Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Rússia vs. Ucrânia: um é pecador e o outro  santo? Fomos ver se assim é…

    Rússia vs. Ucrânia: um é pecador e o outro santo? Fomos ver se assim é…

    Como estavam ambos os países, como Estados de direito, e os seus cidadãos, antes do dia 24 de Fevereiro? O PÁGINA UM foi analisar o que diz um dos mais conceituados índices mundiais sobre esta matéria. Como vem a talho de foice, apresentamos a situação portuguesa e o melhor e pior para cada um dos indicadores do World Justice Project. Há umas quantas surpresas. Confira.


    No estilo maniqueísta como muitos observam a invasão russa à Ucrânia, Vladimir Putin é um tirano sanguinário, manipulador, um ditador que oprime tanto o seu povo como os demais. Apontam-no como o novo Hitler.

    Do outro lado, Volodymyr Zelensky é olhado como um patriota, fiel ao seu povo, que luta sem tréguas contra o seu opressor. Apontam-no como o novo Churchill.

    Que Putin, numa Rússia sem a glória passada, continua a ser personalidade pouco recomendável, envolta em corrupção, oligarquias e pouca liberdade individual, já há muito – tempo demais – se sabia. Não foi um acaso que o mais recente Prémio Nobel da Paz foi entregue a um jornalista russo Dmitry Muratov, o fundador e editor-chefe do jornal Novaya Gazeta, que viu já vários colaboradores serem assassinados em guerras ou por causa de investigações.

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    Mas, e Zelensky? E a Ucrânia, tão desconhecida, tanto que tanta gente ignora até os conflitos dos últimos oito anos no Donbass? Será o antigo humorista um líder impoluto de um país moderno e próximo das democracias ocidentais, em completa oposição do modelo russo. Será a Ucrânia um bastião do Leste ao nível da liberdade, da justiça, da luta contra a corrupção e do nepotismo e em prol do bem comum?

    Como estavam ambos os países, como Estados de direito, antes do dia 24 de Fevereiro?

    O PÁGINA UM decidiu confrontar a Rússia e a Ucrânia pela “lupa” do Índice do Estado de Direito do World Justice Project, uma organização internacional fundada por dois reconhecidos advogados norte-americanos associada à American Bar Association (Ordem dos Advogados dos Estados Unidos).

    Avaliando todos os anos 139 países, este índice é constituído por oito factores (ou subíndices), que integram 44 indicadores, com avaliações que se baseiam em pesquisas nacionais de mais de 138 mil famílias e 4.200 profissionais e especialistas jurídicos.

    Para se ter uma ideia mais detalhada, e com referências, além do Índice do Estado do Direito em 2021, apresentamos também a posição da Ucrânia e da Rússia em cada um dos factores e indicadores – e respectivas pontuações de 0 a 1. Colocamos também Portugal em comparação, e mostramos o melhor e o pior país.

    E deixamos o leitor retirar as suas conclusões.


    FACTOR 1
    Restrições aos poderes do Governo

    Este factor mede o nível de vínculo do Governo face às leis. Compreende os meios, tanto constitucionais quanto institucionais, pelos quais os poderes do Governo e dos seus funcionários e agentes são limitados e responsabilizados perante as normas legais. Também inclui as verificações não-governamentais sobre o poder do Governo, como uma imprensa livre e independente.

    red and white stop sign

    1.1 – Os poderes do Governo são efetivamente limitados pelo poder legislativo

    1 – Noruega (0,95)

    8 – Portugal (0,83)

    80 – UCRÂNIA (0,55)

    133 – RÚSSIA (0,34)

    139 – Egipto (0,08)

    1.2 – Os poderes do Governo são efetivamente limitados pelo poder judiciário

    1 – Noruega (0,96)

    17 – Portugal (0,75)

    125 – RÚSSIA (0,32)

    126 – UCRÂNIA (0,32)

    139 – Venezuela (0,12)

    1.3 – Os poderes do Governo são efetivamente limitados por auditorias e revisão independentes

    1 – Suécia (0,97)

    17 – Portugal (0,76)

    92 – UCRÂNIA (0,43)

    114 – RÚSSIA (0,35)

    139 – Venezuela (0,07)

    1.4 – Os funcionários do Governo são punidos se agirem com má conduta

    1 – Dinamarca (0,94)

    26 – Portugal (0,64)

    115 – RÚSSIA (0,33)

    127 – UCRÂNIA (0,28)

    139 – Venezuela (0,10)

    black abuse of power comes as no surprise signage

    1.5 – Os poderes do Governo estão sujeitos a verificações não-governamentais

    1 – Dinamarca (0,96)

    13 – Portugal (0,80)

    121 – RÚSSIA (0,37)

    127 – UCRÂNIA (0,28)

    139 – Egipto (0,06)

    1.6 – A transição de poder está sujeita à lei

    1 – Finlândia (0,98)

    15 – Portugal (0,91)

    67 – UCRÂNIA (0,64)

    121 – RÚSSIA (0,37)

    139 – Venezuela (0,19)

    Avaliação global do Factor 1: Restrições aos poderes do Governo

    1 – Dinamarca (0,94)

    16 – Portugal (0,78)

    94 – UCRÂNIA (0,47)

    129 – RÚSSIA (0,35)

    139 – Venezuela (0,17)


    FACTOR 2
    Ausência de corrupção

    Este factor mede a ausência de corrupção no Governo, considerando três tipos: suborno, influência indevida de interesses públicos ou privados e apropriação indevida de fundos públicos ou outros recursos. Essas três formas de corrupção são avaliadas para os funcionários do Governo no poder executivo, judiciário, militar, policial e legislativo.

    2.1 – Funcionários do Governo no poder executivo não usam cargos públicos para ganho privado

    1 – Dinamarca (0,93)

    26 – Portugal (0,65)

    89 – RÚSSIA (0,40)

    127 – UCRÂNIA (0,31)

    139 – República Democrática do Congo (0,23)

    focus photography of person counting dollar banknotes

    2.2 – Funcionários do Governo no poder judiciário não usam cargos públicos para ganho privado

    1 – Dinamarca (0,99)

    31 – Portugal (0,87)

    74 – RÚSSIA (0,54)

    88 – UCRÂNIA (0,48)

    139 – Camboja (0,14)

    2.3 – Funcionários do Governo na polícia e nas forças armadas não usam cargos públicos para ganho privado

    1 – Dinamarca (0,98)

    19 – Portugal (0,87)

    82 – RÚSSIA (0,52)

    106 – UCRÂNIA (0,43)

    139 – República Democrática do Congo (0,19)

    2.4 – Funcionários do Governo no poder legislativo não usam cargos públicos para ganho privado

    1 – Dinamarca (0,91)

    29 – Portugal (0,49)

    104 – RÚSSIA (0,23)

    136 – UCRÂNIA (0,08)

    139 – Guatemala (0,05)

    Avaliação global do Factor 2: Ausência de corrupção

    1 – Dinamarca (0.95)

    24 – Portugal (0,72)

    88 – RÚSSIA (0,42)

    115 – UCRÂNIA (0,33)

    139 – República Democrática do Congo (0,16)


    FACTOR 3
    Governo aberto

    Este factor mede a abertura e transparência do governo definida pela forma como compartilha informações, capacita as pessoas com ferramentas de controlo da acção governativa e promove a participação dos cidadãos nas deliberações de políticas públicas. Avalia assim também se as leis básicas e informações sobre direitos legais são divulgadas, bem como a qualidade das informações publicadas pelo Governo.

    3.1 – Leis divulgadas e dados governamentais

    1 – Finlândia (0,91)

    37 – UCRÂNIA (0,61)

    41 – RÚSSIA (0,57)

    46 – Portugal (0,55)

    139 – Serra Leoa (0,09)

    grey hlalway

    3.2 – Direito à informação

    1 – Suécia (0,92)

    33 – Portugal (0,60)

    64 – UCRÂNIA (0,51)

    102 – RÚSSIA (0,41)

    139 – Egipto (0,10)

    3.3 – Participação cívica

    1 – Dinamarca (0,94)

    18 – Portugal (0,76)

    68 – UCRÂNIA (0,58)

    122 – RÚSSIA (0,37)

    139 – Egipto (0,16)

    3.4 – Mecanismos de reclamação

    1 – Holanda (0,92)

    30 – Portugal (0,72)

    66 – RÚSSIA (0,59)

    76 – UCRÂNIA (0,57)

    139 – Mauritânia (0,25)

    Avaliação global do Factor 3: Governo aberto

    1 – Noruega (0,89)

    29 – Portugal (0,66)

    51 – UCRÂNIA (0,57)

    78 – RÚSSIA (0,49)

    139 – Egipto (0,22)


    FACTOR 4
    Direitos fundamentais

    Este factor mede o sistema do Estado de direito dos países, concentrando-se porém num menu relativamente modesto de direitos estabelecidos sob a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

    4.1 – Igualdade de tratamento e ausência de discriminação

    1 – Finlândia (0,85)

    31 – Portugal (0,68)

    35 – UCRÂNIA (0,67)

    67 – RÚSSIA (0,58)

    139 – Sudão (0,32)

    4.2 – O direito à vida e à segurança da pessoa é efectivamente garantido

    1 – Dinamarca (0,99)

    29 – Portugal (0,85)

    59 – UCRÂNIA (0,66)

    93 – RÚSSIA (0,45)

    139 – Venezuela (0,05)

    people painting

    4.3 – Processo legal correcto e com direitos do acusado

    1 – Suécia (0,91)

    32 – Portugal (0,64)

    72 – UCRÂNIA (0,45)

    112 – RÚSSIA (0,35)

    139 – Venezuela (0,17)

    4.4 – A liberdade de opinião e expressão é efectivamente garantida

    1 – Dinamarca (0,96)

    13 – Portugal – 0,80

    62 – UCRÂNIA (0,61)

    121 – RÚSSIA (0,37)

    139 – Egipto (0,06)

    4.5 – A liberdade de crença e religião é efectivamente garantida

    1 – Noruega (0,89)

    15 – Portugal (0,82)

    34 – UCRÂNIA (0,75)

    118 – RÚSSIA (0,49)

    139 – Irão (0,03)

    4.6 – Ausência de interferência arbitrária na privacidade é efetivamente garantida

    1 – Dinamarca (0,99)

    16 – Portugal (0,83)

    75 – UCRÂNIA (0,43)

    124 – RÚSSIA (0,18)

    139 – Venezuela (0,02)

    group of people setting up campfire

    4.7 – A liberdade de reunião e associação é efectivamente garantida

    1 – Dinamarca (0,98)

    11 – Portugal (0,86)

    66 – UCRÂNIA (0,64)

    121 – RÚSSIA (0,39)

    139 – China (0,11)

    4.8 – Os direitos fundamentais do trabalho são efectivamente garantidos

    1 – Dinamarca (0,95)

    31 – Portugal (0,69)

    44 – UCRÂNIA (0,65)

    63 – RÚSSIA (0,59)

    139 – Irão (0,24)

    Avaliação global do indicador do Factor 4: Direitos fundamentais

    1 – Dinamarca (0,92)

    21 – Portugal (0,77)

    55 – UCRÂNIA (0,61)

    114 – RÚSSIA (0,42)

    139 – Irão (0,22)


    FACTOR 5
    Ordem e segurança

    Este factor mede o nível de segurança de pessoas e propriedades garantida pelo Estado e pela sociedade.

    5.1 – O crime é efectivamente controlado

    1 – Singapura (0,98)

    18 – Portugal (0,91)

    71 – RÚSSIA (0,77)

    82 – UCRÂNIA (0,75)

    139 – Venezuela (0,32)

    5.2 – Os conflitos civis são efectivamente limitados

    Existem 105 países, incluindo Portugal, com a pontuação máxima (1,0)

    107 – RÚSSIA (0,94)

    108 – UCRÂNIA (0,94)

    139 – Afeganistão (0,04)

    5.3 – As pessoas não recorrem à violência para reparar queixas pessoais

    1 – Irlanda (0,92)

    41 – UCRÂNIA (0,51)

    71 – Portugal (0,45)

    99 – RÚSSIA (0,38)

    139 – Suriname (0,18)

    Avaliação global do indicador do Factor 5: Ordem e segurança

    1 – Irlanda (0,94)

    41 – Portugal (0,79)

    63 – UCRÂNIA (0,75)

    84 – RÚSSIA (0,70)

    139 – Afeganistão (0,30)


    FACTOR 6
    Aplicação regulatória

    Este factor mede até que ponto os regulamentos são implementados e aplicados de forma justa e eficaz, embora sem analisar as actividades reguladas nem a sua adequação.

    6.1 – Os regulamentos governamentais são efectivamente aplicados

    1 – Dinamarca (0,87)

    34 – Portugal (0,63)

    58 – RÚSSIA (0,54)

    112 – UCRÂNIA (0,42)

    139 – Mauritânia (0,23)

    6.2 – Os regulamentos governamentais são aplicados e executados sem influência imprópria

    1 – Noruega (0,99)

    29 – Portugal (0,80)

    93 – RÚSSIA (0,54)

    127 – UCRÂNIA (0,41)

    139 – Camboja (0,25)

    purple and pink light illustration

    6.3 – Os processos administrativos são conduzidos sem demora injustificada

    1 – Singapura (0,90)

    25 – RÚSSIA (0,62)

    35 – UCRÂNIA (0,57)

    89 – Portugal (0,43)

    139 – Venezuela (0,10)

    6.4 – Os procedimentos legais adequados são respeitados em processos administrativos

    1 – Finlândia (0,94)

    49 – Portugal (0,51)

    84 – UCRÂNIA (0,41)

    105 – RÚSSIA (0,34)

    139 – Camboja (0,13)

    6.5 – O governo não expropria sem processo legal e compensação adequada

    1 – Bélgica (0,93)

    36 – Portugal (0,66)

    117 – UCRÂNIA (0,41)

    124 – RÚSSIA (0,38)

    139 – Venezuela (0,14)

    aerial view of green grass field

    Avaliação global do indicador do Factor 6: Aplicação regulatória

    1 – Dinamarca (0,89)

    39 – Portugal (0,61)

    81 – RÚSSIA (0,48)

    102 – UCRÂNIA (0,44)

    139 – Venezuela (0,19)


    FACTOR 7
    Justiça civil

    Este factor mede o nível de resolução das queixas dos cidadãos de forma pacífica e eficaz por meio de um sistema de justiça civil, analisando também se são acessíveis e baratos, bem como livres de discriminação, corrupção e influência imprópria de funcionários públicos. De igual modo, examina se os processos judiciais são conduzidos sem atrasos injustificados e se as decisões são executadas de forma eficaz, incluindo também a acessibilidade, imparcialidade e eficácia dos mecanismos alternativos de resolução de disputas.

    7.1 – As pessoas podem aceder e pagar a justiça civil

    1 – Uruguai (0,80)

    15 – Portugal (0,71)

    38 – UCRÂNIA (0,63)

    44 – RÚSSIA (0,63)

    139 – Guatemala (0,34)

    7.2 – A justiça civil é livre de discriminação

    1 – Dinamarca (0,90)

    21 – Portugal (0,72)

    34 – UCRÂNIA (0,68)

    72 – RÚSSIA (0,55)

    139 – Afeganistão (0,14)

    7.3 – A justiça civil está livre de corrupção

    1 – Dinamarca (0,99)

    31 – Portugal (0,77)

    74 – RÚSSIA (0,51)

    97 – UCRÂNIA (0,41)

    139 – Camboja (0,12)

    7.4 – A justiça civil está livre de influência imprópria do Governo

    1 – Noruega (0,95)

    24 – Portugal (0,76)

    101 – UCRÂNIA (0,37)

    124 – RÚSSIA (0,27)

    139 – Venezuela (0,04)

    man in black suit standing on stage

    7.5 – A justiça civil não está sujeita a atrasos injustificados

    1 – Singapura (0,91)

    9 – RÚSSIA (0,74)

    38 – UCRÂNIA (0,53)

    70 – Portugal (0,44)

    139 – Venezuela (0,06)

    7.6 – A justiça civil é efetivamente aplicada

    1 – Singapura (0,92)

    56 – Portugal (0,54)

    75 – UCRÂNIA (0,49)

    82 – RÚSSIA (0,42)

    139 – Venezuela (0,17)

    7.7 – Mecanismos alternativos de resolução de disputas são acessíveis, imparciais e eficazes

    1 – Noruega (0,91)

    17 – Portugal (0,80)

    68 – UCRÂNIA (0,67)

    116 – RÚSSIA (0,55)

    139 – Camboja (0,41)

    woman in black long sleeve shirt holding black ceramic mug

    Avaliação global do indicador do Factor 7: Justiça civil

    1 – Dinamarca (0,86)

    25 – Portugal (0,68)

    64 – UCRÂNIA (0,54)

    70 – RÚSSIA (0,53)

    139 – Camboja (0,25)


    FACTOR 8
    Justiça criminal

    Este factor avalia o sistema de justiça criminal de um país, incluindo a actuação da polícia, advogados, promotores, juízes e agentes penitenciários.

    8.1 – O sistema de investigação criminal é eficaz

    1 – Singapura (0,83)

    41 – Portugal (0,49)

    118 – UCRÂNIA (0,28)

    136 – RÚSSIA (0,19)

    139 – Venezuela (0,11)

    8.2 – O sistema criminal é justo, oportuno e eficaz

    1 – Áustria (0,81)

    75 – Portugal (0,44)

    96 – UCRÂNIA (0,40)

    115 – RÚSSIA (0,35)

    139 – Venezuela (0,12)

    8.3 – O sistema correcional é eficaz na redução do comportamento criminoso

    1 – Noruega (0,93)

    45 – Portugal (0,49)

    62 – UCRÂNIA (0,40)

    78 – RÚSSIA (0,36)

    139 – Venezuela (0,05)

    architectural photography of trial court interior view

    8.4 – O sistema penal é imparcial

    1 – Dinamarca (0,81)

    66 – UCRÂNIA (0,48)

    73 – Portugal (0,46)

    101 – RÚSSIA (0,35)

    139 – Venezuela (0,12)

    8.5 – O sistema criminal está livre de corrupção

    1 – Dinamarca (0,98)

    21 – Portugal (0,78)

    84 – RÚSSIA (0,46)

    123 – UCRÂNIA (0,32)

    139 – Camboja (0,16)

    8.6 – O sistema criminal está livre de influência imprópria do Governo

    1 – Finlândia (0,98)

    13 – Portugal (0,84)

    106 – UCRÂNIA (0,28)

    134 – RÚSSIA (0,11)

    139 – Venezuela (0,01)

    8.7 – O processo legal é adequado e com direitos do acusado

    1 – Suécia (0,91)

    32 – Portugal (0,64)

    72 – UCRÂNIA (0,45)

    112 – RÚSSIA (0,35)

    139 – Venezuela (0,17)

    white and black happy birthday signage

    Avaliação global do indicador do Factor 8: Justiça criminal

    1 – Noruega (0,85)

    33 – Portugal (0,59)

    91 – UCRÂNIA (0,37)

    121 – RÚSSIA (0,31)

    139 – Venezuela (0,12)


    ÍNDICE DO ESTADO DE DIREITO DO WORLD JUSTICE PROJECT

    1 – Dinamarca (0,90)

    2 – Noruega (0,90)

    3 – Finlândia (0,88)

    4 – Suécia (0,86)

    5 – Alemanha (0,84)

    6 – Holanda (0,83)

    7 – Nova Zelândia (0,83)

    8 – Luxemburgo (0,83)

    9 – Áustria (0,81)

    10 – Irlanda (0,81)

    (…)

    26 – Portugal (0,70)

    Mapa mundial com Índice do Estado de Direito em 2021 do World Justice Project. Fonte: WJP.

    (…)

    74 – UCRÂNIA (0,51)

    (…)

    101 – RÚSSIA (0,46)

    (…)

    130 – Paquistão (0,39)

    131 – Nicarágua (0,38)

    132 – Haiti (0,38)

    133 – Mauritânia (0,36)

    134 – Afeganistão (0,35)

    135 – Camarões (0,35)

    136 – Egipto (0,35)

    137 – República Democrática do Congo (0,35)

    138 – Camboja (0,32)

    139 – Venezuela (0,27)

  • Infecções respiratórias em alta e urgências entupidas, mas DGS nada diz porque não é covid-19

    Infecções respiratórias em alta e urgências entupidas, mas DGS nada diz porque não é covid-19

    A “normalidade” sanitária quase reapareceu com a Guerra da Ucrânia e um boletim semanal minimalistas sobre a covid-19. Mas essa “normalidade” está a significar, basicamente, o retorno às urgências entupidas com o Governo e as autoridades de saúde a assobiar para o ar. Os valores totais da procura por cuidados médicos nos hospitais estão em valores máximos dos últimos seis anos. E não são só falsas urgências, porque os casos graves estão em alta. Os indicadores mostram, aliás, que a saúde geral dos portugueses anda presa por arames.


    Tempos de espera superiores a seis horas. Este era o cenário ontem à noite das urgências nos hospitais de Almada e Vila Franca de Xira para doentes de menor gravidade. Este tem sido o cenário cada vez mais habitual nos hospitais portugueses que têm estado a retomam à “normalidade” pré-pandemia, paradoxalmente mais caótica do que durante a pandemia.

    Com os casos de covid-19 a desaparecerem do espaço público e mediático – com a guerra da Ucrânia a dominar a comunicação social e a Direcção-Geral da Saúde (DGS) a limitar a informação a um boletim semanal minimalista –, os portugueses aparentam estar a “redescobrir” que estão doentes. E que existem hospitais.

    person with band aid on middle finger

    Resultado: na última semana, uma “avalanche” de idas às urgências está a entupir muitos hospitais que estão também a ser invadidos por doentes com infecções não-covid, incluindo casos de gripe.

    De acordo com o levantamento realizado pelo PÁGINA UM, na semana de 15 a 21 de Março deste ano registaram-se 131.507 visitas às urgências hospitalares, uma média diária próxima dos 19 mil pessoas. No dia 21 ultrapassou-se, pela primeira vez desde a chegada do SARS-CoV-2 ao território português, a fasquia dos 20 mil episódios de urgência.

    Na verdade, embora as autoridades de Saúde tenham sempre tentado criar uma ideia contrária, o período pandémico acabou por retirar bastante pressão hospitalar, sobretudo nos serviços de urgência. A média diária em 2020 – logo no início da pandemia – e em 2021 na semana de 15 a 21 de Março foi, respectivamente, de 10.802 e 7.052 doentes.

    Somatório dos episódios de urgências no período 15-21 de Março entre 2017 e 2022. Fonte: SNS

    Nos três anos anteriores à pandemia, para o período referido, a afluência era muito maior do que em 2020 e 2021, mas bastante inferior à do presente ano. Em comparação entre 2017 e 2019, o actual fluxo de idas às urgências regista um acréscimo que ronda os 12%.

    Mas existe um outro factor de preocupação. Ao invés de se observar uma tendência decrescente na procura de ajuda hospitalar com a entrada da Primavera, este ano observa-se uma tendência em contra-ciclo.

    Poder-se-ia pensar que advém de uma maior sensação de segurança para se correr aos hospitais, derivada da perda de mediatismo em redor da covid-19, mas existem outros sinais, a começar pelo ressurgimento em força de outras infecções respiratórias, incluindo a gripe. O vírus da influenza esteve, aliás, “incógnito” durante mais de um ano, a tal ponto que uma gripe se tornou quase doença rara no SNS.

    Segundo os dados de monitorização do Serviço Nacional de Saúde (SNS), desde 2017, a recente semana de 15-21 de Março foi aquela com maior número de registos de infecções respiratórias não-gripais ou não-covid: 7.613. São valores acima daqueles que se encontram antes da pandemia, e supera largamente os casos contabilizados no período homólogo de 2020 e 2021: no ano passado registaram-se apenas 1.135 casos; em 2020 somente 3.788. A gripe, por sua vez, foi identificada em 602 casos que chegaram ao SNS; no ano passado, em período homólogo, foi apenas um.

    Em suma, aparentemente desapareceu o SARS-Cov-2, mas reaparecerem todos os outros vírus e também bactérias que afligiam antes os seres humanos. Por onde andavam, a Ciência tratará de responder.

    Somatório dos casos registados de gripe e de outras infecções respiratórias no período 15-21 de Março entre 2017 e 2022. Fonte: SNS

    Certo é que, sobre esta matéria, a DGS mantém-se em silêncio, e não se encontra qualquer despacho ou informação relevante no seu site sobre quais os agentes infecciosos responsáveis. Os dados do SNS revelam apenas que a gripe reapareceu, após dois anos “escondida”: entre 15 e 21 de Março último contabilizaram-se 602 casos de gripe, valores mesmo assim em linha expectável com o esperado em anos anteriores ao surgimento do SARS-CoV-2.

    Não se julgue, porém, que a subida nos números de urgência se deva sobretudo à crónica postura dos portugueses em recorrerem aos hospitais por qualquer motivo. Sendo certo que apenas 2,5% das idas às urgências na semana de 15-21 de Março de 2022 resultaram em internamento, o número de casos mais graves (emergência, muito urgente e urgente) é bastante elevado.

    De facto, considerando a Triagem de Manchester, no período em análise deste ano contabilizaram-se 62.445 doentes triados nas urgências, dos quais 376 com pulseira vermelha (emergência), 11.069 com pulseira laranja (muito urgente) e 51.000 com pulseira amarela (urgente). Em termos absolutos, estes valores são os mais elevados face ao período homólogo entre 2017 e 2021.

    Indicadores de urgência hospitalar no período de 15-21 de Março entre 2017 e 2022. Fonte: SNS

    Este cenário indicia sobretudo que o estado de saúde geral dos portugueses é deplorável no “rescaldo” da pandemia. Recorde-se que nos últimos dois anos registou-se um excesso de mortalidade da ordem dos 27 mil óbitos, sendo Portugal o país da Europa Ocidental com saldo mais desfavorável em comparação com os cinco anos anteriores à pandemia.

    Ora, aparentemente, essa sangria populacional, que “sacrificou” os mais vulneráveis, afinal nem trouxe qualquer “robustecimento” na saúde geral. Pelo contrário, observando-se agora mais pessoas a necessitarem de atendimento médico urgente – e com menos população idosa –, uma triste conclusão terá de se retirar: a gestão da pandemia e a estratégia governamental de suspender muitos serviços médicos nos últimos dois anos deixou muitas mazelas aos “sobreviventes”.

    Uma população com a saúde “presa por arames”. As urgências, agora, que o digam.

  • Da justiça do Burkina Faso e do Conselho Superior da Magistratura de Portugal

    Da justiça do Burkina Faso e do Conselho Superior da Magistratura de Portugal


    Não sei por que razão – talvez seja muito pela sonoridade do nome –, sempre que sou confrontado com algo chocante do ponto de vista do funcionamento de uma sociedade, surge-me de imediato o Burkina Faso na cabeça. Não me aparece tanto Ouagadougou, a sua capital, porque nunca consegui decorar este nome, e pronunciá-lo exige esforço suplementar.

    Enfim, e surgiu-me esta manhã novamente o Burkina Faso na mente, e não por acaso: foi no exacto momento em que li um e-mail para mim enviado pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) com um “despacho” da juíza secretária, de seu nome Ana Cristina Dias Chambel Matias.

    Versava a magna questiúncula sobre se um cidadão de uma república constitucionalmente democrática – leia-se, Portugal – tem o direito de aceder a documentos administrativos na posse daquela entidade que superintende os juízes.

    brown wooden boat on brown sand during daytime

    Neste caso, documentos relacionados com a Operação Marquês, o qual já merecera um parecer favorável da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Pensava que era um e-mail para me informar que podia ir consultar finalmente os documentos.

    Não era. Era para me informar de que, apesar do parecer da CADA, o CSM não os quer ceder. Que eu vá, diz-me o CSM, “intentar respetiva acção especial no Tribunal Administrativo, cujos juízes são avaliados pelo próprio CSM…

    Deu-me, entretanto, um vaipe e resolvi que deveria ser mais justo com o Burkina Faso, e corri a consultar o Índice do World Justice Project do Estado de Direito.

    E penitencio-me agora pela injustiça da associação.

    O Burkina Faso não é o pior país do Mundo em matéria de Estado de Direito. Longe disso.

    No que diz respeito ao indicador das restrições legais do Poder do Estado, o Burkina Faso está na posição 61 em 139 países. O pior é a Venezuela.

    Sobre a ausência de corrupção, o Burkina Faso surge também na posição 61. O pior é a República Democrática do Congo.

    Em relação à transparência e abertura do Governo aos cidadãos, o Burkina Faso ocupa a posição 80. O pior é o Egipto.

    Relativamente à consagração de direitos fundamentais, o Burkina Faso está no lugar 69. O pior é o Irão.

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    No que concerne à ordem e segurança, o Burkina Faso está na 128º posição. O pior é o Afeganistão.

    Em relação à aplicação das leis e regulação, o Burkina Faso encontra-se no lugar 74. O pior é a Venezuela.

    Na aplicação da justiça civil, o Burkina Faso ocupa o lugar 100. O pior é o Camboja.

    E, por fim, na aplicação de justiça criminal, o Burkina Faso situa-se na posição 58. O pior é a Venezuela.

    O Burkina Faso é, por isso, um péssimo exemplo para eu utilizar. No global, no Índice do World Justice Project do Estado de Direito, está em 75º lugar. Tenho de me “corrigir”.

    Mas Portugal, país para onde trabalham as pessoas que integram o CSM, também não é exemplo para ninguém.

    Não por causa daquilo que diz o World Justice Project, que coloca Portugal na 26ª posição no seu índice global, e mostra-nos em situação razoável nos diversos indicadores, entre a posição 16 (restrições legais do Poder do Estado) e a 49 (ordem e segurança).

    Na verdade, estes índices e indicadores dizem-nos pouco, na maior parte dos casos. São giros para fazer rankings e para comparações globais, muito apreciados por políticos (quando são bem classificados) e adorados pelos jornalistas.

    Na prática quotidiana, são os pequenos detalhes que interessam, em muitos casos daqueles que não enformam qualquer indicador ou índice. E são, afinal, esses pormenores que mostram, por vezes, que em matérias essenciais Portugal e o Burkina Faso não são assim tão distintos, que o nosso CSM não será assim tão diferente da entidade homóloga daquele país subsariana.

    Com efeito, quando se vê o nosso CSM – atenção, estamos a falar de uma entidade como o CSM, um dos pilares da Democracia –, em apenas duas páginas:

    a) menosprezar um parecer de uma entidade presidida por um juiz conselheiro – Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos –, destacando que, enfim não os têm de cumprir porque “não são vinculativos para a entidade administrativa”;

    b) declarar que se deve atribuir “confidencialidade ao processo disciplinar” sobre a entrega da Operação Marquês ao juiz Carlos Alexandre em 2014, para assim esconder os detalhes e pressupostos desse arquivamento;

    c) defender que um jornalista não deve ter acesso a determinados documentos, socorrendo-se a interpretação enviesada e absurda do regime de protecção de dados;

    d) e, impor que um jornalista tem de esclarecer previamente “qual a finalidade do acesso e da recolha de tais documentos” para que, depois disso, o CSM possa ponderar se concede ou não os documentos;

    então, podemos concluir que Portugal pode não ser o Burkina Faso, mas está longe de ser uma Democracia madura.

    Pelo menos enquanto o CSM tiver pessoas com esta mentalidade anti-democrática.

  • Ontem foi o dia com mais urgências hospitalares desde 26 de Dezembro de 2019

    Ontem foi o dia com mais urgências hospitalares desde 26 de Dezembro de 2019

    notícia actualizada e desenvolvida AQUI.


    A pandemia parece estar no seu epílogo, mas as outras doenças não estão a dar tréguas aos portugueses.

    Durante o dia de ontem, 21 de Março, os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) atenderam 20.742 doentes nas urgência, um valor nunca visto durante toda a pandemia da covid-19. É preciso recuar ao dia seguinte do Natal de 2019 para se encontrar um valor a superar a fasquia dos 20 mil e mais elevado: em 26 de Dezembro daquele ano, as urgências atingiram os 21.209 atendimentos.

    Raramente em Portugal se observam valores acima dos 20 mil serviços de urgência, algo que ocorre em períodos críticos do Inverno (e especialmente logo após o dia de Natal) ou quando ocorrem ondas de calor no Verão, como sucedeu em 7 de Agosto de 2018. Desde que existem registos diários (a partir de 2017), nunca houve nenhum dia de Primavera com tantas urgências.

    Evolução dos episódios de urgência desde 1 de Novembro de 2016 até 21 de Março de 2022. Fonte: SNS.

    Pela evolução mais recente, o máximo atingido ontem indicia um agravamento do estado geral da população portuguesa, pese embora a elevada mortandade dos últimos dois anos. Analisando o período de 15-21 de Março deste ano, com um total de 62.445 atendimentos em urgência, constata-se que representa um acréscimo de 74% face ao ano passado e de 166% em comparação com 2020.

    Saliente-se que há exactamente dois anos Portugal vivia uma onda de pânico no decurso da declaração do primeiro estado de emergência pelo presidente da República que mais não fez que provocar uma literal fuga aos hospitais. Curiosamente, o dia 21 de Março de 2020 foi aquele com o mais baixo número de urgências no SNS desde que existem registos diários: somente 5.883 atendimentos, ou seja, 28% do valor alcançado ontem.

    Somatório dos episódios de urgências no período 15-21 de Março entre 2017 e 2022. Fonte: SNS

    Estes dados constam do Sistema de Monitorização dos Serviços de Urgência, que estão a ser analisados pelo PÁGINA UM, que amanhã em detalhe uma situação que deveria merece especial atenção das autoridades de saúde, tanto mais que se está a observar um incremento preocupantes das infecções respiratórias não-covid nas últimas semanas.

  • Como convencer um povo pouco adepto das vacinas a vacinar-se agora?

    Como convencer um povo pouco adepto das vacinas a vacinar-se agora?

    A Ucrânia é um dos países europeus com mais baixas taxas de vacinação. Não apenas contra a covid-19, mas contra praticamente todas as outras doenças com imunizantes de eficácia histórica comprovada, por razões socio-económicas, por via dos conflitos internos e com a Rússia, e ainda pela influência dos movimentos anti-vacinas. A Direcção-Geral da Saúde publicou agora uma norma com um plano para vacinar os refugiados ucranianos, mas nem os cita. E nem diz como vai convencer um povo pouco atreito a “picas”.


    É tema quase tabu, sensível e manejado com pinças. No (quase) epílogo de dois anos de fortes restrições, muitas das quais polémicas e ainda em vigor, para controlo da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, a Direcção-Geral da Saúde está agora perante um problema bicudo: controlar eventuais surtos de sarampo, poliomielite e tuberculose, além da própria covid-19, provenientes dos refugiados da Ucrânia.

    O problema é real, mas muito sensível do ponto de vista político e social, tanto assim que a palavra “Ucrânia” e “ucranianos” não consta na norma que a DGS fez sair discretamente, no sábado passado, sobre “vacinação de cidadãos estrangeiros no contexto de protecção temporária”.

    Refugiados ucranianos num centro de refugiados junto à fronteira polaca.

    A norma homologada por Graça Freitas refere apenas que “Portugal tem vindo a receber milhares de pessoas provenientes de países em conflito armado ou noutras situações muito desfavoráveis”, acrescentando que “uma das prioridades à chegada desses cidadãos”, nunca citando a nacionalidade, “é a vacinação”.

    Não os citando, porém, na prática esta norma visa implementar com urgência um plano para maximizar a inoculação em refugiados provenientes da Ucrânia com vacinas contra a covid-19, a gripe, o sarampo, a poliomielite e a tuberculose. E a razão é simples: a DGS, tal como outras congéneres europeias, teme surtos já há muito não vistos na Europa mais modernizada.

    O assunto é melindroso, mas já debatido de forma pela comunidade científica, como se observa por um artigo de investigadores italianos publicado na semana passado na Lancet.

    No caso da covid-19, sabia-se já que a situação ucraniana em finais de Fevereiro passado era de grande atraso no programa de vacinação, com apenas 34,5% da sua população com dose duplas. E naquele mês, a Ucrânia estava ainda a atravessar um surto, com 240 óbitos diários – equivalente a cerca de 55 mortes em Portugal –, aquando do início das hostilidades.

    Porém, o problema sanitário naquele país – e em consequência dos refugiados ucranianos – assume uma maior dimensão, e decorre em parte do atraso histórico de desenvolvimento, mas também muito dos conflitos internos iniciados em 2014.

    Há ainda outro factor delicado: por razões variadas, os ucranianos não são indefectíveis adeptos das vacinas. Não só daquela contra a covid-19, mas de todas. E por esses e outros motivos estão na cauda da Europa em muitos indicadores de saúde.

    Desde a desagregação da União Soviética, a Ucrânia tem sofrido um dramático decréscimo das condições de vida da sua população, agravado pelos conflitos a leste do país e a uma emigração massiva.

    A consequência mais visível foi uma brutal redução populacional, passando de quase 52 milhões de habitantes em 1991 para apenas 42 milhões no final da década passada. O número de nascimentos diminuiu de 641 mil, em 1991, para um pouco menos de 364 mil em 2017.

    Colocado na 40ª posição a nível europeu no Índice de Desenvolvimento Humano, e no lugar 74 à escala mundial, a Ucrânia enfrentava já uma crise humanitária atingindo cinco milhões de pessoas, das quais 3,8 milhões a precisar de serviços de saúde de emergência, de acordo com o Escritório Regional para a Europa da Organização Mundial da Saúde (OMS-ERE). A taxa de mortalidade infantil é ainda extremamente elevada: 8,1 óbitos por 1.000 nascimentos, mais de três vezes superior à portuguesa (2,4).

    O sarampo é hoje ainda endémico na Ucrânia, causada por bolsas de não-vacinados.

    Em 2012 um surto atingiu cerca de 12 mil pessoas, e mais tarde um ainda mais grave, iniciado em 2017 e que se prolongou por até 2020, afectou mais de 115.000 pessoas, tendo causado a morte de 41, incluindo 25 crianças.
    Este foi considerado um dos maiores surtos na Europa desde o início do presente século.

    Uma das regiões mais atingida foi Chernivtsi, no sudoeste da Ucrânia, próximo da Roménia, com 6.427 casos, dos quais dois terços eram crianças. De entre os doentes, 63% não estavam vacinados.

    Num artigo científico publicado em 2019 por Roman Rodyna, vice-director do Departamento de Vigilância Epidemiológica do Centro de Saúde Pública da Ucrânia, são apontadas as causas: a taxa de vacinação “diminuiu significativamente, durante o período 2008-2016, passando de 96% para 45%, devido a problemas na aquisição de vacinas no país e a campanhas de antivacinação”. Em 2016, apenas 31% das crianças elegíveis tinham sido vacinadas contra o sarampo, a papeira e a rubéola.

    Outro problema é a tuberculose. Há cerca de um ano, a OMS-ERE alertava que, embora em tendência decrescente, a incidência de tuberculose na Ucrânia era ainda de 42,2 casos por 100.000 habitantes, isto é, três vezes superior à de Portugal (14,2 casos).

    Direcção-Geral da Saúde tem novo e espinhoso desafio.

    O organismo internacional estimava que em 2018, entre os casos confirmados bacteriologicamente na Ucrânia, 6.900 pessoas tinham tido tuberculose resistente a medicamentos, representando 29% dos novos pacientes e 46% dos doentes previamente tratados. Essas taxas eram consideradas “altas” em comparação com outros países do leste europeu.

    Os dados mais recentes disponíveis mostram que a taxa de vacinação na Ucrânia com uma dose da vacina Bacillus Calmette-Guérin (BCG) foi de 75% em 2016, subindo para os 84% em 2017, ainda aquém dos níveis recomendados pela OMS (90%).

    As taxas de vacinação na Ucrânia contra outras doenças transmissíveis também são genericamente baixas ou mesmo muito baixas, sobretudo no decurso dos conflitos no leste da Ucrânia, na região de Donbass.

    De acordo com um artigo de investigadores do Departamento de Pediatria da Universidade ucraniana de Samy, em 2016 apenas 3% das crianças daquele país foram vacinadas contra a difteria, tosse convulsa e tétano durante os dois primeiros anos de vida.

    Também somente 44% das crianças menores de 18 meses de idade foram totalmente imunizadas contra a poliomielite.

    Por fim, a percentagem de bebés que receberam a vacinação completa contra o Haemophilus influenzae tipo b – causadora de graves infecções como a pneumonia e a meningite em crianças – também sofreu uma drástica diminuição com os conflitos iniciados há oito anos. Em 2013 a cobertura vacinal era de 83% e caiu para apenas 39% quatro anos mais tarde.

  • CADA diz haver manifesto “interesse público” em conhecer segurança das vacinas e Infarmed tem de abrir base de dados ao PÁGINA UM

    CADA diz haver manifesto “interesse público” em conhecer segurança das vacinas e Infarmed tem de abrir base de dados ao PÁGINA UM

    Um novo parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) concede direito ao PÁGINA UM em conhecer dados brutos sobre as reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e o uso do remdesivir, o polémico antiviral usado em doentes-covid, desaconselhado pela Organização Mundial da Saúde mas “apadrinhado” por especialistas com ligações à farmacêutica Gilead. Infarmed não queria dar acesso, alegando que essa informação não se destina a “conhecimento público” e que pode haver “alarme social”.


    Apesar das tentativas do presidente do Infarmed, Rui dos Santos Ivo, em convencer a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) de que os jornalistas são “não-especialistas” com “um elevado potencial para criar alarme social totalmente desnecessário e infundado”, esta entidade que regula os medicamentos terá mesmo de disponibilizar a base de dados dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, bem como do fármaco remdesivir, um antiviral produzido pela farmacêutica Gilead.

    O parecer da CADA, aprovado por unanimidade na passada semana, vem no seguimento de duas queixas independentes apresentadas pelo PÁGINA UM após a recusa tácita de pedidos de acesso ao Portal RAM no início de Dezembro.

    blue and white plastic bottle

    No caso dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, o PÁGINA UM não pretendia apenas consultar os habituais relatórios de farmacovigilância – cuja informação é “filtrada” e omite dados fundamentais –, mas sobretudo ter “acesso à base de dados [Portal RAM] e/ou a outros quaisquer documentos administrativos” que servissem para a elaboração daqueles relatórios públicos.

    Além disso, pretendia-se conhecer, em maior detalhe, os efeitos adversos estratificados por idades e também os critérios para classificação do grau de gravidade desses efeitos. Saliente-se que se ignora ainda quais os critérios usados pelo Infarmed para validar, de forma inequívoca, a associação entre uma morte e a toma da vacina contra a covid-19.

    Em relação ao remdesivir – um medicamento polémico que custou ao Estado português cerca de 20 milhões de euros, e cujos efeitos benéficos são considerados nulos, apesar do apoio de vários especialistas com ligações à Gilead –, o PÁGINA UM pretendia conhecer com detalhe todos os efeitos adversos reportados desde a sua utilização em doentes-covid a partir de Novembro de 2020.

    Em carta enviada à CADA, no âmbito do processo aberto após a queixa do PÁGINA UM, o Infarmed alegou que, apesar de estarmos perante questões de Saúde Pública e de saúde individual, “o Portal RAM não serve afinal propósitos públicos”.

    Rui dos Santos Ivo, actual presidente do Infarmed – que tem “saltitado”, no seu percurso profissional, entre a indústria farmacêutica e a regulação do sector dos medicamentos – alegou que os dados constantes no Portal RAM “não se destinam a ser disponibilizados para conhecimento público”, e que “o seu eventual fornecimento”, mesmo se fossem dados parciais, ocultando-se dados nominativos (que não existem, na realidade), redundaria num “risco de poderem ser analisados por não-especialistas”.

    [O autor desta notícia, e director do PÁGINA UM, tem formação na área do tratamento de dados e é sócio da Associação Portuguesa de Epidemiologia]

    À direita, Rui dos Santos Ivo, presidente do Infarmed, em descontraída entrevista em Setembro do ano passado, para o portal da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), na qual já foi director executivo (2008-2011). À esquerda André Macedo, antigo jornalista e ex-director-adjunto da RTP e que agora trabalha numa agência de comunicação.

    Na opinião deste responsável – que considerará, certamente, que ninguém mais do que a indústria farmacêutica e os reguladores entenderão ou saberão tratar dados médicos e estatísticos –, como o acesso a estes dados por supostos “não-especialistas” teria “um elevado potencial para criar um alarme social totalmente desnecessário e infundado”, defendeu junto da CADA que não deveria ser fornecido o acesso.

    A CADA, porém, considerou que “a informação solicitada” ao Infarmed pelo PÁGINA UM constitui mesmo “documentos administrativos”, e que, conforme fora feito o pedido, não era possível identificar pessoas. Com efeito, o PÁGINA UM solicitou, em concreto, que pretendia, tanto para as vacinas como para o remdesivir, uma “lista de reacções adversas (A, B, C, etc.) do indivíduo 1, 2, 3, etc. (…) de sexo determinado em datas elencadas após a toma de um medicamento concreto”. Ou seja, dados perfeitamente anonimizados.

    Primeira página do parecer da CADA.

    No seu parecer, a CADA informa o Infarmed dum aspecto óbvio em democracia: “as entidades não podem limitar o acesso com base no receio de alguma deturpação que possa ser feita”.

    E acrescenta ainda que “o interesse público no conhecimento de elementos que possam informar quanto à segurança da vacina [contra a covid-19] é, por conseguinte, manifesto”.

    Nessa medida, a CADA salienta que o Infarmed deverá facultar o acesso à informação solicitada pelo PÁGINA UM, “independentemente do suporte em que se encontre (…), expurgada dos elementos que por si ou conjugadamente permitam relacionar os dados de saúde a pessoas concretas”.

    Como a CADA considera, mesmo assim, que possa existir um volume de dados muito elevado – por exemplo, o último relatório do Infarmed sobre as reacções adversas das vacinas contra a covid-19, datado de 28 de Fevereiro passado, reporta a ocorrência de 22.927 reacções adversas –, o Infarmed tem a possibilidade de prorrogar o prazo “até ao máximo de dois meses”.

    Contudo, do ponto de vista técnico não há justificação para tal, uma vez que o Portal RAM permite descarregar a informação em formato compatível para tratamento estatístico de forma imediata.

    Na verdade, apenas uma razão política pode justificar o protelamento por parte do Infarmed. Ou uma recusa, o que levaria necessariamente a uma intimação junto do Tribunal Administrativo, mas que constituiria uma forte suspeita de algo de muito grave estar a ser escondido. Tanto no caso das vacinas como do remdesivir.

  • Polígrafo: um indecente fact-checker para branquear a imprensa mainstream

    Polígrafo: um indecente fact-checker para branquear a imprensa mainstream


    Em 14 de Outubro de 2018, o fundador e director do Polígrafo, Fernando Esteves, escreveu o seguinte, ao anunciar o seu fact-checker: “Outro detalhe importante: o Polígrafo não analisa notícias de outros jornais. O trabalho dos nossos colegas, sendo muito relevante, não é o nosso core business. Escolhemos avaliar e classificar, de acordo com uma escala, as declarações dos protagonistas das notícias, porque são eles os agentes proativos na difusão de inverdades no espaço público.

    Convenhamos, que Fernando Esteves e os seus colaboradores têm cumprido: nunca analisam o trabalho dos seus colegas, e por maioria de razão, sendo eles jornalistas, nem a qualidade do seu próprio trabalho.

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    Ora, como bem se sabe, eu e particularmente o PÁGINA UM não somos propriamente defensores do papel imaculado da imprensa, nem tão-pouco que seja ela um mero agente de transmissão de informação.

    Em más mãos, em maus profissionais, em pessoas com problemas em perceber e praticar os princípios da ética e da deontologia, a informação facilmente se transforma em manipulação.

    Isto a pretexto de um fact-checking do Polígrafo, ontem publicado, sobre a veracidade da morte de soldados ucranianos na ilha de Zmiinii (ou ilha das Serpentes) por terem recusado a rendição, no início da invasão pela Rússia.

    Na introdução ao tema em verificação, a jornalista do Polígrafo Salomé Leal escreve o seguinte: “De acordo com várias publicações nas redes sociais, os 13 soldados ucranianos que defendiam a Ilha das Serpentes, no Mar Negro, terão sido mortos pelos russos, depois de terem protagonizado um ato de resistência que já é considerado histórico na guerra da Ucrânia. Confrontados por militares russos e aconselhados a renderem-se, os ucranianos terão respondido: ‘Vão-se lixar!’ Confirma-se que os 13 resistentes perderam a vida?

    Como se sabe agora, esta informação é falsa.

    Contudo, toda a análise do Polígrafo omite o papel crucial da comunicação social mainstream na divulgação desta fake news, propalada inicialmente pelo governo ucraniano, de tal modo que o presidente Volodymyr Zelenskyy até chegou a anunciar condecorações póstumas aos soldados massacrados.

    Na verdade, tanto a imprensa internacional como a nacional não fizeram o “trabalho de casa” essencial no jornalismo: verificação dos factos; ou, no mínimo, assumpção do erro pela manipulação a que foram sujeitos. A inverdade, termo usado por Fernando Esteves, não foi iniciada nas redes sociais. Teve a sua génese e eco, e maior, por causa das notícias na imprensa mainstream.

    No caso português, eis os jornais que relataram, em primeira-mão, esta fake news: Público (numa parceria com o Washington Post), Expresso, Visão, Sábado, Observador e (a inefável) CNN Portugal, apenas para citar alguns.

    Notícia do Público, em parceria com o Washington Post, de 25 de Fevereiro que se revelaria “fake news”

    Passado uns dias, vários destes órgãos de comunicação social deram o dito por não dito, sem um mea culpa. O Público até teve a desfaçatez de fazer a seguinte adenda, três dias mais tarde: “Esta notícia teve uma actualização“. Ou seja, os mortos (da primeira notícia) passaram a estar vivos (na segunda notícia).

    Convenhamos que uma situação dessa natureza, uma “actualização” assim, apenas é “conhecida” com Cristo: na Sexta-Feira Santa estava “morto”; no Domingo de Páscoa o seu estado sofreu uma “actualização” para “vivo”.

    E que faz o Polígrafo? Nada! Omite tudo isto. Omite o papel da imprensa mainstream. Execra as redes sociais como fonte de toda a manipulação. Limpa a imagem da imprensa, do triste papel dos jornalistas que na pressa de darem informação sem verificação, apenas divulgam, de forma viral, notícias manipuladas.

    Indicação da falsidade da notícia inicial com a mera referência de ser uma actualização

    Relembro, por isso, ao Polígrafo aquilo que, segundo consta no seu site, é – ou deveria ser – o seu método:

    A partir do momento em que o POLÍGRAFO (…) decide ‘checar’ uma informação, há cinco passos que devem ser cumpridos:

    Consultar a fonte original da informação

    Consultar fontes de natureza documental que possam solidificar o processo de checagem

    Ouvir os autores da afirmação, dando-lhes o direito de a explicar

    Contextualizar a informação

    Avaliar a informação de acordo com uma escala de avaliação“.

    Na sua ânsia de diabolizar as redes sociais e de lavar a imagem da imprensa mainstream, o Polígrafo não cumpriu, em rigor, nenhum destes passos.

    Manipulou.

    O habitual.

    Compreendo cada vez melhor por que razão Fernando Esteves nunca quis que o seu Polígrafo verificasse o trabalho dos jornalistas. Prefere branqueá-los quando fazem porcaria, culpando as redes sociais – excelentes bodes expiatórios. Uma indecência.

  • Excesso de mortes em crianças norte-americanas foi afinal um erro informático

    Excesso de mortes em crianças norte-americanas foi afinal um erro informático

    Organismo norte-americano que faz gestão da covid-19 corrigiu número de óbitos, que caíram em todos os grupos etários, mas especialmente nas idades pediátricas. Porém, desde o início do ano, os números alarmantes de supostos internamentos e mortes de menores nos Estados Unidos fizeram parte da campanha comunicacional para convencer pais a vacinarem as crianças contra a covid-19.


    Um alegado erro informático “limpou” mais de 72 mil mortes indevidamente atribuídas à covid-19 em 26 estados norte-americanos, incluindo 416 óbitos em crianças, admitiu ontem o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o organismo federal que supervisiona a gestão da pandemia naquele país da América do Norte. A justificação do CDC, apresentada em comunicado à agência Reuters, remete para “ajustes de mortalidade do Covid Data Tracker em 14 de Março, porque o algoritmo estava contando acidentalmente mortes que não estavam, relacionadas com a covid-19”.

    A correcção administrativa das mortes atribuídas à covid-19 atingiu todas as faixas etárias, mas no caso dos menores de 18 anos a redução foi de 24%, passando de 1.757 óbitos para 1.341.

    four children standing on dirt during daytime

    Tendo em conta que a população menor de idade nos Estados Unidos ronda os 74 milhões (22,3% do total), segundo o United States Census Bureau, o número de mortes nesta faixa etária é o equivalente a 31 óbitos em Portugal para o grupo homólogo.

    Recorde-se que, em Portugal, apenas se registaram até ao momento a morte de quatro menores de idade, todos com graves comorbilidades. E saliente-se também que os Estados Unidos tem sido um dos países desenvolvidos que mostra maiores disparidades sociais em termos de impacte da covid-19, com a incidência da hospitalização a ser quatro vezes superior na população negra adulta em comparação com a população branca.

    O jornal digital Washington Examiner, de postura política conservadora, adiantou, entretanto, que a Covid Data Tracker empolou sobretudo as mortes de menores nas primeiras semanas de 2022, numa altura em que se intensificavam os programas de vacinação. Muitos órgãos de comunicação social, também em Portugal, foram aliás lestos a divulgar uma onda de internamentos de crianças nos Estados Unidos, que aparenta agora ter sido falsa.

    woman in red shirt wearing white mask

    Uma notícia da Agência Lusa no início de Janeiro, reportando o internamento de “cerca de 1.000 crianças” norte-americanas num só dia, teve eco, por exemplo, no Diário de Notícias, no Observador e na SIC.

    Com um título mais alarmante, o canal televisivo da Impresa noticiaria, em 17 de Janeiro, que a Ómicron seria a responsável por aquela situação.

    Ainda recentemente, na edição de 11 de Março, o jornal britânico The Guardian relatava que “um terço de todas as mortes infantis” por covid-19 nos Estados Unidos tinham ocorrido durante o surto da Ómicron. Fazia crer assim que esta variante, claramente menos letal para a população mais vulnerável, poderia ser afinal mais perigosa para crianças e adolescentes.

    Algo que, com a correcção do CDC, mostrou ser falso. O jornal do Reino Unido viria mesmo a rectificar a notícia original anteontem, passando a titular que afinal, em vez de um terço (33%) das mortes era “um quinto” (20%), anotando também que o erro da notícia se devera a “um erro de codificação” do CDC.

    Apesar do alarmismo em redor da covid-19 em idade pediátrica, o impacte efectivo neste grupo populacional é irrelevante no ponto de vista da saúde pública. De acordo com dados do CDC, os menores de 5 anos representam 6% da população e apenas constituem 0,1% dos óbitos causados pela pandemia, o que contrasta com a situação dos maiores de 85 anos: são apenas 2% da população dos Estados Unidos, mas aí se concentraram 26,7% dos óbitos. A população com mais de 65 anos (16,5% do total) registou 75,2% de todas as mortes por covid-19.

    Em Portugal, a mortalidade por covid-19 ainda é mais residual nas faixas etárias inferiores. Os menores de idade representam cerca de 17% da população, e os quatro óbitos registados constituem 0,02% do total. Já a população com mais de 60 anos concentra 95,5% da mortalidade atribuída à covid-19, representando 30% da população.

  • José Alberto Carvalho pode (ainda) chamar negacionistas a pessoas não-vacinadas

    José Alberto Carvalho pode (ainda) chamar negacionistas a pessoas não-vacinadas

    Pela terceira vez, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social arquivou queixas por jornalistas usarem o termo “negacionista” de forma generalizada. Desta vez o visado foi o pivot e jornalista da TVI. Segundo estatísticas que não revela, a TVI defende que os críticos das restrições impostas para controlo da pandemia apresentam tendencialmente taxas de vacinação contra a covid-19 e logo de imunização mais baixas do que a população em geral.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considera que o uso do termo “negacionista” pode ser usado livremente por jornalistas. Numa deliberação tornada pública esta semana no decurso de duas queixas contra as declarações do jornalista da TVI José Alberto Carvalho no programa Global, com Paulo Portas, aquela entidade reguladora presidida pelo juiz Sebastião Póvoas garante que o uso das expressões “negacionistas, por exemplo”, num contexto em que se abordava pessoas imunodeprimidas, não constitui “falta de rigor ou de violação do dever de imparcialidade, nem parecendo ficar em causa a devida cultura de tolerância, de não discriminação e inclusão”.

    Em causa estava um comentário do jornalista José Alberto Carvalho – que recentemente recuperou a carteira profissional, com o número 7128, no decurso de uma notícia de 30 de Janeiro passado do PÁGINA UM – em conversa com Paulo Portas sobre a vacinação com a terceira dose contra a covid-19 no programa Global, onde aquele ex-político comenta uma diversidade de assuntos.

    José Alberto Carvalho, pivot da TVI, que recentemente recuperou a carteira profissional de jornalista.

    Quando Paulo Portas se referia ao novo antiviral da Pfizer, indicando ser “muito importante para gente que tem hospitalização, que está imunodeprimida, ou que não está suficientemente imunizada”, o pivot da TVI retorquiu: “os negacionistas, por exemplo”.

    Apesar de “negacionista” ser termo considerado altamente pejorativo – o PÁGINA UM foi já acusado, de forma difamatória, pela CNN Portugal e outros órgãos de comunicação social com a clara intenção de denegrir a sua credibilidade e rigor –, a ERC parece, em todo o caso, ser agora menos liberal no seu uso.

    Numa deliberação de 9 de Dezembro passado, a ERC arquivara uma queixa contra a Visão por considerar que, apesar de “em termos históricos, a negação da existência do Holocausto foi cunhada de ‘negacionismo do Holocausto’”, tal “não condiciona a utilização da palavra unicamente neste contexto”, aditando que esta “tem sido utilizada para descrever pessoas e grupos de pessoas que negam os conhecimentos científicos, à data, sobre a covid-19”.

    Desta vez, porém, a ERC já diz que “não se escamoteia a dimensão errónea, parcial e pejorativa, e o potencial discriminatório, do uso da expressão ‘negacionista’ quando visando referir ou representar o universo das pessoas não vacinadas contra o coronavírus SARS-COV-2, pois que este universo de pessoas, manifestamente, abrange uma multiplicidade de realidades socioeconómicas, de situações clínicas, e de motivações subjectivas no exercício das liberdades fundamentais que não podem ser, de todo em todo, subsumíveis à da negação dos conhecimentos científicos existentes, à data, sobre a covid-19.”

    A ERC acaba por ilibar José Alberto Carvalho sobretudo por interpretar que o comentário daquele jornalista “contextualizada nos termos descritos, não parece ser suscetível de confundir ‘pessoas não imunizadas’ com ‘pessoas negacionistas’”.

    Neste processo, em defesa de José Alberto Carvalho, a TVI referiu que o comentário “não é minimamente injurioso, uma vez que não qualifica positiva ou negativamente o negacionismo nem se dirige em concreto a ninguém identificado ou identificável”.

    Por outro lado, sublinha que José Alberto Carvalho se limitou “a partir do princípio, estatisticamente correcto, segundo o qual negacionistas (pessoas que negam a existência da covid-19 ou são críticos das restrições impostas para a resolução do problema de saúde pública por ela colocado) teriam tendencialmente taxas de vacinação e logo de imunização mais baixas do que a população em geral”.


    NOTA DA DIRECÇÃO DO PÁGINA UM


    Tenho sido extremamente crítico sobre grande parte das restrições impostas na gestão da pandemia, e isso não me coloca como um negacionista, qualquer que seja a acepção que se deseje usar. Negacionista é uma expressão que reputo de altamente ofensiva e difamatória. Tenho pautado a linha editorial do PÁGINA UM na escrupulosa procura de informação e seguindo preceitos de rigor científico.

    Por isso mesmo, é de uma ignorância atroz – diria mesmo estupidificante –, a TVI e José Alberto Carvalho considerarem que quem critica a gestão da pandemia ou quem opta por não se vacinar seja negacionista e com imunidade mais baixa do que a população em geral.

    A protecção contra a covid-19 depende não só de variáveis como a idade e o sexo – daí ser até contraproducente vacinar universalmente populações jovens saudáveis e dever ter-se prudência em vacinar jovens do sexo masculino – como também do contacto prévio com o vírus.

    No meu caso pessoal, sendo crítico da gestão pandémica, a minha opção por não me vacinar advém de um dado científico: em Dezembro do ano passado fiz um teste serológico com um resultado de 427 BAU/ml para anticorpos IgG. Garanto que é uma imunidade mais alta do que a população em geral.

    Na próxima semana farei novo teste serológico, porque acredito na Ciência e nos diagnósticos.

    E desafio, assim, José Alberto Carvalho – que já terá pelo menos três doses de vacina – a fazer similar teste serológico, para se fazer comparação da “coisa”.

    Note-se, aliás, que ainda esta semana o PÁGINA UM revelou um (até há pouco escondido) parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) que afirmou – presume-se que com base na Ciência – que os recuperados sem vacina têm um risco “muito inferior ao das pessoas vacinadas sem infecção prévia por SARS-CoV-2”. E, por outro, a própria CTVC confessa que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”. Além de tudo isto, a vacinação de recuperados nunca foi alvo de ensaios clínicos.

    Como pode alguém, ainda mais sendo jornalista, atrever-se a chamar negacionista a alguém por isso.
    Só talvez um jornalista que nega os princípios do jornalismo. E a própria Ciência.

    Quanto à posição dos circunstanciais membros da ERC, não posso deixar de relembrar um extracto de uma reclamação por mim apresentada recentemente, e que caracteriza a forma lamentável como esta entidade tem regulado os media durante a pandemia:

    XXIV

    Na verdade, desde 2020, a ERC contribuiu também, pelo menos por omissão, para que certos jornalistas e certa comunicação social, sem qualquer rigor nem pudor, tachasse de “negacionista” toda e qualquer manifestação crítica à gestão da pandemia ou às políticas públicas de Saúde, mesmo quando essas manifestações eram assentes nas premissas da Ciência e no debate de ideias. E a ERC nunca deveria ter permitido tais comportamentos de determinados jornalistas e de determinados órgãos de comunicação social.


    XXV

    Pessoalmente, considero abjecto que jornalistas me queiram classificar e rotular de “negacionista” ou de “anti-vacinas”, apenas porque questiono as políticas estatais (como deve um jornalista fazer), e sabendo-se ainda que comprovada e reconhecidamente já estive com covid-19 (e, portanto, não há forma de me acusarem de a negar), sob internamento (e, portanto, não há forma de me acusarem de negar a gravidade, em determinadas condições e idades), e que possuo agora, por causa disso, imunidade natural a esta doença, comprovada através de um teste serológico de anticorpos IgG (e, portanto, não há forma de me acusarem de não acreditar na Ciência).

    XXVI

    Nessa matéria, e em matéria de ética e deontologia, tem mesmo o PÁGINA UM sido um modelo de rigor e de busca de informação a fontes oficiais, de que são exemplo paradigmático as solicitações de documentos oficiais junto da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e do Infarmed relacionados com a pandemia. A este respeito, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que tentou promover o arquivo aberto junto daquelas entidades oficiais, e não tendo obtido essa informação, como deveria, apresentou então pedidos de parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

  • Sente-se mal, nunca teve covid-19 mas vacinou-se? A culpa não será da vacina; pode ser long covid, defende DGS

    Sente-se mal, nunca teve covid-19 mas vacinou-se? A culpa não será da vacina; pode ser long covid, defende DGS

    Uma nova norma da Direcção-Geral da Saúde procura orientar os profissionais de saúde a identificar e tratar sintomas crónicos decorrentes da covid-19. Porém, tudo cabe no chamado long covid, incluindo pessoas que nunca tiveram teste positivo. E mesmo pessoas que se sentiram mal depois da vacina podem acabar assim diagnosticadas. Seguindo-se esta norma, o SARS-CoV-2 tem, afinal, “costas” tão largas que até pode ser apontado como culpado por suicídios.


    3.380.263 – é este o número oficial de infecções por SARS-CoV-2 que, segundo os dados da Direcção-Geral de Saúde (DGS), tiveram teste positivo à covid-19 desde o início da pandemia em Portugal, em Março de 2020.

    Também de acordo com a DGS, houve 21.285 mortes atribuídas a esta doença, o que significa que 3.358.978 pessoas com teste positivo tiveram doença (grave ou ligeira) ou foram assintomáticas, e sobreviveram ao SARS-CoV-2.

    De entre essas, e considerando uma taxa de mortalidade mensal em Portugal de 0,01% (12 por 1.000 ao fim de um ano), podemos então estimar que quase 17 mil pessoas terão morrido de outras doenças depois de já terem contraído e recuperado de covid-19 [daqui a 100 anos será praticamente 100%].

    person writing on white paper

    Em suma, estarão seguramente vivas um pouco mais de 3,3 milhões de portugueses com comprovativo de teste para SARS-Cov-2, independentemente da gravidade.

    Porém, ainda segundo a DGS, o número de pessoas susceptíveis estarem a sofrer de long covid – ou mais prosaicamente condição pós-covid-19 – pode ser até superior a este número. No limite do absurdo, potencialmente poderá haver mais casos de long covid do que de doentes-covid.

    Isto porque uma norma homologada esta quarta-feira pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, determina que o “diagnóstico da condição pós-covid-19 [long covid] é clínico e deve ser considerado quando existe forte suspeita, mesmo na ausência de história de teste para SARS-CoV-2 positivo.”

    Norma da DGS considera possível sintomas de long covid, que inclui depressão, mesmo sem teste positivo ao SARS-Cov-2.

    Ou seja, mesmo pessoas sem conhecimento de terem tido alguma vez covid-19 – nem por teste PCR ou de antigénio nem por teste serológico –, portanto, dois terços da população portuguesa, podem vir a ser diagnosticadas, segundo a norma da DGS, como sofredoras de long covid.

    Para tal bastará que tenham um quadro de sintomatologia muito variado, que vai desde a dispneia súbita ou em repouso, a febre associada a dor torácica com características pleuríticas até toracalgia pleurítica e/ou toracalgia com características de angor, passando ainda por alteração do olfacto e do paladar, alteração do estado de consciência, défices neurológicos focais, cefaleia súbita e intensa, depressão e ansiedade e até mesmo sintomas psiquiátricos graves com risco de suicídio. Tudo pode ser por culpa do SARS-CoV-2.

    Embora a norma da DGS indique formas de despistagem para identificação de sequelas da covid-19 sobretudo pulmonares e cardíacos – com exames complementares de diagnósticos complementares, como eletrocardiogramas, avaliação imagiológica do tórax e provas funcionais respiratórias –, em muitas situações mostrar-se-á algo forçoso atribuir especificamente ao vírus a causa de determinadas perturbações.

    São os casos, por exemplo, dos sintomas psiquiátricos indicados na norma da DGS, como a ansiedade, a depressão, a perturbação do sono ou mesmo a ideação ou a concretização de suicídio.

    Norma inclui teste PHQ-9 para detecção de depressão por long covid.

    No limite, aquilo que a DGS aparenta querer fazer é atribuir um eventual aumento do número de suicídios não como uma consequência da gestão da pandemia e das dificuldades económicas dos portugueses, mas sim apontar um suposto diagnóstico de long covid como uma causa patológica, mesmo em “pacientes” que nunca estiveram doentes com covid-19 ou nem sequer teste positivo apresentaram em qualquer data anterior.

    Por exemplo, de acordo com o Anexo 8 da norma da DGS, que inclui a aplicação do PHQ-9, um teste clínico de diagnóstico de depressão, se alguém tiver alterações de humor compatíveis com um valor entre 15 e 28 – que indicia necessidade de tratamento – pode ser também considerada uma vítima de long covid.

    No absurdo, até sem qualquer histórico de teste positivo. Dependerá somente da decisão clínica do médico.

    Porém, mais estranho ainda nesta norma da DGS é a preocupação em se saber também, através de um detalhado questionário clínico (Anexo 2), informação detalhada sobre o estado vacinal do paciente, inquirindo mesmo quantas doses foram tomadas e qual a marca administrada (Spikevax, Comirnaty, Vaxzevria, Janssen ou outra).

    Nesse inquérito, o paciente apenas será questionado se um eventual agravamento do seu estado de saúde se registou antes da covid-19. Nada se pergunta se a pessoa teve alguma “recaída” após a vacinação.

    Recorde-se que a própria Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 admitiu que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”.

    Em suma, a DGS mostra nesta norma que não considera relevante uma avaliação sobre eventuais efeitos adversos após a vacinação, mas tão-só busca supostos casos de long covid mesmo em pessoas sem contacto confirmado de covid-19, sejam estas vacinadas ou não. Recorde-se que 91,4% da população portuguesa se encontra vacinada.