Autor: Vítor Ilharco

  • Um país de generais

    Um país de generais


    Como a maioria dos portugueses, fiquei surpreendido ao saber do número de oficiais generais das nossas Forças Armadas.

    Nada mais, nada menos do que 253.

    Comecei por perguntar, a mim próprio, o que fariam todos estes militares no seu “dia de trabalho”.

    Imaginei essas duas centenas e meia de criaturas a levantarem-se cedo, como é exigido a qualquer militar, tomarem o seu banho, fazerem a barba ou maquilharem-se, consoante o sexo, e saírem de casa, depois do pequeno almoço, pelas 8,30 da manhã.

    Mas, com que destino?

    Há mais generais no nosso Exército do que quartéis, e outras instalações da Força, em todo o país.

    Há mais generais na Força Aérea do que aviões, helicópteros, avionetas e outros aparelhos voadores.

    Há mais almirantes do que navios, submarinos, corvetas e cacilheiros.

    E têm cerca de 20.000 militares sob as suas ordens.

    O que farão, então, estes cidadãos?

    Sei que alguns são colocados na Guarda Nacional Republicana, outros ocupam cargos de assessoria, outros fazem comentários nas televisões.

    No concreto, todavia, o que fará a maioria deles?

    Para se perceber o ridículo destes números podemos, e devemos, compará-los com os de outros países.

    Vejamos:

    As Forças Armadas dos Estados Unidos têm 1,3 milhão de soldados, 13.300 aeronaves, 303.553 veículos blindados de combate e 484 embarcações, com um orçamento anual de 760 bilhões de dólares e… 31 generais!

    A nossa vizinha Espanha tem 120 mil militares no activo, e 345.486 na reserva, e 28 generais.

    A França dispõe de 215.000 militares, entre os quais 55 generais.

    A Alemanha conta com 183.730 militares incluindo 189 generais.

    O Brasil tem 235.000 militares e 100 generais.

    Ou seja, Portugal tem mais generais do que Estados Unidos, Espanha, França e Brasil, juntos!

    Os 20.000 elementos das nossas Forças Armadas seriam, em qualquer daqueles países, comandados por um major. Ou um coronel.

    Neste nosso cantinho, onde há menos praças do que graduados, se contarmos com sargentos e todo o tipo de oficiais não generais, algo tem de ser feito para mudar esta situação.

    Em primeiro lugar há que saber quais os verdadeiros objectivos que os nossos governantes pretendem alcançar com as nossas Forças Armadas.

    Militares para “garantirem a defesa da nossa soberania” contra um qualquer eventual ataque de outro país?

    Se for esse o caso, então podemos temer o pior.

    A Espanha, por exemplo, se pretendesse tal (e obviamente não quer, a não ser que os seus dirigentes enlouqueçam…) bastaria mandar um pelotão, comandado por um sargento, e em 24 horas teríamos de começar a falar castelhano.

    Papel preponderante que os nossos militares podiam ter seria, por exemplo, a defesa das nossas costas marítimas, quer no impedimento de pesca ilegal quer impossibilitando que, por essa via, entrem em Portugal produtos ilegais ou gente indesejável.

    Só que, para estas acções, precisamos de operacionais em forma física e bem treinados, não de generais idosos e bem nutridos, e aquele é o tipo de gente em falta nos quartéis.

    Desde logo porque a juventude, na sua imensa maioria, nem quer ouvir falar de “tropa”.

    Disciplina, regras apertadas, levantar cedo, obedecer cegamente, péssimos ordenados, não poder dispor da sua vida em nenhum dia do ano, já que ficam sujeitos a ver as regras alteradas a qualquer momento?

    Jamais! A não ser que tornem o Serviço Militar obrigatório e voltarem a fechar as fronteiras.

    O mais certo, portanto, é que o número de generais vá aumentando, com as promoções por antiguidade, e o de praças vá diminuindo pelo total desprezo dos jovens pela carreira militar.

    Perde-se muito com isto?

    Provavelmente alguma da nossa juventude ficaria mais bem preparada para o resto da sua vida se tivesse de cumprir um ou dois anos de serviço militar.

    Eventualmente, poderíamos pensar no cumprimento obrigatório desse serviço por parte daqueles que abandonassem os estudos sem o cumprimento de um determinado objectivo (licenciatura ou curso profissional, por exemplo).

    Difícil seria explicar, a estes, a estrutura onde seriam integrados, com mais chefes que funcionários.

    O que resta é dar razão à frase de Aldous Huxley: Há três qualidade de inteligência: a humana, a animal e a militar.

    Vítor Ilharco é assessor


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  • PPM: Partido Para Menorizar

    PPM: Partido Para Menorizar


    A poucos dias das Eleições Legislativas, os Partidos preocupam-se em estudar todas as hipóteses que possibilitem o aumento das suas votações.

    Se é certo que todos os votos são importantes, de um modo geral, é imprescindível uma atenção redobrada quando as sondagens apontam para uma grande proximidade entre os candidatos. O que parece ser o caso.

    Luís Montenegro tomou, nesse sentido, duas importantes medidas.

    Em primeiro lugar, alterou completamente, e para surpresa de muitos, o sistema habitualmente usado na constituição das listas do PSD.

    Gonçalo da Câmara Pereira, presidente do Partido Popular Monárquico.

    Começou por chamar, para lugares de destaque, nomeadamente para cabeças de lista do Porto e Santarém, alguns independentes (figuras conhecidas e respeitadas nas suas áreas).

    Uma medida que não foi tomada por António Costa, quando conseguiu uma maioria absoluta, o que, com toda a certeza, lhe teria permitido um reforço na qualidade dos seus Ministros e um desempenho muito acima do conseguido unicamente com a “prata da casa”.

    Sendo esta uma medida que promete bons resultados, não deixa de ter, também, alguns contras.

    Desde logo a revolta de militantes que se julgavam donos de lugares elegíveis e se viram relegados para posições subalternas.

    Alguns deles com destaque no partido.

    Bastará lembrar que 44 dos actuais deputados do PSD (cerca de 57%) ficam de fora das listas.

    Entre os que estão de saída contam-se, por exemplo, Duarte Pacheco, deputado desde 1991, e Fernando Negrão, no Parlamento desde 2002 e Presidente da Primeira Comissão.

    A segunda medida foi a aposta no regresso à AD, aliando-se ao CDS-PP e ao Partido Popular Monárquico.

    Os votos desses dois mini-partidos não aumentarão, em mais de 2%, a votação que o PSD conseguiria se concorresse sozinho.

    Ainda assim, com os votos do CDS-PP, pode conseguir (para além de, em alguns círculos, eleger mais uns deputados) melhorar a qualidade da “bancada” com a entrada de gente competente deste partido.

    Já no que diz respeito ao “Partido Popular Monárquico” a decisão foi recebida com surpresa e desagrado, nas hostes dos sociais-democratas, e gozo nos restantes partidos.

    Tudo porque, é sabido, o PPM, em termos reais, não existe.

    Tem uma Sede completamente destruída e os poucos que acompanham o seu líder são membros da sua família (mulher, ex-cunhada, filhas, primo e irmãos).

    Gonçalo da Câmara Pereira é considerado um elemento “infrequentável”, pelos meios ligados à Causa Real, segundo testemunho prestado à revista “Sábado” e o partido, que se diz monárquico, não é reconhecido pelos membros daquela que, aliás, se recusam veementemente a votar nele.

    O adjectivo que melhor pode definir Gonçalo da Câmara Pereira é “tonto”.

    Deve ser dos poucos portugueses que consegue a extraordinária proeza de dizer uma parvoíce sempre que abre a boca.

    É líder deste PPM (embora o seu mandato já tenha terminado em Janeiro de 2023, há um ano, portanto).

    Depois de, em 2005, ter anunciado que se podia candidatar a Presidente da República, foi impedido de o fazer pelo seu irmão Nuno que lhe terá conseguido explicar, a muito custo, que havia ali uma incompatibilidade. Para além, obviamente, da que resultava da sua saúde mental.

    A 21 de Dezembro de 2023 garantiu ao “Público” que não aceitava que o PPM aderisse à AD porque “Luís Montenegro e Nuno Melo são líderes fracos e não têm visão para o que se está a passar no país”.

    Lembrei-me de Groucho Marx quando recusou o convite para ser sócio de um Clube selecto dizendo que “nunca aceitarei pertencer a um clube tão pouco exigente que me aceite como sócio”.

    Na realidade, maior prova da incompetência daqueles dois políticos do que convidarem o PPM a integrar a coligação será difícil de conseguir.

    Tentaram corrigir, mais tarde, quando colocaram o rapaz numa posição inelegível e proibindo-o de falar em qualquer cerimónia da AD, mas fica a dúvida: então porque incluíram o PPM na coligação?

    Ainda assim, penso que deviam aproveitar o moço autorizando-o a fazer campanha em tabernas, por exemplo.

    Em cima: Freitas do Amaral, Sá Carneiro e Ribeiro Telles. Em baixo: Nuno Melo, Luís Montnegro e Gonçalo da Câmara Pereira.

    Já o imagino a conseguir umas dezenas de votos de outros “grunhos”, por solidariedade, depois de escutarem algumas das suas mensagens:

    As mulheres bonitas são, normalmente, burras”.

    “A mulher é para o que nasce, fica com as mãos macias se lavar a louça”.

    “Sou romântico, sou sensível e não sou larilas”.

    “Já estou como diz o outro: quando cansado das outras vou para casa”.

    Fora das tascas era seguir o conselho de um elemento do Conselho Nacional do partido:

    “É mais do que evidente que terá que ter uma mordaça durante a campanha eleitoral”.

    Resta saber se a tentação de repetir uma estratégia vencedora (a AD), sem ter em conta a diferença abissal entre os protagonistas (comparar Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Teles com Montenegro, Nuno Melo e Câmara Pereira seria um ultraje para os primeiros), não faz sair o tiro pela culatra eliminando, inclusivamente, as vantagens que a primeira das medidas acima indicadas poderia trazer.

    O que, diga-se, também não traria grande mal ao nosso mundo.

    Vítor Ilharco é assessor


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  • A juventude que merecemos

    A juventude que merecemos


    As próximas Eleições Legislativas, tudo indica, serão renhidas e qualquer voto pode ser decisivo.

    Daí que haja, da parte dos políticos profissionais e das máquinas partidárias, um “cuidado especial” para com os jovens, no intuito de conseguirem diminuir as taxas de abstenção habituais, mas também, fazendo uso do mais descarado aproveitamento, dando-lhes uma atenção que nunca tiveram e que deixarão de ter logo após o encerramento das urnas.

    Ainda assim, não acredito numa votação maciça dos jovens.

    A nossa juventude, salvo raríssimas excepções, não só não demonstra grande apetência pela política como, de modo geral, se refere a ela sempre com sentido pejorativo.

    silhouette of three people sitting on cliff under foggy weather

    São várias as razões.

    Em primeiro lugar, desde logo, o Ensino.

    As escolas, liceus e faculdades, na sua maioria, têm perdido qualidade, como todos os indicadores, nacionais e internacionais, demonstram à saciedade.

    Uma classe docente abandonada, mal paga, sem qualquer força nas salas de aula, por muito profissional que seja, por muito que goste da profissão, deixará, a pouco e pouco, de se esforçar.

    Os programas escolares são de uma pobreza franciscana.

    A imensa maioria dos alunos faz todo o seu percurso nas escolas primárias, liceus e faculdades, sem nunca lhes ter passado pelas mãos uma “Gramática Portuguesa”.

    Depois, há um espanto generalizado quando ouvimos de universitários, políticos, jornalistas, professores, algumas palavras que farão corar de vergonha qualquer miúdo que tenha completado, há quarenta anos, a 4ª classe.

    Já nem falo da conjugação do verbo “haver” mas do ‘póssamos‘, ‘tanhamos‘, ‘cidadões‘, “vivenda germinada”, etc., etc., etc..

    A matemática é o terror dos alunos portugueses.

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    Isto porque, nas nossas escolas secundárias, as notas decentes de matemática são, na maioria das vezes, de filhos de imigrantes. Nomeadamente chineses.

    Sendo que, para nossa vergonha, muitos destes também conseguem melhores notas a Português…

    Os últimos números dos testes internacionais de Matemática e Leitura do PISA de 2022, invertendo a tendência de melhoria que se vinha registando na última década, são péssimos com uma “quebra sem precedentes”.

    A História de Portugal, de que o País tanto se deveria orgulhar, é esquecida.

    Mesmo a mais recente.

    O que faz com que os jovens não tenham grande preocupações em tentar perceber os meandros da política.

    O facilitismo, com todos os alunos a passar de ano, independentemente do que tiverem aprendido, explica bem a frase: “se não acreditam na exigência terão de se contentar com a mediocridade”.

    A situação socioeconómica das famílias é, também, determinante para o sucesso ou insucesso dos seus jovens nas escolas.

    a person with their hand on a rock

    Entre os alunos de famílias mais favorecidas, apenas 9% tiveram um desempenho fraco nas provas, mas entre os mais desfavorecidos a percentagem disparou para 37%.

    O futuro destes jovens, principalmente os oriundos de famílias pobres, é mais problemático e isso vê-se, também, pelo aumento dos que se encontram presos em Portugal.

    Ou em Centros Educativos.

    Entre os mais novos, dos 16 aos 18 anos, estavam presos, nas cadeias portuguesas, no último dia do ano de 2023, 56 jovens.

    Entre eles, 10 raparigas.

    Isto sem contar com os presos no Estabelecimento Prisional de Leiria Jovens com 220 presos e Linhó com 490 reclusos, muitos deles jovens.

    Seria preciso recuar dez anos para encontrarmos números semelhantes.

    Os políticos estão desatentos a este fenómeno?

    Nem todos.

    O “Chega”, por exemplo, porque não tem qualquer problema em fazer um discurso populista e xenófobo, por exemplo, tentando fazer passar a ideia de que os jovens não conseguem empregos porque estes estão ocupados por “deslocados”, como se os nossos jovens aceitassem os empregos que aqueles conseguem, mas vai conseguindo algumas adesões ao partido.

    brown wooden table and chairs

    Uma recente sondagem da Aximage, para a TSF-JN-DN, coloca o Partido Socialista em primeiro lugar (34.1%), o Partido Social Democrata (24.8%, sem o CDS, sendo que com o partido de Nuno Melo teria a adição de 1.2%), e o Chega, de forma destacada como terceira força política (16.3%).

    Mais importante, e reforçando o acima escrito, esta sondagem permite-nos saber a intenção de voto por faixa etária.

    Os maiores de 65 anos estão, em maioria, com o Partido Socialista, a faixa intermédia divide-se, mas a faixa mais jovem, escolhe destacadamente (25%), o Chega como partido de eleição.

    Uma vez mais vamos ter o que merecemos!

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  • Tribunal Constitucional faz justiça

    Tribunal Constitucional faz justiça


    A nossa Lei determina que as penas de prisão têm duas finalidades: reabilitar e punir. E por esta ordem.

    Uma das razões para tal reside no facto de, em Portugal, país europeu e democrático, não existir pena de morte nem prisão perpétua.

    Logo, um recluso, por mais hediondo que tenha sido o crime que cometeu, acabará por ser libertado.

    Posto isto, caberá ao Estado usar a prisão para reabilitar, educar e reintegrar.

    Na maioria dos casos até seria mais correcto escrever “integrar” porque são milhares os nossos presos que nunca estiveram verdadeiramente integrados na sociedade.

    Uma das maneiras de os responsáveis saberem se o esforço de educação e reabilitação está a ser bem-sucedido é através da análise ao sucesso das saídas jurisdicionais (vulgo precárias).

    A Lei estipula que um recluso, ao ter cumprido um quarto da sua pena, poderá beneficiar dessas saídas.

    a long hallway with a bunch of lockers in it

    Exemplifico:

    Se um preso estiver condenado a doze anos de cadeia, ao fim de três anos poderá ir a casa, por dois dias, e regressar à prisão.

    Os técnicos do Instituto de Reinserção Social deverão, depois, ir saber, junto de vizinhos e autoridades locais, do comportamento daquele durante esses dias.

    Caso tudo tivesse acontecido normalmente o recluso poderia sair, de novo, a cada três meses sendo que a duração dessas saídas poderia ir aumentando até sete dias.

    Ao meio da pena, seis anos, poderia ser libertado.

    Mas, em liberdade condicional por igual período. Isto é, se cometesse o mais pequeno delito, regressaria à cadeia e, antes de cumprir a nova pena, teria de cumprir, integralmente, os seis anos que lhe tinham sido “perdoados”.

    Um extraordinário método de combate à reincidência.

    Os Serviços Prisionais, e os Tribunais de Execução de Penas, todavia, NUNCA cumpriram esta Lei.

    Em Portugal não há um único recluso que tenha beneficiado de uma saída jurisdicional ao quarto da pena e só alguns muito, mas muito, especiais conseguem uma liberdade condicional ao meio.

    Só agora, que o Tribunal Constitucional proferiu (depois de recurso de um recluso do Estabelecimento Prisional de Évora) uma terceira decisão favorável à hipótese de recurso, para Tribunal Superior, das decisões dos Tribunais de Execução de Penas em relação às concessões de “saídas jurisdicionais” é que os cidadãos poderão perceber a enorme imoralidade, para não dizer ilegalidade, que se vivia, diariamente, nas nossas cadeias.

    trees and green grass under white clouds and blue sky during daytime

    Com esta medida põe-se cobro à possibilidade de uma decisão, meramente administrativa, decidir sobre um direito fundamental como é o da Liberdade.

    As saídas jurisdicionais que, nunca é demais repetir, são importantíssimas para a reabilitação e reintegração dos reclusos, têm sido decididas com base no parecer de um Conselho Técnico (composto pelo director da cadeia, chefe de guardas, e técnicos dos Serviços de Educação e Instituto de Reinserção Social) e depois da opinião do Ministério Público, pelos juízes dos Tribunais de Execução de Penas, sem que qualquer dos dois Magistrados tenham tido anterior contacto com o recluso, que obviamente não conhecem, sem este ser ouvido, sem a possibilidade de estar representado por advogado e sem direito a recurso para Tribunal Superior.

    Acresce que, inúmeras vezes, alguns dos elementos do Conselho Técnico, especialmente os elementos do IRS, também apresentam relatórios sem nunca terem contactado os reclusos sobre os quais opinam.

    Uma autêntica distorção do “espírito da Lei” até porque o Tribunal não fundamenta, minimamente, os motivos porque concede, ou indefere, as saídas, limitando-se o juiz a colocar, no impresso da decisão, uma cruz antes de uma das quatro ou cinco frases que dele constam (“perigo de fuga”, “não interiorizou o desvalor da conta”, “perigo de alarme social”, etc.).

    woman holding sword statue during daytime

    Com esta decisão do Tribunal Constitucional, que só peca por ser muitíssimo tardia, não só os juízes terão de justificar as decisões tomadas como estas passarão a ser, em caso de recurso, analisadas por Tribunal Superior.

    Vai sendo tempo de Portugal deixar de ser, como todas as Entidades Europeias reconhecem, o segundo País mais seguro da Europa, o que tem maior número de presos “per capita” e aquele onde as penas, efectivamente cumpridas, são as mais elevadas da Europa.

    Fossem as nossas leis devidamente cumpridas, dentro dos Estabelecimentos Prisionais, e as nossas prisões teriam pouco mais de metade dos actuais reclusos.

    Claro que isso traria outros gravíssimos problemas ao Sistema.

    Um bom tema para uma próxima Crónica.

    Vítor Ilharco

    (Secretário-Geral da APAR)


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  • Uma ideia luminosa: multar (ou roubar) turistas!

    Uma ideia luminosa: multar (ou roubar) turistas!


    Os turistas que nos visitam sempre me despertaram uma grande curiosidade.

    Que razões os levam a escolher o nosso país?

    Consigo perceber os que viajam até Portugal para, por exemplo, visitar Fátima.

     O “turismo religioso” é um fenómeno a nível mundial e os estrangeiros não precisam mais do que ser crentes para considerarem “obrigatório” conhecer o “Altar do Mundo”.

    A maioria destes visitantes é gente simples, pouco exigente no que respeita à qualidade das instalações hoteleiras e da gastronomia.

    Não que não haja, nas imediações, hotéis e restaurantes excelentes, porque os há, mas a verdade é que, nas principais datas, do meio milhão de pessoas que enchem o Santuário só poucos, muito poucos, milhares são suficientes para os esgotar.

    people walking on street during daytime

    A imensa maioria é malta de chegar a pé, partir em autocarros e alimentar-se a pão com chouriço, sumos e cerveja.

    O “turismo de saúde” quase desapareceu, com o encerramento das termas, e também porque passou de moda.

    Ao contrário, o “ecoturismo” tem, agora, um grande número de adeptos dispostos a gastar bom dinheiro numas férias repousantes.

    Mas o “número de camas”, neste conceito, é reduzido embora a maioria dos pequenos empreendimentos sejam de grande qualidade.

    O turismo de massas, em Portugal, tem a ver com a época balnear.

    Temos um litoral espectacular, em especial o Algarve, mas idêntico, ou até inferior, a outros países geograficamente perto.

    white and blue concrete building

    Os preços, e a reconhecida simpatia das nossas gentes, têm levado centenas de milhares de turistas a optarem pelas nossas praias o que faz com que o turismo represente 19,1% da riqueza produzida em 2022, de acordo com o relatório do World Travel & Tourism Council (WTTC), que aponta Portugal como o 5º país onde é mais forte a contribuição do turismo para o PIB.

    Chegados aqui, o que fazer?

    Como habitualmente, arranjar maneira de estragar tudo.

    Deixámos de, praticamente, participar nas “Feiras de Turismo”, onde as empresas do ramo têm oportunidade de promoverem os seus produtos e serviços, com o fim de captar um número ainda maior de visitantes, e começámos a cobrar uma taxa aos turistas por… serem turistas.

    Os últimos iluminados foram os Autarcas da Câmara Municipal de Portimão que decidiram que fosse cobrada uma taxa diária de dois euros, na época de Março a Setembro, e um euro nos restantes dias do ano, como taxa turística.

    A Presidente do Município foi clara:

    “Aquilo que nós pretendemos é, primeiro, fazer a divulgação do destino turístico de Portimão como um destino turístico atrativo e atrair cada vez mais outros mercados turísticos para o nosso município e, depois, na melhoria daquilo que nós temos para dar aos nossos turistas, isto é, a melhoria dos espaços verdes, a melhoria dos arruamentos, tudo aquilo que implica termos um destino turístico de qualidade e é isso que pretendemos”.

    people on beach during daytime

    Numa frase onde a palavra turístico surge cinco vezes, fica claro que, não fosse pelos estrangeiros, os algarvios ficariam bem com “espaços verdes” repletos de silvas e arruamentos cheios de buracos.

    Havendo turistas nas nossas ruas há que arranjar estas ainda que, para tal, os obriguemos a pagar as obras.

    A ideia pode parecer estranha, mas nem sequer é original.

    Carlos Moedas, de Lisboa, já está a taxar os turistas que visitam a capital em viagem de cruzeiro e Eduardo Vítor Rodrigues, de Vila Nova de Gaia, decidiu que estes pagassem, também, dois euros por cada dia passado no seu concelho.

    Explicou o motivo:

    Vale a pena dizer que não somos os únicos: por essa Europa fora é cada vez mais usual, e bem, e não é com as taxas baixas que nós cobramos, é com taxas bem mais elevadas. Roma com seis euros, por exemplo.”

    white and black cruise ship on sea during daytime

    Segundo consta pretende continuar a copiar os italianos começando, desde logo, com a frase “Ir a Gaia e não ver o Rodrigues” em contraponto ao “ir a Roma e não ver o Papa”.

    O pior é se esta medida, que tem mais de multa que de taxa, não vai levar a que muitos dos que nos visitam optem por passar a ir a países onde não sejam vítimas de autênticos saques.

    Há uma lição, que se costuma dar a miúdos de quatro ou cinco anos, que mete galinhas e ovos de ouro.

    Talvez fosse útil estes autarcas pedirem a opinião a catraios, numa creche, antes de irem para as reuniões camarárias.

    Vítor Ilharco é assessor


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  • Deprimido me confesso

    Deprimido me confesso


    Prestes a chegar ao fim de mais um ano tentei recordar algumas das situações que me fizeram descrer, ainda mais, da capacidade dos nossos políticos.

    Lembro-me de criticar fortemente, há cerca de quarenta anos, quando tinha que escrever, diariamente, sobre a política portuguesa, os líderes de então: Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Álvaro Cunhal.

    Hoje, olhando para as principais figuras dos diversos partidos, sinto que não teriam capacidade, sequer, para carregarem as pastas dos seus antecessores.

    Tento lembrar o que pensam, quais são as suas prioridades, os seus projectos, as suas ideias e… fico deprimido.

    Recordo algumas das suas posições públicas e… tremo.

    Vejamos:

    Rui Rocha (acredito que não saibam quem é), líder da Iniciativa Liberal, consegue dizer, sem se rir, que “os dados que temos é que a Iniciativa Liberal vai crescer. Para os 15% é difícil, mas somos liberais e ambiciosos.”

    Fiquei esclarecido.

    Passei para o outro extremo e dei de caras com um rapaz igualmente desconhecido, de seu nome Paulo Raimundo, que vinha com a originalidade de “apoiar as médias, pequenas e micro empresas”.

    Passei à frente.

    Do homem do Livre, Rui Tavares, lembrei-me do momento em que se dirigiu ao Presidente da Assembleia da República, informando que tinha de sair mais cedo e pedindo-lhe que autorizasse a entrega de um papel com a indicação de como queria votar todas as matérias que faltavam até ao fim da sessão.

    Sempre deu para rir.

    Rui Tavares, deputado do Livre.

    Uma proposta da senhora do PAN criou-me expectativas. Queria que “os animais de companhia não pudessem ser deixados sozinhos, sem companhia humana ou de outro animal, durante mais de 12 horas, nem alojados em varandas, alpendres e espaços afins, sem prejuízo de presença ocasional nesses locais por tempo não superior a três horas diárias.”

    Aguardei que viesse com proposta idêntica para seres humanos idosos, ou sem abrigo, mas como se esqueceu…

    Confesso que tinha, por Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, uma enorme admiração e respeito pela coragem, frontalidade e conhecimento profundo dos dossiers e condução dos interrogatórios nas Comissões de Inquérito impedindo que os depoentes se refugiassem no esquecimento.

    Entretanto, também ela se esqueceu de que estava em regime de exclusividade, na Assembleia da República, e não podia receber dinheiro por comentários televisivos. Perdeu um pouco da sua credibilidade, mas…

    De André Ventura, o que dizer?

    O seu discurso é preocupante, mas a dimensão do ódio em todas as suas intervenções, e o acentuado egocentrismo, não convencerão a população portuguesa.

    André Ventura, líder do Chega.

    Aponta, como diferença em relação aos restantes partidos, que no seu não há indícios de corrupção ou fraude.

    Por acaso o Tribunal Constitucional já anulou um Congresso, por ilegalidades, e os seus estatutos foram rejeitados cinco vezes.

    Miguel Sousa Tavares deu a sua opinião: “O Chega não está envolvido em corrupção porque não tem poder. Deixem-no ter poder e vocês vão ver.”

    Nas próximas eleições, até pode ter um bom resultado, atendendo a que é um partido extremista, mas nem sequer os eventuais interessados em coligações estarão confortáveis com a companhia.

    Restam os representantes dos dois partidos que, habitualmente, disputam o Poder.

    Considero Luís Montenegro o mais fraco de quantos líderes (e já foram muitos, e alguns por curtíssimos períodos) passaram pelo PPD e pelo PSD.

    Foi o único político que ganhou com a queda do Governo, porque nunca disputaria as eleições se este durasse os quatro anos.

    As suas intervenções são de uma pobreza atroz.

    Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista.

    As suas tentativas de fazer humor levam às lágrimas de desespero os militantes do partido.

    Questionado sobre o Orçamento de Estado, um dos mais importantes documentos do nosso País, deu a sua opinião científica:

    “O Orçamento é pipi, bem apresentadinho e muito betinho que parece que faz, mas não faz.” 

    A análise política ao seu adversário directo:

    “Deus nos livre de ter um radical no Governo. Não se chama camarada Vasco, chama-se camarada Pedro e tem uma cinderela chamada camarada Mortágua.”

    Nunca explicados os contratos, por ajuste directo, que o seu escritório de advogados conseguiu com Câmaras Municipais lideradas pelo PSD.

    De Pedro Nuno Santos, lembro o caso do aeroporto, apresentado à revelia do Chefe do Governo, a indemnização à CEO da TAP, que desconhecia, mas tinha no seu telemóvel e a necessidade da sua demissão de Ministro.

    Tanto ele como Montenegro têm problemas de impostos com as suas casas.

    Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e Luís Montenegro, líder do PSD.

    Conclusão:

    Não é preciso ser exaustivo para temer o pior.

    Resta-me uma consolação: seja qual for a solução, que se vá encontrar nas próximas eleições, não será para durar.

    E as próximas terão (é impossível que não tenham) melhores líderes a concorrer.

    Ataquemos, então, as filhoses e esperemos por 2024.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O até já do ‘Poucochinho Vermelho’

    O até já do ‘Poucochinho Vermelho’


    Há nove anos escrevi uma crónica, posteriormente publicada no terceiro volume da Saga “Frasco de Veneno”, onde criticava António Costa pelo modo como tinha conseguido afastar António José Seguro da liderança do Partido Socialista, acusando-o de ter ganho, “por poucochinho”, a Passos Coelho, sendo que, meses depois, tendo perdido com este, e por margem maior do que a vitória de Seguro, conseguia chegar a Primeiro Ministro.

    Chamei-lhe, então, “Poucochinho Vermelho”.

    Tenho que confessar que, por causa da minha costela de “português malandro”, este “título” carregava alguma admiração.

    Nos tempos do antigamente, que é como quem diz “antes do 25 de Abril”, os políticos que se iam mantendo à tona, mesmo nas tempestades mais violentas, eram chamados de “políticos rolha”.

    Viam, calmamente, parceiros e amigos, alguns de longa data, a afogarem-se ao seu lado, mas mantinham o ar sereno de quem sabia que “ainda não é desta que se veem livres de mim”.

    Alguns destes náufragos, certamente por descuido, até eram ligeiramente empurrados para o fundo pelos mais expeditos.

    Não estou a dizer que será esse o exacto caso de António Costa, mas as principais características estão no seu ADN.

    Ele mesmo o reconheceu quando disse, publicamente, que “um Primeiro-Ministro não pode ter amigos”!

    E disse-o num momento em que NUNCA o deveria ter feito.

    Negar a amizade de, e por, alguém a quem apresentou, dezenas de vezes, como o seu maior amigo, que até escolheu para seu Padrinho de Casamento, é demasiado mau para ser aceite.

    Tanto mais que o fez por este estar acusado de um crime não se preocupando, aqui, com a “presunção de inocência” que tantas vezes (e bem!) lembra, até no seu próprio caso (e, de novo, bem!).

    Pior do que qualquer delito que se venha a descobrir, e que motivou o célebre último parágrafo do Comunicado da Procuradoria-Geral de República, estão estas facadas nas costas de “amigos”.

    E não, não é verdade, que um Primeiro-Ministro não possa ter Amigos.

    A grande figura do Partido Socialista, Mário Soares, mostrou isso à saciedade.

    Todos nos lembraremos das críticas que recebeu quando foi visitar, à cadeia, José Sócrates e Bettino Craxi.

    Sobre aquele escreveu um texto intitulado “O meu amigo Sócrates”, onde considerou “inaceitável e infame” não haver “uma única prova contra um homem que tantos serviços prestou a Portugal”.

    E desafiou Cavaco Silva a falar sobre o caso, escrevendo: “Infelizmente o Presidente da República, que devia ser responsável por Portugal, nunca disse uma palavra sobre Sócrates. Nem pela flagrante violação do segredo de Justiça”.

    Este exemplo de Cavaco foi seguido por António Costa que, repetindo a frase “à política o que é da política e à justiça o que é da justiça” nunca comentou o caso Sócrates de quem foi o “número dois”.

    Em relação a Bettino Craxi, que visitou durante uma visita de Estado à Tunísia, quando era Presidente da República, disse ter sido um “encontro fraterno”.

    O que ia causando uma apoplexia a Pacheco Pereira, na altura líder parlamentar do PSD, que definiu essa visita como “uma atitude ilegítima e injustificada”.

    Foi para o lado que Mário Soares dormiu melhor…

    Como serenamente dormiu depois de, em Outubro de 2014, ir a Oeiras dar um abraço a Isaltino Morais e dizer, alto e bom som, para quem o quis ouvir, que “Isaltino Morais foi injustiçado”.

    Claro que estas atitudes, que deveriam ser normais, afectam os “pequeninos”, os “poucochinhos”. Os que não pensam além do próprio umbigo.

    Dos que se convencem de que há profissões, ou cargos, que impedem alguém de ter amigos.

    Além do mais, quem pensa assim corre o sério risco de, quando olhar com atenção à sua volta, se ver rodeado de inimigos.

    Infelizmente, no nosso país, pelo menos, isso não inibe ninguém de conseguir os seus objectivos, mesmo políticos, mesmo necessitando de votos.

    Há quem aceite votar em inimigos se sonhar que isso lhe pode trazer alguns proveitos.

    E traz, muitas vezes.

    Basta ler Nicolau Maquiavel, ou Sun Tzu.

    Por tudo isto o título da crónica tem um “até já”, quando a maioria diz “adeus”.

    António Costa vai continuar a andar por aí, podem estar certos, e em lugares importantes.

    Pode continuar “poucochinho” mas menos, muito menos, “vermelho”.

    Essa cor só continua em moda (felizmente) no futebol.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A ‘cunha’ como instituição: “fico a dever-te uma!”

    A ‘cunha’ como instituição: “fico a dever-te uma!”


    Embora tente ser uma pessoa “moderna” tenho de confessar que o facto de ser um genuíno português, por vezes, me leva a seguir tradições que alguns estrangeiros consideram condenáveis.

    Uma delas, que me tem merecido várias críticas, é ser aficionado. Gostar de touradas.

    Outra, que agora muitos criticam, é condescender com a “cunha”.

    Tem havido algumas tentativas para acabar com a primeira, com pouco sucesso, felizmente.

    Quanto à segunda, estou tranquilo.

    two hands

    A “cunha”, mais do que uma tradição, é uma instituição no meu País.

    Não há um único português que não a use com frequência.

    A “cunha” não é, aos nossos olhos, um acto de corrupção.

    É um pedido de amigo, um “amiguismo”, uma troca de favores.

    A maioria das “cunhas” não se paga. Troca-se.

    Ninguém diz, quando consegue a “cunha”, muito obrigado.

    Diz: “Fico a dever-te uma!”.

    Isto porque, é sabido, entre amigos “uma mão lava a outra!”. Ou, de outro modo, hoje tu por mim e, amanhã, eu por ti.

    Os estrangeiros, que são pouco solidários e nada habituados a favores que não sejam pagos e de imediato, não compreendem este nosso costume.

    Claro que há diversas formas de “cunha”, desde o pedido de emprego para o filho “que acabou de se licenciar, é uma inteligência e está numa caixa de um supermercado”, à tentativa de conseguir uma “casa da Câmara”.

    Ninguém pensa pagar, com dinheiro, ao amigo que o ajude a alcançar esses objectivos.

    Fica em dívida e pronto a retribuir à primeira necessidade daquele.

    A “cunha” é, por isso, uma troca de favores.

    Por tudo o acima dito, considero muito exagerado o alarido que se tem feito ao caso das gémeas.

    De início pensei que toda a revolta vinha do facto das crianças não serem portuguesas. Depois que soube que as mesmas estavam naturalizadas, ainda que à custa de “cunhas”, fiquei do lado delas e dos pais.

    Por duas crianças doentes os pais devem fazer tudo. Mas, aqui, tudo é mesmo TUDO.

    Se há situação onde a “cunha” se justifique é esta.

    woman wearing blue V-neck short-sleeved top

    De tal modo que, no lugar deles, tentaria que esta fosse o mais forte possível.

    Foi, segundo parece, o que aconteceu.

    E, há que reconhecer, os pais foram inteligentíssimos, no percurso que seguiram.

    Falaram com uma Senhora (as mulheres nunca negam uma ajuda a uma criança doente), com Poder, nora do Presidente da República de Portugal, no sentido de conseguirem um medicamento que podia ser a solução para a cura.

    O facto deste ser caríssimo (quatro milhões de euros) não podia ser obstáculo atendendo que podia representar a sobrevivência de duas crianças.

    A Senhora falou com o marido e, todos os portugueses sabem, este só tem que obedecer aquilo que, por simpatia, chamamos “pedido”.

    O filho falou com o pai.

    O pedido de um filho raramente é recusado (principalmente se não traz custos financeiros avultados para aquele).

    As gémeas luso-brasileiras Lorena e Maitê, agora com quatro anos, receberam terapia genética em 2019 num processo polémico. Contratos de aquisição não foram sequer registados no Portal Base. Foto retirada do Instagram dos pais, denominado ameemdobro.

    Acresce que o filho é, para mais, “doutor”. Esta palavra, em Portugal, impõe respeito. Obriga a vénia. Impede o não.

    Obviamente que a “cunha” do casal brasileiro, felizmente, resultou e as crianças tiveram o seu medicamento.

    E mais umas cadeiras de rodas, e uns andarilhos.

    Tivessem pedido o Hospital e, hoje, este estaria em seu nome.

    Só que, como está provado, os pais das meninas são inteligentes e não cairiam nesse disparate.

    E não se pense que esta hipótese é inverosímil porque não seria a primeira vez que um Presidente da República meteria uma “cunha” pela entrega de um edifício público. Basta lembrar o então Pavilhão Atlântico…

    Estou, por isso, ao lado do Presidente, do Sr. Dr. Nuno Rebelo de Sousa, da Esposa deste e de todos os que permitiram a entrega dos medicamentos desde a Ministra ao médico que os administrou.

    Mais, critico veementemente todos os que, agora, para mais em época de eleições, se armam em defensores do erário público.

    Aquele que nunca meteu uma “cunha”, ou dela beneficiou, que atire a primeira pedra.

    Sei que todo este alarido não vai dar em nada.

    Se chegar a Tribunal, o que duvido, alguém meterá uma “cunha” para que seja arquivado.

    Mas incomoda, e isso é que não se resolve com qualquer “cunha”.

    A única dúvida que me fica é: que tipo de “cunha” é que o Sr. Dr. Nuno irá meter ao pai das crianças para “ficarem pagos”?

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As cuecas da Ucrânia

    As cuecas da Ucrânia


    Aldous Huxley escreveu: “Há três espécies de inteligência: a inteligência humana, a inteligência animal e a inteligência militar”.

    Um soldado da minha Companhia, na Guiné-Bissau, não só concordava como reforçava: “É verdade, sim senhor, porque eu já ouvi, num Quartel de Cavalaria, o sargento a dizer: 18 e 23, vão dar de comer ao Serafim, e o Serafim era o cavalo. Os únicos animais que têm nome em Cavalaria são os irracionais. Os racionais, digamos assim, têm números”.

    Vem isto a (des)propósito de uma notícia, a primeira em semanas, que eu li sobre a situação na Ucrânia (que anda tão afastada da comunicação social desde que Israel e o Hamas recomeçaram com a selvajaria).

    blue and yellow striped country flag

    Pensava eu que Portugal, até pela dificuldade em aprovar o Orçamento de Estado, deixaria de apoiar o esforço heróico dos ucranianos.

    Felizmente que os nossos Ministros estão atentos e são solidários.

    Nem sempre é possível conjugar a nossa vontade de ajudar com a crónica pelintrice, mas… há sempre uma solução.

    Principalmente quando a decisão está nas mãos de mulheres habituadas, há gerações, a ter de encontrar soluções mirabolantes.

    No passado dia 11 de Outubro, a ministra da Defesa, Helena Carreiras, anunciou que Portugal se preparava para enviar “vestuário de Inverno” para equipar as tropas ucranianas nos próximos meses.

    Conhecidas as baixas temperaturas que estas têm de enfrentar naquelas paragens não houve quem não concordasse com a medida.

    Começámos a imaginar contentores de casacos de lã, samarras alentejanas, que fossem, camisolas de gola alta, ceroulas (que isto, na guerra, não há cá modas e os ucranianos prefeririam enfrentar dez russos a vestir uns collants, por exemplo) rumo a Kiev.

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    Até que li uma informação detalhada sobre a dádiva, que é do seguinte teor:

    O Ministério da Defesa vai pagar 128.135 euros para a aquisição de roupa interior feminina para enviar às militares ucranianas.

    Portugal prepara-se para enviar cinco mil unidades de cuecas femininas camufladas para serem utilizadas pelas militares ucranianas.

    O Ministério da Defesa português atribuiu esta quinta-feira dois contratos para a confeção da roupa interior feminina no valor de 128.135 euros.

    De acordo com o contrato publicado no portal Base, o executivo vai pagar 36.900 euros a uma empresa têxtil de Guimarães para adquirir cinco mil cuecas ao preço de seis euros por unidade.

    A empresa tem de entregar a encomenda no prazo de 25 dias a contar da data da assinatura do contrato.

    Segundo as cláusulas técnicas do contrato, as cuecas devem ser compostas por “uma parte da frente, uma parte de trás e um reforço com um forro” e vão ser cosidas em ponto de linha dupla de quatro fios. Além disso, a parte da cintura deve ter uma fita jacquard elástica e as cuecas devem ter as cores “coiote, verde azeitona e preto” que fazem o padrão camuflado do exército.

    Extracto do caderno de encargos do contrato celebrado pelo Ministério da Defesa para a compra de cuecas e tops para a Ucrânia.

    Após a entrega da encomenda, a Secretária-Geral do Ministério da Defesa tem cinco dias para inspecionar a encomenda, de forma a certificar-se de que as cuecas chegam na quantidade e com as características especificadas.

    Um segundo lote que prevê a aquisição de cinco mil “tops” camuflados foi assinado com uma empresa de Santo Tirso, num valor de 91.635 euros. O contrato prevê um custo de 14,90 euros por unidade.”

    Sinto-me orgulhoso de ser português e de ter estes governantes a dirigir o meu País.

    Não há dinheiro para mais nada?

    Fazemos como as avós no Natal e oferecemos meias e cuecas.

    Se mesmo assim não chegar o dinheiro, optamos por uma única dessas peças. Neste caso, as cuecas.

    Atenção que não podiam ser umas cuecas quaisquer, por causa do frio.

    Por isso, optaram por umas que têm “uma parte da frente e uma parte de trás” (se tivessem só a da frente seriam “ecas”, penso eu) e cosidas em ponto de linha dupla de quatro fios, com um forro, não vá a militar, no meio da luta, ter um descuido com o medo do tiroteio.

    Tudo pensado ao pormenor.

    Mesmo o desenho em camuflado é inteligentíssimo, não vá que a Companhia das Militares resolva desfilar com todas as mulheres nuas.

    Com as cuecas camufladas passariam despercebidas, no entender da Senhora Ministra.

    Se o Pedro Nuno Santos, ou o José Luís Carneiro, garantirem que, caso cheguem a Primeiro-Ministro, mantêm Helena Carreiras como Ministra, podem contar com o meu voto.

    Aquilo é imaginação em estado puro.

    Ouvi dizer que ela preparava uma farda vermelha fluorescente para os Serviços Secretos do Exército e não quero perder a oportunidade de confirmar essa informação.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os dias 25 da nossa vida

    Os dias 25 da nossa vida


    Vários partidos pretendem comemorar o aniversário do golpe de 25 Novembro de 1975 debaixo de enorme contestação de outros.

    Há quem diga que os ideais do 25 de Abril só foram atingidos com o 25 de Novembro e quem garanta que festejar essa data tem como único objectivo menorizar o papel histórico do Dia da Liberdade.

    Ramalho Eanes, uma das principais figuras do golpe que, a 25 de Novembro de 1975, pôs fim ao PREC (Processo Revolucionário em Curso), como ficou conhecido o período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, que acabou com a ditadura do Estado Novo, que durou meio século, garante que esta polémica não passa de uma “trica sem interesse”.

    E acrescenta, segundo o “Público”: “O 25 de Novembro foi um momento fracturante e eu entendo que os momentos fracturantes não se comemoram, recordam-se e recordam-se apenas para reflectir sobre eles. No caso do 25 de Novembro, devíamos reflectir por que é que nós portugueses, com séculos e séculos de história, com uma unidade nacional feita de uma cultura distintiva profunda, por que é que chegámos àquela situação, por que é que chegámos à beira da guerra civil”.

    Recordemos então:

    Depois do 25 de Abril de 1974 houve uma deserção generalizada dos políticos do Regime.

    Às primeiras eleições livres concorreram vários partidos sendo que nem um se apresentava como sendo “de direita”.

    Aparecia o CDS com a definição de centrista, algo que já exigia alguma coragem, reconheça-se, mas todos os outros, PPD incluído, defendiam o “socialismo”.

    Obviamente que aqueles que se sentiam prejudicados com a perda de bens materiais (autênticas fortunas, em muitos casos) e influência política, não ficaram parados e as manifestações de desagrado, pelo caminho político que se seguia, começaram a ganhar alguma força até que, a partir de Julho de 1975, principalmente no norte e centro do país, a situação se agravou com bombas a destruírem as sedes do Partido Comunista.

    A esquerda não ficou parada e preparou-se para se defender e retaliar.

    Muitos dos seus militantes receberam milhares de armas do exército, criando autênticas milícias.

    O País vivia à beira de uma guerra civil.

    Era o “Verão Quente”.

    Os golpes sucediam-se e as Forças Armadas dividiram-se com alguns militares a apoiar a extrema-esquerda.

    A 20 de Novembro o Governo, na altura chefiado pelo Almirante Pinheiro de Azevedo, depois de ter sido “sequestrado” por trabalhadores da construção civil, na Assembleia da República, entra em greve.

    A 25 de Novembro os paraquedistas ocupam as bases de Tancos, Monte Real, Montijo e o Comando da Região Aérea, no Monsanto, em Lisboa.

    Esta revolta serviu para justificar o avanço do grupo militar dos “moderados” que, há meses, preparava um plano militar, com o total apoio do Partido Socialista que foi, sem dúvida, o grande vencedor nesse dia, para responder a um eventual golpe da esquerda radical.

    O que fez com sucesso.

    É verdade que a democracia ficou mais forte depois desse dia, mas tentar diabolizar a esquerda, mesmo a extrema-esquerda, esquecendo os ataques bombistas, os assassinatos, o terror espalhado pelos energúmenos da extrema-direita, ou por esbirros à ordem destes, é um ultraje.

    Igualmente estranho é ver, hoje, a extrema-direita a tentar chamar, para si, os louros dessa vitória sob o silêncio, envergonhado do Partido Socialista.

    Mesmo políticos pequeninos, como Carlos Moedas (espero que seja bom bailarino para não cair no desagrado dos portugueses adeptos de provérbios), colocam-se em bicos de pés em busca de protagonismo e tentando ajudar um líder antecipadamente condenado ao fracasso.

    A escolha da data foi infeliz e com intenções diferentes das anunciadas.

    Na verdade, durante 49 anos ninguém notou a falta de tal comemoração.

    Sim, graças aos acontecimentos desse dia evitou-se, provavelmente, uma tragédia.

    Só que, quem a pretende comemorar não estava, na altura, do lado de quem o conseguiu, mas bem ao contrário de quem levou ao país à beira de um confronto sangrento.

    O 25 de Novembro é uma data a recordar, sem dúvida.

    Mais com alívio do que com alegria.

    Já o 25 de Abril é diferente.

    É uma data que só os grandes podem explicar.

    Como, por exemplo, Sophia de Mello Breyner,

    “Esta é a madrugada que eu esperava

    O dia inicial inteiro e limpo

    Onde emergimos da noite e do silêncio

    E livres habitamos a substância do tempo”

    25 de Abril, SEMPRE!

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.