Autor: Tiago Franco

  • O t(r)emido legado da Marta

    O t(r)emido legado da Marta


    A demissão de Marta Temido tem vários ângulos de discussão e substitui, na prioridade da informação nacional, os directos das filas para compra de bilhetes para os Coldplay. Só por aí já ficámos a ganhar, e voltámos assim às discussões que interessam.

    É impossível, num texto só, abordar tudo o que já foi dito sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS), a demissão da senhora e o seu (e o nosso) futuro, e como tal, tentarei dividir a minha opinião por “zonas de reacção”. Não sendo propriamente um ás na arte da síntese, tentarei, ainda assim, não aborrecer o leitor.

    Marta Temido, ao centro.

    A ponta do iceberg

    Marta Temido decidiu sair depois de mais um escândalo no SNS. Sim, escândalo. Quando uma grávida morre numa ambulância estamos a caminhar a passos largos para o Terceiro Mundo. Quando uma mulher grávida é transferida, com um quadro clínico complicado, por falta de incubadoras no maior hospital do país, estamos a assistir à falência do sistema.

    A conferência de imprensa dada hoje pelos clínicos do Santa Maria, apesar das boas intenções, foi um tiro nos pés. Dizer que a mulher era estrangeira, que não se expressava em inglês ou português, e que não tinha sido admitida no hospital (mas que simplesmente aparecera lá), são argumentos absolutamente infelizes.

    Um ser humano aparece na urgência do maior hospital de um país que há 35 anos faz parte da zona mais civilizada do planeta, e até pode ser muda e paralítica… atende-se logo e não se pode mandá-la para outro lado porque há falta disto ou daquilo. É simples. Ou seria, se o SNS não andasse a ser desmantelado há anos. A culpa não é, obviamente, dos médicos, que fazem milagres com o que vai sobrando.

    photo of iceberg

    A reacção de Marta Temido

    A morte da mulher de origem indiana, grávida e de férias em Portugal, terá sido a gota de água que explica, publicamente, o caos que todos sabemos existir no SNS.

    A ministra não será certamente a única culpada, mas é a cabeça que tem de rolar. A falta de pessoal de Obstetrícia, que marcou o Verão, foi outro dos problemas que Temido carregava há alguns meses. Tal como os dois anos de pandemia em que o SNS ficou absolutamente sobrecarregado, por decisões políticas erradas, passando as demais doenças para segundo plano.

    O Governo português tomava as decisões com base numa equipa de especialistas (onde andarão eles agora?) e os hospitais privados, não sei se se lembram, decidiram ficar de fora do esforço nacional, a não ser que 13.000 euros por doente lhes fossem doados. Marta Temido foi, apesar de tudo, uma cara que tentou defender o SNS, mesmo se, aqui e ali, tenha cometido umas gaffes, como a famosa resiliência.

    Acho que foi vítima de alguma ingenuidade, e não me parece que seja a maior responsável na catástrofe em que se tornou o SNS, onde a maior parte das decisões que contam são tomadas no Ministério das Finanças. Marta Temido é a cara da política que nos trouxe aqui, não é a responsável principal.

    pregnant woman holding her tummy during daytime

    A reacção da Oposição

    A Oposição precisava desta demissão como de pão para a boca. A frase que mais ouvi foi “demite-se tarde” – e, por acaso, concordo. Por razões diferentes, mas concordo. Marta Temido devia ter batido com a porta mais cedo, mostrando que não legitimava as políticas do governo para o SNS, que, como alguma esquerda disse, “assistia passivamente ao desmantelamento do SNS”.

    Entre as diferentes tipologias de declarações do dia que ouvi, uma pareceu-me mais perigosa:  a ânsia de saber quem seria o substituto de Marta Temido e se estaria preparado para mudar radicalmente o SNS.

    E o que será mudar radicalmente o SNS? Será perceber que os “tempos são outros”, e que a Medicina mudou, e que os privados passaram a investir na Saúde de uma forma que não deixaria nada como era há 40 anos.

    Ou seja, para alguma Oposição de direita, o próximo ministro deve reconhecer que o SNS deve fornecer serviços básicos de Saúde, especialmente aos mais desfavorecidos, e deixar que os privados tomem o seu lugar e complementem a oferta do SNS. Traduzindo para português corrente: cartões de seguro para toda a gente e SNS apenas para passar receitas de aspirinas.

    Partidos como o Chega benzeram-se com esta crise, porque deixaram de falar nas sessões de pugilismo internas e aproveitaram para pedir a demissão de António Costa, também.

    O PSD, responsável pelo início desta caminhada no SNS, também culpa Marta Temido pelo caos no SNS e espera que o Governo encontre um ministro que seja fã das parcerias público-privadas (PPPs) da saúde.

    Já à esquerda, Bloco de Esquerda e PCP, dizem que é tempo de voltar a investir a sério e fixar médicos no SNS.

    Notei que foi pedida também uma reacção a Nuno Melo (CDS). Confesso que não percebi porquê.

    A reacção dos profissionais

    Entre as várias que passaram nos três canais informativos, destaco uma que me pareceu mais assertiva.

    Dizia uma profissional, com mais de 40 anos de experiência, que a debandada no SNS começou nos tempos da troika. Este parece-me um dado importante. Não é que não seja óbvio, mas é bom lembrar que a pandemia só mascarou um problema que já vinha de trás.

    Explicava esta profissional que os médicos que começaram a sair nessa altura (para fora do país ou para os privados) são a geração que hoje estaria nos 40/50 anos sendo que essa é a fatia que mais falta no SNS.

    Ou seja, há muitos jovens (no internato) e muitos médicos em fim de carreira. Faltam aqueles que, hoje, fariam a geração de transição. E esse é que é o cerne da questão.

    O SNS está preso por arames há muito e a culpa não é de Marta Temido. É de todos os governos que decidiram meter dinheiro em estradas, no BES, nas exigências para lá da troika, nos esforços de guerra, nas PPP’s e em todos os arranjinhos que, neste país, fazem de sorvedouro de dinheiros públicos. Tal como os professores, os médicos e enfermeiros andam a ver a degradação das suas carreiras há mais de uma década.

    Quando os liberais usam frases-chavão, e afirmam que não podemos despejar dinheiro no SNS porque o problema é de gestão, o que eles verdadeiramente querem dizer é que não podemos despejar dinheiro no SNS porque devemos fazê-lo na direcção dos grupos privados de saúde.

    Claro que o problema é de investimento. Os profissionais não abandonam o SNS se tiverem boas condições de trabalho. Não são diferentes de qualquer um de nós.

    man in white thobe standing

    A reacção da sociedade civil

    Quando todos os dias nos queixamos nas redes sociais, ao vizinho do lado ou no trabalho, sobre os problemas que enfrentamos no SNS, especialmente com as filas de espera, temos a inquestionável habilidade de nos esquecermos que, há pouco mais de um ano, andávamos a bater palmas aos médicos nas varandas e a agradecer por estarmos todos em casa a ignorar 99,9% das doenças do mundo.

    Ora, essa decisão governamental, apoiada pela maioria da população (bem sei que hoje já se esqueceram, mas há que aguentar), não só sobrecarregou os profissionais naquele momento como, os repetidos adiamentos, deslocaram a sobrecarga para outras especialidades mais à frente no tempo.

    Em parte, é isso que todos estamos a viver hoje: o ruir da última parede do edifício do SNS. Contudo, enquanto milhões de pessoas saudáveis ficavam em casa e pessoas doentes (sem covid) não eram assistidas, (quase) todos achávamos que seguíamos no caminho para ficar tudo bem.

    O dinheiro que aí se gastou, nomeadamente com o pagamento de layoffs e no trabalho extraordinário dos médicos, daria, provavelmente, para reforçar em permanência os quadros do SNS.

    A Suécia – ainda se lembram do país que “matava velhinhos” – não seguiu a política da maioria (Portugal incluído), não esgotou o seu SNS, não esbanjou dinheiro para que pessoas saudáveis ficassem em casa. Era possível ter feito diferente.

    timelapse photo of people passing the street

    Conclusão

    Marta Temido fará as parangonas de hoje e amanhã. É a cara de uma política que falhou. Não é, nem de perto nem de longe, a principal responsável pelo actual estado do SNS. Nem parece que quem vier, se vier com as mesmas ideias, faça este estado de coisas mudar.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As lágrimas de Sanna Marin, a hipocrisia… e, já agora, os curdos

    As lágrimas de Sanna Marin, a hipocrisia… e, já agora, os curdos


    Não sei se já tiveram a oportunidade de passear as ancas numa discoteca finlandesa. Aviso já que é um trabalho árduo que requer alguma perícia e que nos obriga, com destreza, a acompanhar dezenas de pessoas que dançam uma música imaginária enquanto o dj nos oferece outra.

    Se Deus alguma vez existiu, esqueceu-se do Norte da Europa na altura de dotar os esqueletos de ritmo. Começando por aí, fiquei logo um pouco mais fã de Sanna Marin, a primeira-ministra mais nova do Planeta, residente num país onde, pelo que vi, deverá ser a mais profícua dançarina. Mais do que isso, conseguiu estar num espaço onde mais do que quatro finlandeses se riam em simultâneo. Isso, sim, é uma proeza. Quem não se lembra da alegria gélida com que Kimi Räikkönen festejava (com o semblante fechado) cada vitória na F1.

    Sanna Marin, primeira-ministra da Finlândia. Foto: ©Laura Kotila 

    Portanto, ter uma política destacada, nova, que se consegue divertir entre um grupo de amigos, como qualquer um de nós, é uma excelente notícia.

    Tudo o que se segue nesta história é uma pura desgraça que explica, em poucas passagens, a sociedade em que vivemos.

    Por que razão aparece um vídeo de uma festa privada nos jornais? É o primeiro ponto a discutir nesta sociedade em que escolhemos deixar de viver para gravar. Não vemos, não ouvimos, não sentimos. Gravamos para mais tarde mostrar a alguém.

    Sanna Marin apareceu em lágrimas a pedir desculpa pelas fotos que foram reveladas e até se sujeitou à suprema humilhação de fazer um teste de drogas. Imagino que para a maioria dos finlandeses a alegria e a euforia ainda seja algo artificialmente conseguido, entre umas Lapin Kulta e uns comprimidos de ecstasy.

    Passaria um destacado político, homem, por tamanho insulto ou perseguição?

    Eu acho que não. Boris Johnson, (ainda) primeiro-ministro inglês, foi apanhado a participar em várias festas [comparando as imagens da farra, a de Sanna ficaria na categoria de enterro], na residência oficial durante um período de confinamento decretado pelo próprio. Uma espécie de poker das trapalhadas. Demorou dois anos até ser corrido do cargo que ocupava.

    Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido. Foto:  ©Crown Copyright

    E note-se: sempre defendi que os confinamentos não faziam sentido, mas, se um Governo os impõe, não podem ser os próprios membros do Governo a furá-los. Aí esperava-se um exemplo. No caso da festa privada entre amigos, estamos num momento absolutamente irrelevante para a profissão desempenhada por Sanna Marin.

    Alguém imagina que um ministro, presidente ou secretário-geral, quando sai do seu horário de trabalho, se recolhe junto à lareira a escrever as memórias ou a pintar paisagens campestres?

    Na verdade, sejamos claros: Marin nunca passaria por este escrutínio se fosse um homem. E suceder o que sucedeu numa das sociedades onde a diferença de “tratamento” entre homens e mulheres é menor, mostra que o desnível ainda é real e muito grande.

    Notem que Silvio Berlusconi organizava orgias, mas, entre escândalos e prostitutas, foi primeiro-ministro italiano durante nove anos, o mais duradouro no poder desde a II Guerra Mundial.

    Enquanto isso, Sanna Marin vê uma foto sua, com quatro ou cinco amigos sorridentes numa noite de copos na casa de um deles, e de imediato tem de vir a público, de lágrimas nos olhos, dizer que é uma pessoa comum com 36 anos, que não faltou um dia ao trabalho e que também precisa de se divertir.

    Este é que é o drama real da hipocrisia que assalta os meios de comunicação social num mundo, ainda, profundamente machista.

    A lavagem que fazem perante escândalos masculinos, uns atrás dos outros, de proporções bíblicas (ou talvez mais romanas), e o empolamento que dão a uma mão cheia de nada, se a visada for uma mulher. Percebo que a oposição política use tudo na guerra dos votos, mas já não entendo que a imprensa e a sociedade os sigam. Se isto acontece num dos países mais avançados do Mundo, o que se diria num daqueles mais plantado à beira-mar, se é que me compreendem?

    Na verdade, eu acho que se deveria discutir não os dotes artísticos da jovem primeira-ministra finlandesa, na ocupacão dos seus tempos livres; mas outra coisa bem diferente, mais política. Como, por exemplo, perguntar-lhe como se atinge aquele nível de alegria depois de se aceitar entregar curdos ao Erdogan em nome da entrada na NATO.

    Bem sei que para um governante foi apenas mais um dia no escritório, e uma decisão em mil, mas, se era para a deixar em lágrimas e encher telejornais, podiam ter-lhe perguntado o preço de uma vida curda neste mercado de Verão. Sempre aprendíamos qualquer coisa.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Jacob, filho de Sérgio

    Jacob, filho de Sérgio


    O meu filho tem um plano simples: aos 18 pensa ser milionário. Já lhe expliquei que a escolaridade obrigatória na Suécia termina aos 19 (12º ano) pelo que não estou a ver bem a articulação do seu projecto.

    Em todo o caso, também já percebi que ele vai, aqui e ali, pensando em planos B e C, para o caso de o original falhar. De vez em quando, pergunta-me se pode ficar com as residências familiares quando tiver 18 anos.

    Isto leva-me a concluir duas coisas simples: desde logo, ele imagina que o Palácio de Queluz é nosso e ainda – aspecto ligeiramente pior para mim –  que dentro de cinco anos não estarei por cá.

    Sérgio Jacob Ribeiro (à direita), filho de Sérgio Figueiredo.

    Mas eu, como sou optimista, digo não a tudo, embora lhe ofereça ajuda nessa estrada para a fortuna. Aliás, quem é que não quer ser pai de um milionário? E qual é o pai que não ajuda um filho?

    Pelo menos isso sucede na cultura latina, onde somos mais dados à família. Entre os nórdicos já não é bem assim.

    Em tempos, conheci um velhote que mostrava com orgulho uma casa que tinha desde os tempos de estudante e que hoje, já perto da reforma, ainda alugava. Perguntei a quem, e ele, com o sorriso de quem tinha feito um grande negócio, disse-me: “ao meu filho”. Ah, valentes! Cada um por si e Odin por todos!

    Já connosco não é assim. Temos amor para dar e vender. Ajudamos o filho, a nora, o cunhado e a amante do primo. Somos muito da proximidade sanguínea.

    De modo que não entendo o escândalo que agora rebentou a propósito do apoio de 350.000 euros concedido ao filho do Sérgio Figueiredo em 2020, pela Câmara Municipal de Lisboa presidida pelo Fernando Medina, na altura comentador da TVI, canal onde o mesmo Sérgio Figueiredo era director de informação, entretanto convidado para consultor do ministro Medina em 2022 com um salário de cinco mil e qualquer coisa euros.

    Uma pessoa até deveria meter umas dez vírgulas nisto para se perceber o enredo. Não é fácil. Parece aquelas histórias do Jorge Amado que acabavam interpretadas pela Fernanda Montenegro na Globo. Ahhh… bons tempos em que todos víamos a novela da noite porque só havia um canal. Sim pequenada, isto aconteceu. Mas adiante.

    girl holding umbrella on grass field

    Sérgio Jacob, filho de Sérgio, tal como o pai, veio a público defender-se, dizendo que é culpado de ser filho do pai (dele).

    Ora, não querendo ser picuinhas, essa é, na verdade, a única responsabilidade que ele não tem.

    De facto, não tem ele culpa alguma de ser filho do pai dele já que, tecnicamente, não estava presente no momento da escolha. Julgo que podemos pacificamente concordar nesta parte.

    E, provavelmente, também não terá culpa de fazer parte de uma teia de contactos que vale milhões, e que, por acaso, facilita o estabelecimento de uma vida entre aquilo a que decidimos chamar de verdadeira classe média-alta.

    Claro que ele podia escolher o caminho das pedras e trilhar o seu destino, mas, convenhamos, quem é que caminha descalço numa estrada a ferver quando pode ir de Volvo com ar condicionado e o melhor airbag do Mundo?

    A história do Sérgio Jacob não (nos) é estranha porque não é original. É uma entre centenas que não chegam aos jornais. Mas, na verdade, o que é que isso importa? As notícias de hoje serão a forra do caixote do lixo de amanhã. Sim, é verdade: acabei de usar uma passagem do Notting Hill, mas, meus amigos, todos nós vimos aquela história de amor e gostámos. Hoje é que temos vergonha de dizer.

    E a história do Sérgio Jacob é também uma história de amor. A história de um miúdo que, ao contrário de nós, nunca precisou de emigrar, ser rejeitado em entrevistas de emprego ou juntar dinheiro para investir na criação de uma empresa. É alguém que, mal acabou a licenciatura em engenharia das bio-cenas, passou de imediato a cronista de qualquer coisa e, ao fim de um ou dois estágios, já era CEO da sua própria empresa.

    Sérgio Figueiredo

    Nunca precisou de exercer a profissão que estudou e, em menos de três anos, com uma empresa de seis ou sete funcionários, já estava a organizar eventos de três milhões de euros. Segundo o próprio, apoiados em 12% pela Câmara de Lisboa (350.000 euros), mais de 1.000.000 euros vindo do Turismo de Portugal e o restante pela porta da União Europeia, Presidência da República ou Nações Unidas.

    Ou seja, o Sérgio Jacob, filho do Sérgio da TVI, consegue montar um evento de milhões, poucos anos depois de ter saído da universidade, com apoios de instituições públicas onde o comum dos mortais nem sequer sabe onde fica a porta.

    Claro que, ao olho desarmado, uma pessoa fica com a sensação de que a teia de interesses e de devolução de favores entre o Medina e o Sérgio pai pode ter chegado ao filho. Ou até que os contactos de um abrem portas a outro. Mas talvez seja isso mesmo, uma simples sensação. Aquelas coisas que se vêm lá ao longe e se vai dizendo: “parece que é e até cheira… será que é mesmo?”

    E notem: eu queria mesmo acreditar que não. Aliás, os dados que escrevi aí em cima foram-me entregues pelo próprio Sérgio Jacob, na entrevista que deu e no curriculum que escreveu no LinkedIn. Digamos que, um de nós, com o CV do Sérgio não ia longe, talvez, quiçá, em topo de carreira chegássemos ao sector das energias mais verdinhas da EDP. E até dava para um escritório em open space com café gratuito. Mas CEO com três milhões para organizar o “Planetiers World Gathering” já seria mais difícil.

    Antes que comecem já a falar mal, o Planetiers World Gathering, é um certame com três milhões de euros em apoios públicos que se destinam, e cito, “a qualquer pessoa que quer descobrir e aprender mais sobre práticas sustentáveis, startups que procuram investimento para crescer, empresas que estão ávidas por acompanhar as tendências ou liderar a transformação, e empresários que pretendem expandir a sua rede de contactos.”

    Portanto, não é nada. Nem dá para fingir que se anda de unicórnio como na Web Summit.

    Enfim, o meu problema não é tanto a “subida a pulso” dos Sérgios desta vida. É nunca aparecer um gajo, qualquer, vindo de uma aldeia, filho de um pastor, que depois de tirar um curso universitário tenha acesso a investimentos de milhões do erário público na sua empresa. Pode até ser coincidência, mas, quando leio notícias sobre putos da aldeia, é sempre de alguém que usou um machado ou descobriu forma de mastigar sem dentes.

    Donald Trump, outro conhecido empreendedor que subiu a pulso, disse há uns anos, numa entrevista, que tinha “começado do zero, com um empréstimo de um milhão do pai”.

    Ora, o Sérgio Jacob subiu a parada e nem aborreceu o pai: recebeu o seu milhão, não do pai Sérgio, mas de todos nós, assim, sem espinhas e sem nos perguntar se não fazia falta para fechar aquela marquise.

    Empreendedores assim há poucos, o que é pena. Contem comigo para apoiar mais gente com ideias em inglês e pouca vontade de trabalhar.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Gente que sai à rua

    Gente que sai à rua


    Quando li a notícia de que os sindicatos da Função Pública iam exigir, para 2023, aumentos que acompanhassem a inflação, imaginei a reacção popular.

    Sabemos que há um certo atrito na opinião pública (e publicada) contra a Administração Pública. Começando nos professores, passando nos funcionários das diferentes repartições e terminando nas forças de segurança. Há, enfim, aquele velho estigma associado aos mandriões com bons salários e empregos para a vida.

    A realidade é ligeiramente diferente. Um emprego para a vida não sei se é algo assim tão fantástico; pessoalmente não conseguiria fazer a mesma coisa durante 40 anos. E os bons salários só mesmo se tivermos como bitola a miséria reinante em Portugal, onde quem recebe 1.000 euros por mês passa por classe média. 

    Entre nós, trabalhadores portugueses, escasseia a solidariedade.

    Queremos nivelar quase sempre por baixo. Se eu estou a dois passos da escravidão, a luta do meu vizinho deve ser inglória para que não me sinta tão mal.

    A intenção dos sindicatos peca por humilde, mas, ainda assim, está condenada ao fracasso.

    Com a inflação a chegar aos dois dígitos, seria necessário um milagre na Concertação Social para o Governo ceder a tal valor.

    Contudo, esta é a parte engraçada da história: mesmo que cedesse, ainda assim seria um mau negócio para a Administração Pública.

    10 and 20 banknotes on concrete surface

    Para quem tem as carreiras congeladas há mais de 10 anos, e que, consequentemente, já perdeu muito poder de compra, um acerto com a inflação deste ano não compensa tudo o que foi perdido. Pior, deixa-os a pagar, quase sozinhos, por crises que não provocaram e guerras que não escolheram.

    De todas as facções discordantes na discussão dos aumentos, a minha preferida é a da ala liberal, que exige que estes estejam indexados à produtividade. É uma narrativa antiga e recorrente do patronato para adiar, para a calendas, qualquer hipótese de aumento digno para os trabalhadores de base.

    Note-se que estas exigências raramente apanham gestores, políticos ou directores – a faixa de onde, por mais galopante que seja a inflação ou por mais crises que o FMI nos traga, se conseguem sempre dividir prémios de gestão. Pensem também nos subsídios dos deputados que nunca sofrem ajustes, ou nos gestores do BES que dividiam lucros pelos accionistas quando a arraia-miúda os sustentava com impostos.

    A história da produtividade é uma falácia. Quem a mede, quem a quantifica e quem faz a sua relação para o valor acrescentado do que se produz?

    Lembrei-me assim de repente de uma empresa dinamarquesa, um dos líderes mundiais na produção de eólicas, que instalou um centro de engenharia ali para os lados de Matosinhos.

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    Pelo mesmo trabalho feito, e a mesmíssima produtividade, pagam a um engenheiro português cerca de 25% do que pagam a um dinamarquês, nos escritórios de Copenhaga. Portanto, quem paga tenta fazê-lo com trocos de forma a aumentar os lucros e, dentro e fora de portas, o nosso país não se livra do selo de mão de obra competente e barata.

    É por isso que tudo o que não seja um aumento digno, a cada ano que passa, é uma falácia. O dinheiro existe, a produção também. A divisão é que é feita de forma diferente. E o lucro, hoje e sempre, construído em cima de baixos salários.

    Se os argumentos da produtividade na discussão salarial já era uma história da carochinha no mundo pré-covid e pré-Ucrânia, hoje então passou a ser um episódio de Narnia.

    Com uma crise totalmente criada pelos decisores mundiais, seja de quem invade ou de quem decide apoiar esforços de guerra, com sanções que provocaram escassez na oferta e aumentos de preços… faz algum sentido castigar quem trabalha e depende do seu salário, exigindo-lhe que perca poder de compra?

    Ou, no caso dos funcionários públicos, uma década depois, que CONTINUEM a perder poder de compra, mas agora em doses maiores?

    close-up photo of assorted coins

    É aqui que devemos parar para pensar no que está a acontecer no Reino Unido. Um país rico onde o primeiro-ministro, antes de ser corrido, anunciou que dinheiro e armas não faltariam para a Ucrânia. E a Suécia também, caso o Putin se aborrecesse da embrulhada em que está.

    Curiosamente, enquanto procurava o seu lugar triste na história, Boris Johnson não teve tempo de reparar que as sanções estavam a empobrecer o povo inglês que, como se sabe, não está habituado a ser pobre. Uma coisa é ser português, espanhol ou grego na União Europeia – já estamos habituados a viver com migalhas. Outra coisa é ser-se inglês e perceber que, de repente, o dinheiro já não chega para três rondas no pub e umas voltas pelo Algarve.

    De modo que resolveram parar.

    O Reino Unido enfrenta hoje, por causa da inflação causada pelas sanções à Rússia, as piores greves dos últimos 30 anos. Caminhos-de-ferro, portos, transportes em geral. O país paralisou e não mexe por menos do que um aumento que acompanhe a inflação. O mesmo que a nossa Função Pública pede, embora se aguardem resultados diferentes.

    A força dos trabalhadores é perfeitamente demonstrada nestes movimentos solidários. Só os decisores podem escolher guerras, canalizar dinheiro ou aumentar taxas. Mas não são os únicos que conseguem criar movimentos de bloqueio.

    crowd of people standing outdoors

    Da mesma forma que escolheram bloquear economicamente a Rússia, deixando os seus povos à mercê da escassez da oferta e subida de preços, ficaram também dependentes das reacções dos trabalhadores que, entre pagar a solidariedade com outro povo, ou sustentar a sua família, optam pela segunda. 

    E isto não quer dizer que quem luta pelos seus direitos não queira ver o invasor fora da Ucrânia. Só não quer é ter que pagar ou empobrecer por isso. É aborrecido, mas é a lei humana. Quem decide, pede esforços, mas não os pratica.

    Acabamos sempre no velho e bafiento carrossel em que as elites nos dizem como devemos sofrer, continuando os seus dias na serenidade de quem não abala com os dramas do Mundo. De vez em quando, os trabalhadores juntam-se, e dizem já chega. Não há movimento mais belo do que esse. A força de quem trabalha nas ruas. A força de quem realmente constrói um país na luta por uma vida melhor.

    Que pena vermos esses movimentos, nós portugueses, quase sempre pela televisão, e tardarmos em perceber que, lá como cá, quem manda é quem trabalha.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O Sérgio e a pasta ‘se fores apanhado, usa esta’

    O Sérgio e a pasta ‘se fores apanhado, usa esta’


    O trabalho está a dar-me gastura. Não sei bem o que significa esta palavra, mas a minha avó, sempre que a usava, franzia os olhos e massajava a barriga para ilustrar. Sei sim que é mais ou menos a sensação que tenho quando penso na minha equipa da “apanha da azeitona”.

    Estimo que 75% é formada por pessoas que gerem cenas e organizam coisas; os outros 25% são aqueles que fazem, de facto, essas coisas. Somos quatro. Eu tenho gastura, portanto. Deixo as contas para os Antunes desta vida.

    Sérgio Figueiredo

    Penso muito naquela imagem das obras, com nove gajos em redor do buraco a olhar e dar indicações e um outro com a picareta nas mãos a bulir. Mas, enfim, menos queixume, porque sou eu que me meto nestes comboios.

    A parte que realmente quero trazer para aqui é que isto: do ponto de vista de gestão, tudo isto é uma péssima utilização de recursos. Gasta-se dinheiro a mais e produz-se a menos. Contudo, como é investimento privado (e chinês, já agora) ninguém está interessado em poupanças. Por mim, tudo bem, que não sou de grandes complicações. Desde que a Pelosi deixe de chatear e a China não tenha que investir em canhões de longo alcance, em princípio, os outros 75% da minha equipa podem continuar a esfregar a micose nos PowerPoint.

    Agora, com o Sérgio Figueiredo, já não é bem assim.

    Hiiiiii… cá ganda volta foste dar migaaaaa!!

    Exacto. Eu não gosto de ir directo ao assunto, e umas flores no ramalhete nunca ficaram mal.

    Fernando Medina, ao centro, ministro das Finanças.

    O Sérgio Figueiredo é o novo ofendido da Praça Pública, e, por isso mesmo, defendeu-se com um longo texto no Jornal de Negócios, anunciando que desistia do contrato de consultoria arranjado com o Medina para o Ministério das Finanças.

    E porque pia mais fino o enredo do Sérgio, quando comparado com o desperdício dos meus amigos chineses? Por causa dos mercados, fiéis amigos, para o bem e para o mal. O Sérgio não estava inserido neles, seria pago com dinheiro público e, portanto, está sujeito ao escrutínio dos pobres.

    A prosa de defesa, feita pelo próprio, é retirada de uma minuta disponível em todas as Secretarias de Estado e arquivada nos servidores do Governo dentro da pasta “se fores apanhado, usa esta”.

    Começa com “não aguento mais as calúnias, acusações e difamações”; continua com “blá, blá, blá“; pelo meio há sempre um “injustiças e poderes instalados”; e termina-se com “por isso abdico” e “na defesa do meu bom nome”. Assina-se. E está feito.

    O Ministério das Finanças anunciou a contratação de Sérgio Figueiredo para a função de consultor na área da avaliação das políticas públicas, com um salário de 140 mil euros por dois anos de contrato. Cerca de 5.800 euros por mês, mais do que o salário do próprio ministro.

    brown and blue wooden cabinet

    Como o Governo já tinha criado um centro de competências para as políticas públicas (chamado PlanApp), o pagode ficou ligeiramente desconfiado de Medina contratar um consultor, durante dois anos, e dar-lhe um salário de piloto, para fazer essencialmente o que um centro inteiro já fazia.

    Claro que, a partir daqui, o Ministério das Finanças apressou-se a justificar a diferença de trabalho que Sérgio, jornalista de carreira sem experiência em políticas públicas, faria, quando comparado com os demais ocupantes desses lugares no PlanApp. Aparentemente, ou melhor, alegadamente, não faria nada porque não percebia da poda.

    E foi aí que a pobretada que sabe ler se indignou e pensou: “tu queres ver que isto é o Medina a pagar favores pelo palanque que teve na TVI?”

    O barulho ficou ensurdecedor e o desgraçado do Sérgio lá teve que abdicar do cargo, mostrando ao mundo aquela ponta de dignidade só ao alcance dos ilustres que são apanhados entre maroscas colossais.

    Isto vai um pouco na linha do turista espacial, que nos pedia orgulho por ter feito uma excursão de luxo enquanto carpia por 40 milhões de euros de ajuda ao erário público, e que depois, também ofendido, lá acabou por desistir de nos sugar mais uns cobres.

    brown short coat large dog jumping on green grass field during daytime

    Sebastian Maniscalco, um comediante que aprecio, dizia um dia sobre a nova moda em Hollywood com os centros de reabilitação para homens viciados em sexo: “não existem viciados nesses sítios, só maridos que foram apanhados”.

    De cada vez que um Sérgio ficar ofendido e largar a teta do erário público, nós, sociedade civil, cumprimos o nosso papel.

    Mas aquilo que me continua a aborrecer, e fazer pensar, enquanto agarro na minha picareta, são os milhares de Sérgios que vão passando entre os pingos da chuva.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ucrânia: um rodapé do Pontal

    Ucrânia: um rodapé do Pontal


    Entendo que Zelensky não pode deixar que os holofotes se apaguem. O pior que pode acontecer ao povo ucraniano, depois da guerra que não se evitou, é serem esquecidos. No fundo, o pior que podemos fazer ao povo ucraniano é fazermos, essencialmente, o que fazemos a todos os outros povos: passar ao drama seguinte quando o sangue se torna velho.

    Assim que a cortina se fechar, os russos terão palco e espaço para agirem como bem lhes apetecer. A velha teoria de o tempo ser ainda o maior aliado do exército russo.

    Não tenho qualquer opinião formada sobre Zelensky, para lá de um rapaz que foi apanhado nos Panama Papers e que era governante de uma democracia pouco saudável quando os verdadeiros donos do Mundo resolveram usar o quintal dele.

    E antes que me apareçam os puritanos da ordem, asseguro que Putin só não está nos Panama Papers porque não precisa deles para nada: esconde o dinheiro que rouba na Sibéria. O Panamá é para totós que ainda não a sabem fazer bem feita.

    Noto o desinteresse na causa ucraniana a cada dia que passa. Já não é novidade, já não é tão dramático, já nem dá tantos directos. Na verdade, ainda é mais dramático, mas quem não vê é como quem não sente. A História do Mundo Ocidental.

    Pelo meio, Zelensky vai dando uns tiros nos pés como, por exemplo, exigir que todos os cidadãos russos sejam bloqueados onde quer que vão. O Zé e a Maria de Vladivostok, que nem sabem onde fica o Panamá, não podem ir ao Intermarché de Tóquio, que fica mais em caminho do que o Pingo Doce de Moscovo.

    Uma guerra feita por velhos ditadores que Zelensky, amigo dos cancelamentos de partidos, quer que seja culpa de populares.

    Até os mais acérrimos defensores da guerra começam, paulatinamente, a assinalar as vezes em que Zelensy mete água. Na Vogue, nos cancelamentos, nos pedidos de mais sanções.

    Diga-se que, ainda assim, eu concordo com ele: é preciso que não se deixe arrefecer o assunto e que se vá discutindo a causa. Venha de onde vier o tema, o que importa é não deixar cair no esquecimento.

    Mas, deste lado, as sanções já pesam. A malta das bandeirinhas também se aborrece com a inflação, com os juros, com os impostos, com o custo da energia. A Ucrânia começa a ter costas muito largas para a comoção diária que nos exige.

    É preciso lembrar que a nossa natureza é não querer saber. É olhar para o umbigo. É largar um “coitados”, e depois fazer scroll down.

    Ontem, enquanto Luís Delgado – o homem das análises se chove-molha – falava na SIC sobre a festa do Pontal, os apelos de Zelensky apareciam em rodapé. Mais sanções e exigências, ali a 200 à hora no fundo da televisão, e apareciam imagens em loop com Montenegro de camisa branca e dois dedos no ar.

    Quando algo já só surge em rodapé, ao mesmo tempo que se mostra a Festa do Pontal – que é tão relevante para o país como a Festa da Nossa Senhora da Aparição da Nazaré –, é porque já atingiu o estatuto de refugo noticioso.

    Como disse inicialmente, interessa-me pouco Zelensky ou os seus gritos. Como ainda menos me interessa Putin e as suas certezas ou loucuras imperialistas. Tenho é pena dos mesmos que, desde Fevereiro, vão perdendo casas, vidas, amigos e familiares, em nome de uma guerra que nunca foi sua.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Somos o Rohit da União Europeia

    Somos o Rohit da União Europeia


    Sempre que aparecem estatísticas com as desigualdades salariais europeias – da União entenda-se, que isto de acharmos que a Europa começa e acaba em Bruxelas dava um romance –, lembro-me do Rohit.

    Rohit era bom rapaz, um tipo simpático e competente, emigrante indiano, meu colega na Suécia que, durante anos, se sentia indignado com a diferença salarial face aos seus pares.

    Expliquei-lhe, vezes sem conta, como funciona o mercado empresarial, do Primeiro ao Terceiro Mundo, sempre dependente de mão-de-obra barata.

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    Por que razão “importariam” trabalhadores da Índia para lhes pagarem o mesmo que a um trabalhador sueco? Pela mesma razão que na Índia importam mão de obra do Bangladesh.

    O capital não tem fronteiras nem preconceitos. Desde que exista alguém ainda mais miserável, seja onde for, a receita funciona. A cada revisão salarial, sempre que a multinacional sueca onde trabalhávamos lhe perguntava: “o que podemos fazer para te fazer feliz?”, ele respondia “salário”. A mim dizia, “Tiago, eu não nasci rico, tudo o que tenho para vender é a minha força de trabalho e não gosto de fazer caridade”.

    Nunca aconteceu. O Rohit nunca recebeu algo parecido com o salário dos colegas que trabalhavam menos. E que sabiam menos, detalhe importante. Mais do que aqueles que nasceram no sítio certo, com uma tez mais clara. Foi-se embora dois meses depois de mim.

    Na União Europeia, nós somos todos Rohits. Nós, portugueses, claro.

    Entrámos na União Europeia com um salário muito mais baixo – dois terços da média, se não me engano. E hoje, 35 anos depois, a média portuguesa é de metade da média europeia. Não há quem pense nestes números numa União que nos devia equilibrar por um patamar superior?

    Bem sei que os sucessivos governos cometeram erro atrás de erro nas apostas de investimento e desenvolvimento, mas há algo a que dificilmente fugiríamos: numa União Económica, alguém tem que fornecer a mão de obra barata. Para uns terem excedente financeiro, alguém tem que ficar no vermelho. Ou, como diz um amigo meu, economista liberal, o dinheiro é finito: se entra num lado, é porque saiu de outro. Eis a teoria da manta que passeia entre os pés e a cabeça.

    Ora, o nosso papel nesta União Europeia começou por ser o de fornecer fábricas baratas para produção de tudo um pouco. Três décadas depois, e com a população mais formada, passámos a ser poiso de financeiras, multinacionais de engenharia e todo um tecido empresarial que procura cursos universitários a troco de 1.000 euros mensais.

    Um negócio da China se me perguntarem.

    Ao mesmo tempo, as confederações de empresários vão defendendo que, em Portugal, mais salário apenas se vier com mais produtividade. Isto num povo que já é dos que mais horas trabalha na Europa e que vai acreditando que os baixos salários são uma inevitabilidade e, até, culpa de quem trabalha 40 horas por semana.

    Já ninguém acha estranho que a classe dirigente, gestores e administradores, independentemente da sua produtividade, tenham salários europeus de Primeiro Mundo. Aliás, quem não se lembra dos gestores do “BES bom” (Novo Banco) que, quando intervencionados com dinheiros públicos, se arrogavam no direito de distribuir prémios milionários?

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    A União Europeia serviu para nos trazer estradas e impostos de Primeiro Mundo, corrupção e salários de Terceiro. Ao mesmo tempo, cria uma clientela que já não vive sem subsídios europeus.

    O nosso problema nunca foi a falta de conhecimento, como se percebe pela quantidade de cérebros que oferecemos à emigração. E muito menos a falta de trabalho, como dirá qualquer empregador de um português para lá de Badajoz.

    O problema foi, é e será – ontem, hoje e sempre – o silêncio com que combatemos a injustiça e a facilidade com que nos acomodamos a viver com migalhas. Herança da ditadura, dizem uns. Falta de mundo, acho eu.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Volta covid, a Ucrânia já não vende

    Volta covid, a Ucrânia já não vende


    Gustavo Tato Borges, que julgo ser o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, disse em Novembro de 2021 que a pandemia só acabaria quando o Mundo todo fosse vacinado.

    Neste tipo de declarações fico sempre baralhado com termos como “o Mundo todo”. “Comunidade internacional”, por exemplo, sei que costumam ser para aí uma dezena e meia de entre as quase duas centenas de países. “Mundo todo”, por norma, costuma ser, vá lá, os países da União Europeia, da América do Norte, o Brasil, a Argentina, o Japão, a Austrália, a China, a Nova Zelândia, a Rússia e Singapura. Essencialmente, quem marca presença em campeonatos do mundo, é bom com números ou fornece cenários à Hollywood.

    doctor holding red stethoscope

    Ora, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em Maio deste ano apenas 57 países tinham vacinado cerca de 70% da sua população. Não é preciso referir mas, diz lá, países na sua maioria com dinheirito para os melões.

    Portanto, nas palavras do camarada Tato, a pandemia nunca acabará. No mesmo ano, o famoso 2021, também nos disseram que a pandemia se transformara em endemia e, portanto, agora havia que viver com a bicheza, tal como fazemos com os outros 1.000 vírus que mastigamos diariamente.

    Eu não percebo nada de vírus, e muito menos consigo diferenciar especialistas de especialistas pela verdade, mas aprecio vidas normais e aborrecidas, pelo que escolho aqueles que me dizem “é seguir e deixarem-se de merdas”.

    Ora, o Tato apareceu ontem, se a memória não me falha, num jornal qualquer da manhã, ali entre os programas do Goucha e do Cláudio Ramos, a dizer para nos prepararmos para o Inverno nas escolas.
    Para já, tudo bem, nada de máscaras e tal, janelas bem abertas enquanto o sol bate, mas assim que a nortada chegar e o primeiro puto espirrar – ou “espilrar” como diziam lá nos encontros de família –, há que acatar medidas de contenção.

    blue and brown hand painting

    Espirros para casa, suspeitas de constipação logo para isolamento e consoante a quantidade de casos, pode-se voltar ao ensino online. Máscaras, certamente, e continuar a lavar as mãos, aquilo que já se devia fazer sem pandemia, também entram no cardápio.

    Ora, “vamlá a ver”, é para viver com isto ou não? É para assoar e seguir caminho, ou para ser tratado como uma constipação musculada que transporta o Apocalipse?

    Antes do Verão, os especialistas renegados pelo Infarmed dizem que a vida é para continuar sem restrições, mantendo os cuidados naturais que todos devemos ter perante infecções respiratórias. Por exemplo, não sei se antes da covid-19 vocês tinham o hábito de esfregar a cara no colega de carteira enquanto ele espirrava ou se assoava. Eu sempre apostei na distância, antes de me dizerem que tínhamos que fechar restaurantes e abrir fábricas, porque este vírus era dotado de variantes que não se manifestavam em lugares de produção.

    É um vírus que, aliás, vê a vida um pouco pelos meus olhos. Gosta mais de zonas de lazer do que locais de trabalho. Quem é que o pode criticar?

    woman in black jacket holding white paper

    Morre gente como nunca neste país – e não por causa da covid-19 –, estamos vacinados com as 500 doses de reforço, já deixámos os miúdos a apanhar bonés na escola durante dois anos, vamos pagando a fatura do endividamento do Estado com os sucessivos confinamentos e… não aprendemos nada?

    Os suecos com menos mortes, e infinitamente menos dívidas, é que continuam a ser os malucos desta história porque abrem as escolas aos miúdos?

    Quando é que nos livramos deles? Dos especialistas, entenda-se…

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A China e o meu (e talvez o vosso) umbigo

    A China e o meu (e talvez o vosso) umbigo


    Dei por mim a pensar na caldeirada que se está a montar com a China, mas numa perspectiva mais umbiguista. Sim, em determinados momentos da vida, eu sou apenas um gajo prático que tem contas para pagar.

    As sanções à Rússia – vendidas como uma medida para acabar com a guerra – serviram apenas para empobrecer quem estava do lado de cá. A estas seguiram-se os aumentos das taxas de juro e a redução dos salários por cortes directos ou pela via da inflação.

    woman holding tummy

    Pessoalmente, já tinha levado um corte salarial de 5% durante a pandemia (nunca reposto), e agora, por causa do “aumento dos custos causados pela guerra”, levei outro. Ou seja, desde 2020 que trabalho mais mas acabo a vender o meu esforço por menos, sem que o lucro dos meus empregadores se reduza. É uma matemática peculiar que me leva a pensar que estes dois anos e meio de confinamentos e guerras serviram, essencialmente, para reduzir o valor da mão-de-obra.

    Mas não devo generalizar. Aquilo que aconteceu, a mim e demais camaradas da minha área, aqui em Gotemburgo, pode não ser um mal global. Quiçá, a maioria de vós, vai-se a ver, foi aumentado para lá da inflação. Oxalá que sim.

    Mas dizia, estes dois anos e meio serviram, pelo menos, para piorar a qualidade de vida e reduzir o preço a que vendemos o nosso trabalho. No meu caso, isso é particularmente preocupante, porque não tenho, nunca tive, emprego para a vida. Tenho contratos de trabalho de 6 ou 12 meses, que são renovados consoante o meu desempenho e o estado da Economia. Como eu, estão uns quantos milhares ou milhões – não serei certamente o “inventor da roda”.

    Ora, em primeiro lugar, aborrece-me que lutas entre impérios me deixem a fazer contas de cabeça sobre o mês que se avizinha.

    man holding box

    Eu condeno a invasão russa e, de seguida, condeno as medidas cegas impostas pela União Europeia a mando dos Estados Unidos, que, essencialmente, prejudicaram os povos europeus.

    A Rússia, que se financiou na União Europeia durante anos, agora vende para a Ásia; portanto, o negócio segue, e nós, que não temos nada a ver com o Donbass, ficamos a pagar a factura na energia, nos combustíveis, nos salários e na inflação.

    Fosse eu um pouco mais nortenho e mandava o Putin, o Biden, o Zelensky e a von der Leyen para a puta que os pariu, mas, como tudo o que consegui foi um avô de Braga, prefiro conter-me nos impropérios.

    E enquanto vamos todos fazendo uma ginástica monstruosa para compensar as decisões de uma elite milionária que nos dirige, resolvem abrir nova frente com a China, a troco de mais umas vendas aos senhores da guerra.

    No caso da costa oeste sueca, do hub tecnológico que por lá se desenvolve há 10 anos, essencialmente assente em investimento chinês, isto é o prenúncio do apocalipse.

    photo of assorted-color Chinese lanterns inside room

    Pensando assim, de repente, nas empresas chinesas ou com capital chinês que operam em Gotemburgo, conto mais de 20 mil empregos, estando outras a chegar à região e a construir centros de desenvolvimento.

    A última coisa que quero é passar os próximos anos a repetir 2020 ou 2022, porque uma cambada de velhos ricos querem brincar às cortinas de ferro com vidas humanas e abarbatar mais uns hectares de matérias-primas. Se os chineses em vez de construírem centros de engenharia e pontes em África, começarem a produzir tanques e bazucas para responder ao chamamento dos americanos, passaremos todos a ter problemas bem maiores do que ouvir o Froes a gritar por mais vacinas ou o Milhazes a ensaiar as narrativas dos 40 anos de solidão.

    Reparem, aliás, no detalhe das crises. Não as vivemos todos da mesma forma. Na Alemanha, os sindicatos paralisam tudo e exigem aumentos acima da inflação – vejam a Lufthansa, por exemplo. E isto num país onde o corte de energia da Rússia está a deixar a indústria em risco. Mesmo assim, os trabalhadores são a voz mais forte. Nós, em Portugal, vamos apenas perdendo direitos, salários e condições de vida. Vamo-nos acomodando às sobras. Portanto, não estamos, nem nunca estivemos, todos no mesmo barco.

    Mas se é para rebentar tudo, e largarmos os empregos e as vidas ditas normais, em nome do Apocalipse, então, se não se importam, eu gostava de decidir com quem quero ser solidário. A quem quero oferecer o esforço de ter que abdicar da vida pela qual trabalhei.

    brown wooden dock on body of water during daytime

    Escolheria que fôssemos bater às portas dos israelitas e mostrássemos a nossa solidariedade para com os palestinianos. Depois seguíamos a mesma estrada de pó e íamos dar uma mão aos curdos para se ver se lhes arranjávamos umas fronteiras.

    Agora, para quem Taiwan fornece os chips, se a Rússia fica com a península que outrora deu como presente, ou se o gás do banho dos alemães vem pelo Nord Stream ou em barcos enviados de Boston, interessa-me muito pouco.

    Em resumo, se pudessem parar de matar gente em nome dos interesses financeiros de uma elite – e, pelo caminho, arrefecer essa sede de nos irem ao bolso –, já não ficaria a faltar tudo.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O Mário amuou…

    O Mário amuou…


    Mário Ferreira amuou e já não quer os 40 milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Disse, numa declaração à imprensa, que a campanha levada a cabo por Catarina Martins e Ana Gomes tinha sido indecente. Embora nenhuma delas seja a fiel destinatária do meu voto, o que fizeram, em especial Catarina Martins, foi perguntar aquilo que qualquer um de nós, se tivesse voz pública, perguntaria.

    Ora, a empresa de Mário Ferreira garante agora que irá fazer o aumento de capital com fundos próprios em vez de recorrer ao empréstimo do PRR. A verdadeira questão é então: porque não o fez logo de início?

    Por que razão decide um milionário gastar 28 milhões para ir 11 minutos ao espaço e depois recorre, sem qualquer pejo ou vergonha, a um empréstimo estatal de 40 milhões para financiar a sua empresa? A resposta é simples: porque pode.

    Em Portugal, o risco do empreendedorismo é um mito. Histórias como a de Mário Ferreira, os empresários que estão sempre no sítio certo e desde sempre com os contactos certos, vão-se repetindo e raramente descobrindo. Não há nada ilegal, é o argumento repetido. Mas não precisa de ser ilegal para ser imoral.

    Tal como nos negócios do BES, sobre os quais Salgado diz não se recordar.

    O lucro foi sempre privado, o prejuízo sempre público. Luís Filipe Vieira terá sido o caso mais emblemático. Contraía empréstimos monstruosos, construía prédios e vendia os apartamentos. Beneficiava da especulação imobiliária e do acesso fácil ao dinheiro do BES para enriquecer ou, nas palavras dele, para ser um “homem que subiu a pulso”.

    No dia em que tudo rebentou, a dívida foi dividida por 10 milhões de pessoas. Um daqueles jantares em que, comendo sardinha ou bifanas, todos pagámos lagosta.

    É esta a essência portuguesa dos milionários do regime: o acesso a fundos que o comum dos cidadãos não tem. Se o BES me emprestasse 500 milhões, como fez ao Vieira, mesmo sem ter uma construtora, julgo que também o conseguia multiplicar. Sem sair de Lisboa, diga-se.

    Interessa-me pouco que Mário Ferreira concorra a apoios públicos. Aliás, até percebo que o faça. Quem é que quer arriscar dinheiro do seu bolso quando pode usar o que é de todos?

    Preocupa-me, isso sim, que a tão afamada comissão que ia controlar o destino dos dinheiros da bazuca, ache normal dar metade do orçamento previsto para o turismo a um só empresário, que, por acaso, tinha esses fundos em capital próprio.

    Se não fosse o escândalo da viagem ao espaço e toda a celeuma pública, Mário Ferreira teria embolsado tranquilamente um empréstimo estatal, deixando várias pequenas e médias empresas sem nada.

    Como é que isto acontece, quem é que controla os dinheiros da bazuca, como é que é possível que este empréstimo tivesse sequer sido aprovado e por que admirável coincidência o grosso dos dinheiros públicos aparecem sempre na órbita de empresários amigos?

    Bem sei, perguntas que jamais serão respondidas enquanto os governos se alternarem na distribuição dos fundos.

    A sociedade civil fez barulho, e Catarina Martins capitalizou-o. E fez bem, acrescente-se. O problema português nunca foi a falta de dinheiro, mas sim a forma como este é canalizado. Ao fim de 30 anos de subsídios europeus (ou empréstimos), continuamos a usar esses rios dourados para enriquecer uma pequena elite e alimentar uma clientela fixa, enquanto o português médio continua pobre. O salário médio em Portugal é um salário miserável à escala da Europa que se encaixa no Primeiro Mundo. Repito: o salário é miserável.

    people holding shoulders sitting on wall

    Enquanto isso, os Mários Ferreiras, bem colocados, vão usando os milhões próprios para brincarem aos Bezos, e o Estado, com dinheiro de todos nós, vai alimentando as suas empresas.

    Resta-nos desejar boa viagem ao Mário e rezar pelos sucessos da Douro Azul. Tanto está garantida a magia dos 11 minutos que aguardam o Mário no espaço como é elevada a probabilidade de nos chamarem a pagar quando a coisa descambar.

    Cada um nasce para o que nasce. Estudassem – ou tivessem andado na jotinha certa.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)

    P.S. Senti alguma vergonha alheia quando ouvi Mário Ferreira a dizer que todos os portugueses deviam ter orgulho nele. Pergunto…porquê? Por ser um utlizador da tecnologia desenvolvida por outros? Por ser um turista de luxo num tipo de “charter” aberto apenas a uma pequena elite? Por pagar para andar? Ou por ter a sua própria televisão a cobrir o “feito”?

    Só existe em todo aquele processo um “feito” e esse foi conseguido pelas equipas de engenharia que desenvolveram os foguetões. De resto, são apenas recursos e mais recursos gastos por uma elite de milionários, em viagens absolutamente insignificantes, e pagas a um preço que nos deveria envergonhar: há crianças ainda a morrerem à fome no Planeta que, durante 10 minutos, os Mários vão observar ao longe.

    E sim, o dinheiro é dele, faz o que quiser e até o pode gastar a acender charutos, que a ninguém diz respeito. Desde que seja, de facto, dinheiro dele e não sacado ao erário público, é-me absolutamente indiferente. Mas por amor da santa, endeusar um gajo que pagou para andar num carrossel de luxo e comparar a “epopeia” à do Fernão de Magalhães, está ao nível daquele orgulho luso, apenas porque, nos jardins da Casa Branca, os Obama passeavam um cão de água português.


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.