Há uma história ligeiramente hollywoodesca nos bastidores deste Mundial com guião de sonho, escrito para que um dos dois maiores da História da Ludopédia, Cristiano Ronaldo ou Messi, se despeça da elite com o título que lhe falta. O drama está garantido, porque, enfim, não há possibilidade de ex aequo, pelo que, na última oportunidade que a idade lhes proporciona, somente um poderá ser coroado.
Para os fãs que se dividem pelos dois ídolos – tal como Mundo se dividia em dois blocos na Guerra Fria –, as restantes selecções estão lá para fazer número. Ronaldo e Messi estão ali, e estão ali para encerrar definitivamente o duelo, e assim determinar quem será o number one da História.
Reconheço ser o bromance mais interessante deste Mundial. E, no plano teórico, Ronaldo parte na frente. Explico porquê.
Messi é, neste momento, um jogador que ainda faz a diferença em campo. Vemo-lo na selecção e esta época no Paris Saint-Germain. Com Neymar e Mbappé a acompanhá-lo na frente de ataque, tem sido ainda assim Messi a brilhar mais. Na Liga dos Campeões, no Estádio da Luz, foi Messi que marcou o ritmo e a atirou a contar.
Quanto a Ronaldo, continua a ser o melhor avançado do Mundo, dentro da área, mas já pouco acrescenta à equipa. Mesmo na selecção, onde joga o tempo que quer, tem atrapalhado mais do que ajudado nos últimos meses. No seu clube, o Manchester United, nem vale a pena falar, porque esta época pouco ou nada tem jogado. Independentemente das incompreensíveis decisões de Ten Haag, Ronaldo já não é o que era. É um facto.
Ainda assim, devo dizer que pertenço ao grupo de portugueses que acha que Ronaldo tem o direito de exigir o seu lugar, mesmo quando o corpo já não ajuda. Eu lembro-me o que eram as presenças em Mundiais e em Europeus antes de Ronaldo e depois de Ronaldo. A memória não pode ser curta ao primeiro trambolhão.
Fosse o futebol um jogo individual e não teria dúvida que este seria o Mundial de Messi. Contudo, a equipa que estás atrás de Ronaldo é incomparavelmente superior à da Argentina. Ou seja, no papel, se Ronaldo “encostar” nos passes que os outros 10 lhe vão fazer, tem sérias hipóteses de chegar ao ouro.
Há anos que digo isto e mantenho essa opinião: Portugal tem uma das melhores equipas do mundo. Entre o Euro 2016 e o Mundial 2018, entraram nomes como Ruben Dias, Raphael Guerreiro, Renato Sanches, Bernardo Silva, Cancelo, Gonçalo Guedes, Diogo Jota ou Bruno Fernandes. A que se juntaram mais tarde João Félix, Nuno Mendes, Vitinha, Palhinha, Diogo Costa, Dalot e Rafael Leão. Ficaram veteranos como Ronaldo, Pepe, William ou Danilo.
No papel, posição por posição, só encontro uma selecção mais recheada – a França – e outras de igual nível – a Bélgica e a Alemanha. Todas as outras são, na minha opinião, piores equipas do que esta geração de jogadores ao serviço de Fernando Santos.
E é aqui, no treinador, que as outras selecções dificilmente ficariam pior servidas do que a nossa. É este o maior risco para a história de sonho de Ronaldo.
Portugal tem uma equipa verdadeiramente de luxo, que deveria jogar sempre, mas sempre, a massacrar qualquer adversário, excepcão feita à Franca, Alemanha, Brasil e Bélgica. Contra qualquer outra, a palavra de ordem teria de ser apenas uma: atacar.
Mas com Fernando Santos, isso não é possível. O seleccionador nacional joga para o empate, para a defesa a todo o custo, para o pontinho ou o milagre do contra-ataque. Entre rezas à santinha e uma fé desmedida no losango defensivo do meio-campo, que o acompanha desde os tempos do Estoril, a capacidade de Fernando Santos em aproveitar a qualidade dos jogadores é quase nula.
Por isso, e por mais fraco que sejam os grupos de qualificação, consegue sempre ir aos playoffs, onde a sorte o acompanha – a Itália que o diga, que até lhe fez o favor de perder com a Macedónia.
Foi assim no Euro 2016, onde um golo tardio da Islândia nos colocou na fase seguinte, num grupo absolutamente miserável, onde contra Áustria, Islândia e Hungria, Fernando Santos não conseguiu ganhar um jogo.
Foi assim na qualificação para este Mundial onde, a ganhar em casa contra a Sérvia, começou a defender aos 50 minutos, acabando por perder no último minuto, seguindo para um playoff que poderia ter corrido mal.
Foi assim na Liga das Nações contra uma Espanha débil, onde um empate bastaria e onde desistiu de atacar ao fim de 45 minutos.
Quando vi Diogo Costa a defender quatro penalties seguidos na Liga dos Campeões só imaginei a felicidade de Fernando Santos, a fazer contas aos empates que poderia ter no Catar. Se pudesse, Santos jogaria com Diogo Costa, Ronaldo, quatro centrais e cinco trincos.
Dito tudo isto, e ainda assim, e com uma equipa tão boa, e mesmo com Fernando Santos a atrapalhar, acho que Ronaldo parte ligeiramente à frente de Messi, nesta corrida a dois.
E a Arábia Saudita – conhecida ditadura do bem, que já decretou um feriado para o dia de amanhã – parece querer dar-me alguma razão.
Agora é pedir aos nossos rapazes que ouçam bem, mesmo bem, o que o Engenheiro lhes diz. E depois, façam exactamente o contrário.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O diretor deste jornal acha que não tem sarna suficiente para se coçar e resolveu pedir-me para fazer uma crónica diária sobre o Mundial. Até começar a escrever estas linhas, não sabia de que forma deveria abordar um evento futebolístico num jornal que não pretende rivalizar com o Record (e, ainda bem, digo eu) e uma competição onde, até ver, a bola é mesmo o que menos interessa.
Ninguém percebe muito bem por que raio se joga um Campeonato do Mundo num país que não respeita os direitos humanos e onde a democracia é um elemento tão estranho como a própria bola.
Felizmente, eu tenho a resposta: porque eles pagaram para isso; e a FIFA não é – roubando as palavras de Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Banco – uma instituição de caridade.
E, meu caros, sejamos claros: se os qataris compram o Paris Saint-Germain, os emiradenses compram o Manchester City, os sauditas compram o Newcastle e os russos compram o Chelsea, e todos, em tempos diferentes, concorrem em competições da FIFA e da UEFA em desigualdade de circunstâncias com a concorrência, devido à sua capacidade financeira, porque deveria o Mundial ser diferente? O dinheiro tudo compra, a moral é para os pobres.
Como dizia Lobo Xavier, na SIC Notícias: “não há prova de que tenham morrido 6.500 trabalhadores na construção dos estádios”. Podem ter sido só 6499, acrescentaria eu. Ainda vou investigar se ele também tem umas estufas em Odemira.
Aproveitando a justa indignação com o evento, sugeria assim que não guardássemos a nossa revolta apenas para o desporto-rei. Tentemos contribuir para o fim da barbárie em intervalos menores do que quatro anos.
E, pensando em países que não respeitam os direitos humanos, ou que não são grandes fãs de democracias, diria que podíamos:
a) não comprar t-shirts da Adidas feitas no Bangladesh;
b) não comprar bolas da Nike cozidas por miúdos no Paquistão;
c) não comprar iPhones porque são feitos na China;
d) não andar de carro a combustão porque o petróleo veio provavelmente de uma ditadura;
e) não andar de carro eléctrico porque o lítio foi sacado a uma região pobre deixando os malefícios para os locais;
f) não ir de lua-de-mel para a Tailândia;
g) não comprar copos no IKEA feitos na Turquia;
h) tomar banho de água fria porque o gás português vem da Argélia;
i) deixar as especiarias indianas em paz.
Portanto, é só dar cabo da lista de Natal, mudar hábitos alimentares, voltar a andar de metro e regressar à Moviflor, e a coisa faz-se.
Depois do dia 18 de Dezembro, o tal em que o nosso Fernando nos prometeu que receberíamos a selecção em festa, há que manter a coerência.
Feitas as apresentações, falemos de bola então… Mas amanhã…
Ontem, subiu ao relvado o Qatar e, hoje, no segundo jogo do Mundial, digno de nota só a selecção do Irão a ser trucidada por uma rajada capilar britânica.
Até ver, não houve grande história para contar, e o único facto de relevo parece ser uma fotografia de um jogo de xadrez entre Messi e Cristiano Ronaldo.
Que abertura de Mundial teria sido. Mas veio o Morgan, e também foi bom.
Até amanhã.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
As atenções no conflito ucraniano passam agora para a mesa das negociações e, até nesta temática, conseguimos formar barricadas de opinião. Discute-se sobre quem está de boa-fé ou a quem um acordo de paz não interessa.
Por vezes, fico com a sensação de que nos embrenhamos tanto num tópico, que acabamos por perder o contacto com a realidade e, sem querer, assumo, estamos a debater a paz como quem troca o Rossio pela Avenida da Liberdade no Monopólio.
Nesse caso, do Rossio, todos sabem que é mau negócio, mas no caso das conversações de paz, poderíamos baixar o nível de arrogância e tentar vestir a pele de quem está no terreno.
Dos vários discursos que ouvi, o prémio “pimenta no cu dos outros é refresco” vai para o major Isidro de Morais Pereira, que anda há seis meses a vender a receita da NATO para conflitos de longa duração. Dizia ele que, neste momento, um acordo de paz não faria qualquer sentido para a Ucrânia, porque, segundo a doutrina dos conflitos, o tempo seria desfavorável aos russos e a iniciativa estava do lado ucraniano. Traduzindo, queria ele dizer que o poder negocial da Ucrânia aumentaria com o tempo e o inverso aconteceria com os russos.
Esta é a posição de quem analisa o conflito a 5.000 quilómetros de distância e que, quando chega a casa, vê paredes inteiras, aquecimento e a família dentro de portas. Tenho alguma dificuldade em conceber que quem está na linha da frente, a morrer todos os dias (seja de que lado for), pense lá no seu íntimo que é melhor aguentar mais um mês ou dois a fugir de bombas para o Zelensky ou o Putin terem mais cartas para meter na mesa.
É um pouco aquele pensamento das elites que se dignam a pensar e escolher como deve a plebe morrer. Aguentem, vão morrendo mais uns pais de família em nome do melhor timing de negociação. E não se preocupem porque, se faltar dinheiro, há mais uns milhões de europeus para esmifrar. Para tudo, menos o Inverno frio, as elites parecem ter uma solução. Sempre, obviamente, à custa do couro alheio.
Pessoalmente, acho que, não se evitando a guerra, um acordo de paz deve ser o objectivo desde o primeiro dia. Mas aceito que deve ser um pensamento utópico. Há que ir matando uns quantos pobres por dia até que os milionários que nos dirigem decidam que a altura de falar chegou. Assim como assim, também temos pobres para dar e vender, estamos só a escoar produto.
Zelensky apresentou uma lista de exigências para se sentar à mesa que é uma espécie de máquina do tempo para um dia qualquer de dezembro de 2013. Russos fora do país, territórios devolvidos, fim dos ataques, reparações e mudança de regime [ou pelo menos outro a decidir que não Putin].
Para muitos, esta é uma lista realista e justa porque, lá está, a Ucrânia foi invadida. Concordo com esse argumento, o de voltar tudo ao que era, mas isso transformar-me-ia num negacionista da guerra. Já me bastou a experiência com os confinamentos…
Tendo existido a invasão, e tendo a Ucrânia perdido territórios, a realidade é essa, pelo que, chegar com uma lista exigências ao nível de “vamos fingir que não aconteceu nada”, é o mesmo que dizer que não se quer negociar.
Se a Rússia aceitasse as exigências do Zelensky para se sentarem… iam discutir o quê? Se o pagamento seria feito em rublos ou dólares? É que não haveria muito mais para discutir.
E repito: justo seria a total retirada russa sem perdas de território para a Ucrânia, mas, normalmente, não é esse o cenário depois de uma invasão de uma potência mais forte. E, numa guerra, vence o mais forte, não o mais justo.
Bem sei que, neste momento, aplicamos um filtro histórico para condenar o invasor, enquanto nos 70 anos anteriores não nos preocupámos muito com o tema, quando o invasor tinha as nossas cores, mas é assim que, normalmente, estas coisas acabam. Regra geral, com o nosso consentimento.
Portanto, nesta luta de barricadas pela moral adquirida em 2022, eu pergunto, de forma pragmática: qual é a solução?
Ainda há quem acredite nas conversas da Ursula do “as long as it takes” (leve o tempo que levar)? Os alemães já avisaram que o stock de armas está em baixo, os italianos já não têm nada para dar, os americanos também já começam a apertar o bolso.
Os indianos, chineses e turcos fazem negócios com os russos, sendo que os turcos jogam nas duas frentes. Os bálticos, sempre afoitos na condenação aos russos, como se viu no “míssil russo que caiu a Polónia”, já vão nos dois dígitos de inflação.
Portugal envia equipamento que não funciona, os iranianos produzem armas para os russos, a Escandinávia está com um custo de vida descontrolado, o Sul da Europa está cada vez mais pobre e, na Alemanha, vão-se fazendo negócios à margem da estratégia europeia para garantir empregos e menos convulsão social.
Neste cenário de catástrofe, repito a questão: qual é a solução? Até quando podemos pagar esta guerra que não nos diz respeito? E, por favor, não me venham falar em democracias, que é para não ter que ir buscar a posição da Rússia ou da Ucrânia no ranking das democracias até ao dia 23 de Fevereiro de 2022.
Quantas vezes temos que ver o aumento da prestação da casa, perder empregos ou ficar sem comida na mesa? Quantos russos ou ucranianos pobres é que têm que morrer mais na frente da batalha? Digam-me, qual é a solução que não esteja presa a um acordo de paz?
Eu vejo três hipóteses:
a) chegam a acordo agora e a Ucrânia perde territórios;
b) chegam a acordo mais tarde e a Ucrânia perde territórios, mais soldados morrem e mais europeus empobrecem;
c) a NATO entra oficialmente no conflito, havendo a hipótese de os ucranianos recuperarem o terreno todo. Morrem muitos mais soldados, empobrecem muitos mais europeus. Estamos na III Grande Guerra.
Perdoar-me-ão os moralistas que acordaram para a História das Nações em 2022, mas, visto daqui, a escolha é tremendamente simples. Para hipocrisia, já me chegaram os 20 anos em que a Europa apertou a mão ao Putin e com ele fez todo o tipo de negócios, sem querer saber de democracias ou teorias imperialistas.
São, somos, cúmplices do que se está agora a passar. Já que não o soubemos evitar, tenhamos pelo menos a capacidade de lhe colocar um fim.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Desta vez, o rodapé de breaking news fazia mesmo sentido: tinham caído mísseis russos em território polaco e, por isso, na CNN Portugal reunia-se um painel de sete ou oito comentadores, desde generais da NATO a comandantes de coisas, a especialistas de comunicação. Até a Helena Ferro Gouveia lá estava como especialista em comentários de Helena Ferro Gouveia… Percebi logo, de imediato mesmo, que aquilo era uma breaking news mesmo de break.
Ainda tentava perceber onde ficava Przewodów, uma vila no leste da Polónia, e já na CNN Portugal se debitavam todas as teorias. Aliás, para ser sincero, não eram assim tantas teorias, era apenas uma: os russos atacaram um país da NATO.
Depois, mostravam prudência, eram cautelosos com as palavras, tentavam arranjar justificação, mas, em momento algum, se ouviu que o envolvimento da NATO no conflito traria essencialmente vantagem à Ucrânia.
O comandante João Fonseca Ribeiro (SEDES) ainda disse que, dada a distância de Lviv à fronteira, seria pouco provável que uma anti-aérea lá chegasse. Usou até, para efeito de comparação, um ataque a Lisboa que fosse defendido na Nazaré.
Um dos especialistas em comunicação dizia, acrescentando ao porquê dos russos atacarem a Polónia, que eles precisavam de mostrar a sua força depois da perda de Kherson. O general da NATO, Isidro Morais Pereira, teorizava que este era o modo habitual de actuação das forças russas. A cada perda no terreno, retaliavam indiscriminadamente. Portanto, a Polónia era consequência da humilhação em Kherson.
No fundo, todos culpavam os russos do ataque e procuravam uma justificação para o sucedido que encaixasse nesta narrativa.
Por esta altura, já eu tinha localizado Przewodów no mapa, e mantinha a estupefacção por ninguém questionar o óbvio: qual a vantagem russa numa intervenção da NATO neste conflito? Pois… nenhuma. Então, porque atacariam os russos um território protegido pelo artigo quinto? Não parecia fazer qualquer sentido.
Escrevi então, na noite de 15 de Novembro, o seguinte:
———“Enquanto ouço uma verdadeira constelação, pergunto-me, porque iriam os russos disparar mísseis para um território da NATO, no final de uma guerra que já tinham no bolso? (Segundo o amigo Joe)
Parece algo estupidamente surreal e um gigante tiro no pé do Kremlin, que faria desta forma um enorme favor à Ucrânia – e um péssimo serviço ao resto da Europa.
Ainda assim, sem dizerem muito, porque nada sabem nesta altura, os comentadores de serviço admitem apenas uma hipótese. Surprise, surprise.
Há até alguma excitação. Pode estar aí finalmente a III GG”——–
Era essencialmente o que me parecia ouvir. Um certo salivar com a possibilidade de um conflito global e muito pouca lógica no raciocínio.
Escrevi no PÁGINA UM, no artigo anterior, o que me pareceu que tinha acontecido em Kherson, e por isso não me vou repetir. Mas admitindo essa tese, que Kherson foi uma moeda de troca para que os ucranianos se sentassem à mesa, já pressionados pelo acordo com os Estados Unidos, que vantagem teriam os russos nesta escalada?
As negociações de paz trariam certamente territórios para a Rússia. A entrada da NATO no conflito seria provavelmente a única forma da Ucrânia não perder partes do Donbass e a Crimeia. Portanto, a situação criada era totalmente desfavorável aos intentos dos russos. Não fazia sentido. Era totalmente contraproducente.
Faço aqui uma pausa para explicar algo de que venho sendo criticado frequentemente. O facto de eu achar estranho um ataque russo num país da Aliança, não quer dizer que defenda a invasão de Putin, não quer dizer que eu queira que um regime destes tenha ganhos com esta guerra e muito menos quer dizer que eu menospreze mortos, venham de onde vierem.
Nunca, jamais, em momento algum o meu lado será o do invasor, venha ele de Moscovo, Telavive ou Washington.
Agora, não me parece é fazer muito sentido construir análises baseadas naquilo que gostaríamos que acontecesse. Há meses escrevi que as sanções económicas trariam problemas à Europa e que essa não seria a forma certa da União Europeia se posicionar. Ontem, no encontro do G20, um representante inglês disse que a culpa da inflação na Zona Euro era da Rússia. Afinal, em que ficamos?
Não eram as nossas sanções que iam destruir a Economia deles? Portanto, uma coisa é querer derrotar o invasor, o que em princípio todos queremos; outra coisa é concordar no caminho para lá chegar.
Lamento muito que não tenhamos a capacidade de separar o ideal da realidade, mas, também por isso, é que os especialistas e jornalistas no terreno nos devem informar no melhor das suas capacidades. Se repetidamente a realidade desmente quem nos traz a informação, como é que podemos tomar como bons os canais de propaganda? Digo isto sem qualquer ironia porque eu quero acreditar no que ouço. Quero que as dúvidas que qualquer um de nós tem, em tempos difíceis, sejam debatidas sem clubites.
Eu quero, em resumo, que alguém me explique por que razão o Kremlin lançaria mísseis sobre a Polónia, quando se preparava para meter territórios no bolso. E notem, eu não fico contente com a perda de território por parte da Ucrânia, mas era essa a mais do que provável realidade, logo, partindo dessa premissa…em que cabeça mais tresloucada do comando russo caberia um ataque à Polónia? Não fazia qualquer sentido. Zero.
Mas as bases estavam lançadas e as sentenças estavam dadas. Menos de 12 horas depois, na madrugada de dia 16, já a Associated Press, a presidência norte-americana e mais não sei quantas fontes diziam que os mísseis que atingiram a Polónia eram ucranianos, provavelmente dos seus sistemas de defesa. Os tais da Nazaré…
Como é que uma pessoa que espera e desespera pelo fim da guerra, que tem a vida afectada por isto, e que vê com alguma angústia o futuro, pode confiar num bando de falcões que se reúne, em horário nobre, para salivar por mais armas, dinheiro, pobreza ou intervenções da NATO? De que me serve acreditar em quem apela à paz, mas vive da guerra?
A falta de credibilidade está mais do que comprovada, resta saber como é que vão agora disfarçar a incompetência.
Uma noite, outra, para esquecer, em direto, na CNN Portuga… Também já não é notícia, não é?.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Esta semana atingimos o pico da contra-informacão na Guerra da Ucrânia, e a minha expectativa era perceber de que forma os entusiastas, das bombas pela paz, iam justificar o que se passava em Kherson.
Como não percebo nada de estratégia militar – algo que, em princípio, faria de mim um excelente comentador para a Sic Notícias –, limito-me a ouvir as explicações de quem, em teoria, sabe. E depois começo a tentar ligar os pontos, evitando “aprender História no Rambo III” – esta frase não é minha, por isso vai em aspas, mas não me canso de a usar.
Durante sete dias ouvi várias análises à retirada dos russos de Kherson e a sua passagem para a margem esquerda do Dnipro. A tese mais repetida era que tudo acabaria numa emboscada das forças russas aos combatentes ucranianos. Não sei se se lembram dos diretos, com os correspondentes no local, a afirmarem que soldados russos entravam em lojas de roupa e saíam de lá vestidos à civil, continuando a andar pelas ruas incógnitos, mas armados.
A primeira coisa que pensei foi que, ao contrário das anteriores retiradas, feitas à pressa e com tudo destruído, desta vez os russos saíam tranquilamente, com horário marcado e transmissão em directo para o Mundo. Em simultâneo, os ucranianos, que estavam ali a poucos quilómetros, vendo algumas das tropas de elite da Rússia a abandonarem as posições, não dispararam um único tiro. Para quem não percebe nada disto, como assumidamente é o meu caso, parecia jogo combinado.
Putin e o seu ministro da Defesa falavam, na televisão russa, sobre a retirada e os benefícios de colocarem as linhas de defesa na outra margem do rio, beneficiando da barreira natural. Se não havia dúvida quanto à encenação, a minha curiosidade era perceber a quem se destinava a mensagem.
Zelensky mantinha o discurso desconfiado, e dizia que não só não acreditava na retirada pacífica como afirmava que os russos estavam a deixar para trás milhares de minas terrestres.
Os habituais representantes da NATO nas nossas televisões insistiam na história da emboscada e algumas vozes, poucas, diziam que toda esta narrativa era falsa, que “retiradas não se anunciam”.
Depois das eleições norte-americanas corre a notícia que Joe Biden terá puxado a ficha que mantinha a guerra ligada e que terá chegado a acordo com a Rússia. É por esta altura que se reafirma que, mesmo sem telefone vermelho, Washington e Moscovo nunca deixaram de falar.
Aqui já começo a ouvir alguma coisa que parece fazer sentido.
Desde que os norte-americanos assumiram, há uns meses, numa visita do seu secretário da defesa aos Bálticos, que procuravam desgastar os russos nesta guerra, que se tornou claro que seriam eles a determinar o seu fim. A posição mais conservadora dos republicanos sobre o fim do apoio militar, e financeiro à Ucrânia e o resultado das eleições intercalares, obrigaram Joe Biden a tomar uma posição.
Poucos dias depois das eleições, numa conferência na Casa Branca, um porta-voz do governo disse que cada lado nesta contenda já teria perdido cerca de 100 000 vidas e era altura de se falar em paz.
Reparem que, durante meses, o Ocidente declarava rios de mortos russos e quase nenhuma baixa ucraniana. De repente, temos um empate técnico e todos dizemos que sim. Que serve.
Kherson é libertada sem combates e a população pró-ucraniana enche a cidade. Zelensky vai até lá, à tal cidade cheia de minas e russos disfarçados, e passeia sem qualquer problema.
O Kremlin dá uma desculpa esfarrapada, que pretende poupar a vida dos seus soldados e por isso retira. Todos percebemos que o Kremlin nunca quis saber de soldados seus e provavelmente está a oferecer uma vitória ao Zelensky, a troco do que se seguirá. Curioso é que da primeira vez em que o regime de Putin está a mentir sem sequer disfarçar, Rogeiro e Milhazes afirmam que essa mentira é apenas para esconder a incapacidade de segurarem a cidade. Ou seja, para eles, Kherson foi mesmo uma vitória militar e a retirada a única hipótese possível dado o cerco ucraniano.
Ninguém se parece lembrar que, nesta guerra, os russos continuam em maioria de efectivos e armamento, mas aceitamos como normal que as tropas de elite fujam com medo. Ou que Putin, um sanguinário, perca a única capital que tinha na mão desde o início, sem espernear muito.
Zelensky que passou a semana da retirada a dizer que nem um centímetro a Ucrânia cederá, chega a Kherson de sorriso amarelo e anuncia o início do fim da guerra. Mas como assim? Que condições tem hoje Zelensky para se sentar a uma mesa com o invasor, que continua a ocupar terrenos no Donbass e na Crimeia, que não tinha na semana passada?
Tem ele a grande vitória em Kherson: anunciada, televisionada e consentida. É essa a porta de saída para esta guerra. Os russos desistem da ligação a Odessa e àquele território no meio da Moldávia que ninguém sabe onde fica (Tiraspol – Transnístria) e “congelam” o mapa mais ou menos onde estão acampados neste momento.
Por essa razão é que, provavelmente, enquanto fugiam para “poupar vidas” em Kherson, gastavam uns quantos esqueletos mais a norte, conquistando territórios na zona de Donetsk. O objectivo estará traçado e parece ser uma ligação do Donbass à Crimeia, pela margem esquerda do Dnipro.
O discurso de Zelensky, antes e depois de chegar a Kherson, explicam, só por si, a quantidade de propaganda misturada com informação que andamos a receber estes meses todos. Que a guerra caminha para o fim, parece agora óbvio, até porque os seus comandantes assim o dizem – Estados Unidos e Rússia – e os executantes não podem mais do que obedecer. Que ninguém pode sair daqui derrotado também julgo ser consensual, e aí Kherson terá um papel importante.
Resta-me perceber como é que se vão anunciar perdas de território como vitórias, e se tanto Zelensky como Putin sobreviverão politicamente ao desfecho desta guerra. Ou como diz o meu filho, na tese que me apresentou, pode ser que o Zelensky desobedeça ao Joe e siga a luta por conta própria. Seria nobre, respondi-lhe, mas suicida.
Funcionou só uma vez, eu sei: mas era o Stallone que empunhava a metralhadora.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Aqui há uns meses conheci um jardineiro que me disse que, dadas as “condições”, iria aumentar o preço do trabalho para o dobro. Perguntei-lhe porquê, pensando que ia ouvir o clássico recital da Ucrânia, dos combustíveis e do custo de vida em geral. Mas não. Este empreendedor tinha uma abordagem diferente no mundo dos negócios: “se o carpinteiro e o pintor aumentaram para o dobro, porque não deveria eu fazer o mesmo? Sou mais parvo do que os outros?”
Gostei da honestidade – afinal, para quem nunca foi à Web Summit, este homem tinha a noção perfeita de como aumentar os seus rendimentos sem ter de trabalhar mais. Os custos eram essencialmente os mesmos, os salários também, o trabalho era feito cada vez mais a despachar, mas o preço final aumentava porque sim. Num meio pequeno, longe dos unicórnios, faz-se o que vizinho faz, não vão os clientes pensarem que somos menos empreendedores.
Expliquei-lhe que essa não era uma forma de compensar custos-extra, mas pura e simplesmente uma forma de aumentar o lucro. Ele disse-me que “lucros excessivos” era um conceito que desconhecia e, já em desespero de causa, lá falou na Ucrânia para dizer que o petróleo nigeriano com que abastecia a carrinha estava pela hora da morte – embora naquela região o combustível seja sempre mais barato.
Não chegámos a acordo, o que foi uma pena porque eu adoro empreendedores que não nasceram em fábricas de unicórnios, e acabei por fechar negócio com outro empreendedor que somente tinha a vantagem de ser honesto. Algo que, confesso, aprecio em geral nas pessoas.
A segunda vez que ouvi a frase “desconheço o que são lucros excessivos” veio da boca da Cecília Meireles, naquele debate semanal que faz com a Mariana Mortágua na SIC. A Cecília, como é “mais estudada” (sempre que possível uso expressões da minha avó) do que o empreendedor da relva, já conseguia definir o conceito de uma forma mais apelativa e recorrendo a palavras complexas.
Segundo ela, as empresas servem para dar lucro, logo, não havendo limite ao lucro, quanto mais melhor porque é exactamente para isso que lá estão. E todos ganham: os accionistas, os investidores, o Estado com a receita fiscal, etc. Portanto, “lucro excessivo” é um conceito absurdo e uma impossibilidade económica, dizia a Cecília do ex-partido do táxi.
Aquilo que a Cecília quer dizer, passando para linguagem que todos entendemos é que, se o Gonçalo Ramos desatar a marcar 10 golos em cada jogo do Benfica, ninguém vai dizer que ele está a marcar golos a mais: é esse o trabalho dele, e não há nenhuma regra que diga que a partir de cinco já se torna desagradável. Portanto, eu percebo a semântica da Cecília, e entendo o carapau que nos tenta vender em nome de um robalo.
Mas afinal qual é o problema? O problema é que o conceito de “lucro excessivo” não é acompanhado de outro conceito, que gostava de introduzir aqui, que é o do “aumento de salário excessivo”.
Vou dar aqui um exemplo, como fazia o meu professor de antenas, quando percebia que a malta já não ia lá só com expressões de rotacionais no quadro.
Para este quadro, trago a Sonae, até porque o seu administrador financeiro, João Dolores foi a terceira pessoa que eu ouvi a dizer, desta vez ao Observador, que “não reconhecemos o conceito de lucros excessivos“.
Imaginemos que no Continente, por causa da inflação, que a Sonae não controla, sobem os preços ao cliente. Vamos assumir que, com o maior fluxo de dinheiro gerado, depois de cobertos os custos dos fornecedores, a Sonae decide aumentar, em igual ordem de grandeza, os salários aos seus funcionários. Dessa forma, o maior lucro (inesperado) criado pela inflação, é distribuído não só pelos accionistas e Estado, na receita fiscal, mas também pelos trabalhadores. Ou seja, todos, mesmo todos, ganham com a subida dos preços. Não sei se conhecem algum caixa do Modelo que tenha comprado um Tesla recentemente.
Como o ramalhete não ficava completo com políticos do sistema e empresas de distribuição, veio Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos e antigo administrador do Novo Banco, dizer ao Expresso que também não reconhece o conceito de “lucro excessivo”. Acrescentou ainda que os bancos não estão no negócio da caridade e quanto maior for o lucro, mais investidores conseguem captar.
Aqui sou obrigado a concordar com o amigo Vítor. Os bancos não estão no negócio da caridade. Aliás, vindo de um ex-administrador ligado ao BES, esta frase é tão cristalina e pura que deveria ser emoldurada: a caridade bancária fica ao encargo dos contribuintes. Aos bancos compete aumentar juros – quando a Lagarde diz –, cobrar taxas por serviços que não fazem, não dar juros que prometem ou, aqui e ali, sacarem o dinheiro todo das poupanças dos clientes (não fiques aborrecido Rendeiro, também já não ouves).
Quando a coisa aperta e a crise se instala, os contribuintes são chamados a pagar, cabendo a administradores, como o Vítor, a espinhosa tarefa de distribuir prémios de gestão pela administração. Repare-se que eu falei em caridade dos contribuintes para com a banca, mas não fui factual nem exacto. Caridade é voluntária; no caso dos contribuintes foi mesmo roubo.
Vamos então imaginar que a EDP, a GALP, as empresas de águas e saneamento, as Telecom, os bancos, e todas as outras que fazem parte do cabaz mensal, utilizavam os lucros gerados pela inflação em forma de aumento salarial para os trabalhadores. Eu disse trabalhadores, porque os colaboradores normalmente sujam pouco as mãos.
Estão a ver o cenário? Todos pagávamos mais pelos produtos, mas tínhamos aumentos reais. E com a parte da receita fiscal, o Estado faria o mesmo no lado da Função Pública. Desta forma, subíamos todos, ainda que níveis diferentes, mas pelo menos haveria alguma distribuição da riqueza gerada.
Portanto, Cecília, João e Vítor, desta forma não seriam apenas vocês a desconhecer o conceito de “lucro excessivo”. E porquê? Porque como esse lucro seria distribuído por toda a gente, deixava de haver excesso. Eu sei, parece utópico, mas é mesmo assim.
Embora lucro excessivo não exista, o que a plebe que está a contribuir para isso quer dizer, quando vê a montanha de dinheiro que se forma do outro lado, é que já chega. Estão a compreender o grito?
O trabalhador que tem o mesmo salário há 10 anos e entra na bomba da Galp como quem vai a um spa de luxo, reza antes de abrir a conta da luz, paga mais 25% pela prestação da casa ou traz um saquinho do Modelo pelo valor do que costumava dar três, vai depois lembrar-se da palavra “excessivo” ao ouvir os lucros anunciados para essas empresas. A ele compete apenas pagar, empobrecendo, porque o salário estagnou. A quem não conhece o conceito de “lucro excessivo”, compete enriquecer, ainda mais, sem o reconhecer, obviamente.
Uma pessoa farta-se e acaba por não ter muita paciência para semânticas irónicas da Cecília, do João e ainda menos do Vítor.
Lucro excessivo é quando uma minoria enriquece à custa da exploração e empobrecimento da maioria. É dinheiro que cai do céu sem que as empresas tenham feito algo para isso, com a agravante de nem os próprios trabalhadores beneficiarem com esse lucro.
No fundo, lucro excessivo é uma forma de quem trabalha, e depende disso para viver, vos dizer: “deixem de ser filhos da puta e gananciosos”. Pardon my french, obviamente.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Quando o PS alcançou a maioria absoluta nas últimas eleições, imaginei que se seguiria um passeio no parque na Assembleia da República, e apenas, quando muito, alguma contestação nas ruas, uma vez que PCP e BE (principalmente o PCP) voltariam ao seu habitat natural.
Estava a vislumbrar António Costa fingindo querer saber das opiniões da oposição, ou da “maioria dialogante” como lhe chamou, e a seguir a sua trajetória de político hábil e pragmático. Deu um cheirinho destas suas intenções com o pacto de regime com o PSD em relação ao novo aeroporto de Lisboa (que vale zero e deve gerar apenas mais um ou dois estudos para um laboratório amigo) e o namoro ao Livre e PAN na discussão do Orçamento de Estado.
António Costa, primeiro-ministro de Portugal.
Aquilo que eu não esperava, depois do autêntico show do ex-ministro Eduardo Cabrita na anterior legislatura, era ver António Costa a dar tiros nos pés com tantos elementos tóxicos no novo elenco governativo. É certo que a oposição precisa destes casos como de pão para a boca, considerando que o seu combate no hemiciclo está perdido à partida. Obviamente, no meio da gritaria, misturam-se “casos” que não são casos – como o do ministro Pedro Nuno Santos – com outros que, de facto, nos deixam perplexos.
O governo de maioria do PS tem estado a explicar-nos, palavra por palavra, por que se devem evitar maiorias. De repente, “incompatibilidade” passou a ser a palavra procurada no curriculum vitae como mandatória para uma promoção neste governo. Costa olha para a esquerda, e depois olha para a direita, e só vê drones kamikazes (outro conceito curioso) saídos dos seus próprios ministros.
Manuel Pizarro foi nomeado ministro da Saúde, enquanto era sócio-gerente de uma consultora na área da saúde. Evitou-se assim aquela imagem já batida da raposa a tomar conta do galinheiro – diria eu que seria como se um médico, patrocinado por farmacêuticas, nos andasse todas as semanas a vender injecções em horário nobre nas televisões… Imaginem apenas o escândalo que seria… Felizmente, nunca vimos algo sequer parecido…
Manuel Pizarro, ministro da Saúde.
Duas semanas depois de alguém dar com a incompatibilidade, e de fazer todas as manchetes, Manuel Pizarro lá foi passar a empresa ao sócio. Portanto, muda-se um papel, os ganhos continuam e a incompatibilidade também. Mas, legalmente, tudo está bem. Aliás, só há problema porque alguém fez o trabalho de casa… Em princípio, isto seria coisa para passar sem grandes alaridos.
Vejam o caso de Carlos César, por exemplo. Até ao terceiro familiar encaixado no aparelho, ninguém deu por ela. A partir do quarto e até ao sétimo, já se fizeram umas caixas e ouvimos alguns gritos. Depois do oitavo, já passa a procedimento legal e aceita-se como algo normal. É um pouco como o funk brasileiro: ninguém gosta, mas todos batem o pé a pelo menos três músicas.
Entretanto, Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial, seria responsável pela gestão de fundos comunitários a que a empresa do marido acedeu. Nada ilegal, ao que parece – e, segundo alguns comentadores, um caso perfeitamente normal, porque, num país como Portugal, com um tecido empresarial tão pequeno, um empreendedor não pode deixar de concorrer a fundos europeus só porque tem família no Governo.
Esta frase faz-me logo pensar que o Governo é uma grande família, e que, nem que seja em segundo ou terceiro grau, ter ministros na família é algo absolutamente comum para 10 milhões de portugueses. A forma como uma parte dos comentadores políticos tenta normalizar aquilo que, à vista do comum dos mortais, é uma cunha sem fim, leva-me as rugas aos cantos dos olhos, de tanto franzir a testa de estupefacção.
Quando apareceu Miguel Alves, o secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro, injustiçado pela corte lisboeta, lá longe em Caminha, pensei que tínhamos chegado ao pináculo. Um argumento muito bom, uma excelente produção, disparates ditos em catadupa. Tudo para ser um sucesso de bilheteira. Costa nomeou para seu adjunto um rapaz que é arguido em dois processos de corrupção. Um deles é a Operacão Éter, onde, juntamente com o ex-presidente do Turismo do Porto e Norte, está a ser investigado pelo Ministério Público por contratos ilícitos, corrupção e abuso de poder com autarcas socialistas.
Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial
Em cima disto, desconfia-se que fez uns ajustes diretos na aquisição de material informático com outras autarquias do Norte (Operação Teia), e ainda há um adiantamento de 300.000 euros da câmara de Caminha a uma empresa para construir um centro que não está bem explicado.
Portanto, temos aqui um cv excepcional para andar no bolso de António Costa. Para se defender, Miguel Alves foi à página 4 do manual escrito por Pinto da Costa: desde logo, está inocente e, como é óbvio, sente-se perseguido pelo centralismo de Lisboa. É o tipo de argumentação que funciona no mundo da bola, onde a paixão move os cérebros. No mundo da política já não será bem assim. O melhor que a plebe consegue fazer é encolher os ombros, dizer que “os políticos são todos iguais a roubar” e, em dia de eleições, não ir votar. Mas acreditar na inocência, quer dizer, também já é pedir demais a quem anda a contar migalhas.
Entre todos os tiros nos pés que o PS deu no último mês, este parece ser, de facto, o mais grave. É tão insustentável para o Costa que até duas deputadas do PS, com presença habitual no comentário televisivo, já rasgaram o camarada Alves de cima a baixo. E como se não bastassem os processos para a gravidade da coisa, a defesa de Miguel Alves – no grito arrogante contra a corte de Lisboa e a vitimização de quem vem do interior do país – é uma cereja difícil de rejeitar. Aplausos de pé e saída triunfante, deixando Costa com a jogada seguinte.
Miguel Alves, secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro.
Pensava eu que estava feito o mês… Uma certa dose de escândalo, incompatibilidade, alguma corrupção, dinheiro desviado, epá, tudo o que uma pessoa precisa para escrever: MAIORIAS NÃO SÃO BOAS.
Mas não, voltei a enganar-me.
Antes de ver o Costa começar a usar aquela ginga de cintura para novas danças contorcionistas, eis que a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva – ela própria filha de um antigo ministro (acontece, se um pescador leva um filho para o mar, porque não pode um ministro levar um filho para o ministério?) – contrata um assessor de 21 anos, recém-licenciado, pela módica quantia de 4.000 euros mensais. Tiago Cunha, é o nome do jovem premiado e já faz sozinho a piada que tinha para aqui meter: nunca trabalhou e, ao que parece, identifica-se como “ocasionalmente estudante de Direito” tendo concluído recentemente (julgo) uma licenciatura de três anos.
Dirão os defensores das oportunidades aos mais jovens que não podemos discriminar por idade. É verdade. Eu e o meu filho, só para dar um exemplo, estamos a ver uma série sobre um puto prodígio que aos 11 anos já tinha chegado à universidade e era um cientista fabuloso. É uma história maravilhosa. Só que é ficção, estão a ver?
Mariana Vieira da Silva, ministra de Estado e da Presidência.
O Tiago Cunha pode ser o rapaz mais inteligente do planeta, e daqui a 10 anos chegar a primeiro-ministro, depois do governo do Ventura cair. Mesmo assim, não invalida a simples questão de entender como é que o primeiro emprego de alguém, sem qualquer experiência profissional relevante, é o de “assistir” um ministro. Se a assistência for algo como recolha de cafés no Starbucks e, aqui e ali, umas encomendas de pastéis de nata, tudo bem… Nesse caso, pergunto então apenas se a UberEats não seria uma opção mais económica.
Agora, se de facto é suposto o rapaz trazer alguma mais-valia que justifique os 4.000 euros brutos, não estamos perante uma daquelas situações em que o abuso, a cunha e o desperdício de dinheiro público, estão ali a bater no escandaloso?
É que, para colocar algum contexto nesta história, no artigo que há dias aqui escrevi sobre os professores, recebi algumas críticas por dizer que o salário em topo de carreira era mau (3.400 euros brutos ao fim de 40 anos de trabalho). Perante este caso do Tiago Cunha, tenho de facto que me retractar. Não é mau; é péssimo.
Dava um dedo, daqueles que se usam menos, para beber um café com o Cabrita e perguntar-lhe o que acha destes clones todos. O homem deve andar a rir-se há um mês, e parecendo que não, todos precisamos de alguma alegria para lidar com a corrupção e abuso de poder a que as elites nos vão habituando.
Mas, no fim, continuamos a ser, nós, os entalados. Continuamos apenas a assistir.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Para quem ainda tinha dúvidas sobre o conto do “estamos todos no mesmo barco“, que nos andam a recitar desde 2020, eis que a recente visita do chanceler alemão à China eleva a ironia ao nível diplomático.
Portanto, temos Olaf Scholz a visitar Xi Jinping, poucas semanas depois de o líder chinês ter dado uma nova roupagem à Ditadura. Julgo que já podemos dizer isto assim, com a palavras toda e com a maiúscula no D. Mas façamo-lo, ainda assim, em tom suave, para evitar cortes súbitos na electricidade em Portugal – e, se calhar, no Mundo. Não queiramos ter essa responsabilidade.
Mas o Olaf foi lá e não foi só. Levou na bagagem os presidentes executivos da BMW, da Volkswagen, da Bayer e da BASF, entre outros, que pela China-amiga espalharam fábricas. O chanceler foi, portanto, criticado internamente, na Alemanha, e até também por alguns parceiros europeus. Aliás, os mesmos que já tinham criticado o governo alemão pelos 200 milhões oferecidos às empresas para que, no actual cenário, aguentassem o choque da inflação nos custos energéticos.
Entretanto, a também alemã Ursula von der Leyen – sempre ela na parte de leão de tesourinhos deprimentes –, discursou em Bruxelas alertando para a lição que o Ocidente tinha aprendido com a Rússia e o erro que não repetiríamos com a China.
Na altura, escrevi aqui no PÁGINA UM que a Ursula não deve ter lido os jornais dos últimos 20 anos e, provavelmente, ainda não saberá que as grandes multinacionais europeias (e americanas) há muito que instalaram os seus centros de produção pela China. A dependência ocidental, neste momento, não é um risco, uma ameaça ou um receio futuro. É um facto. Já aconteceu quando os donos do capital quiseram aumentar as suas receitas a troco de mão-de-obra barata.
Quando Bruxelas começa a gritar, teoricamente em nome de todos os membros, que a China não é um parceiro de confiança, eu só tenho de começar a rir… até me lembrar que, hélas, eu também trabalho para chineses.
E quando Nanci Pelosi vai a Taiwan repetir o número ucraniano, oferecendo ajuda militar na defesa da terra longínqua, caso a China resolva dar um abraço mais apertado, eu fico com a certeza de que esta gente sabe o que faz.
A União Europeia sabe que as suas multinacionais estão espalhadas pela China. Os Estados Unidos sabem que oferecer ajuda a Taiwan é hostilizar um dos maiores mercados do Mundo.
Na verdade, embora fosse mais fácil pensar que esta gente está apenas de cabeça perdida, eu acho mais razoável pensar que sabem mesmo o que estão a fazer: empobrecimento para os europeus, mas, sem grande réstia de dúvida, numa estratégia concertada.
Ora, os alemães não estão para isto. Sabem que a sua Economia depende fortemente das exportações e, nesse cenário, ninguém pode desprezar o mercado chinês. Por mais conferências cheias de intenções de Ursula von der Leyen, ou dessa aberração que dá pelo nome de Josep Borrell, onde se grita por mais sanções à Rússia ou pelo alargamento da desconfiança à China, os alemães, esses, decidem o seu rumo.
Ursula von der Leyen
E fazem-no a solo, defendendo em primeiro lugar os interesses do seu povo: seja o aquecimento das casas, a proteção aos empregos ou a garantia de que se desviam da recessão.
Por ser a Alemanha a maior Economia da Zona Euro, estas posições fora da “concertação” de Bruxelas acabam por deixar os restantes países numa posição de fragilidade.
Assim, num dia vemos Ursula von der Leyen exigir uma posição chinesa no conflito da Ucrânia – e que seja, obviamente, uma forte condenação à Rússia; e, no dia seguinte, está Olaf Scholz a tentar vender BMWs ao Xi Jinping, pedindo-lhe que diga qualquer coisa sobre a guerra para que não o chateiem muito no regresso a Berlim.
Os alemães são, de facto, os únicos que se estão a afastar da loucura do “as long as it takes“. Pressionados internamente por sindicatos e trabalhadores, o seu Governo segue um rumo autónomo, ignorando o que os parceiros europeus querem. Estão preocupados na defesa do seu povo.
Numa frase, os alemães estão cansados do jogo de marionetes em que a Europa se colocou relativamente aos Estados Unidos, e optaram por seguir a solo. Estarão na sua fase Yoko Ono, se é que me entendem.
Não estamos no mesmo barco. Nunca estivemos.
Aquilo que se vê é a maior parte dos governantes europeus a estarem apenas a contribuir para o empobrecimento dos seus povos. E alguns não estão para isso. A Hungria, a Sérvia e a Eslováquia já disseram que não têm alternativa ao gás russo, e portanto, vão continuar a comprar. Hungria e Sérvia são mesmo explícitas na amizade com Putin.
A França vai abrindo porta ao negócio, dizendo que é altura de estabelecer um acordo de paz e, nas conferências de imprensa, tenta Macron fazer aquele papel clássico dos estadistas franceses em tempo de crise: tentam assumir um papel de liderança, apesar de ninguém lhes ligar, esperando para ver o que dizem ingleses e alemães.
Entretanto, Portugal e a maior parte dos outros desgraçados vão seguindo o rio, acatando ordens, esperando por bazucas e vendo se a coisa no Donbass pára a tempo de não rebentar os próximos quadros de apoio comunitário, em que a Ucrânia parece um sorvedouro de divisas.
Voltando à China: no último congresso, este país tornou-se uma ditadura capitalista, ainda mais musculada. Querem esta guerra tanto como eu. Para Xi Jinping, a paz significa mais negócios; logo, a paz deve imperar. Sabe ele, como nós, que a China tem os mercados na mão. Seja pelas dívidas externas, pelas fábricas do Ocidente, seja pelas posições em empresas públicas europeias (ainda agora ficaram com uma fatia do maior porto da Europa, o de Hamburgo), pela produção com mão-de-obra barata ou pelo gigantesco mercado para exportações.
Bem pode, assim, vir Ursula gritar com Xi para que escolha um lado nesta guerra. Bem pode Nancy Pelosi ir fazer marketing bélico a Taiwan.
Xi fará o que quiser, ajudará quem quiser e falará sobre o que quiser. E, no fim, se quiserem, ele ainda deixa que lhe vendam uns BMWs, lhe peçam para produzir uns iPhones ou construir um Airbus mais barato. Certo é que irão lá todos bater à porta.
Agora os alemães, depois os outros. Até porque, sejamos pragmáticos: a solidariedade à custa do empobrecimento é um conceito nobre e válido, mas dura pouco quando o frio aperta e a fome desperta.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Há pelo menos 10 anos que escrevo com alguma regularidade sobre o tema dos professores em Portugal. Do congelamento das progressões ao desmembramento da carreira. Do que antes era uma profissão de referência, respeitada e ambicionada até ao ponto em que estamos hoje, com a escola pública seriamente ameaçada.
Começo por repetir algo que me parece coerente para um país que quer pertencer ao Primeiro Mundo: médicos e professores são os pilares de qualquer sociedade civilizada. Os primeiros, porque nos deixam o coração a bater; os segundos, porque formam as restantes profissões.
Sempre que se anuncia nova greve da Função Pública, dos professores especialmente, junta-se um coro de críticas de Norte a Sul do país, como se um bando de privilegiados tomasse as ruas em protesto. Emprego para a vida, 25 horas de trabalho, salários garantidos ou progressões automáticas – estes são alguns dos critérios utilizados por quem desdenha esta classe profissional e não lhes reconhece o direito à luta por melhores condições laborais.
Tenho uma opinião absolutamente oposta, e nos dias de hoje pergunto-me: quem é que quer ser professor em Portugal?
Com todo o respeito pelos outros profissionais, mas acho mesmo que ser professor no nosso país é hoje um caso de paixão e gosto pelo ensino. Racionalmente não pode ser outra coisa qualquer. É mau. É muito mau ser hoje professor em Portugal.
Bem sei que a destruição da carreira e, consequentemente, da Escola Pública é responsabilidade dos sucessivos Governos, mas custa-me ver a forma como a comunicação social pouco ou nada faz para levantar a voz em defesa desta classe.
Dizia ontem uma professora em protesto que o principal investimento de um país – de Primeiro Mundo, acrescento eu – tem de ser na Educação, porque isso é que garante o seu desenvolvimento futuro. Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) relativos a 2020 revelam que Portugal está no meio da tabela com um pouco menos de 4% do PIB em investimento público na Educação. Sem grande surpresa percebemos que os países nórdicos estão no topo da lista. Mas há ainda casos como os da África do Sul, Costa Rica ou Índia, cujo investimento público na Educação é bastante superior ao português, sendo qualquer um deles referências de desenvolvimento nas suas regiões.
A Índia fornece engenheiros ao Mundo, a África do Sul será provavelmente a maior potência de África e a Costa Rica é um dos países mais desenvolvidos da América Central e com uma das economias mais fortes na região. Isto significa que, independentemente das dificuldades de cada país ou do tamanho da sua Economia, a escolha da Educação como forma de melhoria futura é sempre uma boa opção política.
Pessoalmente, nunca percebi como é que não é a prioridade de cada nação.
Resolvi perguntar a vários professores, do ensino pré-escolar ao secundário, quais eram as suas condições laborais e, honestamente, fiquei deprimido e com pouca vontade de escrever.
A situação é, afinal, muito pior do que eu imaginava ou daquilo que ia lendo, de forma aleatória, nas notícias dos diferentes órgãos de comunicação social. Entre congelamento da carreira ou pessoas presas nos escalões, passam-se décadas com salários absolutamente vergonhosos. A isso juntam-se os milhares de precários, com anos e anos de recibos verdes e outros tantos que mal conseguem ter uma vida familiar equilibrada, tal é a mudança de zona a que estão sujeitos. Há ainda quem pense que é uma profissão de regalias e bons salários, e eu pergunto-me, cada vez mais, de onde se construiu essa ideia? Qual a parte do verdadeiro inferno a que os professores estão sujeitos que não é ainda claro para todos?
Dir-me-ão que não é apenas o salário que faz a carreira, ou o bom professor, algo que eu tenderia a concordar se esse não fosse o primeiro preconceito da discussão.
O professor, como qualquer profissional, vende a sua força de trabalho em troca de uma recompensa, que se espera justa. Quem só tem o seu trabalho como meio de sustento, espera vendê-lo por um valor que lhe permita ter uma vida de qualidade. Reparem: qualidade, escrevi eu. Não escrevi digna, mínima ou satisfatória. Escrevi de qualidade, porque deve ser esse o nosso objectivo enquanto trabalhadores. Vender o nosso conhecimento a troco de uma vida descansada, boa e de qualidade. Não uma vida de aflição e contas.
Se em cima disto colocarem a importância da profissão – espero que, pelo menos nisso, tenhamos um consenso alargado –, então é fácil perceber que os salários são, de facto, muito baixos.
Vejamos os exemplos que recolhi.
T é educadora de infância, tirou uma licenciatura e um mestrado, e espera um dia entrar para os quadros do Estado. Recebe menos de 820 euros líquidos e vive num dos subúrbios no norte de Lisboa. Reparem que o nosso país está envelhecido e as políticas de natalidade são a quase inexistência de creches públicas, fortunas exigidas por cada filho nos privados e salários pouco acima do mínimo legal para educadores com formação superior. É uma absoluta calamidade para o país e um garrote para os profissionais.
L é formada pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Durante 20 anos, foi professora contratada e levava para casa cerca de 1.000 euros, trabalhando, por vezes, em duas ou três escolas ao mesmo tempo. Agora, ao fim de 24 anos de ensino, entrou para o quadro e ficou bloqueada no quarto escalão, pois há quotas para a passagem ao seguinte. Recebe 1.300 euros líquidos, ao fim de quase um quarto de século como professora.
LR é professora no oitavo escalão, tem 35 anos de serviço e vai-se aposentar antes de chegar ao topo da carreira. Recebe 1.700 euros líquidos e desconta cerca de 1.100 euros para o IRS, pensão e ADSE. Se LR quisesse hoje, ao fim de quase quatro décadas a trabalhar, alugar um apartamento no centro de Lisboa, não lhe sobraria dinheiro para comer.
Este é um dos dramas dos baixos salários em Portugal. O custo de vida acompanha o crescimento das capitais dos países mais ricos, mas aquilo que recebemos ao fim de cada mês aproxima-se cada vez mais dos níveis do chamado Terceiro Mundo. Portugal é hoje o terceiro mais pobre da União Europeia e, para isso, como se percebe, contribui o empobrecimento da classe média.
I tem 25 anos de trabalho e subiu recentemente de escalão. Disse-me que, “mais migalha, menos migalha”, receberá 1.400 euros líquidos. A expressão usada é feliz, porque é isso que aqui se discute. Migalhas. Os professores que dão 25 horas de aulas e usam o tempo da família para preparar o dia seguinte, corrigir testes e cumprir a burocracia que o ministério lhes exige, são pagos com migalhas. Felizmente para I, que vive numa ilha dos Açores, a especulação imobiliária ali ainda não atingiu a selva que se verifica em território continental e, como tal, sobra-lhe mais salário para viver. É, aliás, uma das razões porque optou ser professora na Região Autónoma.
Tal como I, também AA vive numa ilha dos Açores e durante quase 20 anos trabalhou no ensino público. Tirou uma licenciatura, um mestrado e uma pós-graduação. Desistiu da carreira quando o salário líquido mal chegava aos mesmos 1.400 euros, porque, a dada altura do processo, compreendeu que não era paga dignamente para o trabalho que fazia e não existiam grandes perspectivas de evolução ou mudança. Fez como vários professores, que acabam por emigrar, mudar de área ou procurar outras fontes de rendimento.
A falta de professores não se prende apenas com os que vão envelhecendo e que vão para a reforma. Muitos, ainda com alguns anos de ensino pela frente, optam por sair das escolas na procura de melhores condições e remunerações mais justas. E não: mesmo que a realidade do país seja, hoje em dia, miserável, convenhamos que pagar 1.400 euros a um professor ao fim de 20 anos de trabalho não é bom. É uma vergonha. São pessoas absolutamente essenciais na sociedade, com uma profissão de desgaste, responsáveis pelo sucesso ou insucesso futuro das mentes que trabalharão no país, e que, não nos esqueçamos, passaram entre 17 a 20 anos da sua vida em formação, para cumprirem o seu papel no mundo do trabalho.
J tem 12 anos de trabalho. Em linguagem do Ministério da Educação, “começou ontem”. É contratada para dar aulas ao segundo e terceiros ciclos. Recebe, ao fim de mais de uma década, 817 euros mensais. Não lhe perguntei como se vive com a actual inflação com 817 euros, porque tive vergonha.
Aliás, não perguntei a muitos destes professores coisas que queria saber por achar que seriam um atentado à dignidade. Eu sinto pena de quem investe na própria educação e, ao fim de anos e mais anos no mercado de trabalho, é compensado com pouco mais do que o salário mínimo. É uma absoluta desgraça para os trabalhadores, mas é um prejuízo ainda maior para o país.
O que impede um professor de emigrar? A idade? A família? As saudades? Receio? Fico admirado, seja lá qual for a razão, pelos que ficam e vão lutando pela Escola Pública. A eles devo também o meu percurso profissional.
Mas sobram-me interrogações a partir das histórias que me vão contando. Como é que um professor pode ser um bom profissional sendo pago com migalhas? Como é que alguém pode estar do outro lado da barricada e não os apoiar nesta luta mais do que justa?
Se o Governo conseguiu fechar escolas por causa da covid-19, quando tal não era necessário, como nos explicou a Suécia, espero que ninguém use hoje, contra os professores, o argumento de que as crianças estão a perder matéria.
Agora, meus amigos, é que era altura de irem bater palmas à janela – depois, claro, de engrossarem as demonstrações na rua.
Entretanto, B anda nisto há 16 anos e passou agora ao quadro. Leva 1.275 euros para casa.
R tem uma situação ainda mais problemática, pois nem horário fixo tem. Estudou e aperfeiçoou um instrumento musical durante 39 anos e, agora, fica sujeito todos os anos a que uma escola o contrate e pague à hora, por uma tabela que ignora o nível de experiência do educador. As próprias regras fazem com que o tempo de serviço nem sempre seja contado. Anda a “virar frangos” há 24 anos, mas para o Ministério apenas contam 13.
C tem 32 anos de serviço e, pelo meio, obteve um doutoramento. Como prémio pelo investimento extra na sua educação, o governo português recompensa-a com uns extraordinários 1.570 euros líquidos, resultado da colocação no sétimo escalão. O congelamento da carreira retirou-lhe a hipótese de chegar ao topo dos escalões.
S dá aulas desde 1995 e entrou no quadro em 2004. Está agora no quarto escalão e recebe menos de 1.400 euros, ao fim de 27 anos a trabalhar. Seria uma piada se não fosse trágico. Diz agora que tem de ir para a lista de espera até que surjam vagas no escalão seguinte. Portanto, digo eu, qual é a motivação para se ser extraordinário se a progressão é uma miragem?
Como é que, ao fim de quase 30 anos a trabalhar, uma pessoa se pode realizar com dois salários mínimos? Não percebemos todos que é esta a base do problema? Que salários dignos e justos para os professores deveriam ser uma prioridade do país? Onde está o Éden apregoado aos quatro ventos pela oposição?
Afinal, o que queremos nós? Um sítio cheio de miúdos que abandonam a escola e vão servir à mesa nas tascas gourmet de Lisboa ou nos hotéis do Algarve, ou um país onde ir para a universidade seja algo banal, normal e acessível a todos?
Eu sei que as histórias do Bill Gates, Steve Jobs e demais génios milionários inspiram as narrativas de que “a Escola não é tudo”. Mas não, meus amigos, a escola é mesmo tudo. Para a esmagadora maioria das pessoas, que criam mais valias, trazem desenvolvimento, geram empregos ou produzem novos conceitos, a escola é mesmo a base de tudo. Não há desenvolvimento sem escola, por mais tik-tokers ou youtubers que digam o contrário.
Continuemos.
AL começou a dar aulas quando Vata jogava no Benfica, ali pelos idos de 90, com o Sven-Goran Eriksson. Tirou uma licenciatura, um mestrado e um doutoramento. Antes de Bolonha, quando estas coisas demoravam três vidas. Está no penúltimo escalão da carreira e vê o Estado “rapar-lhe” cerca de 40% do vencimento, resultando em 1.930 euros no bolso. O filho, como muitos da sua geração, tem empregos precários e AL ainda hoje tem de o ajudar, pelo que ter dois empregos é algo normal na sua vida. Trabalha muito mais do que as horas que são idealizadas para a classe, pelo menos na opinião pública, e diz que está cansada de ouvir “dizer mal dos professores e a PQOP”. Achei por bem citá-lo, porque algum vernáculo ajuda a entender os estados de espírito.
SJ é professora de Física e Química há 25 anos e, como ter de perceber de Física não é castigo suficiente, está no quarto escalão. Recebe 1.417 euros líquidos. É mais um daqueles casos onde metade da carreira contributiva já passou, continuando presa a um salário baixo e com um longuíssimo caminho para o topo bloqueado, como resultado do congelamento da última década.
AC tem uma situação semelhante à de AL. Conta 36 anos a dar aulas, acresce um doutoramento e 1.900 euros no bolso. Qualquer coisa como 40% do ordenado bruto são levados pelo Estado. A sensação de que, a partir de certa altura, mesmo, mesmo lá no fim, o salário bruto até pode ser interessante para a realidade portuguesa (superior a 3.000 euros), esfumou-se: a carga fiscal faz o favor de manter o empobrecimento.
AM chegou ao topo da montanha. Está no décimo escalão, recebe 2.000 euros líquidos e paga cerca de 1.400 em impostos. Para a direita portuguesa, e habituais opositores das lutas dos professores, é quase uma milionária. Na Europa civilizada estaria abaixo do salário mínimo. Tem 41 anos de carreira, 64 de vida. Tem literalmente uma vida de trabalho e, a pouco tempo da reforma, não conseguiria pagar um T2 no centro de Lisboa ou do Porto, e viver confortavelmente, aos preços de hoje.
Depois de ler estes relatos, que tentei resumir o melhor que consegui, fiquei com a sensação de não sabermos bem do que falamos quando nos queixamos ou insurgimos contra as lutas dos professores. Onde estão a regalias de pessoas que trabalham a vida inteira a troco de baixos salários, vidas nos subúrbios ou famílias criadas em regime nómada, sem saber onde se dará o acampamento do ano seguinte?
Grande parte do país está na lama, bem sei. Muitos de nós vivem mesmo com salários mínimos ou no limiar da pobreza e, por isso, tendemos sempre a nivelar por baixo.
Para quem recebe 700 euros, ver protestar um professor que, ao fim de 20 anos de trabalho, recebe o dobro, pode parecer fútil ou supérfluo. Mas não é.
Parte do nosso problema, enquanto sociedade, é exactamente esta necessidade de colocarmos a fasquia na lama. Viver com um salário mínimo é, de facto, um atentado social e um factor de estagnação. Mas ver que, ao fim de três décadas de carreira, um trabalhador, professor neste caso, leva para casa 1.500 euros, não é diferente. É também uma catástrofe com a agravante de trazer impacto no futuro do país.
Não há evolução sem Educação e não há Educação sem Escola Pública: isto é um princípio básico de qualquer sociedade civilizada. A luta dos professores é, no fundo, a luta de todos. De cada pai, de cada estudante, de cada pessoa que quer viver num país mais justo, desenvolvido e, porque não dizê-lo, mais rico e próspero.
Se todos percebermos que os professores, mais do que lutarem por eles, estão a lutar por um país melhor e, de certa forma, a beneficiar toda a sociedade, talvez pudéssemos dar uma ajuda onde de facto podemos fazer a diferença.
Na rua. Na solidariedade.
Esta luta também é nossa. Os professores não podem ficar sozinhos.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
Nota: O PÁGINA UM teve acesso a diversos recibos de vencimento dos exemplos relatados pelo Tiago Franco, confirmando assim a veracidade dos valores indicados.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Não sou grande coisa em balanços. Desde logo porque me falta paciência, ou maturidade, mas, essencialmente, porque raramente consigo estar em silêncio comigo próprio para pensar no que foi feito e no que falta fazer.
Se vos vir no LinkedIn, malta da ioga e da meditação, vou largar uns quantos #kudos. Entrar naquele buraco no fundo da mente, carregado de silêncio e paz interior, é para mim o equivalente a encontrar o fim do arco-íris.
Como dormir também é arte que não domino, escolho transpirar: uma, duas, três ou quatro horas por dia. É o mais próximo que consigo ter de pensamentos interiores.
Entro no campo antes das oito da manhã. Tenho sono, o café ainda não deu aquele chuto do costume e começo a pensar se devia continuar a comprar Starbucks. Entretanto, a bola começa a saltar.
O meu parceiro, alguém que conheci há três minutos, diz-me que jogava ténis e que está a tentar adaptar-se ao padel. Ainda não me correu a primeira gota de suor nas costas e já sei que a percentagem de bolas na rede andará nos 65%.
Mas tudo bem. Já larguei o latino que vivia comigo há muito. Agora sou aquele gajo que mete o relógio dos velhos, conta os batimentos cardíacos e fico feliz apenas pelo desporto. A cada bola na rede digo um f***-se interior, e cá para fora repito um “tranquilo, a próxima é melhor”. Minto e sorrio tão bem que podia ser escandinavo.
Aos poucos vou-me desligando do jogo e começo a fazer uma ronda pelos temas da vida. No fundo, o mais parecido que consigo com um balanço.
A minha avó disse-me em Setembro que conduzisse com cuidado no regresso à Suécia porque não queria morrer sem me ver. E desatou a chorar. Ela chora sempre que me vê, há anos que é assim. Mas nunca refere o momento da morte como inevitável, porque, como já escrevi aqui, ela decide quando quer ir. Não são os outros. Durante uma semana não pensei em mais nada e de vez em quando, volta-me este pensamento e o peso na consciência de aqui estar, neste fim de mundo.
Digo-lhe pela quarta vez que não pode estar no meio do campo senão, nem apanha as da rede nem as do vidro. Passo o tempo a correr para apanhar as bolas nas costas dele.
Apesar de tudo, estou contente por ir chegando a cada uma delas. Tenho 45 anos, nada me dói, dou à raquete pelo menos duas horas por dia. Faço o meu balanço médico enquanto o ouço a criticar-se de forma violenta. Digo-lhe que não se preocupe, que não tarda está a atinar com aquilo. Por dentro, continuo latino e fervo por todo o lado.
Ligo a idade com o trabalho. Lembro-me de uma entrevista que fiz numa empresa de telecomunicações, aos 23 anos, onde a entrevistadora me disse que tinha concorrência de miúdos de 21, e acrescentou: “o que andou a fazer da vida, sr. Tiago?”. Era um velho de 23 anos em Lisboa. Hoje, sou ainda mais velho e todas as semanas faço entrevistas de trabalho, todas as semanas me são apresentadas novas hipóteses.
Bem sei que são realidades diferentes (necessidades da indústria sueca vs. portuguesa) e qualquer pessoa da minha área arranja emprego aqui, a dormir, mas, mesmo assim, sabe bem não ser excluído do direito a trabalhar pela idade.
O gajo faz uma jogada extraordinária e pede desculpa à dupla que enfrentamos quando, aqui para nós, devia dirigir as desculpas a mim, pelos 60 minutos anteriores. Volto a sorrir, agora com vontade. E ainda lhe meto um “vamos” pelo meio, para ele sentir aquele calor ibérico.
Voltam a voar bolas e eu lembro-me da conversa com o meu filho na tarde anterior. Dizia ele que sentia muita pressão na escola para ter boas notas, por causa de mim, e que ter-me como pai era cool, mas que seria muito difícil ter ainda mais sucesso.
O meu filho, cuja geração mede o sucesso pela aquisição de um Tesla ou qualquer coisa decidida por um tik-toker, acha que sair do país, ficar longe de amigos e família, a troco de uma vida que se espera melhor, é uma história de sucesso. Tentei explicar-lhe que somos cerca de cinco milhões de pessoas de “sucesso”, só de origem portuguesa (fora os demais deslocados), e muitos, onde me incluo, só procuravam uma vida boa no local de nascimento.
Em vez disso, acabamos por passar boa parte da vida, em sofrimento, e até solidão, para proporcionar algo melhor à família, que, entretanto, criamos. Será facílimo ele ter mais “sucesso”. Bastará que possa escolher ficar e ter uma vida boa no sítio onde criou raízes. Ou, pelo menos, que a razão para sair seja outra que não a busca de uma vida melhor.
Volto a olhar para o relógio e já não me apetece estar ali. Começo a pensar no supermercado. Há 15 dias que não meto lá os pés e hoje é um daqueles dias que tenho de vestir o fato do burro de carga. É isso ou dar vinho do Porto ao puto para jantar.
Agora vejo os preços dos produtos, faço comparações de quilos e litros. Olho para o recibo no fim como se fosse uma carta de amor. Gosto de me indignar, como se a solução dependesse de mim e não como se fosse apenas mais um neste xadrez de pagar e não bufar.
Estou farto de fazer contas. Estou mesmo cansado disso. Vim para cá para não ter de fazer contas e, de repente, tenho a Lagarde, o Putin, o Zelensky, o Biden e a von der Leyen a dizerem-me que tenho que voltar a fazer contas.
Desperto da meditação para lhe dizer que se desvie e apanho uma bola no campo dele, quando ele já estava todo esticado para a meter na rede. Quase, quase a terminar o balanço lembro-me do Isaltino, de novo a contas com a justiça por prevaricação e negociatas com uns privados da construção, numa daquelas parcerias público-privadas (PPPs) que não desiludem. Dinheiro público adjudicado diretamente a privados, sem concurso, para várias obras.
Tento uma víbora, mas o gajo do outro lado apanha, e fico com o sorriso do Isaltino na cabeça. Com toda a calma, apanhado pelos jornalistas no meio da rua, dizia a propósito deste caso que era preciso ter tranquilidade, deixar a justiça fazer o seu trabalho e que, obviamente, estava de consciência tranquila.
E tem razão, acrescente-se. Para qualquer um de nós, uma investigação do Ministério Público e a hipótese de irmos parar à prisão seria o fim da vida; para Isaltino é apenas uma terça-feira de trabalho: já tem experiência, sabe a morosidade dos processos, sabe todos os baldes de areia que pode meter na engrenagem. Foi assim antes, quando andou anos a ser investigado e julgado, depois de ter desviado dinheiro, acabando menos de dois anos na Carregueira; e será assim, agora, num crime que começou a ser investigado em 2011. Repito: 2011!
O Isaltino sabe que tem tempo de ganhar mais duas eleições, manter a aura do homem que “rouba mas faz”, reformar-se e, provavelmente, morrer antes de ter que rever os parceiros de sueca na Carregueira.
A bola volta a passar por cima dele, no corredor que devia defender. Estático, rodando a cabeça na minha direcção grita: “é tuuuuua!!!” Eu corro, digo alguns impropérios, estico-me todo para apanhar a bola e ouço um barulho nas costas – parecido com aquele que a minha sola faz à passagem das baratas. Fico esticado no chão, sem me conseguir mexer e com a mão na base das costas.
Levanto-me e caminho dobrado, entre vários ais e a lembrar-me em cada passo da fragilidade do meu corpo de 45 anos. Haverá cliché maior de velhice do que uma raquete esticada no ar seguida de um grito de dor nas costas?
Ainda nem tinha terminado o meu balanço, e já estava errado. Eis porque nunca os faço.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.