Autor: Tiago Franco

  • A lei do mais forte e a novela lusa

    A lei do mais forte e a novela lusa

    Chegaram os jogos a doer entre as 15 melhores seleções do Mundo e a Austrália. A expressão não é minha, mas é tão boa que a vou repetir até ao Natal.

    O primeiro dia de mata-mata não tinha grande cartaz. Holanda e Argentina eram claramente favoritas e, sem terem feito ainda uma boa exibicão nesta competicão, despacharam os respectivos adversários sem grande esforço.

    Norte-americanos e australianos terminam a participação no Campeonato do Mundo com uma qualificação para os últimos 16. No caso australiano parece-me que passarem a fase de grupos já é um título, tais são as limitações da equipa. Os norte-americanos já estão num nível diferente e apresentam um 11 com alguns jogadores muito interessante, com Pulisic à cabeça. Mereceram chegar a esta fase, mas, daqui para a frente, o filtro é muito apertado e sobra menos espaço para supresas.

    A Holanda, esta Holanda que está longe da laranja de outros tempos, chega aos quartos de final sem um jogo feito contra um adversário difícil. Não se podem queixar da sorte, mas terão de subir o nível, para o primeiro jogo a sério que terão na competição, contra a Argentina.

    Enzo Fernandez parece ter garantido o seu lugar na equipa argentina e, para mal dos meus pecados, deve estar de malas feitas do Benfica. Qualidade como esta não pode ficar nos domingos à noite a jogar em Arouca. 

    Os comandados de Scaloni marcaram três golos e ganharam 2-1. Enzo mantém o sentido de golo e, como dizia um amigo meu sempre que acertava na própria baliza nas futeboladas de domingo, “o que importa é marcar!”.

    Messi mantém aquele hábito irritante de ser útil à equipa. Passa, dribla e não cria confusão. Pelo meio ainda vai marcando uns golitos. Tivesse ele Bernardo Silva e Bruno Fernandes ao lado, e Pepe com Ruben Dias lá atrás e, provavelmente, outro galo, que não o francês, cantaria.

    Entretanto, começo a perder a paciência para as novelas em torno de Cristiano Ronaldo. Aceito que ele tenha lugar garantido na equipa até aos 50 anos, jogando pouco ou nada. Reconheço que Portugal lhe deve muito. São cinco Mundiais e cinco Europeus nas pernas de Ronaldo, e apenas seis (três Europeus e 3 Mundiais) nos restantes 80 anos de História do futebol português. Portanto, se Ronaldo for o Miura português e jogar até aos 60, por mim tudo bem.

    Não pode é continuar a exigir o tratamento, tempo de jogo e atenção como se a selecção fosse Ronaldo + 10. Não é. Há alguns anos que já não é.

    A FPF vive obcecada com os recordes de Ronaldo e não há jogo em que ele fique de fora, porque há sempre um recorde novo para bater. Até há poucos meses nem sequer era substituído, nem que fosse um jogo contra o Kuwait. Agora, perante as evidências, vá lá, que já há coragem de substituir Ronaldo. A selecção de 2016 ganhava apesar do Fernando Santos. A de 2022 ganha apesar de Fernando Santos e Ronaldo.

    A gratidão, a tão afamada gratidão que os life coaches usam a cada três frases, e que todos devemos a Ronaldo, não pode toldar o espírito do jogo e o seu objectivo. É um desporto colectivo, dividido em momentos de ataque, controlo e defesa. O Ronaldo, nesta fase, não faz nenhum. Mas mantém a arrogância de quem não aceita a realidade. 

    Não gosto das manifestações de ódio que Ronaldo desperta. Nunca Portugal teve alguém, em qualquer ramo de actividade, que tenha atingido, durante tanto tempo e de forma constante, o topo do Mundo. É verdade que muitas pessoas nem sabem onde fica Portugal mas sabem quem é Ronaldo. E para lá da marca global em que se tornou, os méritos desportivos são inegáveis. É um dos três melhores jogadores de sempre. Portanto, a memória não pode ser curta.

    Mas não podemos, por causa disso, comprometer o desempenho da selecção e as aspirações num Mundial. Ronaldo pertence a esta equipa e merece lá estar. Mas não pode estar todos os jogos, 90 minutos. Já não dá. Está a prejudicar.

    Cenas como a de ontem, com o desaforo entregue a Fernando Santos (“estás com uma pressa do c**** para me tirar, f***-se!”) fazem as manchetes do dia de hoje. Discute-se mais a azia de Ronaldo do que o jogo miserável contra a Coreia. 

    Estou longe de ser um fã de Fernando Santos, mas se há homem que tem aparado os golpes todos a Ronaldo, tem sido ele. São cenas atrás de cenas com treinadores, reclamações com os colegas e falhanços atrás de falhanços.

    A tentativa da FPF de controlar danos, com a história do impropério dirigido ao sul-coreano, é quase deprimente. Mais do que nos atirar areia para os olhos, tratam-nos como se fôssemos uma cambada de idiotas.

    Alguém tem de dizer a este homem que está, em poucos meses, a destruir o crédito acumulado e a encher a paciência de quem o idolatrou, justamente, durante toda a sua carreira.

    A sério Ronaldo, já chega. Joga ou deixa jogar. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vem aí o relógio suíço

    Vem aí o relógio suíço


    Ontem escrevi aqui que o Fernando Santos ia devolver a gentileza a Luis Enrique, perdendo o jogo com a Coreia e apostando tudo no “lado brasileiro” da competição. Há que dizer que tentou. Entrou com segundas linhas e ainda meteu o André Silva, ou seja, ninguém pode acusar o nosso engenheiro de não ter tentado.

    Uma coisa que nunca entendi nestas competições é esta necessidade de rodar as equipas, e “descansar” quando o apuramento está garantido. Descansar de quê? Miúdos de 20 e tal anos ficam cansados de jogar à bola de quatro em quatro dias? Cansado fico eu de trabalhar todos os dias com este frio de Dezembro, que devia ser proibido.

    À mesa, com um grupo de portugueses residentes na Suécia, discutia a influência de Ronaldo na selecção portuguesa, enquanto Son corria metade do campo sem que o Palhinha lhe desse a “varridela” desejada e necessária. Um deles tentava explicar-me que Ronaldo ainda era letal em frente à baliza, embora cada jogada nos contasse o contrário.

    Eu faço parte daquela geração que cresceu a ver Portugal fora das grandes competições, portanto, se alguém quiser fazer um estátua ao Ronaldo no Marquês do Pombal e deixá-lo jogar na selecção até aos 50, eu assino por baixo. Portugal deve umas coisas a este extraordinário atleta. Mas não me digam que ainda é letal. Não é, infelizmente.

    O jogo da selecção portuguesa, pela terceira vez neste Mundial, foi pobre, muito pobre. Uma confusão de posse de bola e passes laterais, sem procura de baliza ou qualquer objectividade na procura do golo. Acaba por desesperar qualquer crente.

    A boa nova é que Paulo Bento também passou e o Gana vingou-se, finalmente, de Luis Suarez. A história acaba sempre por se endireitar. E todos gostamos do Son, que é uma espécie de herói da banda desenhada.

    Os jogos da noite trouxeram, entretanto, a notícia mais ou menos esperada: a Suíça, liderada pelo albanês Xhaka, enviou a Sérvia para casa num jogo rasgadinho. Como dizia um companheiro de jornada, o Xhaka pagou com a pancada que levou nas pernas a independência do Kosovo. Confesso que a vitória dos Camarões perante o super-favorito Brasil me deixou alguma esperança. Eram por eles que torcia no grupo G.

    Portugal sabe agora que disputará os oitavos com a Suíça, uma selecção chata, competente e que, há pouco tempo, venceu Portugal numa qualificação. Quando as contas se fecharam, comecei a implorar aos céus que não fosse Luís Freitas Lobos a comentar o jogo: quantas vezes é que se consegue usar a expressão “relógio suíço” durante 90 minutos?

    Para selecções com aspirações – como Portugal, Argentina, França, Brasil e Espanha –, começa verdadeiramente agora o Mundial. O caminho dos comandados de Fernando Santos é, em teoria, incrivelmente complicado até à final: Suíça, Espanha e França. 

    Vamos precisar um bocadinho mais do que o Éder, desta vez. A minha fé, essa, está inabalável: ainda não acredito. É preciso jogar mais. Muito mais.  

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O poder e a fé na santinha

    O poder e a fé na santinha


    A terceira ronda da fase de grupos deste Mundial tem sido um regalo no que toca a surpresas. Hoje foi a vez da Bélgica se despedir, depois de Lukaku ter falhado um número suficiente de golos para, amanhã, ser novamente referido na imprensa do seu país como um jogador de ascendência congolesa. Extraordinário foi o apuramento marroquino num grupo que contava com um finalista e um semi-finalista do último Mundial. A Croácia e a Bélgica são agora duas selecções envelhecidas, jogaram muito menos do que seria expectável e, no fim, saiu a fava aos belgas. 

    No jogo que importava a Portugal, o Japão venceu de forma surpreendente a Espanha que, já em tempo de descontos, não parecia muito interessada em correr atrás do prejuízo. A “prenda” pela passagem japonesa será um confronto com a Croácia nos oitavos e, provavelmente, o Brasil nos quartos-de-final. Já Espanha, com o seu segundo lugar, não só despachou a Alemanha como garantiu um caminho para a meia-final com Marrocos e Portugal (esperamos nós) pela frente. Assim de repente, parece-me o melhor lugar do grupo.

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    Entretanto, eu imaginei Fernando Santos ajoelhado em cima de pinhas, com velas em redor e um conjunto de rezas poderosíssimas, durante os 90 minutos dos jogos de Espanha e da Alemanha. Perto dos 70 minutos, a conjugação de resultados eliminava Espanha e Alemanha: O Japão e a Costa Rica estavam então em vantagem por 2-1. Tal era o poder da santinha… Não deu até ao fim, mas a santinha tem poderes.

    Com os resultados de hoje, Portugal deixou de ter um caminho simples pela frente. Depois dos oitavos, onde se espera que defronte Suíça ou Sérvia, selecções com quem perdeu nos últimos anos por acaso, deve cruzar-se com Espanha e França.

    Isto, claro, se a lógica do mais forte imperar e contrariar um pouco as montanhas-russas da fase de grupos.

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    Por esta altura, já não sei se é melhor acabar em primeiro ou segundo. No caso do segundo lugar, do lado de lá estará o Brasil e uma Argentina que joga muito pouco. Do lado do primeiro lugar no grupo, estarão Espanha, França e Inglaterra. Os espanhóis fizeram contas conosco e deixaram um presente amargo no dia da Restauração. Se a santinha disser ao Fernando Santos que eliminamos o Brasil nos oitavos, a partir daí é passear até à final, eu aposto no salto de fé.

    Por fim, aguardo com expectativa para ver se o André Silva entra no 11 amanhã. Se sim, encararei como um sinal de operação em marcha. Um “depois do adeus” da fé inabalável nas Arábias e a devolução do presente envenenado a Luiz Enrique.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Queres ser português de primeira? Concorre para nómada!

    Queres ser português de primeira? Concorre para nómada!


    Tenho ideia que a primeira pessoa com quem interagi na Suécia, com alguma regularidade, foi um senhor da Síria. Nos idos de 2006, quando aqui cheguei, foi ele o primeiro a dar-me a visão de um emigrante sobre a realidade nórdica, de cada vez que ia à pizzaria dele comer qualquer coisa com banana ou ananás. Sim, eu gosto de fruta na pizza, e há que saber viver com essa realidade.

    Dizia-me ele, sem grandes saudades da Síria – e foi antes da guerra civil, note-se –, que a Suécia era um paraíso. Defendia que, se o país tivesse sol, viveriam aqui 90 milhões e não os nove milhões de então. Quase 17 anos depois continuo a não concordar com ele. É difícil encontrar um paraíso longe de casa, mas o número dos nove milhões ficou-me para a década seguinte.

    white and black high rise buildings during sunset

    A Suécia no início do século XXI vivia uma política de incentivo à natalidade. Dada a sua dimensão geográfica, o envelhecimento populacional e a quantidade de empregos gerados pela forte Economia, era mais ou menos simples entender que a Suécia precisava de mais gente. O período que ficou conhecido como baby-boom, a que se juntaram várias vagas de emigração, resultaram num crescimento da população de cerca de um milhão no espaço de 20 anos, mais de 10%.

    Lembro-me de chegar de Portugal e ter a mentalidade que um filho seria um custo e um objectivo a realizar depois de estar financeiramente estável e, ao meu lado, um colega de trabalho preparava-se para ser pai enquanto a mulher estudava na universidade. O custo de ter uma criança era nulo e os benefícios, vários.   

    No mesmo período de tempo, Portugal viu a sua população diminuir em cerca de 500 mil habitantes e aproximar-se dos 10 milhões, onde cerca de 30% têm mais de 60 anos. 

    woman holding man and toddler hands during daytime

    Portanto, quando vejo que metade dos portugueses trabalham para suportar a outra metade – que se divide pelos que já não contribuem (reformados) e pelos que um dia contribuirão (crianças e estudantes) –, imaginei que uma política de natalidade daria jeito.

    Coisas simples como mais dias para gozar a paternidade/ maternidade, creches gratuitas em número suficiente, um abono de família que não fosse uma esmola, manuais escolares gratuitos e quejandos do género. Nada muito elaborado…

    Mas não, Portugal nunca fez nada disso. Portugal apostou nos últimos 20 anos em trazer turistas que ficam por cá uns dias e, de vez em quando, se a paixão assim ditar, mudam-se para uma das colinas. Queremos Madonnas. Ou chineses ou russos, que por cá venham investir 500.000 euros num apartamento qualquer inflacionado no preço, a troco de um passaporte europeu e de mais umas achas para a fogueira da especulação.

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    Também escolhemos abocanhar as reformas dos velhotes escandinavos, deixando-os aqui viver sem nada pagar, e durante anos lá fomos ouvindo os raspanetes do Governo sueco, que via a receita fugir-lhe mas continuando a proporcionar aos seus reformados o Estado Social. Para as reformas miseráveis dos velhotes portugueses, nem uma borla que se visse ou um aumento de jeito que se contasse.

    Agora, sempre na onda da modernidade saloia, Portugal tenta atrair os nómadas digitais, dando-lhes benefícios fiscais que não estão disponíveis para o comum dos portugueses que aqui residem. Um deputado do PS, madeirense, defendia o sucesso da iniciativa piloto feita na Ponta do Sol, uma belíssima localidade na ilha da Madeira.

    O centro de trabalho partilhado, o sol da ilha, o atractivo fiscal, a facilidade com as ligações aéreas. Tudo a funcionar melhor do que o esperado, e os nómadas digitais, carregados com os seus Macs e iPhones, foram chegando em números interessantes à ilha.

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    Dizia um dos responsáveis do projecto, com satisfação, que os nómadas deixavam na comunidade local, em média, 2.000 euros por mês. Não sou grande coisa a medir o sucesso, mas, assim de repente, 2.000 euros por mês parece-me a factura que qualquer família tem, entre renda ou prestação da casa, crédito do carro, contas da casa e abastecimento do frigorífico. Já parto do princípio que não compram roupa ou vão a um espectáculo cultural fora de casa.

    Portanto, visto daqui, os nómadas estão a receber benefícios fiscais para gastarem o mesmo que os locais gastam, com a agravante de terem de pagar mais impostos. Provavelmente, a maior parte desses nómadas, pela definição de nómada, partirão para outras paragens quando melhores condições aparecerem. Serão, quando muito, uma parte da população móvel. Julgo ser difícil estimar quantos, de facto, contribuirão para Portugal durante um período considerável.

    Nada tenho contra nómadas digitais. Aliás, se pensar naquilo que é a minha vida e situação profissional, até encaixo no conceito de nómada. E, sinceramente, é uma condição laboral que me agrada, a de não estar preso fisicamente a lado nenhum. Só não percebo é por que razão deve um nómada ter vantagens fiscais que os residentes não têm.

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    Um país que não consegue garantir qualidade de vida a grande parte da sua população, deve concentrar esforços e recursos para atrair moradores temporários? Não devia o Governo tentar, primeiro, inverter a curva de crescimento populacional? Ou combater os baixos salários? Ou tentar ajudar os 50% que estão perto da pobreza? 

    Em simultâneo, os nossos jovens continuam a formar-se e a sair do país, em busca de salários decentes e de uma vida que não seja dominada pela pobreza ou pela voracidade da máquina fiscal.

    Todas estas medidas, quase patéticas, de atrair habitantes – também há uma em curso para emigrantes – fazem-me lembrar aquelas quedas gigantes que abriam joelhos na década de 90, quando era normal ver miúdos a correr na rua em zonas de alcatrão rugoso, posteriormente tapadas com um penso rápido que invariavelmente se colava ao sangue e infectava aquilo um bocadinho mais.

    Desde os tempos do Cavaco que vejo estradas e mais estradas, vagas de emigração, salários estagnados, corrupção inesgotável, clientelas como abutres no erário público. E depois, quando os governantes percebem que falta gente para produzir num país cada vez mais pobre, lançam estas campanhas saloias que nos vão transformando, cada vez mais, na República Dominicana da Europa. Venham para cá viver, há sol, praia e custos reduzidos. Para quem vem, não para quem já cá estava.

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    Pouco ou nada se faz para quem já está em Portugal, para que queira por cá continuar, formar família e deixar descendência. Desde 2006, perdi a conta ao investimento em estradas portuguesas, e já não sei em quantas autoestradas vamos. Vi que já há uma A30 e qualquer coisa, portanto, entre IPs, SCUTss e as ditas cujas, já devem ser mais de 50. Os suecos continuam com o mesmo número delas – bastante miseráveis, por sinal –, e, no total dos 2.500 quilómetros de comprimento do país, não devem chegar a 15% da quantidade que nós temos entre Faro e Bragança. 

    Mas cada casal tem em média mais de dois filhos e em menos de duas décadas fizeram a população crescer em quase um milhão de pessoas.

    Coisas que me parecem tão simples, opções que julgo serem tão óbvias, quando leio notícias sobre uma população envelhecida, feliz porque um gajo de iPods vai passar uns meses à Madeira.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Dia de surpresas e utopias

    Dia de surpresas e utopias


    Pedro Henriques nunca me encheu as medidas quando fazia o corredor direito do Benfica; mas também não desiludiu. Era como um prato de bacalhau à brás: mastiga-se, embora todos saibamos que à lagareiro é que é.

    Já como comentador está como peixe na água. Ouvi-lo é como ver a bola no café com os amigos. Aprecio particularmente o termo “guardanapo” para descrever uma pancada mais forte. Gosto. É o oposto do Luis Freitas Lobo, que me faz sofrer com as analogias do bailado e da poesia.

    man playing soccer game on field

    Como dizia o Paulo Bento, bola-pé, andebol-mão. Não estragues a simplicidade da coisa, Freitas.

    Nisto esperei por surpresas. O meu filho só queria que o dia acabasse com a derrota da Argentina. Ele é #teamAveiro desde que começou a falar. Confesso que era um cenário que me agradava. Qualquer adversário mais forte que vá para casa, por mim está óptimo. Sonho com uma final de um mundial entre Portugal e as Fiji.

    Era difícil de ver o desejo do miúdo cumprido. Desde logo porque o roteiro deste Mundial é Ronaldo vs. Messi; e os restantes 798 jogadores estão lá como figurantes. Depois, porque a Polónia joga pouco mais que o Qatar. Com a agravante de o selecionador deixar, repetidamente, o segundo melhor jogador (Milik) no banco.

    A dada altura dos jogos, simultâneos, da Argentina contra a Polónia e a Arábia Saudita contra o México, o desempate para o segundo lugar já ia no número de cartões amarelos, com vantagem para os polacos.

    O dia acabou por ser feito de surpresas, primeiro com a passagem aos oitavos da Austrália, quando se esperava que a Dinamarca fosse a dona do segundo lugar, e depois com a Polónia a ultrapassar o México na diferença de golos, graças ao golo saudita marcado nos descontos. 

    timelapse photo of soccer player kicking ball

    Sorte para a França e para a Argentina que, nos oitavos de final, medirão forças, respectivamente, com Polónia e Austrália. Podem, portanto, começar a engomar o fato de treino para os quartos de final.

    Se a Alemanha não se qualificar (Fernando Santos tem uma reza nova), Portugal pode ter um caminho suave até às meias finais. Se aí chegarmos, devemos apanhar a França. 

    Já a Argentina terá um caminho tranquilo até  às meias, com Austrália e Holanda no caminho.

    Com alguma fortuna, o guião de Hollywood pode mesmo acontecer: Messi e Ronaldo, frente a frente. Nem que seja pela medalha de bronze. 

    Há que sonhar. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Taremi, Ronaldo e o rapaz da t-shirt

    Taremi, Ronaldo e o rapaz da t-shirt


    Esperei pelo fim do dia para escrever a crónica de hoje por causa da hora do jogo mais interessante. Estados Unidos contra Irão daria tema similar a um Rocky VII, já que o russo Ivan Drago foi despachado na quarta sequela da série.

    Quando Portugal não está envolvido no jogo, o meu coracão pende sempre para as selecções mais fracas, vindas de países pobres. Se um Mundial não servir para mais nada, serve pelo menos para nos retirar, por uns minutos, da miséria do quotidiano.

    three white-and-black soccer balls on field

    Por isso, gosto sempre de ver as selecções africanas ou sul-americanas envolvidas na festa. A qualificação do Senegal é uma excelente notícia e os jogos absolutamente loucos proporcionados por Gana (contra a Coreia do Sul), Camarões (contra a Sérvia) e Marrocos (contra a Bélgica) foram do melhor e mais puro que vi neste campeonato. Povos que viveram umas horas de felicidade antes de despertarem, novamente, para a sua realidade. E aqui lamento, obviamente, os distúrbios causados por adeptos marroquinos em Bruxelas.

    No Estados Unidos vs. Irão jogava-se muito mais do que futebol. É um despique entre dois países que arrastam, há décadas, rivalidade e antagonismo no plano político internacional. Os Estados Unidos, país carregado de armas nucleares e, até à data, únicos no seu uso, decidem quem no Mundo pode e não pode ter esse tipo de armamento.

    Nessa senda, andam a impor sanções ao Irão, há várias luas, acusando-os de enriquecimento de urânio e tentativa de produção de uma bomba nuclear. A NATO apoia a Ucrânia pelo seu principal fornecedor (Estados Unidos) e o Irão vende drones à Rússia. Nas discussões do Médio Oriente, os Estados Unidos apoiam a Arábia Saudita, Israel, os rebeldes sírios, e ainda os curdos, quando dão jeito. O Irão apoia a Palestina, o Hezbollah libanês e tudo o que os americanos não gostem. Em resumo, são dois países inimigos e, naquela zona do Globo, depois de Iraque e Afeganistão, é o Irão o alvo a abater pelos norte-americanos.

    Close-up of a white line on green grass in a soccer field

    Os jogadores do Irão sentem a pressão de terem o Mundo contra eles. Ouve-se nos assobios durante o hino, percebe-se nas perguntas dos jornalistas. Pouco importa se eles não são responsáveis pelo abjecto regime que os governa e se até, dentro das possibilidades, demonstram publicamente o seu apoio aos que se manifestam nas ruas de Teerão.

    E por isso, por sentir que correm sozinhos contra o Mundo, representando um país que existia e existirá para lá deste regime, eu desejava-lhe um final feliz nesta qualificação. O jogo, no entanto, mostrou uma selecção norte-americana muito superior no campo. Aliás, depois de ver os três jogos desta equipa, é justo dizer-se que no seu soccer os Estados Unidos possuem um conjunto de jogadores muito interessantes. Jogam bem, correm muito, apresentam boa consistência defensiva e circulacão de bola. Vê-se alguma experiência nestas andancas, ao contrário dos parceiros da Concacaf, o Canadá, que joga um futebol de rua, onde atacar é a palavra de ordem, sem grande capacidade de segurar a bola, controlar os momentos de jogo ou até defender com alguma solidez.

    Não sei se daqui sairão aproveitamentos políticos, mas, no campo, onde a coisa se decidia, os Estados Unidos foram melhores e venceram justamente.

    Agora, sem os iranianos no Qatar, pode ser que a comunicação social comece a massacrar outros jogadores nas conferências de imprensa a propósito dos regimes que representam ou das mortes que vão causando. Pessoalmente, espero que Taremi e companhia continuem a aproveitar, e bem, a exposição social para protestarem contra o regime. Ultrapassam a sua missão como desportistas e, por isso, a minha vénia.

    Vénia essa que alargo ao corajoso que apoiou, em sprint no meio do relvado durante o Portugal vs. Uruguai, três causas com uma t-shirt e uma bandeira. A realização televisiva, num país que não sabe o que é democracia ou liberdade de expressão, fez o que se esperaria: desviou a imagem. Como se não existisse…

    P.S. – No dia seguinte à vitória portuguesa sobre o Uruguai, a discussão centrou-se na autoria do nosso primeiro golo. As imagens de Ronaldo, ao intervalo, a insurgir-se contra o árbitro, pedindo que lhe atribuísse o golo (retirando-o, pois, a um colega) é algo que não consigo compreender à luz do espírito de camaradagem num desporto colectivo. A bola entrou, Portugal ganhou; o que é que importa se Ronaldo fica com 800 golos ou 801? Bem sei que devemos muito, desportivamente, a este rapaz, mas esta obsessão pela marca pessoal, em vez dos interesses da equipa, é algo que já me começa a irritar. Irritado, aliás, também deve ter ficado Fernando Santos que, pela segunda vez, viu a equipa a jogar muito pouco e a falhar o empate desejado. Estamos assim nos oitavos ao fim de dois jogos. Não conseguimos lidar com isto sem, pelo menos, uma conta de somar que seja. Tudo anda estranho neste Mundial. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Quis saber quem sou, o que faço aqui

    Quis saber quem sou, o que faço aqui


    Chegou o dia de Portugal dizer o que veio fazer ao Qatar: se passear e mandar umas bocas, como o nosso Marcelo; ou se dar uso ao excelente naipe de jogadores que vestem aquela camisola do Lidl, e que me garantem ser mesmo o equipamento oficial. 

    O Uruguai é, de longe, o opositor mais forte no grupo de Portugal. Fernando Santos disse, na última conferência de imprensa, que a selecção uruguaia estava algo envelhecida relativamente à que nos eliminou em 2018.

    “Suarez e Cavani têm agora mais cinco anos do que tinham em 2018”, disse o nosso Nando. Na verdade, são mais quatro anos, mas ninguém espera que um engenheiro seja rigoroso em contas de merceeiro. Ou se calhar meteu nos cálculos o famoso coeficiente de cagaço, muito famoso entre engenheiros civis, e em vez de um 4 saiu-lhe um 5.

    Claro que, quais Benjamin Button, os nossos Ronaldo, William, Pepe, Bernardo e Bruno Fernandes estão agora quatro ou até cinco anos mais novos.

    Felizmente, tivemos Bernardo Silva a marcar presença na mesma conferência de imprensa, e, para deleite dos presentes, explicou durante 15 minutos que um jogador de futebol consegue pensar e articular mais do que três frases repetidas a cada domingo. 

    white and black soccer ball on grass field

    Disse, o já garantido futuro presidente do Benfica, que a selecção aprendeu com os erros das últimas derrotas (Sérvia e Espanha) e que hoje se nota mais vontade e articulação no controlo dos diferentes momentos do jogo.

    Bernardo não disse, mas eu sei que ele sabe que as individualidades resolveram o jogo contra a débil equipa ganesa, e que o jogo colectivo, na primeira parte, se resumiu a uns exasperantes 1.000 passes laterais. É pouco, muito pouco para um Campeonato do Mundo onde Portugal deve ter legítimas aspirações. 

    Em todo o caso, Matemática à parte, o Uruguai é o adversário mais cotado e, contra ele, Portugal pode fazer a sua afirmação: a de ser um candidato, como se exigiria perante a equipa disponível; ou a de continuar a ser um calculista desmedido que joga para não perder, com toda uma lentidão de processos que já ninguém suporta ver.

    Em suma, a selecção portuguesa vai hoje dizer se quer acompanhar a Bélgica como desilusão deste Mundial ou se, em vez disso, vai meter a França em sentido, fazendo-a saber que não corre sozinha pelo ceptro mundial.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ó Jorge… ¿Por qué no te callas?

    Ó Jorge… ¿Por qué no te callas?


    Carlos Queiroz viu-se envolvido numa série de polémicas por causa da situação política no Irão. Primeiro, com jornalistas e as suas perguntas sobre o regime; e agora com Jurgen Klinsmann que, na BBC, disse que a vitória do Irão sobre o País de Gales tinha acontecido graças à pressão exercida sobre os árbitros.

    Devo confessar que não tenho grande impressão sobre o trabalho de Carlos Queiroz. Depois daquela final do Mundial de Juniores em 91 – disputada num Estádio da Luz repleto com 120 mil almas, entre as quais a minha, a gritar a plenos pulmões depois do penalti vencedor batido por Rui Costa –, não me lembro de nada relevante. Ou como lhe gritou Ronaldo, a partir da linha lateral no Mundial de 2010, depois de mais uma substituição desastrosa, “assim não dá, Carlos!”

    Carlos Queiroz

    Mas, nesta polémica, está ele carregado de razão. Se a cada conferência de imprensa os jogadores e treinadores do Irão têm de fazer uma análise política, militar e social – que em muito ultrapassa aquilo para que foram ao Qatar (jogar à bola, lembremo-nos) –, é justo que, como diz Queiroz, comecem a interrogar os selecionadores norte-americano e inglês sobre a retirada do Afeganistão e a colocação dos talibã no poder. Ou, acrescento eu, inquiram Tite sobre a desflorestação da Amazónia durante os quatro anos de Bolsonaro. Ou, porque não, perguntem ao francês que dirige a Arábia Saudita o que acha sobre os bombardeamentos no Iémen e o embargo ao país anfitrião. Olha, e já agora: que tal questionar o selecionador do Qatar sobre as condições de trabalho proporcionados aos migrantes asiáticos no país?

    Então temos ali tanto material bom para uma aula de Ciência Política e Cultura Geral e, aparentemente, ficamo-nos pelo regime iraniano para o Queiroz comentar, enquanto os restantes treinadores apenas têm de justificar o 4-4-2 com médios basculantes? É pena que assim seja. Podíamos, de facto, aprender muito com o futebol e as conferências de imprensa dos treinadores a comentar política.

    man in black suit jacket standing in front of people

    Até a FIFA tem alguma dificuldade em manter a cara nesta polémica. Em certo dia, diz a FIFA que o Mundial não é sítio para política, pedindo o fim das manifestações pelos direitos humanos ou pela defesa da comunidade LGBTQIA+. No dia seguinte, afinal, já se podem fazer declarações e decisões políticas, afastando a Rússia de qualquer competição. Não sei se algum dos jogadores russos enviou um rocket algures.

    Também já se vê que se pode discutir regimes se for o do Irão. Já não se pode discutir se for de um dos Estados do petróleo no Médio Oriente ou se for necessário retirar um invasor de território asiático e colocá-lo a jogar nas provas europeias da UEFA.

    Portanto, ser permitido misturar política com futebol depende do alvo e do dia da semana.

    Mas o Jurgen Klinsmann não se contentou com as suspeitas lançadas sobre a arbitragem e também fez comentários sobre a cultura iraniana, misturando-a com a sua forma de jogar. Assim uma espécie de racismo, que no caso alemão uma pessoa nem leva a mal, porque leu alguns livros de História. Klinsmann, ex-selecionador norte-americano, curiosamente o adversário com quem o Irão discutirá o apuramento, e actual funcionário da FIFA, faz o que pode pelo lado de fora. Coloca pressão numa equipa que já joga com um enorme peso nos ombros, desafiando o regime e sem qualquer culpa na situação política que se vive no seu país.

    Jurgen Klinsmann

    Klinsmann é por isso, um escroque. Para não lhe chamar algo que Alberto João Jardim designaria como sinónimo de bastardo.

    Queiroz, repito, não faz o meu tipo, mas, desta vez, está carregado de razão e espero que vença o próximo desafio. A um homem que um dia tirou o Paulo Torres para colocar o Pacheco, e dar-me, dessa forma, um dos melhores dias da minha vida, devo pelo menos a justa solidariedade.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Uma pausa no racismo

    Uma pausa no racismo


    Assistia ao Arábia Saudita vs. Polónia, um chatíssimo jogo, onde os polacos provaram que jogam muito pouco (ainda devem estar a tentar perceber como ganharam) e os sauditas, apesar dos bons princípios de jogo e vontade extra demonstrada, exibiram pouco acerto no momento de finalizar.

    Para me distrair, inventei um passatempo que consistia, essencialmente, em encontrar uma mulher nas bancadas repletas de apoiantes sauditas. Não passei do primeiro nível, e comecei então a pensar nos restantes jogos que tinha visto mas noutra perspectiva.

    A vitória da Suíça contra os Camarões foi com um golo de um camaronês. Não foi um autogolo: Breel Embolo é um ponta-de-lança suíço mas nascido em Yaoundé, que se situa a 4.800 quilómetros da helvética Berna.

    O empate dos Estados Unidos frente ao País de Gales saiu dos pés de um filho da Libéria. A vitória francesa frente a uma excelente Dinamarca, hoje e sempre, às costas de uma constelacão africana. A Holanda impôs-se ao Senegal com um golo de origem togolesa.

    Ou até o nosso Rafael Leão, criado no bairro da Jamaica, entre vários emigrantes africanos; foi ele que selou a vitória sobre o Gana.

    Numa altura em que por todo o lado se vão construindo muros, o futebol tem o poder de, por momentos, incluir toda a gente. Um prazo curto, bem sei, definido pela hipocrisia reinante.

    Ainda assim, por uns momentos, todos festejamos o mesmo. O Ventura comemora um golo de um miúdo do bairro da Jamaica, em vez de o mandar para a terra dele. Até aposto que comemorou os golos do cigano em 2016.

    A Le Pen passa a semana a gritar contra a vinda de magrebinos, mas depois, durante o Mundial, grita pelo Benzema ou pelo Zidane.

    O Trump andava a fazer um muro para impedir os mexicanos de aparecerem no Texas, mas se algum hispânico marcar um golo no mundial, em princípio, vai levantar os braços. Se souber que está a decorrer um Mundial de soccer, claro.

    O Lukaku disse numa entrevista que quando a Bélgica perdia e ele falhava um golo, a imprensa do dia seguinte referia-se a ele como o filho de congoleses. Quando acertava era o belga.

    O Zlatan Ibrahimovic queixava-se de algo parecido. Se corria tudo bem, era o melhor jogador sueco de sempre; quando partia qualquer coisa, era o temperamento dos Balcãs.

    No fundo, no fundo, o mundo da bola não é diferente da realidade que nos rodeia. Emigramos, mudamos de país, adoptamos outras culturas, deixamos gerações noutras paragens.

    Quem defende um Mundo cheio de divisões e povos puros, não suporta essa mistura, não aguenta gente diferente, línguas desconhecidas. Passam três anos e onze meses a gritar contra emigrantes. Depois chega o Mundial e durante um mês somos todos um. Ninguém quer saber de cores desde que a bola entre.

    Assim que se entrega a taça, e voltamos à vida do quotidiano, recomeça o racismo e a crítica a todos que chegam de algum lado na procura de uma vida melhor.

    Nesta Europa que escolhe os muros, confesso que me sabe bem este mês de inclusão. É falsa, é hipócrita mas vemos de facto sociedades de nações em funcionamento.

    Falta gente inteligente e educada, que perceba que pessoas não se dividem, misturam-se. E falando em gente educada, partiu hoje um cavalheiro, um desportista de eleição e um jogador que sempre admirei. Lamento o desaparecimento tão precoce do bibota Fernando Gomes. E também por isso, deixo aqui os meus sentimentos à família enlutada. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os 1000 euristas e os entreténs do Froes, do Milhazes e do Rui Santos

    Os 1000 euristas e os entreténs do Froes, do Milhazes e do Rui Santos


    Sou um defensor do sistema progressivo de impostos e da sua aplicação em benefício da população, com prioridade para os três pilares de qualquer sociedade civilizada: Educação, Saúde e Segurança Social.

    Nunca concordei com taxas fixas de contribuição por as considerar injustas, e também, por princípio, nunca defendi uma redução de impostos, porque significaria condenar a Escola Pública ou o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ou talvez ambos.

    Contudo, os últimos anos fizeram-me mudar um pouco esta visão, pelo menos em Portugal. No país para onde emigrei, a Suécia, esta teoria é aplicada com sucesso. Impostos progressivos, altos a partir dos 3.500 euros e sempre aplicados a favor dos contribuintes.  Educação universal grátis, desde a creche até às universidades. Saúde pública e gratuita, onde até o dentista está incluído (até aos 26 anos). Apoio social nas pensões, no desemprego e na paternidade. Para mim, isto é o ponto de partida, o mínimo, para que um contribuinte sinta que faz sentido pagar impostos. Nunca conheci, em 18 anos aqui, um trabalhador que não gostasse de pagar impostos na Escandinávia.

    Em Portugal, são anos, décadas, de Governos cuja receita para combater o défice é apenas uma: aumentar impostos. Pior do que isso, o retorno para os contribuintes é cada vez menor. Lembro-me de há 20 anos os créditos à habitação terem alguns benefícios em sede de IRS. Lembro-me de universidades sem propinas. Lembro-me de estradas sem portagens. Lembro-me de transportes públicos, combustíveis e casas com preços aceitáveis.

    Em três décadas, em Portugal, e especialmente nos grandes centros, atingiu-se o patamar europeu para os custos de vida, mas ficou-se pelo nível africano de rendimentos. Os salários não crescem, os impostos multiplicam-se, o Orçamento de Estado é cada vez mais para as clientelas, bancos e construtoras; e menos para quem paga impostos. É um sufoco. Quando penso na vida que os 1000 euristas fazem em Portugal – ou seja, a grande maioria –, fico com uma sensação de falta de ar, de angústia, de sobrevivência.

    group of person on stairs

    E por isso, pela primeira vez, sou obrigado a concordar com Carlos Guimarães Pinto, que na Assembleia da República exigiu uma baixa de impostos aos 1000 euristas. A expressão é dele, e eu acho-a feliz. A inflação trouxe um jackpot de impostos ao Governo português, e já tinha escrito aqui, no PÁGINA UM, que esse rio de dinheiro inesperado tinha de ser usado a favor da população.

    A minha proposta inicial tinha sido uma ajuda nos créditos à habitação, porque considero que será essa a maior despesa das famílias. Mas uma redução da carga fiscal retirada ao salário também seria uma boa medida, provavelmente melhor, porque deixaria mais dinheiro no bolso, hoje e sempre, permitindo algo que defendo, desde sempre, que é uma divisão mais justa da riqueza.

    Insisto, contudo, na ideia de que só concordo com esta implementação em Portugal porque, como se percebe ao fim de décadas, os impostos são cada vez menos revertidos a favor dos contribuintes.

    Num sítio onde o dinheiro fosse bem aplicado, eu seria totalmente contra uma redução fiscal. Mas, em Portugal, uma pessoa tem de se render e observar a realidade: se o Estado, enquanto guardião dos nossos impostos, não nos garante, sequer, Escola Pública e Saúde Pública de qualidade, então, bom, é melhor de facto que as pessoas fiquem com dinheiro no bolso para o aplicarem como bem entenderem.

    people raising hands with bokeh lights

    Claro que isto significa ainda pior Escola, ainda pior Saúde, ainda pior Segurança Social, mas, convenhamos, quantas décadas mais é que vamos andar a pagar bancos, clientelas, estradas e políticos corruptos com ajustes diretos a empresas de amigos? Sem Justiça que funcione em tempo útil, e com uma corrupção que consome todo o erário público, é preferível que cada 1000 eurista tenha, pelo menos, dinheiro para chegar ao fim do mês.

    O Estado português fica com cerca de 30% de um salário de 1.000 euros. Na Suécia, essa é a carga fiscal de um salário quatro vezes maior. Portanto…torna-se um pouco indefensável a carga fiscal que se aplica aos baixos salários portugueses. E ainda se percebe menos como é que perante o congelamento de carreiras na Função Pública e os aumentos muito abaixo da inflação no sector privado, a população continua impávida e serena, a reclamar das greves ou das lutas dos trabalhadores.

    Entretidos com as palestras do Froes sobre a covid-19, do Milhazes sobre o Donbass e agora do Rui Santos sobre o Qatar, vamos deixando para segundo plano o facto inquebrantável de estarmos cada vez mais pobres.

    Meus amigos, a Roménia em 2024 ultrapassará Portugal. Repito-vos: a Roménia. Pelo andar da governação e políticas de desenvolvimento, se o Burkina Faso entrar para a União Europeia, temo que em cinco anos nos apanhará.

    people in a city during daytime

    Não há ninguém aí que queira partir qualquer coisa?

    Hoje o tempo é de união, mas também de garantir que os impostos deixam de ir para o BES, para a Lusoponte, para os ajustes directos aos maridos das ministras, para os ajudantes de secretários de Estado com 21 anos, para os empresários amigos, para a família do autarca que quer fazer obras no largo da igreja, para as viagens de Falcon até ao Qatar. O tempo é mesmo de gritar, de ir para a rua, de começar a exigir algo mais em concreto. Ou os impostos baixam ou os salários sobem. Desse lado já não se vive, sobrevive-se. É essa a realidade.

    Por isto tudo, é tempo de lutar, e de exigir que as elites governantes, simplesmente, deixem de nos roubar.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.