questionar se o seu autor deveria, de facto, estar a dar formação sobre comunicação. Num tom que oscila entre o desabafo indignado e a diatribe despeitada, José Gabriel Quaresma não só nos acusa de “mentiras facilmente desmontáveis”, como insinua que temos “acesso criminoso a documentos privados” e até sugere que necessitamos de “apoio clínico/psiquiátrico”. Terá sido esta última frase um diagnóstico gratuito? Se sim, agradecemos o zelo, mas preferimos opiniões médicas qualificadas.

    Ainda mais curioso é o facto de este paladino da ética profissional ter decidido demonstrar a sua própria integridade moral de forma altamente simbólica: anunciou um donativo de 1 cêntimo para a nossa “independência jornalística”, mas, mostrando-se um homem de palavra… ou talvez não, acabou por enviar 50 cêntimos.

    Um gesto magnânimo! Mas o mais curioso não é o valor – que aceitamos, evidentemente, com toda a humildade e gratidão –, mas sim o facto de o donativo ter sido feito através da sua empresa de “consultoria em comunicação, formação, media training e consultadoria online, a Sardine Conjugation, com o número fiscal 517271575 e sede na Rua António Maria Eugénio d’Almeida, porta 9, segundo andar esquerdo, em Vila Franca de Xira, e tendo como como sócia minoritária uma sua conterrânea de nome Vanessa – informação que surge em registos públicos e consultáveis em portal do Ministério da Justiça.

    Ou seja, ficamos perante um intrigante paradoxo: José Gabriel Quaresma, que nos acusa de difamação e perseguição, acaba, involuntariamente, por reforçar o que denunciámos – que possui uma empresa de consultoria de comunicação e media training, actividade flagrantemente incompatível com o Estatuto do Jornalista. Não é necessária mais prova documental: a própria Sardine Conjugation decidiu, numa suprema ironia, comprovar aquilo que o seu dono tanto deseja negar.

    E, já agora, não deixa de ser curioso como se está a ganhar um padrão entre os jornalistas que mercadejam a profissão – vendendo-se através de acções de comunicação, media training e consultoria de imagem – e que, quando expostos, aparecem ofendidíssimos a anunciar que se vão queixar às entidades reguladoras… entidades essas que, em teoria, deveriam ser as primeiras a dar-lhes um correctivo.

    A impunidade desta malta assemelha-se à do ladrão que, ainda com a televisão às costas, se dirige ao posto da GNR (que, claro, nem sequer faz rondas) para se queixar, indignado, de que alguém o acusou injustamente de assalto – esperando, com ar ultrajado, que o comandante do posto se apresse a defendê-lo dessa, hélas, infame difamação.

    Por fim, ficamos igualmente a saber que, para este jornalista, fazer jornalismo significa não questionar os seus pares nem denunciar situações que ferem o Estatuto da profissão. O PÁGINA UM discorda. Se há algo que nos envergonha não é revelar estas situações – é constatar que há quem insista em chamar “caça a jornalistas” ao simples acto de expor factos e vergonhosas promiscuidades, ainda mais graves em jornalistas de órgãos de comunicação de âmbito nacional.

    Comprovativo de envio de 50 cêntimos para o PÁGINA UM através de MBWAY a partir da conta da Sardine Conjugation, Lda., detida maioritariamente por José Gabriel Quaresma.

    Ainda assim, agradecemos a contribuição de 50 cêntimos, embora não nos agrade a proveniência. Afinal, embora para a prossecução da nossa missão de um jornalismo independente cada cêntimo conta, sentimos que estamos num processo de ‘lavagem de dinheiro’ de origens questionáveis. Até porque, na verdade, a Sardine Conjugation está em situação ilegal por não ter enviado ainda a Informação Empresarial Simplicada (IES) relativa às contas de 2023.

    Pedro Almeida Vieira

    Segue o texto integral, ipsis verbis, enviado por José Gabriel Quaresma:


    Viva, estimados,

    em sede própria iremos aferir as acusações que me fazem há bastante tempo, de extrema gravidade, por serem mentiras facilmente desmontadas, algo que já fiz junto da CCPJ,  dado que fui ouvido (acusações totalmente falsas, que terão que provar e também terão que provar o acesso criminoso a documentos privados, acusações apenas fruto de uma mente que, alegadamente, precisa de apoio clínico/psiquiátrico).

    Encontramo-nos em tribunal e não só.

    Entretanto, Pedro Almeida, irei contribuir com 1 cêntimo de euro, para a vossa “independência” jornalística (dizem mentiras sobre quem vos paga? É ético? Legal?.

    Dá pena.

    Isto não vale tudo, embora pareça.

    Tirando a vossa odiosa e surreal “caça a jornalistas ” vocês também fazem jornalismo, isto é, dão notícias?

    Pois…

    CCPJ, ERC; Ministério Público.

    Até lá.

    José Gabriel Quaresma

  • Sobre o infame comunicado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista

    Sobre o infame comunicado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista


    O PÁGINA UM repudia com veemência as afirmações proferidas pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ), e particularmente do seu Secretariado, presidida por Licínia Girão, que esta tarde, ao tentar justificar um claro abuso de poder e de liberdade de imprensa no caso da (não) renovação do título da jornalista Elisabete Tavares, recorreu a um comunicado recheado de sofismas, omissões e distorções legais, que claramente demonstram má-fé, dolo e ignorância dos procedimentos administrativos de uma entidade pública. Quis, mais uma vez a CCPJ, atirar lama contra o PÁGINA UM através de mais um expediente, que por não ser o primeiro nem o segundo se desconfia não ser o último, sendo enquadráveis numa atitude de falta de transparência e de idoneidade desta entidade.

    1. FALÁCIAS LEGAIS E INTERPRETAÇÕES ENVIESADAS

    A CCPJ afirma que a revalidação de uma carteira profissional deve seguir o Estatuto do Jornalista e os regulamentos internos, como se, para o caso da jornalista Elisabete Tavares, estivesse a cumprir a lei e as normas. Não está.

    No entanto, ao longo dos anos, a renovação de carteiras profissionais de jornalistas com mais de 10 anos de experiência tem sido um procedimento rotineiro e estritamente administrativo que demora poucos dias. Na verdade, administrativamente, menos tempo que a escrita de um comunicado de 29 pontos. O bloqueio arbitrário no caso de Elisabete Tavares, e a sua retirada da base de dados dos jornalistas, demonstra um desvio à prática comum, que apenas pode ser entendido como uma retaliação contra o PÁGINA UM.

    Ademais, o prazo de 60 dias alegado pela CCPJ é do envio da carteira (física) profissional, para poder ser ostentada presencialmente pelo jornalista nas condições em que tal se mostra necessário; não se refere ao prazo obrigatório para a CCPJ proceder à renovação, ainda mais no regime simplificado para profissionais com mais de 10 anos de actividade. Nestes casos, sendo feito o requerimento, basta verificar que o jornalista cumpre esse requisito para uma renovação. Houve intencionalidade da CCPJ para deixar caducar a carteira profissional da jornalista Elisabete Tavares e, com esse expediente, eliminá-la da base de dados dos jornalistas.

    1. INCOMPATIBILIDADES FABRICADAS PARA JUSTIFICAR PERSEGUIÇÃO

    Alega a CCPJ que a eventual incompatibilidade de um jornalista deveria ser considerada no momento da renovação, contrariando a lei e aquilo que sempre tem sido prática. é completamente falso, e apenas justificável numa CCPJ presidida por uma falsa ‘jurista de mérito’, que haja possibilidade de “não renovação do título enquanto subsistir a incompatibilidade e durante os prazos de impedimento”. Primeiro, porque são procedimentos autónomos – a emissão e renovação está prevista na secção I do Decreto-Lei nº 70/2008 – e a suspensão e cassação na secção II. A cassação e a suspensão são processos administrativos distintos, que devem ser instaurados com os formalismos legais, algo que jamais foi feito.

    Qualquer incompatibilidade que suscite dúvidas deve ser tratada em processo autónomo e separado do processo de renovação, com possibilidades de defesa até trânsito, podendo chegar ao Tribunal Administrativo. Essa análise de incompatibilidades jamais pode determinar uma suspensão da renovação da carteira e muito menos a eliminação do nome do jornalista da base de dados, que sendo pública constitui a forma de qualquer pessoa conferir se determinada pessoa é jornalista.

    Além disso, a alegada e espúria incompatibilidade da jornalista Elisabete Tavares desencantada agora pela CCPJ diz respeito à moderação de um debate num congresso realizado em Março de 2022, ou seja, entre essa data e a actualidade, a CCPJ já concedeu uma renovação. O requerimento para essa renovação foi então feita em 29 de Dezembro de 2022 pela jornalista Elisabete Tavares e concedida pela CCPJ, sem qualquer pergunta, em 14 de Janeiro de 2023. Existem dúvidas sobre a má-fé da actual CCPJ?

    1. DISPARIDADE DE TRATAMENTO E O DUALIDADE DE CRITÉRIOS

    A CCPJ, ao tentar justificar a sua decisão, esquece também convenientemente que outras duas jornalistas participaram no mesmo evento que agora pretende usar contra Elisabete Tavares. Nem Teresa Silveira (do jornal Público) nem Isabel Martins (da revista Mundo Rural) tiveram, entretanto, qualquer problema com a renovação das suas carteiras. Além disso, esquece convenientemente, que em anteriores mandatos, houve jornalistas que solicitaram esclarecimentos sobre se a moderação de congressos caía nas incompatibilidades do Estatuto do Jornalismo, mesmo sendo claro que não. E a resposta da CCPJ foi que não existiam incompatibilidades? O que justifica esta dualidade de critérios? Será necessário fazer a lista das centenas de jornalistas que moderaram debates em congressos? Ou estamos apenas perante uma descarada acção para só atingir o PÁGINA UM e os seus jornalistas.

    1. MENTIRAS SOBRE O ESTATUTO DOS JORNALISTAS EM SITUAÇÃO DE RENOVAÇÃO

    A CCPJ tenta desvalorizar a gravidade do impedimento administrativo de Elisabete Tavares, com base em fundamentos ilegais, afirmando que o facto de o seu nome desaparecer da base de dados é um mero efeito técnico. No entanto, sabe-se que a ausência de nome na base de dados pode ser utilizada para criar entraves legais e administrativos ao exercício da profissão, ou mesmo fazer acusações na praça pública, algo que o PÁGINA UM não pode permitir. No ponto 28 do seu comunicado, a CCPJ tem o descaramento de confessar que este ‘desaparecimento’ causa “constrangimentos”, mas pouco se importa que tal situação suceda única e exclusivamente por sua responsabilidade. E ainda se faz de ingénua quando afirma que pode emitir “um documento comprovativo de que o pedido foi efectuado dentro do prazo e está em análise”. Então, e qual a razão para não ser feito por regra? Não há dinheiro para isso, mas há 6.000 euros para pagamento de serviços jurídicos para processar o director do PÁGINA UM?

    1. PERSEGUIÇÃO RECORRENTE E O USO DE DINHEIRO PÚBLICO PARA FINALIDADES QUESTIONÁVEIS

    Não é a primeira vez que a CCPJ, sob a liderança de Licínia Girão, adopta expedientes administrativos duvidosos para atacar o PÁGINA UM, abrindo-me até processos disciplinares sobre investigações jornalísticas em curso e fazendo mesmo queixa no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas com recurso a expedientes pidescos. Vale lembrar sempre que Licínia Girão, que preside a uma entidade que constitui o ponto focal da lei anti-SLAPP, decidiu gastar 6.000 euros em serviços jurídicos para processar-me pessoalmente, numa acção que acabou por ser abandonada devido à pressão de vários membros. Além disso, Licínia Girão até esconde a acta do Plenário da CCPJ onde tal questão foi debatida, o que me obrigou a uma intimação, em curso, no Tribunal Administrativo de Lisboa. O uso de dinheiro público para perseguição política e pessoal é inaceitável e tem de ser devidamente investigado.

    1. RESISTÊNCIA E TRANSPARÊNCIA

    O PÁGINA UM não cederá a tácticas intimidatórias e de vitimização da CCPJ, que usa de poderes públicos e administrativos para atacar um projecto jornalístico independente, que tem incomodado os poderes e, em grande parte, também as promiscuidades na imprensa e no jornalismo. Com este caso da renovação do título da jornalista Elisabete Tavares, com um passado e um presente irrepreensíveis do ponto de vista ético e deontológico, e uma vasta e reconhecida experiência profissional, a CCPJ deseja tão-só arrastar o PÁGINA UM para o chavascal que se tem tornado o jornalismo português, para que assim não possamos manter publicamente a imagem imaculada.

    Posto isto, a CCPJ pode continuar a recorrer a expedientes mesquinhos, a comunicados inqualificáveis, mas não conseguirá abalar a nossa determinação na defesa da liberdade de imprensa. E mais: agiremos judicialmente se a renovação não for diligenciada num prazo curto ou se não for enviado comprovativo para o exercício da profissão com a imediata recolação do nome da Elisabete Tavares na base de dados dos jornalistas.

    De resto, houve em tempos alguém que defendeu que, aprestando-se o fim do exercício de um cargo, se deveria permitir que o incumbente terminasse o mandato com dignidade. No caso de Licínia Girão, a haver dignidade, então recorro ao nosso ‘cronista’ Brás Cubas: deveriam aplicar, de forma metafórica, a esta senhora um estímulo locomotor à maneira espartana.

    Uma nota final: apesar da CCPJ afirmar que nenhuma sanção se aplica a um jornal por admitir ou manter ao seu serviço um jornalista que esteja a aguardar decisão para renovação, o PÁGINA UM não publicará qualquer artigo noticioso da jornalista Elisabete Tavares enquanto a CCPJ mantiver abusiva e ilegalmente a decisão de não revalidar o seu título profissional. Aceitar que a CCPJ prolongue uma decisão é estar a aceitar um acto de abuso de poder e ‘legitimar’ atentados à liberdade de imprensa. Os membros da CCPJ – que, aliás, são jornalistas de profissão – não são os donos dos jornalistas nem estes lhes têm de prestar vassalagem.