Autor: Tiago Franco

  • A crónica que eu não queria escrever

    A crónica que eu não queria escrever

    Ao intervalo do jogo com Marrocos, o meu filho dizia-me que ia chorar se não conseguíssemos marcar, pelo menos, um golo àquele conjunto acantonado de 11 defesas.

    Para mal dos meus pecados, o puto chorou, e bem.

    Fernando Santos deu meia parte de avanço com uma embrulhada de ideias que ninguém percebeu. 

    Se antecipou uma ultradefensiva formação marroquina com saídas rápidas, qual foi o sentido de jogar com Ruben Neves como único médio defensivo? Foi sempre ultrapassado em velocidade, e não é, nunca foi, um médio de combate que equilibrasse o meio-campo. Para ter apenas um trinco em campo, William ou Palhinha seriam as opções naturais.

    Diogo Costa comprometeu com uma saída à Ricardo e os defesas passaram 45 minutos a lançar a bola, em profundidade, nas costas dos defesas. Tantas vezes insistiram nesta jogada que deduzo que fosse estratégia. Nunca tinha visto bombardeamentos para as costas de uma defesa que está toda fechada, com 10 homens em 30 metros. É uma inovação tática, certamente.

    Ao intervalo, Fernando Santos tentou corrigir e mexer na equipa. As entradas de Cancelo, Ronaldo e Leão foram positivas, mas não chegaram.

    Portugal voltou ao ritmo que nos habituou na era de Fernando Santos. Passes para o lado e para trás, lentidão, previsibilidade. Poucos cruzamentos bem tirados e aqueles que lá chegaram foram desperdiçados pelos jogadores. 

    Bruno Fernandes, em frente à baliza, preferiu atirar-se para o chão do que tentar rematar. Lembro-me de duas defesas do guarda-redes marroquino, a primeira aos 82 minutos. Os últimos 30 minutos foram passados com 50 passes entre os centrais e o Bernardo Silva, até que a bola chegasse inevitavelmente à área adversária sem grande perigo.

    Marrocos fez o que sabe fazer bem: defender e perder tempo. Os árbitros, argentinos, mostraram pouca qualidade (vou ser simpático) para um jogo de quartos-de-final de um Mundial. Ótavio parece-me puxado na área e o constante anti-jogo marroquino foi largamente premiado. 

    Mas não foi pelo árbitro que Portugal perdeu. Foi pela mediocridade do seu jogo que, à excepção do confronto com a Suíça, foi sempre aquilo a que as equipas de Fernando Santos nos habituaram: deprimente. 

    Quando Portugal apanha equipas que jogam em bloco baixo, é sempre o cabo dos trabalhos, porque defender 90 minutos e jogar para o pontinho é o nosso ADN há anos. Quando é preciso triturar o adversário, a equipa não tem rotinas para tal.

    O meu filho queria que este fosse o Mundial de consagração de Ronaldo. Para ele, Ronaldo representa o orgulho de uma Nação e seria mais do que justo sair de Doha com a taça nas mãos. Estava inconsolável.

    E sem saber, tinha mesmo razão. Este era o Mundial onde, pela primeira vez, apenas uma equipa melhor do que a nossa estava em prova. Podíamos ter sonhado com algo mais.

    Espero que Santos nos faça agora um favor; ou dois: que pague os impostos e que dê lugar a quem não tenha medo de ganhar. 

    Entretanto, no França vs. Inglaterra não houve surpresa. Com uma arbitragem ainda pior do que a do nosso jogo, protagonizada por um fraquíssimo árbitro brasileiro, Mbappé e Giroud marcaram a diferença no ataque francês. Os ingleses aumentaram o tamanho do fantasma dos penalties e o troféu insiste em não voltar a casa.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Uma surpresa no dia dos velhinhos. E um Sebastião.

    Uma surpresa no dia dos velhinhos. E um Sebastião.

    Tenho muita dificuldade em compreender como se endeusa uma equipa que passa 120 minutos a defender e faz um – apenas um – remate enquadrado com a baliza.

    A Croácia de Modric joga como uma orquestra afinada sem alguns instrumentos. Conhecem as suas limitações e jogam com elas.

    Apoiados num excelente guarda-redes com queda para os penáltis, com um Lovren em grande forma a comandar a defesa, um incansável Perisic na ala e um meio-campo pautado por Kovacic e o eterno Modric, a Croácia troca a bola e defende até à exaustão, fazendo acreditar que pensa nas grandes penalidades desde o apito inicial.

    Tendo em conta que, em quatro desempates em campeonatos do mundo, venceram sempre, começo a pensar que talvez seja mesmo estratégia. 

    Este era o Mundial desenhado para Neymar aparecer. Com as habituais estrelas em fim de ciclo – excepto Mbappé –, esperava-se que Neymar, aos 30 anos, assumisse finalmente o papel de líder de uma geração. Tal como Romário em 94 ou Ronaldo em 2002, Neymar tinha que ser “o cara”. E não foi.

    O Brasil tentou furar a bem organizada defesa croata que, ao contrário da Coreia, não defendeu com pouca gente e soube dar o favoritismo a quem o tinha. Sempre lento e com poucas ideias, o ataque brasileiro criou poucas oportunidades e quando apareceram na cara de Livakovic, o guardião croata defendeu tudo, deixando-me a pensar como é que ninguém o tirou ainda do Dinamo de Zagreb.

    Foi de Neymar o lampejo que criou o golo brasileiro, mas estes croatas com sete vidas, conseguiram que Petkovic, um limitadíssimo avançado que tinha perdido todas as bolas até então, acertasse o único remate na direcção da baliza de Alisson.

    Nos penáltis, os croatas fizeram o costume e não falharam. Neymar escondeu-se e não assumiu a quarta e decisiva grande penalidade.

    Segue em bom ritmo a selecção croata que, de empate em empate, lá vai seguindo. Onde é que já vi fortuna desta? Ah, já sei! Na Grécia de 2004 e no Portugal de 2016.

    A Croácia tem um estilo de jogo que adormece e que dificilmente seduz um adepto de futebol. Mas vão jogar as meias-finais de um Mundial pela segunda vez consecutiva.

    Como dizia o meu avô, “essa é que é essa” (vá-se lá perceber o futebol).

    Depois da surpresa inicial, imaginei que Holanda e Argentina proporcionassem um espectáculo interessante. São duas boas equipas que, nesta altura, jogam muito pouco e estão quase ao mesmo nível. 

    O jogo não teve grande história. Não me lembro de uma oportunidade de golo holandesa até aos 75 minutos e, de certa forma, a partida parecia resolvida com um passe de génio de Leonel Messi e um penálti perfeitamente escusado sobre Acuña. O desenho da assistência de Messi no primeiro golo devia fazer parte dos compêndios. 

    Contudo, Wout Weghorst, lançado aos 79 minutos, veio revolucionar a partida com dois golos, o segundo no último minuto de jogo, num autêntico golpe de teatro que levou tudo para mais um prolongamento e o drama dos penáltis.

    A festa acabou por ser argentina, mantendo viva a hipótese da final de sonho.

    O destaque do dia, para mim, foram Modric e Messi que, aos 37 e 35 anos respectivamente, são, de longe, os melhores jogadores das suas selecções. Jogam, fazem jogar, correm, ganham o lugar pelo rendimento. Não há justiça no desporto, há rendimento. 

    Vou lendo na imprensa portuguesa algumas cautelas com Marrocos, referências ao D. Sebastião e até a lição defensiva que a Croácia nos deu.

    Meus amigos, a Croácia defende com 11 no meio-campo, Marrocos defende com 11 na grande área, saindo para o contra-ataque com um avançado que não teria lugar no Paços de Ferreira. Até ao momento, sofreram apenas um golo e passam os 90 minutos enfiados na baliza. Tudo certo.

    Dito isto, o respeito pelos adversários é obrigatório. Agora, medo de encontrar Marrocos nos quartos de final de um Mundial, tenham lá paciência. A disparidade de talento nas duas equipas é abismal.

    Saiu-nos o brinde, agora não tenham é medo de ganhar. E se começarem a tremer, chamem o Ronaldo. Que o rapaz nasceu para dias destes. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Autoeuropa: recusaram 5,2% e fizeram muito bem

    Autoeuropa: recusaram 5,2% e fizeram muito bem


    Portugal vive um momento de alguma convulsão social com greves em diferentes sectores praticamente todas as semanas. De entre os vários “fogos”, chamou-me à atenção aquele que vai crescendo na Autoeuropa, onde, em plenário, os trabalhadores votaram contra o pré-acordo laboral que incluía um aumento de 5,2%.

    Acompanho a vida da Autoeuropa com alguma atenção há pelo menos 17 anos, a exacta quantidade de anos que levo desde que ali deixei de trabalhar e decidi emigrar. Conheci por lá pessoas extraordinárias e fiz amigos para a vida, pelo que notícias como esta – ou críticas, em geral, aos trabalhadores que por lá andam há duas décadas (ou mais) – obrigam-me quase sempre a uma leitura um pouco mais cuidada.

    A Autoeuropa é utilizada pelos Governos, abusivamente na minha opinião, como empresa modelo das exportações portuguesas e das boas relações laborais entre administrações e trabalhadores. Se a importância da Autoeuropa para o produto interno bruto (PIB) nacional é uma pura questão matemática – e não há muito por onde discutir –, o mito de os trabalhadores estarem cheios de regalias, ou que as condições de trabalho são óptimas, é algo que nunca percebi muito bem de onde veio.

    Não sei se o caro leitor alguma vez passou por uma linha de montagem, onde tudo é feito ao segundo, sem poder parar, com tempos controlados para comer, ir à casa de banho ou apanhar ar. Linhas onde os volumes de produção obrigam a trabalhar noites inteiras com consequências directas para a vida familiar. Linhas com um trabalho repetitivo, anos e anos a fio, a troco de mil e tal euros – visto por quem está cá fora como “muito bom”, porque 75% do país só leva 900 euros para casa.

    A eterna discussão sobre nivelarmos por baixo e pensarmos que, se eu estou na lama, por que razão deveria o meu vizinho ter o pescoço de fora.

    Estamos a falar de uma empresa que responde a uma casa-mãe onde os funcionários recebem três vezes mais pelo mesmo tipo de trabalho. Uma empresa onde um engenheiro, ao fim de 20 anos de dedicação, pode nem ter conseguido uma progressão salarial de 1.000 euros líquidos.

    E todos os anos a fábrica de Palmela está entre as melhores do grupo, mas, quando chega a altura dos aumentos, o que é que acontece? Soluções criativas. Ora são os “down days”, em troca de dinheiro, ora são os aumentos para as calendas gregas, ora são promessas de mais projectos, e aí sim, outras soluções.

    É claro que todos percebemos a dinâmica da coisa. As multinacionais mexem-se para onde a mão-de-obra é barata, o benefício fiscal existe e o trabalho fica feito. São as regras do negócio.

    No meu actual trabalho, vejo equipas espalhadas pela Índia, China e Ucrânia. Está tudo engatado, atrasos e problemas que não acabam (quem diria que um gajo a fugir de bombas não se consegue concentrar?!), mas o capital aumenta, os gastos são menores e o lucro dispara. Em Portugal, e com a Autoeuropa, é assim desde que me lembro.

    Lembram-se, aliás, do último VW, novo, bem barato que compraram? Pois, imagino que não, porque não existe. Os preços dos modelos vão acompanhando a inflação, ano após ano, com a sempre actual conversa dos custos de produção, mas, espante-se, os trabalhadores ficam essencialmente na mesma.

    Quando recusam uma proposta de aumento de 5,2% num ano em que a inflação real já vai em dois dígitos, o que eles estão a dizer, alto e bom som, é que percebem o mundo em que vivem. E estão a mostrar coragem, porque no sector privado, obviamente, o risco de perda de emprego é maior.

    Aliás, se se derem ao trabalho de ler as caixas de comentários dos vários jornais que falaram sobre a proposta chumbada pelos trabalhadores da Autoeuropa, podem atestar o que aqui escrevo. A onda de críticas da sociedade civil aos trabalhadores é gigante. Perdi a conta ao número de pessoas que os condenava ao desemprego, que falava na Opel da Azambuja, ou que lhes dizia que 5% era óptimo nos dias de hoje.

    O papão de “fechar e ir para outro sítio” deve existir desde o dia em que lançaram a primeira pedra na Quinta do Anjo. Ouvi essa ameaça não sei quantas vezes nos cinco anos que por lá passei, e à conta dela aceitámos dias de folga em vez de aumentos salariais de jeito. Entre a minha entrada em 2001 e saída em 2006, julgo que a diferença no salário líquido não chegou a 30 euros. Lembro-me de nos agarrarmos ao argumento de “é uma merda, mas é seguro”.

    Ora, o que mudou entretanto? Pouco. O grupo VW continua a ser um dos maiores do Mundo, a fazer lucros enormes e a espalhar fábricas de baixo custo por países pobres, pagando salários de jeito apenas na casa mãe (Wolfsburg) e nas demais fábricas do grupo (Audi, etc.) que estão em território alemão, onde os sindicatos não brincam em serviço.

    Bem sei que a VW não inventou a roda ou o capitalismo selvagem. O lucro é maior onde a mão-de-obra se vende por menos, e, no momento em que essa mão-de-obra fica mais cara, o capital vai para nova morada em busca de mais mão-de-obra barata. O ciclo é conhecido, está estudado e todos, a começar pelos trabalhadores da AutoEuropa, percebemos que fazemos parte dele.

    Agora, em consciência, cada um de nós, de preferência colectivamente, deve lutar contra essa ganância que nos leva direitos e qualidade de vida, a troco de lucro, com a promessa de um emprego e umas migalhas para pagar contas. É pouco, é muito pouco.

    Se a VW ameaçar, pela quinquagésima sétima vez, que vai explorar outros, ainda mais pobres, pois que vá. Se a força do nosso trabalho é tudo o que temos para a troca, não a podemos oferecer décadas a fio. Não podemos ver o custo de vida a subir exponencialmente e os salários, ano após ano, a serem uma envergonhada réplica do ano anterior.

    Algum dia acabam os povos para explorar e, nesse dia, começam as negociações a sério e a partilha de riqueza de forma justa. Quanto mais depressa lá chegarmos, melhor.

    Portanto, recusaram 5,2% e fizeram muito bem. Portugal não deve continuar a ser conhecido como um país onde a competência se vende barata. A Autoeuropa é, de facto, um exemplo.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A dia em que Fernando Santos não jogou para o empate

    A dia em que Fernando Santos não jogou para o empate

    Ao décimo quinto dia do Mundial, finalmente, uma extraordinária exibição da selecção portuguesa. Fernando Santos mexeu na equipa, mostrou coragem e ganhou em toda a linha.

    O talento dos jogadores portugueses soltou-se e jogaram como se estivessem na rua, sem constrangimentos tácticos e calculismos desnecessários quando se tem um grupo com tanta qualidade.

    A Suíça ainda ameaçou nos primeiros 15 minutos, mas a partir daí só deu Portugal, como sói dizer-se. As trocas rápidas e o futebol envolvente amassaram a equipa helvética.

    Gonçalo Ramos, Félix, Otávio e William foram sublimes. Pepe esteve imperial. Dalot não tremeu e Guerreiro apareceu nos espaços abertos por Félix, de cada vez que este baixava para receber a bola.

    Félix jogou e fez jogar. Esteve solto, sem medo de ter a bola e sem obrigação de a passar sempre para o mesmo sítio. Simeone, o seu treinador no Atlético de Madrid, deve ter aprendido algo esta noite.

    Numa noite absolutamente perfeita, Rafael Leão saiu do banco aos 85 minutos ainda a tempo de marcar o melhor golo da partida. Que alegria, que irreverência, que futebol de sem regras que Portugal jogou esta noite. E que qualidade tem uma equipa para se dar ao luxo de ir ao banco, a poucos minutos do fim, buscar o melhor jogador do campeonato italiano.

    No dia em que, por fim, Portugal disse aos adversários que também está no Qatar, a Espanha foi para casa, depois de falhar três penalties frente a uma aguerrida selecção de Marrocos. Para quem viu esse jogo, ficou a sensação que com um ponta de lança de primeira água (que Cheddira obviamente não é), nem aos penalties a Espanha teria chegado, tal foi a quantidade de oportunidades desperdiçadas.

    Depois de um playoff para aqui chegar e uma fase de grupos sem exibições de encher o olho, Portugal está a um jogo com Marrocos da meia-final do Mundial.

    E, desta vez, também por “culpa” de Fernando Santos.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A caminho, mais um tiro no pé

    A caminho, mais um tiro no pé


    Aqui há uns meses, um amigo vindo do Leste Africano, que chegou à Suécia num avião militar a fugir de uma guerra nos anos 90, analisava o conflito na Ucrânia. Para ele, os dramas europeus são terças-feiras em África, já que não conheceu uma década de vida sem os horrores das armas.

    Perguntava-me, com alguma incredulidade: “mas antes da Europa começar a dizer que não comprava gás e petróleo ao Putin, arranjaram uma alternativa? É que se não o fizeram, o bluff vai rebentar-vos na cara!”

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    De facto, é um pouco como anunciar a independência em casa dos pais, sair com uma mochila às costas e ligar no dia seguinte a pedir a mesada.

    De uma forma simples, sem paixões e moralidades de pacotilha, a coisa resume-se a isto. Se queremos meter um país de joelhos pela via económica, o mínimo que se espera de quem decide é que perceba se o tiro não volta para trás, com o dobro da intensidade. 

    Depois de vários pacotes de sanções que serviram, até ver, apenas para empobrecer os europeus e deixar alguns milionários russos em dificuldades, Ursula von der Leyen anunciou a imposição de um tecto para o preço do petróleo russo. A União Europeia decidiu que não pagaria mais de 60 dólares por barril, Zelensky pediu 30. Se me tivessem também perguntado, eu teria dito para obrigarem o Putin a enviar o crude de borla. Se é para pedir, assim ao calhas, acho que devemos meter a carne toda no assador…

    O regime russo, como seria de esperar, já avisou que não venderá a quem quiser controlar o preço. Se bem que a ideia tem potencial, imaginem um Mundo onde o cliente decide o preço que quer pagar. Seria o primeiro passo para o fim das trocas monetárias e, de certa forma, a sentença de morte para o capitalismo. Ainda vou descobrir que a Ursula é camarada.

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    [N.D. Bom, na verdade, o PÁGINA UM funciona assim; os leitores decidem o que “pagar” pelo jornalismo independente; mas não é exemplo para o mundo real, admita-se].

    A teoria da Ursula ter-me-ia dado jeito esta semana, quando saí da oficina e por lá deixei dois salários mínimos a troco de uma simples revisão feita a um carro com alguns anos de estrada. Perante a minha estupefação com o aumento exponencial de preços, o gerente da oficina dizia-me: “sabe, isto da Ucrânia subiu os preços para toda a gente”. Bendita Ucrânia, que tens as costas tão largas para a ganância. A factura aumenta 20% para o cliente final, mas o trabalhador recebe aumentos de 2%. 

    Mas a parte de mais esta sanção que realmente me interessa é a análise dos sempre badalados mercados. A Rússia é o terceiro produtor mundial de crude, atrás dos Estados Unidos e da “democracia” amiga saudita. No caso do gás natural, a Rússia é o segundo produtor, apenas atrás também dos Estados Unidos, e o terceiro está a grande distância destes dois. Excluindo a Rússia, a Noruega é o segundo país europeu com maior produção, mas apenas com 25% daquilo que sai dos territórios de Putin. A Alemanha retira do seu subsolo o equivalente a 1,5% do gás sacado pela Rússia.

    Não sei se entretanto os cabecilhas da União Europeia descobriram lençóis de gás e de petróleo nos Campos Elísios, no Coliseu de Roma ou até no nosso Beato, mas, admitindo que não, a Europa ainda está dependente, e muito, para o funcionamento das suas economias, do fornecimento de energia vinda de fora dos seus territórios. 

    Se Putin diz que não vende, nesse caso a União Europeia terá de recorrer a outros produtores. O mercado ficará reduzido a menos fornecedores e a probabilidade de concertação de preços, entre os restantes players, aumenta. Não vejo bem de que forma é que isto não resultará num aumento de preço no barril do petróleo e também do gás. Pior, não vejo como é que isto não resultará em mais empobrecimento para nós, europeus, que somos arrastados para o pagamento de uma guerra que não escolhemos.

    Pelo andar da carruagem, as populações dos países da União Europeia ficarão dependentes da ajuda dos respectivos Estados para conseguirem fazer face aos custos mensais. Das prestações bancárias às energias, passando pelos bens essenciais, caminhamos a um passo assustadoramente rápido para vivermos de pacotes de apoio de emergência.

    Em Portugal, já temos cerca de 50% da população (antes das prestações sociais) em risco de pobreza; portanto, como é que se aguenta esta inflação? Como é que se aceita, alegre e sem luta, um empobrecimento em nome da disputa do Donbass? Lembro as declarações de um ministro indiano que, de forma prática e sem moralismos hipócritas, disse que o seu país não se queria meter no conflito, mas que, com uma população tão pobre, não recusaria petróleo russo mais barato. É tão simples quanto isto.

    Os Governos dos países da União Europeia foram eleitos para defenderem os direitos e as condições de vida dos seus cidadãos. Ninguém votou no Costa para ele desviar dinheiro do SNS e enviá-lo para Kiev, enquanto os portugueses vão ficando sem comida para meter na mesa. Esta hipocrisia começa a tornar-se insuportável.

    people sitting in front of table talking and eating

    Há relatos das populações envolvidas, russos e ucranianos, a pedirem aos seus Governos que iniciem as conversações de paz. E no lado europeu, segue a teoria do “as long as it takes“. 

    Vamos ver quando tempo demorará até que mais uma sanção se vire (ainda mais) contra nós. Se a guerra continuar por muito mais tempo, e admitindo que a União Europeia continua a desviar fundos para lá, espero que o que sobrar do Orçamento de Estado, depois da Ucrânia, dos salários da Função Pública e do gamanço para as clientelas, comece a ser distribuído pela população em forma de aumentos salariais, reduções de impostos ou simples subsídios. 

    Com a calma de quem não passa frio, não vê cortes salariais ou morre na frente da batalha, já ouço discussões, em horário nobre, sobre o abrandamento da guerra no Inverno e uma retomada, mais bárbara, lá para a Primavera. Estão loucos. Estão todos loucos. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • A boca, os penalties e o atropelamento

    A boca, os penalties e o atropelamento

    O Japão, depois de vencer as fortíssimas selecções da Alemanha e de Espanha, voltou a surpreender, desta vez frente aos croatas. Grande atitude e garra dos samurais que mostraram uma vontade incrível e um verdadeiro espírito de equipa. A Croácia, sempre lenta de processos neste Mundial, fez-me acreditar numa surpresa nos quartos-de-final. Mas valeu a experiência croata e, devagarinho, não só empataram como controlaram o jogo até obrigarem à realização do primeiro prolongamento da competição.

    O ritmo nesta parte foi tão lento que imaginei que todos se sentissem confortáveis com penaltis, a decisão mais angustiante na minha opinião. Os croatas são especialistas na matéria já que este seria a sua quarta vez a decidir num Mundial depois dos 90 minutos sem nunca terem perdido. Os japoneses, bom, tendo em conta a péssima forma com que bateram as grandes penalidades, talvez devessem ter apostado algo mais enquanto a bola correu.

    Ainda assim uma boa prestação dos nipónicos e a dúvida de, nas pernas de um Modric, com 37 anos, saber até onde poderá chegar esta Croácia?

    Já no jogo que opunha o Brasil aos comandados de Paulo Bento a história foi a de um crime. Atropelamento e fuga, com o 3-0 a chegar antes dos 30 minutos. Joga muito este Brasil, e Tite, ao fim de alguns anos, consegue meter a equipa a fazer aquilo para que nasceu: atacar.

    Perdi a conta ao número de vezes que os brasileiros chegavam à área coreana, com quatro ou cinco jogadores, num carrossel imparável de futebol a um ou dois toques. Paulo Bento ainda tentou recuar as linhas e defender com mais gente, mas a fragilidade desta Coreia, a equipa mais fraca do grupo de Portugal, ficou exposta a cada cavalgada de Neymar, Vinicius, Raphinha e Richarlison.

    Joga mesmo muito este Brasil. Com França e Inglaterra, o Brasil é uma selecção que apresenta qualidade e regularidade, desde o início da competição. Se tivesse que colocar dinheiro numa aposta para a final, diria que França e Brasil são os claros favoritos. Até os caminhos ajudam.

    No reino de Marcelo, as novidades não são estridentes, e não chegam bem a ser novidades. Afinal, Fernando lá viu as imagens e percebeu que as bocas eram mesmo para ele. Ficou chateado e, ainda por cima, ninguém na FPF lhe passou o guião oficial antes da conferência de imprensa. Já o Mundo inteiro sabe que a marrada era para o nosso engenheiro e o escriba de Fernando Gomes, nos escritórios da FPF, ainda está a escrever a versão 1.0 da desculpa oficial. Caros, já não estamos em Saltillo. Somos profissionais disto. Há que aprimorar essa coordenação no departamento das tangas.

    Santos disse que não sabe se Ronaldo será titular amanhã, ou por outras palavras, quando um f***-se tem mais poder do que 10 golos falhados. Pragmatismo luso é todo um novelo. As capas dos jornais para esta quarta-feira já estão preparadas e a minha aposta vai para “relógio suíço sem corda”. Agora, lembrai-vos, nem um passe para trás! A não ser que venha do William. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O pauzinho, Mbappé e a mota que ninguém tem

    O pauzinho, Mbappé e a mota que ninguém tem

    Na minha infância, passada nos Açores, ouvi muitas vezes a expressão “tirada com um pauzinho do cu” para descrever ideias de merda.

    [N.D. O autor decidiu ser mais papista do que o papa, censurando um idiotismo com asteriscos em duas palavras, que o editor “descensurou”; cu e merda são palavras que constam do léxico português, e aqui fazem todo o sentido serem expostas, mesmo se remetendo para aspectos da escatologia]

    A FIFA que, imagino, deve ver os jogos do Mundial, chatíssimos, com blocos ultra-defensivos e ataque nos últimos minutos, está a estudar atribuir 2 pontos aos empates e decidir a coisa por penalties, ao fim dos 90 minutos. Também vão alargar o Mundial e trazer as ilhas Fiji, o Toga, os Barbados, o Laos, a Namíbia e mais uma série de potência, para que a competição se arraste quase dois meses com a emoção de um Moreirense vs. Penafiel numa noite chuvosa em terreno empapado. É aqui que entra o pauzinho.

    A Polónia entrou no jogo com a França a mostrar-nos que sabia mais do que aquilo que tinha jogado na fase de grupos. Quiçá se tivessem mostrado esta coragem, fosse hoje a Argentina a estar eliminada. A Polónia atacou, por momentos encostou a França, e falhou as oportunidades. Uma, duas, três vezes. Giroud teve uma oportunidade e não falhou. Eficácia e cinismo francês e a prova da máquina em que se tornaram. Mbappé esteve intratável e nem de mota, como Milik tinha sugerido, a Polónia o conseguiu parar. Pergunto-me quem o conseguirá parar? A ele e a esta França.

    Há festa em Paris com uma qualificação perfeitamente merecida e natural dos super-favoritos franceses. Marine Le Pen está a pensar como é que vai fazer um tweet a falar bem de tantos emigrantes africanos.

    No segundo jogo do dia, a história repetiu-se. Os menos cotados, neste caso o Senegal, atacaram e estiveram por cima do jogo, desperdiçando algumas oportunidades. A Inglaterra aproveitou os espaços e, contra a corrente do jogo, marcou num rápido contra-ataque, repetindo a dose pouco antes do intervalo. O segundo golo inglês é um compêndio na arte de contra-atacar.

    Compêndio: bolas, já estou armado em Luís Freitas Lobo…

    As nossas esperanças residem agora na armada do Rei Carlos. Ou param eles os franceses ou não há santa que nos valha.

    Puxem todos da santinha e façam a vossa parte.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A lei do mais forte e a novela lusa

    A lei do mais forte e a novela lusa

    Chegaram os jogos a doer entre as 15 melhores seleções do Mundo e a Austrália. A expressão não é minha, mas é tão boa que a vou repetir até ao Natal.

    O primeiro dia de mata-mata não tinha grande cartaz. Holanda e Argentina eram claramente favoritas e, sem terem feito ainda uma boa exibicão nesta competicão, despacharam os respectivos adversários sem grande esforço.

    Norte-americanos e australianos terminam a participação no Campeonato do Mundo com uma qualificação para os últimos 16. No caso australiano parece-me que passarem a fase de grupos já é um título, tais são as limitações da equipa. Os norte-americanos já estão num nível diferente e apresentam um 11 com alguns jogadores muito interessante, com Pulisic à cabeça. Mereceram chegar a esta fase, mas, daqui para a frente, o filtro é muito apertado e sobra menos espaço para supresas.

    A Holanda, esta Holanda que está longe da laranja de outros tempos, chega aos quartos de final sem um jogo feito contra um adversário difícil. Não se podem queixar da sorte, mas terão de subir o nível, para o primeiro jogo a sério que terão na competição, contra a Argentina.

    Enzo Fernandez parece ter garantido o seu lugar na equipa argentina e, para mal dos meus pecados, deve estar de malas feitas do Benfica. Qualidade como esta não pode ficar nos domingos à noite a jogar em Arouca. 

    Os comandados de Scaloni marcaram três golos e ganharam 2-1. Enzo mantém o sentido de golo e, como dizia um amigo meu sempre que acertava na própria baliza nas futeboladas de domingo, “o que importa é marcar!”.

    Messi mantém aquele hábito irritante de ser útil à equipa. Passa, dribla e não cria confusão. Pelo meio ainda vai marcando uns golitos. Tivesse ele Bernardo Silva e Bruno Fernandes ao lado, e Pepe com Ruben Dias lá atrás e, provavelmente, outro galo, que não o francês, cantaria.

    Entretanto, começo a perder a paciência para as novelas em torno de Cristiano Ronaldo. Aceito que ele tenha lugar garantido na equipa até aos 50 anos, jogando pouco ou nada. Reconheço que Portugal lhe deve muito. São cinco Mundiais e cinco Europeus nas pernas de Ronaldo, e apenas seis (três Europeus e 3 Mundiais) nos restantes 80 anos de História do futebol português. Portanto, se Ronaldo for o Miura português e jogar até aos 60, por mim tudo bem.

    Não pode é continuar a exigir o tratamento, tempo de jogo e atenção como se a selecção fosse Ronaldo + 10. Não é. Há alguns anos que já não é.

    A FPF vive obcecada com os recordes de Ronaldo e não há jogo em que ele fique de fora, porque há sempre um recorde novo para bater. Até há poucos meses nem sequer era substituído, nem que fosse um jogo contra o Kuwait. Agora, perante as evidências, vá lá, que já há coragem de substituir Ronaldo. A selecção de 2016 ganhava apesar do Fernando Santos. A de 2022 ganha apesar de Fernando Santos e Ronaldo.

    A gratidão, a tão afamada gratidão que os life coaches usam a cada três frases, e que todos devemos a Ronaldo, não pode toldar o espírito do jogo e o seu objectivo. É um desporto colectivo, dividido em momentos de ataque, controlo e defesa. O Ronaldo, nesta fase, não faz nenhum. Mas mantém a arrogância de quem não aceita a realidade. 

    Não gosto das manifestações de ódio que Ronaldo desperta. Nunca Portugal teve alguém, em qualquer ramo de actividade, que tenha atingido, durante tanto tempo e de forma constante, o topo do Mundo. É verdade que muitas pessoas nem sabem onde fica Portugal mas sabem quem é Ronaldo. E para lá da marca global em que se tornou, os méritos desportivos são inegáveis. É um dos três melhores jogadores de sempre. Portanto, a memória não pode ser curta.

    Mas não podemos, por causa disso, comprometer o desempenho da selecção e as aspirações num Mundial. Ronaldo pertence a esta equipa e merece lá estar. Mas não pode estar todos os jogos, 90 minutos. Já não dá. Está a prejudicar.

    Cenas como a de ontem, com o desaforo entregue a Fernando Santos (“estás com uma pressa do c**** para me tirar, f***-se!”) fazem as manchetes do dia de hoje. Discute-se mais a azia de Ronaldo do que o jogo miserável contra a Coreia. 

    Estou longe de ser um fã de Fernando Santos, mas se há homem que tem aparado os golpes todos a Ronaldo, tem sido ele. São cenas atrás de cenas com treinadores, reclamações com os colegas e falhanços atrás de falhanços.

    A tentativa da FPF de controlar danos, com a história do impropério dirigido ao sul-coreano, é quase deprimente. Mais do que nos atirar areia para os olhos, tratam-nos como se fôssemos uma cambada de idiotas.

    Alguém tem de dizer a este homem que está, em poucos meses, a destruir o crédito acumulado e a encher a paciência de quem o idolatrou, justamente, durante toda a sua carreira.

    A sério Ronaldo, já chega. Joga ou deixa jogar. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vem aí o relógio suíço

    Vem aí o relógio suíço


    Ontem escrevi aqui que o Fernando Santos ia devolver a gentileza a Luis Enrique, perdendo o jogo com a Coreia e apostando tudo no “lado brasileiro” da competição. Há que dizer que tentou. Entrou com segundas linhas e ainda meteu o André Silva, ou seja, ninguém pode acusar o nosso engenheiro de não ter tentado.

    Uma coisa que nunca entendi nestas competições é esta necessidade de rodar as equipas, e “descansar” quando o apuramento está garantido. Descansar de quê? Miúdos de 20 e tal anos ficam cansados de jogar à bola de quatro em quatro dias? Cansado fico eu de trabalhar todos os dias com este frio de Dezembro, que devia ser proibido.

    À mesa, com um grupo de portugueses residentes na Suécia, discutia a influência de Ronaldo na selecção portuguesa, enquanto Son corria metade do campo sem que o Palhinha lhe desse a “varridela” desejada e necessária. Um deles tentava explicar-me que Ronaldo ainda era letal em frente à baliza, embora cada jogada nos contasse o contrário.

    Eu faço parte daquela geração que cresceu a ver Portugal fora das grandes competições, portanto, se alguém quiser fazer um estátua ao Ronaldo no Marquês do Pombal e deixá-lo jogar na selecção até aos 50, eu assino por baixo. Portugal deve umas coisas a este extraordinário atleta. Mas não me digam que ainda é letal. Não é, infelizmente.

    O jogo da selecção portuguesa, pela terceira vez neste Mundial, foi pobre, muito pobre. Uma confusão de posse de bola e passes laterais, sem procura de baliza ou qualquer objectividade na procura do golo. Acaba por desesperar qualquer crente.

    A boa nova é que Paulo Bento também passou e o Gana vingou-se, finalmente, de Luis Suarez. A história acaba sempre por se endireitar. E todos gostamos do Son, que é uma espécie de herói da banda desenhada.

    Os jogos da noite trouxeram, entretanto, a notícia mais ou menos esperada: a Suíça, liderada pelo albanês Xhaka, enviou a Sérvia para casa num jogo rasgadinho. Como dizia um companheiro de jornada, o Xhaka pagou com a pancada que levou nas pernas a independência do Kosovo. Confesso que a vitória dos Camarões perante o super-favorito Brasil me deixou alguma esperança. Eram por eles que torcia no grupo G.

    Portugal sabe agora que disputará os oitavos com a Suíça, uma selecção chata, competente e que, há pouco tempo, venceu Portugal numa qualificação. Quando as contas se fecharam, comecei a implorar aos céus que não fosse Luís Freitas Lobos a comentar o jogo: quantas vezes é que se consegue usar a expressão “relógio suíço” durante 90 minutos?

    Para selecções com aspirações – como Portugal, Argentina, França, Brasil e Espanha –, começa verdadeiramente agora o Mundial. O caminho dos comandados de Fernando Santos é, em teoria, incrivelmente complicado até à final: Suíça, Espanha e França. 

    Vamos precisar um bocadinho mais do que o Éder, desta vez. A minha fé, essa, está inabalável: ainda não acredito. É preciso jogar mais. Muito mais.  

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O poder e a fé na santinha

    O poder e a fé na santinha


    A terceira ronda da fase de grupos deste Mundial tem sido um regalo no que toca a surpresas. Hoje foi a vez da Bélgica se despedir, depois de Lukaku ter falhado um número suficiente de golos para, amanhã, ser novamente referido na imprensa do seu país como um jogador de ascendência congolesa. Extraordinário foi o apuramento marroquino num grupo que contava com um finalista e um semi-finalista do último Mundial. A Croácia e a Bélgica são agora duas selecções envelhecidas, jogaram muito menos do que seria expectável e, no fim, saiu a fava aos belgas. 

    No jogo que importava a Portugal, o Japão venceu de forma surpreendente a Espanha que, já em tempo de descontos, não parecia muito interessada em correr atrás do prejuízo. A “prenda” pela passagem japonesa será um confronto com a Croácia nos oitavos e, provavelmente, o Brasil nos quartos-de-final. Já Espanha, com o seu segundo lugar, não só despachou a Alemanha como garantiu um caminho para a meia-final com Marrocos e Portugal (esperamos nós) pela frente. Assim de repente, parece-me o melhor lugar do grupo.

    white and black ball on white metal frame

    Entretanto, eu imaginei Fernando Santos ajoelhado em cima de pinhas, com velas em redor e um conjunto de rezas poderosíssimas, durante os 90 minutos dos jogos de Espanha e da Alemanha. Perto dos 70 minutos, a conjugação de resultados eliminava Espanha e Alemanha: O Japão e a Costa Rica estavam então em vantagem por 2-1. Tal era o poder da santinha… Não deu até ao fim, mas a santinha tem poderes.

    Com os resultados de hoje, Portugal deixou de ter um caminho simples pela frente. Depois dos oitavos, onde se espera que defronte Suíça ou Sérvia, selecções com quem perdeu nos últimos anos por acaso, deve cruzar-se com Espanha e França.

    Isto, claro, se a lógica do mais forte imperar e contrariar um pouco as montanhas-russas da fase de grupos.

    person holding gold trophy

    Por esta altura, já não sei se é melhor acabar em primeiro ou segundo. No caso do segundo lugar, do lado de lá estará o Brasil e uma Argentina que joga muito pouco. Do lado do primeiro lugar no grupo, estarão Espanha, França e Inglaterra. Os espanhóis fizeram contas conosco e deixaram um presente amargo no dia da Restauração. Se a santinha disser ao Fernando Santos que eliminamos o Brasil nos oitavos, a partir daí é passear até à final, eu aposto no salto de fé.

    Por fim, aguardo com expectativa para ver se o André Silva entra no 11 amanhã. Se sim, encararei como um sinal de operação em marcha. Um “depois do adeus” da fé inabalável nas Arábias e a devolução do presente envenenado a Luiz Enrique.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.