Autor: Tiago Franco

  • Liberais que não me compreendem

    Liberais que não me compreendem


    Não tinha pensado voltar a este tema tão depressa, mas o Luís Gomes, meu colega aqui no Página Um, fez aquele truque habitual dos liberais quando procuram arranjar argumentos para uma discussão perdida à partida. Leu metade do que eu aqui escrevi na semana passada e deduziu a outra metade, acrescentando intenções que não eram as minhas. Pior do que isso, não percebeu que em parte até defendiamos a mesma protecção da propriedade privada. Mas também não sou eu que lhe vou dizer…

    Quando o programa “Mais Habitação” foi anunciado, num daqueles PowerPoints que o Costa nos mostra, aqui e ali, para parecer que faz coisas, eu critiquei de imediato o arrendamento forçado. Disse até que, com a enormidade de propriedades que o Estado tem (nem as conseguiu ainda contar), não fazia sentido obrigar os privados a terem o papel social que competia ao Estado.

    aerial view of city buildings during daytime

    A única excepção, na minha opinião, e também o escrevi, eram as propriedades devolutas. Se ao fim de uma década, ou algo do género, os donos continuam a deixar as paredes no chão, então a propriedade deve passar para o Estado para que a possa recuperar  e evitar o desastre arquitectónico. Bastaria ao Luís dar uma volta pelas freguesias adjacentes da minha para ver casas abandonadas por emigrantes para perceber o que quero dizer.   

    Reduz o meu raciocínio, o estimado colega, ao bondoso emigrante que contraiu empréstimo e que aluga a casa, reflectindo as subidas na renda do inquilino e ao malvado residente local, que também contraiu empréstimo mas que já é um especulador que procura lucro fácil. 

    Percebo a necessidade de criar um paralelo entre bonecos para encaixar a narrativa que se segue, mas, amigo Luís, não foi isso que eu escrevi. É só ler com mais atenção.

    Eu dei dois exemplos: um emigrante com crédito à habitação e um senhorio que recebeu uma herança. Não falei em residentes que vão contrair empréstimos e depois alugam nem em pessoas que investiram poupanças no imobiliário. Misturar isto tudo e dar a entender que era esse o meu argumento é logo partir com uma perna meio coxa para esta corrida.

    aerial photography houses

    Mas eu vou dar uma ajuda ao Luís. Só porque ainda estou com pena do que aconteceu na Madeira, e não quero liberais confusos. O Luís agora está a escrever que não é liberal porque a versão portuguesa é suave demais e, apesar de tudo, ainda não defende o “Estado Zero” em que ele se parece rever. Há que dar tempo ao Rui Rocha para ele acertar duas frases. O resto vem por acréscimo…

    Se um residente contrair um empréstimo e comprar uma casa que acaba por alugar, a situação é idêntica à do emigrante, não é? A questão aqui não é onde vive o senhorio, mas sim os custos que tem com a casa. Se tem um empréstimo e sofre com as taxas de juro, é normal que não queira estar a pagar para que vivam na sua casa. Ou seja, é natural que as alucinações da Lagarde acabem na renda dos inquilinos. Viva o senhorio em Copenhaga, Maputo ou na Madragoa. Não há para mim qualquer conotação de especulação ou ganância num senhorio que tem que cobrir um empréstimo com o aluguer da casa.

    Podíamos discutir se deveria ser permitido ou não viver do aluguer de casas, como escrevi também, na “liberal Suécia”, essa situação não é permitida em cooperativas de apartamentos. Já sei, a Suécia só é liberal às terças e quintas. Nestas coisas mais socialistas fingimos que não vemos. Contudo, não sendo essa uma questão em Portugal, não tenho qualquer problema ideológico em se contrair empréstimos para compra de casas e consequente aluguer de forma a cobrir as despesas. E já agora, para que fique ainda mais claro, também não percebo a absurda quantidade de impostos sobre a habitação. Se bem que o meu problema com os governos portugueses não é tanto o que cobram mas sim como o gastam.

    10 and 20 Euro Bill

    Como costuma dizer um colega meu quando não o percebem à primeira, espero ter-me feito entender agora quanto às situações de crédito bancário.

    Já a conversa do investidor que compra coisas com as poupanças, enfim, estamos a falar de quem, Luís? Quem é que compra casas com poupanças em Portugal em 2023? Ou vá, nos últimos cinco anos? Qual dos contribuintes que pertence aos 75% que vive com menos de 900 euros líquidos por mês é que poupa para comprar casas de investimento? Já tem sorte ele se o banco lhe fizer um crédito para não ter de depender da vontade de um senhorio.

    Qual das famílias nos 90% que vivem com menos de 2.000 euros, por agregado, é que anda a meter algum de lado para um T0 na Lapa? Essas poupanças chegam de algum lado, não é? Uma herança aqui, uma oferta ali… aí já percebo. Mas nesse caso, lamento, estamos no ponto de partida. Não, não entendo que um senhorio nestas condições venha pedir aumentos de renda iguais à inflação e muito menos com argumentos como os usados pelo Luís de que, “agora as poupanças do investidor valem menos”.

    Ora, meu caro… mas não é esse o efeito perverso do famigerado mercado?

    people sitting on bench near brown concrete building during daytime

    Claro que as poupanças valem menos. Mas os salários também valem menos porque os aumentos são inferiores à inflação, logo, há uma perda real, tal como nas poupanças. Os senhorios sofrem um bocadinho, os inquilinos também, e pena, mesmo muita pena, é que os bancos não sofram também. Era aí que o impacto se deveria fazer sentir e não nos orçamentos das famílias que, em Portugal, são cada vez mais pobres.

    Quando se repete a conversa de “os mais prósperos protegem a propriedade privada” não é simplesmente verdade. A carga fiscal na Suécia é elevadíssima, em particular para o lucro. E não é sequer possível viver alugando apartamentos. Espero que a Suécia ainda conte como país próspero. 

    Muito antes da crise que agora vivemos, da inflação, da guerra e do aumento do custo de vida com a desculpa da Ucrânia,  já algumas cidades portuguesas praticavam preços proibitivos na habitação, desde quartos de estudantes até a casas familiares. Foram tempos de pura especulação e ganância. Proteger isso, que foi exactamente o que se fez, a tal liberdade, deixou-nos em parte neste beco sem saída.

    Foi assim com a habitação, com a grande distribuição e com a banca. Compensaram-se as perdas com dinheiro público e, em altura de jackpot, como este que agora se vive com a inflação, a factura fica do lado do costume, dos contribuintes. Nunca o impacto económico fica do lado dos privados. Se o negócio cai, o Estado paga layoffs ou injecta dinheiro; se a inflação cria lucros fabulosos e inesperados, o Estado não pode falar em tectos porque lá vem a conversa da liberdade e da Venezuela.

    white painted buildings

    Liberdade não é permitir que o lucro se sobreponha a condições de vida com dignidade. E certamente não é ter uma maioria, neste caso de 5, 5 milhões de trabalhadores, a viverem para pagar contas encherem os bolsos de uma minoria. Seja esta minoria um banco, um supermercado, uma PPP de uma estrada, a Lagarde, a quota dos 2% da NATO ou o senhorio que poupou a herança que a avó lhe deixou.

    Liberdade, meu caro, é sair de casa para ir trabalhar, e poder ir jantar um bife com a família, sem fazer contas ao que sobra para a renda.  É preciso levantar a cabeça, deixar de focar na árvore e perceber que estamos, sim, numa floresta.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Então ‘amlá ver’ as eleições da Madeira…

    Então ‘amlá ver’ as eleições da Madeira…


    Imagino que vos tenha escapado, ontem que ali, entre o primeiro remate certeiro de Bah e a confirmação final de David Neres em Portimão, aconteceram, em simultâneo, eleições regionais na Madeira. Ou, como disse Maria João Avillez, o caso de estudo da democracia portuguesa.

    As eleições para a Assembleia Regional da Madeira são, de longe, o momento mais soporífero da jovem democracia portuguesa, e resumem-se, desde que me lembro de existir e saber ligar uma televisão, a discutir o tamanho da vitória do PSD. Nos tempos de Alberto João íamos de maioria absoluta em maioria absoluta. Hoje, já nem tanto, mas a região continua um bastião da direita, em particular do PSD.

    person standing near table

    Alberto João Jardim deixou um legado difícil de seguir nos dias que correm, é um facto. Era um homem que às segundas, às quartas e às sextas gritava “independência” da República Portuguesa em frente aos jornalistas, e que nos restantes dias da semana, em conversas privadas, lá tentava que o primeiro-ministro em funções fosse perdoando a dívida da Madeira.

    Dizia-me um madeirense, saudoso do seu Alberto, aqui há uns dois anos em Câmara de Lobos, enquanto bebericava uma poncha: “O hospital aqui está uma vergonha. Temos  todos de ir para o Funchal para não morrer. Se o Alberto João ainda lá estivesse, faziam um hospital novo e depois logo se via quem pagava! Agora este Miguel Albuquerque, não sabe como enrolar os cubanos…”

    Portanto, não tem tarefa fácil o amigo Miguel. E muito menos a piada do seu antecessor. Era essa, aliás, a única razão pela qual se acompanhavam as eleições na Madeira. Perceber que bordoada diria Alberto João desta vez, por norma, depois do jantar.

    Ainda assim, Miguel Albuquerque fez o possível para trazer algum “salero” para esta contenda e disse, em alto e bom som, que se não tivesse maioria absoluta, então não entraria em negociações e trataria de se fazer à estrada.

    Pois o bom do Miguel ficou a um deputado da maioria absoluta e, muito bem, adivinharam, não se fez à estrada. Confesso que até ficaria ofendido se um político resolvesse honrar a palavra dada, poder-se-ia abrir um precedente perigoso. Escusado será dizer que Luís Montenegro, o líder nacional do PSD, fez destas eleições um momento de triunfo tal que chegou a ser deprimente. Não só apareceu mais do que o próprio líder regional como ainda tentou, naquele erro clássico das eleições insulares, transpor aquela situação muito particular para a realidade nacional.

    É também perceptível, diria. Montenegro luta pela vida, enquanto Passos se vai aproximando e tenta mostrar que serve para algo mais do que guiar um autocarro desgovernado pelo meio do deserto. O PSD da Madeira, em coligação com o CDS, conseguirá uma maioria absoluta se se juntar à Iniciativa Liberal, o que, a fazer fé nas palavras do deputado eleito pela IL, já deve estar mais ou menos arranjado. Montenegro deverá estar a tomar notas de como é que é possível fazer uma coligação de Governo sem o Chega, embora, a nível nacional, todos saibamos que isso não é possível.

    A entrada do Chega no Parlamento regional da Madeira também é uma notícia que merece destaque. Os 12.000 votos e quatro deputados eleitos mostram que o problema do abandono escolar não se resume ao território continental. O partido continua a crescer e esse é um dado inegável e preocupante. Boa parte do eleitorado português não está contente com os problemas que a democracia já tem e vai optando por um partido que, simplesmente, não gosta da democracia na sua base. Elucidativo.

    a black and white photo of a trash can

    A esquerda teve, como é hábito, um mau resultado por aquelas paragens e António Costa nem deu sinal de vida. O líder regional, que ninguém conhecia, pouco mais do que exigir a demissão de Miguel Albuquerque fez, e em Lisboa, a reação ficou a cargo de um senhor chamado João Torres, que possui o cargo de secretário-geral adjunto no PS. Cargo que, até ontem, eu não sabia que existia e hoje percebo que serve, essencialmente, para aparecer quando o secretário-geral tem coisas importantes para fazer. Visto de fora, parece que o PS aceitou de bom grado oferecer a Madeira, e as restantes forças (BE e PCP) pouco mais conseguem do que manter ou recuperar o seu deputado.

    A terceira força mais votada foi o “Juntos Pelo Povo” (JPP), um movimento que não se define por ser de esquerda ou direita. Portanto, uma espécie de PAN sem animais ou de IL sem “flat rate”.

    O meu momento favorito da noite aconteceu quando o deputado eleito pela IL começou a gritar “liberdade”, num assomo tardio da Revolução dos Cravos. Aos poucos, eles vão percebendo o que aconteceu, o que é bom.

    No contorcionismo lamentável de Miguel Albuquerque, a propósito da sua demissão, garantiu-nos que teria maioria sem o Chega e esse seria o ponto de honra que lhe lavaria a cara. Achei essa parte interessante porque mostra, no fundo, o que significa a politiquice de bastidores. E também os líderes que vamos escolhendo ao longo das décadas.

    Ninguém lhe pediu que se demitisse ou não fizesse coligações. Foi ele que adoptou essa estratégia de dar um tiro no pé. Ontem, como se a moral para nada contasse, lá veio dizer que bastaria arranjar uma maioria para governar (contrariando o que o próprio tinha dito) e traçando, ali, um novo compromisso: “atenção que com o Chega nem pensar!”

    Ora… isso acontece porque, como percebemos, precisava apenas o PSD de mais um deputado para a maioria absoluta e a IL servia para esse propósito. Caso contrário, teriam feito o mesmo que Bolieiro fez nos Açores: durante a campanha “Chega, nunca!”; depois dos votos contados, “o Chega até já sabe comer de garfo e faca”.

    Conta o poder, a forma de o conseguir e manter. O resto, nomeadamente a palavra dada ou as expectativas criadas nos eleitores, são duas mãos cheias de nada. E já nem falo na simples e contundente honestidade, porque essa já ninguém a exige ou cobra a político algum.

     A IL terá três ou quatro PPPs na mão para negociar a troco da maioria e, neste caso, não é nada que seja estranho ao PSD Madeira. Tirar ao público para entregar a diversos privados é quase um modus operandi por aqueles lados. A IL vai descobrir uma nova meca.

     Daqui a 4 anos voltamos a falar. Se nos lembrarmos das eleições, claro.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • AR TV: a melhor plataforma para nosso divertimento… ou não

    AR TV: a melhor plataforma para nosso divertimento… ou não


    Quanto maior é a oferta de canais televisivos, menos televisão eu vejo. Não é por qualquer embirração em particular, apenas constato o facto. Uma das razões que me afasta da “caixa mágica” é a mediocridade reinante. Provavelmente, não temos pessoas em quantidade suficiente para encher tantos canais e tantas horas de emissão. Entre reality shows com debates vazios, programas da manhã com entrevistas inenarráveis ou as intermináveis horas de discussão futebolística, com participantes que não conseguem articular duas frases, dou por mim a fugir para outras plataformas, essencialmente pela vergonha alheia das doses cavalares de lixo que nos entram em casa todos os dias.

    Há no entanto um canal, que também tem alguns tesourinhos deprimentes, é verdade, mas que gosto de acompanhar para sentir o rumo que leva o país. A AR TV, pois claro, onde se assiste aos debates parlamentares ou às tão famosas comissões de inquérito. 

    Ontem, houve por lá um belo debate sobre política fiscal, que recomendo. É um exemplo clássico de como o nosso Parlamento serve para pouco mais do que preparar eleições, e conseguir, agora na era das redes sociais, 30 segundos de frases fortes para o resumo do jornal da noite ou das televisões/ páginas dos partidos no Facebook.

    O PSD agendou esta sessão, onde se discutiria a baixa de impostos, sabendo que faltam 15 dias para se iniciar as conversas em torno do próximo Orçamento do Estado, onde esse tema já seria central. É a hipótese do PSD aparecer numa notícia com o título: “PSD propõe baixa de IRS e apoio às famílias”.

    Não sei que séries vocês seguem no Netflix ou HBO, mas certamente poucas vos oferecem este nível de entretenimento que a AR TV proporciona. O argumento é fraquinho, admito, faz lembrar aqueles filmes da Jennifer Aniston que começam e acabam sempre da mesma maneira, mas pelo menos uma pessoa pode sair a meio, fazer um xixi ou até perder um episódio, sem deixar de perceber a história.

    O PSD fez de bonzinho e preocupado no episódio de ontem. É o herói que vive isolado na cabana em ruínas, numa floresta distante do Alasca, desde que perdeu a última eleição. Não fala com ninguém, não tem telefone, tudo o que recebe no correio são postais de um amigo distante de Boliqueime. Até que, certo dia, um antigo colega aparece, a meio de uma pescaria, para lhes pedir ajuda e, uma vez mais, salvarem o Mundo. Eles dizem que não, que desistiram da sociedade, mas depois percebem que há mais uma hora de filme para encher – e lá vão.

    Tiram o casaco de pele de urso, fazem a barba e apresentam-se na Assembleia da República com a proposta de baixar os impostos. Ora, aqui percebemos que o filme está na categoria de ficção. O PSD nunca baixou impostos quando governou e, mesmo na oposição, vota contra tudo o que são propostas de lei para alívio fiscal dos trabalhadores.   

    Mas como ninguém presta atenção ao que por ali se passou nos episódios anteriores, dá sempre para fazer três ou quatro telejornais a “lutar pelos portugueses”.

    Uma das minhas partes favoritas é quando os amigos do herói se chateiam e seguem caminhos diferentes. Parecem os Avengers. O Thor gosta de resolver tudo à martelada, o Iron Man prefere a tecnologia de ponta. O Hulk acha que o Thor bate pouco e tenta bater ainda mais.

    O Chega faz de Hulk. Não quer saber de pactos de regime ou das propostas em debate. Basta-lhes partir tudo e gritar alguns segundos para o destaque do José Rodrigues dos Santos. É aliás curioso reparar que na altura das intervenções, subiu ao palanque um daqueles rapazes do Chega que ninguém conhece, que discursou longa e penosamente, para mal dos meus ouvidos. Bom… confesso que meti aquela parte para a frente mas isso agora não importa. Pelo discurso usado, parecia estar no intervalo das corridas de táxi que lhe ocupavam o resto do dia. Contudo, na hora do telejornal, lá aparecem os 10 segundos de gritos do Ventura, o homem que aproveita cada episódio para “lutar contra o sistema”.

    Aparece o Tony Stark, interpretado pela Iniciativa Liberal (IL). Mais lavadinhos e engomados que os do Chega, com vocabulário mais cuidado, piadas topo de gama e escolaridade mínima obrigatória concluída. Ah, e mocassins. Gozam com todos e dizem: “bem-vindos à discussão da baixa de impostos que nós andamos a vender há três anos”. Verdade, verdade. Flat rate e dinheiro público transferido para hospitais e escolas privadas. O fim do Estado Social mesmo que não encontrem um país socialmente justo com flat rate, mas, enfim, quem é que se vai perder com detalhes? A IL achava que, mesmo para ficção, a tentativa do PSD pecava por escassa. O corte fiscal devia ser maior e davam exemplos de como os salários de 1.400 euros iriam ser pouco beneficiados. A tal parte da sociedade que eles defendem e os salários que 75% dos portugueses não têm.

    Mas é por isto que os episódios da AR TV são bons. Há alguma emoção, sim, mas as surpresas são mais contidas. Já se sabe o que esperar de cada personagem e isso cria aquela identificação com eles. Os Simpsons não estão no ar há 30 anos só por causa da música inicial, já todos sabemos quem arrota, quem estuda e quem faz asneiras.

    Reparem que chegámos ao fim do debate sem que a direita no Parlamento se tenha sequer conseguido coordenar no ataque à maioria socialista. E aqui vou escrever socialista com “”, isto é, com aspas.  Para quem viu aquilo, a mensagem é clara: o Governo é tenebroso, mas a oposição não existe. São um grupo de rapazes que, antes de mais, procuram garantir o seu emprego na política. Depois, procuram agradar os lobbies que os patrocinam. E, por fim, tentam marcar algumas diferenças no hemiciclo, dizendo um conjunto de banalidades, promessas vazias que, uma vez alcançado o poder, simplesmente não cumprem.

    O PSD teve maiorias numa altura em que o dinheiro caía do céu. O que fez o senhor Aníbal de Boliqueime? Creches? Desenvolvimento industrial ou tecnológico? Ensino universal? Aumentos do salário mínimo? Não. Andou a fazer negócios com a banca privada, a torrar fundos europeus em estradas e parcerias com os abutres que ainda hoje gravitam em torno do erário público. Criou mais impostos e, enquanto Espanha se ia desenvolvendo, nós íamos fazendo investimento público em construtoras.

    Luís Montenegro era o líder parlamentar do PSD aquando do Governo de Passos Coelho, que aumentou, novamente, os impostos sobre o trabalho. Hoje aparece aos gritos a pedir aquilo que nunca fez, na esperança de não desaparecer depois da travessia no deserto. O PSD é Governo numa região autónoma desde que me lembro, e se quer combater as injustiças fiscais, então pode começar por acabar com as offshores da Madeira. Não precisam de pedir a ninguém, é só usar a maioria e votar pelo fim da bandalheira.

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    António Costa, que também vai anunciado medidas consoante os gritos populares (agora é o apoio para o crédito à habitação, que espero dê em algo palpável), deve olhar para aquela pobreza franciscana do Parlamento com um enorme sorriso e um balde de pipocas digno de se ver.

    Pobres de nós, povo e contribuintes, quando não querendo o Costa, achamos que a solução pode vir de Ventura, Rocha ou Montenegro. É que não servem, sequer, para figurantes, daqueles que fazem coro lá atrás e mexem a cabeça, quando alguém fala aos jornalistas. Quanto mais para decidir a vida de 10 milhões de pessoas.   

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O layoff e o mito da Autoeuropa

    O layoff e o mito da Autoeuropa


    Um destes dias, podíamos começar a descascar a pele de “empresa-modelo” que a Autoeuropa anda a vestir há 30 anos. A conversa em torno do layoff fez-me lembrar a primeira vez que ouvi falar em “down days” como forma de compensar as baixas de produção e os reduzidos aumentos salariais. Aqueles plenários de trabalhadores realizados na cantina que tinha o melhor arroz-doce industrial alguma vez fabricado. Sim, a qualidade do arroz-doce é muito importante na negociação dos meus contratos de trabalho.

    Lembro-me de não ter ficado desagradado com a situação. Era temporário, mais dias de férias não soavam mal, e com vinte e poucos anos ainda havia o sonho de um dia o salário chegar a qualquer coisa que se visse. Era o meu primeiro emprego, não conhecia outra realidade.

    water dew on silver Volkswagen car emblem

    Hoje, quando leio as notícias sobre a Autoeuropa, reparo que os “down days” temporários ainda por lá andam duas décadas depois. O crescimento salarial ainda é uma miragem e, como boa parte das empresas portuguesas, a Autoeuropa baseia o seu lucro em mão-de-obra qualificada e mal paga. Ou como se dizia por lá: “se não fosse para explorar, todas as fábricas do grupo seriam na Alemanha”. 

    É assim que funciona o estilo de vida a que chamamos capitalismo. Produz-se em zonas onde a mão de obra é barata para se vender no Mundo pela maior margem de lucro possível.    

    Este ciclo deixa de funcionar se o país produtor evoluir e a mão-de-obra deixar de ser barata. No final do século passado, a cadeia de produção concentrava-se no leste europeu e na Península Ibérica, por serem essas as zonas mais pobres. Com o crescimento dos salários um pouco por toda a Europa, vimos no século XXI a grande deslocação das fábricas para a Ásia, nomeadamente para a China. Mas também Vietname, Camboja e Laos, entre outros.

    stop signage

    Portugal é, ou devia ser, um caso de estudo neste campo, porque, enquanto boa parte da Europa deixou de ser atrativa para o capital, Portugal conseguiu manter-se ao longo de décadas como um país de mão-de-obra qualificada e baixos salários. O único exemplo que a “empresa-modelo” da Autoeuropa nos dá é o de mostrar como, continuamente, consegue manter os salários baixos e os lucros altos. Isto enquanto vai recebendo apoios fenomenais dos governos portugueses para nos fazerem o favor de continuar por cá. De facto, são um exemplo, mas nem por isso bom.

    Por estes dias discute-se de que forma os trabalhadores e os impostos de todos devem uma vez mais ir em auxílio da Autoeuropa.

    A história é relativamente simples de perceber. Um fornecedor de uma peça do motor, situado na Eslovénia, viu a sua produção e respectivo fornecimento à Autoeuropa serem interrompidos depois das graves cheias que afectaram o país. A Autoeuropa foi obrigada a parar a linha de montagem e mandar os trabalhadores para casa. É aqui que começa o busílis. Como de costume num sistema capitalista, os lucros são divididos por accionistas e as migalhas ficam para os trabalhadores. Mas no momento de dividir o prejuízo, a fatia já deve ser dividida por quem vende a mão de obra e, sempre que possível, pelos governos locais. 

    white and blue stop sign

    Para compensar as perdas originadas pela paragem da linha de montagem, a Autoeuropa usou a ferramenta legal do layoff, ou seja, um apoio público para comparticipar os salários dos seus trabalhadores. Ao mesmo tempo, despediu alguns temporários provando a razão pela qual as empresas gostam deste tipo de contratação. Em momentos de aperto não há direitos sociais que segurem estes trabalhadores. São despedidos com pouquíssimo tempo de aviso e passam a ser um problema da Segurança Social. Portanto, são precários durante anos com o luxo de poderem planear a vida ao sabor do mercado. Ou de catástrofes naturais no centro da Europa. 

    O layoff tem dois problemas logo à partida. Usam dinheiro público para cobrir prejuízos privados e não comparticipam os salários a 100%. Se bem se lembram, durante o regabofe dos confinamentos, várias empresas recorreram a este expediente, receberam as ajudas do Estado e depois despediram os trabalhadores na mesma. 

    Mariana Mortágua disse que o Governo devia comparticipar o layoff a 100% para não prejudicar ainda mais estes trabalhadores. Ora… é aqui que o problema reside, na minha opinião.

    O layoff, como está desenhado, não faz sequer sentido. Os trabalhadores não podem perder salário, isso parece-me óbvio. Especialmente, quando já estão a perder poder de compra por causa da inflação, mas não pode também ser o erário público a cobrir os erros de gestão privados.

    O grupo Volkswagen, a que pertence a Autoeuropa, foi em 2022 o terceiro mais rentável do Mundo. No primeiro trimestre do presente ano apresentou um lucro de 33 mil milhões de euros. Precisa uma empresa destas de usar a Segurança Social portuguesa para acomodar erros próprios de gestão? É culpa do contribuinte português que usem um sistema de logística com stocks pequenos para reduzir custos? Deve o operador de linha, que ganha pouco mais de 1000 euros, doar parte do seu salário para cobrir os prejuízos deste trimestre?

    Não. É exactamente nestas alturas que o tão apregoado mercado deve funcionar. A empresa deve assumir sozinha os riscos da sua gestão e cobrir as despesas. Não pode ser o contribuinte português a pagar e muito menos os trabalhadores da própria Autoeuropa, que já se sacrificam há anos para contribuir para os lucros fabulosos a troco de baixos salários.

    Os accionistas que ficam com a maior fatia do lucro, que dividam entre eles o prejuízo. Não é isso que defendem os amantes da modalidade? O Estado longe dos negócios, é o que nos dizem. Pelo menos até que chegue o momento de pagar os prejuízos.

    Outra coisa que esta crise nos explica é o perigo da contratação de temporários em alternativa aos efectivos, protegidos pelo contracto colectivo de trabalho. Num país com pouco emprego e baixíssimos salários, a contratação de precários é um cancro que não permite estabilidade ou sequer desenvolvimento profissional dos trabalhadores. São descartáveis a cada falha nos lucros, como se percebe.

    lego, toy, construction worker

    Uma coisa é trabalhar nesse regime em países desenvolvidos e com uma oferta de emprego, que permite que um temporário seja, na prática, um efectivo que vai mudando de empregador. É um regime laboral que conheço bem e que tem lógica em zonas de elevada produção e crescimento económico.

    Em Portugal, um país com escassez de emprego e cada vez menos produção, ser temporário é viver o dia-a-dia sem poder planear seja o que for. É como fazer uma pausa no desenvolvimento normal de um adulto e do que se imagina ser uma vida profissional e familiar, enquanto se reza ao São Pedro por chuvas fracas na Eslovénia. É no fundo, sobreviver, em vez de poder viver.

    Não há como uma boa crise para nos explicar que as empresas dependem dos seus trabalhadores e não o contrário. E é escusado repetirem a conversa do “vão-se embora como a Opel da Azambuja”. Se em todos os países pobres lhes disserem o mesmo, eventualmente chegará o dia em que a retribuição justa do trabalho acontecerá, à custa das margens de lucro e não do esforço de quem trabalha.

    A Autoeuropa é um mito. Não é exemplo, muito menos que se recomende, para ninguém.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os senhorios também gostam da inflação

    Os senhorios também gostam da inflação


    Quando tratamos os senhorios como um todo – uma espécie de perigosos especuladores –, corremos o risco habitual das generalizações. Em princípio, vamos misturar o trigo com o joio, e do mesmo saco tiramos o ganancioso capitalista e o gajo que foi viver para outro país e deixou a casa alugada por um preço decente.

    Devo dizer, para início de conversa, que o argumento de que “cada um mete o preço que quer na sua propriedade”, é algo que me irrita particularmente. Quando a liberdade se confunde com o puro bom senso e toma lugar a procura do lucro fácil à custa da miséria alheia, eu acho muito bem que o Governo tome medidas para beneficiar os mais desprotegidos.

    Colorful Buildings in City Downtown

    Dou-vos dois exemplos que ilustram o que pretendo dizer.

    Se uma pessoa contrai um empréstimo bancário para compra de casa e, passados uns tempos, vai trabalhar para outro país, acho perfeitamente lógico que a alugue por um preço que cubra a prestação ao banco e as despesas inerentes. O mesmo é dizer que se a Lagarde passar os juros para o triplo, também é normal que essa carga acabe no inquilino, uma vez que é ele que lá vive. O senhorio nesse caso continua apenas a cobrir as despesas e os aumentos a que é alheio. Não há qualquer busca  pelo lucro fácil. 

    Já se um apartamento nos cair no colo, por herança ou qualquer outra razão, e o resolvermos alugar, praticamente toda a receita é lucro. Neste caso, admito, já tenho mais algum dificuldade com conversas de inflação e juros que pouco ou nada afectam as despesas da casa. Claro que podemos sempre dizer que cada um pede o que quer e só aceita quem quer. É verdade. Mas não é propriamente um bom princípio de convivência social e muito menos um caminho com grande futuro.

    Se num país com falta de habitação – embora existam mais casas do que pessoas –, especialmente a preços que os baixos salários possam suportar, deixarmos o preço do arrendamento ser decidido, apenas, por quem procura uma mina de ouro no meio do empobrecimento geral, em princípio não vamos muito longe.

    man in yellow shirt and blue denim jeans jumping on brown wooden railings under blue and

    Reparem que nada disto é muito difícil de perceber. Provar as despesas que se tem com uma casa, começando pelo crédito à habitação, é relativamente simples. Portanto, não é uma equação impossível perceber quem é que lucra muito com a especulação imobiliária. 

    Dito isto, o tecto de 2% imposto pelo Governo para o aumento das rendas é mais uma daquelas medidas do governo do PS que servem para muito pouco. Darão eventualmente uma linha no próximo PowerPoint de programa eleitoral mas, para a vida dos inquilinos que sofrem para aguentar as casas, não trará grande protecção.

    Como explica a própria associação nacional de senhorios, num rasgo de inteligência a lembrar um chco-esperto de Alfama: “se o Governo anuncia um aumento máximo de 2% para daqui a não sei quanto tempo, os senhorios aumentam 30% já e ficam garantidos para os próximos anos”. E volta a meter o palito na boca para tirar os último fios do pastel de bacalhau ingerido no jantar do dia anterior.

    Há no entanto um argumento que é válido do lado desta malta. Segundo eles, se todos os outros sectores não são prejudicados pela inflação, leia-se, restaurantes, supermercados, bancos, etc., por que razão não podem os senhorios aumentar os preços de acordo com a inflação? Ou seja, se os outros mamam, por que não podemos nós também?

    A Person Holding a Mango Fruit

    Esta é uma argumentação que me lembra uma conversa, há uns meses, com um senhor que trabalha em jardinagem. Dizia ele: “se o carpinteiro, pintor e canalizador dobraram os preços, sou eu que vou cobrar o mesmo?” Na altura, disse-lhe que se os gastos dele eram exactamente os mesmos, tanto na mão de obra como nos materiais e não perdia dinheiro, qual era a necessidade de dificultar a vida aos clientes cujos salários, esses sim, estavam a perder poder de compra. Ao que ele respondeu, insistindo que, se o pintor podia, ele também.

    Ora o senhor da associacão nacional de senhorios segue este tipo de lógica, e eu percebo-o. Se os bancos ganharam um jackpot com a inflação nas prestacões das casas e o Costa não fez nada, tem agora que vir chatear a cabeca aos senhorios? Visto assim até os compreendo. Se a Lagarde aumenta os juros só porque lhe apetece, não pode o gajo que tem um T0 na Mouraria fazer o mesmo, agora que nenhum russo lhe quer comprar aquilo? Claro que pode. E se o Costa disser que só pode aumentar 2% com a inflacão nos 5%, ele adianta logo um simpático 28% ao inquilino e depois da guerra acabar, olha, paciência. Segue jogo e fica como está.

    Há uma regra na Suécia para casas compradas em regime de cooperativa que me agrada particularmente: ou vives lá ou então vendes. Se estiveres com um pé dentro e outro fora, podes alugar durante dois anos. Findo esse período, tens de decidir. Viver ou vender, não há cá lucro gerado para ninguém com filas enormes para conseguir casa. É a chamada optimização de recursos e o combate possível à especulação imobiliária.

    low angle photo of mirror glass building

    O problema do governo PS é que navega sem rumo há já tempo demasiado, tendo em conta o tempo que ainda falta para as eleições legislativas. Costa anuncia medidas em pacotes cheio de flores e intenções, mas com pouquíssima aplicação prática. Quando vamos a ver, somos um país de paus mandados da União Europeia. Se o Banco Central Europeu aumenta os juros, nós dizemos que sim e os bancos nacionais fazem o que bem entendem.

    O Governo não pensa, por exemplo, em devolver parte desses juros em sede de IRS. Se a Lagarde diz para não pagarmos prestações sociais, nós deixamos as pessoas sem nada. Se os supermercados aumentam os preços até ao limite do insuportável, resistimos a colocar tectos, porque isso é muito Venezuela. Os governos portugueses limitam-se a gerir apoios comunitários e pouco mais. Não conseguem ver para lá do próprio interesse e da próxima eleição.

    Enquanto vivemos este autêntico inferno – onde é suposto acomodarmos a ganância de toda a gente, desde bancos privados a senhorios que aproveitam a oportunidade, passando por cadeias de distribuição que agarraram este momento único –, aceitamos que a única coisa que fica absolutamente fixa, segura e imutável, é o salário. Esse, na melhor das hipóteses, ficou poucos pontos percentuais abaixo da inflação. Andam os sindicatos a fazer greves por todo o país por salários que já andam de braço dado com a Sérvia e a Moldávia.

    A cantina onde de vez em quando compro um iogurte, mudou o seu preço pelo menos três vezes nestes últimos meses. De 3 para 4,5 euros. Sempre, mas sempre, com a justificação da Ucrânia, quando o leite e tudo o que lá está dentro, é produzido aqui na cidade ou arredores. Um simples copo de vinho, num banal restaurante italiano, custa agora quase 8 euros. Também por causa da Ucrânia, essa famosa exportadora de vinho. 

    granola and yoghurt filled mason jar

    Há um conjunto de negócios que aproveitam, sem margem para dúvidas, esta oportunidade de lucrar como nunca.  Senhorios, pelo menos alguns, estão dentro do grupo de pessoas ou entidades que não querem ficar de fora desta autêntica lotaria. A perda do poder de compra dos trabalhadores é real, os salários pouco ou nada mexem, mas, no fim, temos que olhar em volta e aceitar que todo o resto do mundo precisa de vender o seu produto de acordo com a inflação. 

    António Costa, um político hábil, como se sabe, vem desde a pandemia a governar ao sabor do vento e sem um real plano de futuro. Tapa buracos com areia, em estradas ventosas. Pior do que percebermos onde estamos é não vermos grande alternativa. Imagine-se um Governo do PSD com liberais e extrema-direita, num período em que as pessoas precisam de ajuda como nunca.

    Resta-nos continuar a empobrecer e ir distribuindo o pouco que temos por bancos, supermercados e senhorios. Viver, pelo menos como a vida merece ser vivida, isso fica para a próxima geração.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Há falta de professores? E novidades, há?

    Há falta de professores? E novidades, há?


    Falta de professores afeta 100 000 alunos“, é este o título de uma notícia do Observador de sexta-feira passada, e replicada em outros órgãos de comunicação social, que me prende a atenção e deixa um cheirinho a nostalgia nesta minha memória que já teve melhores dias. Tenho a sensação de que, há uns anos a esta parte, a cada início do ano escolar esta notícia se repete.

    Começamos a ter um ciclo, com as cheias em Janeiro, os fogos em Julho ou Agosto e a falta de professores em Setembro. Longe vão os tempos em que Pedro Passos Coelho sugeria aos professores que emigrassem, nesta Europa livre e sem fronteiras.

    Não é difícil perceber porque faltam professores em 2023. Ou faltavam em 2022 ou em qualquer ano da década anterior. Mas a pergunta que importa é: quem quer ser professor nestes dias que correm?

    Teacher Showing His Class a Human Skull

    Quem quer aturar os filhos dos outros, explicar a quem não deseja aprender, ouvir todos os tipos de falta de educação e ainda ter de aturar, de quando em vez, as frustrações dos pais por causa da incapacidade dos educandos?

    Quem tem paciência para andar de mala às costas, a viver longe da família, ou sem conseguir formar uma, dada a dificuldade em fixar residência?

    Quem sonha com uma carreira que anda há mais de uma década em luta por direitos básicos e cuja progressão é lenta ou nula?

    E finalmente, quem arrisca o seu futuro numa profissão assim, com todas estas condicionantes, por um salário de indigno que se arrasta durante toda a vida? Indigno, não: deixemos as metáforas à porta, é mesmo uma merda.

    A parte curiosa disto é não se ver, para além de declarações vazias do ministro da Educação (este ou outro qualquer) – tais como “as negociações seguem o seu normal percurso” –, qualquer medida verdadeiramente importante para tornar a carreira docente minimamente atractiva.

    Boy Running In The Hallway

    E é disso que se trata: convencer pessoas que ser professor é algo bom e não deixar o destino do país depositado nos heróis que, apesar das condições lamentáveis, ainda têm paixão por ensinar. Sim, leram bem: o destino do país. Ao contrário do que se possa pensar, o sucesso de um país não está no seu exército, nas suas estradas exploradas por privados ou no número de visitantes anuais. O sucesso mede-se pela qualidade da escola pública e da saúde oferecida a troco dos impostos. Uma boa escola pública cria bons trabalhadores, e bons trabalhadores desenvolvem o país e a sua Economia. Não é propriamente um segredo. Todo o norte da Europa já percebeu isto há 100 anos. 

    Na década de 90 entraram para a área de Educação, no ensino superior, uma média aproximada de 30 mil alunos por ano. Entre 2000 e 2005 esse número aumentou para 45 mil e desde então tem vindo a descer, atingindo o mínimos em 2019 com pouco mais de 12 mil alunos.

    Como é que um país cada vez mais pobre se dá ao luxo de afugentar professores, é um mistério que decididamente não consigo compreender. Qual é a visão de longo prazo? Termos cada vez mais empregados de mesa e camareiras de hotel e, os poucos que vão levando a escola até um ponto que interesse, vamos oferecendo aos países desenvolvidos?

    Interior of Abandoned Building

    Eu percebo que o dinheiro não dá para tudo, mas, no fim, estamos sempre entre opções políticas que podem levar ao desenvolvimento ou ao atraso geracional, não é? Não digo que seja necessário algo radical como atenuar um pouco os roubos que a corrupção inflige ao Orçamento do Estado. As negociatas do tutti-frutti, as adjudicações aos amigos, os subsídios de deslocacão para quem está parado, os resgates aos bancos que tinham ministros no bolso e outros quejandos. Não, não digo para pouparem algum dinheiro aí porque se perdia logo a essência da política nacional, assente em compadrios e corrupcão. Temos que ir um pouco mais devagar.

    Mas, por exemplo, parar de fazer auto-estradas por todo o lado e atribuir o lucro da exploração a privados?  Era um princípio. Imaginem o que daria em salários de professor a fortuna que foi gasta para estarem todos confinados. Alguns 10 anos de progressões, paz social e setembros com os putos nas salas de aulas com adultos lá dentro.

    Não sei bem como dizer isto de uma forma mais simples, mas não há país desenvolvido e Economia sustentada sem um ensino público de qualidade. E não há ensino público de qualidade sem professores motivados.

    Portanto, senhores do Centrão, que há umas décadas gerem fundos comunitários, em vez de desenvolverem o país: RESPEITEM OS PROFESSORES. Sem eles, e um ou outro médico para nos desentupir as artérias, não há mais nada. Sobra-nos o estatuto de República Dominicana da União Europeia com 11 gajos com jeito para a bola. Se é esse o desígnio nacional, sigam em frente que estão bem. Se querem deixar de ser o mais pobre entre os pobres da Europa, é bom então que se aproximem dos professores, com algumas flores na mão.

    Nem é preciso ser muito inteligente. É só olhar em volta e fazer o que já foi feito.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Entre o certo e o errado, mais 1.000 milhões (de dólares) para mortes em prime-time

    Entre o certo e o errado, mais 1.000 milhões (de dólares) para mortes em prime-time


    Ontem tinha alinhado com os meus botões outro tema para a crónica de hoje, mas a actualidade estragou-me os planos.

    Li que os Estados Unidos tinham disponibilizado mais 1.000 milhões de dólares para a guerra na Ucrânia e comecei a fazer contas à vida. Tenho alguma dificuldade em perceber esta cascata de dinheiro despejado na guerra – e aqui confesso que pode ser um problema herdado da minha profissão.

    Pagam-me para arranjar soluções. Não importa agora para quê. Dão-me problemas e pedem-me soluções. Lógicas, e que nos façam chegar a um produto final que, por sua vez, será vendido a quem o quiser comprar. É na perspectiva desta lógica que olho para o apoio à guerra da Ucrânia. Já passou a fase da emoção, da moralidade, do certo ou errado. Olho para ali e penso: “como é que se resolve isto?”

    Exploded House in Borodyanka

    Para vos ser sincero, a fase da emoção não durou muito. Durante 20 anos andou a União Europeia a branquear o regime russo a troco de gás, e mal meteram os pés no Donbass passaram a ser uma ditadura. Quando cortaram o mapa ali pelos lados da Ossétia, Chechénia ou até Crimeia, ainda eram apenas os nossos fornecedores de energia.

    Lembro-me sempre da frase de Macron, numa reunião de líderes – em 2022, e a memória não me falha –, afirmando que era preciso pedir aos sauditas que aumentassem a produção de petróleo para compensar o boicote à Rússia. Pelo meio, ainda vimos Ursula Von der Leyen a fazer “parcerias estratégicas” com o Azerbaijão para conseguir mais umas botijas de gás.

    Portanto, esta coisa de escolher “democracias amigas” à la carte, e consoante os interesses do momento, é prática que nunca me seduziu.

    A moralidade ainda foi mais constrangedora porque, de repente, a fazer fé na comunicação social portuguesa, o Planeta Terra vivia em paz e todos tínhamos de apoiar a resistência ucraniana: com dinheiro, com soldados, com armas, com as nossas casas. Com o que calhasse.

    Abandoned Battle Tank

    Lembro-me de ter falado nisso ainda o primeiro drone não tinha sido usado e ouvir o novo cognome de “whataboutista”. Ou seja, quem pergunta os porquês de tamanha dedicação à causa ucraniana, em contraponto com a História dos últimos 70 anos, passou a ser uma “whataboutista” – e mais tarde um “putinista”.

    Mas, afinal, o que separa ucranianos de arménios, palestinianos, iemenitas, sérvios, afegãos, curdos, sírios, tibetanos, taiwaneses, georgianos, cubanos, paquistaneses, indianos e tantos outros povos a braços com guerras e ou disputas territoriais? Eu respondo: o interesse, momentâneo, de outros impérios em desgastarem o império invasor. Apenas isso. Algo que muito pouco terá a ver com a defesa territorial ucraniana, e ainda menos com a hipócrita tentativa de salvar vidas.

    É muito difícil, ao fim de ano e meio, continuarmos a discutir a invasão da Ucrânia à luz do certo ou errado. Se assim fosse, teríamos de o fazer para uma enormidade de povos que por isso passam há décadas. E não, não é “whataboutismo”, é apenas não ser idiota e perceber que o Mundo não se divide entre impérios bons e impérios maus. Divide-se entre impérios e seus seguidores. Se é império, não é bom – é tão simples quanto isso.

    black barbwire in close up photography during daytime

    Resta-me, pois, a visão prática que, como expliquei ali em cima, me chega por defeito profissional. Vão os 1.000 milhões de dólares mudar o curso da guerra? Não, não vão.

    Podem os Estados Unidos (e a União Europeia) continuar a despejar dinheiro e a pedir aos ucranianos, àqueles que não vão morrendo, que, em princípio, o resultado final não se altera.  Há algum analista, algum militar, algum comentador, tirando o Zelenski e os seus comandantes mais próximos, que tenha dito que com mais armas e dinheiro a Ucrânia consegue vencer esta guerra? Julgo que não, pelo menos não me lembro de ninguém. Espera…talvez o Isidro da CNN que diz, todas as semanas, que o [inserir aqui nome da arma] vai ser um game changer no curso da operação.

    Mais dinheiro até agora resultou nas mesmíssimas zonas ocupadas pelos russos, em milhares de mortos de parte a parte, na divisão das diplomacias em dois blocos – onde o ucraniano começa a ser minoritário, ao contrário do que a União Europeia nos vai vendendo – e num empobrecimento geral das democracias que são forçadas a enviar dinheiro. Sim, forçadas. Ninguém perguntou aos contribuintes europeus se querem aumentar o investimento na defesa, mas os impostos são canalizados para lá na mesma. Ninguém nos perguntou se concordamos com o ataque cerrado do Banco Central Europeu (BCE) para corrigir o efeito da inflação, mas, a reboque da guerra, tivemos de aceder à duplicação dos custos para a habitação.

    a pile of money sitting on top of a wooden floor

    Se despejar dinheiro não resolve o conflito, qual o motivo de o continuarmos a fazer? Estão a ver o sentido prático da coisa? Se mais uns milhões de pessoas ficarem sem casas, perderem empregos, não aguentarem o custo de vida e rebentarem em dívidas, enquanto enviamos uma ou duas cascatas de dinheiro para a Ucrânia, embrulhadas em tanques e F16… conseguimos, nós, os do império bom, expulsar os russos? Se sim, vamos lá empobrecer um bocado. Se não aparecer um daqueles generais velhotes a dizer que é possível, então se calhar parávamos com isto e tentávamos chegar a um acordo numa mesa qualquer.

    Aquela conversa de apoiar a Ucrânia pelo tempo que for necessário é muito bonita, mas como devem compreender, não é real. Não há apoio eterno a ninguém. Quer dizer, a ninguém que não seja israelita. Ou que não tenha muitos poços de petróleo. Assim é que é.

    Há quase dois anos que andamos a tentar uma só solução que, invariavelmente, produz os mesmos resultados. Não sei como funcionam as reuniões entre Bruxelas e Washington, mas se eu apresentasse estatísticas destas, no meu trabalho, já me tinham despedido.

    Há uma e uma só hipótese que qualquer pessoa de bom senso consegue perceber: negociar. Sem “mas” ou discussões de ética e moralidade. Há um problema real que afecta toda a gente e que não tem solução no campo de batalha. Despejar dinheiro não salva ucranianos e só adia a decisão final. Chegaremos sempre ao mesmo ponto – e com um número de mortos maior.

    oval brown wooden conference table and chairs inside conference room

    Isto, claro, partindo do princípio de que a alucinação que faz os sonhos molhados de alguns (a NATO entrar directamente no conflito de forma oficial – pela outra já lá está) continua a ser colocada de parte, como parece ser o caso. Os Estados Unidos aparentemente estão contentes com o negócio e não parecem dispostos a trocar sangue. Desta vez, ficam-se pela promoção do evento, troca comercial, venda de pipocas no espectáculo e, no fim, tomam o lugar do concorrente mais cotado quando ele estiver cansado.

    Ninguém, na verdade, parece estar muito preocupado com os ucranianos hoje ou o que sobrará da Ucrânia amanhã.

    Enfim, há dias, um leitor deste nosso jornal colocou-me a seguinte pergunta: “não tem a Ucrânia o direito de se defender e não deve ser apoiada nesse esforço?”. Eu disse-lhe que a resposta era tão longa e complexa que daria um texto. E deu.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Mas afinal que mal vos fez o Avante?

    Mas afinal que mal vos fez o Avante?


    Três anos depois, ainda estamos, por aqui e por ali, a discutir a mesma coisa: o ódio ao Avante. 

    Para um povo que gosta de festa em geral, venha ela de onde vier, esta comichão com a rentrée do Partido Comunista Português é algo que me fascina.

    Primeiro, foi a pandemia e o perigo de contágio na Quinta da Atalaia. Depois, foi a guerra e a fábula do apoio à Rússia. 

    Notem que eu até compreendo os gritos do Milhazes sobre o tema: ele, que durante algumas décadas andou esquecido a viver (e comer) à custa do regime que agora critica, precisa desta sua versão de Milhazes para continuar em antena. Parecendo que não, é mais confortável estar na antena da SIC do que numa cabana na Sibéria a traduzir as memórias do Estaline.

    Agora vocês, leitores inteligentes e sem amarras, podem olhar para o Avante de uma forma mais prática e menos apaixonada.

    Digam-me: que tipo de português não aprecia um bom festival gastronómico? Tasquinhas com diferentes sabores a preços económicos. Iguarias dos 18 distritos portugueses. A possibilidade de almoçar espetada em pau de louro (na zona da Madeira). Jantar uma carne de porco à alentejana (na zona de Beja). Um moscatel para abrir o apetite na casa de Setúbal. Uma queimada bem forte, lá para a madrugada, na Galiza, ali perto das tascas internacionais.

    Portanto, se não gostam de música, livros, política, teatro ou actividades desportivas… podem ir lá só pelo comer.

    Se gostam de música, normalmente o cartaz é interessante e distribui-se por mais do que um palco. Há uma orquestra com obras clássicas, há música popular, há rap, há metal, há rock, há músicas do mundo; enfim, o teu estilo passa ou passou por lá, certamente. 

    Depois de se ter “pedido”, no ano passado, que os artistas boicotassem a Festa do Avante, este ano o nosso Zé Milhazes foi mais comedido e pediu-lhes só que anunciassem, antes de cada actuação, se apoiavam a invasão da Ucrânia ou não. Reza a lenda que o bom do Zé exigiu aos Red Hot Chilli Peppers que declarassem o seu desagrado com o consumo de álcool pelos jovens, antes de actuarem no Super Bock, Super Rock.

    Eu aprecio muito esta fábula do “se vais ao Avante, apoias a invasão da Ucrânia”. Desde logo porque tenho uma vida onde a pressão é uma constante e necessito de momentos de descontracção. A frase: “o PCP apoia a Rússia de Putin”, tem sido a minha favorita desde que aqueloutra do “são só 15 dias para achatar a curva” saiu de circulação. 

    Andava o sr. Putin a vender gás por toda a União Europeia e aos beijos com os principais líderes, e já o PCP escrevia contra as suas acções. Tal como no tempo de Iéltsin. Mas Milhazes, que andava nessa altura a fazer pela vida e que classificou em Junho, o regime de Putin como extrema-esquerda, não deve ter reparado de que lado ficou o PCP.

    Continuando…

    Vamos então assumir que também não ligam a música, e que a comida não vos puxa. Podem ir ver teatro ou até navegar perdidamente pela feira do livro. É certo que encontrarão por lá as obras do Manuel Tiago, mas, que diabo!, algum livro vos captará a atenção. 

    Se a literatura também não for a vossa praia, então é porque, em princípio, gostam de jogar à bola. Pois bem, formam uma equipa e entram nos torneios. No fim, bebem umas cervejinhas e, se ignorarem as camisolas do Che, até parece que estão na praia com os amigos.

    Portanto e em resumo: há uma infinidade de razões para irem a uma festa, para lá da componente política, por esta reunir vários tipos de eventos num só local.

    Dito isto, mas se vocês forem do tipo que não gosta de comer…

    Ou se forem do tipo de terem pezinhos de chumbo para a dança…

    Ou se forem do tipo de não querer jogar uma futebolada…

    Ou se forem do tipo de desdenharem um copo…

    Ou se forem do tipo de adormecer num teatro…

    Ou se forem do tipo de nem estarem virados para bancas de livros…

    Ou se forem do tipo de nem apreciarem um concerto…

    Ou, enfim, se forem do tipo de nem sequer quererem estar na converseta entre amigos…

    Então… vocês são só chatos, perdoem-me a revelação. 

    Mas, nesse caso, ainda há uma solução: fiquem em casa… a ver o Milhazes.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Um dia, numa realidade paralela

    Um dia, numa realidade paralela


    Já por aqui contei que grande parte da minha  vida em território português acontece na Margem Sul (do Tejo). Fui ali criado e boa parte da minha família continua por lá, a viver. É ponto de paragem obrigatória e, mesmo sem querer, dou por mim a analisar a transformação dos subúrbios a sul de Lisboa nas últimas duas décadas.

    É particularmente mais trabalhoso nesta altura, com o regresso dos emigrantes e a enchente de gente naqueles espaços que já são, por definição, sobrelotados. Foi para isso que se construiu o subúrbio. Para encher de gente da classe trabalhadora, que não consegue viver nos grandes centros, mas que para lá se desloca diariamente para trabalhar. Ou era este o objectivo. Hoje, toda a classe média foi empurrada para os subúrbios, porque já ninguém consegue pagar uma renda ou comprar uma casa no centro de Lisboa.

    A mudança é, daquilo que me lembro, ainda assim evidente. Por exemplo, nas praias. Quando eu era miúdo, a praia da Fonte da Telha era uma zona de péssimos acessos, casas ilegais e barracas que faziam as vezes dos restaurantes. Um pouco como a Costa da Caparica, mas sem os parques de campismo e aqueles horrorosos prédios de 10 andares. Eram as praias dos pobres, da classe trabalhadora, daqueles que nem ao Algarve conseguiam chegar. Era onde eu passava o meu tempo nas férias da escola e, julgo, onde aprendi a nadar, entre um ou outro susto em dias de ondas mais destemidas .

    Hoje, a mesma Fonte da Telha, continua a ser uma praia com péssimos acessos e um caos indescritível para estacionar, as casas ilegais por lá continuam, mas as barracas, que serviam os petiscos, levaram umas madeiras melhores e mais polidas, e passaram a incluir nos menus palavras como sunset, lounge e espumante.  Nada contra o melhoramento de espaços e a “fusão de sabores”. Mas já sangria de espumante questiono-me sempre porquê…

    Ouvir uma bossa nova enquanto se come um bom peixe grelhado, uma nasigorada (uau), um tom yum (como?) ou um arroz com coisas do mar e aromas, parece-me sempre boa ideia. Mesmo que acompanhado por sangrias cheias de gasosa, gelo e mirtilos. Mas, no fim, quando a conta chega e a festa fica em 60, 70 ou 80 euros por pessoa, eu começo a olhar em redor. Não para fugir, note-se, mas para perceber se entre uma framboesa e um acorde do Tom Jobim, fui teletransportado da Fonte da Telha ou de São João da Caparica para Nice, Miami ou Veneza.

    high rise buildings near green trees under blue sky during daytime

    O carro continua estacionado num monte de entulho, de onde não sei se sairá, os buracos para aqui chegar ainda não foram tapados, o simpático funcionário, que foi partir gelo para encher aquele jarro, recebe o mesmo salário mínimo há três anos. Que sentido faz cobrar ao cliente um valor como se estivesse noutras paragens? Por onde se distribui esse lucro? É na envolvente que os meus olhos encravam sempre.

    Pior ainda foi perceber que começa a ser normal e corriqueiro, em contas astronomicamente altas, acrescentar uma sugestão de gorjeta na casa dos 10, 15 ou 20%. Ou seja, a introduzir o modelo liberal americano onde os contratos de trabalho na restauração incluem a expectativa da gorjeta definida como “recomendável”. Portanto, não bastam os preços completamente desfasados da realidade portuguesa, em especial da classe trabalhadora que vive nos subúrbios, e ainda começamos a contribuir para a normalização da precariedade do pessoal que trabalha na restauração.

    Uma amiga disse-me que tínhamos que ir cedo, as filas eram enormes para arranjar mesa. E assim é. Há que reservar, há que aparecer cedo, há que correr para conseguir beber sangria a 35 euros o jarro. Ou as estatísticas do Instituto Nacional de Estatística (INE) andam a falhar e a média salarial subiu muito, ou então aquela minoria que ganha bem descobriu apenas recentemente as “praias dos pobres”. Era pelo menos isto que eu pensava arriscando um raciocínio simples de contabilista.

    Saí dali a cantarolar a Garota de Ipanema e a arrotar o excesso de 7up da sangria e fui ter com o meu irmão, que me pedira ajuda para procurar casa. Enquanto conduzia, ouvia a notícia das bombas de fragmentação cedidas pelos Estados Unidos à Ucrânia e gostei particularmente da justificação dada. Na guerra contra a Rússia, a Ucrânia já esgotou a capacidade de produção de munições de todos os países da NATO, de modo que agora tem de se recorrer a uma bomba que mata mais civis do que militares.

    Está bem visto. Não sei se se lembram, mas antes de nos pedirem para pagar e empobrecer a favor desta guerra, garantiram-nos que os russos só tinham balas para mais um mês. Continuar a meter dinheiro na Ucrânia, agora que a contra-ofensiva parece estar a falhar, é como tirar a água do mar com uma colher de chá. Já não há paciência, nem orçamento, para moralismos bacocos. A realidade é o que é, e não vale a pena camuflar. Ou se sentam a dividir terreno ou a coisa só se resolve com a NATO a meter as botas no terreno.  

    Desligo o rádio, porque já avisto a baía do Seixal lá ao fundo, onde o meu irmão me aguarda. Estamos na parte velha e mais decrépita que há anos está a ser recuperada, e, por isso, se passou a designar por “Seixal Histórico”, em frente à baía. Nos meus tempos de escola, aquela baía tinha um nome, ligeiramente desagradável para escrever num jornal, hoje designa-se por “maravilhosa” e com “as melhores vistas de Lisboa”. Isto convertido em euros ao metro quadrado é um pequeno mimo.

    Falámos com um promotor, homem simpático e ágil no argumento, que nos disse: “Este T0 agora custa 80.000 euros. Assim, todo partido. Depois de renovado fica em 180.000 euros”. Eu sorri e perguntei-lhe se, no fim da obra, estaria a olhar para o Sena ou ainda se veria o Tejo. Fomos embora com destino a algo mais modesto, sem água por perto, para alugar. Era tão modesto, mas tão modesto, que era um anexo a uma casa. Quase sem janelas e num estado pouco mais do que lastimável, numa das piores zonas da Margem Sul. O senhorio achava que 850 euros mensais era o valor apropriado para aquela barraca. Isto, no tal país, onde 70% das pessoas não ganham sequer isso por mês.

    Aqui já me deitei a pensar um pouco mais, sem no entanto aborrecer o meu irmão com as indignações. Alguém me convencerá que os mercados se ajustam? Ou que a habitação não pode ter limites nos preços? Ou que este escândalo de especulação acontece pela falta de oferta? Não, são argumentos que não colhem.

    Como é que se pode falar em falta de oferta quando o Estado não consegue sequer contar os imóveis devolutos e desocupados que possuí? Como é que assistimos, de braços cruzados, nós e o Governo, ao aumento das taxas de juro que transportam os créditos à habitação para valores superiores aos salários e, mesmo no arrendamento, à normalização de preços completamente desfasados da realidade?

    Nada pode ser feito? Claro que pode.

    A começar pelo Governo, que deve fornecer mais habitação a baixo custo, construindo ou reabilitando o que já existe e é seu. E no aluguer feito por privados, pode obviamente impor-se um tecto nas rendas abusivas. Deixam os senhorios de alugar? Pois, que deixem. Ao preços de hoje também não servem a ninguém.   

    Aquilo que não pode ser é o contribuinte anónimo ficar preso entre a espada e a parede. Ou tem de suportar juros definidos por um BCE, que não elegeu, até perder a sua casa, ou tem de deixar 80% do salário para alugar uma barraca num subúrbio. Não me digam que a culpa é de quem trabalha e paga impostos. E não me digam que é a maioria que sofre com isto, que tem de se adaptar ou mudar. Mudar para onde?

    a person holding a wine glass

    Estas pessoas, que se vão deslocando para a Margem Sul por já não conseguirem viver em Lisboa, são as que, como se percebe, além de contribuírem para mais trânsito no acesso a Lisboa (um problema com décadas), correm o risco de, a este ritmo de empobrecimento, daqui a uns anos, já nem na Margem Sul conseguirem viver. Pelo andar da carruagem, ainda vamos conseguir repovoar o Alentejo.

    No fim do dia fico com a impressão que estou a viver numa realidade paralela. Ainda estou ali, no mesmo subúrbio, sem perceber bem como é que tudo aquilo cola. Algumas zonas melhoradas, é verdade;  outras particularmente feias, muitas cheias de erros arquitectónicos e calamidades de betão. Nem a recolha de lixo, problema básico das sociedades desenvolvidas, está resolvido ou sequer os acessos têm condições. Há engarrafamentos por todo o lado e estradas esburacadas a perder de vista. Há barracas de chapa, de madeira, de tijolos que vão sobrando. Mas pedem, a quem ali vive, por vezes em condições que dão vergonha só de olhar, que aceitem custos dignos de uma qualquer capital europeia.

    Na casa, nos impostos, nos combustíveis, na electricidade, na restauração, até no simples acesso a uma praia onde se paga para entrar. Propriedade pública controlada e gerida por privados onde pobres não passam.

    A Margem Sul, um pouco como o resto do país, vive de cosmética para disfarçar os problemas reais. Vende lounges, sunsets e coisas gourmet, para quem lá fica umas horas, mas esquece-se de tirar o lixo amontoado da frente dos prédios, de tapar as crateras do alcatrão ou de acabar com o inferno do acesso à ponte. Faz-me lembrar uma pessoa que conheci em tempos, pouco fã de banho e que disfarçava a terra das unhas com verniz.

    Ainda assim, como um homem sofre a ver a desorganização do país onde nasceu, mas gosta mais dele do que de batata frita, também eu me vou esticar e esperar por dias melhores.

    Desejo umas óptimas férias aos leitores do PÁGINA UM e se vos tocar uma dessas sangrias de espumante, coragem.

    Até breve!

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O (alegado) gamanço de Armando e a justiça poética sobre Drahi

    O (alegado) gamanço de Armando e a justiça poética sobre Drahi


    Quanto mais leio sobre Armando Pereira, o co-fundador da Altice, mais aprecio este magnífico enredo. Começo pelo fim, pelo extraordinário Bugatti Centodieci. Um carro de luxo, raríssimo, avaliado em oito milhões de euros e com apenas 10 exemplares produzidos. Três deles pertencentes a portugueses. Um pertence ao Cristiano Ronaldo, um rapaz que ganha anualmente o suficiente para comprar a produção inteira; e os outros dois estão à guarda de Armando Pereira e do seu braço direito, Hernâni Vaz Antunes. Estão não – estavam. Agora foram fazer a rodagem para a garagem da Polícia Judiciária.

    Qual é a probabilidade de num dos países mais pobres da Europa se encontrarem 30% dos proprietários de um dos carros mais exclusivos do Mundo? Pequena, obviamente. A não ser que esse país seja Portugal, claro.

    Se o país for Portugal, nesse caso chamaremos de “herói nacional” a alguém que compra uma empresa pública, reduz salários dos trabalhadores e aumenta a própria fortuna. Armando Pereira e o sócio fundador da Altice francesa, o franco-israelita Patrick Drahi, ficaram conhecidos por comprar empresas e de imediato reduzirem custos. Numa conferência de imprensa em 2015, disse Drahi: “Eu não gosto de pagar salários. Pago o mínimo que puder“.

    Drahi é, portanto, um empresário que tem, pelo menos, a virtude de assumir ao que vem: maximizar o lucro explorando os trabalhadores. Ou, como lhe chamariam os liberais, um visionário. Já Armando Pereira era conhecido como cost killer (mata-custos) e entrou na antiga PT a ceifar tudo o que conseguiu.

    Em 2015, António Pires de Lima, então ministro da Economia, apelidou Armando Pereira de “herói de Vieira do Minho e até nacional” durante o discurso de inauguração de um call center da Altice naquela vila nortenha. Um herói naqueles sítios onde pagaria pouco mais do que o salário mínimo nacional a cada um dos desgraçados que ali passaria, horas, a responder às queixas dos clientes.

    Armando Pereira garantia então, também em 2015, que não iria mexer nos salários, mas que renegociaria os contratos com os fornecedores. Sabe-se hoje que parte do esquema que resultou no desvio de mais de 250 milhões da Altice passava exactamente pelos fornecedores que, alegadamente, alinhavam em pagar luvas ao empresário e à rede de comparsas, ou então saltavam fora do negócio. Sabe-se hoje que também aos funcionários foram cortadas regalias deixando-os apenas com o salário-base.

    Armando Pereira, co-fundador da Altice.

    Eis mais uma história de um self-made man lusitano, que foi trilhando o caminho do sucesso à custa da exploração alheia e do crime financeiro. Segundo suspeita o Ministério Público, o plano de desvio de dinheiro tinha duas áreas de actuação: a primeira seria comprar imóveis da antiga Portugal Telecom (PT) em Lisboa, nas zonas nobres, e revender com lucros fabulosos, deixando a especulação fazer a maior parte do trabalho; a segunda, seria a chantagem sobre fornecedores para continuarem a fazer parte do negócio.

    Um esquema simples, dir-se-ia, tendo uma rede de pessoas certas nos locais certos, como era o caso.

    Há uma parte comum em todas as novelas dos self-made man à qual Armando Pereira também não foge. A circulação de dinheiro sem deixar rasto pelas famosas offshores. Era aqui que entrava o empresário e amigo de Braga, Hernâni Vaz Antunes, que criava empresas fictícias na Zona Franca da Madeira e no Dubai, que depois faziam as transferências do dinheiro desviado.

    O crime financeiro existe porque os governos permitem – é bom que nos vamos lembrando disto. As Zonas Francas, as offshores, o que lhes quiserem chamar, não aparecem por auto-determinacão de meia-dúzia de malucos como o Reino do Pineal (também é uma história boa para outro dia). Aparecem de forma legal e autorizada por praticamente todos os países do planeta.

    A Suíça, por exemplo, faz vida a guardar dinheiro sujo desde que existe, e ninguém se parece preocupar com isso. Os Panama Papers mostraram esquemas gigantescos com lavagens de dinheiro nas Caraíbas e, no essencial, nada mudou. Vivemos num mundo onde os mais ricos criam leis que os protegem. É factual.

    Patrick Drahi, co-fundador e presidente do Grupo Altice.

    O duo Armando e Hernâni formaram assim uma dupla de respeito na arte de roubar. O primeiro criava as condições e o segundo executava, Um exemplo disso foi a empresa de mobiliário criada por Hernâni Antunes, em Braga, que viria a ser a fornecedora escolhida para a remodelação das lojas MEO. O dinheiro depois, como já adivinhou o caro leitor, ia dar aquela voltinha pelo Dubai até ser transformado num Bugatti, num heliporto ou num campo de ténis de uma moradia qualquer em Vieira do Minho. Certo, certo, é que jamais apareceu no recibo de vencimento dos trabalhadores da MEO.

    Desconfia-se que os amigos de Braga tenham ficado com uma comissão do que a Altice pagou a Cristiano Ronaldo pelos contratos de publicidade e que outros 20 milhões de euros tenham sido desviados do pagamento de direitos televisivos ao Futebol Clube do Porto, e a verba posteriormente dividida por homens da confiança de Hernâni Vaz Antunes e de Pinto da Costa.

    Por esta altura do enredo imagino o que andará pela cabeça de Patrick Drahi. O CEO do Grupo Altice, que detesta pagar salários, mas que é roubado dentro de portas por altos quadros. Justiça poética meus amigos, daquela que nos faz sorrir.

    Pergunto-me o que moverá alguém, que já é milionário, a optar por crimes desta magnitude correndo o risco de perder tudo? Alguém que se desloca de avião privado ou de helicóptero, que abre a garagem e vê 50 carros, que tem casas em Nova Iorque, Paris e Ilhas Caimão e… não consegue segurar a ganância? Sente que precisa de mais e que tem de meter todos em risco? Sim, todos. Trabalhadores incluídos.

    As aquisições da Altice são, por norma, feitas a crédito, e portanto, escândalos destes podem criar incumprimento e instabilidade na banca. Como todos sabemos, a cada derrocada empresarial são os trabalhadores que ficam sem sustento. Os Armandos Pereiras têm as fortunas escondidas algures, num sítio onde o Fisco não chega, e por isso, entre fugas, advogados de elite e recursos em tribunal, vão sempre seguir a sua vida.

    É aliás curioso que o Estado português, sempre aflito por receitas, ande atrás de simples emigrantes para lhes taxar o salário, quando já pagam impostos no país de acolhimento, mas veja sinais evidentes de extrema riqueza em pessoas com fortunas escondidas e nada faça. Hernâni Antunes é, na verdade, um fantasma para o Fisco lusitano, uma vez que há muitos anos é residente oficial no Dubai e Armando Pereira, com boa parte da fortuna gerida por uma offshore no mesmo sítio (pela mão do pai do genro), nem permite que se saiba a totalidade do seu património.

    Ninguém se muda de armas e bagagens para uma offshore se não tiver algo para esconder. Essa é uma lição que todos já aprendemos e é exactamente para isso que esses instrumentos financeiros existem. Legais e consentidos pelo poder, relembremos.

    Finalmente, e antes que se chegue a qualquer lado na investigação (se é que alguma vez chegaremos), pergunto: o que ganhou o país com a venda da PT pública para uma entidade privada? Nada. Absolutamente nada. Reduzimos a massa salarial dos trabalhadores, colocámos em risco os seus postos de trabalho, aumentámos a fortuna de vários milionários e ainda corremos o risco de ter nova corrida aos fundos de desemprego. Já nem falo no detalhe de o Estado Português deixar de controlar uma área vital como as telecomunicações…

    Este escândalo, mais um, serve também para acabar com um dos dogmas liberais a propósito da gestão pública (em teoria despesista e má) e a gestão privada (em teoria mais rigorosa e eficaz). Não é o ser público ou privado que decide se a gestão de uma empresa é boa. Espero que pelo menos essa parte do assunto fique hoje fechada. No fim, tudo se resume a competência e honestidade, e aqui, como em tantos outros casos portugueses, estamos perante mais um self-made man que veio de baixo e “subiu a pulso”: só que foi a roubar, estão a ver?

    Foi, de novo, a roubar. Colocando em risco os trabalhadores e usando bens (imóveis) que tinham sido adquiridos ao património público português. Foi uma coisa à oligarca russo nos tempos de Yeltsin. Armando Pereira não é um herói nacional. Nem de Vieira do Minho. Nem sequer da sua aldeia natal onde levou o Tony Carreira para alegrar uma festa, oferecida por ele, aos habitantes. Armando Pereira é apenas mais um milionário que roubou, e muito, para ali chegar. E que piorou a vida de quem para ele trabalhou para que o seu lucro fosse maior. Num país decente não voltaria a sair da prisão; em Portugal, provavelmente, vai “repor a honra” nos tribunais.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.