Autor: Vítor Ilharco

  • Os almoços do Isaltino

    Os almoços do Isaltino


    Está difícil a vida para alguma comunicação social.

    As vendas dos jornais caíram abruptamente com a covid-19, que levou à desabituação da leitura destes, até pela proibição de passarem de mão em mão nos cafés, e as audiências nas televisões são disputadas de modo feroz e sem se olhar a meios.

    A busca de notícias sensacionalistas é uma constante.

    São raríssimas as informações correctas sobre o estado do País, os artigos de opinião, independentemente dos autores, são lidos por um número cada vez mais reduzido de interessados e as entrevistas, com especialistas nas matérias que preocupam os cidadãos mais atentos, pura e simplesmente desapareceram.

    As capas dos jornais trazem, sempre, o mesmo tipo de parangonas: o dia a dia dos futebolistas, os amores e desamores das vedetas da televisão, os crimes mais escabrosos e os escândalos políticos.

    Tudo em títulos escritos em maiúsculas e com as cores mais berrantes, nos dois primeiros casos, ou mais sombrias, nos outros.

    O que interessa é captar a atenção dos incautos.

    Na imensa maioria das vezes, depois de lida a notícia, percebe-se que o título é exageradíssimo.

    Muitas vezes absolutamente falso.

    O grande problema é que são muitos mais o que ficam pelo título do que os que se dão ao trabalho de ler todo o texto.

    E, destes últimos, uma grande parte não se preocupa em analisar todo o conteúdo.

    Quando se fala de políticos, então, tudo o que acima se escreve atinge proporções vergonhosas.

    Desde sempre que, em Portugal, falar mal dos políticos é receita fácil para o sucesso.

    Se o alvo for alguém competente, com mérito reconhecido, há que procurar qualquer facto que o faça baixar na consideração da população.

    Ao fim e ao cabo tudo se resume à conhecida inveja dos portugueses.

    A recente notícia de “gastos sumptuosos” em almoços da Câmara Municipal de Oeiras é, disso, exemplo.

    Título da notícia:

    “OEIRAS – O que mostram milhares de faturas do Executivo Autárquico

    6 ANOS DE ISALTINO €139 MIL GASTOS EM 1.441 ALMOÇOS

    Muito lavagante, sapateira, lagostas, ostras, sushi, leitão e camarão-tigre.“

    No texto da notícia falavam de uma dúzia desses mil e quatrocentos almoços “esquecendo” o mais importante.

    Analisemos, então, calmamente:

    Oeiras é um pequeno concelho com um tão grande sucesso que é, por muitos, considerado um caso de estudo.

    Em quatro décadas passou de um dormitório de Lisboa, repleto de bairros de barracas sem saneamento básico (que desapareceram por completo), para o segundo concelho cujas empresas financeiras mais facturam (vinte e cinco mil milhões de euros, ano).

    É o segundo concelho mais exportador de Portugal.

    É um concelho com os maiores índices de nível educacional do país.

    A Câmara de Oeiras é visitada, semanalmente, por políticos dos quatro cantos do Mundo, incluindo Presidentes, Primeiros-Ministros, Ministros, Embaixadores, Autarcas.

    Por artistas, escritores, desportistas, cientistas.

    Os membros do Executivo são constantemente convidados para reuniões, palestras e debates, nos mais variados países.

    A imagem do concelho é uma extraordinária mais-valia para Portugal.

    Quando todas estas personalidades visitam Oeiras, o Executivo, chefiado por Isaltino Morais, faz o que qualquer pessoa educada deve fazer, recebê-las com a qualidade que o Concelho deve exigir aos seus dirigentes.

    E não fazem mais do que a sua obrigação porque, com toda a certeza, tratamento idêntico lhes será dado quando forem eles os visitantes.

    O jornalista, autor da notícia, considera os valores gastos nestas refeições como exagerado.

    Na realidade, 139 mil euros é um número que faz pensar.

    Pelo menos até fazermos contas.

    Falamos de seis anos, 1.560 dias úteis.

    Feitas as contas, os almoços de trabalho dos membros do Executivo, e os destinados aos mais diversos convidados, custaram, ao Município, na totalidade, menos de 90 euros por dia útil.  

    Se o título tivesse estes valores qual seria o impacto da notícia?

    Felizmente a população do concelho conhece os seus autarcas e tem demonstrado uma absoluta confiança neles, o que leva a que vá aumentando, em todas as eleições, a percentagem dos seus votantes.

    Mas, apesar de anos e anos a ser perseguido de maneira ignóbil, Isaltino deve sofrer com estes ataques.

    Não sou ninguém para lhe dar conselhos, mas se ele aceitasse dir-lhe-ia que esquecesse tudo à mesa de um bom restaurante, com um bom lavagante e Moet & Chandon de entrada.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A lei da Saúde Mental

    A lei da Saúde Mental


    Foi, finalmente, publicada uma nova Lei da Saúde Mental.

    Apesar de toda a fragilidade do texto, que fica longe de resolver uma situação degradante, de imediato surgiram as mais diferenciadas reacções.

    O que é surpreendente já que, se pensarmos por uns minutos, iremos concluir que o bom senso, e algum sentido humanitário, seria mais que suficiente para uma concordância generalizada sobre o modo de encarar o problema dos doentes mentais acusados de cometerem crimes.

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    Se um cidadão prevarica terá que, obviamente, ser levado a Tribunal.

    Caso haja a suspeita de que, por doença mental, não é responsável pelo seu acto, os juízes, depois de consultados os peritos médicos, deverão determinar se é imputável ou inimputável.

    Por outras palavras, se tinha, ou não, a faculdade de perceber a gravidade do delito que cometera.

    Se o Tribunal concluir que é imputável, ou seja, que tinha perfeita consciência do seu crime, deve condená-lo e enviá-lo, em cumprimento de pena, para o Estabelecimento Prisional mais apropriado.

    Se, pelo contrário, o considerar inimputável, concluindo que o crime foi cometido sem que o cidadão tivesse consciência do seu acto, deve entregá-lo, de imediato, aos cuidados médicos de modo a que possa ser internado num Hospital apropriado à sua doença.

    A partir desse momento só os médicos devem ser responsáveis pelo futuro do doente.

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    A explicação é simples: se for imputável deverá ser considerado criminoso, se for inimputável deve ser considerado doente.

    E o lugar de internamento de doentes deverá ser um hospital (nestes casos um hospital psiquiátrico) e não uma cadeia.

    Até porque, em casos de extrema gravidade, ele poderá continuar internado, em ambiente hospitalar, rodeado de enfermeiros e médicos que lhe poderão garantir a dignidade e os cuidados devidos a todos os cidadãos, até ser considerado curado.

    Mesmo que isso signifique até ao fim da sua vida.

    Só desse modo a Sociedade ficará salvaguardada de alguém perigoso.

    Algo impossível de acontecer se optarem pela reclusão já que não poderá, neste caso, ultrapassar a pena máxima de vinte e cinco anos, que a Lei estipula, devendo ser libertado ao fim desse período, independentemente do perigo que a sua libertação possa causar, quer para os outros cidadãos quer para ele próprio, já que pode ser vítima de alguém que se defenda das suas investidas, de modo mais agressivo.

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    A solução lógica, portanto, é que o autor de um qualquer crime, por grave que seja, sendo imputável deva ficar sob a responsabilidade dos Tribunais mas, sendo inimputável, deverá passar, de imediato, para a responsabilidade do Ministério da Saúde.

    Prender alguém pelo “crime” de ser doente é que é contra tudo o que um Estado Democrático pode aceitar.

    No entanto, o que acontecia e a Lei agora aprovada mantém, era a hipótese de um inimputável ficar “internado” numa cadeia.

    A única alteração, com as novas regras, é o facto de não poder continuar em reclusão depois de terminar o tempo da sua pena e até ser considerado curado.

    Desde logo porque não se percebia porque é que teria de ser um Magistrado a decidir se um Inimputável poderia ser considerado curado, ao ponto de reintegrar a Sociedade, ou não.

    Até agora o documento que tornava isso possível era um mandato de libertação assinado por um Juiz.

    Parece óbvio que essa decisão deveria ser um documento de alta, assinada por médicos, e sob a responsabilidade única destes.

    Photo Of Woman Resting On The Couch

    Argumentam, alguns, que o Juiz, antes de decidir, ouvia peritos médicos.

    Porém, das duas um: ou o parecer dos médicos era vinculativo, e então não se percebe o papel do Juiz já que, neste caso, teria de obedecer aqueles, ou era simplesmente consultivo, e então há que perceber porque é que a opinião do Juiz, num caso de saúde, podia ser mais determinante do que a dos médicos.

    Esta Lei, que anula a hipótese de prisão perpétua para reclusos doentes, vai permitir, contudo, que as nossas cadeias continuem a ter, nas suas celas, dezenas de doentes, inimputáveis.

    Embora, a partir de agora, não se possa prolongar o tempo de prisão a que tiverem sido condenados em julgamento.

    E aí a questão torna a colocar-se: se o condenado era inimputável, nos momentos do crime e em que foi julgado, como pode ser possível que haja uma qualquer condenação?

    Red Haired Woman in Dark Room

    Logo, não seria este o momento certo para a Lei obrigar à transferência de todos estes cidadãos para hospitais psiquiátricos, passando a ficar exclusivamente sob a dependência do Ministério da Saúde e não de Tribunais?

    A realidade é que os reclusos são os cidadãos mais excluídos da nossa sociedade e que os inimputáveis são os mais desprotegidos entre aqueles.

    Uma tristeza.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A canonização para Carlos Moedas, já!

    A canonização para Carlos Moedas, já!


    Recordo Mário Soares a repetir, à exaustão, que “Portugal é um País Republicano e Laico!”

    (Tudo com letras maiúsculas para ficar claro.)

    Também não esqueço que a maioria do Povo português é católica.

    Que a imensa maioria de nós teve uma educação cristã.

    Que, nos momentos de maiores dificuldades, ou de temor, invocamos o nome de Deus.

    Muitas vezes, em vão.

    A Jornada Mundial da Juventude pode ser um marco importante para centenas de milhares de jovens e, logo, das suas Famílias.

    E, reconheço, tenho pelo Papa Francisco admiração e respeito.

    Gosto de muitas das suas atitudes como Homem.

    Considero-o um Avô simpático, carinhoso, com uma palavra sábia no momento certo e, sobretudo, dotado de sentido de humor, o que, para mim, é essencial.

    Como representante máximo da Igreja Católica… estou em desacordo com muito do que ele defende.

    Dito isto, reconheço que fiquei feliz com a vinda de Sua Santidade o Papa Francisco a Portugal.

    Tenho tentado seguir todos os preparativos para esta Festa (porque tem que ser uma Festa) mas, a pouco e pouco, fui ficando menos entusiasmado.

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    Não foi surpresa a ânsia dos políticos a quererem mostrar empenho no apoio às Jornadas, sempre com a intenção de procurarem o título de anfitrião-mor!

    O Presidente do Município de Lisboa, que há uns tempos é quase o Presidente das Jornadas, não se tem cansado nessa busca.

    Todos os dias apresentando projectos grandiosos, programas ultra-ambiciosos, ideias superlativas.

    Lembro, por exemplo, o “Melga-Palco” que, depois de reduzido no seu tamanho inicial, por gente mais consciente, digamos assim para sermos simpáticos, ficou, ainda assim, um melga-palco.

    Quase quatro milhões de euros por um mamarracho que servirá para um único dia – por muito que tentem convencer-me do contrário não consigo imaginar qualquer utilidade para aquela coisa – mais vinte e cinco milhões (antes das derrapagens) para outras obras, é quanto o Município de Lisboa vai “investir” nas Jornadas.

    Uma gota de água se compararmos com o custo final, mas isso, como dizem na minha terra, “são outros trezentos”!

    Porém, as preocupações de Carlos Moedas não se ficam pelo Parque Tejo.

    Lisboa tem imensa necessidade de obras para receber, dignamente, o Sumo Pontífice, concluiu depois de viajar pela capital, quiçá pela primeira vez.

    Preocupações enormes foram surgindo à medida que a percorria.

    “Que falo é este?” perguntou num grito, e de olhos esbugalhados, quando vislumbrou a peça com que João Cutileiro resolveu comemorar o 25 de Abril de 1974.  

    De imediato concluiu que aquela obra não conjugava com o segundo altar onde o Papa rezará, no Parque Eduardo VII, e que estava previsto ficar exactamente onde se encontra o monumento de noventa toneladas.

    Nada que demovesse o Presidente de agradar à Igreja pelo que decidiu pedir à família do escultor para autorizar a que a Obra fosse retirada daquele local.

    A família até anuiu sem colocar qualquer entrave.

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    Talvez por isso, resolveu optar por medida “mais em conta”, propondo tapar o monumento, provavelmente para que os jovens não venham a saber que foi aquela a maneira como o escultor resolveu homenagear a “virilidade e solidez dos Capitães de Abril”!

    Mas, obviamente, arranjou uma desculpa mais “politicamente correcta”: “O monumento precisa de obras urgentes e a Câmara Municipal de Lisboa admite que pode vir a ser tapado durante o evento. Negamos que a ideia seja escondê-lo do Papa Francisco”.

    Finalmente passou pela Baixa e… cúmulo dos cúmulos, descobriu que havia sem-abrigos a dormir na rua, em tendas!

    Como se Lisboa fosse uma cidade africana!!!

    A Polícia Municipal retirou as centenas de camas improvisadas, barracas e camas de cartão deixando as avenidas a brilhar.

    À pergunta se isso se devia à vinda do Papa, a resposta esperada:

    “Só por má-fé se pode dizer isso. É uma Operação planeada há muito tempo e só por coincidência levada a cabo na véspera da chegada de Sua Santidade. A nossa preocupação é dar um sítio digno para estes cidadãos viverem”.

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    Esqueceu-se de dizer onde vão ficar, agora, aqueles infelizes, mas uma pessoa não se pode lembrar de tudo.

    Não sei se, por muito bem que corram as Jornadas, esta actuação de Moedas o levará a ficar na fila para ser canonizado.

    Mas o que ele se tem esforçado!…

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Uma caricatura de amnistia

    Uma caricatura de amnistia


    Em 2019, a APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso apresentou, na Assembleia da República (com mais de 25.000 assinaturas de apoio) uma Proposta de Amnistia e Perdão de Penas que, ao contrário do propalado por alguns extremistas de direita, não tem, com objectivo, “branquear o crime” mas, tão só, tentar fazer Justiça.

    A explicação é simples:

    Um Juiz, ao condenar um cidadão a uma pena de prisão, com base no Código Penal, fá-lo no cumprimento escrupuloso da Lei mas, também, na convicção de que o condenado irá cumprir a sua pena conforme o estipulado pela mesma Lei.

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    Ora, como é sabido, essa convicção não corresponde à realidade, já que as penas são cumpridas de um modo muito mais gravoso.

    Isto porque, as instalações físicas das nossas prisões, salvo raríssimas excepções, são medievais e impróprias para Seres Humanos. 

    Celas que deveriam ser individuais estão com dois presos, as camaratas superlotadas, a água a escorrer pelas paredes, os fios eléctricos descarnados.

    Ali existe todo o tipo de pragas (pulgas, percevejos, etc.) e, os reclusos têm de tapar, à noite o buraco das sanitas, com garrafas de água, para as ratazanas não invadirem o seu espaço.

    Quanto à alimentação, bastará dizer que o Estado paga, à empresa que as fornece, 0,80 € por cada refeição, para se perceber a sua quantidade e qualidade.

    Os cuidados de saúde são medíocres e as cadeias estão repletas de reclusos doentes, muitos deles gravemente, alguns em estado terminal.

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    A maioria dos presos não consegue trabalho com que ocuparem o tempo, e lhes dê algum dinheiro, para as suas necessidades básicas, e os que o conseguem auferem dois euros por dia, dos quais só um lhes é entregue ficando, o outro, num “fundo de reserva”.

    A possibilidade de estudarem é quase impossível por falta de meios (são proibidos, por exemplo, os computadores) e, até, de espaço apropriado.

    Com base neste cenário, cuja culpa pertence, em exclusivo, ao Estado e aos diversos Governos das últimas décadas, considerou a APAR que seria justo que os deputados aprovassem um perdão que retirasse algum tempo de prisão aos condenados.

    Mais concretamente, um ano de prisão a todas as penas até seis anos e mais dois meses por cada ano além desses seis.

    Deputados extremistas, sem surpresa, ficaram revoltados gritando, a plenos pulmões, que a Justiça só é efectiva se a Lei for cumprida e, logo, as penas deveriam ser cumpridas na íntegra.

    Uma verdade incontestável SE a Lei de Execução de Penas fosse, também ela, integralmente cumprida. 

    low-angle photography of concrete building

    Houve, até, um deputado do partido “Chega” que disse, no Plenário da Assembleia da República, que “os presos deviam apodrecer nas cadeias”.

    Disse isso sem perceber que uma estupidez destas ajudava ao apodrecimento da democracia.

    Principalmente porque a disse na Casa que representa esta.

    O líder deste mesmo partido já tinha dito, num debate eleitoral, “que não haveria mal nenhum se cortassem as mãos aos ladrões”.

    Levassem isto a sério e ele correria o risco de ser o líder de um partido de manetas.

    Enquanto o pedido da APAR continua, sem resposta, a aguardar o apoio dos senhores deputados, o Governo apresentou, na Assembleia da República, uma caricatura de amnistia, para jovens dos 16 aos 30 anos e que, dada a quantidade de restrições aos crimes abrangidos, poderá levar à libertação de umas dezenas deles.

    Esta é decisão tomada pelo Governo que, ao contrário do que se espalha aos quatro ventos, é aquele que mais amnistias concede na Europa.

    barbed wire

    É verdade que o último que abrangeu os presos “comuns” data de 1999, há 24 anos.

    Mas temos de pensar naquelas que se fazem sem publicidade numa tentativa de passarem despercebidas.

    Basta pensar nas amnistias a dívidas fiscais e nos perdões às dívidas à Banca do Estado.

    Mas, aí, não se trata de perdoar “bandidos” que roubam supermercados, ou conduzem sem carta de condução, ou insultam agentes da autoridade quando ébrios.

    Estes, como não têm condições para ajudar alguns partidos nos momentos das campanhas eleitorais, servem para dar razão a quem diz que as autoridades estão atentas.

    Razão tinha Almada Negreiros quando dizia que “Portugal não é um país, mas um sítio. E, ainda por cima, mal frequentado”.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vacinas contra o desleixo

    Vacinas contra o desleixo


    Passou quase despercebida do grande público uma notícia extremamente preocupante: a falta de vacinas em vários centros de saúde do país.

    Aquele que devia ser um caso prioritário nas preocupações da Oposição (já que o Governo se desleixara numa matéria crucial) passou para segundo plano porque, para a maioria dos deputados, ansiosos de chegar ao Poder, o que interesse é que o “povinho” se revolte com as trapalhadas da TAP.

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    A possibilidade de incumprimento do Plano Nacional de Vacinação, incluindo no que respeita a crianças, é, para estes, um caso de somenos importância se houver que descobrir quem chamou o SIS num caso que deveria ter sido resolvido pela polícia.

    Os problemas gravíssimos que esta falha pode causar, e o facto dela só ser possível por uma absoluta incompetência do Ministério da Saúde, não deverão merecer atenção prioritária enquanto não se souber, claramente, se um assessor agrediu, ou não, colegas do gabinete para se apropriar de um computador.

    Deixando de lado a incomensurável estupidez desta Oposição, tentemos analisar o que se passa.   

    Comecemos por uma pergunta simples:

    Como pode o Ministério da Saúde tentar justificar a falta de vacinas em vários centros de saúde do país?

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    O comum dos mortais sabe que o Estado tem, ao seu dispor, à distância de um clique, num qualquer computador, o número exacto de vacinas a administrar aos cidadãos.

    O médico Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria, foi claro:

    “A aquisição de vacinas é uma daquelas coisas previsíveis e que se sabe com antecedência, quantas e quais é que vão ser necessárias. Por isso, uma quebra de disponibilidade nos centros de saúde, que não seja por falta de produção, é incompreensível.”

    Qual será, então, a gravidade da situação?

    Para o cidadão comum esta pergunta é de difícil resposta já que, ao contrário do acima dito em relação aos governantes, nesta altura é desconhecido o número de vacinas administradas diariamente.

    Na realidade, desde 2020, e por causa da pandemia, os dados foram retirados do Portal da Transparência e ainda não voltaram a ser disponibilizados.

    person in red sweater holding babys hand

    Ainda assim, e graças às informações prestadas pelos responsáveis, sabemos que começaram a faltar, nos Centros de Saúde, doses de vacinas contra a difteria, tétano, tosse convulsa, poliomielite e haemophilus b.

    Mais, sabemos que o Governo ainda não comprou as vacinas do Programa Nacional de Vacinação deste ano e que os Centros de Saúde estão a utilizar doses que sobraram do abastecimento anterior.

    Segundo o jornal Expresso, a vacinação gratuita à população, sobretudo de recém-nascidos e crianças, está a ser feita a “conta-gotas”.

    Em resposta à TSF, Manuel Pizzarro reconhece que “pontualmente, num local ou noutro, podem ocorrer situações de faltas, que são rapidamente resolvidas”, e assegura que, “a nível nacional, não estão vacinas em falta no âmbito do Programa Nacional de Vacinação”.

    Duas frases que entram em contradição nítida e que tentam branquear com a garantia de que “Portugal faz uma gestão criteriosa do stock de vacinas, monitorizando-o em permanência, o que permite assegurar a disponibilidade de vacinas, sem desperdício, e que se continue a vacinar e a cumprir o Programa Nacional de Vacinação”.

    girl covering her face with both hands

    Esta estranha serenidade, todavia, é arrasada pelos jornalistas do “Expresso”.

    Estes garantem que, apesar das necessidades para o cumprimento do Plano Nacional de Vacinação, para 2023, terem sido enviadas, atempadamente, pela Direção-Geral da Saúde ao Ministério da Saúde, o respetivo procedimento para a aquisição das vacinas ainda não foi iniciado.

    “O Ministério da Saúde foi avisado com dezenas de e-mails a alertar para a urgência em aprovar o plano”, garantiu ao jornal uma fonte próxima do processo.

    Os profissionais ouvidos pelo semanário, mesmo aceitando a garantia, dada pelo Ministério, de que a compra de vacinas ficará concluída na próxima semana, garantem que esta compra não apagará o atraso de seis meses.

    Por sua vez, o Dr. Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, garante que, “já em 2022, 12% das crianças foram vacinadas depois da idade ideal. Ou seja, houve uma fragilização”.

    woman getting vaccine

    Os dados disponíveis, citados pelo “Expresso”, revelam que a vacinação fora do tempo certo é mais evidente nas crianças mais pequenas, entre os 12 e os 13 meses de vida.

    Segundo o boletim, a imunização atempada nessa faixa etária fica pelos 85%, portanto muito abaixo dos mais de 95% conseguidos na cobertura global nos restantes grupos vacinados.

    Mas que importância terá tudo isto para os nossos políticos empenhados que estão na luta pelo prémio do mais populista?

    Se, pelo menos, houvesse uma vacina contra o desleixo…

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A taberna como referência

    A taberna como referência


    Foi penoso, ao longo das últimas semanas, seguir a novela das aventuras e desventuras da TAP e de quem a dirige a nível empresarial e político.

    Fomos obrigados a ouvir, durante horas e horas, todo o tipo de debates, “análises”, comentários, afirmações, desmentidos, pedidos de demissão e histórias rocambolescas, com que os nossos deputados se têm entretido, praticamente a tempo inteiro, no Parlamento.

    flying white and red airliner plane

    À falta de preparação intelectual, e do conhecimento das matérias realmente importantes para o nosso dia-a-dia, entretêm-se a dar opiniões e a exigir respostas, sobre temas que estejam ao alcance do “povinho”.

    O objectivo é simples:

    Pegar num caso que demonstre o falhanço de um adversário político, criticar este com a maior veemência, se necessário realçando um ou outro ponto que, mesmo sendo duvidoso, possa aumentar a revolta de quem escuta e, ouro sobre azul, criar um escândalo.

    Vejamos o caso concreto que está na moda.

    Tudo começou com uma indemnização de quinhentos mil euros a uma administradora da TAP, que a CEO “convidara a sair”, e que, passadas poucas horas, seria chamada para assumir um lugar noutra empresa do Estado.

    man sitting on gang chair with feet on luggage looking at airplane

    Uma Oposição, composta por um Partido (PSD) que anda, há sete anos, com vontade de “ir ao pote” – mas sabendo que tem de esperar mais três, dada a maioria absoluta do PS – com um inesperado apoio de outros com assento parlamentar, não se tem preocupado com qualquer outro assunto ou problema do país na esperança de que o clamor à volta do caso leve o presidente da República a dissolver o Parlamento e marcar eleições.

    Hipótese, aliás, sugerida várias vezes por este nos intervalos das suas múltiplas opiniões sobre futebol, cinema, educação, moda e gastronomia, entre outros.

    O ruído aumentou com a entrada em cena dos rapazes do Chega que, cientes de que o PSD nunca teria votos para governar sozinho, não só exigem eleições imediatas mas, também, fazer parte do novo Governo e, inclusivamente, indicando os Ministérios que pretendiam passar a tutelar.

    E dizem tudo isso num discurso feito, propositadamente, para ser entendido e apoiado pelo seu eleitorado mais fiel: os habituais frequentadores das inúmeras tabernas do nosso país.

    Ou seja, fixando-se em dois ou três pontos, que cheirem a escândalo, repeti-los em frases curtas, compostas por palavras que não tenham mais de três sílabas, e insultando, a plenos pulmões, quem deles tenta discordar.

    O ideal é, depois, fazerem acusações que possam pôr em causa a idoneidade dos que pretendem atacar, mesmo que alterando os factos.

    Como no caso do adjunto de um Ministro, que foi demitido e, depois disso, “levou”, do que tinha sido o seu local de trabalho, contra a vontade da Directora do Gabinete, um computador do Estado porque garantia ter, nele, textos pessoais.

    A polícia e os Serviços de Segurança foram recuperar o aparelho, que até foi devolvido de livre vontade, e fez-se disto um caso que, há quem considere, devia fazer cair o Governo.

    Até aceito que a chamada do SIS foi infeliz e que o mais certo teria sido chamar a PSP e mandar prender o tal adjunto por furto, ou roubo, conforme a interpretação da violência havida no gabinete.

    Levar o caso ao ponto a que chegou, nos termos em que chegou, com o vocabulário usado por políticos que querem ser governantes, acabou por confirmar a fragilidade da nossa Oposição que se vê obrigada a agarrar um episódio caricato por absoluta incompetência para debater os verdadeiros e graves problemas políticos do País.

    Desde logo a Saúde, a Justiça, a Educação de um modo geral e a luta dos professores em particular, o modo como investir o dinheiro proveniente da Europa, etc. etc. etc..

    O PSD é chefiado por um pseudo político, sem capacidade para ganhar, sequer, uma eleição a qualquer Junta de Freguesia, que permite que, no Parlamento, nomeadamente na Comissão de Inquérito, os seus deputados tenham entrado no mesmo registo dos populistas, com insultos e tentativas de humor ridículas. Aí, o Deputado Rios de Oliveira é uma fotocópia, pior que os originais, como sempre, da malta do Chega.

    Pior, só mesmo o acéfalo da Iniciativa Liberal, um tal Rui Rocha (Calhau seria mais indicado) com um palavreado absolutamente primário e deprimente.

    O resultado de tudo isto é que, pensar que o Presidente Marcelo, por muito líder da Oposição que queira ser (e tem sido) e por muita vontade que tenha (e tem) de ver o seu Partido a dirigir o País, vai usar a “bomba atómica” é estar completamente fora da realidade.

    Marcelo sente que este segundo mandato, que tem sido muito mau, acabaria em total desastre se promovesse novas eleições já que o PS as ganharia, de novo, atendendo à falta de categoria de uma Oposição que tem como referência os eleitores de taberna.

    Aliás, só mesmo bêbedo alguém votaria nos partidos que a compõem. Por mim falo já que seria a primeira vez que, com o cuidado de tapar o símbolo para não me sentir muito mal, votaria no PS.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os inimputáveis

    Os inimputáveis


    Em todos os países civilizados há um cuidado especial para com os cidadãos inimputáveis.

    Não só para proteger a Sociedade de eventuais actos violentos que aqueles possam praticar, dada a sua doença, mas também pela obrigação que qualquer Ser Humano, responsável, deve (tem de) ter para com os doentes mentais.

    Em Portugal, todavia, este problema é tido como “coisa menor” e tratado do modo “habitual” quando não se conseguem outras soluções.

    woman sitting on black chair in front of glass-panel window with white curtains

    Ou seja, deve esconder-se.

    Foi assim com os mendigos, os sem-abrigo e os arrumadores de automóveis.

    Não se consegue apoiá-los, há que escondê-los.

    Os inimputáveis violentos são levados a Tribunal sendo que os juízes tomam, de modo geral, a única decisão possível: mandar que sejam internados num hospital apropriado ao seu estado de saúde.

    O problema é que, todos sabemos, esses espaços são praticamente inexistentes em Portugal e, obviamente, insuficientes.

    A alternativa, porque há que proteger a Sociedade, recordemos, é internar estes doentes em prisões.

    O facto de todos concordarmos que os crimes cometidos foram causados, numa imensa maioria das vezes, pela incapacidade do seu autor em distinguir o bem do mal (porque serão, para todos os efeitos, adultos com o pensar de uma criança de tenra idade), não tem qualquer importância para os decisores.

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    Em Portugal há cerca de quatro centenas de reclusos, inimputáveis, espalhados pelas diversas prisões do país.

    Nos últimos dias foi conhecido o caso do Ezequiel Costa Ribeiro.

    Um cidadão que, na sua atribulada juventude, cometeu um crime grave (homicídio) pelo qual foi condenado a dezanove anos de cadeia.

    Cumprida essa longuíssima pena, o Tribunal concluiu que não deveria ser inserido na Sociedade, por não estar pronto para tal e continuar a ser um elemento perigoso.

    Provavelmente concluiu bem.

    Em Portugal há 30 psicólogos, para 12.000 reclusos, e o mais provável é que este cidadão não se tenha cruzado com algum deles mais do que meia dúzia de vezes nas primeiras duas décadas em que esteve preso.

    O que levou a que não houvesse, com toda a certeza, um estudo credível que pudesse garantir a sua “real” inimputabilidade.

    black framed eyeglasses on top of white printing paper

    Convicção reforçada pelas palavras do seu advogado que afirma, categoricamente, que ele nunca foi, oficialmente, registado como inimputável.

    De qualquer modo, cumprida que estava a pena a que fora sujeito, é óbvio que o Ezequiel deveria sair da cadeia.

    Ou para passar a viver em liberdade ou para ficar internado numa clínica destinada a cidadãos não condenados.

    O problema é que a opção do Tribunal foi confirmar a sua continuação na Clínica Psiquiátrica do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo.

    Um espaço que o Conselho da Europa já garantiu, depois de visitas várias, que deveria ser encerrado “por absoluta falta de condições”.

    Os responsáveis afirmam que o facto da Clínica, onde ele se encontra, fazer parte de um Estabelecimento Prisional, não significa que os seus utentes possam ser considerados presos.

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    Vejamos:

    O Ezequiel é fechado, à chave, pelas 19 horas, na sua cela, e não num quarto, e aberta esta às 7 horas do dia seguinte, não por enfermeiros – que, normalmente, deixariam a porta aberta – mas por guardas prisionais.

    Se vai a uma consulta não é levado numa ambulância, acompanhado por enfermeiros, mas numa carrinha celular, algemado e no meio de guardas prisionais.

    Para voltar a casa não precisa que os médicos lhe concedam “alta” mas que os juízes do Tribunal de Execução de Penas lhe passem mandato de soltura.

    Todos sabem isto.

    Todos assobiam para o lado.

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    Como compreender que num país europeu, que se diz civilizado, em cujas Escolas se ensina, na teoria, a respeitar os Direitos Humanos, com conterrâneos em altos cargos a nível mundial, desde logo o Secretário-Geral das Nações Unidas, com uma população maioritariamente católica, se considere de somenos importância que se tratem como animais alguns cidadãos pelo simples facto de serem doentes mentais?

    Almada Negreiros dizia, referindo-se a Portugal, que “Isto não é um país, é um sítio e, ainda por cimamal frequentado!”

    Só os, realmente, inimputáveis não estarão de acordo.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Costa falhou por pouco

    Costa falhou por pouco


    A excelente oportunidade que António Costa criou, com a não aceitação da demissão de João Galamba, falhou por pouco.

    Conseguiu, ao fim de anos, colocar o Presidente da República no seu lugar.

    Fez com que este deixasse de o ver como um seu ex-aluno e proibiu-o de se tornar a imiscuir nas decisões que competem ao Primeiro-Ministro. Isto depois de ter engolido dezenas de sapos vivos aceitando, sem reagir, os “ralhetes” aos seus ministros, ser forçado a demitir membros do Governo, e concordando com a indicação de prioridades na governação do país.

    Ao entrar em litígio com o Presidente, ao fim de dezenas de ameaças, primeiro veladas, depois claras e, por fim, ameaçadoras, de dissolução da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, parece-me óbvio, queria mesmo que o Presidente passasse da ameaça aos factos e levasse à queda do Governo.

    Para um estrangeiro, parecerá inverosímil que o líder de um Governo, para mais com maioria absoluta, deseje que o Presidente da República use a “bomba atómica” e o retire do Poder.

    A verdade é que só o PS e o Chega ganhariam com essa medida. E eram os únicos Partidos a defendê-la.

    E até houve um momento em que (coitados!) acreditaram que Marcelo cumpriria uma das suas ameaças.

    Os portugueses percebem que a dissolução da Assembleia da República, com a obrigatoriedade de novas eleições, seria ouro sobre azul para o Partido Socialista.

    Analisemos:

    Fim da Comissão de Inquérito à TAP, o grande pesadelo do PS neste momento.

    Novas eleições num momento em que, por incrível que possa parecer, lhe era vantajoso.

    Isto porque o PSD tem um líder que não conseguirá ser eleito nem para presidir a uma Junta de Freguesia.

    O Chega, se crescer, será com os votos roubados aos sociais-democratas, e à Iniciativa Liberal, e não aos Socialistas.

    O Bloco de Esquerda veria a sua votação cair a pique pela necessidade do voto útil.

    O Partido Comunista e a Iniciativa Liberal, depois da eleição dos seus novos líderes (tal como 90% dos portugueses nem sequer sei os nomes dos rapazes), tornar-se-iam ainda mais irrelevantes.

    O PAN e o Livre, teriam o mesmo destino do CDS e cederiam os seus lugares a deputados de partidos a sério.

    A tendência, em momentos de crise, é deixar de ligar a experimentalismos ou modismos.

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    Acredito que António Costa sairia mais reforçado de umas novas eleições do que com a actual maioria absoluta.

    Verdade seja dita que o Primeiro-Ministro é o grande culpado por não ter aproveitado a confiança que o Povo lhe deu nas últimas eleições.

    Seria a altura exacta, num momento em que ninguém se atreveria a discutir qualquer escolha sua, de renovar o habitual conceito na constituição de governos.

    Podia, e devia, ter criado uma equipa forte, com um programa ambicioso e inovador.

    Seria possível conseguir gente capaz, e com provas dadas, que aceitasse integrar um grupo com essa estrutura e objectivos.

    Encontraria, com toda a certeza, mesmo fora do seu partido, uma dúzia de homens e mulheres com esse perfil. E ninguém se atreveria a contestá-lo.

    Ao optar, de novo, pelos militantes provenientes da juventude socialista, rapaziada sem vida, sem curriculum, sem qualquer experiência digna desse nome, perdeu uma ocasião única de fazer um mandato excelente.

    Tudo em nome do partido, deixando para segundo lugar o País.

    Mais, sujeitou-se ao aparecimento de casos como os que acabaram por surgir.

    Dificilmente, verdade seja dita, alguém poderia supor que o nível dos escolhidos fosse tão baixo, a roçar a criancice.

    Mas era um risco que, quem tinha todo o poder na mão, não deveria ter corrido.

    Percebem-se algumas cedências quando há que negociar. Ter a maioria absoluta e não a usar, para o que é fundamental, é inadmissível.

    Costa sabe que errou nesse ponto.

    Tentou, agora, uma segunda oportunidade.

    Fazer uma remodelação, que reforçasse o Governo, neste momento, não era possível.

    Com o que se passa na Comissão de Inquérito sobre a TAP só um louco aceitaria integrá-lo.

    Daí que a remodelação fosse vista como uma solução pelo exposto acima.

    Como seria de esperar, todavia, Marcelo não cumpriu as suas ameaças e optou por fazer outras.

    Quem quiser que o leve a sério.

    No fim de tudo, só o país ficou a perder porque o Governo não melhorou, o Presidente, que já tinha pouca credibilidade, perdeu o seu espaço de manobra – embora toda a Oposição, por razões óbvias, diga o contrário – e o desfile de vergonhas vai continuar na Assembleia da República.

    A única vantagem é que António Costa se emancipou perante Marcelo.

    Se este, a partir de hoje, se remeter ao papel que lhe compete, já não se perde tudo.

    Mas, há que reconhecer, Costa falhou por pouco.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • 25 de Abril, sempre!

    25 de Abril, sempre!


    Sento-me para escrever a Crónica semanal e recordo o início da minha vida profissional, no “Jornal do Fundão”, na década de 70 do século passado.

    Dirigido por um Homem superior, António Paulouro, este Jornal era uma referência de coragem, de liberdade e de luta pelo fim da ditadura.

    Quando integrei a Redacção, o Jornal tinha acabado uma suspensão de seis meses, imposta pelos tribunais do regime, por ter publicado uma notícia sobre o prémio atribuído, pela Sociedade Portuguesa de Autores, a Luandino Vieira pelo seu livro “Luaanda”.

    Ainda hoje sinto a desilusão que, como jovem, senti ao perceber que tudo o que eu escrevia teria de ser lido e aprovado, antes de poder ser publicado, não só pelo chefe de redacção ou director mas, principalmente, por um coronel da Censura

    E quando digo tudo, era mesmo tudo.

    A mais pequena alusão à governação, fosse do Poder Central fosse da Junta de Freguesia da terra, era vista e analisada à lupa.

    Muitas vezes, o censor conseguia descobrir, no mais anódino texto, intenções que nunca tinham passado pela cabeça do seu autor.

    Verdade seja dita que, também muitas vezes, deixavam passar textos carregados de ironia e sarcasmo que os incultos coronéis não compreendiam.

    De qualquer modo, era imensa a revolta que existia por sabermos que nada do que escrevêssemos poderia ser impresso sem que essa gente mesquinha, medrosa e consciente dos seus pequenos poderes autorizasse.

    Várias vezes pisámos o risco vermelho, que a ditadura impunha, e o resultado eram processos judiciais.

    Valia-nos a ignorância da maioria dos censores e polícias do regime.

    Eram joguetes na mão dos governantes, obedecendo cegamente a todas as ordens que recebiam.

    Recordo uma rusga ao Jornal, por um grupo de elementos da PIDE, que tinham, como função, apreender tudo o que se relacionasse com a política ultramarina.

    Das estantes de livros do gabinete do Director carregaram todos os que tivessem, no título, uma alusão às “províncias ultramarinas”.

    António Paulouro perguntou, espantado, a um dos agentes, se também iria apreender o livro que tinha nas mãos.

    A resposta foi:

    – “Evidentemente. O título ‘Factos e Figuras do Ultramar’, obriga-nos a isso. A ordem é, levar tudo que mencione o Ultramar.”

    red LED light

    E apreendeu um exemplar do livro de Marcelo Caetano.

    Que também não fazia muita falta, há que reconhecer.

    Durante os anos em que trabalhei no Jornal, até ao 25 de Abril, fui impedido de escrever notícias sobre factos absolutamente humilhantes para cidadãos europeus.

    Em Portugal não havia eleições, as mulheres não podiam viajar para o estrangeiro sem uma autorização escrita dos maridos, as professoras primárias não se podiam casar sem uma autorização especial, os funcionários públicos tinham que assinar uma declaração garantindo que partilhavam a ideologia do regime, rejeitavam a Maçonaria e garantiam não serem membros dela, antes de poderem tomar posse.

    O Poder geria as organizações juvenis (nomeadamente na Mocidade Portuguesa) que usava para ensinar, aos jovens, a ideologia defendida pelo regime e a obedecer e a respeitar o líder.

    Para além da PIDE, o regime apoiava-se, também, em organizações paramilitares, como a Legião Portuguesa, para proteger o regime das ideologias oposicionistas, com especial realce para o comunismo;

    Os trabalhadores estavam impedidos de criar sindicatos. Só existiam os que eram controlados pelo Estado.

    brown rope in close up photography

    Os cidadãos estavam proibidos de falar contra o Governo, de emitir opinião, de ver filmes, peças de teatro ou revistas onde se pusessem em causa estas ideias.

    Não tinham acesso a livros que defendessem opiniões diferentes das impostas pela governação.

    A riqueza estava concentrada nas mãos de meia dúzia de famílias.

    Portugal era um país “orgulhosamente só”, primeiro governado por um labrego que nunca tinha ido ao estrangeiro e que, de Portugal, só conhecia o gabinete, de onde ditava estas regras absurdas, e Santa Comba Dão, onde ia regar umas couves na sua pequena courela e, depois, por um professor universitário sem coragem para acabar com toda esta miséria intelectual.

    O 25 de Abril foi, citando Sophia de Mello Breyner, o fim do período em que lamentávamos:

    Quando a pátria que temos não a temos

    Perdida por silêncio e por renúncia

    Até a voz do mar se torna exílio

    E a luz que nos rodeia é como grades

    e passámos ao dia exemplarmente retratado como:

    Esta é a madrugada que eu esperava

    O dia inicial inteiro e limpo

    Onde emergimos da noite e do silêncio

    E livres habitamos a substância do tempo

    Hoje, quando graças aos Capitães de Abril posso escrever o que verdadeiramente sinto, só lamento ter que viver, lado a lado, com imbecis que continuam a criticar o Dia da Liberdade e que só podem ser ou acéfalos (por quem tenho pena) ou fascistas (que odeio).

    Critico, com veemência, muitas atitudes de quem nos governa, sabendo que tenho esse direito e esse dever.

    Mas, com muito mais empenho, criticarei os que querem e pensam ter forças para voltar àquele passado que nos tornava inferiores.

    25 de Abril, sempre!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Mau governo, péssima oposição!

    Mau governo, péssima oposição!


    Quando, a 30 de Janeiro de 2022, contra a expectativa da maioria dos portugueses, o Partido Socialista ganhou as eleições legislativas, com maioria absoluta, fiquei a aguardar a apresentação do novo Governo.

    António Costa vinha de meses difíceis.

    Tinham sido muitos os casos “estranhos” no seu mandato, vários os ministros debaixo de fogo, imensos os comentadores que consideravam “desajustados”, para as funções, alguns dos ministros, e havia, também, alguns destes a querer bater com a porta.

    Pensaram, todos os que se preocupam com a governação, que o líder do Partido Socialista iria aproveitar aquela extraordinária votação, que os eleitores lhe tinham dado, para fazer uma limpeza radical na estrutura governativa.

    Tinha motivos, e Poder, para tal.

    Era a hora de retirar, dos Ministérios, todas as maçãs podres.

    Que eram muitas.

    Talvez fosse, até, mais correcto dizer que ele deveria retirar, daquele cesto chamado Governo, as poucas maçãs que continuavam boas e não tinham sido “tocadas” pelas que, completamente putrefactas, as rodeavam.

    Quando, a 30 de Março, o Governo tomou posse, a desilusão foi total.

    Percebeu-se que, de novo, se tinha optado pelo pagamento de serviços prestados ao Partido, em detrimento da qualidade.

    Os Ministérios e Secretarias de Estado, com raríssimas excepções, foram entregues a carreiristas lambe-botas.

    A tomada de posse foi um desfilar de gente medíocre, sem vida e sem carreira outra que não a escalada, no Partido, desde especialistas em colar cartazes a moços de recados das figuras de referência.

    Na realidade, eu só estranhei a entrada de algumas personalidades, poucas, com conhecimentos e coragem para conseguir algum sucesso.

    Apesar da convicção de que os seus companheiros, nesta missão, lhes iriam dificultar essa tarefa.

    Essas poucas excepções, admito, davam-me alguma confiança.

    Quando vi uma delas, o Ministro da Economia, a ser atacado por Secretários de Estado absolutamente acéfalos, sem uma tomada de posição firme do Primeiro-Ministro, fiquei com a certeza de que este Governo iria ser o bombo da festa da Oposição.

    Os inúmeros casos que se seguiram, e que mostraram, à saciedade, a total incompetência, e até insanidade mental, de alguns dos governantes, mostraram, à evidência, a fragilidade da equipa.

    São muitos, são incompetentes, são burros!

    Numa palavra, o Governo é mau.

    Muito mau.

    A Oposição tentou aproveitar para convencer o Presidente da República a dissolver o Parlamento e levar o País a eleições antecipadas.

    Embora não o afirmando taxativamente.

    Mesmo quando o “líder” da Oposição, repetindo as frases de um seu antecessor (Passos Coelho), garantia que “o PSD não está cheio de vontade de ir ao pote, percebíamos que estas frases soavam a falso.

    O problema do líder social-democrata, contudo, é igual ao do Primeiro-Ministro: está rodeado de incompetentes e imbecis.

    E sabe que, a querer construir uma nova “Geringonça”, vai ter que se entender com o pessoal do “Chega”.

    E aquilo não são maçãs podres.

    Porque não há, ali, maçãs…

    O problema é que talvez ele seja o único português que ainda não percebeu isso.

    Maior prova de que a Oposição é péssima é que nem Marcelo a leva a sério, por muito que isso lhe custe!

    Só que, é difícil não se perceber que o actual PSD nunca ganhará umas eleições legislativas.

    A Oposição tem, portanto, um caminho difícil.

    Logo à partida porque encontra, à sua frente, um monte terrivelmente íngreme e difícil de transpor ou, mesmo, de rodear.

    É um monte que tem de se fazer com cautela, desconfiando de todo o terreno a pisar e, sobretudo, dos companheiros de caminhada.

    Talvez não precise de ter um olho nos burros e outros nos ciganos porque, à sua volta, não há ciganos.

    Mas o monte ergue-se, imenso, no caminho de todos os portugueses.

    Um monte que cheira a falso, que se sabe perigoso, sem caminhos visíveis, sem mapas, sem bússola.

    Um grande, imenso, tenebroso, monte negro.

    Talvez esteja na hora de seguir, pela primeira vez, um conselho de Passos Coelho e… emigrarmos.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.