Autor: Tiago Franco

  • Alemanha: por uma vez, no lado certo da História

    Alemanha: por uma vez, no lado certo da História


    Por estes lados, onde me encontro, diz-se que, se a Alemanha cair, caímos todos. Isto é, se o motor da Europa parar, seguir-se-á o efeito dominó que nos deixará a todos numa situação de instabilidade. Ou mesmo esparramados no chão.

    Nesse sentido, vejo com algum agrado o esforço que a Alemanha faz para manter a sua indústria a funcionar, injectando vários milhões em ajudas para o pagamento das energias.

    França e outros membros da União Europeia ficaram particularmente furiosos com esta atitude individualista do governo alemão, furando directivas europeias e, de certa forma, financiando as vantagens competitivas das suas empresas.

    Bem sei que não estamos habituados a colocar o nosso futuro em mãos alemãs, mas dificilmente alguém, que viva do seu trabalho, poderá criticar as opções do governo germânico.

    De facto, uma coisa é decidir em Bruxelas um pacote de sanções à Rússia; outra, bem diferente, é aguentar a pressão interna quando os custos de produção disparam ou a energia fornecida não chega para os gastos. Os sindicatos na Alemanha não são para brincadeiras e a sua influência nas políticas do trabalho é bem real.

    Portanto, o governo alemão decidiu o seu rumo e ignorou os parceiros europeus. E fez bem. Era o que eu diria se lá vivesse.

    Parte da hipocrisia dos actuais dirigentes europeus passa muito por esta irritação, especialmente dos franceses, com as opções alemãs. Contudo, é bom que compreendamos uma coisa: as sanções não afectaram todos os países da mesma forma. A Alemanha tinha uma enorme dependência do gás russo. Outros países não.

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    É um pouco como as sanções que agora se impõem ao Irão por causa dos drones fornecidos à Rússia, depois da invasão, em Fevereiro, ter sido executada com equipamento comprado a diversos países europeus.

    Ou seja, nós (europeus) fornecemos parte do armamento utilizado contra os ucranianos. E mesmo durante o período de guerra, financiámos os russos, através da compra de energia. Mas desatamos a distribuir sanções por quem queira fazer semelhante negócio.

    A hipocrisia de quem nos governa chega a ser deprimente. Até na moralidade das negociatas queremos mandar.

    Esta divisão europeia, cedo ou tarde, fará com que o apoio à guerra deixe de ser “as long as it takes”, como a nossa Ursula gosta de repetir.

    A Alemanha é a maior Economia europeia e começa a trilhar o seu caminho. Há mais três ou quatro países com governos de extrema-direita que simpatizam com o regime de Putin. A Europa está dividida e, por mais discursos emproados em Bruxelas que von der Leyen faça, esta é a realidade.

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    Com a ajuda que Lagarde deu ontem – nova subida da taxa de juro –, deu-se mais um passo para o desespero das populações e um afastamento cada vez maior da solidariedade demonstrada quando a guerra só chegava pela televisão.

    Entretanto, passámos a deixar o salário no supermercado, na conta da luz, nos combustíveis e na prestação da casa. Escrevi, há umas semanas, que a preocupação com a guerra dos outros deixa de existir, ou esbate-se na espuma dos dias, quando não sabemos o que meter na mesa para os nossos filhos. Ou sequer sabermos se ainda teremos mesa no dia seguinte.

    Começam a aparecer os primeiros protestos, em diversos países europeus, contra a pobreza a que parecemos estar destinados.

    Ninguém se quer sentar. Ninguém quer falar. Entre quem manda, a guerra parece não trazer dissabores. Putin tem apoio em partes da Europa, em África, no Médio Oriente, na América do Sul e na Ásia. China e Índia não se afastam – e depois do último congresso do partido comunista chinês, houve mesmo um apoio formal à Rússia.

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    Mesmo assim, a porta-voz da Casa Branca disse, na última conferência de imprensa, que os russos estão cada vez mais isolados. É uma visão do mundo muito própria consonante com quem chama “world series” à final de um campeonato de basebol entre equipas norte-americanas. É um mapa-mundo muito especial, que começa no Maine e termina na Califórnia.

    O problema é que não é essa a realidade.

    Putin recolhe apoios, forma novas parcerias, garante as ajudas para o “as long as it takes”, versão russa. Tal como Zelensky, que diariamente pede dinheiro à União Europeia e armamento aos americanos. De um lado e de outro há apenas o desejo de continuar e deixar que o Inverno faça o seu trabalho.

    Entretanto, os ucranianos foram mandados para o século XIX e combatem o frio com lenha. Quase 20% da população quer negociações de paz. O recrutamento de mercenários e combatentes estrangeiros tornou-se um negócio próspero. O Kremlim foi bater à porta do regime talibã para pedir chefias militares. O ex-grupo terrorista, que passou a governo amigo quando Biden lhes devolveu o poder, está a dias de voltar a ser um inimigo. A insustentável leveza da hipocrisia nos jogos de poder e do cruzamento de interesses.

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    E como a coisa não está complicada que chegue, Joe Biden achou boa ideia afirmar que queria manter a vantagem militar sobre os chineses. Numa altura em que Xi Jinping deu uma demonstração de poder interno, mudando a constituição para se perpetuar no poder e tornar o seu pensamento doutrina inquestionável, Biden quer levar o Donbass um pouco mais longe e repetir a dose em Taiwan.

    A China – que nunca mudou de regime, note-se – foi um parceiro óptimo nestas últimas duas décadas, produzindo tudo aquilo que a Europa e os EUA precisavam, com mão-de-obra barata. Ninguém quis saber de direitos humanos, de Taiwan ou do Tibete. Ninguém quis saber do regime. Ninguém quis saber da estabilidade, liberdade ou justiça. Quisemos foi produzir os nossos iPhones, aviões, carros e electrodomésticos a baixo custo. Quisemos manter o nosso estilo de vida à custa de trabalho escravo.

    E agora, quando esse regime autoritário continua a ser o que sempre foi, a Europa faz um mea culpa, dizendo que não é um parceiro de confiança. Agora, com o apoio demonstrado a Putin. Agora, com as empresas chinesas espalhadas pelos cinco continentes e investimentos que garantem emprego um pouco por todo o Mundo. Agora, que têm os EUA pelos fundilhos com a dívida externa. Agora, que controlam empresas com monopólios em países europeus e espalharam as suas tecnológicas por toda a Europa. Agora, querem… o quê?

    Este estado de conflito à escala mundial pode ajudar os norte-americanos, que não sofrem com os cortes energéticos e mantêm a máquina de guerra a funcionar, mas pouco ou nada trará de bom ao Velho Continente.

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    Nada temos a ganhar, nós europeus, com a guerra na Ucrânia e muito menos com um alargamento do conflito à China. A cidade onde eu vivo, no mais recente país da família NATO, ficaria com milhares de desempregados se o investimento chinês desaparecesse. Eu seria um dos que iria para a fila do fundo de desemprego. Portanto, quando vejo as elites europeias a brincarem com a pobreza dos seus habitantes e os americanos a meterem em risco os nossos empregos, lamento, mas a minha solidariedade termina. Não é esta a minha luta.

    E por isso compreendo a estratégia do Governo alemão e o seu distanciamento ao suposto alinhamento de Bruxelas. Se os ucranianos fornecem a carne neste jogo de marionetas, o resto da Europa parece querer oferecer a nossa pobreza como contributo para a guerra.

    Não se vê uma estratégia europeia que não seja a de cumprir ordens vindas do outro lado do Atlântico, e chega a ser embaraçoso ver este desempenho dos governantes europeus num momento de viragem histórico. Bem sei que não é Churchill quem quer, mas merecíamos algo melhor.

    Por tudo isto, os alemães fazem o que devem fazer na defesa dos seus trabalhadores. E arrisco dizer que, por uma vez, estão do lado certo da História.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O fundo está lá bem no fundo, e ainda não chegou

    O fundo está lá bem no fundo, e ainda não chegou


    Quando vi as imagens de atum protegido por sensores e caixas rígidas, que habitualmente via em iPhones e artigos do género, pensei que fosse uma campanha de marketing da Bom Petisco.

    Convenhamos, seria uma bela tirada de propaganda, elevando o valor de cada lata a algo que deveria ser protegido por um sistema de segurança mais caro que a própria lata.

    Depois de perceber que era real, que, de facto, se gastavam sensores em latas, a minha interrogação foi mesmo para o custo-benefício da operação. Quantas latas é que são precisas nos bolsos alheios para pagar o custo dos sensores?

    Parecia-me uma tentativa de matar uma mosca com um elefante. Mas não. A realidade, aparentemente, não só justifica como ainda poupam dinheiro com os sensores, segundo uma responsável de uma grande superfície que comentava os porquês aos microfones de uma jornalista com a mesma dúvida.

    Aritméticas de gestão à parte, o que isto significa é que estamos perto de bater no fundo. Quando o roubo de bens de primeira necessidade é de tal ordem que justifica este tipo de investimento na prevenção, percebemos que as famílias estão a passar por dificuldades.

    Não seria no entanto preciso chegar ao caso das latas de atum para percebermos isto. A estatística é pública; sabe-se hoje que, segundo dados do Pordata, cerca de 43% da população portuguesa vive em risco de pobreza antes das transferências sociais (pensões, apoios, etc).

    Ou seja, para quem critica o Estado Social e defende um país com menos impostos, menos solidário e sem rede para os mais desfavorecidos, fica a informação de que quase metade da população portuguesa estaria abaixo do limiar da pobreza sem a componente de apoio social.

    Claro que devemos discutir como sair desta situação e conseguir crescimento económico, para que a população não dependa de transferências sociais, mas talvez não seja este o momento.

    Depois de dois anos e meio de pandemia, perda de empregos e direitos fundamentais, seguiu-se uma guerra, inflação, novamente perda do poder de compra, redução de salários e pensões, em simultâneo com uma enorme carga fiscal.

    Portanto, com os jovens diplomados a abandonar o país, os portugueses cada vez mais pobres e o Estado a arrecadar uma fortuna em impostos extraordinários, enquanto a União Europeia investe o futuro de todos numa guerra sem sentido, não sei bem como é que se pode falar na redução dos apoios à população.

    E reparem: os dados do Pordata são de 2020. Ou seja, a situação hoje ainda deve ser bem pior, e é mais ou menos fácil de perceber que o número de pobres cresceu nos últimos dois anos.

    E se a União Europeia aceita dispensar 19 mil milhões de euros para a reconstrução e armamento da Ucrânia, poderá certamente devolver-nos, a todos os europeus, parte dos impostos que a inflação nos leva. Pode aguentar as taxas de juro, pode segurar a voracidade dos bancos, pode aumentar salários na exata medida da inflação. É difícil? Não, não é. São opções políticas.

    Ao contrário do que defendia o Governo do PS, a inflação não será temporária e dificilmente os preços voltarão aos níveis pré-guerra. Não podemos continuar a discutir o Orçamento de Estado ou qualquer política vindoura com base em fundamentos errados.

    Basta ir a um supermercado para ver produtos com aumentos de 15, 20 ou 30% e depois, chegamos a casa, e vemos o Governo a anunciar aumentos de 5% como sendo 1% acima do valor estimado para a inflação. Parece uma conversa de surdos. Ou então uma conversa onde um dos lados assume que do outro estão apenas idiotas. Adivinhem lá qual é o nosso lado?

    Fui muito crítico na altura dos confinamentos, e escrevi, repetidamente, que o Estado Português optava por meter gente saudável em casa, pagando os lay-offs à custa do aumento da dívida. E, na altura, lembro-me de ouvir aquela conversa de que “tínhamos que salvar vidas” (como se dependessem de confinamentos) e que “logo se veria a Economia”. Ora, o que acontece agora é uma consequência directa disso.

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    O Governo do PS apresenta agora, orgulhosamente, um orçamento de “contas certas”, ou seja, recusa endividar-se mais, uma vez que passou os últimos dois anos a fazê-lo. Entretanto a inflação comeu o poder de compra e não é possível aumentar salários na mesma proporção porque, como nos explicaram na concertação, há que manter o défice controlado.

    Meus amigos, isto é exatamente uma factura das políticas da covid-19 e um resultado do “a Economia logo se vê”.

    Contribuimos todos para o nosso próprio empobrecimento e ainda batemos palmas à janela.

    José Soeiro, do Bloco de Esquerda, explicou na Assembleia da República, repetindo um número já feito com lego, de que forma o Governo estava a reduzir as pensões dos mais idosos. O caso da redução efectiva das pensões é ainda mais escandaloso porque segue um foguetório onde esta foi apresentada como um aumento, e acabou, como hoje sabemos, num simples corte e, ainda por cima, ilegal.

    Novos ou velhos, com ou sem emprego, hoje a realidade do país é de uma pobreza que já não é envergonhada. É mesmo assumida.

    Mais de três décadas depois de subsídios europeus, conseguimos, ainda assim, não ter produção tecnológica significativa, só apostamos fortemente no turismo e dependemos, quase em exclusivo, dos quadros comunitários de apoio para comer. Somos cada vez mais a República Dominicana da União Europeia.

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    O jargão “a Economia logo se vê” deveria estar a ser usado agora. Era hoje, e não em 2020, que deveríamos mandar a Economia às malvas e ter folga orçamental para combater o empobrecimento generalizado que está a acontecer à população portuguesa. Ou pelo menos, o Governo deveria conseguir reverter os impostos extraordinários a favor dos salários dos trabalhadores, dos impostos da empresas e das casas das famílias. Era o mínimo decente a fazer. E já nem falo da famosa bazuca, porque essa sabemos estar, desde a sua origem, destinada aos amigos do regime.

    Entretanto, esta semana fizeram-se testes nucleares na Europa, numa “missão de rotina”, que a NATO nos garante ser apenas para rodar os bombardeiros B52 que estavam a enferrujar lá no hangar no Dakota do Norte. Portanto, não só compreendemos que estamos a empobrecer a uma velocidade estonteante como, ao contrário do que escrevi no início deste texto, ainda temos alguma folga até batermos mesmo lá no fundo.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • In Liz we can’t trust

    In Liz we can’t trust


    Para começar, sobre consumo de hidratos de carbono, digo-vos já que sou um fã de arroz. Massa é porreira e tal, mas, se o Mundo estivesse à beira do fim, a minha escolha para decorar o bunker seria um saco de 5 quilos de arroz. Está comigo desde que nasci, nunca me desiludiu e, convenhamos, fica bem com tudo. Tudo. Desde a mesa mais pobre ao prato mais gourmet. Até naquelas coisas de fusão aparecem uns bagos coloridos.

    O discurso dos liberais portugueses é um pouco como o arroz. Dá para juntar a quase tudo e, com alguma imaginação, até sentimos sabores diferentes. O problema está somente no sal da retórica utilizada. Nunca, em momento algum, se ligam os pontos com o tempero mestre, e tal como um arroz mal feito, uma pessoa acaba com aquela cara enrugada do “falta sal” quando os ouve.

    Liz Truss, primeira ministra demissionária do Reino Unido.

    Assim, vamos ao que interessa: os projectos do departamento de marketing da Iniciativa Liberal (IL) seguem a metodologia Agile. Traçam objectivos, executam e avaliam a cada 15 dias. Dali resultam maravilhosos outdoors e toda uma comunicação bastante atrativa. E não estou a ser irónico.

    Inevitavelmente, a realidade contraria as jogadas de marketing ao fim de umas semanas e, nessa altura, aparece o plano B (uma espécie de emenda ao Agile), que consiste num longo texto do Carlos Guimarães Pinto a explicar-nos que não percebemos nada do que eles queriam dizer. Os liberais seguem o mantra e respiram de alívio, esperando que o próximo exemplo de liberalismo em qualquer parte do Mundo, de facto, resulte.

    Quando Liz Truss entrou a matar em Downing Street com aquela ideia de reduzir impostos aos mais ricos porque isso, segundo ela, faria o dinheiro chegar às camadas mais pobres, fiquei a pensar nos inúmeros exemplos de ricos que libertam dinheiro para os pobres. Como aquelas cascatas de champanhe nos casamentos onde, a partir de um copo no topo da pirâmide, se enchem os demais. Curiosamente não me lembrei de nenhum exemplo, mas também não sou grande coisa de memória.

    Liz Truss anunciou que reduziria os impostos das empresas e não taxaria os lucros extraordinários. Ora, isto foi exactamente o que Carlos Guimarães Pinto defendeu num debate televisivo a propósito dos lucros extraordinários da GALP. O departamento de marketing da IL começou a pintar os cartazes com a Liz, mas antes de darem a segunda demão já os mercados, também amigos dos liberais, explicaram que a Truss não sabia o que estava a dizer.

    A libra desabou e os juros da dívida dispararam. O caos instalou-se e Liz ficou isolada, acabando por substituir o ministro das Finanças por outro que se aguentou três dias. Os mercados decidiram que Governo deve vigorar, substituindo os eleitores. Contudo, se forem perguntar aos liberais eles vão dizer que só defendem os mercados até ao momento em que eles definem de facto o rumo das nações.

    A IL reuniu de emergência e afinou o discurso. “O que é que se pode arranjar para dizer que somos diferentes?”, perguntou o Cotrim. Guimarães, o mais afinado estratega do momento, soltou o Eureka! e apontou para a despesa pública. Liz ia reduzir impostos e aumentar a despesa. A IL defende a redução de impostos e da despesa. E deixou cair o microfone…

    Houve palmas e suspiros de alívio. Estava feito! Por hoje…

    Cotrim de Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal.

    Mas um dos estagiários, sentado lá ao fundo, perguntou: “então, e se nos questionarem sobre o nosso modelo de liberalismo, dizemos que seguimos qual?”

    “Nórdico, pá!!”, gritou o Cotrim enquanto acabava o chá de tília. “Mas…”, ripostou o outro, “esses gajos não têm uma despesa enorme porque 30% do mercado de trabalho é Função Pública? Como podemos dizer que defendemos o modelo nórdico e despesa baixa? Os gajos dão tudo de borla!!”

    Cotrim coçou a cabeça e Guimarães agarrou no queixo. Voltaram ao brainstorming com termos em inglês, e outro estagiário, mais desatento, gritou: “e se fosse liberalismo do Báltico?? Já temos os cartazes e tudo!”. Fez-se silêncio na sala e rolaram olhos naquele sentimento de “f***-se, quem é este gajo?”. O parceiro de carteira disse-lhe ao ouvido que a Estónia já estava com a inflação nos dois dígitos e os cartazes jaziam na salamandra da sede.

    “E se assumíssemos a nossa Meca?! O liberalismo americano: cada um por si e Deus por todos?”, sugeriu um daqueles deputados que fica atrás do Cotrim na Assembleia da República a exclamar sempre “muito bem!” mas que ninguém conhece.

    Guimarães, que deu aulas em Hanói e se fartou de comer arroz, agarrou nos cabelos a pensar como é que tinha ido ali parar.

    O problema não está tanto no liberalismo porque esse tem poucos segredos e, com uma ou outra variante, nós percebemos o caminho que nos destina. Ou melhor, como diria um liberal, nós conseguimos visualizar a big picture. E os membros da IL também sabem exactamente o que defendem: é arroz, branco, com açafrão, chau-chau, tomate. É o tipo de arroz que cada um de nós quiser e encaixa em todo o lado. Agora basta que nos consigam convencer que, mesmo sem sal, faz falta e sabe bem.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vamos dar tudo, mas mesmo tudo, pelo Donbass? 

    Vamos dar tudo, mas mesmo tudo, pelo Donbass? 


    A ofensiva ucraniana em Kherson não vem, confesso-vos, na melhor altura. Aproxima-se o primeiro teste da época para o Benfica e precisávamos de, no mínimo, três dias para discutir o penalti do Taremi e a expulsão do Otamendi. Já todos sabemos o que por ali acontece, mas fingimos sempre que é a primeira vez. Um pouco como os incêndios no Verão ou as cheias no Inverno que, enfim, apanham todos, ano após ano, de surpresa.

    Na verdade, os nossos dramas com a política internacional podem sempre esperar quando a bola rola, uma figura pública faz publicidade à Prozis ou os Coldplay anunciam um quinto concerto. Também aí somos únicos…

    Alguns países ainda avisam os seus cidadãos para abandonarem a Ucrânia (entre eles a China), e eu pergunto-me o que saberão eles que a nossa CNN ainda não nos contou?

    Entretanto, Putin declarou lei marcial nos territórios anexados e já classifica a Ucrânia como invasor. O Mundo ao contrário, neste caso.

    Dizem os especialistas que quase 60 mil homens estão às portas de Kherson e a evacuação de civis, por parte das tropas russas, significa que a cidade deve estar por horas.

    Em determinados momentos deste conflito, achei mesmo que a diplomacia acabaria por resolver a coisa. Neste momento, a escalada é de tal forma grave que não consigo ver um fim para a guerra.

    O apoio à Ucrânia à custa do empobrecimento está para durar e russos a largarem territórios é um cenário que se vê de século a século. Portanto, estamos naquele momento de impasse no diálogo em que a única garantia é que continuarão a morrer jovens russos e ucranianos, com ou sem armas nas mãos.

    Falava com um amigo, já reformado, que me dizia com toda a honestidade que estava pouco interessado no destino do Donbass. A frase dele foi, literalmente: “nem sei bem onde fica aquela merda”, e acrescentou: “mas o Putin ainda é pior que o Zelensky. Os ucranianos podem respeitar pouco eleições, mas o Putin até as leis do país muda para se perpetuar no poder. É um ditador! Espero que acabe esta aventura a fazer tijolo!”

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    Quando lhe perguntei se a guerra devia parar por troca com a diplomacia, disse-me que não. Não podemos discutir com russos que só percebem o som das balas. De modo que, então, pois bem, era de continuar, até dar cabo deles.

    No fim, já meio a rir, lá disse: “não podemos deixar aqueles comunistas virem por aí fora! Além do mais, não tenho créditos bancários, portanto, por mim isto pode durar o tempo que for preciso!”

    Depois de lhe explicar que o Putin não é propriamente comunista, mas sim do outro lado da barricada, fiquei a pensar na honestidade do ancião. A reforma está garantida, detesta o Putin “comunista” e a casa está paga. Os filhos estão criados. Com algum jeito isto até traz alguma excitação à vida e aos debates no café com os amigos.

    Depois pensei no que o meu filho me disse, após me ouvir ao telefone com o banco a tentar evitar uma subida para mais do dobro na taxa de juro do nosso crédito à habitação. “Não te preocupes pai, se tivermos de vender a casa não há problema. Eu compreendo.”

    De facto, ele compreende. Tem uma curiosidade pelo mundo que o rodeia, e faz-me perguntas sobre tudo, desde que me lembro. É aluno de “A” em temas de política, e discute, quase diariamente comigo, as possíveis soluções para a situação da Ucrânia. Não concordamos em tudo o que me agrada, e ele já partilha opiniões que me fazem pensar.

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    Mas aquilo que me espantou foi ver uma criança disposta a sair do bairro onde viveu toda a vida, onde tem os amigos e a escola, ao perceber a minha angústia com a onda que se abaterá sobre nós. Ele, tal como eu, entende que o fim da guerra virá mais tarde do que o tempo que nos resta do crédito fixo acordado há mais de quatro anos. Nada nos trará imunidade perante a guerra por procuração que se trava na Ucrânia.

    Pergunto-me: porque terá a vida do meu filho de ser alterada por uma guerra que nenhum de nós escolheu, concorda ou apoia? Ou sequer onde nenhum dos países em que vivemos está envolvido? Ou estarão? Já podemos dizer que estamos todos envolvidos nesta guerra?

    Prometi-lhe que faria tudo para que não tivéssemos de vender a nossa casa, mas sinceramente não sei bem como. Tudo escapou da minha mão. A este ritmo de escalada no conflito, dentro de alguns meses teremos sorte se conseguirmos manter os empregos e as fontes de rendimento.

    Voltei a pensar no ancião que clamava por mais bombas e gente musculada que se fosse desancando para entretenimento. Não está só, este meu amigo.

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    Quem nada tem a perder, uma família para sustentar ou uma casa para pagar, pode pedir tudo e entrar neste moralismo da solidariedade selectiva que nunca dispensámos a qualquer outro povo invadido.

    Quem não corre riscos, nem sequer o de ter de ir parar ao campo de batalha, pode no conforto do lar exigir as famosas bombas pela paz. Mais, mais e mais…

    Homens na reforma, mulheres, pessoal sem casa própria ou com vencimento dependente do Estado, estão entre aqueles que vou lendo a exigirem mais empobrecimento, mais armas, mais taxas de juro. Tudo, mas mesmo tudo, pelo Donbass.

    Com a nossa inacreditável passividade, a guerra continuará e alguém tratará de ir pagando as facturas.

    Um puto de 13 anos percebeu que a nossa vinha a caminho. Nem tudo é mau, afinal. Ainda vamos a tempo de perceber que esta geração será, provavelmente, bem mais esperta do que a nossa.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • É tempo de ir para a rua 

    É tempo de ir para a rua 


    Quando ouvi António Costa a anunciar as linhas gerais do Orçamento de Estado fiquei com alguma expectativa. Escrevi, nessa altura, que o cálculo da inflação parecia muito optimista, mas a subida do salário mínimo para 900 euros, num espaço de três anos, mostrava alguma abertura ao diálogo.

    Quando Medina assumiu as rédeas da apresentação, no dia seguinte, já fiquei mais inseguro. Por um lado, ele anunciava protecção às famílias com créditos à habitação, enquanto, ao mesmo tempo, dizia que os bancos apenas seriam obrigados a responder a pedidos de renegociação de crédito. Ora, uma “obrigação de responder” é uma mão cheia de nada e limitar-se-ia a confirmar, por escrito, o futuro das famílias.

    Fernando Medina, ministro das Finanças, a entregar formalmente o Orçamento de Estado para 2023 ao presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva…

    A banca continuaria protegida. À medida que toda a Oposição foi detalhando o Orçamento, ficou mais claro o que ali estava. E se dúvidas tivesse, ficaram desfeitas com a rapidez com que os patrões chegaram a um acordo na concertação social.

    Alguns produtos alimentícios sofreram aumentos reais entre 9 e 18%. Material escolar subiu em cerca de 16%, combustíveis à volta de 17% e a energia mais de 20%. Portanto, nesse cenário, o acordo significa apenas que os reformados e os funcionários públicos com vencimentos acima do salário mínimo vão, na realidade, perder, e muito, poder de compra.

    Já vários partidos da Oposição se manifestaram contra o Orçamento. Da esquerda à direita, ninguém parece muito interessado em votar a favor, ainda que por razões diferentes. Segue-se o esperado pela parte de quem não assinou este acordo, a CGTP, e a contestação, que agora recomeçou este fim-de-semana, já tem novas datas marcadas. A rua voltará a trazer a voz do descontentamento.

    … e que teve uma inopinada queda em directo para as televisões.

    Se a realidade dos preços mostra que a inflação estimada pelo Governo é um sonho de uma noite de Verão, torna-se relativamente simples perceber que sem aumentos na casa dos dois dígitos, dificilmente a classe média conseguirá recuperar o poder de compra. E quando digo classe média refiro-me a qualquer pessoa que receba 1.000 euros, aquilo a que na Europa do Primeiro Mundo se designa por “pobre”.

    Portanto, já estamos com a fasquia incrivelmente baixa, mas corremos o risco de a ver descer ainda mais. E por lá ficar longos anos.

    Há, no entanto, algumas coisas, raciocínios bastante simples, que favorecem o argumento de quem está na rua a lutar por aumentos reais dos salários. É um facto que os preços aumentaram e que, em virtude disso, não só o lucro das empresas cresceu como, por consequência, o Estado arrecadou um jackpot de impostos à boleia da inflação.

    Portanto, o dinheiro existe, está lá. Saiu em maior quantidade da carteira dos trabalhadores para pagar a escalada de preços, transformou-se em lucro das corporações, e daí passou a imposto extraordinário para o Estado. Certo? Até aqui ainda não precisamos de um Nobel da Economia.

    Agora, o verdadeiro problema começa quando o Governo não quer devolver o que arrecadou, ainda por cima se considerarmos a urgência que as famílias vivem. É que aqui não existem grandes hipóteses para quem quer manter a decência e ajudar os trabalhadores no mundo real, não apenas num mar de intenções escarrapachado num PowerPoint.

    O Governo pode baixar os impostos às empresas e garantir que estas transferem esse dinheiro para os aumentos dos salários, e deve, como empregador que é, usar os impostos extraordinários que recebeu e aumentar os salários dos funcionários públicos, na exacta medida da inflação.

    Ao não fazer, a fundo, nenhuma destas medidas, o que o Orçamento de Estado está a conseguir é, na prática, transferir o dinheiro dos trabalhadores (salários) para o capital (lucros das empresas), e depois a usar os impostos arrecadados para, na melhor das hipóteses, abater dívida pública. Ou, na pior, distribuir pelas clientelas do costume.

    Traduzindo por miúdos, este Orçamento vai empobrecer uma população que já é pobre, vai enriquecer (mais) quem já é rico e vai criar um fundo de maneio bem jeitoso para alimentar a elite que vive na órbita do Estado.

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    Ainda por cima, os economistas da praça já nos avisaram que, ao contrário do que nos foi vendido, a inflação não será passageira. Uma vez que a população se reajuste para pagar preços escandalosamente altos, as corporações não os trarão para o valor pré-guerra. Poderão não ficar tão altos como hoje, mas certamente que a adaptação será feita do nosso lado. Os mercados, os famosos mercados, não reduzem preços; quando muito não os aumentam tanto.

    Portanto, quando os funcionários públicos vão gritar para a rua e exigir que o dinheiro arrecadado (a eles) volte em boa parte para eles, estão a assumir uma luta justa, lógica e a única que não nos deixará ainda mais pobres. No fundo estão a disputar uma batalha, esta sim, que diz respeito a todos os portugueses que trabalhem por conta de outrem. Era bom que por uma vez percebêssemos onde devem estar as nossas prioridades.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os pesos, dois, e as medidas, várias 

    Os pesos, dois, e as medidas, várias 


    O relato desta guerra nas “nossas” televisões (ou noutras, como a impoluta BBC, por exemplo) parece um derby comentado na Sporting TV nos saudosos tempos do Bruno de Carvalho. Não sei se passaram por essa experiência de parcialidade doentia, mas, para quem gosta de tesourinhos, recomendo.

    Ora, sobre um conflito entre dois (ou três) países estrangeiros, eu esperaria nas redacções menos paixão e mais factos. É mesmo mas mesmo difícil encontrar informação dos dois lados. Não ligo muito a propaganda russa ou ucraniana; porém, gostava honestamente de ter algumas notícias credíveis. Esperava, pelo menos que na União Europeia nos deixassem saber o que se vai passando nesta guerra, que a todos afecta. Sem perceber o que lá se passa é quase impossível perceber para onde caminhamos. Sim, porque nesta miséria vamos caminhando juntos.

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    Há dois ou três generais que, nas televisões portuguesas, nos vão dizendo que “no lado mau” não estão todos mortos ainda, enquanto a esmagadora maioria das notícias e dos comentadores passam as 24 horas do dia a explicar como a Rússia está encostada às cordas.

    Neste particular, estou a ficar um fã assumido de Helena Ferro Gouveia, porque me faz sonhar, e alegra a minha vida com pacotes de felicidade de 10 horas. Normalmente, este é o tempo que demoramos a perceber que a Helena não sabe nada do que está para ali a dizer, e que a realidade lhe acaba a mostrar que aquele seu curso de liderança na Academia Militar não faz, enfim, nem fez, pois bem, milagres.

    Antes do ataque à ponte de Kerch, dizia a comentadora, repetindo uma ideia antiga, que os russos estavam com tanta falta de equipamento que andavam a desempacotar caixotes da II Guerra Mundial. No dia seguinte, o exército russo incendiou 17 cidades ucranianas com cerca de 180 misseis, alguns para entreter as defesas aéreas, e outros, de alta precisão, para alvos específicos.

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    Se era este tipo de material que o Putin tinha nos caixotes que voltaram de Berlim em 1945, já compreendo como é que se safaram com o Hitler. Estavam 70 anos à frente do seu tempo tecnológico.

    Seguiu-se o Rogeiro, com uma teoria que o ataque à ponte com o camião armadilhado poderia ser um trabalho interno russo que justificasse o ataque do dia seguinte. É um raciocínio legítimo e até caricato. A avaliar pela ironia e alegria de Zelensky, que fez piadas sobre o céu nublado da Crimeia, posso então acrescentar, à Teoria Rogeiroana, que não só os russos rebentaram a própria ponte e mataram cidadãos seus, como ainda disseram ao Zelensky que tinha sido obra dos serviços secretos ucranianos, para que ele não perdesse o orgulho nos seus.

    Virá alguém agora dizer que é uma técnica clássica de contra-informacão da Guerra Fria, muito típica do KGB. E quem é que estava no KGB na Guerra Fria? Pois… o Vladimir. E assim forma-se um enredo à James Bond em menos de nada – é só querer muito.

    Mas melhor do que nos dizerem que aos russos já só restam pedras e catapultas, vendo-os a disparar 180 mísseis no dia seguinte do Donbass a Lviv, é a forma como se festeja a morte de uns – os que se afogaram na explosão da ponte – e se condena a morte de outros – resultado dos mísseis de resposta.

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    No Leste europeu, as questões de moral e os valores estão bem definidos. Russos morrem aos magotes, e porque querem; ucranianos morrem, poucos, e só se tiverem azar. Festejamos as primeiras, lamentamos as segundas.

    O que se diria, no Ocidente civilizado, se famílias desfilassem para tirar fotografias em frente a um quadro comemorativo com a ponte a arder?

    Cheguei a ouvir que o ataque à ponte tinha sido “espectacular” e a resposta “bárbara”. No fim, e como sempre, o que vejo há alguns meses são diferentes formas de escalada no conflito e uma vontade ardente dos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia de continuar a armar um lado da guerra, como disseram os seus três líderes, “pelo tempo que for necessário”. Na verdade, é uma metáfora para dizer “enquanto os povos europeus conseguirem pagar”.

    Discute-se agora também a proporcionalidade dos ataques. É o mesmo tipo de argumento que usam quando os palestinianos respondem com pedras a carros blindados. Um dia disse-me um israelita, sem se rir: “que culpa temos nós de ter investido no melhor sistema de defesa anti-aérea do mundo e de não sermos afectados pelos rockets de Gaza? Eles que investissem também!!”. E continuou com grande eloquência, dizendo: “se eles só têm fisgas e pedras, que não ataquem alguém com um arsenal maior!”

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    Nesse caso em concreto, é bom lembrar, ninguém quer saber quem invade quem. Ninguém paga para o invadido se defender. E não, não é whataboutismo… é sem tirar nem pôr a mesma situação. Com um início semelhante, um invasor e um invadido, e um fim ligeiramente diferente. O invasor é que recebe o apoio da comunidade internacional e o invadido vai viver para uma gaiola, sem piar muito.

    Já no Donbass e na Crimeia essa teoria não funciona. Quem tem o maior arsenal não o deve utilizar sob pena de entrar no “clube das bombas pela guerra”, uma vez que já todos sabemos quem tem a patente das “bombas pela paz”.

    Mas o que mais me impressiona é o espanto e a indignação que por cá se faz com a resposta russa. Andam há meses a dizer que a extrema-direita e a oligarquia do Putin dominam o poder na Rússia – é um facto. Que o homem não é de confiança – é outro facto. E que tem, para além de armamento nuclear e um exército enorme, aspirações imperialistas – também parece real. Mas, mesmo assim… acham boa ideia “cutucar onça com vara curta”, como diriam os nossos irmãos brasileiros.

    Não percebo. Todos parecem, de facto, achar que os russos estão fracos e sem botas para os soldados. E não sei bem como…

    Entretanto, para ajudar na “festa”, com a escalada da violência, e mísseis apontados agora a outras cidades europeias e americanas, entra o lunático do Lukashenko em cena. Alguns dos mísseis deste último ataque partiram de território bielorusso, oficializando de certa forma a aliança que já era mais do que assumida.

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    Numa comunicação feita para que Zelensky e a NATO percebessem os passos seguintes, Lukashenko afirmou que o ataque de resposta à ponte pareceria uma brincadeira, comparado com o que ele faria caso os ucranianos tocassem num metro que fosse da Bielorrússia; e para o seu povo disse que a Ucrânia e a NATO preparavam uma invasão à Bielorrússia.

    Não é difícil perceber, pelo tamanho da alucinação, que Lukashenko está a ler um discurso preparado por Putin, e que, a partir de agora, o seu envolvimento no conflito será real. Portanto, a cada semana que nos dizem que os russos estão desmoralizados e sem armas, eles sobem um nível e rebentam mais qualquer coisa.

    Enquanto isso, começo a achar que as análises da Helena Ferro Gouveia já passam em horário nobre, e com legendas, em Kiev. E o Zelensky não deve perder uma.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Faz sentido pagar impostos em Portugal? Eu respondo! 

    Faz sentido pagar impostos em Portugal? Eu respondo! 


    Uma das coisas que tenho aprendido com esta colaboração no PÁGINA UM é que nem todos apreciam que se exponha uma opinião. Vejo nos meus textos, ou de outros colegas, pedidos para uma “opinião isenta”. Não sei bem o que é uma opinião isenta, mas presumo que entre na mesma categoria da água em pó ou bolas de Berlim sem açúcar. No fundo, alguns de nós não procuramos ler visões diferentes seja do que for. Queremos é a nossa opinião reproduzida nos órgãos de comunicação social. E se não for assim, enfim, então não é isenta.

    Serve este preâmbulo para dizer que espero continuar a ser merecedor da vossa leitura, em especial quando não concordam com o que aqui é escrito. É para isso que existem colunas de opinião, para que possamos debater e não para alimentarmos caixas de ressonância. 

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    Portanto, vamos a isto. Hoje acordei a pensar nos impostos que cada um de nós tem de pagar em Portugal. Isto numa altura em que se discute uma possível baixa para as empresas e ajuste nos escalões de IRS. Parece ainda que o Governo está interessado em conseguir um aumento de 5% para os salários médios e uma subida para 900 euros no salário mínimo em 2026. Sem saber o que dará a concertação social, diria que não é uma proposta muito má. O perigo está na inflação estimada (4%) que é manifestamente optimista.

    Os impostos que todos pagamos são importantes; na minha opinião, absolutamente basilares numa sociedade civilizada. E é por isso que me pergunto, ao dia de hoje, se continuam a fazer sentido em Portugal.

    Esclareço a inversão de pensamento.

    Sempre defendi um modelo de sociedade solidário, assente em impostos progressivos. Ou seja, quem tem mais, paga para quem tem menos, tentando-se de alguma forma equilibrar a distribuição de riqueza, mas, essencialmente, financiar um conjunto de serviços que são a marca de qualquer país desenvolvido, que procure a justiça social e se insira no Primeiro Mundo. A saber: educação, saúde e solidariedade social.

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    Tudo o resto pode e deve ser discutido, mas, na minha opinião, são estas as três áreas prioritárias onde se deve investir o dinheiro dos contribuintes. Não quer dizer que o Estado Social termine aí – quer apenas dizer que deve começar aí.

    Esta é uma forma de quem paga, quem no fundo suporta o Estado, ver o retorno dos seus descontos. Começa nas creches gratuitas e em quantidade suficiente para todas as famílias, segue na assistência médica, seja um pediatra ou um dentista, e termina no apoio ao desemprego ou nas pensões garantidas. Se estas premissas estiverem garantidas, então o sucesso na gestão do erário público está garantido. O contribuinte vê de facto o retorno e sente que a carga fiscal faz sentido.

    Onde vivo a maior parte do ano, esta é a realidade. O Estado Social não termina aí, vai muitíssimo mais longe, mas estes três pilares estão garantidos há décadas. Foram agora um pouco abanados nas últimas eleições, e há notícias que o apoio ao desemprego poderá ser alterado, mas, até ver, a realidade é que a maioria dos habitantes na Suécia ficam contentes por pagarem impostos.

    Ao fim de quase 18 anos aqui ainda não conheci uma pessoa que dissesse o contrário. Portanto, é possível ter uma carga fiscal alta e, mesmo assim, ficar contente depois de a pagar.

    pink pig coin bank on brown wooden table

    Em Portugal entrámos numa fase em que, honestamente, estamos cada vez mais longe da realidade. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem vindo a ser completamente desbaratado desde 2012, e durante a pandemia levou o golpe de misericórdia. Creches gratuitas são uma gota no oceano e todo o percurso escolar tem um custo elevado para as famílias. Um casal que queira ter filhos em Portugal acaba a fazer contas de quantos filhos pode ter. Ou se pode sequer ter algum. Isto num país envelhecido e com uma urgência assinalável em ter jovens que engrossem o mercado de trabalho.

    Devo dizer, a título de comparação, que nunca comprei ao meu filho qualquer livro escolar, computador ou material de apoio. Não faço ideia sequer quanto custam. A Segurança Social está constantemente debaixo de suspeita no que concerne à sua sustentabilidade e os apoios no desemprego, pequenos como os salários, seguem uma burocracia pouco aconselhável e desesperante.

    Temos, no entanto, as melhores estradas da Europa, as maiores parcerias público-privadas (PPPs) que nacionalizam o prejuízo e privatizam o lucro, uma banca que vive do erário público e uma infindável clientela que vagueia em torno dos sucessivos Governos do centrão. É mais ou menos simples perceber que as prioridades portuguesas na gestão do dinheiro dos contribuintes não são aquelas que se espera de um país que se quer civilizado. Daí a pergunta, se valerá a pena pagar tantos impostos?

    Cada vez mais pessoas aderem aos seguros de saúde, quase todos pagam uma renda para deixarem os filhos na creche e, caso percam o emprego, trocam o baixo salário por um baixíssimo subsídio de ajuda.

    Esta realidade é preocupante porque mostra o falhanço dos sucessivos Governos e abre espaço para o populismo de alguns partidos políticos que aproveitam para cavalgar a onda. Com a demagogia da preocupação com o povo, exigem a redução de impostos vendendo a ideia de que tudo será mais fácil com mais dinheiro do salário no bolso.

    Aquilo que na verdade eles querem fazer é que aquele dinheiro que é entregue ao Estado e que deveria ser utilizado em serviços para todos nós, passe a ser entregue aos grupos privados. Sejam eles de hospitais, seguradoras, colégios ou planos de poupança e reforma. Nós ficamos com o mesmo dinheiro ou, provavelmente, com menos. Mas os grupos privados que apoiam e financiam estes partidos ficam bem mais ricos.

    A abertura para este tipo de discurso acontece exactamente porque os nossos governos, todos, têm sido péssimos gestores dos fundos europeus e dos impostos dos portugueses. Somos cada vez mais pobres, pagamos cada vez mais impostos, recebemos cada vez menos serviços. Portanto… como não perceber a subida dos partidos populistas assentes no descontentamento da população?

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    Em vez de uma rede nacional de creches optámos por uma rede nacional de auto-estradas (já lhes perdi a conta). Nunca um país tão pequeno viu tanto alcatrão a gerar dinheiro para as clientelas. Começou com a maioria do Cavaco e nunca mais acabou. Rios e rios de dinheiro entregues às construtoras, à banca, aos gabinetes de advogados, às empresas dos amigos que fazem estudos para aeroportos. Uma elite que atravessa gerações e que já fez da distribuição dos fundos comunitários uma profissão de sucesso.

    Entretanto, a classe média continua com salários médios que rondam os 1.000 euros, e, ainda há poucos anos, o salário mínimo andava nuns vergonhosos 500 euros. Agora estima-se que possa chegar a pouco mais de 700 euros em 2023. Portanto, andamos sempre a substituir miséria por pobreza. E daqui não passamos.

    Portanto, quando nos perguntamos se faz sentido a carga fiscal em Portugal, para continuar a alimentar corrupção e amigos do regime, a resposta é não, não faz. É preferível que cada um fique com o salário no bolso e entramos numa selva de individualismo.

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    E é esse o modelo sustentável no longo prazo? Não, também não. É olhar para o norte da Europa e perceber que não.

    Aquilo que faz falta, mesmo, é ter governantes honestos e que, por uma vez, coloquem o bem-estar da população à frente das clientelas. Alguém que nos faça pensar que pagar impostos em Portugal não é um exercício de masoquismo. Parece ser uma utopia, bem sei. E talvez seja mesmo.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Nós nunca desiludimos os senhores do poder 

    Nós nunca desiludimos os senhores do poder 


    Abro o correio sem grandes esperanças de ler algo interessante. E por correio, atenção, refiro-me à caixinha que está na rua com o meu nome e para onde enviam, ainda, papéis dentro de envelopes. Já não se escrevem cartas de amor pelo que a probabilidade do carteiro me trazer algo interessante é, assim, tremendamente reduzida.

    Mas ontem tinha lá duas cartas informativas. A primeira vinha da companhia que fornece o aquecimento da casa, avisando-me que, a partir deste mês, aumentaria os preços em 6%. A segunda, com aquele carimbo azul inconfundível, vinha do banco com a notícia que a taxa de juro do crédito à habitação se aproximava agora dos 5%. Há meses que notas destas voam por todo o lado. Aqui, aí, no meu correio, no do vizinho. Há uma infinidade de problemas que a Europa atravessa e que, mais ou menos, nos vai afectando a todos.

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    De repente, vejo o Continente, o Velho, de pernas para o ar por causa de uma pandemia que, afinal, matou tanto como a pneumonia, e de seguida uma guerra que começou a chamar a atenção do Mundo (já que o seu início foi bem anterior à pandemia) e que rebentou com a Economia na Zona Euro.

    Pessoalmente, desde 2020, já vi o salário ser cortado duas vezes, o preço da habitação a subir e o custo de vida a disparar, especialmente no sector da energia e dos transportes. Abastecer o carro, no país com o litro de gasóleo mais caro da União Europeia, passou a ser um espectáculo de masoquismo – e ir a casa, um luxo incomportável.

    Tudo isto me faz meter um pouco em perspectiva os planos de vida. Ou o que eu imaginava serem planos de vida. Ao fim de 18 anos longe de quase tudo o que é importante para mim, tinha pensado que esta vida com a casa às costas estaria a entrar no seu último capítulo. Ou pelo menos fiz as escolhas profissionais que o iriam permitir no curto prazo.

    Mas, de repente, tudo está em risco. De um simples telhado a um regresso a casa. As dificuldades causadas à população europeia afectam quase todos, ou vá, aqueles que dependem do seu trabalho para se sustentarem.

    É por isso, mais ou menos óbvio, até algo egoísta, assumo, que a cada dia eu deseje o fim da guerra no Donbass, seja de que forma for. Ouço as notícias com alguma ansiedade e, por mais que queira acreditar no que me vão dizendo, há sempre qualquer coisa que não encaixa, que não bate certo e que, aparentemente, não tem grande correspondência no terreno.

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    Há uns meses, não me lembro quantos, via reportagens diárias onde soldados ucranianos diziam que sem as armas de longo alcance não teriam a mínima hipótese contra os russos. Nessa altura, a proporcão era de um canhão para dez e, no terreno, os russos tinham tropas cinco vezes maiores.

    De repente – deduzo que depois das armas de longo alcance terem chegado –, o exército ucraniano passou a ser constituído por membros da Marvel. Todo o equipamento russo é antiquado, os soldados mal preparados e, nas recentes palavras do Zelensky, os novos recrutas, dos tais 200.000 que foram mobilizados, já estão a morrer nas ruas da Ucrânia. Todos os dias há tanques russos destruídos e, apesar de nos jurarem que eles não conseguem produzir novos, voltam a rebentar mais uns quantos na manhã seguinte.

    Do lado ucraniano não há baixas, nem material perdido nem, aparentemente, gente que não quer estar ali. Os russos podem aparecer com 100.000 ou um milhão que serão todos carne para canhão.

    Os bravos ucranianos são o mais parecido que já vi com os Espartanos, portanto, enquanto tiverem 300 bem armados, os russos não têm grandes hipóteses.

    A isto juntam-se dois lados diferentes da mesma história. Quando, em Abril, os ucranianos fugiam pela fronteira da Polónia e o Zelensky os obrigava a ir para a frente, não eram carne para canhão. Estavam muito motivados e, como se percebe, iam até à fronteira polaca apenas apanhar balanço para a guerra. Já quando os russos fugiam pela fronteira da Geórgia, era um sinal de que o Putin estava isolado e que os reservistas não estavam para o aturar.

    blue and yellow striped country flag

    Tenho a sensação que a informação me chega com algumas perdas – para usar um termo da minha área de formação –, ou então, em português mais corrente, sinto que me estão a pedir para comer gelados com a testa.

    Porque…se Putin quer obrigar toda a gente como fez Zelensky, porque não fecha simplesmente as fronteiras e permite que tenham saído 190.000 pessoas? Não devem ter passado todos na calada da noite. O que é que custa dizer, para o lado de cá, nas nossas televisões, que russos e ucranianos não estão propriamente interessados em morrer na guerra? Isso muda o moral de quem assiste, deste lado, no sofá?

    É que, convenhamos, a minha ansiedade está ligada com o fim da guerra e, portanto, quando ouço todos estes relatos heróicos de como os russos estão a recuar e os ucranianos a recuperar terreno, fico a imaginar que o fim está próximo. Mas depois lá aparecem mais russos, mais tanques, mais canhões e, quando nos metemos a pensar, percebemos que a Rússia controla uma área do tamanho de Portugal há vários meses. Fico com a sensação que nos contam só algumas partes da história.

    Já ouvi uma analista, julgo que Helena Ferro Gouveia, dizer que cerca de 80% do exército russo teria sido dizimado. Pergunto, como é que aguentam os 1.000 km entre Lugansk e Sevastopol? Com rezas e muita fé?

    green fabric sofa

    Eu entendo que guerras se fazem com propaganda e compreendo que cada lado conte a sua história para animar os combatentes. Mas temos nós, absolutamente irrelevantes no conflito, que conhecer apenas um lado da narrativa? Não é mais ou menos óbvio que os russos não são os bananas, equipados com cantis de vodka e penicos na cabeça, que o Rogeiro nos quer fazer crer todas as noites? E não é também claro que, quanto mais tempo tudo isto durar, mais nós empobreceremos e mais afectadas serão as nossas vidas e as nossas famílias?

    É que nem a classe dirigente ajuda. Quando se pensava que o Reino Unido tinha atingido o seu “momento Trump” com Boris Johnson, eis que aparece a senhora Truss, uma neo-liberal, que diz, sem se engasgar, que se tivesse a Europa investido mais em armamento e escolhido parceiros energéticos fiáveis, não estaríamos agora nesta situação. Como? Importa-se de repetir?

    Emanuel Macron disse numa cimeira de líderes mundiais que por causa do boicote ao óleo russo, já tinham avisado os sauditas que era necessário produzir mais. Entretanto, a nossa estimada Ursula que nos garante que a guerra não pode parar, foi a correr assinar um tratado com o Azerbaijão para substituir o gás russo. Eis-nos aqui com a Arábia Saudita e o Azerbaijão, democracias confiáveis e de primeira água, que, só por acaso atacaram, respectivamente, o Iémen e a Arménia recentemente…

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    Portanto, o que esperar dos próximos meses? Em princípio continuar a ouvir que os russos estão de gatas e contar as aldeias libertadas, uma a uma. Quando a coisa abrandar, como aconteceu agora, fala-se durante cinco dias sobre Lyman, com a ajuda de cinco generais que nos explicarão, 30 vezes, a sua importância estratégica.

    Pelo meio a Lagarde sobe mais 0.5% as taxas de juro, e ficam mais umas centenas, das classes desfavorecidas, sem casa própria. A inflação chega aos dois dígitos (como no Reino Unido) e os salários são devorados pelo custo de vida.

    Os Estados Unidos seguem a política de intimidar russos, norte-coreanos e chineses. A Ucrânia pode ser uma boa fonte de receita com a venda de gás e de armas, mas, bom, mesmo bom, era alargar o conflito a Taiwan e Pyiongyang. Não temo ainda problemas que cheguem.

    Pelo meio chegam notícias, em rodapé, de milhões de deslocados na Somália que tentam fugir à seca onde, por causa da falta de produção local e o aumento dos custos de importação, meio milhão de crianças está em risco de morrer à fome.

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    Reparem: em pleno século XXI, meio milhão de miúdos arriscam morrer de fome num planeta onde milionários velhos gastam biliões dos impostos em armamento. E nós assistimos a isto achando que a guerra pelo Donbass é o nosso maior problema, a nossa causa e, aparentemente, a razão certa para justificar o nosso empobrecimento.

    Dificilmente as elites, que nos controlam, conseguiriam escrever um argumento tão bom se deixadas à sua sorte. Mas foi também precisa a nossa colaboração, alienação, desinteresse e, diria até, ignorância. E senhores, com a precisão de uma pancada de esquerda do Federer, uma e outra vez, nós, de facto, nunca os desiludimos.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A popa do Tato no olho do furacão 

    A popa do Tato no olho do furacão 


    Depois da anexação dos quatro territórios do Donbass pela Rússia, dizem-nos os especialistas que entrámos na rampa de lançamento para a III Guerra Mundial. Explicam-nos que a partir daqui os russos terão um justificativo para usar outro tipo de armamento para defender “os seus territórios”.

    Começam agora as discussões sobre o direito internacional, fala-se no exemplo dado pelo Kosovo e a anexação não é reconhecida por ninguém. Ou quase ninguém. Ursula von der Leyen diz que não é tempo de pedir paz, mas sim de derrotar a Rússia. Os Estados Unidos garantem que o Nord Stream deixará de funcionar. A União Europeia coloca-se ao lado da Ucrânia e continua a enviar dinheiro e armas. No Velho Continente todos escolheram os seus lados. Até a Hungria e a Sérvia.

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    Para quem não dormiu nas aulas de História, há um cheirinho a 1938 no ar. Ali nos bastidores do Apocalipse.

    A inflação aproxima-se dos dois dígitos, há muitas famílias europeias já em dificuldades antes do primeiro tiro nos seus territórios. Russos fogem do seu território para evitarem a chamada. Tal como ucranianos tinham feito na Primavera. O “salto” também é actual neste século.

    Confesso a minha preocupação e tento, o mais possível, ouvir as diferentes fontes de informação para perceber o que aí vem. Até porque, aqui na Suécia, não vivo assim tão longe das fronteiras russas.

    No meio desta aflição, e completamente mergulhado no que aí virá, dou com Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, a indignar-se na RTP pelo fim das medidas de isolamento no combate à covid-19. Jura-nos que o risco é muito grande e que não isolar pessoas infectadas pode ser o fim. O Tato não quer que a covid-19 passe e seja tratada como a pneumonia. O Tato não quer que o tema saia da agenda. O Tato, no fundo, não quer perder o emprego.

    Tato Borges

    Confesso que até o percebo: afinal, com guerras e quejandos, a malta não vai ter dinheiro para comprar carros eléctricos. Com jeito até voltam a pedalar como em 1940. E isso também me aborrece, porque, lá está, o meu salário depende da “transição energética”. Sim, é tanga, mas paga as contas.

    O Tato parece o gajo que, no olho do furacão, está preocupado com a intensidade do gel que lhe segura a popa.

    Mas Tato, my friend, we have bigger fish to fry. Fazes como nós todos, e vais trabalhar. Menos palco. Menos terror de pacotilha. Menos jackpots para os laboratórios. Agora há mesmo um problema sério para resolver e não vai lá só com (tuas) vacinas.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O Nord Stream é afinal um queijo suíço 

    O Nord Stream é afinal um queijo suíço 


    A guarda-costeira sueca descobriu a quarta fuga no Nord Stream. Aquilo já não é bem um pipeline, um tubo – é mais um queijo suiço.

    Submarinos russos foram avistados no local (terá sido no “sailRadar24”?), mas estes garantem que estavam só de passagem para ir ao bacalhau na Noruega.

    A União Europeia diz que toda a Europa está sob ataque com estas sabotagens no Nord Stream.

    Os americanos dizem que a Europa não se deve preocupar porque estas fugas não afectarão o fornecimento e, portanto, o Inverno será quentinho. Mais caro, mas quem sabe, bem quentinho. Para alguns.

    Eu, que gosto de ser prático nestas coisas, dou por mim a pensar se a Van der Leyen & Cia. não deveriam ter pensado em reduzir a dependência da energia russa antes de começarem a escrever os sucessivos pacotes de sanções.

    Eu sei que é difícil reverter, em 15 dias, as duas décadas que andámos a lambuzar os ditos do Putin, mas, quer dizer, ou se percebe a realidade da dependência, e somos mais cuidadosos nas entradas à campeão no jogo de poker; ou “cagamos” nisso tudo, tatuamos #ukraniaForever nas nádegas e rebentamos a Europa toda para os salvar.

    Uma das duas.

    Agora esta pose de arrogância da União Europeia, a trocar de ditaduras para salvar o Inverno, enquanto vai brincando aos ricos com a mesada do pai, e deixando a conta para o povo, a quem nada perguntou, é que me está a dar cabo dos nervos.

    A von der Leyen, a Lagarde, o Biden, o Putin, o Zelensky e os demais milionários que se juntem num jogo de pingue-pongue, a duas mãos, para decidir quem fica com os campos de trigo ou as saídas para o mar. Para combinarem onde é que a NATO monta acampamento e até onde a Sibéria chegará. Para chegarem a acordo sobre qual dos impérios poderá explorar mais as pessoas nos próximos 50 anos, ou se dividem entre eles, distribuindo os lucros pela elite reinante.

    Epá… já estou por tudo: façam o que quiserem. Até um concurso de quem mija mais longe com aquelas próstatas velhas. Mesmo a da Lagarde.

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    Agora, deixem de matar miúdos que se estão a borrifar para o Donbass e que não ganham nada com a exploração das matérias-primas. E principalmente, chega de mandar a conta para a classe média que, de Lisboa a Estocolmo, de Roma a Helsínquia, terá de pagar toda esta porcaria.

    Eu quero que o Putin vá onde o Milhazes manda. E o Zelensky. E a Lagarde. E o Biden. E a von der Leyen, sobre a qual o director do PÁGINA UM se queixa de seguir sempre com gralhas.

    Penso no que impede as novas gerações, envolvidas directa ou indirectamente nesta guerra, de se revoltarem e retirarem do poder a esta elite corrupta que os faz pagar com a vida ou com o salário as suas ambições de poder.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.