Autor: Tiago Franco

  • Chalupa? Blogue? Ai, Luís, Luís…

    Chalupa? Blogue? Ai, Luís, Luís…


    No último texto que escrevi aqui no PÁGINA UM, usei o Luís Ribeiro (jornalista que escreve na Visão) como exemplo de uma tribo que defende a narrativa das “Bombas pela Paz”. Ou seja, que gritam pela continuação da Guerra na Ucrânia a todo o custo, com os argumentos já conhecidos do invasor imperialista e da moralidade sobre a justiça na discussão da integridade territorial. É bom de notar que, por norma, as mesmas pessoas que defendem isto já acham exactamente o contrário no conflito de Gaza onde, como se sabe, não há invasor e apenas um “direito de defesa”.

    Ao que parece, o meu texto chegou ao amigo Luís que, em consequência, me dedicou um mimo no X (ex-Twitter), e de boleia zurziu ainda no PÁGINA UM e no seu director. Como expliquei, nesse texto, raramente passo por aquela plataforma e tudo aquilo me parece uma constante descarga de bílis. No Twitter, agora X, parece que espalhar ódio e embirrar de manhã à noite é uma modalidade desportiva com direito a Olimpíadas. Contudo, fizeram-me o favor de enviar as palavras do revolucionário (com sangue alheio, claro) Luís, e lá fui eu ver o que se passava.

    Chalupa

    Primeiro, o Luís diz que não me conhece, e eu devo confirmar e avisar ser isso normal num planeta com já mais de oito mil milhões de pessoas. Não conhecemos a maior parte daqueles que respiram no nosso quilómetro quadrado. E, no meu caso, o não conhecer significa que nem sequer sabia o que ele fazia até um amigo, poucas semanas antes, me ter dito: “tu já viste as coisas que este gajo escreve?”. Aí passei a conhecer o Luís, pela sua prosa twitteira, pelo menos até ao limite da minha paciência, ou seja, dois ou três “scroll down“.

    Na sua elaborada prosa na rede do Musk, o Luís passa os dias a insultar tudo o que mexe, bastando que não pensem como ele. Não importa o tema – isso é secundário. Também faz parte daquele clube que adjectiva de “chalupa” qualquer pessoa que não vote no Centrão, no CDS ou na IL. Obviamente, ainda mais por isso, fui contemplado com esse magnífico adjectivo que, se a memória não me atraiçoa, surgiu durante a pandemia. Nessa altura, pessoas que não sabiam nada de Saúde Pública chamavam chalupas a outras pessoas que também não sabiam nada de Saúde Pública. E chamavam também “chalupas” a quem sabia de Saúde Pública, desde que não pensassem como eles. Foram tempos bonitos.

    De facto, durante esses anos, eu, que percebo nada de Saúde Pública, segui as recomendações do Epidemologista-Chefe que coordenava a Saúde Pública do país onde eu vivia, a Suécia. Portanto, mantive o distanciamento, não usei máscara, não fiz qualquer confinamento e vacinei-me. Foram essas as recomendações das instituições médicas do país e, portanto, foram essas que segui.

    Portanto, há que perceber isto, Luís: no país onde eu vivia durante a pandemia, havia um especialista de créditos firmados a coordenar a coisa. Não eram vendedores da Pfizer que andavam a recomendar mais doses, e muito menos professores de Geologia a fazer estudos que anunciavam o fim do Mundo e a necessidade de máscaras e confinamentos. Não sei se isto entra na tua definição clássica de “chalupa”, mas, adiante, que ainda temos alguma lenha para serrar.

    Convenhamos assim que chamar alguém de “chalupa” como único argumento, e acrescentar zero sobre o assunto em discussão é ligeiramente pobre. Se me permites, é até uma entrada no “reino da chalupice” que, na verdade, parece ser o teu ganha-pão diário. Parece-me até um pouco conversa de “chegano”, que cancela todo e qualquer debate alinhando de imediato no insulto.

    Mas eu não quero ir tão longe. Vamos ao teu modus operandi apenas de “chalupice ribeirinha”. Para já. Ou por agora.

    Avancemos. Quando em 2022 a Guerra da Ucrânia entrou na segunda parte – leia-se, invasão russa –, eu fiz o que costumo fazer em momentos novos e inesperados: ouço quem parece entender do assunto.

    Assim, passei mais de um ano a ouvir falar em game changers, em armas que tudo iriam mudar o curso do conflito, em russos que iam para a frente de batalha descalços, que roubavam máquinas de lavar e caíam que nem tordos. A cada semana, mais uma épica vitória dos ucranianos, mas, curiosamente, os russos consolidavam posições e a não mais largaram o território.

    Ao mesmo tempo, nós, os europeus, fomos empobrecendo, rebentando com a inflação e pagando taxas de juros exorbitantes. A solidariedade é muito bonita quando o banco não nos leva a casa em nome de uma guerra que não escolhemos e, honestamente, não nos diz sequer respeito.

    Comentários do jornalista da Visão, Luís Ribeiro, sobre o jornal PÁGINA UM, publicados na rede social X na sequência do seu tweet sobre o artigo de opinião de Tiago Franco.

    Passaram mais de dois anos, e já poucos, muito poucos, repetem a conversa dos game changers ou do “exército com pés de barro”. Aqueles que o fazem são, se me permites, os idiotas úteis.

    Chegamos ao dia de hoje onde é mais ou menos do senso comum que a Ucrânia não tem a mínima hipótese de ganhar esta guerra, por mais dinheiro ou armas que lá se despejem. Assim sendo, de que lado está a chalupice? Em quem defende que tudo continue como está, ou em quem insiste na diplomacia? Já fiz esta pergunta N vezes e nunca vi uma resposta. Tento agora contigo, Luís, até porque sei que vais ler isto porque, sei, segues secretamente o PÁGINA UM.

    Mas diz lá se, no íntimo, pensas mesmo que há hipótese de a Ucrânia ganhar a guerra se continuarmos a enviar armas, dinheiro e casas para os bancos.

    Se sim, então não tenho mais pergunta alguma, e percebo melhor as coisas que escreves. Fica o encontro marcado para essa Nárnia onde me pagarás um copo.

    Se não, então qual é o passo seguinte para quem defende o envio de mais armas? Continuar até que os russos larguem o território com a NATO a entrar no conflito? Alinhas numa III Guerra Mundial? É essa a questão.

    black barbwire in close up photography during daytime

    Por fim, uma nota sobre deselegância que não mete casas de strip (mas dou-te nota 10 por esse raciocínio, que foi apenas teu, mas que tentaste chutar para mim).

    O PÁGINA UM não é um blogue, como tu bem sabes. É um órgão de comunicação oficial – modesto, é um facto, porque subsiste e cresce enquanto os leitores assim o entenderem, sem acumular dívidas. Não terá o peso e reconhecimento da revista Visão – e esta dou-te de borla. Mas o reconhecimento da Visão vem de tempos já longínquos, naquela época em que eu, fiel seguidor, a comprava regularmente, quando vivia em Portugal. Mas eram também tempos em que a proprietária da Visão não tinha problemas com dívidas ao Estado, sob o beneplácito dos Governos.

    Não há mundos perfeitos, camarada. Foi exactamente por isso que, no meu texto anterior, o título era “o Ribeiro da Visão”. Primeiro, para não se confundir com o outro, que tem piada – o da Rádio Comercial –; e, depois, para ter um ponto de referência (a Visão), pois imaginei, talvez erradamente, que, tal como eu, a maior parte dos leitores não soubessem quem eras. E tal como tu não saberes quem eu sou, isso não tem nada de mal. É apenas a consequência de um mundo cheio de gente. Não há tempo para nos conhecermos a todos, mesmo se cortares os chineses. Fica difícil e é uma pena.

    Por fim, tirando-se do X, estou até convencido de que, quando não estás a escrever atrocidades e insultos no Twitter, deves ser um encanto. Assim, se me vires um destes dias na roulotte do Estádio da Luz (aquela ao lado do túnel), promete que me contas como é que se ganha esta guerra pela escalada militar. E prometo que podes desenvolver as teorias mais alucinantes sem eu te chamar chalupa. E como é óbvio, a imperial fica por minha conta, até porque, pelo que vou lendo nas notícias, os descontos para a Segurança Social não estão em dia aí na casa.

    Um abraço.

    P.S. – Aos leitores do PÁGINA UM, deixo aqui o compromisso de honra em voltar a temas importantes no próximo texto.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • O Ribeiro da Visão

    O Ribeiro da Visão


    Raramente entro no X (Twitter) e, quando o faço, não consigo passar por lá mais do que cinco minutos. Aquilo é um esgoto a céu aberto de baboseiras, discurso de ódio e ameaças embrulhadas no anonimato.

    Mas, não sei por que mal tenha feito aos deuses do Olimpo, entrando lá, só me aparece gente como a Câncio, o Milhões, o Milhazes, o Luís Ribeiro da Visão e mais uma catrefada de gente cuja opinião não deveria importar sequer ao menino Jesus.

    Ontem, como se sabe bem, foi dia de visita do Zelensky a Portugal. Uma visita de um chefe de Estado que está em guerra, que precisa de apoio financeiro militar, financeiro e moral. Uma visita de alguém que não se pode dar ao luxo de deixar o conflito entrar nas notícias de rodapé e cair no cansaço e na saturação dos parceiros europeus.

    Tudo normal, tudo natural, tudo expectável. E tudo bem.

    Dito isto, vamos aos factos sem mais delongas. O Luís Ribeiro da Visão é uma espécie de idiota útil e palerma clássico – dito com carinho para não ser tomado como insulto. Uma daquelas pessoas que cataloga pensamentos diferentes segundo as suas doutas verdades. Uma variante de Câncio pós-separação do Sócrates.

    É um da tribo que chamava “negacionista” (e assassino, presumo) a quem achava que os confinamentos não faziam sentido – e que nem sequer era real porque maior parte dos trabalhadores continuaram na rua em Portugal. E é um dos que apelida de “putinista” todo e qualquer membro do PCP, mesmo aqueles que criticam as políticas do Kremlin há quase 20 anos, desde os tempos de Ieltsin.

    Hoje, em relação à Ucrânia, todos os que pedem conversações de paz são “putinistas” para o Luís Ribeiro. Os Ribeiros desta vida, que andaram 15 anos a aplaudir discursos do Putin no parlamento alemão e a salivar enquanto ele nos vendia botijas de gás, passaram a paladinos da decência em Fevereiro de 2022. Os mesmos que em 2014 ainda estavam adormecidos e diziam que aquilo eram só escaramuças entre nazis. Coisas lá longe.

    blue and yellow striped country flag

    Luís Ribeiro é um jornalista especialista em ambiente que se casou com uma ucraniana e passou, por osmose, a especialista em invasões imperialistas. Que escreve atrocidades na Visão vezes sem conta e que usa o X como intestino para o café matinal.

    Rejubila com os apoios financeiros de Portugal à Ucrânia, insultando uma quantidade de inimigos imaginários. E escreve algo em que nem a própria mulher deve acreditar, que estes apoios vão ajudar a expulsar os russos. Ora…a única coisa que pode expulsar os russos é o início (com botas no terreno) de uma III Guerra Mundial. O Luís vai para lá?

    Pelo que sei, é mais velho do que eu apenas um ano, portanto, ainda está a tempo de alombar e mostrar toda essa inata coragem de anti-putinismo.

    Por mais que tentem camuflar a realidade e chamar nomes para cancelar o discurso, até os Ribeiros desta paróquia sabem o óbvio: Putin é um ditador perigoso que, à frente de um dos maiores exércitos do Mundo, entrou numa guerra estimulada pelos Estados Unidos e patrocinada pela União Europeia. Ninguém quer saber da Ucrânia. Não queriam em 2014 e não querem hoje. O território ucraniano serve, essencialmente, para se criar um novo balanço de poder entre a Rússia/ China/ Índia e os Estados Unidos/ União Europeia.

    A Rússia não passou a ser uma ditadura porque o Milhazes se veio embora (já era quando ele só via maravilhas lá); e a Ucrânia não passou a ser uma democracia saudável porque foi invadida, ou porque o Ribeiro foi a uma casa de strip em Kiev.

    De igual modo, não há dinheiro que Portugal envie que safe aquilo (dinheiro que, já agora, seria bem mais útil em escolas e creches públicas) e também não é propriamente verdade que “Portugal está com Zelensky”. Epá!, Luis: nem os ucranianos estão. Numa comunidade com alguns 50 mil habitantes em Portugal, apareceram 50 em Belém (e alguns para lhe chamar nomes).

    Há quem deseje ardentemente a versão Ribeirinho do conflito, ou seja, continuar a escalada e esperar que as bombas continuem a rebentar só em cima dos filhos dos outros. E há quem queira que isto acabe já, sem ter grandes moralismos sobre integridade territorial.

    Sim, Luís: moralismos. Essa conversa do invasor e do direito à defesa, bate sempre naquela trave da moralidade da terraplanagem em Gaza. Lá, em seis meses mataram mais crianças em 60 quilómetros de extensão de território do Médio Oriente do que em toda a guerra da Ucrânia. E sabes quem é que se está a cagar? O Mundo todo. E depois há gajos como tu, que acham que existem invasores do bem e bombas amigas.

    Portanto, as coisas são o que são, e não vale a pena andarmos aqui a criar duas barricadas, tentado cancelar o debate com insultos. Vou-te dizer Luís, como é que um gajo que vive de algoritmos, vê isto:

    – A Rússia invadiu? Sim. Está errado? Está.

    – A Nato ajudou? Sim. Está errado? Está.

    – A Ucrânia deve perder território? Não.

    – A Ucrânia tem o direito de se defender? Sim, claro. Defender, atacar, rebentar com o Kremlin, fazer o que quiser.

    – A União Europeia consegue impedir que a Ucrânia perca território? Não.

    – Deve fazer o quê nesse caso? Estar quieta e entrar no conflito como mediador de paz.

     – Os Estados Unidos conseguem impedir que a Ucrânia perca território? Sim. Metendo soldados no terreno e começando a combater a Rússia.

    orange and yellow abstract painting

    Portanto… justo ou injusto, a análise é simples, mesmo para um gajo que não assimila doutoramentos em ‘ucraniedade’ por osmose:

     – ou estamos quietos e vamos convencendo os ucranianos a perderem território, por troca com uma entrada na NATO e na União Europeia no futuro;

    ou

    – convencemos o Joe Biden a meter os marines no Donbass numa operação daquelas que depois acabam em filme, do género “Freedom for Real, part VIII”.

    É isto, Luís, e não é outra coisa. Tem juízo, rapaz, e trabalha mais na vertente ambiental (nomeadamente do Twitter) que deve ser a área onde dizes menos alarvidades. Como disse há dois anos o Ricardo M Santos, não precisas de continuar a ser um Ribeiro “de esgoto a céu aberto“.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Os justiceiros da Baixa do Porto

    Os justiceiros da Baixa do Porto


    É comum dizer-se que um “mas” utilizado no meio de uma frase, invalida a primeira parte do que foi dito. Querem ver? “A Maria passou numa rua escura à noite e foi violada…mas estava de saia curta”. O que queremos dizer aqui é o clássico da grunhice: “a Maria meteu-se a jeito”.

    Outro exemplo que tem estado muito em voga nos últimos 7 meses: “Israel já matou 34000 palestinianos mas o Hamas é que começou”.

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    (Foto: Dan Burton)

    Foi algo deste género que aconteceu, na sempre dividida sociedade portuguesa, no caso das agressões a imigrantes argelinos e marroquinos, no Porto. Algumas pessoas, a maior parte quero crer, condenaram. Com um ponto final. Outras, condenaram e acrescentaram um “mas”. 

    Há momentos na vida em que não podemos ter dúvidas e muito menos procurar atenuantes. Este é um deles. Um ataque planeado e pensado contra imigrantes, alegadamente por membros de gangues com ligações a movimentos nazis, não pode ser usado como desculpa para libertar o racismo e a xenofobia escondidos.

    Maria João Marques, autora de várias pérolas em tempo de pandemia, escreveu assim no Público:

    “A extrema-direita, já vimos, relativiza o ataque aos imigrantes no Porto. Mas não notei qualquer reação, ou sequer comentário, vindo da esquerda às notícias televisivas dando conta dos assaltos e agressões por imigrantes (aparentemente ilegais) às lojas e às pessoas no Campo 24 de Agosto. Crimes cometidos por imigrantes são tema tabu, finge-se que não existem, porque vai contra a linha política ‘temos de receber todos os imigrantes que cá quiserem residir, sem colocar quaisquer condições, e quem contestar é fascista e racista’”.

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    (Foto: Markus Spiske)

     

    Não está só, entenda-se. A direita mais extremista acompanhou este pensamento. André Ventura discursou durante 25 minutos a propósito dos assaltos na baixa portuense. Um pouco por toda a direita mais conservadora, usou-se o argumento encapotado de “ainda levaram poucas”.

    Repito o que já disse antes: gosto que as pessoas assumas as suas ideias, por mais aberrantes que sejam. Constato, no entanto, que a vergonha de partilhar sentimentos primários, como racismo ou a total falta de empatia, está cada vez mais distante. Há uma espécie de ‘carta branca’ para se ser um orgulhoso xenófobo, nesta Europa que implora por mais muros.

    Este foi um dos tema em debate no podcast “Estrago da Nação”, do PÁGINA UM. O meu companheiro de microfone (Luís Gomes) alinhou pelo diapasão da Maria João Marques, acrescentando ainda que os cidadãos estavam a cumprir o papel do Estado já que este se demitia das suas obrigações. Ou seja, para justiçar a mais rudimentar antipatia por imigrantes em Portugal, já se acha razoável instituir um sistema de vigilantes onde marginais “limpam as ruas”.

    brown and black jigsaw puzzle
    (Foto: D.R.)

    Confesso que este assunto, bem como qualquer animosidade em relação à imigração, é algo que me incomoda bastante. Fui imigrante quase duas décadas e sei o que é a busca por uma vida melhor, deixando para trás o conforto do conhecido. Não suporto racismo primário e nem percebo, no caso português onde a imigração é absolutamente essencial, esta luta da direita contra quem vem para cá pegar em empregos que português algum quer.

    Deve ser por ter o tema colado na pele que, assumo, tenho alguma dificuldade em manter a calma perante correntes de xenofobia. Para quem ouviu o podcast, imagino que tenha percebido. Aproveito para pedir desculpa aos nossos ouvintes.

    Alguns meios de comunicação relataram que entre os agressores estavam membros do grupo neo-nazi liderado por Mário Machado. Não sei se é verdade, mas não me custa a acreditar que um ataque a imigrantes não tenha sido, em princípio, planeado por membros do coro Santo Amaro de Oeiras.

    Agora que Mário Machado foi preso, depois de ter incitado ao ódio e violência contra mulheres de esquerda (com destaque para Renata Cambra, antiga porta-voz do Movimento Alternativa Socialista), fico um pouco preocupado com a segurança da baixa portuense. Quem é que vai manter a ordem agora se os nazis ficarem sem liderança durante dois anos? É que, só para piorar, nem o Dr. Macaco está disponível para ajudar na limpeza por dificuldades de agenda.

    fist, cut, violence
    (Foto: Annabel_P)

    O que pode esperar a bela cidade do Porto e os seus comerciantes quando os justiceiros estão, ironicamente, a braços com a justiça? 

    Um nazi é um nazi e achar que, a bem da xenofobia, os interesses destes com a população se alinham, é um erro crasso que a nossa extrema-direita faz conscientemente.

    Não há “mas” numa agressão a imigrantes. Há apenas ódio e racismo.

    Misturar isto com roubos, seja onde for, é criar campo fértil para extremistas e nacionalistas. Não ajudem (ainda mais) ao crescimento de pequenos ditadores e aprendam a ler os sinais da História. Se há problemas com a lei, sigam os ensinamentos dos Trabalhadores do Comércio e “chamem a polícia”. Não deem borlas à xenofobia.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • Entre Gaza e Montenegro

    Entre Gaza e Montenegro



    Lá fora.

    Não sou grande coisa nas teorias da conspiração, mas estou com alguma dificuldade em chamar ataque ao que o Irão fez em Israel. Enviar drones com aviso de dois dias e hora marcada para um sítio onde mora o melhor sistema de defesa anti-aérea do mundo é algo esquisito. Visto daqui, pareceu mais o envio de uma encomenda com número de localização. A DHL faz isso todos os dias com mais sucesso porque, por norma, as encomendas chegam mesmo ao destino.

    No caso do ataque a Israel, tivemos o privilégio de o ver em direto. Horas e mais horas com os jornalistas sem saber bem o que dizer, enquanto enchiam alguns chouriços. Nós em casa de pipocas na mão enquanto no estúdio alguém dizia: “dentro de uma horas espera-se que cheguem”. Os drones, entenda-se. 

    Grey Jet Plane

    A aviação civil desviava-se da zona e em aplicações como o “Flightradar” íamos seguindo a movimentação ao segundo. O mundo esperava a entrega dos mísseis e por todos os noticiários ouvíamos que “o ataque estava iminente”.

    Serei o único a achar que a coisa foi mal e porcamente ensaiada, num acto de real politik de vão de escada?

    Ora, recapitulemos. 

    Israel, que não tem entretenimento suficiente com o genocídio que vai perpetuando em Gaza, mandou uns rapazes da Mossad matar uns generais na embaixada do Irão em Damasco (Síria). Deixaram cartão de visita para o mundo ter a certeza que era um acto israelita. Típico de Israel, isto de atacar em segredo e depois gritar “fui eu”.

    Vendo isto, o regime iraniano que não quer entrar no conflito no Médio Oriente (apenas patrociná-lo), ficou naquela de posição de “ouve lá, temos que fingir que lhes queremos dar uma chapada para não parecermos uns bananas”. Dão umas conferências de imprensa e anunciam a hora e minuto do ataque de retaliação.

    a red and white flag

    Em Israel desligam a Cúpula de Ferro (Iron Dome) para poupar energia e apanharam os drones com uma rede para borboletas. O “ataque” iraniano resultou numa pessoa ferida com uns estilhaços e outras 7 que tropeçaram uns nos outros a correr para os abrigos.

    No fim, os iranianos pediram aos americanos que não se metessem e prometiam que não faziam mais nada e, os israelitas, fingiram que estavam muito chateados e foram logo a correr para o conselho de segurança da ONU, pedir sanções e fazer o papel de vítima.

    Em poucas horas o genocídio de Gaza desapareceu das notícias e Israel voltou a merecer a solidariedade internacional por estar “sob ataque”. Os 34000 palestinianos que Israel matou desde 7 de Outubro e os 76000 que feriu, ficaram nos estilhaços que feriram uma pessoa com drones iranianos. As 26000 crianças mortas ou feridas em Gaza, estão agora escudadas pelas palavras de Ursula Von Der Leyen que, de imediato, se colocou ao lado de Israel depois do “bárbaro” ataque iraniano que feriu uma pessoa e danificou um armário de três espelhos numa base aérea qualquer.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. (Foto:D.R./CE)

    A hipocrisia de quem nos dirige e a forma como nos tentam fazer passar por estúpidos, atinge em 2024 níveis de uma obscenidade como eu nunca pensei ver. É que nem para os jogos de bastidores se esforçam por criar algo que o grande público consiga engolir sem se enjoar.

    Da próxima vez que virem um aumento nos combustíveis, já sabem. Foi o Irão. Dá-se um grito no médio oriente e sobe o preço da gasolina, larga-se uma bomba no Donbass e temos mais três meses com taxas de juro sufocantes. O tal Ocidente civilizado tem todas as desculpas que precisa para nos fazer pagar cada conflito, organizado pelas elites governantes, sem que possamos sequer dizer que não. 

    Cá dentro.

    Luís Montenegro a discursar no Parlamento. (Foto: D.R./Foto oficial)

    Este primeiro mês de governo AD não foi bem aquilo que se esperava, não é?  O tal choque fiscal prometido por Montenegro é, afinal, um empadão requentado que o PS tinha deixado no forno. Pelas contas que vi, esta fabulosa baixa de impostos vai deixar cada português com mais 3 euros na carteira e beneficiar, essencialmente, os salários mais altos. Há ainda os cortes no IRC que vão permitir à banca e aos grandes grupos da distribuição que aumentem, ainda mais, o jackpot de lucros que se arrasta desde o crescimento da inflação e das taxas de juro.

    Não é que existissem grandes dúvidas sobre os interesses que a AD vinha defender para o governo, Montenegro foi claro durante a campanha sobre eles. Mas espero que os eleitores tenham percebido agora melhor quais eram. Entre a habitual cacofonia do “dar tudo a todos” que se ouve em campanha, por vezes é difícil captar a mensagem. Esta era bastante simples e bastava ter visto a actuação do PSD, preocupado em defender os interesses da Vinci, depois de ser conhecido o último relatório da comissão técnica para o novo aeroporto de Lisboa. 

    O PSD está no governo para defender o interesse das classes altas e dos grupos económicos. Que surpresa! Que espanto! Que novidade! E com o CDS de Nuno Melo de arrasto, com algum jeito ainda vamos andar a falar da ilegalização do aborto ou das famílias “tradicionais” de 1950.

    Foi isto que elegemos, espero que seja claro ao fim do primeiro mês do executivo em funções. 

    Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional. (Foto: D.R./Foto oficial/CDS-PP)

    A somar a esta constelação, ainda vemos que o Chega, o tal partido que vinha limpar Portugal, tem deputados com cadastro, a serem investigados ou com histórias de vida que contradizem aquilo que o partido transformou em programa. O caso do deputado que foi imigrante ilegal e sobre quem o Ventura já mentiu (em relação a ter fugido da guerra nas colónias quando o homem tinha emigrado em 1976), é a cereja no topo do bolo.

    Tal como os membros do governo que estão debaixo de suspeita ou mesmo a serem investigados. Casos e casinhos, tal e qual como nos tempos do PS, para que ninguém fique aflito com saudades.

    Pode parecer algo simplista da minha parte mas visto daqui do meio do Atlântico, parece que nada de essencial mudou. Variámos o lado do Centrão e mantivemos as políticas, piorando provavelmente o apoio ao SNS e à escola pública. Ah…e voltámos à selva do alojamento local e das rendas sem fim. Portanto, em 30 dias conseguiram destruir uma das poucas coisas em que o PS tinha acertado.

    thumbs down, disapprove, gesture

    Ao ver este governo lembro-me de um técnico de segurança aeronáutica que me explicava como o preço de um bilhete refletia as políticas de uma companhia. “Meu amigo, se você paga 30 euros na Ryanair e 300 euros na Lufthansa, é porque os segundos fazem gastos que os primeiros não fazem. Em pessoal, infraestruturas ou peças, algo é poupado, logo, a qualidade não pode ser a mesma. Em resumo, você paga o que recebe.”

    E foi isto que nos aconteceu, mas ao contrário. Pagamos efectivamente para andar na Lufthansa mas, entre PS e PSD, não saímos daquele irritante amarelo da Ryanair. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • O circo máximo de Ventura

    O circo máximo de Ventura


    Começamos a perceber, por esta altura, um pouco melhor daquilo que é o plano do Chega para esta legislatura. Corrijo: o plano de André Ventura. O Chega, mesmo com 50 deputados, continua a ser o partido de um homem só, que se desdobra em entrevistas e que, diariamente, é entrevistado por um canal qualquer para dizer uma série de alarvidades, desmentidas 10 minutos após a saída do estúdio.

    Ventura vive, entre nós, aquele famoso momento Trump: “poderia dar um tiro em alguém na Quinta Avenida e, mesmo assim, nada me aconteceria”.

    Para os eleitores do Chega, não há um incómodo com o chorrilho de mentiras que o querido líder debita em cada entrevista? Bem sei que tudo é dito com uma altivez de estadista indignado, mas, no fim, são apenas mentiras.

    A última foi sobre o deputado eleito pelo círculo europeu, ilegal em França e expulso por via disso, que, segundo Ventura, tinha dado o “salto” para fugir à guerra do Ultramar… em 1976. Provavelmente, ninguém lhe tinha contado que a revolução acontecera dois anos antes. Também pode ser isso. Ele podia acreditar que estava a fugir de uma guerra, como Ventura acredita que está a fazer o trabalho de Deus. O nosso, o filho do carpinteiro; pois, se forem enviados de outro deus qualquer, a começar pelo profeta, é dar-lhes guia de marcha, que o Martim Moniz já está a rebentar pelas costuras.

    Mas tudo bem. A mentira não vos incomoda, até por que “todos os políticos são iguais”, certo? Mentem de manhã até à noite.

    Sendo assim, o que dizer do partido que se declara anti-sistema e que se prepara para “limpar Portugal”, mas que só aceita as regras do jogo se fizer parte do arco da governação? Há mais sistema do que isso?

    Ao verem a chantagem diária e o pedido incessante de Ventura para que o deixem jogar também (leia-se entrar no governo), não ficam com a sensação de que ele nunca quis limpar nada, mas quer, simplesmente, chegar com a mão ao pote? Não? Também não? Tudo bem. Temos tempo para lá chegar.

    Se este triste espectáculo da eleição do Presidente da Assembleia da República nos ensinou algo, foi a percebermos, desde a primeira hora, aquilo que o Chega vai fazer nesta legislatura.

    É relativamente simples: Ventura vai chantagear, todos os dias, Luís Montenegro. Ou passa a bola, ou terá problemas para aprovar tudo e um par de botas, a começar pelo Orçamento do Estado, e ficando, assim, obrigado a negociar com o Partido Socialista.

    Para isso, vai repetir sete vezes ao dia que o Chega representa 20% dos eleitores, deixando de parte, como é óbvio, os restantes 80% que não quiseram ser representados por uma força extremista que não respeita a Constituição Portuguesa. Mais: muitos desses 80% votaram em partidos de direita que disseram, a partir de certa altura da campanha eleitoral, que não haveria coligação com o Chega. Esses, a maioria, são os primeiros que devem ser respeitados, e o “não” de Montenegro, deve mesmo ser não, apesar de algumas pressões que chegam de dentro, nomeadamente pelo CDS.

    Ouvi Cecília Meireles – uma personagem particularmente irritante pelas tentativas de normalização da extrema-direita – dizer que “era o que faltava que a Aliança Democrática não pudesse falar com o Chega, quando o PS fala com partidos antidemocráticos como o PCP e o BE”.

    Ora, eu já aqui expliquei, algumas vezes, que comparar um partido que lutou pela democracia e que defende diariamente a nossa Constituição, com outro que a quer ignorar e fazer tábula rasa dos direitos que lá estão inscritos, é uma daquelas idiotices sem tamanho. É a nova narrativa que a direita e alguns comentadores com espaço em horário nobre vão ensaiando.

    Primeiro, o PCP era “negacionista” porque organizava o Primeiro de Maio ou o Avante, seguindo todas as regras de distanciamento. Como, por exemplo, acontecia na Suécia. Depois, o PCP passou a putinista, porque, apesar de falar mal de Putin desde 2000 (quando a União Europeia lhe beijava os pés a troco de gás), defendia uma solução de negociação para a guerra da Ucrânia (que obviamente acontecerá, como a Administração Biden já assumiu). Agora que é necessário validar uma aberração antidemocrática como o Chega, o PCP também é pau para toda a obra, entrando nas mentiras de um contra-ponto à esquerda.

    O PCP é o Fredrik Aursnes da política portuguesa.

    Aquilo que eu espero, sinceramente, é que o Ventura não cesse de falar em estabilidade, enquanto chantageia o Governo diariamente. Aliás, até desejo que o faça até nova queda e eleições. Pode ser que chegue à maioria absoluta no próximo sufrágio e aí, todos os pobres, trabalhadores e dependentes do Estado social que votaram nele, percebam finalmente o buraco em que se meteram.

    Até lá, é desligar a Fox Comedy e sintonizar no canal do Parlamento.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Quem quer ser político em Portugal?

    Quem quer ser político em Portugal?


    Termina esta semana a enorme, penosa e pouco esclarecedora campanha eleitoral para as legislativas deste domingo.

    No momento em que escrevo, um pivô de um telejornal apresenta a última sondagem da Universidade Católica.

    A Aliança Democrática [AD] vence(rá) e a direita consegue a maioria dos deputados (com o Chega). É um cenário dantesco, confesso; mas razoavelmente normal para a alternância histórica dos partidos do centrão.

    Não me lembro de grandes discussões em torno da Educação, ou de o que fazer com a Ucrânia ou com Gaza. Também não me recordo de ouvir explicações da AD sobre a aliança com a Iniciativa Liberal [IL], que obrigará Montenegro a quebrar várias promessas eleitorais.

    Ficámos pelas promessas de tudo a todos – uns mais ridículos, e outros, poucos, mais objectivos.

    Enquanto acompanhava a campanha, em particular as arruadas, perguntava-me quem é que quer ser político em Portugal? A sério: quem?

    O desconforto no contacto com a população, para a maioria deles, é notório. Fora dos gabinetes e dos tapetes vermelhos da Assembleia da República, os candidatos parecem peixes fora de água, ouvindo insultos e sujeitando-se a momentos de vergonha alheia que me fazem pensar que não têm mesmo outra saída profissional que não seja aquela.

    Este período dos beijos a velhinhas nos mercados, passeios na linha férrea de interior escondido ou copos de três nas planícies alentejanas cheira a plástico por todo o lado. Tudo aquilo é feito com um esgar de dor e um sorriso amarelo que esconde o “quando é que isto acaba?”.

    A arruada é aquele momento em que o político profissional, algo que não deveria existir, faz o que mais se aproximará, na sua vida, com uma entrevista de emprego. Depois, se passar, pode estar mais quatro anos descansado e escondido atrás de um portão qualquer.

    Não há grande contacto entre as populações e o poder político. Pensem nisso. Quantas vezes na vossa vida chegaram ao contacto com um autarca, um deputado, um ministro? Há um sem número de degraus burocráticos que permitem, à classe política, “servir o povo” sem ter de o ver. Nem todos os partidos e/ou políticos são assim, mas, convenhamos, serão a maioria.

    Em Portugal gostamos muito das hierarquias e dos lugares no Olimpo, para onde mandamos uma boa parte dos incompetentes deste país. Não quero ser injusto, generalizando, mas acho mesmo que temos, actualmente, uma classe política medíocre e mais preocupada em “orientar a vida” do que servir a coisa pública.

    Um dos problemas, julgo, é a baixa remuneração dos políticos. Pode ser uma afirmação chocante, tendo em conta os baixos salários em Portugal, mas acho mesmo que o salário (oficial) de um político é muito pouco atrativo. Isso afasta os mais competentes, que ficam no sector privado e seguem as suas carreiras longe do lamaçal em que se transformaram estas décadas de “centrão”.

    Quem é que quer estar a ser analisado, criticado, vigiado e julgado na praça pública todos os dias? Culpado ou inocente, pouco importa; a imagem é arruinada em minutos nas televisões sensacionalistas, seja lá qual for o veredicto final dos tribunais. Isto, claro, quando há sequer veredicto.

    Pensem nos casos dos últimos anos e na forma como os ciclos se repetem. Soćrates, Galamba, Portas, Relvas, Albuquerque, Costa, Isaltino, os envolvidos do PS e PSD no tutti-frutti e por aí fora. Por todos, vimos directos, dias infindáveis de debates, suspeições, análises, escutas e imagens públicas devassadas antes das condenações. Alguns acusados, outros por acusar. Uns com penas, outros abafados. Uns com travessias no deserto e regressos triunfantes, e outros, ainda à espera do desfecho final.

    Mas reparem: independentemente da verdade que só à investigacão pública e aos tribunais deveria dizer respeito, todos formamos a opinião sobre a honestidade dos políticos visados. Lembrem-se do Galamba, anos e anos a ser escutado, com televisões à porta de casa enquanto levava o filho para a escola, sem que até hoje se perceba se o homem é inocente ou culpado. Longe de mim ter simpatia pela personagem em questão, mas onde quero chegar é: alguém se quer sujeitar a isto?

    Quem poderá querer viver neste permanente sensacionalismo e desgaste da imagem pública, seja inocente ou culpado, a troco de um salário que qualquer imigrante com formação universitária consegue, tranquilamente, mal apanha o avião de ida?

    Será pelo prestígio de ser ministro de um país pobre e sem qualquer relevância internacional? Será por amor à causa pública? Será pela ambição de poder num sítio onde quem manda verdadeiramente são meia dúzia de milionários?

    Não creio. Amor à causa pública afasta, por norma, as pessoas da corrupção e de actos ilícitos de favorecimento próprio. Poder? Talvez, para quem nunca saiu do próprio bairro e não perceba onde nos situamos no século XXI.

    Eu acho mesmo que é por falta de opções. Para um inútil sem grande currículo, ser político profissional é o melhor que pode almejar. E quanto mais inútil for, mais precisa de concorrer ano após ano – ao parlamento, às autarquias, ao que for. Tem de garantir um emprego. Ao contrário do que acontece nos países civilizados, ser político em Portugal é uma profissão para a vida. Mesmo com escutas, vigias, prisões em directo nas mangas dos aviões, horas e horas de devassa da vida nas televisões.

    Ainda assim, entre culpados e inocentes, há quem queira fazer disto vida a troco de um salário pouco mais do que risível. Especialmente se contabilizarmos o custo do circo e dos momentos de vergonha alheia.

    A quem serve esta profissão? Essencialmente, a quem não consegue mais nenhuma. E é por isso que nos boletins de voto, o que realmente abunda, é mediocridade e ausência de vida real.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • A máscara perdida pela AD

    A máscara perdida pela AD


    Em tempos escrevi que não acreditava que Luís Montenegro alguma vez chegasse a primeiro-ministro. Disse-o pelas mesmas razões que ainda hoje acredito, ao fim de dois anos de pré-campanha por todos os concelhos do país – como ele gosta de repetir em cada oportunidade. Vejo, ainda, um homem com o carisma de uma alface, sem outra ideia para o país que não seja a de desviar dinheiro dos impostos para o sector privado. Disfarça ligeiramente melhor do que Rui Rocha, da Iniciativa Liberal (IL) mas, no essencial, o programa é o mesmo. Daí que nem seja estranho a aliança assumida com a IL e as 10 medidas que terão que acatar para conseguir uma maioria de direita sem o Chega.

    As minhas dúvidas sobre Montenegro desapareceram com o frete que escolheu fazer à Vinci, na escolha do novo aeroporto de Lisboa. Depois de ter acordado uma última investigação com António Costa que daria uma decisão final, voltou a recuar na palavra, criando nova comissão para estudar a decisão da comissão independente (cujo resultado não agradou os patrocinadores do PSD). Luís Montenegro, para beneficiar alguns privados, resolveu adicionar mais um capítulo à eterna novela do aeroporto de Lisboa. A palavra do líder político ficou aqui apresentada.

    Ainda assim, reconheço, a campanha não lhe estava a correr mal para os objectivos da Aliança Democrática (AD). Partindo de uma base fraquíssima e sem chama, a começar pela risível tentativa de recuperar uma AD com Nuno Melo e Gonçalo da Câmara Pereira, Montenegro sobreviveu aos debates, apesar de um amasso aqui e outro ali. Foi mais ou menos perceptível que as ideias estavam alinhadas e o discurso ensaiado para captar um eleitorado de centro moderado e alguns descontentes. Por esta altura, estabeleceu a ‘cerca sanitária’ ao Chega – bem, na minha opinião –, e ficou preso ao seu próprio compromisso. Lançou alguma confusão na própria direita, que, ao contrário da esquerda, não se conseguiu organizar.

    A saída de cena de António Costa beneficiou a AD, e Montenegro em particular, porque deixou Pedro Nuno Santos a ter de criar, rapidamente, uma personagem ao mesmo tempo que defendia oito anos de governação.

    É incrível, na minha opinião, ver a sucessão de erros de Montenegro no debate contra Pedro Nuno Santos, e perceber como é que um homem, que anda há dois longos anos a preparar-se para isto, não consegue arrasar um antigo ministro de um Governo que passou por uma pandemia, uma guerra, inflação, aumentos de impostos, degradação da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde e perda do poder de compra dos portugueses. Pedro Nuno Santos, em cima do joelho e em poucos meses, soube (sem encantar) criar uma defesa que praticamente anula a oposição do PSD. Por aqui também se vê a capacidade do líder da AD.

    Pedro Nuno Santos não consegue, comprovadamente, encher os sapatos de António Costa, mas nem isso parece ajudar a AD. Aliás, nota-se alguma queda em ambos (AD e PS), com subidas dos partidos mais pequenos à esquerda e à direita. O que também me parece positivo, para ser sincero.

    Mas foi na estrada que verdadeiramente se percebeu como a AD tinha este discurso colado com cuspo e as convicções mais escondidas. Miguel Relvas, outro artista dos bastidores, dizia esta semana na CNN, a propósito do disparate de Paulo Núncio, que em campanha deve-se seguir disciplina militar: saber-se exactamente o que se pode dizer e o que não se pode dizer. Ou seja, mentir, em português mais corrente.

    Recorde-se que Paulo Núncio, vice-presidente do CDS-PP e candidato pela AD, apareceu a representar a coligação num encontro que deveria ter sido discreto, e onde se discutiu a revogação do direito ao aborto (lembram-se do referendo que nos tirou do tempo das cavernas?).

    Paulo Núncio, nesse encontro, ainda disse com orgulho que o governo PSD/CDS tinha sido dos primeiros do Mundo a dificultar o acesso ao aborto. Corre agora um vídeo de arquivo da RTP onde, em 2004, Núncio defende o direito das crianças a terem uma “família normal”, com casais formados por homens e mulheres.

    Montenegro veio a correr distanciar-se desta posição, tal como já tinha feito com Gonçalo da Câmara Pereira a propósito da violência contra mulheres.

    Se, do lado do CDS e do PPM, ninguém espera grandes disfarces, já no caso do Dom Sebastião – Passos Coelho, para os amigos – a ideia era outra. A entrada do antigo líder na campanha, com aquele infeliz discurso sobre “sensações de segurança”, a propósito dos imigrantes, foi uma tentativa deslavada de apanhar eleitores do Chega e mais uma punhalada em Montenegro. Por um lado, voltou-se a abrir a discussão, que estava fechada, da ‘cerca sanitária’ ao Chega. Por outro lado, todos vimos Passos Coelho, o criador de Ventura, a tentar normalizar ideias mais radicais dos extremistas.

    Aquilo que ficou claro ao fim desta primeira semana de arruadas e comícios é que, apesar de todo o esforço de Montenegro nos debates para fazer as pazes com os pensionistas, não restam mais dúvidas de que este PSD, presente a estas eleições, é, de facto, o de Passos Coelho. Não é o de Rui Rio. Não é de nenhum moderado. É a mesma coligação que juntou Passos, Relvas, Portas e outras figuras menores que cortaram o que lhes foi exigido e o que ninguém lhes pediu. Já agora, a mesma coligação que tinha Luís Montenegro como líder parlamentar, e que, por exemplo, em temas como o aborto, assinou processos disciplinares a quem, na bancada do PSD, votou contra o retrocesso civilizacional.

    Ainda assim, mesmo para mim que aprendi nas ultimas eleições a não ligar muito a empates técnicos nas sondagens, acho que esta AD, colada com cuspo e tentando disfarçar as suas reais convicções, pode vencer as eleições. Por duas razões essenciais. Primeiro, porque o PS não está a ser competente e a esquerda, do Bloco de Esquerda à CDU, insistem em alguns erros de palmatória (fica para outro texto). Depois, porque, parece-me, a ‘cerca sanitária’ ao Chega desapareceu e julgo que Montenegro se entenderá com Ventura se assim tiver de ser.

    Seguem-se cenas dos próximo capítulos e cada um votará em quem quiser. É essa a beleza da democracia e o alimento do debate. Mas, para a tomada de decisão consciente, é importante percebermos aquilo que cada partido traz para a mesa. No caso da AD, parece-me, depois desta semana, que ficou clarinho como água o século para onde nos querem enviar.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Mixórdia de temáticas

    Mixórdia de temáticas


    1 – Acho sempre uma péssima ideia começar um debate com o argumento que do outro lado está alguém ignorante. Assim sendo, vou partir do princípio que Inês Pedrosa, quando disse que preferia Navalny, “o mártir heróico”, a Che Guevara, sabia quem eram as duas personagens que estava a comparar. Todos temos direito à nossa opinião e, por isso, respeito a de Inês Pedrosa. A minha é que ela disse um disparate em horário nobre da RTP3. No caso dela, um entre muitos que habitualmente vem dizendo desde os tempos da pandemia. Antes disso, não sei porque não lhe prestava atenção.

    Navalny veio para a ribalta por ser um opositor à ditadura de Putin, usando a guerra da Ucrânia como arma de arremesso para a sua posição de “defensor da democracia”. Nós, e por nós quero dizer o eterno moralmente superior Ocidente, corremos a abraçar a causa de Navalny seguindo aquela lógica do “inimigo do meu inimigo, meu amigo será”.

    Alexey Navalny

    Ora, não é propriamente o caso aqui. Os próprios ucranianos, de quem Navalny seria, em teoria, um amigo, referem-se a ele como um adepto do imperialismo russo, da anexação de partes da Ucrânia, da não-entrada na NATO e, ainda, com uma longa história de nacionalismo, xenofobia e pureza da raça, como disse à Time a professora da Universidade McGill Maria Popova. Em resumo, Navalny é apenas outro Putin que queria fazer o mesmo que o original, mas com uma ambição tal que, de facto, aceitou correr risco de vida para tomar o poder.  A figura de quem, como Inês Pedrosa, tenta transformar este homem num democrata, é semelhante à de Ursula Von der Leyen quando trocou o gás da ditadura russa pela ‘democracia’ azeri. 

    Temos um ditador no poder que mandou matar outro ditador em potência. Faz parte, infelizmente, da História Russa há 100 anos. É uma chatice, mas é o que é. Meter o Che Guevara no meio disto até me fez soltar um ou outro vocábulo mais rudimentar.

    2 – Em 2022 escrevi que este modelo de debate ‘express’ entre todos os líderes não beneficiava o estilo de Ventura. Quer dizer, não beneficiava ao fim de um certo tempo, que, na minha opinião, já passou. Interromper todo e qualquer raciocínio e apostar tudo em ataque pessoais, serve para um partido de protesto, mas é pouco para quem quer ser levado a sério e chegar ao poder. Três ou quatro anos depois, já todos conhecem os truques, e sobra a Ventura, se quiser passar da falange clássica de apoio ao Chega, começar a apresentar as ideias que não tem. Em todos os debates tentou a mesma estratégia de usar e abusar do ataque pessoal. Entre mentiras, populismo e factos com pouquíssimo interesse para as eleições, saiu dos debates a mendigar por uma aliança governativa que, aparentemente, ninguém quer aceitar. O Chega subirá, e muito, mas parece estar preso a uma cerca sanitária imposta pelo resto da direita, à qual estratégia de Ventura não parece ter conseguido dar a volta. Aliás, entre esquerda e direita, o único ponto comum ao fim de duas semanas de debates parece ter sido que o Chega é o parceiro com quem ninguém conta. Até Luís Montenegro, algo que honestamente me surpreendeu.

    O exemplo mais clássico, na minha opinião, de uma estratégia falhada, apareceu no debate com Rui Tavares onde, em vez de se discutirem soluções para a Educação, se passou o tempo a falar da escola privada dos filhos do líder do Livre.

    Como se uma pessoa precisasse de ter os filhos na escola pública para a defender. Ou nunca ir a uma clínica privada para defender o Serviço Nacional de Saúde. Ou não andar de avião para defender a ferrovia. Este tipo de discurso, e até de devassa da vida privada, é exactamente uma das razões para os melhores não quererem ir para a política. São salários baixos e uma exposição doentia, ao ponto de chegar à humilhação pública que, bem feitas as contas, se tornam absolutamente desnecessárias para quem tem carreiras sólidas nas respectivas áreas profissionais.

    Sobram-nos por isso artistas como o Ventura. É seguir, cantando e rindo.

    3 – Na Ucrânia chegámos ao ponto clássico das guerras alimentadas pelos Estados Unidos. Há sempre aquele momento em que desaparecem do radar como se nunca lá estivessem estado, deixando os locais entregues à sua sorte. O exército russo já teve milhares de baixas e o seu enfraquecimento é real, portanto, um dos objectivos de Washington está conseguido. As sanções produzidas pela União Europeia, por outro lado, pouco fizeram pela Economia russa que cresceu 3,2%. Agora, nesta fase de desespero, em que a Europa não tem armas para dar a Kiev, os russos vão fazendo o que querem, e alguns países, como a Alemanha, começam a tratar do seu próprio arsenal, antevendo o que aí virá.

    Há quase dois anos que repito isto, e volto a dizê-lo: acabaremos por negociar de qualquer forma os terrenos que passarão da Ucrânia para a esfera russa, mas, fá-lo-emos em muito piores condições e com muito mais mortes. Não sei se se lembram mas quem dizia há dois anos o que está a acontecer agora e o que a Europa será forcada, com maiores custos, a fazer, era apelidado de putinista. Desde o primeiro dia que sabemos que a invasão russa só se resolveria de duas formas: na mesa das negociações ou numa Terceira Guerra Mundial.

    Uma última nota sobre o formato da crónica desta semana: espero, até imploro, que Ricardo Araújo Pereira não me processe por usar um título que lhe pertence. Ainda pensei em usar uma frase como, por exemplo, “dizer o que não foi dito” para título deste pout porri” de temas, mas tive algum receio. Uma coisa é brincar com um humorista que tem o dom da palavra, outra é meter-me com um cantor que não canta. Ainda me mandava, olhem, Talvez Foder, que também deverá ter sido por ele patenteado.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Das primeiras impressões: 60 debates. Sim: 60

    Das primeiras impressões: 60 debates. Sim: 60


    Parece que os debates para as legislativas de Março estão a ter boas audiências; algo que, num país tipicamente desligado das decisões políticas, é um bom sinal. Há, pelo menos, interesse em ouvir o que os líderes partidários têm para dizer.

    Tenho algumas dúvidas que estes formatos sejam muito esclarecedores. Primeiro, porque o formato de “speed dating” não é o melhor para se explanar uma ideia. Parece que cada entrevistado tenta passar as suas ideias enquanto corre os 100 metros barreiras, sobrando pouquíssimo tempo para o confronto de visões. Depois, pelo que vou observando, o circo montado em redor dos debates, com as análises “pós-jogo”, tendem não só a transformar o que lá aconteceu, mas, principalmente, a levar a discussão para zonas que interessam muito pouco para o esclarecimento dos portugueses. É para isso que servem os debates: para o esclarecimento.

    Andar três ou quatro dias a discutir a avó da Mariana Mortágua serve apenas para desviar as atenções dos temas reais que, nesse debate em concreto eram, por exemplo, a contribuição do PSD para a especulação imobiliária ou a tentativa de desviar ainda mais fundos públicos para os hospitais privados.

    Ainda assim, devo dizer: este formato é obviamente melhor do que nenhum, e no meio do fogo de artifício, se estivermos atentos, conseguimos perceber as diferenças fundamentais entre os protagonistas.

    Eu trabalho, todos os dias, sentado em frente a um computador. Não era o sonho, mas deixemos isso para outra altura. Enquanto o faço, tenho normalmente um canal de noticias ligado para ir seguindo o que se passa e juntar algumas notas para aquilo que escrevo. Vi todos os debates até aqui. Todos. Ao fim de uma semana parece-me que, à esquerda, Rui Tavares foi quem mais se destacou, tal como Mariana Mortágua. Ambos me pareceram bem preparados, têm o dom da oratória que ajuda nestas coisas da exposição pública e conseguiram passar algumas das ideias-chave, encostando por vezes os adversários às contradições das suas próprias propostas. Mortágua meteu o pé em ramo verde com a história da avó; Tavares não cometeu erros.

    À direita, achei que um número maior de candidatos se destacou. Desde logo Bernardo Ferrão, Mafalda Anjos e Sebastião Bugalho. Mas também Rui Calafate, Inês Serra Lopes e Anselmo Crespo. Estiveram todos muito bem, ao longo da semana, falando aos espectadores sobre debates… que não existiram. Temo que, no início de Março, tenhamos chegado todos à conclusão que, em vez de 30, afinal vimos 60 debates. Aqueles que aconteceram em directo para todo o país e aqueles que o Anselmo & Cia nos quiseram contar.

    Rui Rocha foi, até ao momento, o candidato que demonstrou maiores fragilidades. Desde aquela irritante frase feita colada ao início da conversa até à imagem que permite ser colado pelos adversários. Saiu do debate com Pedro Nuno Santos, com a imagem colada à testa da pessoa que foi ali para conseguir financiamento público para o sector privado.

    E, em seguida, no debate com Ventura, conseguiu a proeza de ver o demagogo-mor fazer dele um vilão que não queria saber das pensões das velhinhas. Isto vindo de um antigo ministro que apresentou o Orçamento de Estado com a maior transferência de fundos para privados de sempre e, ainda, de um líder partidário que chegou às lides políticas, há seis anos, apresentando-se com o fim do Serviço Nacional de Saúde (SNS), da escola pública e do Estado Social em geral. É obra.

    Para piorar, ainda se conseguiu enrolar na área em que a Iniciativa Liberal costuma ser melhor: a de fabricar cartazes bonitos com países europeus onde qualquer coisa que lhes dá jeito funciona. Não havia um assessor que pudesse ir ao Google dar-lhe os escalões fiscais da Holanda, para evitar mais uma argolada? A sorte (quer dizer, não é bem sorte) de Rui Rocha foi a lavagem que os analistas fizeram na hora seguinte nas televisões. Quem os ouvisse ficava com a sensação de que a coisa tinha corrido bem.

    Luís Montenegro teve um arranque melhor do que Pedro Nuno Santos. Por uma simples razão: ninguém espera nada dele. Ainda assim, conseguiu manter-se em jogo com Mariana Mortágua até ao momento dos vistos GOLD e da invocação de “o que você quer é uma Venezuela”. Sabe-se que o argumento da direita termina quando, à falta de soluções, invocam Cuba ou Venezuela.

    A Montenegro, tal como Rocha, valeu também os analistas de serviço para recomporem as palavras e até apresentarem ideias que ele nem sequer mencionou. Há um esforço genuíno de alguma comunicação social para contribuir para a subida da direita ao poder. Desde sondagens repetidas diariamente que, invariavelmente, falham no dia das votações, a análises completamente contorcidas aos debates. Aliás, a título de curiosidade, está cada vez mais difícil ver alguém do centro-esquerda por lá, sentado numa cadeira de um estúdio de televisão.

    Pedro Nuno Santos teve sorte de começar a estrada dos debates pelo Rui Rocha e, como tal, conseguiu safar-se sem sair da personagem que o convenceram a encarnar. O homem moderado que não diz o que pensa mas aquilo que fica bem. Ora, não sendo eu um eleitor do Partido Socialista, a piada da eleição de Pedro Nuno Santos era exactamente a de não ter medo de defender ideias de esquerda. Fosse nas discussões sobre a CP, na defesa da TAP, na comissão de inquérito ou até no anúncio da localização do aeroporto de Lisboa. Farto estou eu, de políticos do centrão que dizem aquilo que acham que queremos ouvir.

    Prefiro a honestidade da palavra, mesmo que impulsiva, do que um homem que diz tudo e o seu contrário, sem qualquer respeito pela palavra dada. Montenegro já disse que se demitiria se não vencesse as eleições. Agora disse que ficaria. Já disse que o Chega não seria parceiro, mas está sempre a abrir-lhes a porta. Claro que não são temas explorados porque o espaço público está reservado para a avó da Mariana Mortágua mas, ainda assim, para quem tenha paciência para os ver, os sinais estão todos lá.

    Pedro Nuno Santos terá, a meu ver, que se libertar desse boneco onde lhe disseram que devia encaixar. Isto se quiser marcar alguma diferença e usar aquilo que é a sua mais valia. Caso contrário, corre mesmo o risco de deixar a decisão na mão de estarolas como Montenegro, Nuno Melo e Ventura.

    Ventura também não entrou muito bem nesta sequência de debates por uma razão essencial: a repetição da estratégia que já todos conhecem. Interromper cada frase do adversário, evitando o raciocínio do oponente, resultou em anos anteriores mas agora, já ninguém tem grande paciência para ouvir. Torna-se irritante para quem está em casa e já não provoca perturbações em quem se senta à frente de Ventura. Admito que ainda encante os eleitores do Chega, especialmente aquela ala mais desfavorecida no raciocínio mas é claramente um modelo esgotado.

    Inês Sousa Real, que não é uma oradora particularmente brilhante, passou por cima de todas as cascas de banana, sorrindo, e ainda teve tempo para humilhar André Ventura e o grupo parlamentar do Chega. 12 deputados durante uma legislatura, com produção de 169 propostas, tendo conseguido um total de ZERO aprovações.

    Como explicou a líder do PAN a qualquer eleitor do Chega, aquilo que isto significou, na prática, é que o voto no Chega não serve para nada porque, nenhum dos seus pares no hemiciclo os leva a sério. Isto para não dizer simplesmente que as propostas são, no seu essencial, absurdas e servem apenas para simular que se faz algo.

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    Em cima de uma estratégia que não pretende debater ou trocar ideias, Ventura continua a cair no erro de atirar factos aos calhas que, cinco minutos depois de terminado o debate, são desmentidos, como por exemplo, aquele número mágico do dinheiro da corrupção (90 milhões).

    Quando debate com a esquerda fala no despesismo, quando debate com a direita assume-se como defensor do estado social. Não há maior cata-vento na política portuguesa. Ainda assim, admito, Ventura é eficaz para o seu eleitor típico e até para outros que flutuam entre PSD e CDS. Neste momento, o Chega vive o seu momento Donald Trump (“posso matar alguém na 5a avenida que nada me aconteceria”).

    Pode Ventura dizer as maiores barbaridades, mentiras e contradizer-se 50 vezes em cada debate que, não me restam dúvidas, o Chega ganhará votos para as legislativas.

    Já que acabo a falar de populistas, e enquanto espero pela segunda semana de debates, deixo aqui uma nota final sobre Javiel Milei, o tal libertário que ia trazer vida nova, progresso, riqueza e liberdade para todos na Argentina. Lembram-se?

    O seu partido apresentou recentemente no Parlamento, uma proposta de revogação do direito da livre interrupção da gravidez, criminalizando o acto com penas que podem chegar a três anos. Já tinham feito o mesmo com o direito à manifestação. Há um traço clássico em todos os extremistas de direita que se apresentam ao público falando em liberdade: é que mal chegam ao poder, certo e sabido, a primeira coisa que fazem é tratar de a suprimir.

    Aprendam com os outros antes de irem às urnas, é o que vos digo.

    “Viva la libertad, carajo”, mas é o ca*****.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Macaco: a incrível história de um beneficiário do RSI

    Macaco: a incrível história de um beneficiário do RSI


    Há dois dias que só ouvimos falar de Fernando Madureira, ou do Macaco, como ele prefere ser chamado – o líder de um gangue criminoso que, por acaso, também vai à bola.

    Vi Miguel Sousa Tavares (MST) indignado com o estado em que a polícia deixou a casa de Madureira, e até a filha do visado a queixar-se da violência e agressividade com que a polícia por ali entrou. Percebo MST, percebo mesmo. Ainda é do tempo em que os polícias telefonavam a avisar antes das rusgas, dando tempo aos visados de fugirem para Vigo. Bons tempos que parecem não querer voltar.

    Já o espanto da miúda, tenho alguma dificuldade em entender. A não ser que o casal Madureira tenha proibido a filha de ir ao Youtube, há por lá boa documentação, do pai e da mãe, bem como dos amigos de ambos, em preparos bem mais violentos e agressivos do que a PSP a entrar pela porta da frente sem tocar à campainha. Para ela, aquilo deveria ter sido uma simples terça-feira de trabalho.

    Aquilo que realmente acho interessante neste caso é, uma vez mais, o tempo em que tudo acontece.

    Há pelo menos 20 anos que toda a gente sabe quem é Fernando Madureira. Até porque, convenhamos, ele não gosta de fazer um grande segredo das suas actividades. Tal como boa parte dos seus compatriotas, Madureira vive, diz, com o salário mínimo. A dura realidade de um país pobre, segundo a declaração que, anualmente, entrega em sede de IRS. Contudo, ao contrário de boa parte dos sobreviventes do salário mínimo, Madureira consegue esticar os parcos recursos declarados e viver, digamos, confortavelmente. Construiu uma moradia de luxo com dois pisos e piscina numa zona nobre de Gaia. Conduz um Porsche e um BMW topo de gama. Viaja frequentemente para sítios paradisíacos, onde o bilhete de avião e a estadia custam vários salários mínimos.

    Dir-nos-ia a Iniciativa Liberal que estamos perante um empreendedor, um homem que não se resignou à sua condição de pobre e que procurou investir em si mesmo. Um homem que faz a multiplicação dos pães ou, neste caso, dos salários mínimos.

    Desconfia-se, há muitos anos, que Madureira e vários membros dos Super Dragões estão envolvidos em actos ilícitos e, dessa forma, conseguem suportar os custos de uma vida de luxo sem que se conheça, aparentemente, um emprego fora da claque.

    Pergunto-me: como é que as autoridades terão desconfiado disto?

    Durante duas décadas, vimos Madureira e membros dos Super Dragões a vender bilhetes para jogos (libertados pelo próprio clube), ficando provavelmente com os lucros e oferecendo, em troca, todo o tipo de serviços ao clube, dentro da gama de recursos que uma guarda pretoriana pode oferecer.

    Vimos Pinto da Costa escoltado pelo gangue a caminho do tribunal, vimos visitas filmadas a árbitros no seu centro de treinos, soubemos de passagens por estabelecimentos de árbitros ou seus familiares na véspera de jogos. Há relatos de jogadores ameaçados pela claque quando não quiseram renovar contrato. Agressões a jornalistas, adeptos, adversários. O clima de terror e coacção vem de trás e trouxe, para além de alegados proveitos desportivos, aparentes proveitos económicos.

    Fernando Madureira mexe-se bem na alta roda dos interesses. Tanto aparece aos abraços com Pedro Proença, o dirigente máximo da Liga Portuguesa de Futebol, antigo árbitro amigo; como é visto com o apoio da Federação Portuguesa de Futebol, a liderar uma claque patrocinada para a nossa Selecção. Isto apenas por ter revelado, em livro, uma série de assaltos feitos nessas mesmas deslocações com a claque.

    Deve ser um dos poucos casos em Portugal onde o autor confessa os seus crimes pela via escrita ou filmada e, mesmo assim, nada lhe acontece.

    Há 20 anos que sabemos desta promiscuidade e, obviamente, a passagem do tempo aumentou a sensação de impunidade. Madureira faz o que quer, como quer, e quando quer. Em Gaia, expulsa de um restaurante um antigo funcionário do Benfica. Filma-se em combates ilegais de rua. Vende bilhetes em directo, afirmando que tem todos os bandidos do Porto ali por perto. Relata, detalhadamente, como roubam pessoas ou estações de serviço a caminho dos jogos. A única coisa que falta colocar em livro são os pontos de recolha e entrega de droga, outro dos negócios alegadamente ligado ao gangue liderado por Madureira.

    Pelo meio desta vida atarefada de gestão do salário mínimo nacional, Madureira ainda teve tempo para gozar com o sistema de ensino português. Conseguiu entregar uma tese de mestrado numa universidade privada e obter o grau de mestre com 17 valores.

    A revista Visão, em 2017, num artigo de Miguel Carvalho, relatava o seguinte sobre este tese:

    “Quando leu o documento, Maria Alzira Seixo, professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ia tendo um susto. Ou pior. A tese de Fernando Madureira é um insulto à Língua Portuguesa e ao desporto nacional. Manuel Sérgio [catedrático da Faculdade de Motricidade Humana] pode ter um ataque cardíaco se a ler!”, ironiza, sem se deter, citando um dos académicos mais prestigiados nesta área. “É escrita num Português iletrado, analfabeto e ridículo. Inacreditável que uma instituição do ensino superior aceite tal coisa”, reforça Maria Alzira Seixo.

    Porquê agora? Numa vida cheia de história mal contadas e com provas repetidas de crimes cometido, o que mudou? Porque acordou o mundo para a realidade de Fernando Madureira, Sandra Madureira e o gangue criminoso por eles liderado? Por causa de uma assembleia geral onde as ameaças e coacção, normalmente usadas para adversários, foram aplicadas à oposição interna com aquele vergonhoso condicionamento dos trabalhos? Não, não foi por isso.

    Pinto da Costa reina tranquilo há 40 anos sem que alguém tenha sequer coragem para o criticar. Durante muito tempo, a claque garantiu que ninguém se aproximava sequer do poder. Aliás, a vida que Madureira tem só será possível enquanto Pinto da Costa for o presidente do Futebol Clube do Porto. E o contrário também é verdade. Direccão e claque precisam um do outro para manter as rotinas das últimas duas décadas.

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    Não foram os desacatos da assembleia geral que deram o alerta nas forcas de segurança. Não há nada de novo na violência e métodos do gangue. A novidade é que, desta vez, a oposição parece ter alguma força e, aos poucos, começa a cheirar a fim de ciclo e à queda do poder vigente. Ora, em Portugal, todos sabemos, a impunidade dos mais poderosos acaba quando a cadeira do poder se parte.

    Pinto da Costa está de facto ameaçado por André Villas Boas e sabe que, se não sair da administração do Futebol Clube do Porto num caixão, será ele o próximo a ir responder à Judiciária ou à PSP. O mesmo para o gangue de Madureira. A vida de luxo à custa do clube e o constante olhar para o lado das autoridades mantém-se, enquanto o poder instituído for o mesmo. Quando o sistema se começar a desmoronar, Madureira será a sua primeira vítima.

    A história de Madureira não diz nada sobre ele que já não fosse público. Diz, e muito, de como funciona esta República das Bananas a que vamos chamando Portugal.

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