Autor: Tiago Franco

  • O segredo está no estrume de vaca

    O segredo está no estrume de vaca


    Há seis anos, se a memória não me falha, sentei-me com o último chefe directo que tive para negociar o aumento anual de salário. Passavam dois anos desde que ele, algures em 2016, me começara a avisar que já não havia “margem” para mexer em salários e que eu teria, por essa altura, atingido o topo.

    Era, portanto, esperado que eu, aos 39 anos, concordasse em ficar com o mesmo salário, quiçá, até aos 65, idade em que me reformaria.

    Expliquei-lhe, ainda de forma educada nessa reunião, que a “margem” esgotada a que ele se referia era aquela em que ele, a empresa, tinham como modelo de negócio ficar com 35 a 50% do valor gerado por mim.

    Ou seja, a conversa dele começava no lucro garantido de 35% e a partir daí, logo se via quanto mais é que poderia raspar-me da pele. A mim e a outros em idêntica situação.

    A negociação terminou com a exigência, por parte do empregador, de não abdicar do lucro mínimo de 35% e eu, que achava que eles nem faziam o suficiente para receberem 5%, decidi vir-me embora e começar a trabalhar por conta própria. Ou a decidir a quem e de que forma dava margens no valor produzido única e exclusivamente por mim.

    O empregador não ficou contente e, mais tarde, ameaçou-me com um processo em tribunal, que nunca teve pernas para andar. Isto porque, felizmente, a escravatura há muito foi erradicada destas paragens. 

    Ficou-me dessa experiência a ganância desmedida com que se procura o lucro, independentemente de quem trabalha ou de quem merece ser compensado.

    Tenho dito a cada português que aqui chega (Suécia), em busca de uma vida melhor, que nunca se vergue na defesa dos seus direitos laborais e que, especialmente, nunca tenha medo de vender a sua força de trabalho pelo preço justo.

    Para quem vive do seu trabalho não há outra arma contra quem vive do lucro gerado por todos nós. A divisão de riqueza gerada tem que ser justa e, quando não for, a classe trabalhadora deve estar unida.

    Esta conversa das margens veio-me à cabeça quando ouvi as N entrevistas aos presidentes de associações de retalho que foram chamados às televisões para tentarem justificar o injustificável: as enormes margens de lucro com a inflação.

    Entre eles estava Rodrigo Moita de Deus, conhecido lobbysta e presidente da Associação de Portuguesa de Centros Comerciais, que procurava validar o escândalo que semanalmente vemos nos supermercados com o aumento dos custos na cadeia de produção.

    grey shopping cart

    A direita mais liberal não o diz abertamente, porque fica mal, mas apoiam o lucro infinito porque “as empresas existem para dar lucro”. Que me lembre, só Cecília Meireles, já sem funções parlamentares e num debate com Mariana Mortágua na SIC Notícias disse, a propósito dos lucros excessivos da banca que “desconheço o conceito de lucro excessivo”. 

    É o mesmo que dizer que, enquanto se puder aumentar o lucro, importa pouco quando cadáveres se vão amontoando para que os conselhos de administração se elevem nas ossadas.

    Cecília, cujo partido desapareceu, já pode dizer isto abertamente, os restantes actores da direita ainda precisam de fingir que se preocupam com a miséria que vai abraçando os portugueses.

    Toda esta defesa do lucro a todo o custo como conceito e, pior, a patética tentativa de ensaiar uma narrativa de aumento generalizado na cadeia de produção, para justificar aumentos de 70% em produtos do cabaz essencial, honestamente, dão-me vómitos.

    Por acaso, os trabalhadores dessa cadeia de produção foram aumentados em igual proporção? Alguém ouviu falar em aumentos de 30% para os operadores de caixa do Pingo Doce ou 70% para os funcionários da Terra Nostra, que produzem o queijo e o leite nos Açores? Não, pois não?

    Então acabem com essa conversa do aumento dos custos de produção como se não fosse uma coisa localizada em partes dessa cadeia.

    Mas os custos de produção não aumentaram? Sim, claro que aumentaram. As rações para os animais subiram de preço com a guerra da Ucrânia. Os combustíveis também e, obviamente, o transporte de mercadorias ficou mais dispendioso.

    Mas não seria de esperar que esses aumentos fossem divididos (para ser simpático) entre quem produz, quem distribui e quem compra? Seria pedir muito que os supermercados reduzissem um pouco as suas margens ou vá, que as mantivessem, para que a bomba não caísse toda nas mãos dos consumidores que empobrecem a cada dia?

    photo of stacked shopping carts

    Não aguento mais um dia de “passa culpas” ou de tentativas de convencimento da população por parte dos líderes das associações ou CEOs da distribuição. Se as margens de lucro aumentam com a inflação, é porque o impacto é todo absorvido por nós. Por quem trabalha. Ponto final. 

    Se não há aumentos salariais reais (acima da inflação) e se bancos e supermercados apresentam lucros recorde enquanto todos empobrecem, é porque as margens aumentaram e as grandes corporações se aproveitaram da inflação para especular. Ponto final. É isto o lucro excessivo. O momento em que, com a permissão dos governos, há uma transferência direta de dinheiro dos trabalhadores para o capital. É um assalto em termos legais. É isso que estamos a viver.

    O escândalo é de tal forma descarado que dou por mim, aqui na Suécia, a comprar produtos que chegam num camião TIR de Espanha quase ao mesmo preço que o compraria numa grande superfície em Portugal. Mesmo com 3000 quilómetros de gasóleo e operadoras de caixa que recebem três vezes mais do que em Portugal, o aumento não é todo absorvido pelo cliente final. É obra.

    bunch of assorted produce in brown wicker basket

    O Governo, tarde como é habitual, pondera limitar os preços em alguns produtos essenciais. Aqui d’el Rei que se juntam as vozes a gritar pela nova Venezuela e aparece logo um par de economistas a explicar que isso fará alguns produtos desaparecerem do mercado por troca com outro paralelo e de preços mais altos, por causa da redução da oferta.

    Como meus amigos? Como? Vão os produtores deixar de vender bens essenciais? E vivem de quê? O Continente e o Pingo Doce não aceitarão? Óptimo. Voltemos aos mercados e aos pequeno produtores com pequeníssimas cadeias de distribuição. Produtos locais, comércio de proximidade, preços mais baixos, maior divisão de riqueza.

    Qual é o problema? É que se acaba o “lucro excessivo” e isso incomoda a quem manda.

    time lapse photography of cattle cow under clouds

    Dizia hoje um pequeno produtor, no mercado de Espinho, que os preços não eram altos porque precisavam de vender e que esta era a forma de concorrer com as grandes superfícies. Explicou também que o segredo para ter produtos tão bons (os legumes apresentados tinham tamanho avantajado) e frescos era, para além de ele próprio os cultivar, o uso de estrume de gado bovino como fertilizante.

    Ora aí está. Estrume de gado bovino pode ser, afinal, solução de boa parte dos nossos males. Ou de vaca, dito de forma mais corriqueira. Primeiro na terra, para gerar belos legumes e depois, aplicado com alguma mestria, na cara de quem nos obriga a empobrecer para aumentar as fortunas de uma minoria.     

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Prova de acesso ao liberalismo: bater na TAP

    Prova de acesso ao liberalismo: bater na TAP


    O meu camarada de jornal Luís Gomes, economista de bandeira liberal, escreveu no seu último texto publicado no PÁGINA UM um conjunto de perguntas que deveriam ser colocadas na Comissão de Inquérito à TAP ou, como ele lhe chamou, “bancarroteira nacional”.

    Eu ainda sou do tempo em que os liberais andavam escondidos no PSD e no CDS e, ainda a medo, combinavam reuniões secretas nos corredores, quando se encontravam com os tapetes debaixo do braço para rezarem virados para os mercados.

    Agora, com um partido próprio e quase duas mãos cheias de deputados, parecem os gajos da Herbalife a vender pastilhas para emagrecer, ou lá o que se vende na Herbalife. Se calhar são ervas, não sei.

    Ainda assim, admito, eu gosto de ler liberais. É o meu guilty pleasure. Um pouco como aquela música das Spice Girls que passava na rádio na década de 90. Uma pessoa batia o pé, mas fingia que não gostava.

    E gosto de os ler porque, se pensarmos bem, a vida aqui no planeta é dura, a luta é constante e os problemas bem reais. Aqui e ali, ler histórias de Nárnia, pelo menos a mim, transporta-me para mundos coloridos e permite-me alhear das dificuldades do dia-a-dia. Dispensá-los-ia, aos liberais, se o Benfica jogasse todos os dias, mas as pernas do Rafa não aguentariam tanta pancada.

    E pancada foi exactamente o que o meu camarada Luís deu na TAP. TAP, é esse o nome, não é “bancarroteira nacional”. Bancarrota nacional foi a década e meia de dinheiro público despejado na banca privada, quando a direita, que incluía os liberais envergonhados na altura, nos garantiu que havia “risco de contágio dos mercados”.

    Milhões deitados numa sarjeta para aguentar uma família de corruptos, manter alguns segredos de Estado e aumentar as fortunas de quem já era rico. Que serviço foi prestado aos portugueses nessa injecção de capital? Nenhum. Conseguiram perder dinheiro investido, ficar sem poupanças, ver administradores distribuírem prémios entre si e hoje, como prémio, lutam contra as taxas de juro para não perderem as suas casas.

    Uma das dificuldades no debate com a nova vaga de liberais portugueses é que, mal nos começam a vender uma teoria, ela já está a falhar num sítio qualquer. Se nos falam em saúde e perguntamos se é o modelo “cada um por si e Deus por todos” que vigora em Meca (EUA), dizem que não, que optam pela versão escandinava.

    Depois, quando percebem que na versão escandinava é tudo público, apontam para os Bálticos. Quando os Bálticos chegam aos dois dígitos de inflação, dizem que o Brasil é socialista. Quando reparam que o Bolsonaro é o Presidente, apagam o vermelho do cartaz e dizem que precisamos de menos Estado.

    Nisto surge a covid-19 e o Cotrim grita com o Costa na Assembleia para lhe dizer que o apoio do Estado às empresas está a demorar muito. A dada altura, uma pessoa pede só para sair do carrossel e decide que o Liberalismo é como uma discussão com a mulher. Um gajo concorda com tudo só para não ter que ouvir mais.

    A TAP, por muito que custe admitir a quem a desdenha, presta um serviço ao país e à economia. Transporta pessoas, dá emprego a vários milhares direta e indiretamente. A lista de fornecedores nacionais da TAP é coisa para fazer mossa ao fundo de desemprego, no dia em que conseguirem acabar com ela.

    E quando digo fundo de desemprego, estou a partir do princípio que a Iniciativa Liberal não será Governo por essa altura porque, se for esse o caso, então refiro-me ao acolhedor espaço que sobrar debaixo da Ponte 25 de Abril.

    O Luis faz várias perguntas, essencialmente sobre medidas de gestão e desperdício de dinheiro, a partir de 2015, altura em que a TAP voltou para a esfera pública. Não há nada de errado com as perguntas, tirando o facto de não incluírem mais um punhado de dúvidas sobre o período anterior e a forma como também pagámos para a TAP ser privatizada.

    Deduzo que não se possa tocar no Governo de Passos. Na narrativa liberal, afinal, Pedro de Massamá era o homem que cortava nas gorduras do Estado. Pelo menos, naquelas que aqueciam os trabalhadores. Já na clientela habitual, nem tanto.

    Mas sem me desviar muito e voltando às questões, elas encerram em si mesmas a razão pela qual me aborrecem textos difamatórios da TAP. É que, por norma, classifica-se a companhia pelos actos de gestão de um punhado de boys, lá colocados por PSD e PS, consoante o momento governativo. E isso é de uma tremenda injustiça.

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    A TAP são milhares de pilotos, pessoal de bordo, assistência em terra, engenheiros de manutenção, técnicos de aeronaves e outros que, na minha opinião, prestam um serviço insubstituível ao país. No fim da lista, lá aparecem meia dúzia de boys engravatados que vão arrastando a companhia para a lama, com o patrocínio do Governo, fazendo da TAP arma de arremesso de qualquer oposição populista e, pior, prejudicando os trabalhadores da companhia que são alheios e todos estes folhetins.

    Mas a TAP, a transportadora nacional que é das poucas empresas que de facto transportam o nome de Portugal pelo mundo fora, não pode ser misturada ou julgada por actos criminosos de gestão de uma minoria. Ou, como se diria num debate televisivo, não podemos mandar o menino fora com a água suja do banho.

    Sempre que um liberal grita pelo encerramento da TAP, sem explicar o que faria com os milhares de desempregados, dizendo que o mercado tratará de ocupar os slots, eu, emigrante confesso, puxo do tapete, aponto-o para Wall Street e começo a rezar aos deuses da mão invisível. Adoro explicacões de como o mercado tudo resolve até percebermos que não é bem assim.

    gate closing signage

    Quando ouço a malta da IL a falar de mercados, penso sempre no gregos da antiguidade que esperavam pelo trovão de Zeus para se aquecerem. A fé é semelhante, tirando a parte de “os mercados” não serem uma entidade divina (para os não-liberais, entenda-se). 

    Por exemplo, o deus dos mercados, no caso do desaparecimento da TAP, funcionaria da seguinte forma:

    a) se turistas quisessem vir para Portugal (procura), alguma EasyJet haveria de aparecer (oferta). Neste caso, portugueses que estivessem na zona de onde partiam os turistas, conseguiam transporte.

    b) se os turistas se aborrecessem dos pastéis de nata ou dos cimbalinos e quisessem ir pregar para outra paróquia (quebra na procura), a Easyjet ia-se embora, a oferta reduziria e os portugueses ficariam com menos hipóteses de se movimentarem.

    Ou seja, Portugal, um país periférico da Europa, sem ligação por ferrovia ao Velho Continente (12 horas até Madrid não contam como ferrovia uma vez que é o tempo para lá chegar de bicicleta) ficaria refém dos interesses financeiros do mercado para ter rotas aéreas. Não é um negócio extraordinário para um povo que tem 1/3 dos seus fora de portas.

    O que dizem os liberais neste caso do risco do mercado? Não há problema porque, nesse caso, o Governo pagaria a uma companhia privada qualquer para garantir rotas com a diáspora. Ora…pagaria quanto? E já agora, companhias pagas por governos é aquilo a que se costumam chamar companhias de bandeira ou seja, a TAP.

    Essa conversa de acabar com a TAP para se pagar à Ryanair (o O’Leary passa a vida a chorar por subsídios e a chantagear aeroportos com taxas) parece a discussão do SNS onde a IL nos tenta convencer que, liberdade, é destruir a saúde pública e fazer o Governo pagar as nossas consultas nos hospitais privados.

    O mantra liberal é sempre o mesmo: desviar dinheiro público para o bolso de uma minoria de magnatas do setor privado. É esta a base da teoria “os mercados resolvem” e aplica-se numa escola, num hospital ou nas asas de um avião.

    Nem vou entrar na discussão da importância que a TAP tem para a comunidade emigrante (que representa 2% do PIB), no serviço que a TAP presta na ligação aos países de língua portuguesa, na coesão territorial com as regiões autónomas, nos prémios de engenharia que recebe ou no facto de estar entre as cinco companhias mais seguras do mundo.

    Era conversa para umas horas e vocês têm que ir à vossa vida produzir, para a mão invisível sacar depois. Nunca uma empresa de tamanho prestígio foi tão mal tratada.

    Miguel Sousa Tavares disse, no seu podcast, que a comissão de inquérito não deveria ter elementos do PS e do PSD. Concordo. Enquanto os outros lá estarão a fazer perguntas, os deputados de PS e do PSD tentarão despachar culpas para o vizinho.

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    Não sei o que sairá desta Comissão de Inquérito à TAP mas pergunto-me, se a solução para evitar mais indemnizações milionárias, nomeações de boys, desvio de dinheiro na compra de aviões e escândalos do género, é mandar milhares de trabalhadores para a rua?

    Ou se ganham os portugueses ao ficarem dependentes dos abutres e do lucro para, no canto da Europa, se conseguirem mexer? Já nem vou mencionar nas idas a casa dos emigrantes ou luso-descendentes, os tais cinco milhões que andam espalhados pelo mundo e que só servem para enviar remessas, pagarem festas de Agosto na aldeia ou serem gozados na praia. 

    Dizem-nos repetidas vezes que a Ryanair transportou milhões de pessoas para o território nacional e por isso podemos dispensar a TAP. O que acontecerá então quando Porto e Lisboa saírem da moda e a TAP não existir? Ficamos como Bratislava ou Liubliana? Capitais onde as low cost levam couro e cabelo por um voo de duas horas?

    A minha pergunta, para o Luís e para os liberais em geral que tentam fechar a TAP desde que Pedro Nuno Santos a resgatou, é a seguinte: porque não exigem apenas uma administração competente para a transportadora nacional? O mantra dos mercados não se aplica na substituição de gestores inúteis?

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Manuel Pinho, um alegado vigarista com visão de jogo

    Manuel Pinho, um alegado vigarista com visão de jogo


    Dizia-me o director do PÁGINA UM, depois do meu regresso ao continente europeu e à espuma dos dias, que temas não faltavam, dada a confusão instalada. E, de facto, assim é. A enxurrada de notícias, casos e absurdos são de tal monta que poderia sentar-me a escrever de manhã à noite sem repetir um assunto. Fui ao pote… e tirei a senha… Manuel Pinho.

    É um caso absolutamente genial e um óptimo exemplo dos bastidores da política e do mundo das empresas que gravitam na órbita do Estado. Os famosos DDT – leia-se, Donos Disto Tudo –, cujas histórias nos motivam sempre a produzir e pagar impostos. Especialmente numa segunda-feira.

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    Manuel Pinho foi ministro da Economia do Governo de José Sócrates – o tal que foi tomar banho mais cedo quando fez uns corninhos na Assembleia da República.

    Em 1994, aos 40 anos de idade, Manuel Pinho entrou para o Conselho de Administração do Grupo BES, onde exerceu vários cargos, saindo dez anos mais tarde para concorrer nas listas do PS às Legislativas. Foi nomeado ministro da Economia por José Sócrates. Poucos dias depois de chegar ao cargo, influenciou a ida de António Mexia para a EDP e, ao longo do seu mandato, concedeu vários benefícios indevidos à empresa. Em troca, a EDP sustentou a carreira profissional de Pinho como, por exemplo, aquele curso patrocinado pela eléctrica portuguesa na Universidade de Columbia, para onde Pinho foi pregar depois de sair do Governo.

    Enquanto ministro da Economia ficaram famosas as suas palavras, aquando de uma visita à China, apelando ao investimento em Portugal, porque, segundo ele, éramos “um país de mão de obra barata”. Os chineses acreditaram e vieram tomar conta da EDP e da REN, entre outras empresas. António Mexia continuou a ser o homem certo no lugar certo.

    Manuel Pinho fez um gesto indecoroso em 2 de Julho de 2009 em plena Assembleia da República, e que causaria a sua demissão de ministro da Economia.

    Vários anos depois de sair do Governo, um pouco arrastado pelas acusações a Sócrates, Manuel Pinho foi acusado formalmente de corrupção por ter beneficiado a EDP enquanto ministro. O Ministério Público disse ainda que Manuel Pinho recebia dinheiro do BES para cuidar dos seus interesses enquanto ministro. O BES era um dos maiores accionistas da EDP.

    Foi, por esta altura, que se começou a investigar o património de Pinho, e se descobriu, entre outras coisas, apartamentos em Manhattan. Uma das coisas curiosas em boa parte da classe política portuguesa é a capacidade que têm de multiplicar salários. Não sei se sabem qual é a remuneração de um deputado, de um ministro da Economia ou até de um primeiro-ministro. Posso garantir-vos, porém, que não dá para apartamentos em Paris ou Manhattan.

    Como não há fumo sem fogo, e apartamentos na City não se sorteiam em pacotes de Nestum, descobriu-se que Pinho, durante os seus anos no Grupo Espírito Santo (GES), recebia salários e prémios, através de um esquema de saco azul. Uma trafulhice comum para fugir ao pagamento de impostos com o dinheiro a passar por destinos off-shore. Estima-se em mais de um milhão de euros recebidos por Manuel Pinho sem passar no crivo do fisco (que rei!).

    A fraude fiscal é por demais evidente, mas Manuel Pinho começou por negá-la.

    cityscape of building at daytime

    A história melhorou quando ficámos a saber, também por investigação do Ministério Público que, durante o seu tempo na política, Manuel Pinho recebeu uma avença mensal do BES de 15 mil euros mensais. Cheira a mesada para garantir os interesses do empregador, mas o Ministério Público foi mais longe: acusou Pinho de ser um verdadeiro agente do GES infiltrado no Governo. Pinho nega tudo sem conseguir explicar muito bem que salário era aquele.

    Estas “luvas” do GES nunca foram declaradas por Pinho, vá-se lá saber porquê, mas depois do início da investigação em 2017, e acusação formal em Julho de 2018, o antigo ministro de Sócrates aproveitou uma lei de perdão fiscal para regularizar a declaração do dinheiro recebido. Fê-lo em Setembro de 2018, dois meses depois de ter sido acusado.

    Em 2020 foi acusado de ter sido subornado por Mexia, na EDP e, em 2021, foi formalmente indiciado por corrupção, por favorecimento à Odebrecht na obra da barragem do Baixo Sabor. Ainda em 2021 foi detido para interrogatório e ficou a aguardar julgamento em prisão domiciliária, por se recusar a pagar a caução de seis milhões de euros.

    Agora, em 2023, algum advogado de Manuel Pinho lhe deve ter explicado que era mais fácil assumir o crime de que se podia safar – a fraude fiscal – e defender o mais perigoso – a corrupção. E sabem que mais? É absolutamente brilhante.

    Pinho veio revelar, arrependido como se quer nestas ocasiões, que recebeu dinheiro sem pagar impostos, e que esta era uma prática comum no GES. Ou seja, recebiam todos pequenas fortunas e deixavam os impostos para mim, para ti, para quem os quisesse pagar.

    Lembrem-se que enquanto os administradores fugiam aos impostos e enriqueciam, os contribuintes tiveram de ser chamados a pagar durante 13 anos o caos que lá ficou instalado. Isto é quase poético e revelador da impunidade entre quem verdadeiramente manda e quem deve obedecer.

    Pinho acrescentou ainda que tinha regularizado o dinheiro malparado no tal perdão fiscal de 2018 e, por isso, já não podia ser acusado de nada. Ou nas palavras dele: “o que já está, já está”.

    close-up photo of assorted coins

    Não sou advogado, mas espero que este argumento faça jurisprudência. Imaginem uma sociedade onde a cada roubo, cada crime, cada assassinato se pudesse dizer: “pronto, o que já está, já está… agora há que olhar em frente e seguir caminho”.

    Imaginem um mundo onde a impunidade dos ricos se propaga aos pobres, como se fosse um vírus respiratório. Que maravilha!

    A estratégia de Pinho e dos seus advogados é, de facto, brilhante, porque, tal como nós, eles sabem que estão em Portugal, o país onde é muito difícil ser-se condenado por corrupção. E quando tal sucede é com penas doces.

    Sempre que virem uma notícia de um rico indiciado por corrupção, lembrem-se do desfecho do caso Bragaparques, quando José Sá Fernandes era vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa. Tentaram comprar o homem para que beneficiasse uma empresa de construção civil com uma obra de um parque de estacionamento em Lisboa. Quiseram dar-lhe uma mala de dinheiro. O deputado fez queixa, dizendo que o estavam a tentar corromper e fez uma gravação com o irmão Ricardo Sá Fernandes.

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    Um tribunal chegou a condenar os dois irmãos a pagar uma multa por gravação ilícita, e um outro tribunal até absolveu o empresário Domingos Névoa porque estaria a tentar corromper quem não tinha tutela nas decisões autárquicas. Ou seja, o dono da mala, para ser condenado, teria de ir a uma reunião de vereadores e perguntar: “Ouçam!!! Quem é que aqui trata do urbanismo?? És tu?? Então toma lá esta mala!!”

    Isto ainda foi corrigido, com Domingos Névoa a ser condenado, mas pelo Supremo Tribunal de Justiça, embora com mão leve: multa de 200 mil euros para não ir para a prisão por cinco meses. E o empresário continuou a sua vidinha, que lhe correrá bem, até porque já este ano comprou o Shopping Cidade do Porto por 28 milhões de euros.

    Portanto, Pinho sabe que jamais cairá por corrupção num país (ainda) de brandos costumes para os corruptos, e como a fraude fiscal está resolvida no perdão, há mesmo a hipótese de sair disto limpinho como um rabinho de bebé depois de três Dodot.

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    Absolutamente brilhante. A prova cuspida de que existe uma justiça para ricos e outra para pobres, até porque pobre nem deve ter dinheiro para ter acesso à Justiça, sendo um bom exemplo o recente chumbo na Assembleia da República da redução das taxas e custas judiciais. Bem sei que é um conceito estafado, mas visto assim de perto, ao vivo, tem sempre outro impacto.

    Como mantemos esta aparente indiferença, e deixamos esta gente safar-se, uma e outra vez, é que continuo sem conseguir compreender.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O ano de 1938 segundo Sérgio Sousa Pinto

    O ano de 1938 segundo Sérgio Sousa Pinto


    Sérgio Sousa Pinto (SSP), em tempos que já lá vão, um jotinha destacado e bem-comportado, está hoje para o PS como o Pacheco Pereira está para o PSD: é a oposição interna. É ele hoje o liberal rebelde que se incomoda com políticas de esquerda, mas que por lá vai ficando, no PS, provando o que há muito já sabemos: aquele S deixou de ser socialista desde que Mário Soares se reformou.

    Fez ele, o Sérgio, na semana passada, um discurso de 12 minutos na Assembleia da República de encher a alma, daqueles que puxam às lições da História para nos alertar sobre o caminho a seguir.

    Vivemos em 1938, segundo SSP, o ano em que França e Inglaterra se acobardaram quando Hitler anexou uma parte da Checoslováquia, onde vivia uma fatia considerável de alemães. Chamberlain, primeiro-ministro inglês de então, assinou o pacto de Munique que garantia a Hitler aquele território sem guerra ou grandes gritarias. Hitler jurava que, depois daquele problema fronteiriço resolvido, estariam concluídas as disputas territoriais da Alemanha nazi na Europa. O continente mantinha-se assim no rumo da paz, sacrificando os cordeiros checos.

    O Donbass – era aqui que SSP queria chegar. O Donbass é a nova Checoslováquia, Putin o novo Hitler, e nós, a comunidade internacional, não devemos ser o novo Chamberlain.

    SSP esqueceu-se de alguns detalhes dessa história relativamente importantes. Por exemplo, que não foi só a Alemanha nazi a trinchar o peru. Polónia e Hungria foram convidadas a retirar umas fatias de território, onde viviam comunidades polacas e húngaras. E não se fizeram rogados. A Roménia também foi convidada, mas recusou por ser uma aliada antiga da Checoslováquia. Os checos perderam território entre três vizinhos, e o que lhes sobrou passou a ser administrado por um governo-fantoche à ordem dos nazis. O Putin de 1938 não estava sozinho nas intenções expansionistas…

    landscape photo of cemetery during daytime

    Esta é uma primeira diferença que não é propriamente um detalhe.

    Contudo, de facto Chamberlain foi enrolado, e Hitler, uns meses mais tarde, começou a fazer olhos ao norte da Polónia (Gdansk) e a exigir o seu regresso ao território alemão. Como sabemos, foi essa invasão que ditou o início da II Grande Guerra, e não só Hitler mentira descaradamente no tratado de Munique como, hoje sabemos, mais do que resolver problemas de fronteira, queria controlar todo o continente europeu.

    Voltemos ao “erro de Chamberlain” – e também de Daladier, primeiro-ministro francês em 1938 que, juntamente com Mussolini e Hitler assinaram o tratado de Munique. O que poderiam eles fazer? Enfrentar Hitler? Como? Em 1938, o exército alemão era, de longe, o melhor, mais bem armado e mais tecnologicamente avançado exército do Mundo. Uns meses depois, em 1939, “varreram” a Holanda, a Bélgica, o Luxemburgo e a França em apenas seis semanas.

    Portanto, diz-me Sérgio Sousa Pinto, o que devia Chamberlain ter feito? Ou o pobre francês que em pouco mais de um mês perdeu o controlo de um dos maiores países da Europa. Deviam ter-se atirado para a frente do rolo compressor e começado a guerra um ano antes?

    grayscale photo of ceramic mugs with coffee

    Eu acho sempre piada a conversas de heróis com o couro dos outros.

    Não fosse o inverno russo e os disparates de Mussolini na Grécia, e queria ver quem é que tinha parado a máquina nazi.

    Voltando ao Donbass e ao argumento de que se Putin não for parado agora, virá desfilar tanques até Paris como Hitler. Permitam-me discordar. O exército russo anda há semanas, senão meses, com mercenários e tudo o que vão arranjando pelo caminho, a tentar tomar Bakhmut, uma pequena cidade com metade do tamanho do Seixal e 70 mil habitantes (antes da guerra).

    Não é gente que eu queira ter por perto, concordo, mas não me parece aquele tipo de pessoal que acaba a obra na Ucrânia e desata a limpar países até chegar a Madrid.

    Aliás, Sérgio, tu próprio não deves acreditar no que disseste porque, eu bem te ouço, ao lado do amigo Sebastião na CNN, a dizer há meses que o Putin está a perder a guerra, que os ucranianos são uns espartanos e que o exército russo é formado por um grupo de bêbados malvestidos e mais mal liderados.

    Portanto, em que ficamos? A Rússia é um gigante com pés de barro, como andas a vender em horário nobre há meses, ou estamos em 1938 e esta versão do exército vermelho, depois do aquecimento na Ucrânia, vai bombardear tudo o que mexe entre Berlim e Lisboa?

    Ao contrário de Hitler, Putin não parece muito interessado em fazer bluffs. O homem já disse que quer o Donbass, a Crimeia, um bocadinho da Moldávia e algumas fronteiras históricas da União Soviética. Compreendes? Ele disse mesmo ao que vai. Nós é que andamos entretidos a discutir o sexo dos anjos e não ouvimos. Ele não quer confrontação directa com a NATO (não é idiota), não quer invadir Bruxelas nem Amsterdão, e já percebeu que se vê grego só contra ucranianos armados pelos americanos. Portanto, o homem não só sabe os seus limites como já nos informou. Ele quer esticar um bocado os pés, arranjar ali uns quintais e meter os vizinhos em sentido.

    É chato? Epá… é. É mais ou menos como os israelitas que foram sacando território na Palestina, no Líbano e no Egipto sem avisar. Também é chato. Mas ninguém pensou que eles, mesmo com as costas quentes, fossem começar a desancar em todos até à Tailândia.

    Mudará a correlacão de poderes se o Ocidente deixar a Ucrânia e a Moldávia caírem? Claro que sim. Os blocos estão a formar-se. Europa e americanos para um lado, enquanto a China, Índia e Rússia estão para outro. África e Ásia pobre com eles, enquanto o Japão, Coreia do Sul, Canadá e Austrália “connosco”. Está a acontecer, Sérgio.

    Agora… estamos a viver 1938? Corremos um risco de guerra global contra o exército mais poderoso do Mundo? Não me parece.

    Ao contrário de 1938, não só as intenções do invasor não estão escondidas como, já percebemos, Putin não quer controlar a Europa, mas sim voltar a ser um dos decisores no Mundo. Tarefa que ficou mais facilitada com a aliança assumida pela China. Estamos mais perto da Guerra Fria do que de uma nova invasão de Gdansk e um conflito global.

    Honestamente, pelo que vou vendo, as hipóteses de uma escalada no conflito (com armas nucleares, NATO, etc.) aumentam, isso sim, enquanto fizermos questão de ir alimentando este conflito.

    brown and gray concrete building during daytime

    Era essa a conclusão do discurso de SSP. Um apelo para não repetir o erro de Chamberlain e “enfrentarmos” o mal, em nome da liberdade das gerações futuras. “Enfrentarmos”, Sérgio? Também vais vestir o kevlar e meter o capacete?

    Por favor, Sérgio Sousa Pinto e demais políticos com direito a palanque. Pelas alminhas, poupem-me a discursos inflamados e heróicos a exigir a luta armada, feita por outros, como resolução dos problemas criados por vocês. Andaram 20 anos a comer na mão de Putin, a fazer negócios, a vender-lhe armas a troco de gás. Agora queres enfrentá-lo? Como? Com a NATO? Com arsenal nuclear?

    Se há coisa em que a História, de facto, se repete é na origem de todas as guerras. Políticos e governantes combinam a chacina onde as elites enriquecem e os pobres vão morrer. Aí sim, talvez estejamos a viver 1938.   

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Costa, que já foi hábil, agora é só trapalhão

    Costa, que já foi hábil, agora é só trapalhão


    Ouvi João Miguel Tavares a dizer que achava que o direito à propriedade privada era mais importante do que o direito à habitação. É um pensamento lógico, diria, numa pessoa que se revê em políticas liberais. Embora não goste de excluir direitos, devo reconhecer que, em última análise, não concordo minimamente com essa frase.

    Se a decisão for entre uma casa desocupada que pertence a um privado e uma pessoa que dorme ao relento, não há grande debate – pelo menos para mim.

    O meu problema em toda esta discussão sobre a habitação passa no que há para fazer, antes de retirar a propriedade privada para a fornecer a alguém que vive debaixo da ponte.

    António Costa, primeiro-ministro de Portugal.

    Mas antes de entrar nesse debate, faço aqui um parêntesis para discutir a questão das casas devolutas. Aqui a minha opinião é radicalmente diferente e bem mais penalizadora para a defesa do direito à propriedade privada. Há muito que defendo que o Estado deve expropriar privados que deixam imóveis a cair. Seja qual for a razão: desinteresse, falta de capital, desacordo em partilhas. É indiferente.

    A partir do momento em que uma casa, um edifício, um imóvel qualquer, passa décadas desocupado, sem qualquer manutenção – e vai resistindo aos elementos da Natureza até ser apenas uma parede no meio do entulho –, eu defendo que as autarquias assumam a sua posse, o encargo da sua recuperação para aluguer ou venda futura. O agravamento do IMI não é suficiente para evitar os milhares de imóveis em ruínas que vão poluindo visualmente o país.

    Ou seja, mesmo admitindo que nenhuma das propostas de habitação anunciadas por António Costa – talvez retirando os Vistos Gold – chegue a qualquer lado, a medida anunciada para as casas devolutas seria altamente prejudicial para o Governo. Não só assumiam os encargos das obras de recuperação como ainda pagariam uma renda aos proprietários. Isso seria uma forma directa de atribuir subsídios e valorizar o património de quem nunca fez nada por ele. Ou seja, seria um benefício directo, pago por todos, a uma parte da população que paga.

    brown and white concrete houses

    O Estado deve, de facto, recuperar os imóveis e metê-los no mercado de aluguer, mas o dinheiro gasto, que é do erário público, deve significar que a propriedade passa para a esfera pública. O contrário seria apenas um negócio de leão para alguns e mais um calote para a maioria.

    Voltando ao debate inicial – de ser necessário pedir aos privados com casas habitáveis e desocupadas que as coloquem ao serviço do Estado num regime de arrendamento –, parece-me um péssimo negócio para todos. Desde logo para os privados, que não devem ter grande interesse em negociatas com o Estado, que não é propriamente conhecido por ser bom pagador e muito menos ser ágil a executar. Imagino conflitos com os inquilinos mediados pelo Governo português. Uma pessoa até transpira só de pensar.

    Para quem precisa de casa também não vejo grande mais-valia ao ter, na prática, que lidar com dois senhorios, ainda que de forma indirecta.

    man in purple suit jacket using laptop computer

    E para nós, contribuintes em geral, também é uma medida bastante desinteressante, porque o preço do arrendamento, ao valor de mercado, seria na mesma elevado, com o Estado a pagar a diferença. Portanto, mais dinheiro dos contribuintes para pagar a especulação imobiliária.

    Mas o pior mesmo desta medida é a sua absoluta inutilidade e mostrar uma extraordinária falta de vergonha. Por que razão vem António Costa pedir casas a quem as comprou, em vez de dar o exemplo e reconverter o parque imobiliário público, devoluto, desocupado ou pouco utilizado, e colocando-o depois no mercado de arrendamento com preços reduzidos? O Estado já é o dono, alguns imóveis nem de obras precisam e assim podia-se controlar os preços sem ter de indemnizar fosse quem fosse. Visto assim, conseguiam-se mais casas com menos dinheiro dos impostos. Tenho a sensação de que em Portugal não gostamos de estradas rectas; precisamos sempre de adicionar umas curvas que ninguém pediu.

    Estava a pensar nisto, e lembrei-me que tenho de dar uma volta por Lisboa, no próximo regresso a Portugal, e fazer um levantamento de alguns imóveis públicos sem qualquer utilização. Mas claro, já nada se inventa neste mundo, e poucos dias depois da conferência de António Costa, já corriam pelas redes sociais fotos de imóveis desocupados ou devolutos com o selo do Estado.

    brown and white wooden table beside sofa chair

    Nesta última semana perdi a conta ao número de escolas fechadas, prédios desocupados, antigas repartições públicas, sedes de instituições que deixaram de o ser, casas térreas da GNR, do guarda disto ou do vigia daquilo. E o mais engraçado é que muitos destes prédios localizam-se no centro de Lisboa ou do Porto, onde aparece a maior parte dos pedidos de habitação. São as duas principais cidades do país e as suas cinturas urbanas que sofrem mais com esta temática da habitação, porque, como se compreende, também é ali que se concentra a maior parte da população portuguesa.

    Veja-se. Todos os dias surgem mais, todos os dias há alguém que faz mais um levantamento. Em duas semanas, de livre iniciativa e apenas por andar na rua, cidadãos anónimos conseguiram fazer o que o Estado português parece não conseguir. Há tantos, mas tantos imóveis públicos prontos a habitar com duas ou três idas ao IKEA e, eventualmente, pequenas obras, que não se compreende o que foi António Costa sequer fazer à apresentação do programa Habitação Mais.

    Se o Governo português quisesse, de facto, resolver o problema da falta de habitação, o primeiro passo teria sido mexer a enorme máquina burocrática e fazer um levantamento das casas que já pertencem ao Estado e que poderiam ser utilizadas. Depois disso, punham as mãos na massa e tratavam de construir fogos de habitação social.

    abandoned concrete house

    Mas, em vez de simplificar e usar os recursos existentes para resolver o problema das famílias que precisam já de uma casa, agora, o Governo português meteu-se numa embrulhada de burocracia e complicações legais, arriscando, com alguma certeza, nada ter para mostrar daqui a uns meses.

    Visto assim parece aquela lógica, usada nos tempos áureos de Santa Comba, de criar uma comissão para garantir que tudo ficava na mesma. Pergunto-me, por isso, se António Costa quer mesmo resolver o problema ou se tenta apenas agitar os braços para que acreditemos que algo está a ser feito.

    Quão estúpidos, pensará este homem, outrora hábil, que nós somos?

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ucrânia: o que mudou em um ano? Eu respondo: essencialmente, nada

    Ucrânia: o que mudou em um ano? Eu respondo: essencialmente, nada


    Não quero entrar em grandes considerações sobre os discursos de Biden e Putin, agora que se completa um ano sobre o início da invasão russa, porque foram mais ou menos óbvios para quem os ouviu.

    No essencial, Putin falou para os russos, repetindo a narrativa de que foram empurrados para este conflito, e apelando ao patriotismo na defesa do país. Duas partes perigosas foram realçadas, a saída do acordo nuclear, que é mais uma forma de pressão para que o apoio à Ucrânia cesse.

    Pela primeira vez, que me lembre, Putin falou na defesa das fronteiras históricas. Ora. isso já é um embrulho maior, porque deve meter a Moldávia e coisas do género.

    blue and brown hand painting

    Já Joe Biden falou para o Mundo e vendeu uma ilusão que nem Zelensky deve ter acreditado: no fundo, a promessa de que a Rússia não vencerá nada na Ucrânia e mais um pacote estratosférico de dinheiro para acumular à dívida externa ucraniana. Ou seja, os Estados Unidos querem continuar a lucrar com esta guerra, que tem sido um excelente negócio, até ver. Enfraquecem os inimigos de sempre, vendem energia à Europa e ganham uma fortuna com as armas.

    Portanto, nada de novo: há que continuar a combater até ao último ucraniano e a empobrecer a Europa.

    O que me espanta nisto tudo são as análises tranquilas feitas por quem já fala em conflito nuclear como se estivéssemos a discutir se a pizza deve ou não levar ananás.

    Na CNN Portugal, dizia um professor – confesso que não me lembro o nome, mas tinha um discurso calmo e perceptível – que, se um confronto nuclear tivesse início, seria o fim da Rússia. E explicava a simples razão para tal vaticínio, pois a população da Rússia concentrava-se em três cidades: Moscovo, São Petersburgo e Vladivostok. A partir daí, a restante população estava espalhada pelas estepes da Sibéria, viviam em cabanas e vestem peles de tigre. Já nos Estado Unidos, este cenário não se verificava, porque a população se espalhava por muito mais cidades.

    Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia.

    O jornalista agradeceu a intervenção do professor, a quem disse que era sempre um gosto conversar e aprender com ele. Quanto a mim, como também gosto de aprender, fui ver as populações por cidade em cada um dos dois países.

    Os Estados Unidos têm cerca de 18 milhões de habitantes em quatro cidades: Nova Iorque, Los Angeles, Chicago e Houston. Já a Rússia tem essa população dividida por apenas duas cidades: Moscovo e São Petersburgo.

    Depois, podemos ver que os Estados Unidos têm mais cinco cidades com a população acima de um milhão de habitantes. enquanto a Rússia tem 14 cidades acima dessa fasquia.

    Assim à primeira vista, nessa análise de despejar bombas e matar a eito, até parece ser mais complicado fazê-lo na Rússia. Mas isto sou eu a dizer, que não sei quantas bombas nucleares são precisas para matar 1 milhão de pessoas.

    Vladimir Putin, presidente da Rússia.

    Esta discussão, confesso, é profundamente desinteressante, mas já que é tema em horário nobre, seria pelo menos útil que não nos continuassem a contar a história de que os russos se dobram facilmente.

    É que eu ainda estou para perceber duas coisas no meio deste conflito. A primeira é saber como nos andaram a vender, meses a fio, que os ucranianos, quais espartanos, andavam a dizimar os mal equipados russos, sem motivação e liderança. Eu li mesmo que seria indiferente mandarem mais reservistas para o terreno, porque seriam todos dizimados. Em que momento da História é que os russos foram dizimados? Contam assim tantos?

    Hoje, quando é óbvio para todos que a Ucrânia está presa por arames no campo de batalha, seja lá qual for o pedido da semana feito pelo Zelensky, a narrativa é a mesma. Enquanto a Europa se encolhe no apoio de tanques, a Rússia produz 40 por mês. Mas continuamos a ouvir discursos alucinados que rejeitam as negociações e que garantem a vitória ucraniana.

    Expliquem-me, como é que isto é possível?

    Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.

    Como é que se termina esta guerra sem Zelensky salvar a face e Putin também? E, por favor, poupemo-nos às moralidades do invasor.

    Esse tema foi discutido N vezes, todos sabemos quem invadiu, todos sabemos quem não devia ali estar e todos compreendemos que o Ocidente joga uma cartada com vidas ucranianas (de outros invasores nunca quiserem saber, que me lembre).

    Portanto, sabendo toda a verdade, a razão e o certo a fazer, há ainda alguém que imagine que a guerra se termina no terreno? Como?

    Zelensky faz, e bem, o que pode para manter a Ucrânia na agenda sem cair em esquecimento. Mas mesmo que os Estados Unidos e alguns países europeus mande, armas de meses a meses, alguém acredita que conseguiremos mais do que um impasse eterno? Uma situação como a que a Coreia vive há décadas?

    people gathering on street during nighttime

    Percebo o odioso de deixar que Putin fique com uma fatia de terreno ucraniano, mas continuo a não conseguir ver, um ano depois, uma forma de vencer esta guerra sem que esta se transforme em guerra global. E mesmo assim tenho as minhas dúvidas.

    A China, que andou discreta até agora, assumiu agora um lado e juntou-se aos parceiros de sempre. A tal “Rússia isolada” está cada vez mais forte e já tem apoios em três continentes

    Não vou voltar a explicar que a forma como vejo a realidade não se traduz em apoio ao invasor. Gosto de repetir isto para que não restem dúvidas. Mísseis russos em Kiev ou israelitas em Gaza, representam para mim a mesmíssima coisa. Um invasor.

    Mas isso não me impede de ser prático na procura de uma solução. E não vejo, continuo a não ver, um ano depois, que isto se resolva no campo de batalha. A não ser que pensem numa guerra global, com intervenção da NATO e… mesmo assim não sei.

    wheat field

    Até ver, NATO, Estados Unidos e União Europeia (alguns países, não todos) parecem interessados em prolongar e garantir esta transformação no modo de vida dos europeus, o seu empobrecimento e a continuação da carnificina a Leste. O negócio continua a falar mais alto.

    Não acredito, por um segundo, que Biden e seus discípulos acreditem numa vitória ucraniana. Mas acredito que queiram continuar a vender essa ilusão.

    Aliás, na verdade, eles são, até ver, os únicos vencedores desta guerra.  

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Mais habitação, uma mão (que parece) cheia de nada

    Mais habitação, uma mão (que parece) cheia de nada


    Depois de ouvir a apresentação do programa “Mais Habitacão”, fiquei com a mesmíssima sensação das conferências com medidas novas no tempo da covid-19: não percebo metade e, no fim, tenho mais perguntas do que respostas.

    Tirando aquela parte de ir sacar casas devolutas, tudo o resto é voluntário. Incentivos fiscais para quem quiser passar de alojamento local para arrendamento, ou 0% na taxação de mais-valias para quem quiser vender ao Estado. E se não quiserem? Montam-se tendas nos Jerónimos? Qual é o plano B nesta estratégia que depende da vontade alheia?

    dresser beside sofa

    Depois vem o cálculo do tecto das rendas: o valor da última somada à inflação anual e tal. Ora, em muitos casos, o problema está no início dessa frase: “valor da última renda”. Em princípio, foi essa que se tornou incomportável. Percebo a intenção, mas não sei se se ajuda alguém com essa fórmula de cálculo.

    Aos bancos é dito que serão obrigados a disponibilizar uma taxa fixa de juro… mas não dizem é quanto. Já na última vez que os bancos foram obrigados a renegociar créditos, na verdade não aconteceu nada.

    Esse é aliás um dos registos deste Governo: morosas apresentações públicas com medidas avulso, muitas com dúvidas na sua realização prática e, depois de acabada a teoria, pouquíssima concretização cá fora no mundo real.

    Por exemplo, sobre o mundo real, eu gostava que nesta hora em que o Governo apresentou medidas que ninguém percebe, tivesse começado por nos explicar, talvez, quantas famílias fizeram pedidos de casas, quantas estão sinalizadas nos bancos por rendas em atraso, quantas acções de despejo meteram senhorios em tribunal. Ou seja, números para percebermos do que estamos a falar e do que precisamos. São 100 casas? 1.000? 10.000? Um milhão?

    photo of canal between houses

    António Costa diz que as licenças de construção vão ser simplificadas, e menos burocracia será necessária para se arrancar com a construção. Acho óptimo. Mas quem é que isso ajuda? Os construtores, imagino. Ou, depois de feitas, essas casas vão para o mercado de rendas acessíveis?

    Também não percebi a reabilitação coerciva de casas devolutas. O primeiro-ministro diz que não é uma expropriação. Ai não? Então vão só recuperar a casa, metê-la a alugar e devolver a quem a deixou cair? Ui… já estou a ver os montes devolutos que se vão recuperar no Alentejo.

    E quando o Estado diz que vai comprar casas ao preço do mercado, dentro de uma tabela qualquer (dito pela ministra da Habitação) sem taxar mais-valias, o que é que isso significa em concreto? Eu começo logo a imaginar os amigos dos amigos que andam em redor destas elites que nos governam, a embolsarem pequenas fortunas, com isenção de mais-valias e sacos azuis para a reforma.

    É um defeito português, assumo, este de imaginar um esquema possível a cada nova regra. Mas com a experiência acumulada de assistir a desvios do erário público e enriquecimento ilícito da classe política, alguém me censura se começar a procurar buracos na narrativa?

    Marina Gonçalves, ministra da Habitação, António Costa, primeiro-ministro, e Fernando Medina, ministro das Finanças, na apresentação do pacote legislativo para a habitação na passada quinta-feira.

    Não ouvi nada, na conferência de imprensa, sobre casas desocupadas (habitáveis e não devolutas), mas já li qualquer coisa sobre leituras de luz e água para saber o quão ocupada é a casa anualmente. É capaz de ter sido um sonho e não uma coisa real. Tenho ouvido com cada disparate que, por vezes, já não sei diferenciar a realidade da ficção.

    Para já, e posso estar enganado, fiquei com a sensação de que este conjunto de medidas pode ser uma mão-cheia de nada, caso os bancos e os proprietários não colaborem. O fim dos Vistos Gold parece-me ser, de claras, a medida mais positiva. E a recuperação de casas devolutas também, se for bem aplicada. O resto é um “logo se vê”.

    Honestamente, sem a pura e dura construção de habitação social, não estou a ver como se resolve o problema das famílias que, por esta ou aquela razão, ficaram sem casa. É uma questão de opção, digo-o há anos. Menos BES, menos PPPs e menos auto-estradas e mais habitação, caso o artigo da Constituição seja para ser levado a sério.

    grey concrete ruins near green trees at daytime

    Consegui aguentar uma hora e 15 minutos da conferência de imprensa, até ao momento em que o Costa diz que o PRR – ao qual um jornalista tinha sugerido ir buscar dinheiro – não é uma conta-corrente ou a “mesada dos nossos pais”.

    António… olha bem, o PRR é, sem tirar nem pôr, a mesada dos nossos pais. Os velhotes chamam-se Urbano e Erica, já nos dão mesada há 35 anos e nós, perto dos 40, não há maneira de sairmos de casa e de os convidarmos para um jantar num daqueles sítios onde se come de garfo e faca.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Índia, uma história amorosa (e de odiosa tradição)

    Índia, uma história amorosa (e de odiosa tradição)


    As conversas começavam quase sempre com um “tu não percebes, vocês europeus não percebem”. Era a forma de ele me explicar que não existia a hipótese de se casar por amor.

    Ele é o Rohit, um miúdo que conheci aos 24 anos, no primeiro emprego que teve na Suécia. Era um entre uma legião de engenheiros que chegam aos países nórdicos para preencher os milhares de empregos que a população local não tem capacidade para corresponder.

    Desde o primeiro dia que mostrou três interesses muito fortes: fazer os pais felizes, ver montanhas e comer galinha com arroz, o famoso byriani da sua Hyderabad natal.

    Não sei quantas vezes vi este rapaz a comer byriani ao almoço. Umas centenas, certamente. 

    Ainda assim, o grande objectivo da vida era fazer os pais felizes. Disse-me variadíssimas vezes que a sua geração seria a última a sofrer. Casaria com quem os pais escolhessem e aos filhos daria total liberdade para escolherem as companhias para a vida.

    Durante anos escondeu uma paixão que tinha em Gotemburgo: Anna vinha da mesma cidade, trabalhava no mesmo sector e era amiga desde sempre. Tinham feito o percurso entre a escola em Hyderabad e o mercado de trabalho em Gotemburgo, juntos.

    Os pais não aceitariam o casamento, dizia ele, de cada vez que tentava convencer-se de que não valia sequer tentar. Eram de castas diferentes embora altas. Rohit e Anna não fazem parte da Índia que vemos nos filmes. O mundo deles é separado da realidade por muros altos e condomínios privados verdejantes.

    Os anos foram passando e fomos saltando juntos de projecto em projecto. Em todas as equipas onde trabalhei desde 2017, sugeri a contratação do Rohit. Desde logo porque é um excelente companheiro de jorna, mas, principalmente, para o poder proteger das agruras do mercado que não se compadecem com dramas indianos.

    O stress causado pela situação de não poder estar com quem queria, trouxe-lhe anos de noites mal dormidas, várias idas ao médico por doenças que apareciam não se sabia de onde, e, de quando em vez, risco de despedimento por causa das fugas para a Índia para acalmar os pais e tentar convencê-los que aquele era o caminho certo.

    Um dia telefona-me a pedir que vá com ele ao médico. Estava convencido que ia ouvir que tinha cancro e não queria estar só. Fomos juntos e, felizmente, era apenas um hospital privado que cobrava por cada consulta, mesmo aquela de três minutos para lhe dizer que não tinha nada.

    Perdi a conta ao número de situações destas que foram acontecendo ao longo dos anos. Certo dia atirou-se para o mar e, uma vez lá dentro, disse-me “a propósito, eu não sei nadar”. Depois de o “rebocar” para terra, passei a hora seguinte a ensiná-lo a boiar. Outra vez foi a conduzir um carro com caixa manual.

    Algures no tempo, o meu filho disse-me que parecia que tinha adoptado o Rohit. De certa forma, foi o que aconteceu com ele, a alternar a forma como me chamava: ora “velho rezingão”, ora “baba”.

    Até que cedeu à pressão e disse à Anna que nunca mais a queria ver. Iria cumprir o desejo dos pais, já não aguentava o drama 24 horas por dia. Nessa altura disse-lhe que estava a cometer um erro. Percebendo ou não, mesmo com os óculos europeus postos, só via a parte prática da coisa. Ele é um emigrante, vive 95% do tempo longe dos pais… Que raio importam as tradições?

    Disse-me que seria expulso de casa e rejeitado pela família. É muito drama junto, a que acresce o facto de ter de aturar uma mulher escolhida por outros.

    Se já é difícil acertar quando escolhemos no decorrer normal da vida, quanto mais quando aparecem num catálogo de qualidades e capacidades.

    Repeti. O drama não era o que a família pensava, mas sim a perda de um amor para a vida.

    Começou a ir a entrevistas e a conhecer as “pretendentes”. Nenhuma interessava. O pai fez muita força com uma candidata que vinha de famílias próximas do primeiro-ministro. Rohit ficaria garantido para a vida.

    Num sistema de castas não existe elevador social. Dinheiro puxa dinheiro, miséria puxa miséria. 

    Ele disse que não queria saber. De nada. Dinheiro, posição, as candidatas. Queria ver montanhas, ser feliz e livre. E comer byriani.

    Engonhou o mais que pode e Anna, curiosamente, fez o mesmo. Durante um ano foram rejeitando todas as hipóteses, até que Anna disse que esperaria por ele o tempo que fosse necessário. 

    É aqui que tudo muda e Rohit decide ir contra a família. Mais um ano de drama com cortes de relações, mais doenças e intermináveis conversas telefónicas ou viagens à India.

    Estamos em período de covid-19 e eu sento-me em frente à nossa chefe de equipa, de então, para a convencer a não despedir o Rohit.

    white concrete castle near body of water

    O avô aconselha o pai para que expulse o filho da família. Que raio de avô valoriza mais as tradições do que o neto? Sacana do velho, está aqui ao meu lado, enquanto escrevo isto, na Índia, com cara de poucos amigos.

    As ameaças são tantas por parte da família que Anna resolve desistir. Tem perto de 30 anos, e isso, em linguagem de tradição, significa que “ninguém a quer”.

    Rohit pede-me que escreva uma carta ao pai dele e fale com a Anna. Encontramo-nos num bar e, depois de duas cervejas, ela está convencida de que desistir não seria opção. Felizmente, não está habituada a beber, porque, se fosse uma portuguesa, ao preço da cerveja em Gotemburgo, aquela sessão tinha ficado pela hora da morte.

    Chegamos ao dia 15 de Fevereiro, a data escolhida sem consentimento do pai do noivo. Data que deixa a noiva a poucos dias de completar os 30 anos e casar, ainda, “dentro do prazo”. O pai de Rohit aparece no evento, cumpre a tradição, faz o seu papel, sem dirigir uma palavra à família da noiva. 

    two men walking on street

    O ambiente é pesado. O casamento dura três dias e os momentos estranhos sucedem-se. 

    Rohit aproxima-se de mim, com a cabeça cheia de arroz, depois de um ritual aos deuses de duas horas e diz: ” e agora, já percebes?”

    Disse-lhe que sim. Percebo. Percebo que vai voltar para a Suécia com a mulher que ama. Casado. E com a bênção dos deuses. Todos os três mil que devem existir.

    O amor venceu a tradição.

    Essa é que é a notícia. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Uma semana em modo Clara Ferreira Alves

    Uma semana em modo Clara Ferreira Alves


    Esta semana escrevo em condições um pouco mais difíceis, com pouco acesso à Internet, entre aeroportos e noites mal dormidas. Acompanho ainda de mais longe o que se vai passando em Portugal, mas, sempre que consigo uns minutos ligado “à rede”, oiço mais um disparate. Ou é coincidência e azar meu, ou, então, é o disparate que tem mais destaque sem que eu perceba porquê.

    Carlos Moedas, reagindo ao incêndio na Mouraria, que vitimou duas pessoas e revelou as deploráveis condições de vida de outros tantos, dizia que só deveríamos aceitar novos imigrantes com contratos de trabalho. Não sei se perceberam, mas a dado momento desta história deixaram de ser duas vítimas mortais do acidente e passaram a ser dois imigrantes, dois indianos.

    Vi inclusivamente quem tivesse escrito que, afinal, o fim dos alojamentos locais tinha aberto lugar para ocupações de indianos, paquistaneses, nepaleses. Como se entrassem em casa das pessoas sem pedir. Como se não pagassem uma renda. Como se não fossem eles a viver em condições degradantes.

    O discurso de Moedas confundiu-se com o de Ventura, que por sua vez se alinhou com o de Montenegro. Há cada vez menos linhas vermelhas entre PSD e Chega, e vai ficando óbvio o que aí vem nas próximas legislativas. Uma coisa é certa: os indianos ao monte na Mouraria são responsáveis pelo estado de degradação das casas naquela zona. Não só vêm para cá roubar empregos de sonho no UberEats como ainda ficam com as casas decrépitas dos bairros lisboetas… Um flagelo, não é?, que urge acabar…

    Apanho uns minutos no aeroporto seguinte, e eis uma portuguesa, a viver na Síria, a queixar-se aos microfones da RTP da falta de solidariedade depois do terramoto. Todas as ajudas chegam à Turquia e para a Síria, segundo ela; e nem uma equipa com um caniche se vê aparecer. A solidariedade é sempre aquele pau de dois bicos fácil de explicar, mas difícil de compreender.

    Três aeroportos depois, chego ao Bahrain, uma pequena ilha no meio do Golfo Pérsico, sensivelmente do tamanho de Berlim. Um país riquíssimo, com apenas 1,5 milhões de habitantes, dos quais quase metade são imigrantes dos vizinhos asiáticos mais pobres: indianos, filipinos, paquistaneses, nepaleses e todos os que aceitam viver na escravatura moderna que representam as cidades emergentes nos desertos da Península Arábica.

    De Riade a Manama, de Doha ao Dubai, o conceito é o mesmo: cidades futuristas feitas para atrair americanos e europeus, promessas de oásis verdejantes no meio do deserto com todos os luxos em países onde a água é um bem escasso; e ali ao lado, bairros degradados que abrigam a metade da população que é explorada e que aceita esta vida, porque, apesar de tudo, ainda conseguem enviar dinheiro para as famílias.

    Não há conversa sobre a dignidade ou sequer sobre as condições de trabalho. Foi tema durante o Mundial devido à visibilidade do evento, mas há mais de 10 anos que já vejo esta realidade. Em Doha, no Dubai, em Abu Dhabi e agora no Bahrain. É a escravatura do século XXI para deleite dos turistas, dos investidores, da minoria da classe média alta que por aqui passeia em carros enormes e com gastos de combustível que, na Europa, nos dias de hoje, seriam apenas absurdos.

    Acresce que a ponte que liga esta ilha ao território saudita, transforma-a numa espécie de Algarve onde os vizinhos, com mais restrições do outro lado, vêm passar fins-de-semana, beber sem controlo e fazer barulho com potentes carros. Imagino que seja por isso que num espaço tão pequeno existam centenas de alojamentos e, pelo que observo, tentam aumentar o país criando várias ilhas artificiais. Para quem já passou no Dubai, o Bahrain caminha para lá com cerca de 10 anos de atraso. Mas a receita é a mesma.

    Visito a principal mesquita da cidade (Al Fateh Grand Mosque) e constato o habitual de cada vez que entro num templo religioso. Seja de que fé for, nada do que oiço faz sentido ou encaixa na forma como vejo o mundo. Lá fora, pelas portas gigantes de madeira indiana trabalhada à mão, consigo ver trabalhadores em condições miseráveis, debaixo de um sol abrasador, a construir um novo arranha-céus, provavelmente com salários pouco decentes.

    Lá dentro, no local de devoção, explica-me o guia que todas as carpetes, feitas com lã de ovelha, vieram da Irlanda do Norte, os candeeiros chegaram de Viena e Paris, o mármore é italiano. A mesquita, com espaço para sete mil pessoas, custou vários, variadíssimos, altares das Jornadas Mundiais da Juventude, quando foi construída na década de 80.

    Diz-me o senhor que a responsabilidade mais importante de um muçulmano é a devoção. Diz o profeta, nas Escrituras, que “criei cada um de vocês para que me pudessem adorar”. E é isso que é aceite. Devoção e adoração nas preces diárias. A responsabilidade de cada crente, segundo a explicação. Ajuda do profeta, em caso de necessidade, um direito de cada muçulmano.

    Eu oiço, oiço e oiço, mas não questiono. Sinto-me num mundo paralelo quando o senhor me explica que o profeta é responsável por tudo o que vemos. Aquelas paredes, aquelas construções, tudo. Lembro-me também daquele senhor que disse, a propósito de terramotos, que os engenheiros civis portugueses mentiam muito nas construções que validavam. O que dirão os do Bahrain então? Fazem cálculos de estruturas, levantam aquelas paredes e cúpulas e, no fim, o Profeta é que assina.

    Faz-me lembrar aquela vez em que, ao lado de um casal coreano em Belém, na Palestina, um guia local apontou para o céu e disse: “aqui passou a estrela que anunciou o nascimento de Jesus Cristo”. O coreano ao meu lado levantou a máquina e tirou uma fotografia a uma estrela que, dizem, ali passara dois mil anos antes.

    Tudo isto me faz impressão. Nada disto faz sentido para mim. Mas vou. Oiço, tento perceber como pensam, no que acreditam ou de que forma se relacionam com o mundo. Muçulmanos, cristãos, hindus, budistas… No que a religiões diz respeito, sou de igual forma ateu para todas.

    Leio algures que os portugueses passaram nesta ilha, no século XVI, na altura em que queriam garantir as rotas no Golfo Pérsico com fortificações no Omã e, aparentemente, nesta ilha. Lá está um forte português, muitíssimo bem conservado, como uma das principais atracções do país. Curiosamente, conseguem manter e rentabilizar uma relíquia feita por nós, algo que, a avaliar pelas muralhas que vão caindo no Alentejo, não parecemos ter grande interesse em fazer dentro de portas.

    Ao quinto aeroporto, vários Xanax e copos de vinho depois, tal Clara Ferreira Alves nas suas histórias de viagem, chego finalmente à Índia. A tempo de assistir à conclusão de uma história de amor, um casamento proibido entre castas diferentes e não aceite pelas famílias.

    Outra realidade com uns séculos de atraso e que, à luz de um europeu, não faz sentido. Mas faz para mim, que acompanhei durante anos os dramas de quem lutou para que este dia chegasse, e que aceitou ir contra tudo por amor.

    Um dia disse-me o meu amigo: “Não sei se o meu pai lá estará no dia do casamento… Podes ficar ao meu lado?”. De modo que fui comprar mais uma caixa de Xanax. Não perderia isto por nada.

    A história, as cores, as lágrimas e os cheiros, no próximo texto.

    Até lá.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Monotema: esse massacre que nos esfrangalha as notícias

    Monotema: esse massacre que nos esfrangalha as notícias


    “Parem tudo o que estão a fazer: temos jackpot!” Esta é a frase que imagino sair da boca de um editor-chefe numa redacção portuguesa poucos minutos depois de uma catástrofe. Depois, consoante o tamanho da desgraça, a máquina começa a funcionar sem pudor durante dias, semanas ou meses. Vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas, sem parança, sem limites, muitas vezes sem interesse.

    O massacre é tal na exploração da dor e do sofrimento alheios que, a partir de certo momento, tudo nos parece igual, banalizamos a perda, já nem ligamos à morte. Contabilizamos números, especulamos sobre o que podemos e fazemos o sofrimento render de forma pornográfica.

    O recente terramoto no sul da Turquia, junto à fronteira com a Síria, é uma calamidade de uma dimensão que me custa sequer a imaginar. Mais de seis mil edifícios colapsaram e, até ver, o número de vítimas mortais já ultrapassou a barreira dos nove mil. Ao fim de três dias ainda se procuram sobreviventes por debaixo de toneladas de betão.

    Como espectador do fenómeno, há sem dúvida um par de informações que gostaria de perceber: a rapidez das forças de resgate para chegarem ao local; as condições geológicas daquela zona e o seu risco sísmico; em caso de ser uma área onde os sismos são comuns, o que tinha sido feito para preparar um cenário destes ao nível da construção e do resgate; que países estão a ajudar no terreno e como.

    Sabendo de antemão que o sismo afectou cidades já de si massacradas por pobreza e guerra (uma delas, por exemplo, é Alepo, na Síria), também seria interessante saber de que forma a comunidade internacional se está a juntar para enviar ajuda financeira.

    Bem sei que ninguém pediu tanques Leopard por aqueles lados, mas em princípio também vão precisar de uns trocos. Li algures que o regime talibã enviou 160 mil dólares. Se gente sem grande consideração pela vida, e mais pobres do que os afectados, conseguem fazer qualquer coisa, espero que a Ursula, o farol da liberdade e da solidariedade, possa fazer uma vaquinha em Bruxelas e enviar qualquer coisa mais substancial.

    Apesar do interesse da notícia e dos seus desenvolvimentos, o que observo na comunicação social portuguesa, em especial nos canais de informação 24 horas, é uma repetição da estratégia do monotema, levando qualquer espectador à exaustão e ao desinteresse. São horas e horas de transmissão com comentários de gente que parece que está a ler nos búzios, histórias paralelas sem interesse nenhum, e a cada 10 horas lá aparece um facto que realmente conta ou um desenvolvimento da situação real. É preciso uma paciência de Jó para levar com intermináveis directos na esperança de perceber alguma coisa sobre o que está aquela gente a passar.

    É um “remake” da covid-19, da Ucrânia, do Ronaldo, das cheias, dos emigrantes em Odemira, da TAP, da invasão dos apoiantes do Bolsonaro ou do Trump, dos incêndios, do Brexit, do funeral da rainha, dos bilhetes dos Coldplay… eu sei lá.

    black plastic frame on brown wooden floor

    Quando é que começou esta moda do monotema?

    Quando eu era miúdo só havia um canal (sim, meninos, a vida já foi bem melhor) e lembro-me que, enquanto gramava a pastilha dos desenhos checos do Vasco Granja só para ver a Pantera Cor-de-Rosa ou o Dartacão, ouvia notícias variadas e não tinha tempo para decorar nada. Hoje, com centenas de canais, todos parecem dizer o mesmo horas e horas a fio. Com melhores ou piores especialistas, técnicas menos ou mais apuradas na arte de encher chouriços, ou mesmo sem qualquer vergonha no que toca a rentabilizar o sofrimento humano, fico sempre com a sensação que, visto por quem alinha as notícias, quanto mais sangue, melhor.

    Dei por mim a ouvir uma discussão sobre o “e se fosse cá?”, a propósito do terramoto turco. É algo muito português e que nos leva a ver o mundo pelo nosso umbigo. Precisamos muito de ter um pé em cada drama alheio, até para podermos estabelecer um novo caminho de medo, especular mais umas horas num estúdio de televisão e, se possível, criar uma realidade alternativa de ses, que vendam mais uns litros de sangue.

    Nós somos o país que faz notícia de um cão de água português no jardim do Obama, e que fala de como seria se Putin chegasse a Lisboa, umas horas depois dos russos meterem os pés no Donbass. No terramoto do Japão ou no tsunami da Tailândia, imaginamos cenários semelhantes no Chiado ou no Tejo. Adoramos divagar. Somos um povo de poetas.

    printing machine

    Um engenheiro civil português explicava a desgraça que acontecerá em Lisboa no próximo sismo de 1755, porque, nas palavras dele, os seus colegas são ligeiramente aldrabões, mal pagos e assinam obras sem grandes vistorias de segurança. Portanto, estamos no trilho para a catástrofe. Imagino que o homem saiba do que fala – quem sou eu para duvidar –, mas pergunto-me: de que forma é que isso nos ajuda a perceber o que está a acontecer na Turquia?

    Noutra emissão, perguntava o pivot a uma das comentadoras que costuma falar da Ucrânia (deduzo que estejam com falta de pessoal), se a Turquia não iria apoiar menos algumas áreas afectadas onde a maioria era curda. Ou seja, deixar que o betão fizesse o trabalho por eles e chegar lá com os bombeiros daqui a duas semanas só para recolher os corpos.

    Ora… este nível de pergunta já é ao nível da lama, mas o que se espera, verdadeiramente, que a comentadora de serviço faça para além de especular um bocado ou tentar inventar um lugar-comum qualquer que não soe tremendamente estúpido? Assim de repente, lembrei-me dos comentadores que juravam que o governo sueco, enquanto “matava” velhinhos com covid-19, estava a tentar poupar nas pensões de reforma…

    two brown ducks

    Ouvi ainda discussões sobre a demora do Governo português a enviar ajuda, ou até entrevistas a bombeiros super-felizes e excitados com a hipótese de entrarem em acção porque, cito, “treinámos a vida toda para isto”. Dito a sorrir! Tudo serve para vender, a morte é um dano colateral.

    Com uma montanha de cimento e ferro, restos de um prédio que desabara, e um homem lá em cima com uma rebarbadora a tentar libertar alguém, a jornalista pergunta a um especialista da GNR: “diga-nos, o que estamos a ver aqui?”. O homem, com esforço, passou os cinco minutos seguintes a explicar como são importantes as máquinas pesadas para levantar blocos de cimento. Não fosse alguém pensar que era trabalho para os Avengers ou até para o Godzilla.

    Decididamente, não consigo perceber o interesse de encher horas de emissão com 0% de informação. Seja em que tema for. Não compreendo bem em que altura do desenvolvimento humano entrámos nesta estrada. Ao fim de dois dias desisti de acompanhar, porque simplesmente se tornou insuportável. Não consigo aturar mais 5 minutos de venda de sofrimento alheio em horário nobre, e acabo por procurar outras fontes, nomeadamente imprensa escrita, para compreender o que por ali vai acontecendo. Interessa-me perceber quantas pessoas vão encontrando com vida, já que é essa a informação essencial, sem ter de ouvir horas de emissão e discussões repetidas sobre o sexo dos anjos.

    2 white egg on persons feet

    Era isso que imaginaria que um canal noticioso me daria: notícias. Curiosamente só ouvi o número de sobreviventes da boca do Erdogan – e este não é rapaz que eu costume confiar muito, mas, à falta de melhor, tenho de acreditar que já salvaram mais de oito mil pessoas. Fico contente por elas, e não consigo sequer sonhar aquilo pelo que passaram e o que lhes deve ir na cabeça neste momento.

    Por fim, espero que a solidariedade apareça, em força, para turcos, curdos e sírios. Gente que, por aquelas paragens, já está habituada a sofrer, mesmo quando não é notícia.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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