Autor: Tiago Franco

  • A pobreza que aí vem

    A pobreza que aí vem


    Dei por mim no supermercado a encher sacos de papel com a maior rapidez possível: fico sempre com a sensação de que atrapalho a vida de quem vem atrás. Enquanto fazia isso, olhava com algum desprezo para os produtos.

    Um emigrante num país nórdico quase quer fazer uma excursão a Portugal só pelo prazer de olhar para a variedade de propostas em cima do gelo de uma peixaria, de desfrutar a cor vermelha das carnes no talho ou de fruir o colorido da banca de frutas e legumes. Senhores!, eu até passo 15 minutos na fila dos iogurtes só para apreciar a variedade e sair de lá com o mesmo natural magro de sempre.

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    Na Suécia, entre fruta – que chega do outro lado do Mundo – e peixes – que voltam do mar em formato de filete congelado –, os olhos não comem nos supermercados.

    Arrumo aquela pobreza franciscana em três sacos com metade do volume ocupado. e volto à senhora que gritara o preço lá do fundo. Aproximo-me, e vejo a módica quantia de 140 euros no visor. Por uns congelados, umas frutas, alguns lacticínios. Nada de carne ou peixe. Nem um tinto daqueles bons, para esquecer as amarguras do Inverno.

    Fiquei com vontade de deixar ali tudo e vir embora. Mas estou na Suécia… e se uma pessoa levanta a voz tem de ir logo sete meses para terapia patrocinada pelos serviços sociais, incluindo cinco horas diárias a discutir os traumas de infância.

    De modo que há que empurrar a angústia para o fundo, bem lá para o fundo, sorrir e dizer um revigorador foda-se [N.D. este passa… por solidariedade], que ali ninguém compreende.

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    Já em casa, a olhar para aqueles saquitos de papel, comecei a puxar pelo racional. A minha fase emocional dura uma hora, a racional ocupa as restantes 23 do dia. A Suécia está com 9% de inflação, as taxas de juro andam a rondar os 5%. Os salários não aumentam muito – os que aumentam sequer –, e o custo de vida, que já era alto, caminha para se tornar incomportável.

    Olho em redor, e vejo toda a gente a apertar o cinto. Casas que se vendem, viagens que não se fazem, jantares que desaparecem, actividades que ficam por casa. Nunca tinha passado por isto nestes 17 anos, já com duas ou três crises no CV.

    Não se fala muito no tema, mas a vida mudou. Num país sem pedintes na rua ou com um risco de pobreza a rondar apenas os 8% (em Portugal era 43% em 2020), sem grandes espaços entre classes sociais e um salário médio superior a 4.000 euros, o custo de vida começa a sufocar. Esta é a palavra: sufocar.

    O Banco Central sueco [N.D., a Suécia não integra a Zona Euro] prevê que lá para os idos de 2025 a inflação volte aos 2%. Entretanto, há que subir os juros para inibir o consumo. As prestações aos bancos passam, assim, de uns suaves 1.000 euros para uns 2.500 ou 3.000 euros, assim, do nada. Para incentivar a redução do consumo. Famílias, umas atrás das outras, vendem as casas e procuram soluções mais baratas.

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    É aqui que entra o raciocínio e a lógica – até porque a minha família, dentro de uns meses, estará nessa lista. O que é que acontece, do ponto de vista económico, se todos forem a correr ao mercado vender as casas? Bom, pelo que vou observando, os preços baixam, a oferta aumenta em barda e algumas casas não se vendem ou vendem-se muito abaixo do preço esperado.

    Então, e para quem não consegue vender a casa ou pagá-la? Vai preso? Vai morrer debaixo de uma ponte gelada neste Inverno que dura oito meses? E mesmo para quem consegue vender… o que acontece depois? Vai ao banco, pedir novo empréstimo para uma casa menor que, com a taxa de juro actual, custa essencialmente o mesmo que a anterior?

    Não estou a perceber mesmo onde é que termina esta equação. Ou melhor, não vejo qualquer medida por parte dos governos para travar esta loucura. A Lagarde faz o que quer. Os bancos da Zona Euro fazem o que querem. Os governos limitam-se a olhar e a esperar pela descida milagrosa da inflação, enquanto vão mandando mais uns lingotes para o Donbass.

    O endividamento das famílias na Suécia ronda 92% do produto interno bruto (PIB), segundo dados Comissão Europeia de Setembro de 2022. Portanto, é relativamente fácil compreender que a especulação do mercado imobiliário foi acompanhada pelo crédito bancário. Hoje, subidas de 2% ou 3% nas taxas de juro representam aumentos de milhares de euros nas prestações, já que os empréstimos são muito elevados.

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    Ao contrário do que aconteceu durante os dois anos da pandemia da covid-19, onde se construíram hospitais de campanha e se deixaram de cobrar juros, agora as famílias estão completamente entregues à sua sorte. Deste lado, onde a Economia é mais robusta, há de facto a esperança de conseguir atravessar estes cinco anos (2020-2024), sem perder o emprego e ir aguentando as contas, com maior ou menor dificuldade. Vidas que se alteram em nome do Donbass, mas onde, apesar de tudo, ainda vejo alguns raios de luz.

    Em Portugal, a situação é radicalmente diferente. Embora o endividamento das famílias seja menor (cerca de 77% do PIB), os salários também são incomparavelmente inferiores e o mercado de trabalho disponível é uma pequena gota nas necessidades. Recebo relatos de pessoas absolutamente desesperadas, sem emprego e sem possibilidade de pagarem as rendas, começando a ver no suicídio uma alternativa em vez de acabarem os seus dias debaixo de uma arcada de Lisboa.

    E não vejo nada, absolutamente nada, por parte de quem nos governa, para dar a mão a quem vai perdendo um dos direitos básicos da Constituição: o direito à habitação. É outro dos mistérios que me vai escapando.

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    Se o custo de vida sobe, se o Governo arrecada um jackpot mensal em impostos… para onde vai esse dinheiro? É todo gasto nas indemnizações das Alexandras, nas esmolas dos 125 euros ou na merda do Donbass? Agora que são, de facto, necessários “hospitais de campanha”, não há quem pense em construir habitação temporária para abrigar esta gente?

    Com a avalanche de pedidos que chegam aos serviços sociais, com pedidos de casa e comida todos os dias, não há um gajo, uma cabeça, um ser pensante, nesta merda deste Governo de maioria, que entenda ser preciso ir para a rua, criar abrigos e dar refeições quentes a quem vê no fim da vida uma solução?

    Afinal, quantos dos nossos é que estamos dispostos a matar para alimentar uma guerra dos outros?

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Eis o top 5 dos “inegáveis” pecados capitais dos professores…visto por quem não é, claro!

    Eis o top 5 dos “inegáveis” pecados capitais dos professores…visto por quem não é, claro!


    Aprecio bastante o reportório de queixas repetido a cada greve da Função Pública. Vejo, com um sorriso, a indignação de quem afirma que uma greve, seja qual for, não pode prejudicar a vida das pessoas.

    Dos utentes do metro aos passageiros da CP e da Carris, e passando pelos pais dos alunos, há uma enorme fatia de gente que ainda parece achar que uma greve é uma espécie de feriado móvel. Ou como dizia um antigo chefe meu, no início do século: “se querem fazer greves, que as façam ao sábado!”.

    É um conceito peculiar, este, o das greves que não incomodam. Quer dizer, seriam greves sem qualquer utilidade ou sequer poder reivindicativo, mas certamente trariam uma lufada de ar fresco ao debate. Deixariam era de serem greves autênticas, se bem que não nos devemos perder em detalhes.

    Sigamos.

    Os professores são, dentro da Função Pública, aqueles que mais têm endurecido e prolongado a sua luta. Nos noticiários, caixas de comentários ou até no Fórum TSF – esse longevo barómetro do pensamento popular magistralmente coordenado pelo Manuel Acácio – é possível recolher um resumo das queixas mais frequentes contra os professores, e compreender assim como é que nós, portugueses, ainda estamos pouco talhados para a defesa dos direitos dos trabalhadores.

    Deixo aqui o top 5 das queixas, e acrescento o que penso sobre as ditas:

    1 – “As greves prejudicam os alunos

    Se pensarmos que queremos alguém para passar o tempo dentro de uma sala com os alunos, então sim, a greve não só prejudica os alunos como os pais que têm de ficar com eles ou arranjar alternativas.

    Contudo, se pensarmos um bocadinho, o que realmente devemos pedir ao sistema público de Ensino são professores motivados, e que possam, na sala de aula, realizar-se também profissionalmente, e, dessa forma, passar conhecimento aos nossos filhos.

    Como não é isso que existe hoje, aquilo que prejudica os alunos são sim as sucessivas políticas de Educação que andam a destruir a Escola Pública. Ou ainda dois anos de confinamentos em nome ainda não se sabe bem de quê, e que, irremediavelmente, atiraram as necessidades educativas para segundo plano, como se o Apocalipse estivesse ali ao virar da esquina.

    Aquilo que os professores estão a fazer, ao lutar pela dignificação da carreira, é exactamente a melhorar a Escola Pública e a beneficiar os alunos no longo prazo.

    2 – “Os professores estão a ceder aos interesses dos sindicatos

    Fico sempre pensativo com quem condena sindicatos como coordenadores das lutas laborais. Gostava de saber se, para essas pessoas, existe outra forma, desconhecida do grande público, para as pessoas se organizem e falarem como um colectivo.

    Tem um trabalhador sozinho alguma influência nas decisões da sua carreira? Em princípio, não. Então, e se forem todos os trabalhadores do sector? Em princípio, sim. E podem falar todos ao mesmo tempo com o empregador? Por exemplo, com o ministro da Educação? Fica mais confuso, não é? Tipo Mercado da Ribeira e ninguém se entende. É por isso que se juntam em colectividades onde um fala por vários. É essa a “conversa dos sindicatos”; e sem ela não existe negociação.

    3 – “Concordo com a luta dos professores, mas não há outra forma de protesto sem ser a greve?

    Há. Por exemplo, para monges tibetanos há o silêncio. Mas aqueles vivem em mosteiros, sem rendas ou taxas de juro, comem pouca coisa, não abastecem as sandálias com diesel e, portanto, o custo de vida não sobe assim tanto relativamente ao salário.

    Já para quem está há 10 anos numa conversa de surdos com os sucessivos ministros, essencialmente com o mesmo salário e sem progressão na carreira, a ver o custo de vida a disparar, de facto não há grandes alternativas a não ser a greve. É, de longe, a forma de luta mais civilizada e uma prova da paciência desta classe profissional.

    4 – “Os meus filhos andam num colégio privado e nem sabem o que é uma greve

    Sorte desses professores que ali dão aulas, por receberem um salário digno; e azar dos alunos do colégio privado, que, apesar da elevada propina, não aprendem um dos direitos fundamentais previsto na Constituição. Preciso de dizer mais alguma coisa a este respeito?

    5 – “Os professores continuam a ser uma classe com bons salários e com muitos privilégios; por exemplo, horário reduzido

    Julgo que já não vale a pena bater na tecla das horas de trabalho fora da sala de aula, que não são contabilizadas. Ou sequer dos salários vergonhosos. Escrevi há dois meses, em 4 de Novembro, aqui no PÁGINA UM, sobre isso, com testemunhos reais: em média, profissionais com 10, 15 e 20 anos de trabalho não traziam para casa 1.500 euros líquidos. Isto é uma vergonha, Uma miséria e uma merda. Seja lá qual for o ângulo escolhido.

    Mas há um pormenor na vida dos professores que gostava AINDA de referir, e que, tal como a história dos salários, me foi explicado na primeira pessoa. São relatos de pessoas que passam a vida a saltar de escola em escola, contratados durante mais de 10 anos, a mudar constantemente de zona do país, e que, por causa das vicissitudes da profissão acabam por ter muita dificuldade em formar uma família ou manter algum relacionamento estável.

    Muitos, confidenciaram-me, optam, ou são obrigados a optar, por uma vida sozinhos, sem um núcleo familiar, por não ser possível conciliar nos primeiros anos da carreira… e mais tarde, “tinha passado o tempo”.

    Compreendem a violência deste tipo de declarações? Ver-se empurrado para uma vida de solidão para se ser professor? É deste tipo de privilégios que os tais pais incomodados pelas greves se queixam?

    A Escola Pública em Portugal – um dos países menos desenvolvidos da Europa, é bom que não se esqueçam – não eleva o seu patamar de excelência com pensos rápidos e esmolas. É necessário um investimento sério, continuado e uma política que não mude ao sabor de quem governa ou dos lobbies que por lá passam.

    Enquanto existir um contribuinte, o dinheiro deve ir para a Escola Pública e o Serviço Nacional de Saúde. São esses os pilares do Primeiro Mundo. O resto é secundário. Os professores, repito-o pela enésima vez, são a base do sistema; a luta deles é a luta de todos. A começar pelos nossos filhos.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM. As fotografias foram retiradas do mural do Facebook da Fenprof, retratando o acampamento defronte do Ministério da Educação durante esta semana.

  • A política do ódio, essa caixa de Pandora

    A política do ódio, essa caixa de Pandora


    As imagens dos tumultos em Brasília – com hordas de apoiantes de Bolsonaro a invadirem o Supremo Tribunal Federal, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional – deixaram a comunidade internacional em choque. Ou pelo menos assim me dizem os noticiários.

    Confesso que não foi o meu caso. Quer dizer… claro que lamento o sucedido, e obviamente que me junto a quem repudia o ataque à democracia, mas, aqui entre nós, era assim tão difícil imaginar um cenário destes?

    A presidência de Bolsonaro fez-me sempre lembrar uma cópia barata daquela que Donald Trump produziu – com mais cobertura mediática, claro – nos Estados Unidos. Ambos se destacaram pela falta de preparação; pela ausência de estudo em cada tema que tinham que discutir, apresentar ou debater; por decisões erradas; e por uma extraordinária ignorância.

    Aliás, sempre foi esta, para mim, a parte mais difícil de entender: como é que milhões de pessoas votam em dois seres de uma ignorância épica para gerirem os destinos dos respectivos países?

    A análise mais simplista é a de que o Mundo está cheio de ignorantes e, como tal, elegem um semelhante. A outra é a que, de facto, as pessoas se identificam com uma ou mais características que estes homens exibem sem pudor. Seja o racismo, a pouca simpatia pela democracia, o favorecimento do lobby das armas, o machismo exacerbado, os repetidos ataques à emergência climática e às políticas contra os combustíveis fósseis.

    Bolsonaro – tal como Trump, Ventura, Le Pen, Orban e outros – integra um certo ressurgimento de uma extrema-direita que esteve enterrada (ou pelo menos mais discreta) durante décadas no Ocidente.

    Pouco tempo depois de Bolsonaro ser eleito, tentava perceber, enquanto passeava pelo Rio de Janeiro, as razões que levaram um amigo a ter votado nele. De entre as várias que referiu – quase todas relacionadas com o desprezo às classes mais desfavorecidas e, em teoria, beneficiadas pelas políticas sociais de Lula e depois Dilma –, houve uma que me ficou na retina: o preço do tomate.

    Dizia ele, de forma simples que, com Lula ou Dilma, um quilo de tomate custava mais de 5 reais. Agora, custava pouco mais de 2 – portanto, a vida dele estava melhor. E pouco lhe importava se o Bolsonaro era um ignorante que envergonhava o país em cada declaração pública. O tomate estava mais barato. Ponto final.

    Foi o mesmo tipo de argumento que uma amiga usou, numa conversa, para me explicar porque votaria em Donald Trump. Segundo ela, os benefícios fiscais nas pensões seriam maiores com Trump, logo, seria ele o dono do voto. Independentemente de todas as asneiras feitas e assumidas, da perseguição às minorias, do racismo desmedido e da absoluta falta de preparação. Com Trump e Bolsonaro, naquele dia, havia um pouco mais de dinheiro no bolso. E chegava como argumento para escolher o sentido de voto.

    O problema destes representantes de movimentos políticos com pouco respeito pelas regras democráticas vem, normalmente, depois. No caso de Bolsonaro, percebe-se agora que a sua queda veio trazer incómodo a alguns poderes instalados. É difícil acreditar que um ataque desta dimensão tenha sido organizado apenas nas redes sociais e sem o patrocínio de quem ficou a perder com a vitória de Lula. Fala-se na extrema-direita organizada e apoiada pelo sector do agronegócio que, previsivelmente, não terá com Lula a mesma cobertura que teve com Bolsonaro, para quem as questões ambientais eram histórias da carochinha. Mas ainda é cedo para grandes conclusões.

    O próprio Bolsonaro não contribui para a pacificação e claramente não aceitou as regras do jogo. Prova disso foi a fuga para Miami, de forma a não fazer parte da passagem de poder para Lula da Silva. É engraçado perceber como todos estes políticos de extrema-direita têm algo em comum: apresentam-se como alternativas que chegam para lutar contra o sistema e os poderes instalados, mas, assim que o sistema diz que já não os quer, fazem o que podem para alterar os princípios básicos da democracia.

    Se pensarmos um bocadinho, é mais ou menos aquilo que vemos, com alguma regularidade, nas eleições um pouco por todo o continente africano: mal o candidato derrotado não aceita os resultados, começam os tumultos e, de vez em quando, uma guerra.

    A prática estende-se ao continente americano e, quiçá, um destes dias à Europa, com a subida mais do que confirmada da extrema-direita em todo o continente.

    O que é que se pode esperar de alguém que faz do debate político um ringue para espalhar ódio e criar muros entre pessoas? No mínimo, que os seus apoiantes vejam nessa forma de comunicação a maneira de reclamar e legitimar decisões.

    Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil.

    Esta ideia de legitimar algo errado, porque no momento nos traz algo de bom (por exemplo menos impostos), fez-me lembrar a situação da Suécia que, nas últimas eleições, fez com que um partido de extrema-direita, com discurso assumidamente racista contra emigrantes, se tornasse a segunda força política mais votada.

    Sendo eu emigrante, e pai de outro emigrante, escuso-me a comentar a razão de achar este resultado preocupante, mas noto as reacções dos locais. A primeira é a de ver alguma alegria com a redução do preço dos combustíveis. O fim do apoio aos carros eléctricos e gasolina mais barata (barata…quer dizer, cara, mas não tão cara, é melhor assim), em princípio vai alegrar a maior parte das pessoas; afinal, comprar um carro eléctrico ainda é um luxo que não está ao alcance de todos.

    Da mesma forma, endurecer as políticas de emigração e não deixar entrar mais gente, vai animar quem gosta de ver o Mundo a uma só cor. Ou seja, para já, haverá certamente quem fique contente com as políticas introduzidas pelos “bolsonaros” suecos.

    O diabo está nos detalhes.

    Por exemplo, com a dificuldade de preencher as vagas de trabalho ou a dificuldade crescente de obter um visto de residência (vários meses por vezes), já há falta de gente hoje com óbvias consequências para a Economia. Fechar as portas não ajuda. O mesmo com a ligeira redução de impostos. Ficamos todos com um pouco mais de dinheiro no bolso, mas a componente do Estado Social é afectada. Por exemplo, uma das propostas é a redução da comparticipação estatal no subsídio de desemprego. Ou seja, pensamos que tudo funciona bem hoje – e algures, lá para a frente, na doença, na velhice, no desemprego, pagaremos o preço.

    Lula da Silva, presidente do Brasil, ontem em Brasília.

    Contudo, tal como Trump, Bolsonaro, Ventura, Orban ou Le Pen, que vendem sonhos para hoje e países cheios de muros onde apenas uma cor é permitida, estas ideias vingam e trazem votos. Da Escandinávia até ao Palácio do Planalto, o ódio vende.

    Resta agora saber, no caso brasileiro, como vai Lula governar um país completamente polarizado, onde o lado derrotado insiste em não aceitar os resultados nas urnas. Quanto tempo demorarão a encontrar os responsáveis pela destruição das últimas 24 horas? Isto é, se alguma vez a culpa for entregue a alguém.

    Certo, mesmo certo, é que a subida dos extremismos, um pouco por todo o mundo civilizado, da violência e do ódio como forma de fazer política, é hoje inegável. Abriu-se a caixa de Pandora há menos de uma década, e agora dificilmente a fecharão.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O mérito é feito de cartão?

    O mérito é feito de cartão?


    Uso o LinkedIn com alguma frequência porque, trabalhando como freelancer, é ali que tenho o meu “cartão de visita”, para me apresentar a quem me queira contratar. É a minha feira de Carcavelos, onde tento vender as minhas t-shirts originais e cosidas no tear de Arraiolos.

    Tento ter algum cuidado nas escolhas profissionais que faço, porque o meu curriculum vitae (CV) é mesmo tudo o que tenho para me garantir o emprego seguinte. Portanto, procuro não meter o pé na lama muitas vezes.

    Marina Gonçalves, ministra da Habitação, em foto oficial como secretária de Estado da Habitação.

    Em 21 anos de trabalho, tenho – fui ver hoje – 19 entradas no CV. Se passar a papel dará umas sete folhas, presumo. Quase um emprego/ projecto por ano, portanto. Alguns porreiros, outros onde mais valia ter estado quieto, mas, de uma forma geral, não me envergonho do meu percurso no mundo do trabalho. E concluo que, bem ou mal, em todos os sítios por onde passei, aprendi – mais não seja, aprendi aquilo que não queria fazer.

    É relativamente normal, na minha área, ver-se CVs deste género, com passagens por várias empresas, posições e responsabilidades. Ao longo dos anos, alguns desviam-se para cargos de gestão, quando “a cabeça já não quer”, como diz a minha avó; outros seguem a especialização técnica num nicho qualquer de mercado. É o banal numa progressão. Pelo menos no mundo da engenharia ou, vá lá, do mercado privado de trabalho.

    Por ter passado por ele, e por ainda hoje sentir na pele as dificuldades e as exigências, fico sempre ligeiramente indignado quando observo CVs de ministros do Governo, de secretários de Estado, de assessores e pessoal desse calibre. Não quero nem devo generalizar, mas, a cada escândalo de nova nomeação, lá aparece um percurso profissional com zero relevância fora do aparelho partidário.

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    As nomeações do PS fazem-me lembrar um antigo professor de Antenas que dizia, criticando os seus pares: “como é que estes gajos vos explicam para que serve um satélite se nunca saíram dos muros da universidade para ver um?”.

    Há uns tempos, uma ministra, já não me lembro qual [N.D., mas o director do PÁGINA UM sabe e relembra: Mariana Vieira da Silva], recrutou aquele rapazinho de 21 anos [N.D. Tiago da Cunha, que já fez entretanto 22 “maduros” anos, no passado dia 24 de Novembro] para assessor a troco de 3.732,76 euros e zero anos de experiência. E, agora, António Costa promove Marina Goncalves a ministra da Habitação para o novel ministério.

    O LinkedIn de Marina Gonçalves é um achado. Em Novembro de 2011, depois de concluir o curso de Direito, iniciou o estágio e, em simultâneo, tornou-se assessora jurídica do grupo parlamentar do PS. Andam tantos advogados a gritar contra os estágios não remunerados quando, afinal, é possível começar a carreira logo no grupo parlamentar do PS.

    Marina Gonçalves, ao lado de João Galamba (novo ministro das Infraestruturas), na tomada de posse como ministra da Habitação, a ser cumprimentada por António Costa.

    O maior grupo no Parlamento, que vota e decide leis, teve a assessoria de uma advogada com zero anos de experiência. Acho brilhantemente irónico.​

    Marina Gonçalves é, certamente, uma profissional de eleição, porque, ao fim de três anos a assessorar em estilo, foi promovida a adjunta de uma secretaria de Estado. Ao fim de pouco mais dois anos já era chefe de gabinete da secretaria de Estado. Um ano depois, passou para outra chefia de gabinete, mas já de ministro (Pedro Nuno Santos). Pelo meio, ao fim de oito meses, fez escala na Assembleia da República como deputada do PS. E depois, menos de um ano passado, acaba nomeada secretária de Estado da Habitação. E daí, em dois anos e meio, chega a ministra pela mão de António Costa, para substituir uma das metades de Pedro Nuno Santos.

    Entre o dia em que começou o estágio em advocacia até chegar a ministra, passaram cerca de 10 anos. Sem um dia de trabalho que fosse fora do PS e em contacto com o mundo real. É esta senhora que vai agora decidir sobre as politicas de Habitação, uma das áreas mais problemáticas num país com um custo de vida galopante, onde as pessoas são cada vez mais pobres.

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    Marina Gonçalves, quero acreditar, será certamente uma jovem cheia de mérito e extraordinariamente competente. Só assim se entende este percurso em constante promoção. Mas o estranho – eu pelo menos acho estranho – é que raramente se encontram percursos deste estilo no chamado mundo real. Já na política portuguesa, nomeadamente nas esferas de PS e PSD – o famoso Centrão, que tudo come –, são o pão-nosso-de-cada-dia, tão banais que já não despertam indignação.

    Afinal, se até o Relvas chegou a ministro, e nós aceitámos, então qualquer Marina pode reclamar o posto.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • New Year, New Me? Nem por isso…

    New Year, New Me? Nem por isso…


    O diretor do PÁGINA UM cometeu o erro: pediu um balanço do ano de 2022 a alguém que não vê grandes diferenças entre o 31 de Dezembro e o primeiro dia de Janeiro. Nunca dei grande importância à mudança de ano e os balanços acontecem, na minha cabeça, sem hora ou dia marcado.

    Acho que estou a tentar perceber o que se tem passado desde Abril de 2020, altura em que me juraram que vivia num país (Suécia) onde o Governo matava velhinhos para poupar nas pensões de reforma. De modo que, aqui para nós, ando a fazer contas à vida pessoal, profissional e aquela que me rodeia há quase três anos.

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    Entre dúvidas dos caminhos que devo seguir e das opções que a emigração me impõe, tenho duas certezas, que nem por isso me ajudam muito. Os últimos três anos foram os melhores da minha vida profissional e os piores do Mundo como eu o conhecia. Ou como achava que conhecia.

    O ano de 2022 foi um espelho dessa realidade. A minha vida profissional deu uma volta onde tudo, bem, quase tudo, o que esperava finalmente aconteceu, e, quase em paralelo, a vida no continente europeu foi-se degradando em cada semana, com o alargamento da guerra na Ucrânia e as facturas que entretanto chegaram após dois anos erráticos de confinamentos.

    A população empobreceu. A população que andou a fazer o que os governantes mandaram, em nome de um ridículo “vamos todos ficar bem”, passaram 2022 a ouvir que, “as long as it takes“, teriam de continuar a pagar uma guerra que não escolheram, e assim continuar o caminho iniciado em 2020 que resultou num condicionamento da liberdade individual, desemprego, aumento do custo de vida, endividamento dos países, mais impostos, inflação, salários devorados e aumentos insuficientes. Numa palavra: empobrecimento.

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    Como será em 2023?

    Em princípio pior.

    A guerra parece não ter fim à vista e, como nos mostraram os directos, há um regozijo geral em ver Zelensky a receber mísseis Patriot no Senado norte-americano. Alguém achará que isto é o bem comum: a defesa da União Europeia e mais uma série de balelas que nos vão vendendo para justificar a negociata. Como acharão outros que devem continuar a comprar energia russa e a alimentar a economia de guerra. No fundo, se cada nação fizer o seu negócio, o que lhes importa o sofrimento alheio?

    No caderno de História da minha filha via os loucos anos 20 do século passado. Por lá, o historiador de serviço classificava as várias consequências do resultado da Primeira Guerra Mundial. Dizia-se que “a Europa saía endividada e os Estados Unidos credores”. Ora, 100 anos depois estamos no mesmíssimo filme com a diferença de acharmos, nós europeus, que nos estão a fazer um favor ao segurar os russos no Donbass.

    Quer dizer… sei lá eu se isso será diferente ou não. Provavelmente em 1913 também alguém andava a dizer que aquele Francisco Fernando estava a pedi-las e era um agente secreto dos bolcheviques. E aposto que uma trisavó da Helena Ferro Gouveia defendia em 1905 que vender ferro aos alemães era imperioso, porque eles seriam o tampão à expansão dos Czares russos na Península Ibérica. Imagino que, em todas as eras, existam sempre os visionários com informações privilegiadas que atiram um pouco (ou muito) ao lado.

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    Bom… mas já me desviei do tema – como é, infelizmente, meu apanágio.

    Hoje, 1 de Janeiro de 2023, o que se espera de diferente dos 365 dias do ano anterior? Muito pouco.

    Eu estou a contar com incêndios em Agosto e cheias em Novembro.

    Conto ver mais uns abusos do Erário Público e uns quantos secretários de Estado de bolsos cheios. Imagino mais umas quantas machadadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e um batalhão de gajos da Medicare a chatear o pessoal nos centros comerciais.

    [Um deles, em Almada, abordou-me para me informar que, além do seguro de saúde, ainda tinha descontos na Adidas. Embrulha, SNS!]

    Vou ver mais uns quantos putos, fresquinhos das universidades e com zero dias na carreira contributiva em Portugal, a pegarem na mala que a Linda de Suza acabou de deixar vazia.

    Rezo aos santos, quaisquer que sejam, para a taxa de juro não ultrapassar os 5% (como se isso fosse um valor aceitável), e espero mesmo que, no meio da loucura geral, os chineses não sejam arrastados para confusões em Taiwan. O meu emprego depende do investimento chinês na Europa, portanto perdoem-me este momento de algum egoísmo, mas a mim, até ver, ninguém perdoa créditos.

    [Também não é culpa vossa que não os tenha pedido ao BES; aceito essa falha da minha parte.]

    woman riding escalator

    Imagino manifestações todos os meses e salários cada vez mais miseráveis. Aliás, acho mesmo que chegámos a um ponto em que se esgotaram as hipóteses de negociação com as elites. São poucos, muitos poucos, os que conseguem ter uma vida confortável em Portugal e não parecem, em momento algum, querer abdicar disso pela via da negociação e da repartição justa de riqueza.

    Em suma, minhas caras amigas e meus caros amigos, acho que 2022 foi, em geral, uma merda. E imagino que 2023 não mude de aroma.

    Confesso que não ando muito optimista. Diz agora o estimado leitor: “olha, nem tinha reparado!”.

    E mais digo: este é o tipo de pensamentos que me ocupa a mente grande parte do dia. Todos os dias, semanas e meses – desde que entrámos neste novo normal de empobrecer, pedir licença para sair de casa ou achar normal não poder tocar em familiares mais velhos.

    Entretanto, anteontem descia eu a rua principal da “minha ilha” quando o repórter da RTP Açores me abordou de câmara ao ombro. Digo o repórter porque só existe um, e todos sabemos quem ele é. São menos de cinco mil habitantes e identificamos, por nome ou família, quem faz o pão ou nos martela a cerca, quem bate na chapa do carro ou quem nos arranja as pontas secas do cabelo. Em poucos segundos e sem que eu esperasse, ele diz: “Desejos para 2023 e uma mensagem de Ano Novo…”.

    black condenser microphone

    Eu, sem pensar muito, disse: “Saúde para todos, fim da guerra na Ucrânia e a baixa das taxas de juro”. São os três temas que influenciam a vida de maior parte das pessoas, julgo eu. Tendo consciência disso ou não, somos todos afectados pelas decisões de Bruxelas, Washington e Moscovo.

    Adorava ser aquele gajo que chega ao primeiro de Janeiro e vive a personagem do “New Year, New Me”, e nos enche de optimismo daquele mundo das misses. Mas não sou.

    Prometo muito voltar a tentar em 2024.

    Até lá, para quem trabalha e depende disso para uma vida com dignidade, não desistam de lutar.

    Um bom ano para todos!

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Um gato no chuveiro e um Governo em pedaços

    Um gato no chuveiro e um Governo em pedaços


    Pelo que vou lendo por aí, há uma certa alegria no facto de Pedro Nuno Santos ter apresentado a sua demissão. Confesso que não entendo bem o motivo de tantos sorrisos pela queda do único ministro que ainda se preocupava com a coisa pública.

    Uma coisa é ele não ter alternativa; outra é acharmos que isso é bom para o Governo ou sequer para o país.

    Na dúvida sobre onde está a razão, há que seguir a regra de polegar aplicada ao Ventura: se ele grita e tenta atirar ao chão, então, em princípio, é algo que nos fará falta; se ele fica em silêncio, e finge que não é nada com ele, é porque estamos a ser assaltados sem dar por ela. Certinho como o Enzo Fernández já não vestir de vermelho em Janeiro (maldito Mundial).

    Pedro Nuno Santos, ex-ministro das Infraestruturas e Habitação

    E reparem na ironia que recai sore Medina, o delfim do Costa, que também já tem as suas clientelas estabelecidas (alô Serginho!) e, só por acaso, tirou a Xana Maria da NAV e a encaixou no Governo. O que lhe acontece? Nada, absolutamente nada. Vai passar por isto como um gato num chuveiro. Nem uma pinga lhe toca. Não só se livra de um opositor à sucessão do Costa como aguenta o lugar que lhe foi oferecido depois da estrondosa derrota em Lisboa.

    Medina é a garantia que temos Homem do Regime para a próxima travessia do deserto do PS (Ventura e Montenegro, eventualmente, chegarão lá) e a estocada final na discussão de quão à esquerda se situava este Governo. Está ali firme, muito firme, ao centro e a secar o PSD no seu próprio território.

    Num Governo absolutamente entupido de escândalos e má gestão de dinheiro público (para não lhe chamar outra coisa), havia um ministro (Pedro Nuno Santos) que ainda se preocupava com o lado certo da questão. Ou que, pelo menos, fazia o que podia para defender o interesse público e o investimento em estruturas, que, de alguma forma, nos pudessem beneficiar enquanto sociedade contribuinte.

    Não era por aquele lado que se distribuía dinheiro público pelas clientelas ou, sequer, que se favoreciam alguns grupos ou amigos na distribuição dos subsídios europeus.

    Fernando Medina, ministro das Finanças.

    Levantou a voz quando tinha de levantar e aceitou algumas humilhações, quando, provavelmente, deveria ter batido com a porta. Parecia-me um homem que nos servia em vez de se servir. Não é um detalhe nos tempos que correm.

    Agora está fora. Ficam os distribuidores de jogo, os garantes de que os impostos continuam a beneficiar uma minoria, uma elite que enriquece às nossas custas. E o melhor? É ver a opinião pública a achar que ficámos melhor, ou a direita a cavalgar a onda do populismo, sabendo perfeitamente que os boys ficam exactamente no mesmo sítio.

    Visto assim, aquela de se venderem cortes nas pensões como se fossem aumentos, até me parece de bom gosto.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Não queremos nem já aguentamos mais Alexandras

    Não queremos nem já aguentamos mais Alexandras


    Quando comecei a pensar neste texto, senti necessidade de ir ao site do Ministério da Administração Interna para confirmar a data das últimas eleições legislativas. Lembrando o infindável número de trapalhadas com que este governo nos tem presenteado, na minha cabeça essas eleições tinham acontecido há muito, muito tempo. Mas não. Foram a 30 de Janeiro de 2022. Menos de um ano, portanto.

    Sendo António Costa um político verdadeiramente hábil – é essa, pelo menos, a qualidade que mais vezes ouço ser-lhe atribuída pelos analistas –, torna-se difícil compreender como, em tão pouco tempo, nos provou empiricamente, por que razão não são nada saudáveis as maiorias parlamentares.

    Alexandra Reis, em entrevista à revista digital Executiva, publicada no passado dia 1 de Setembro, como presidente da NAV.

    O Partido Socialista (PS) governa num regime de arrogância, de prepotência e de absoluta falta de vergonha, como eu não me lembro de ter visto em democracia.

    São trapalhadas com ministros que carregam incompatibilidades grosseiras, ministras que gerem fundos públicos que acabam nas empresas dos maridos, bazucas turísticas que desaguam em empresas de turistas espaciais, ministros da Saúde que dirigem empresas da mesma área, antigos directores da TVI a quem se pagam favores, secretários de Estado com processos de corrupção em tribunal que se acham atacados pela corte de Lisboa…

    São estudos e mais estudos para novos aeroportos e eternas discussões sobre localizações, agora com Santarém a surgir no meio do nada. Falcatruas descaradas com as pensões dos mais idosos, vendendo a ideia de que um corte para a vida seria, afinal, um aumento. Eu sei lá…

    Com a minha péssima memória, consigo lembrar-me apenas de alguns exemplos em catadupa, porque chegámos a um ponto em que as trapalhadas são semanais.

    white and blue airplane on airport during daytime

    E o curioso nisto tudo é que, de cada vez que me cai o queixo, dou por mim a pensar que pior não fica. Mas até aí me engano.

    A cada nova polémica, descobrimos que, afinal, ainda dá para cavar mais um pouco na lama e descobrir um novo mínimo aceitável para o estatuto de República das Bananas.

    Em menos de um ano, António Costa – e o seu não sei quantas vezes remodelado Governo – já nos explicou, tintim por tintim, por que são perigosas as maiorias, e imagino o quanto os eleitores não estarão arrependidos da concentração de votos no PS.

    O caso de Alexandra Reis é um daqueles em que dizemos: ”ok, é mau, mas agora é que é; agora é que atingimos o fundo; tem de ser; isto tem de ser o fim da vergonha e da impunidade”. Aliás, reparem nas habituais barricadas pró e contra que se formam nestes casos. Desta vez, há um consenso geral e uma impossibilidade de defender algo que não tem mesmo ponta por onde se pegar.

    Fernando Medina, ministro das Finanças.

    Vejamos. Alexandra Reis é nomeada, por quatro anos, para a administração da TAP, em Setembro de 2020. Em Fevereiro de 2022, rescinde esse contrato e, por umas cláusulas que ninguém consegue ler, porque são confidenciais, tem direito a uma indemnização de 500.000 euros. Diz ela que, caso fosse ilegal, teria todo o gosto em devolver o guito. Todos já percebemos que, provavelmente, não será ilegal, mas certamente é imoral. Quem com ela fez um contrato destes deveria estar numa comissão de inquérito no dia seguinte e, três dias depois, para ter tempo de ir a casa tomar um banho, deveria estar preso em Pinheiro da Cruz.

    Meio milhão de euros de indemnização ao fim de 16 meses de trabalho? Numa empresa absolutamente vital para Portugal como a TAP (é essa a minha opinião e já a defendi vezes sem conta), assente neste momento no erário público, isto é desferir novo golpe na sua credibilidade por parte dos corpos dirigentes.

    A quantidade de rasteiras que a administração da companhia aérea tem passado aos trabalhadores daria para escrever um livro. São despedimentos, cortes e trabalhadores exaustos a compensarem os que saíram para, em poucos meses, uma administradora receber MEIO MILHÃO de indemnização por uns meses de reuniões. É gozar com os contribuintes, com os trabalhadores e, de certa forma, com o estado da nossa democracia.

    O Governo de António Costa, perante a inutilidade da oposição do PSD, tem servido, inconscientemente imagino, de rastilho ao crescimento da extrema-direita que, na habitual ausência de ideias e programa, cavalga nestas trapalhadas como Lucky Luke no seu Jolly Jumper em direcção ao sol poente. E capitalizam votos, descontentamento e mais ódio da população empobrecida.

    man standing near traffic lights

    Como é que se explica a uma população – onde três em cada quatro recebem uma esmola pensando que é um salário – que uma administradora pode fazer um contrato leonino com uma empresa pública e ficar rica ao fim de 16 meses de trabalho?

    Como é que se explica isto a alguém que viu a renda aumentar com a subida da Euribor, e está em risco de perder a casa porque não tem mais 200 euros por mês?

    Mas isto não ficou por aqui. Poucos meses depois de sair da TAP, Alexandra foi escolhida pela tutela – Ministérios das Infraestruturas e das Finanças – para presidir à NAV, a empresa pública que gere o espaço aéreo português. Por ali ficou mais uns meses até que Medina a nomeou como secretária de Estado do Tesouro.

    Não se percebe se a TAP rescindiu contrato por incompetência da administradora ou se esta escolheu vir-se embora. Certo é que, competente ou não, passou pelas administrações das duas maiores empresas nacionais de aviação e, dali, para a tutela. Se não era competente para administrar, resta perceber como é que seria competente para gerir os fundos que a essas empresas serão atribuídos.

    cupcakes in tray

    Torna-se agora um pouco irrelevante discutir, em concreto, o perfil de mais um boy (ou girl neste caso), mas é particularmente importante compreender como é que estes casos de abuso – constante e repetido – de dinheiros públicos não parece ter fim.

    Sempre que um caso destes vem a lume, eu imagino quantos não continuarão nas sombras dos corredores. Quantos gestores de empresas públicas não acumulam verdadeiras fortunas em pouquíssimos anos de trabalho, enquanto nós, que pagamos impostos e todas as mordomias, nos vamos conformando com este roubo continuado que a classe política, e os amigos do regime, nos vão impondo.

    Quando ouço que “é tudo legal”, percebo que o primeiro problema está de facto na lei. Se o contrato de Alexandra Reis com a TAP é legal – e o seu percurso até ao Governo, passando pela NAV, absolutamente inatacável do ponto de vista da lei –, então é por aí que esta conversa deveria começar: pela lei.

    Não podemos continuar a respeitar leis que permitem o roubo descarado de dinheiro público com a culpa a morrer entre corredores e sem nomes. Não podemos correr o risco de ver esta vergonha a ser denunciada pelo líder de um partido de extrema-direita que, depois de ajudar na fuga de capitais dos mais ricos, aparece nas televisões como um Robin dos Bosques.

    vulture

    Temos de ser um pouco mais inteligentes do que isto, mas também temos de exigir mais de quem nos governa. Temos de exigir responsabilidades. E sim, temos que começar a despedir gente, cortar as asas a alguns abutres e parar, de uma vez, com esta clientela que enriquece à nossa custa.

    O serviço público é importante e uma marca em qualquer país desenvolvido de primeiro mundo. Não podem existir mais Alexandras Reis, maiorias absolutas ou uma população absolutamente miserável que luta por migalhas diariamente enquanto as elites se enchem à nossa custa.

    Não há justificação. Não há desculpa. E já não há paciência para tamanha corja de ladrões.  

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Um ano de PÁGINA UM

    Um ano de PÁGINA UM


    Quando o Pedro Almeida Vieira, director do PÁGINA UM, me explicou o conceito de um novo projecto jornalístico e me convidou para aqui escrever com regularidade, logo no início desta história, fiquei dividido.

    Por um lado, fico sempre contente com a possibilidade de escrever, já que essa É a minha maior paixão na vertente profissional. Por outro, tinha as minhas dúvidas sobre a sustentabilidade de um projecto que dependia integralmente dos leitores.

    Não sou jornalista, a minha formacão é noutra área, mas sempre me pareceu que o mundo da imprensa era dominado por dois ou três grupos, e algumas publicacões que, ao longo dos anos, mais ou menos alinhadas, se iam aguentando. E claro, sempre com publicidade paga, o que, desde logo, garantia o silêncio em algumas temáticas.

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    Crónica “Visto de Fora”, desde 12 de Fevereiro de 2022.

    Portanto, em teoria, a ideia do Pedro era óptima, mas a sua execucão prática parecia-me algo romantizada. Ainda assim, resolvi aceitar o convite, essencialmente porque o nosso director “é um tipo sério” – foi esta a frase utilizada para o descrever, quando uma amiga comum nos pôs em contacto algures durante a pandemia.

    Um ano depois, e cerca de 150 textos mais velho, percebo o quão enganado eu estava.

    O PÁGINA UM é, na minha opinião, uma história de sucesso, até ao momento. Tornou-se, em muito pouco tempo, o jornal mais lido entre os novos projectos que apareceram fora da chamada “imprensa mainstream”, e até para os consagrados da praça, serviu várias vezes de fonte para notícias de primeira página – sem que nos fizessem a fineza de referir o nome, mas isso são outros quinhentos paus, como se diz aqui na margem sul.

    Com uma equipa pequena, o PÁGINA UM conseguiu fazer jornalismo de investigacão, sem amarras ou condicionamentos, e obter furos que foram depois repetidos por outros. Sem perder a qualidade da escrita ou a devoção pela verdade, o nosso jornal abanou quem precisava de ser abanado e questionou quem tinha respostas para dar. Sem nunca entrar no sensacionalismo bacoco ou nas teorias da conspiração que lhe retiraria credibilidade. Foi, essencialmente, uma redacção que, com curtíssimos meios, andou, neste primeiro ano, atrás da notícia e não a fazer de repetidor e tradutor de agências noticiosas estrangeiras.

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    Rubrica “Recensão Eleitoral”, entre 16 de Janeiro e 2 de Fevereiro de 2022, sobre as eleições legislativas.

    E, de facto, tudo isto é possível apenas porque o financiamento é garantido por quem nos lê. Não há tabus, não há temas proibidos, não há necessidade de escolher notícias. A liberdade é total.

    Pessoalmente, tem sido um enorme prazer assistir ao crescimento do PÁGINA UM, e tentar, na medida das minhas possibilidades, ajudar na caminhada.

    No início de tudo isto disse ao Pedro que não tinha grande jeito para elaborar a escrita de forma a que esta pudesse sair em condições de chegar ao grande público. Nem sequer os temas me aparecem de forma lógica. Eu gosto de escrever em cima do que sinto, e isso, muitas vezes, aparece em forma de desabafo, irritação, estupefacção. Não é o tom que habitualmente se espera numa coluna de opinião.

    O Pedro disse apenas: “tudo bem, escreve o que quiseres, como quiseres”. E de facto assim foi. Por vezes, nem as ****lhadas [N.D. racalhadas] que me saem no meio de um texto mais polémico ele “censura”. Ou seja, tenho mesmo a sensação que estou a escrever para um amigo que me conhece desde sempre, mas, no fim, isto chega a mais gente. De forma pura e sem filtros.

    É essa a magia de escrever com liberdade e sem tentativas de agradar a esta ou aquela corrente de pensamento ou ideologia.

    Isto já me valeu uns insultos, claro que sim, mas também me deu a conhecer pessoas muito simpáticas que me fazem ter vontade de continuar a escrever com regularidade. Ou seja, a experiência do primeiro ano do PÁGINA UM mostrou-me, no fundo, o mundo real, onde o cruzamento de opiniões nem sempre é pacífico, mas, quase sempre, se torna estimulante.    

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    Crónica “Pelota em Pelota”, entre 21 de Novembro e 18 de Dezembro de 2022, sobre o Mundial de Futebol.

    Agrada-me também que o PÁGINA UM se abra a diferentes correntes de opinião, e permita que, entre todos os que aqui escrevemos, se consigam encontrar opiniões literalmente opostas. É na pluralidade de pensamento que crescemos e, certamente, vamos ao encontro de mais leitores.

    Tem sido um gosto e um orgulho fazer parte deste primeiro ano. Assim vocês, leitores, o queiram, e chegaremos ao fim do segundo ano também. 

    Depois de dois anos de pandemia e um ano de guerra (agora no radar de todos) na Europa, 2023 não promete ser muito melhor. A inflação, os baixos salários, as lutas sociais e a volta dos Excesso, garantem desde já um 2023 ao nível dos últimos três anos. Em princípio, continuaremos todos a não ficar bem, mas, com alguma certeza, o PÁGINA UM dir-nos-á o que aconteceu. Antes dos outros.

    Por tudo isto, camaradas do PÁGINA UM, muitos parabéns e obrigado pela vossa dedicação. Continuemos.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • E agora, minhas senhoras e meus senhores: o Kosovo

    E agora, minhas senhoras e meus senhores: o Kosovo


    Vi passarem, entre rodapés e notícias de futebol, duas intervenções que me pareceram importantes para antevermos 2023 já a imaginar o que será 2024. A primeira foram as afirmações de um representante ucraniano, opinando que as economias desenvolvidas davam pouco suporte à Ucrânia e que, na visão dele, cada membro da União Europeia deveria dar 0,1% do respectivo produto interno bruto (PIB). Dizia ele que, se fizéssemos as contas, até perceberíamos ser uma gota no oceano dos orçamentos da União Europeia.

    Eu não só concordo com ele como, até, acrescento que o pedido peca por escasso: mas é, por acaso, a Ucrânia algum Ministério da Cultura para ficar com percentagens tão ínfimas de um Orçamento de Estado?

    blue flag on top of building during daytime

    Não bastam os 2% do PIB para a NATO, o material e dinheiro enviado pelos países europeus ou até as sanções à Rússia, que nos fazem pagar a mesma energia bem mais cara.

    Portanto, ficamos a saber que não basta empobrecer para garantir a defesa da Ucrânia; é preciso empobrecer por decreto e passar a incluir esta guerra, apenas esta, no planeamento do que fazer com os impostos no próximo ano.

    Há aqui um certo conforto com esta solidariedade europeia, que passou de necessária para obrigatória, seguida de “mais e mais”, vindos de Zelensky e companhia, que a cada dia exigem mais empobrecimento a todos nós para defender uma causa sua.

    Compreendo que o peçam; estão a manter a sua causa viva, mas não percebo porque se sentem os dirigentes europeus no direito de utilizarem livremente os impostos dos seus constituintes, de forma repetitiva, a favor da Ucrânia, mantendo o empobrecimento geral deste lado.

    blue and yellow striped country flag

    Bem sei que ninguém gosta de perder fatias de terreno, mas não nos cabe, a nós europeus, pagar uma guerra sem fim à vista.

    Quem a estimulou (Estados Unidos e Rússia), e quem acreditou no conto de fadas que ouviu (Ucrânia), que a pague ou resolva. Mas já chega de isto sobrar para todos. E já chega de ver Ursula e demais dirigentes europeus baixarem a cabeça a cada nova exigência de Zelensky, como se nós lhes devêssemos algo, ou como se aquela guerra fosse nossa. Lamento pelo povo dos dois lados, mas eles que resolvam as suas diferenças e, de caminho, se vejam livres de Putin e Zelensky.

    Por acaso alguém vê dirigentes palestinianos a exigirem anti-aéreas todos os dias? Acham que levam com poucos rockets? Ou os combatentes no Iémen, bombardeados pela ditadura “nossa amiga” (saudita), lembram-se de os ver em intervenções emocionadas nos parlamentos europeus a exigir armamento pesado?

    Não suporto esta hipocrisia com quase um ano, que se vai vivendo, em redor da Ucrânia. Há um problema para resolver, como em tantas partes do Mundo. O problema não é nosso. Ponto final. Se os deputados europeus começassem a defender os direitos de quem os elegeu é que a democracia agradecia.

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    A segunda notícia que me pareceu interessante, mas para a qual ninguém convidou a Helena Ferro Gouveia para falar, logo não deve ser importante, foi a recente tensão na fronteira do Kosovo com a Sérvia.

    Para a rapaziada mais nova que lê o PÁGINA UM, mas que ainda era pequenina na mudança do século, o Kosovo é um país que resultou de um corte de 20% do território da Sérvia, depois da NATO bombardear civis em Belgrado. Pronto: este é o trailer. Para o filme completo, vejam no Netflix.

    Contudo, a parte importante é esta: um território de um país soberano tinha uma maioria étnica, neste caso albaneses, que achou boa ideia formar um novo país. E conseguiram, com o apoio da comunidade internacional. A mesma lógica (das maiorias étnicas) poder-se-ia aplicar ao Donbass, Catalunha, País Basco, Chechénia, enclaves sérvios da Bósnia, Palestina, Curdistão…

    Epá… por absurdo, se amanhã o Paquistão, Bangladesh, Nepal ou Índia quiserem reclamar como seu o Qatar ou o Dubai, em princípio podem. Os emigrantes destas zonas já devem estar em maioria relativamente aos indígenas.

    Para resolver rapidamente estes problemas na fronteira, e a pressão sérvia, os kosovares pediram adesão à NATO há já algum tempo e, agora, à União Europeia. É o precedente que se abriu com a Ucrânia. Se um país em conflito passa por cima de todos os critérios para aderir, por que razão se deveria facilitar a entrada apenas à Ucrânia? 

    No ranking da liberdade, o Kosovo está ali por perto de países como as Filipinas (não sei se já ouviram falar do seu presidente e das medidas bem democráticas que implementa no país), da Somalilândia, de El Salvador e claro, da Ucrânia. Estão na parte da lista das democracias complicadas e consideradas “parcialmente livres”. 

    Ursula von der Leyen acha este interesse maravilhoso, porque, segundo ela, a União Europeia não está completa sem os Balcãs… Já agora, alguém poderia dizer à Ursula que a União Europeia costuma fazer umas certas “exigências” naquela região. Por exemplo, a Croácia só entrou em 2013, uma década após ter feito o pedido de adesão e depois de ter entregado uns generais por causa da Guerra dos Balcãs. E exigiu ainda mais à Sérvia, que está a marcar passo desde 2009 por não ter feito o mesmo com um batalhão de gente. Aliás, a proximidade de Belgrado a Putin não nasce de inspiracão divina.

    Com o Mundo novamente a caminho de formar dois blocos (ou três, quem sabe), a Europa tenta reunir todas as suas fronteiras e não olha a critérios ou nomes. O Kosovo pode não cumprir nada do que é necessário para integrar o grupo da União Europeia, mas faz parte daquele restrito leque de países onde atacar território soberano e roubar-lhe uma fatia, não é imperialista nem tão pouco errado. É apenas justo e reconhecido por todos.

    satellite photo of islands

    Portanto, perante isso, o que é uma entrada a pés juntos na União Europeia com o árbitro de olhos fechados?

    Por mim, incluímos no negócio a Albânia, a Moldávia, a parte turca do Chipre, o Montenegro e a Macedónia. Depois, ainda esticávamos o bloco mais a sul e, na expectativa de criar um grande bloco, fazíamos o convite ao Sahara Ocidental, Argélia e Líbia. Se nos dessem gás e petróleo, e sem mandarem migrantes nos barcos de borracha, claro.

    Se os critérios servem para pouco, por mim então era só juntar mais pessoal. Imaginem o melão dos liberais quando vissem que, com esta malta toda, e mesmo ultrapassados pela Roménia, acabaríamos ali a meio da tabela para os próximos 10 anos. Sempre com o Ruanda à perna.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A última dança do melhor jogador do Mundo

    A última dança do melhor jogador do Mundo

    Tal como no jogo da meia-final, contra a Croácia, a Argentina começou o jogo da final com um penalti. O quinto da competicão, o segundo seguido a desbloquear a fase inicial de um jogo onde a Argentina foi superior durante 80 minutos.

    A França, abalada pelo inexplicável penalti sobre Di Maria, nunca se encontrou e esteve longe da equipa que se superiorizou em todos os jogos até hoje. Messi conduziu os colegas magistralmente e, a espaços, a França ficou reduzida a uma equipa banal, que se limitou a andar atrás da bola. Di Maria foi um desequilíbrio constante, na asa esquerda, e a bola rodava sempre por Messi, que, com poucos toques, procurou constantemente o ex-benfiquista.

    Com a França a tentar aproximar-se da baliza argentina, o segundo golo acabou por aparecer de forma natural, tal como com a Croácia, num contra-ataque exemplar concluido por Di Maria, que, aos 33 anos, ainda faz sprints de um lado ao outro do campo.

    A aula argentina terminou a 10 minutos do fim, quando Mbappé marcou dois golos de rajada. O primeiro num penalti também bastante duvidoso e o segundo num gesto técnico de difícil execução. O jogo mudou a partir desse momento, e os franceses voltaram a acreditar, encostando os argentinos às cordas nos instantes finais.

    No prolongamento, a Argentina voltou a mostrar coração e ficou novamente por cima da contenda. Messi puxou dos galões e decidiu que este seria, definitivamente, o seu Mundial. 

    Nesta fase, os franceses insistiam essencialmente nas jogadas individuais e deixaram de atacar como equipa. Os cruzamentos para a área desapareceram e a troca de Thuram por Giroud, um perigo no jogo aéreo, revelou-se pouco acertada por parte de Deschamps.

    Os 10 minutos finais do prolongamento foram de nervos e de imprevisibilidade, com a França a atacar e a Argentina a controlar a posse como podia. Di Maria passou 15 minutos a chorar. Ora porque marcava Messi, ora porque marcava Mbappé. Não consigo imaginar o que sente um profissional num momento destes.

    O empate aos 117 minutos de jogo, conseguido pelo hat-trick de Mbappé, garantiu a montanha-russa de emoções. Nos dois minutos finais, a Argentina ainda teve uma oportunidade na cabeça de Lautaro, mal concluída, e Kolo Muani, completamente isolado em frente a Emiliano Martinez, falhou quase na última jogada do encontro o golpe de teatro que daria o 4-3.

    Depois de um jogo absolutamente épico, seguiu-se a lotaria dos penalties. Aliás, lotaria não. Ganha quem não treme, e a Argentina não tremeu. Martinez voltou a provar que é um especialista na matéria e os jogadores franceses não tiveram a frieza para seguir os passos de Mbappé que, por três vezes, facturou da linha da grande penalidade.

    Assim, 36 anos depois, a Argentina consegue colocar Messi ao nível de Maradona, e, provavelmente, terá garantido a oitava Bola de Ouro com uma despedida de sonho.

    O Mundial do Qatar termina com um vencedor que não tinha a melhor equipa, mas possuía mais alma e, como se percebeu, o ainda melhor jogador do Mundo.

    A última dança de Messi foi, por isso, perfeita. Parabéns ao génio e aos fãs argentinos que, como se percebe pela paixão, também são de outro planeta.

    Até 2026!

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.