Autor: Vítor Ilharco

  • Disparem que é governante!

    Disparem que é governante!


    Abriu a caça ao Governante no Poder.

    As Oposições, é sabido, tentam mostrar as fragilidades de quem governa no intuito de fazer com que os eleitores, num próximo acto eleitoral, mudem o seu voto e lhes dêem o poder.

    Tarefa sempre complicada e quase impossível quando se enfrenta uma maioria absoluta.

    Então, há que aproveitar todos os falhanços, ampliá-los e discuti-los à saciedade.

    Em Portugal vive-se um desses momentos.

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    A Oposição não dá tréguas e raro é o dia em que não apareça com um novo escândalo.

    Há que reconhecer que o Governo se tem posto a jeito, com erros que roçam o ridículo, mas a verdade é que é preciso algum atrevimento para se apontarem falhas a adversários políticos, quando rodeados de companheiros conhecidos pelos mesmíssimos erros e falcatruas.

    Ouvir, por exemplo, Luís Montenegro criticar o Primeiro-Ministro António Costa por não escolher os membros das suas equipas com critério, minutos depois de tentar explicar a demissão do Vice-Presidente da bancada parlamentar do PSD, uma das suas poucas escolhas, num caso que, inclusivamente levou à prisão preventiva de dois implicados, é bem demonstrativo da desfaçatez de alguns políticos.

    Mas esse desplante é generalizado e não há Partido que lhe escape.

    No Bloco de Esquerda houve a perseguição a Ricardo Robles, por causa de especulação imobiliária.

    No PCP, acusações ao genro de Jerónimo Sousa que seria beneficiado pela Câmara de Loures presidida pelo comunista Bernardino Soares.

    No CDS ninguém esquece nem os submarinos de Paulo Portas nem os sobreiros de Nobre Guedes e Telmo Correia.

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    No PSD há uma infinidade de nomes de ministros e deputados, com as acusações mais diversas, e de gravidade diferenciada, que vão desde uma cunha bem paga a homicídio, passando por desvio de milhares de milhões de euros da Banca e fuga a impostos.

    No PS, de autarcas a actuais e ex-membros do Governo, há uma quantidade de gente implicada em processos judiciais.

    Percebe-se que a Oposição tente fazer cair um Governo em descrédito.

    O objectivo é substituí-los no Poder, repete-se, mas estranha-se que não entendam que também os substituirão no papel de alvos de quem tem, como hobby, ou mesmo como profissão, destruir quem tem autoridade para mandar, mesmo que apoiado em eleições livres e democráticas.

    O mais grave em tudo isto é que, quando alguém é denunciado publicamente, com o apoio da comunicação social, passa imediatamente à situação de culpado “sem margem para dúvidas”.

    São conhecidas as “certezas” do nosso Povo de que “não há fumo sem fogo” e de que “se é acusado alguma coisa terá feito”.

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    Há que acreditar, cegamente, na Justiça e só criticar quando se considerar que as penas são “brandas” (desde que não toque nos seus, obviamente).

    Mas será assim?

    Os números da Direcção-Geral da Política da Justiça dizem o contrário e de modo aterrador:

    “As percentagens de absolvição por “carência de prova”, em processos-crime findos em julgamento de primeira instância em Portugal, oscilam entre 40,4 e 48% do total de arguidos não condenados – estes, na sua maioria, por desistência de queixas em crimes semipúblicos ou particulares, segundo os últimos números oficiais disponíveis.”   

    Como exemplo indicava-se que, em sete anos, foram absolvidos 154.569 cidadãos, o que dá uma média de 65 por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. De salientar que o máximo admitido por peritos europeus para o total de arguidos não condenados é de 12%.

    O mais certo é que muitos dos que hoje são arrastados pela lama virão a ser, amanhã, absolvidos.

    Lembram-se de perseguição ignóbil ao ex-Ministro da Defesa (que se viu obrigado a pedir a demissão) Azeredo Lopes? Resultado do seu processo: absolvição.

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    Recordam Fátima Felgueiras que se viu forçada a fugir para o Brasil para não ficar presa preventivamente? Resultado do seu processo: absolvição.

    Claro que haverá quem culpe a ineficácia da Justiça que, no entender de muitos, falha sempre que absolve ou condena com pena “pequenas”.

    O grande problema do nosso País é que, para além de se adjectivarem os políticos como corruptos, lhes paga como funcionários de segunda.

    Resultado: os Governos, e o Parlamento, têm muitos dos seus lugares preenchidos por gente incapaz, imatura, populista, vaidosa e incompetente.

    Com os resultados que se conhecem.

    Se pelo menos “disparássemos” (*) sobre esses…

    (*) Sentido figurado, claro. Fica o alerta para quem é alérgico à ironia.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Adeptos exigentes, cidadãos alheados

    Adeptos exigentes, cidadãos alheados


    Os portugueses deveriam ser um caso de estudo.

    Se analisarmos, ao longo de uma semana, os temas das suas conversas, os textos publicados em jornais e revistas e, principalmente, os programas de rádio e televisão, ficaremos estarrecidos.

    Principalmente, se tentarmos perceber algumas das razões de determinadas opções.

    Vemo-los, por exemplo, a analisar os valores de contratações e salários mensais de jogadores de futebol, com vinte anos, sempre na ordem das centenas de milhares de euros, e a criticarem os dirigentes dos clubes não por hesitarem em pagar esses valores obscenos mas por demorarem na assinatura dos contratos.

    E justificam essa pressão por entenderem que a qualidade deve ser bem recompensada e que o clube tem de pagar o justo valor a quem lhes garanta sucesso.

    Atitude bem contrária, todavia, quando a conversa muda para a gestão da “coisa pública”.

    Aí, as mesmas criaturas insultam todos os governantes e políticos criticando os “ordenados principescos” que auferem.

    Dizer-lhes que um ministro recebe, de ordenado mensal, menos do que alguns futebolistas juniores, de dezassete ou dezoito anos, é-lhes indiferente.

    Pelo contrário, aceitam, sem uma palavra de desagrado, que um treinador que seja despedido receba, só de indemnização, mais do que todos os ministros juntos (e são muitos), durante os quatro anos dos seus mandatos.

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    A necessidade de se pagar bem a quem dirige o país, a quem tem de gerir milhares de milhões de euros, a quem tem a responsabilidade de zelar pela Saúde, Justiça e Educação, àqueles que têm por missão criar as leis que nos regem, é algo considerado de somenos importância. 

    Para cúmulo, há políticos de partidos populistas, que tudo fazem para agradar à imensidão de demagogos que nos cercam, que também garantem que não devem ser aumentados.

    O resultado é conhecido: os nossos governantes são, na imensa maioria das vezes, gestores medíocres que as empresas privadas de topo jamais contratariam.

    Pelo menos antes de terem passado pelo Governo, já que, depois, trazem consigo uma extraordinária mais-valia que é a lista de contactos de gente influente e poderosa nas decisões políticas.

    Inexplicavelmente, grande parte da população tem a mesma atitude crítica, por exemplo, com os salários de médicos, enfermeiros, polícias e professores.

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    Saber o ordenado que os portugueses consideram justo pagar a quem lhes pode salvar a vida, ensinar os filhos ou garantir a sua segurança, em comparação com o que aceitam como correcto para quem lhes proporciona a alegria da conquista de uma vitória desportiva, é algo de incompreensível.

    Os governantes, há que dizer, conseguem melhorar a situação com alguns estratagemas que vão passando mais ou menos despercebidos da maioria dos maledicentes.

    Ao ordenado, os ministros e deputados somam uma série de subsídios e prebendas que tornam o lugar mais apetecível e remunerado.

    Os polícias, e outras forças de autoridade, recebem “subsídio de risco”, como se não fosse claro que a sua profissão é de risco e como se não fosse natural que esse “subsídio” se somasse ao ordenado normal.

    Ainda assim, é deprimente saber que há médicos que recebem, mensalmente, menos do que um futebolista num “prémio de jogo” que junta ao seu salário milionário.

    E mais deprimente saber que há quem considere isso como normal.

    Escrevem-se artigos e mais artigos de jornais com críticas violentas sempre que surge um artigo a defender um aumento aos salários dos nossos governantes.

    Esquecem (ou não consideram importante) que o resultado óbvio desta opção de pagar pouco é ter, em lugares de extrema importância para a Nação, somente os mais incompetentes e os incapazes de conseguirem lugares em empresas privadas onde o mérito é condição base para se ser admitido.

    A opção pela excelência, para os portugueses, limita-se a alguns desportos.

    Talvez mudem de opinião no dia em que, nos hospitais, nas escolas e nas esquadras haja profissionais com o mesmo nível de competência que existe nos ministérios e no Parlamento.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Finalmente, uma oposição a funcionar?

    Finalmente, uma oposição a funcionar?


    Mesmo os mais aguerridos adversários de António Costa reconhecem-lhe talento político.

    Mesmo os mais próximos dos companheiros do primeiro-ministro assumem que deve muito do seu sucesso à sorte.

    Um talento especial que tem, na base, anos de observação atenta dos bastidores da política, onde conviveu com alguns dos mais experientes políticos portugueses e, facilmente, apreendido as técnicas, a arte e as manhas que o transformaram em vencedor.

    Muitas das vezes esquecendo escrúpulos e amizades (lembro o caso Seguro, por exemplo) que pudessem fazer perigar, ou adiar, a chegada ao topo.

    Determinado, confiante, frio, tenta disfarçar, em público, todo o seu autoritarismo com um ar de descontração e optimismo que se percebe ser inexistente em privado.  

    António Costa é o exemplo acabado do político português com sucesso.

    A sorte que o bafeja, há que reconhecer, tem muito de preparada e trabalhada.

    Mas o inesperado joga, frequentemente, a seu favor.

    Chega à liderança do seu partido por ter convencido os militantes que o seu antecessor, que tinha ganho as últimas eleições, se devia demitir por o ter conseguido por margem pequena.

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    Perde as eleições seguintes, mas chega à liderança de um Governo democrático por ter beneficiado, numa situação irrepetível, do apoio das lideranças do Bloco de Esquerda e, principalmente, do Partido Comunista, que apostaram em lhe dar, no Parlamento, a maioria que precisava para governar.

    Finalmente, conta com as guerras intestinas dos partidos de direita, que levaram ao afastamento de nomes fortes, passando a ser geridos por rematados incompetentes, o que leva a que ninguém tome a sério as poucas críticas feitas à sua gestão.

    Com a esquerda a apoiar, ou a não contestar, as suas decisões e uma direita mais preocupada com a sua sobrevivência (que não conseguiu), todas as muitas falhas, suficientes para, em termos normais, fazer cair 10 Governos, foram sendo desculpadas e, até aceites.

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    Por outro lado, um sem número de situações de extrema gravidade (a covid-19, a guerra da Ucrânia, etc.) fazem com que os problemas do país passem para segundo plano.

    Tudo isto, há que reconhecer, com o apoio de uma fantástica e eficaz máquina promocional apoiada numa comunicação social dependente de patrocínios de vária ordem.

    Com a aproximação de novas eleições, numa jogada política inteligentíssima, aposta numa “guerra intestina” no principal partido da oposição com um apoio mal disfarçado, mas cirúrgico, ao partido populista de direita que podia tornar aquele ainda mais frágil.  

    E António Costa, mais do que o PS, consegue uma maioria absoluta.

    Mérito extraordinário, há que reconhecer, só comparável à completa cegueira política do Povo português.

    Para se manter em “estado de graça”, António Costa tenta rodear-se de todos os que lhe querem suceder, seguindo a velha máxima “ter os amigos perto e os inimigos ainda mais perto”.

    Só que, esta regra tem, sempre, como perigo acoplado, a possibilidade de lutas internas com o despertar da “vontade de ir ao pote” sem aguardar pelo tempo certo.

    Erros de cálculo, por precoces, de Marta Temido, Fernando Medina e principalmente Pedro Nuno Santos, unicamente por se quererem antecipar aos seus “rivais”, colocaram holofotes nas inúmeras fragilidades do Governo PS.

    Inúmeros erros, constantes trapalhadas, ilegalidades sem conta, favorecimentos diários aos membros da família socialista, promessas incumpridas, começaram a ser relatadas diariamente.

    O que, numa primeira fase, destrói os putativos sucessores acaba por fazer perder a confiança no líder já que ninguém acreditará que todos os erros denunciados foram cometidos à sua revelia e sem o seu conhecimento e concordância.

    Pode aparecer, finalmente, uma oposição a António Costa.

    De onde ele menos esperaria.

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    De dentro do seu próprio partido.

    O que nem sequer é original, como ele próprio concordará se analisar o seu percurso.

    A história repete-se, dirão alguns.

    O “karma” não falha, garantirão outros.

    Eu, mais pessimista e menos dado à metafísica, limito-me a aguardar por mais um golpe de sorte que vai salvar António Costa de todos estes problemas.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Uma indemnização de ir às nuvens!

    Uma indemnização de ir às nuvens!


    Há muitos anos, um colega de turma perguntou ao professor:

    – “Afinal, senhor professor, que diferença pode haver entre gerir uma empresa pública e uma privada?”

    O professor fez uma pausa de segundos e contou:

    – “Numa sexta-feira, ao final da tarde, o administrador financeiro de uma empresa pública entrou, preocupadíssimo, no gabinete do presidente do conselho de administração e disse-lhe:

    “Senhor presidente, estamos perdidos. Os nossos dois maiores clientes declararam falência e, dado o montante das suas dívidas para connosco, é certo de que iremos falir por arrastamento.”

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    O presidente levantou-se, arranjou o nó da gravata, e começou a caminhar para a porta enquanto exclamava:

    “Meu Deus! O que eu me vou preocupar na segunda-feira de manhã!”  

    Lembrei-me deste episódio quando ouvi a história da indemnização, de meio milhão de euros, dada pela TAP à sua ex-administradora exclusiva, Alexandra Reis, de cujos serviços terá prescindido (segundo alguns) ou aceitado a sua demissão (segundo outros), a meio do seu mandato de quatro anos.

    Vejamos, então, como se gere uma empresa que depende do Estado.

    A TAP, é sabido, é uma empresa que vive a balões de oxigénio, com o Estado a salvá-la, consecutivamente, da falência graças a injeções de capital na ordem dos milhares de milhões de euros.

    O número de funcionários, e de aviões, reduz constantemente.

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    Enfrenta greves sucessivas dos funcionários que consideram não receber o salário que lhes é devido nem ter as condições de trabalho necessário para um desempenho eficaz.

    O serviço da companhia – que já foi considerado dos melhores do mundo – degrada-se de dia para dia: os atrasos são constantes, o serviço de bordo é péssimo, os preços dos bilhetes, principalmente para alguns dos destinos com mais procura, por não terem concorrência, são de agiotagem.

    Tudo isto só pode levar à conclusão de que a sua administração é de uma incompetência atroz.

    O que não impede que os seus membros aufiram ordenados principescos, como aliás o próprio Presidente da República reconheceu (até porque lhe toca na pele): “é sempre o problema de haver uma série de cargos empresariais de empresas direta ou indiretamente relacionadas com o Estado ou propriedade do Estado, que são muito superiores àquilo que são os vencimentos, não digo dos portugueses, mas mesmo dos titulares do poder político ao mais alto nível”.

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    Na realidade, a senhora de quem vimos falando, recebia um salário duas vezes superior ao do Presidente da República…

    É muito, há que reconhecer, mesmo não tendo em conta a falta de qualidade do seu trabalho, nem os resultados alcançados.

    Se já era grave “premiar”, para mais com 500.000 euros, o despedimento (ou a saída de “motu próprio”) de uma funcionária cujo trabalho era medíocre (para ser simpático nesta época natalícia), o que se seguiu foi, ainda, mais incompreensível.

    O mesmo “patrão” contratou a senhora para outra das suas empresas, mas promovendo-a a presidente.

    Não conheço o salário que foi receber mas deve ter tido um “aumentozito”, em relação ao último, dada a promoção, o que possibilitou, certamente, que não tivesse de recorrer ao dinheiro da indemnização para poder pagar as contas do dia-a-dia.

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    Uns meses depois, todavia, também deixou esse cargo.

    Não se sabe se por ter sido despedida, ou se por sua iniciativa, nem mesmo se recebeu outra indemnização.

    Sabemos, somente, que foi contratada, para outro lugar e, de novo, pelo mesmo “patrão”.

    Duvido que conseguisse o mesmo trajecto numa empresa privada, mas isso não é para aqui chamado…

    É, agora, secretária de Estado do Tesouro.

    Considero uma excelente escolha e aplaudo-a veementemente.

    Espero bem que consiga aumentar o Tesouro Público na mesma proporção que consegue aumentar o seu. Privado.

    Vamos ser a inveja da Europa!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Terrorismo à portuguesa

    Terrorismo à portuguesa


    Não há crime mais criticado, em todo o Mundo, do que o de terrorismo.

    Por ser ultra-violento e cobarde.

    De modo geral, quem coloca uma bomba – por exemplo – não faz ideia de quem poderão ser as vítimas.

    Quem mata, sem se preocupar com danos colaterais, tem que ser considerado como duplamente criminoso.

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    O terrorismo é a arma dos amorais. Dos que pretendem conseguir os seus objectivos sem olhar a meios.

    Daí que os Estados, e bem, se tenham preparado contra este flagelo com Leis fortemente punitivas e dissuasoras da prática deste crime.

    O problema é que “alguns” Estados optaram por aproveitar esta oportunidade para aprovarem uma Lei que lhes permite contornar alguns dos mais sagrados Direitos conseguidos durante anos de luta.

    Uma Lei sobre “terrorismos” devia estar escrita de modo a não permitir interpretações dúbias, sempre em desfavor dos inimigos políticos de quem esteja no Poder.

    Nem dar a oportunidade a magistrados sem preparação, que, por incompetência ou maldade, a possam usar como arma de destruição de arguidos que, sem ela, dificilmente poderiam ser pronunciados.

    Vem isto a propósito de dois casos recentes.

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    O primeiro tem, como figura principal, um jovem muito doente, complexado, com uma necessidade enorme de começar a ser respeitado pelos seus colegas de estudo, que terá feito ameaças de matar uma série de alunos da sua Faculdade.

    E terá confessado isso a alguém dos Estados Unidos que, por sua vez, alertou o FBI, que avisou a Polícia Judiciária.

    Os inspectores portugueses prenderam-no e, durante semanas, as principais figuras da nossa Polícia pintaram, para a comunicação social, o quadro da prisão de um novo Bin Laden que tinha, como objectivo, fazer um massacre na Universidade.

    Não mencionaram que o jovem é um doente, que sofre de Síndrome da Asperger.

    Não convinha dar qualquer hipótese a um perigoso “terrorista”, que ficou preso, até ao julgamento, onde foi condenado a dois anos e meio de prisão com necessidade de tratamento psiquiátrico.

    Mais um recluso a elevar o número de doentes mentais presos em cadeias por falta de hospitais psiquiátricos.

    Este caso fez lembrar uma outra decisão de prisão, por terrorismo.

    Lembro o conhecido “ataque” à Academia do Sporting, em Alcochete, levado a cabo por quatro dezenas de adeptos idiotas, zangados com a má qualidade do jogo que a equipa de futebol vinha praticando.

    Quarenta parvos invadiram a Academia, e um deles agrediu com um cinto um atleta, fazendo-lhe um golpe na cabeça.

    Outro, atirou uma tocha incendiária para dentro da Academia.

    Foram, os quarenta, presos preventivamente por terrorismo.

    A única explicação para este absurdo é que, quando acusados de terroristas, as leis mudam para os arguidos.

    Podem ficar sujeitos a prisão preventiva e podem ver as suas casas revistadas a qualquer hora  

    Um maná para quem considere importante a prisão de alguém sem poder contar com uma Lei que a permita.

    Os quarenta jovens ficaram presos por mais de um ano.

    Muitos deles perderam um ano de estudo.

    Outros, os seus empregos.

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    No final, como não podia deixar de ser, os “terroristas” foram absolvidos.

    Os incompetentes que fizeram a investigação, a acusação e a pronúncia, continuaram nos seus postos. Excepto os que foram promovidos.        

    Para quem analisa estes casos como “um falhanço da Justiça”, quero deixar um alerta: esta Lei tem de passar a ser fortemente criticada e punida.

    A sua actual interpretação permite que, com base em suspeitas de terrorismo, seja lá por aquilo que for, qualquer cidadão seja apanhado de surpresa numa busca a sua casa, pelas três ou quatro da manhã, levado para uma cela onde pode ficar impedido de contactar quem quer que seja, enquanto uma comunicação social, colaborante, vai destruindo a sua imagem para a opinião pública.

    Passados uns anos, quando houver a certeza de que está destruído politicamente, até pode ser libertado.

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    Mas nunca mais será considerado um cidadão credível porque, sabe-se, “não há fumo sem fogo” e para ter estado preso… algo fez.

    Na verdade, a interpretação que alguns investigadores e magistrados dão às Leis, e o apoio que recebem de alguma comunicação social a legitimar essa leitura, funciona como a legalização de métodos usados na ditadura.

    E, isso sim, é que é um verdadeiro terrorismo.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Provedoria de Justiça: um ornamento luxuoso 

    Provedoria de Justiça: um ornamento luxuoso 


    Numa recente entrevista à agência Lusa, a Senhora Provedora de Justiça deu algumas novidades que apanharam de surpresa todos quantos trabalham no Sistema Prisional.

    Desde logo a informação de que, desde 2014, “o sistema prisional tem sido acompanhado “de muito perto”, através do Mecanismo Nacional de Prevenção” (MNP).

    Segundo a Dra. Maria Lúcia Amaral, o MNP é uma entidade independente confiada ao Provedor de Justiça, “que realiza visitas sem aviso prévio a locais de detenção com o objetivo de prevenir situações de tortura, maus-tratos ou outros abusos, inspecionando as condições em que se encontram quaisquer pessoas privadas de liberdade”.

    Confesso que só depois de ter lido que a Senhora Provedora se referia ao sistema prisional português é que despertei para o texto.

    Com toda a sinceridade estava em crer que a Provedoria tinha aberto uma Delegação, num qualquer outro país, e que a Senhora Provedora estava a fazer o balanço dessa iniciativa.

    Na realidade, tanto quanto é conhecido, a Provedoria de Justiça, em Portugal, e no que respeita às cadeias, não passa de um ornamento que enfeita o edifício da Justiça para dar um ar de modernidade e defesa dos Direitos Humanos.

    Sem qualquer outra função que não seja essa.

    Recebe a Provedoria de Justiça algumas queixas do interior das cadeias, graças à possibilidade que os reclusos têm de lhes ligar directamente a partir das cabines?

    Maria Lúcia Amaral, provadora da Justiça.

    Sim!

    Cada vez menos, obviamente, dada a total inutilidade dessas queixas que têm, como resposta, na imensa maioria das vezes, uma fotocópia com a informação de que a Provedoria está impedida de os apoiar.

    E é verdade.

    A única possibilidade que teria (e que não é despicienda) seria a de usar o seu poder de influência para tentar resolver alguns dos casos mais graves.

    O que não faz “para não se imiscuir nas tarefas doutros organismos”.

    Sendo assim…

    Há sempre excepções, e seria uma tremenda injustiça não elogiar o trabalho do Dr. João Portugal, que é, na Provedoria de Justiça, um verdadeiro lutador pelos Direitos dos reclusos e seus familiares.

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    A Provedoria, no entanto, enquanto organismo, pouco ou nada faz para garantir esses Direitos.

    Conhecem a realidade das cadeias, mas o que fazem para combater a miséria que ali se vive e as ilegalidades que ali se cometem diariamente?

    Não sabem que os presos têm uma alimentação miserável (o Estado paga 0,80 euros por cada refeição)?

    Não sabem da falta de apoio médico?

    Da impossibilidade de os reclusos estudarem ou trabalharem?

    Da qualidade das instalações, com dois e três presos em celas “individuais” onde a água escorre pelas paredes, sem vidros nas janelas, com fios eléctricos descarnados, com pulgas e percevejos, com a necessidade de meterem uma garrafa de água na sanita, à noite, para as ratazanas não saírem por aí?

    Do tratamento desumano dado às visitas?

    Da ilegalidade de, durante as greves dos guardas prisionais, os reclusos não poderem receber ou enviar correspondência, estudar, trabalhar, terem algumas consultas médicas, irem a algumas sessões em tribunais ou aos funerais dos entes queridos, etc., etc.?

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    E o que fazem quanto a tudo isto?

    Por alguma razão as Associações de apoio aos reclusos, com a APAR à cabeça, passaram a ser os verdadeiros interlocutores dos reclusos, e famílias, junto do Estado e Tribunais.

    Uma centena de chamadas por dia, a que se juntam cartas e emails, com pedidos de todo o género, chegam à Associação diariamente.

    Muitas vezes se deu conhecimento desses problemas à Provedoria pedindo apoio na tentativa da sua resolução.

    Há mais de um ano que se desistiu de qualquer diálogo.

    Aos pedidos de apoio recebiam as mesmas circulares enviadas aos reclusos com a informação da impossibilidade de agirem.

    O papel da Provedoria é, fundamentalmente, fazer passar, de preferência para o estrangeiro, a ideia de que somos um país moderno, preocupado com os Direitos Humanos e com Entidades preparadas para garantir o cumprimento das Leis.

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    Daí que se tenha atribuído, em tempo mais do que recorde, uma indemnização milionária à família de um ucraniano que morreu no aeroporto, antes mesmo de se saber em que condições aconteceu essa morte e sem que tenha havido julgamento, quanto mais condenados.

    Mas que fizemos um figurão no estrangeiro, pagando quase um milhão de euros, lá isso…

    Entretanto, e para não ser exaustivo, há reclusos a serem agredidos e torturados diariamente nas nossas cadeias, abuso no incumprimento das leis impedindo visitas com os horários e as condições estipuladas pela Lei, trabalho a ser pago a dois euros por dia, todo o tipo de dificuldades para se poder estudar e exploração de agiotagem nos preços dos produtos das cantinas.

    As visitas deste “Ornamento Luxuoso”, pomposamente baptizado de Provedoria de Justiça, às cadeias resultaram em quê?

    Segundo a Senhora Provedora, o “acompanhamento do sistema prisional português adquiriu uma outra densidade e uma outra dimensão por causa desta nova realidade que é a existência de um mecanismo nacional de prevenção que tem por mandato imperativo o acompanhar de muito perto, de muito perto, tudo o que acontece em lugares onde haja pessoas privadas de liberdade e o exemplo por excelência é o estabelecimento prisional“.

    Estará a falar de quê?

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Heróis assim à força?

    Heróis assim à força?


    Duas verdades inquestionáveis: a História é escrita pelos vencedores, e os políticos, todos, sem excepção, aproveitam-se dessa vantagem.

    Lembro-me, amiúde, disso quando falo da Guerra Colonial.

    Salazar e Marcelo Caetano obrigaram todos os jovens portugueses, que não fossem seus familiares, ou descendentes das famílias donas do país, ao serviço militar e à guerra nas colónias.

    Para eles, províncias ultramarinas.

    Os que se recusavam tinham de emigrar e passavam a ser considerados desertores e impossibilitados de regressar à Pátria, sob pena de prisão imediata, por terem optado pela deserção em vez de “lutarem pela manutenção da integridade nacional”.

    Com o 25 de Abril, e derrota daquele regime, os tais “criminosos desertores” não só regressaram ao seu país como foram recebidos como heróis, “por se terem recusado a participar numa guerra injusta, que pretendia manter, na sua posse, algumas colónias usurpadas aos seus legítimos proprietários”. 

    Passando a carga negativa para os antigos combatentes, muitos dos quais escondem, hoje, as medalhas que lhes tinham sido atribuídas, em pomposas cerimónias oficiais, e que antes ostentavam com orgulho.

    O grande problema das guerras foi brilhantemente sintetizado por Erich Hartmann – considerado o melhor piloto alemão que, durante a Segunda Guerra Mundial, voou em 1.404 missões e participou em 825 combates aéreos – numa única frase: “A guerra é um lugar onde jovens, que não se conhecem e não se odeiam, se matam, por decisões de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam.”

    Salazar e Marcelo Caetano eram dois desses velhos e que recolhiam ensinamentos de outros velhos, seus antepassados, que admiravam.

    Um afilhado do velho Marcelo Caetano, o actual Presidente da República Portuguesa, lembrou, no dia da Restauração, um outro episódio reescrito pelos historiadores e que teve como principal figura o velho D. João IV.

    O Rei português, sabendo que os ciganos portugueses, já em 1640, tinham grandes ligações, incluindo familiares, à comunidade cigana espanhola, não quis correr o risco de não só deixar de poder contar com o seu apoio na luta que teria de travar como, bem pelo contrário, os ver tomar partido pelo inimigo.

    E obrigou-os a alistarem-se no exército nacional.

    As opções eram simples: os que recusassem a incorporação seriam presos, os que a “aceitassem” passavam a ter – e os seus – a possibilidade de poderem viver livremente, depois, em todo o território nacional.

    Colocados entre a espada e a parede, os ciganos acederam.

    Muitos deles, como se sabe, acabaram por ser mortos nas batalhas que se seguiram.

    Os 250 ciganos, agora elogiados por Marcelo Rebelo de Sousa, não pelos seus actos de heroísmo – e alguns deles até podem ter sido heróis, que isto de ver a morte de frente tanto pode dar uma grande velocidade na fuga como uma força enorme para combater quem se lhe oponha –, mas por serem verdadeiros patriotas, o que, repete-se, não eram de todo, deviam ter uma convicção tão forte na necessidade do seu empenho em prol da Pátria como os combatentes de Viseu, Pinhel, Beja e Chaves na Guiné, Angola ou Moçambique.

    Saberiam tanto da casa dos Habsburgo e dos problemas causados pela morte de D. Sebastião, último herdeiro da Dinastia de Avis, como os soldados portugueses das décadas de 60 e 70 do século passado sabiam das lutas de libertação dos povos das colónias.

    Não faziam, quer uns quer outros, a mais pequena ideia do que os levara à guerra e só sonhavam em regressar, com vida, às suas casas. 

    No fim, os que sobreviveram, tiveram agradecimentos idênticos da Monarquia e da República.

    D. João IV, por alvará de 1649, determinou que “as ordens de prisão e degredo aplicáveis em geral aos portugueses ciganos não deveriam ser aplicadas aos mais de 250 ciganos alistados que estavam servindo nas fronteiras, procedendo na forma de traje e lugar dos naturais e, por isso, receberam licença dos governadores das armas para morar em lugares e vilas do Reino naturalizados com cartas de vizinhança”.

    Puderam, portanto, a partir daí, passar a ser “quase” iguais aos restantes portugueses.

    Incluindo um que se destacou pelo seu heroísmo, Jerónimo da Costa, de quem Tomé Pinheiro da Veiga, político, escritor e procurador da Coroa, durante o reinado de D. João IV, que o tratava por “aquelle pobre cigano”, dizia que serviu a sua pátria “três anos contínuos com suas armas e cavallo à sua custa, sem soldo”.

    Os militares da Guerra Colonial, mesmo os condecorados pelo Poder, não tiveram melhor reconhecimento.

    Falta de apoio psiquiátrico, pensões de miséria, total desdém de quem manda.  

    Comparar, por exemplo, o tratamento dado aos ex-militares norte-americanos – e nem falo de recompensas mas, tão só, de respeito – com o que se passa no nosso país, provoca depressão a qualquer um.

    Não sei se o discurso do velho Marcelo Rebelo de Sousa teve como intenção elogiar aqueles 250 portugueses.

    O que fica é, uma vez mais, percebermos que os separou dos restantes milhares de homens que, como eles, lutaram pela Restauração.

    Alguns destes a merecer elogios políticos, porque o fizeram convictamente.

    Os 250 que citou, e muitos outros não-ciganos, mereciam somente um pedido de desculpas por terem sido forçados a uma guerra que não queriam.

    Não creio que haja motivo para orgulho em ser “herói à força”.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vou boicotar o Campeonato do Mundo de Futebol

    Vou boicotar o Campeonato do Mundo de Futebol


    Finalmente estou de acordo com a imensa maioria do povo português incluindo, obviamente, os experts de Facebook, comentadores de café, taxistas e barbeiros.

    É absolutamente condenável que se aceite que o Qatar – um país que viola constantemente os Direitos Humanos, considera as mulheres como seres inferiores, não admite liberdade sexual e explora os imigrantes – organize um campeonato de futebol.

    Por acaso é o mesmo país que foi visitado por um nosso ministro dos Negócios Estrangeiros numa altura em que fomos mendigar que nos comprassem a nossa dívida soberana.

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    E também um dos mais visitados por empresários portugueses desejosos de conseguirem ganhar os concursos para construção de empreendimentos megalómanos.

    E ainda aquele que é procurado por centenas de jovens recém-formados, portugueses e de outros países modernos, democráticos e europeus, que o consideram o país ideal para reconhecer os seus talentos e lhes pagarem o valor merecido pelos seus desempenhos.

    Mas isso não é para aqui chamado.

    Independentemente dessas realidades, estou de acordo em que um cidadão consciente não deverá assistir a jogos de futebol em países onde haja tamanho desrespeito pelos verdadeiros valores da democracia.

    Essa chamada de atenção, dos críticos do Mundial em Qatar, funcionou, para mim e para muitos milhares de adeptos do futebol, como uma verdadeira epifania.

    Por mim, já decidi, não tornarei a entrar num estádio de futebol em Portugal.

    Continuarei a apoiar o meu Benfica (tal como continuarei a apoiar a Selecção Nacional), mas agora, depois destes alertas sobre o Qatar, não poderei esquecer os milhares de imigrantes explorados no nosso país, onde trabalham de sol a sol, dormindo em camaratas nojentas, em troca de um salário mínimo, ao qual é descontado o valor da comida e “alojamento”.

    Nem como são qualificados por alguns políticos democraticamente eleitos pelos meus concidadãos, na “Casa da Democracia”.

    Também terei de recordar os números assustadores das mulheres espancadas e assassinadas, em casos de violência doméstica, no nosso país, e, principalmente, as decisões de alguns magistrados que tentam justificar esses actos.

    Mesmo que quisesse – e não quero –, também não esquecerei o “bullying” de que são alvo, desde as escolas, aqueles que têm preferências diferentes no que ao sexo diz respeito.

    Problema que acompanha essas minorias ao longo de toda a vida, independentemente da sua profissão e classe social.

    Ainda há dias um ex-ministro denunciou um Procurador da República que terá afirmado que aquele só estava em liberdade porque o Juiz que tal decidira o fizera por ser gay.

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    Logo, não merecedor de credibilidade.

    Portugal é, a exemplo do Qatar, um país racista, xenófobo, machista.

    Para mais… pobre.

    Tem todos os defeitos do Qatar, mas falta-lhe o dinheiro para comprar as consciências dos críticos.

    Os dirigentes do Qatar quiseram o Mundial e compraram os votos necessários para tal, há doze anos! Em 2010!

    Durante todo este período, ninguém se revoltou.

    Todos os pequenos sinais de desagrado foram sendo silenciados com centenas de milhares de dólares.

    As obras de construção dos estádios e infraestruturas causaram 15.000 mortos, garante uma Amnistia Internacional que, ao que parece, só soube disso depois de todos os estádios estarem construídos e de todas as empresas construtoras terem recebido as fortunas que cada um deles custou.

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    Algumas consciências podem ter sono pesado ao ponto de só despertarem quando as horas de descanso deixam de ser pagas.

    Resta saber se era pior o seu silêncio ou este despertar carregado de hipocrisia.

    A luta contra os males apontados ao Qatar é absolutamente imperiosa e urgente.

    Podíamos começar lutando, no nosso país, contra todos e cada um deles ao invés de nos querermos mostrar superiores.

    Eu próprio, que informo, em título, que irei boicotar o Campeonato Nacional, poderei abrir uma excepção se me oferecerem os bilhetes.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Um troféu chamado Isaltino 

    Um troféu chamado Isaltino 


    Portugal é um país estranho.

    Lamentamos o atraso de décadas em relação aos nossos vizinhos europeus, criticamos a falta de arrojo dos nossos governantes, desesperamos com a baixa produtividade das nossas empresas, arrasamos a gestão dos patrões, rebaixamos os preguiçosos dos trabalhadores, mas, sobretudo, trucidamos aqueles que se conseguem distinguir pela excelência.

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    Podemos perdoar, sempre com um ar de superioridade ofendida, aos que falham por incompetência ou inércia, mas jamais a quem se distingue por obras meritórias.

    Somos um país de medíocres invejosos.

    Nada nos causa mais raiva, ódio, vontade de destruir a todo o custo do que o êxito de alguém.

    E quanto mais próximo de nós, maior a vontade de denegrir, caluniar, enxovalhar.

    Podemos ter um Ronaldo a bater todos os recordes do mundo que encontraremos sempre um qualquer jogador que lhe é muito superior, “na nossa óptica”!

    A um dos nossos pode ser atribuído o Prémio Nobel da Literatura que logo descobriremos dezenas de escritores “muito superiores”, e que sabem usar a pontuação, embora nunca tenhamos lido um único livro quer do premiado quer dos “nossos favoritos”.

    Se um conhecido consegue enriquecer, é certo e sabido que só o conseguiu por se dedicar a negócios ilícitos.

    Se um amigo é promovido, tal só se pode dever a cunhas ou por ser um “lambe-botas”.

    Daí que, se pedirmos nomes de portugueses com sucesso, dificilmente se encontrará algum a exercer a sua actividade em Portugal.

    Os exemplos acima, de Cristiano Ronaldo e José Saramago, são prova disso mesmo.

    O primeiro porque em Portugal não havia quem o respeitasse como ele merece e o segundo por estar farto dos Laras das nossas vidas.

    Mas podíamos citar dezenas e dezenas de grandes figuras portuguesas que se viram forçadas a deixar um país que adoram para não terem de suportar a maledicência dos seus compatriotas.

    Vieira da Silva e Paula Rego foram pintar para Paris e Londres; Maria João Pires seguiu-lhe as pisadas para encantar meio mundo com a sua arte; António Damásio pôs a sua inteligência ao serviço dos americanos; Felipe Oliveira Baptista, um ilustre desconhecido em Portugal, foi nomeado director artístico da Lacoste; Carlos Tavares é uma das mais influentes personalidades da indústria automóvel (CEO da PSA, a detentora da Peugeot e da Citroën); António Horta Osório é, de acordo com o Financial Times, o nono banqueiro mais bem pago do mundo, em Inglaterra e Suíça, com uma remuneração anual de 12,9 milhões de dólares.

    Os exemplos podiam suceder-se por várias páginas.

    O que têm, então, em comum, os melhores de nós?

    Optaram por emigrar.

    O que ganharam com isso?

    Para além de dinheiro, reconhecimento e admiração.

    Tivessem ficado em Portugal e seriam alvo de todas as perseguições, ódios e invejas por parte de uma multidão de avarentos insignificantes.

    A perseguição ignóbil de que tem sido alvo Isaltino Morais é disso o exemplo máximo.

    Político reconhecido, a nível nacional e internacional, como um visionário que transformou uma zona que servia de dormitório de Lisboa no principal concelho do país, em várias vertentes, é alvo de constantes ataques desprezíveis, soezes e abjectos por parte de quem quer ficar conhecido por o derrubar.

    O facto de saberem que a população do concelho, que ele lidera, o venera, como provam os resultados eleitorais, com maiorias absolutas sucessivas e cada vez maiores, não conta, para os que pretendem, como objectivo na vida, destruir, incapazes que são de criar seja o que for nas suas vidinhas sumíticas e infelizes.

    É impressionante o número de “corajosos anónimos”, brilhantes investigadores, estudiosos magistrados, minorcas comentadores, aprendizes de políticos, candidatos a canonizações, porque acima de qualquer suspeita (até lhes sair um esqueleto do armário), buscam, rebuscam, revistam, mexem e remexem em documentos, computadores, telefones, à procura de uma prova que lhes permita pôr em causa uma obra exemplar.

    Ao passarem por Oeiras nem têm tempo para reparar que, onde antes havia barracas e lixo, casas sem saneamento básico ou electricidade, está hoje o Tagus Park, o Jardim dos Poetas, bairros esplêndidos, escolas, postos médicos.

    Tudo obra de um pequeno grupo de gente profissional e empenhada, que ama a sua terra e tem sido liderada por um Homem superior.

    Para os seus concidadãos, Isaltino Morais é um património único.

    Para os invejosos, é um troféu que querem conseguir, a qualquer custo, para serem recompensados com trinta moedas de alguns tiranos.

    Pobres falhados!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


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  • A Universidade do Crime 

    A Universidade do Crime 


    Uma das ideias mais repetidas, quando se debate o Sistema Prisional, é que as cadeias funcionam como a “Universidade do Crime”.

    Ou seja, ideia de que a missão de reabilitar um recluso – o que permitiria que, ao terminar a sua pena, pudesse reintegrasse a sociedade mais consciente das suas responsabilidades enquanto cidadão – não só falha como acaba por, graças ao contacto com outros delinquentes, permitir que ganhe novos conhecimentos no que ao crime diz respeito.

    Infelizmente, há algo de verdadeiro nesta acusação.

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    As cadeias têm, em Portugal, um único “objectivo”: fazer com que os presos cumpram as suas penas sem causarem problemas.

    Daí o privilegiarem a inércia, permitindo que os reclusos passem anos encerrados nas suas celas, sem qualquer horário para se levantarem ou deitarem, com acesso a televisão e playstations nas celas, com distribuição de doses elevadas de ansiolíticos, sem obrigatoriedade ou, sequer, aconselhamento ao trabalho ou estudo, mas, bem pelo contrário, com a criação de todo o tipo de obstáculos sempre que algum se propõe a desempenhar qualquer tarefa.

    Ser activo, na cadeia, obriga a que guardas e funcionários trabalhem, algo que todos fazem por evitar.

    A ida ao ginásio ou biblioteca é, sempre, uma dificuldade.

    O trabalho é considerado uma benesse, embora seja “pago” por valores vergonhosos (dois euros por dia).

    Um recluso conseguir estudar é praticamente uma miragem, dadas as regras criadas para o impediram: proibição de acesso a computadores, ausências de salas apropriadas, falta de material e professores qualificados, celas e camaratas sobrelotadas sem o mínimo de condições para a concentração necessária.

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    Depois há, ainda, as constantes greves de guardas (num ano estiveram mais de 300 dias em luta), que impedem aulas normais.

    Resta, pois, a conversa entre todos, a troca de experiências, a informação detalhada sobre o mundo do crime, os seus riscos, o modo de os evitar, os contactos dos especialistas nas diversas “áreas”, o esclarecimento sobre materiais a usar nas diversas “actividades”.

    Quem quiser ocupar o seu tempo, nas cadeias, para se aperfeiçoar no crime, é óbvio que o consegue.

    Nesse ponto têm razão os que as consideram “universidades”.

    Esquecem o principal, todavia. É que ninguém começa os seus estudos nas Faculdades.

    De quais pré-primárias, escolas e liceus vêm, então, estes “alunos”?

    A resposta torna-se mais simples, se tivermos em conta que mais de 50% dos jovens presos nas nossas cadeias são filhos de ex-reclusos.

    Muitos deles visitaram ambos os progenitores nas cadeias.

    Os seus “estudos” iniciaram-se na rua em zonas de absoluta exclusão social.

    São crianças que ficaram fechadas na rua quando os pais saíam, de madrugada, para trabalhos desgastantes e mal pagos, que os faziam chegar a casa revoltados, cansados e sem dinheiro.

    Os cadernos, o lanche preparado pelos pais, os livros de estudo que as crianças normais usam no dia-a-dia são, nestes bairros, trocados pelas artimanhas para se conseguir roubar um pão que engane a fome.

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    É fácil estas crianças serem arregimentadas para, por exemplo, entregarem drogas a consumidores, a mando de traficantes adultos que sabem o risco, o de serem presos, que correriam se a trouxessem consigo.

    Recebem, aquelas, uma miséria que lhes dá para enganar a fome, mas, também, o “diploma de passagem”, com sucesso, pela “pré-primária do crime”.

    A “escola primária” são os pequenos furtos que proporcionam algum dinheiro que lhes permitirá comprar droga que dividem em duas partes: uma para consumir e outra para vender.

    Vão “melhorando” as suas condições financeiras ao mesmo tempo que caem nos radares das diversas polícias.

    No “liceu”, as disciplinas aumentam em número e dificuldade.

    Os assaltos exigem riscos elevados, mas podem proporcionar, também, lucros avultados.

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    Os alunos chegaram, até aqui, com uma ideia de impunidade, porque não conheceram qualquer cadeia, apesar dos inúmeros pequenos delitos cometidos.

    Arriscar é, também, uma prova de virilidade perante os companheiros.

    Há, até, grupos que não aceitam, entre os seus, quem nunca tenha passado pela prisão, não podendo, por isso, ser considerado um verdadeiro gangster.

    Daí que os crimes se tornem cada vez mais graves e os jovens cada vez mais violentos e destemidos.

    Até que entram na cadeia.

    Tudo perante o desdém da sociedade em relação a este fenómeno perigosíssimo, conhecido e estudado.

    Haveria, apesar de tudo, a hipótese de conseguir reverter esta situação se a Lei de Execução de Penas fosse minimamente tida em conta.

    É bem clara a sua redacção: as cadeias servem para reabilitar e punir. Por esta ordem.

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    O Ministério da Justiça deu, à Direcção-Geral responsável, o nome de Reinserção e Serviços Prisionais.

    Colocando a palavra Reinserção antes de Serviços Prisionais.

    O mínimo que se exigiria era que houvesse o cuidado de começarem a trabalhar a reabilitação dos detidos no dia da sua entrada nas cadeias.

    E o que acontece?

    Há 30 psicólogos para 12.000 reclusos em 49 cadeias.

    O dia-a-dia das prisões está descrito no início do texto.

    A nossa percentagem de presos reincidentes é das mais elevadas da Europa.

    Sim, as nossas prisões são Universidades do Crime. E há quem se gabe de tal. 

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.