Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Do ‘normal’ de 2009 aos teóricos das conspirações da pandemia: uma viagem ‘a cavalo’ do doutor Francisco George

    Do ‘normal’ de 2009 aos teóricos das conspirações da pandemia: uma viagem ‘a cavalo’ do doutor Francisco George


    Seria eu rotulado de teórico da conspiração, negacionista, terraplanista, anti-Ciência, um perigo para a Saúde Pública, e provavelmente considerado membro de “movimentos inorgânicos antissistema” pelo Relatório Anual de Segurança Interna, se porventura em meados de 2020, ao longo de 2021 ou hoje mesmo, no ano da graça de 2022, dissesse ou escrevesse coisa assim:

    A vacinação para o vírus que veio a emergir foi preparada mesmo antes da emergência do vírus. Em 2019, a Direcção-Geral da Saúde recebeu cientistas da empresa farmacêutica XXX que estavam a preparar a nova vacina. Um tipo que a directora-geral da Saúde conhece, e que tinha trabalhado na OMS, chamado K**** S**** e a sua equipa, esteve a apresentar o projecto para as vacinas mesmo antes da estirpe pandémica ter surgido. Mas, tudo tinha sido preparado para, em termos globais, a resposta ser rápida. E se formos ver o plano de contingência português, refere-se que a vacina estaria disponível no prazo de seis meses, e que as medidas de contenção para atrasar a propagação da epidemia deviam ser tomadas, a rigor, como aliás foram, para dar tempo à chegada da vacina.

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    Sucede que, além de todas as etiquetas que me apodariam, das denúncias no Facebook e em outras redes sociais pedindo a minha exclusão do mundo virtual, e das queixas na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) de sorte a me cassarem o registo e a acreditação, ficaria eu sujeito a um high profile trial por plágio – justíssimo, aliás – por iniciativa do doutor Francisco George, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa até ao ano passado e director-geral da Saúde entre 2005 e 2017.

    Vou-me explicar.

    No já longínquo dia 23 de Outubro de 2009 – esquecido na memória de muitos, e ainda mais da desmemoriada classe jornalística –, o doutor Francisco George, então na qualidade de director-geral da Saúde foi entrevistado por duas jornalistas (Joana Bénard da Costa, pela Rádio Renascença; e Romana Borja-Santos, pelo Público, e que agora é assessora de comunicação da Ordem dos Médicos), para o programa Diga Lá Excelência, na RTP 2.

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    Vivia-se então em plena “pandemia” da gripe suína – vírus influenza A/(H1N1)pdm09 –, que surgira no México em Abril desse ano de 2009. Repita-se: 2009.

    Nesse dia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tinha passado já a situação de emergência pública internacional para a fase 4, enquanto a Food and Drug Administration (FDA) aprovou, no dia seguinte, um teste de detecção.

    A cronologia é conhecida e fácil de sintetizar. A primeira sequência do genoma foi, oficialmente, determinada em 27 de Abril de 2009. Repita-se: 27 de Abril de 2009.

    Por sua vez, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) emitiria, também nesse dia 28, a primeira orientação provisória para encerramento de escolas e creches com casos confirmados em laboratório do vírus. No dia 29, estávamos já na fase 5 do alerta da OMS.

    Em 11 de Junho, o nível subiu para a fase 6 – o topo da escala. Também foram surgindo variantes, uma das quais em Julho, supostamente resistente ao antiviral então em voga, o oseltamivir – comercializado pela Roche, sob a marca comercial Tamiflu, que entretanto vendera milhões e milhões de embalagens por esse Mundo fora. Só no primeiro semestre de 2009, esta farmacêutica suíça teve receitas superiores a 900 milhões de dólares com o Tamiflu.

    Mas havia as vacinas, claro. Em 22 de Julho de 2009 oficialmente começaram os ensaios clínicos da primeira vacina contra a gripe H1N1. Em 15 de Setembro foram aprovadas pela FDA quatro vacinas: Sanofi, Novartis, CSL e MedImmune; mais tarde, também a GlaxoSmithKline teve a sua. Em tempo recorde. Em 5 de Outubro de 2009 começaram a ser dadas as primeiras doses nos Estados Unidos. Nesse mesmo mês chegaram à Europa.

    Mas nem quero falar muito sobre o flop da pandemia da gripe H1N1, que afinal teve um impacte inferior à das gripes banais – mas com a indústria farmacêutica a sair beneficiada por vendas de vacinas imprestáveis e de antivirais desastrosos que serviram para ir para o lixo, ou melhor, para queimar.

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    Quero mesmo falar sobre o grave plágio que cometeria se eu tivesse escrito ou dito o que acima expus.

    Porque, de facto, foi o doutor Francisco George, digníssimo director-geral da Saúde, na referida entrevista de 23 de Outubro de 2009, o autor das seguintes palavras, ipsis verbis:

    A vacinação para o vírus que veio a emergir foi preparada mesmo antes da emergência do vírus. Em 2008, na Direcção-Geral da Saúde, recebemos cientistas da Novartis que estavam a preparar a nova vacina. Um colega meu que tinha trabalhado na OMS chamado Klaus Stöhr e a sua equipa, esteve a apresentar o projecto para as vacinas mesmo antes da estirpe pandémica ter surgido. Mas, tudo tinha sido preparado para, em termos globais, a resposta ser rápida. E se formos ver o plano de contingência português, refere-se que a vacina estaria disponível no prazo de seis meses, e que as medidas de contenção para atrasar a propagação da epidemia deviam ser tomadas, a rigor, como aliás foram, para dar tempo à chegada da vacina.

    Pasmados?!

    Então, oiçam aqui:

    Mais pasmados ainda?

    Não estejam. Ora essa! Dizer aquilo que o doutor Francisco George disse, publicamente, em 2009 era a coisa mais natural: uma vacina apresentada às autoridades antes do surgimento do vírus (que nem aparecera sequer antes no Hemisfério Sul), e ter tudo preparado para um programa de vacinação em larga escala em seis meses.

    Mas hoje, hélas, dizer coisas como as que o doutor Francisco George nos disse em 2009, e pensar que a pandemia da covid-19 – esta, que oficialmente começou em finais de 2019, na China, mas que chegou ao Mundo Ocidental em 2020 e se prolonga até agora – tem cada vez contornos mais suspeitos; ai!, isso não pode ser. Isso é ser “ista” de tudo e mais alguma coisa…

    Já agora, o doutor Klaus Stöhr não foi apenas um técnico da OMS especializado em vacinas para a gripe que transitou para a indústria financeira, nem é hoje somente mais um alto quadro de uma farmacêutica (um dos vice-presidentes da Novartis) que já apresentou uma vacina antes do vírus surgir. Foi também homem profético que em 2005 já andava a preparar o Mundo para uma pandemia

  • Expresso e SIC Notícias têm agora nas farmacêuticas um ‘ventilador financeiro’

    Expresso e SIC Notícias têm agora nas farmacêuticas um ‘ventilador financeiro’

    O PÁGINA UM foi ver como as farmacêuticas entraram na vida da comunicação social portuguesa através de parcerias comerciais que são executadas por jornalistas sem que os leitores percebam que se trata de eventos com cobertura mediática condicionada. A Lei da Imprensa e o Estatuto dos Jornalistas não permitem este tipo de parcerias, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social e a Comissão da Carteira Profissional “assobiam para o ar”. Comecemos pelo Grupo Impresa.


    O semanário Expresso e o canal televisivo SIC Notícias têm estado a intensificar, como nunca visto, as ligações comerciais com a indústria farmacêutica, usando jornalistas para cobrir eventos pagos.

    O fenómeno, que colide com a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista – por influir na liberdade editorial e aproveitar jornalistas para cumprimento de contratos comerciais –, iniciou-se em pequenos passos ainda antes da pandemia, mas está em franco crescimento. Só no mês passado, o PÁGINA UM detectou cerca de uma dezena de iniciativas destes dois órgãos de comunicação social do Grupo Impresa em operações de marketing de seis farmacêuticas.

    Grupo Impresa tem reforçado parcerias comerciais com farmacêuticas usando jornalistas. Na foto, a pivot da SIC Marta Atalaya.

    A vantagem das farmacêuticas nesta “cooperação” – em que os órgãos de comunicação social funcionam como media partners, bem pagos, embora os montantes estejam no “segredo dos deuses” por não serem públicos – é tripla: mesmo que a factura para as farmacêuticas seja bem superior (em comparação com uma organização por meios próprios), garante-se uma cobertura mediática favorável (que nem sempre se obteria sem estas parcerias) e consegue-se, por outro lado, agregar mais facilmente um conjunto de figuras de relevo ou decisores políticos como convidados para os eventos.

    Por outro, os eventos apresentados enganosamente como parcerias ou associações – quando na realidade se está perante simples prestação de serviços de comunicação – funcionam como um “endorsement”, uma recomendação de uma marca, neste caso uma farmacêutica, por um órgão de comunicação social e pelos seus jornalistas, o que constitui um “selo de qualidade” perante o público que ignora a natureza desses contratos.

    Um pouco como um shampoo que seja falado pelo Cristiano Ronaldo sem se saber que ele recebe dinheiro por isso, e as suas “falas” são combinadas.

    Existe eventualmente outra vantagem potencial: a dependência financeira por este tipo de contratos, num período crucial de negócios para muitas farmacêuticas, pode condicionar análises mais críticas ao sector por parte dos jornalistas. E travar uma cobertura profissional, isenta e rigorosa.

    Embora esta dependência financeira não seja exclusiva do Expresso e da SIC Notícias – ou do Grupo Impresa –, o PÁGINA UM detectou que, apenas durante Maio passado, o semanário fundado por Pinto Balsemão associou-se, para a organização de eventos pagos, pontuais ou de médio prazo, à  ViiV Healthcare (uma joint venture da Pfizer e da GlaxosmithKline), Bial (através da Fundação Bial), Sanofi, Gilead, GlaxoSmithKline e Novartis.

    Farmacêuticas participam e pagam pelos eventos organizados pela Impresa. Chegam a agradecer publicamente o “convite”.

    Em todos os casos, os eventos tiveram transmissão online, geralmente com a moderação de num jornalista do Expresso ou da SIC Notícias, e cobertura mediática com artigos de jornalistas acreditados, sobretudo nas edições online mas também, por vezes, na edição em papel. Pelo menos dois jornalistas com carteira profissional escreveram artigos encomendados desta forma: Francisco de Almeida Fernandes (TP 7706) e  Tiago Oliveira (TP 6278).

    No caso dos eventos que envolvem conferências, o PÁGINA UM detectou a participação activa, como moderadores, dos jornalistas Marta Atalaya (TP 2502) e Bernardo Ferrão (TP 3906).

    Os textos no semanário do Grupo Impresa costumam ser integrados numa secção denominada “Projetos Expresso”, mas sem qualquer menção de integrar conteúdos patrocinados nem existe qualquer opção gráfica que distinga esses artigos das outras notícias eventualmente não-pagas.

    O último desses eventos neste polémico género de parceria Expresso-farmacêuticas foi uma conferência na passada terça-feira “em torno dos desafios no diagnóstico e tratamento do VIH/SIDA”, que constituiu o pontapé de saída do projecto Horizonte 2020, que se prolongará por 18 meses.

    Eventos são oportunidades de “ouro” das farmacêuticas para operações de charme junto de decisores políticos.

    Nesta primeira conferência foram convidados políticos de vários partidos, entre os quais Ricardo Baptista Leite (PSD) e Maria Antónia Almeida Santos (PS), com a moderação da jornalista Marta Atalaya.  A cobertura mediática foi assegurada pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes, que também trabalha para uma empresa de comunicação (Mad Brain).

     A Angelini Pharma, por sua vez, conseguiu convencer o Expresso a ser media partner, com uma contrapartida monetária, para organizar a 13ª edição do Angelini University Award, que teve o impacte da covid-19 nos doentes crónicos como prioridade. Mais uma vez, o evento teve cobertura mediática do Expresso através do jornalista Francisco de Almeida Fernandes.

    Por sua vez, o evento pago pela Fundação Bial em Maio passado enquadra-se em outros já desenvolvidos desde o início deste ano, um dos quais contou com a presença do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. Também aqui a notícia do mais recente evento, resultante do compromisso como media partner do Expresso, foi publicada na edição online de 20 de Maio passado, e escrita, mais uma vez, pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes.

    No caso da Sanofi, cuja cobertura mediática tem sido feita sobretudo pelo jornalista Tiago Oliveira, tem incidido num projecto de médio prazo denominado “Doenças que marcam”, que tem tido também a participação, como mestra-de-cerimónia da jornalista Marta Atalaya.  

    O jornalista Bernardo Ferrão moderando uma conferência paga ao Expresso pela Sanofi.

    A Sanofi tem, aliás, reforçado a ligação comercial e jornalística com o Grupo Impresa. Um dos eventos mais relevantes desta parceria comercial foi a organização, em Março passado, da conferência Flu Summit 2022. A vacina da gripe é uma das áreas de grande interesse comercial desta farmacêutica francesa.

    Para se ter ideia dos montantes envolvidos nestas iniciativas, saliente-se que, no âmbito da Flu Summit 2022, e consultando o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, dois dos convidados para este evento – os pneumologistas Filipe Froes e António Morais – receberam da Sanofi, pela sua presença, 2.889 e 1.595 euros, respectivamente. O segundo esteve, na verdade, em representação da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

    Apesar desta dependência financeira de alguns dos oradores (pagos pela Sanofi), o Expresso fez a cobertura mediática do evento, que foi moderado pelo jornalista da SIC Bernardo Ferrão.  

    Quanto à Gilead, o evento de Maio passado, organizado pelo Expresso, e com cobertura mediática do jornalista Francisco de Almeida Fernandes, foi dedicado à divulgação do Programa Gilead Génese. No entanto, as ligações entre esta farmacêutica norte-americana têm-se aprofundado desde o ano passado, sempre com uma cobertura mediática bastante favorável.

    Recorde-se que a Gilead comercializa o polémico antiviral remdesivir, sob a forma comercial Veklury, mas nunca as páginas do Expresso fizeram eco dos problemas deste fármaco, que custou 20 milhões de euros ao Estado. Das poucas vezes que o Expresso referiu aquele fármaco foi sempre de forma favorável, com a “defesa” a ser feita, entre outros, pelo pneumologista Filipe Froes, que é simultaneamente consultor da Gilead e da Direcção-Geral da Saúde.

    Filipe Froes recebeu quase 2.900 euros da Sanofi para discursar em evento pago à Impresa e noticiado pelo Expresso.

    Por sua vez, para a GlaxoSmithKline (GSK), o Expresso multiplicou-se, no mês passado, na organização de diversos eventos sobre doenças raras, onde os interesses comerciais das farmacêuticas são bastante significativos, sobretudo porque os preços de venda são elevados e altamente comparticipados pelo Estado.

    Num dos mais recentes eventos, realizado em 10 de Maio, com a participação do presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, foi mesmo abordada a necessidade de acelerar a aprovação de medicamentos inovadores (que, basicamente, não têm ainda garantias de segurança e eficácia). A cobertura mediática destes debates pagos pela GSK foi realizada, como habitualmente, pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes.

    Por fim, a relação comercial da Novartis – e neste caso, de igual modo, para a Médis – com o Expresso e também com a SIC Notícias, é já mais antiga, nascida em 2019, e envolve a “sensibilização” para os problemas oncológicos.

    No entanto, nos últimos meses têm intensificado as iniciativas, a última das quais em 27 de Maio. Contudo, o Expresso faz notícias como se não estivessem suportadas num acordo de patrocínio, e o site da iniciativa é apresentado como sendo um “projecto editorial da SIC Notícias”.

    O PÁGINA UM questionou o director editorial do Expresso, João Vieira Pereira, sobre se concordava com esta estratégia comercial do Grupo Impresa; se considerava que a denominação “Projetos Expresso” é suficientemente clara aos olhos dos leitores de que se trata, na verdade, de artigos pagos; e se tinha conhecimento de que os artigos de índole comercial (por estarem consubstanciados em contrato comercial) estão a ser escritos com a participação de jornalistas acreditados pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Não houve resposta.

  • Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    O PÁGINA UM revela dados oficiais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que contam uma história bem diferente sobre os primeiros “passos” da pandemia da covid-19. O Portal da Transparência da Morbilidade e Mortalidade mostra que, afinal, o primeiro internamento por covid-19 não foi em Março de 2020, mas no mês anterior. É apenas um pormenor? Pode ser que sim, mas há uma evidência: os dados da Direcção-Geral da Saúde não encaixam em nada nos dados do SNS.


    O primeiro doente internado com diagnóstico de covid-19 em Portugal registou-se afinal ainda em Fevereiro de 2020, de acordo com os dados do Portal da Transparência da Morbilidade e Mortalidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Tratou-se de uma mulher com mais de 65 anos que esteve internada em uma das unidades do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que integra os hospitais de São José, Curry Cabral, Santo António dos Capuchos, Santa Marta e D. Estefânia (pediatria) e a Maternidade Alfredo da Costa.

    Esta informação contraria os dados até agora conhecidos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que somente em 2 de Março de 2020 confirmou o primeiro caso de infecção por SARS-CoV-2 em Portugal: um médico de 60 anos que estivera no norte de Itália.

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    Recorde-se que a DGS começou a divulgar “boletins informativos” diários em 26 de Fevereiro de 2020, mas o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto relatório desse mês somente apresentavam o total dos casos suspeitos e os suspeitos nas últimas 24 horas. Nesta fase, os resultados dos testes PCR demoravam, por vezes, um dia. No dia 29 de Fevereiro daquele ano, o boletim analítico apontava um total de 70 casos suspeitos, dos quais 11 nas últimas 24 horas, mas zero casos confirmados.

    Porém, na verdade, seguindo os dados do SNS – que identifica os internados por covid-19 através do diagnóstico de doenças com “códigos para fins especiais” –, já estaria aquela mulher internada em Lisboa, cujo desfecho não é conhecido. Certo apenas é que não se registou qualquer óbito por covid-19 em Fevereiro desse ano.

    Com a confirmação da chegada oficial da covid-19 a Portugal, a DGS começou então a elaborar os famosos “relatórios de situação”, com o primeiro a surgir no dia 3 de Março, onde já surgiram quatro casos. Porém, segundo a DGS, todos os quatro eram homens: dois na faixa etária dos 30 aos 39 anos, um com idade entre os 40 e 49 anos e outro no grupo dos 60 aos 69 anos. A primeira mulher infectada surge apenas no relatório de 4 de Março, mas integrando a faixa etária dos 40 aos 49 anos. Nesse dia já estavam internadas nove pessoas.

    O mês de Março foi, porém, efectivamente o início da pandemia e de um alarmismo que parou o país, tendo sido registados 491 internamentos, dos quais 247 com mais de 65 anos, tendo-se contabilizado 138 óbitos certificados em hospital.

    Também aqui os dados do SNS começam a não bater certo com os da DGS, que apontou a existência de 187 óbitos atribuídos à covid-19, o que pode significar que houve, desde o início, uma inflação das mortes causadas pelo SARS-CoV-2 ou que houve muitas vítimas que faleceram fora de ambiente hospitalar sem receberem assistência devida.

    Recorde-se que o PÁGINA UM denunciou que, apesar de ter sido considerada uma doença de elevada infecciosidade – que obrigou, na esmagadora maioria dos casos ao internamento de casos moderados e graves –, “apenas” 68% do total dos óbitos contabilizados pela DGS em 2020 e 2021 foram certificados em unidades de saúde.

    Com efeito, até Dezembro de 2021, o Portal da Transparência do SNS aponta para um total de 12.837 pessoas falecidas devido à acção directa do SARS-CoV-2, enquanto que contabiliza, para o mesmo período, 18.974 óbitos por covid-19. Ou seja, um diferença de 6.137 mortes que, a terem mesmo morrido de covid-19, o desfecho observou-se fora de unidades de saúde; portanto, em lares ou nas suas residências.

  • Instituto tutelado pelo ministro Duarte Cordeiro compra notícia para sair no Expresso

    Instituto tutelado pelo ministro Duarte Cordeiro compra notícia para sair no Expresso

    O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), tutelado pelo ministro do Ambiente Duarte Cordeiro, contratou a Impresa, detentora do Expresso e da SIC, para garantir a cobertura mediática de um evento. A SIC Notícias disponibilizou uma pivot para ser mestra-de-cerimónias e o Expresso publicou uma notícia sobre a iniciativa conforme contratado, escrita por um jornalista que trabalha numa empresa de comunicação. Com este contrato fica-se a saber que por 19.500 euros consegue-se uma cobertura mediática favorável no Caderno Principal do Expresso. “Em nada as parcerias do Grupo Impresa condicionaram alguma vez a liberdade do Expresso”, garantiu ao PÁGINA UM não o director do Expresso, mas sim uma agência de comunicação que representa a empresa fundada por Pinto Balsemão.


    Para os leitores do semanário Expresso, a página 24 da edição da passada sexta-feira do Primeiro Caderno continha apenas uma notícia. Neste caso, sobre Áreas Protegidas e mais em concreto abordando um certamente meritório plano do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF): o Missão Natureza 2022. A notícia surgia assinada como todas as restantes notícias daquela edição do semanário do Grupo Impresa. Por um jornalista, portanto.

    Normal e natural, por isso, conter o artigo as declarações do presidente do ICNF, Nuno Banza, de um investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, de um biólogo da Associação Natureza Portugal, de uma engenheira florestal da União da Floresta Mediterrânica e até do ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro.

    João Vieira Pereira, director do Expresso.

    Na notícia, o governante aparecia a reconhecer que seria “bastante difícil” cumprir o desígnio [de reverter a tendência negativa de conservação de espécies selvagens”, mas a comprometer-se a “trabalhar nesse sentido”. E garantindo também: “Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade.”

    Poderiam os leitores mais exigentes questionar a pertinência deste assunto nas páginas do mais importante semanário do país – o lançamento da Missão Natureza 22, uma iniciativa do ICNF a desenvolver até 2027 –, mas compreenderiam lendo uma pequena caixa: “O Expresso associou-se à iniciativa e à realização do primeiro evento”.

    Porém, em abono da verdade, a associação do Expresso não foi por amor à causa ambientalista: custou 19.500 euros ao ICNF. Ou, noutra perspectiva, o Expresso vendeu uma página do seu jornal para publicitar – sem fazer referência a ser publicidade – uma iniciativa de um instituto de um ministério do Governo.

    Com efeito, a notícia da página 24 da edição do Expresso foi a concretização de um compromisso da Impresa previsto em contrato assinado no próprio dia do lançamento do evento público (20 de Maio) com o ICNF.

    Assinado por via de uma decisão do vice-presidente do ICNF, Paulo Salsa, neste contrato – cujo caderno de encargos o PÁGINA UM não conseguiu ainda obter, por não constar no Portal Base e o instituto não o ter ainda disponibilizado –, no contrato ficaram definidas as obrigações do Expresso para a prestação de “serviços de apoio” e a “organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022”. Nesse âmbito terá estado também incluída a transmissão do evento público de 20 de Maio nas redes sociais do Expresso, que contou com a pivot da SIC Notícias Ana Patrícia Carvalho como mestra-de-cerimónia.

    Notícia do Expresso foi feita como contrapartida de um contrato assinado no próprio dia do evento.

    Por outro lado, para a escrita da notícia (encomendada), o Expresso decidiu não destacar a habitual jornalista que trata as temáticas ambientais (Carla Tomás), tendo optado por “contratar” um colaborador, Francisco de Almeida Fernandes.

    Apesar de acreditado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CP 7706), Almeida Fernandes trabalha na Mad Brain, uma empresa de comunicação e produção de conteúdos, que, entre outras empresas, tem a Galp no seu portefólio.

    Tanto este jornalista como uma outra jornalista, Fátima Ferrão (CP 6197), através da Mad Brain, escrevem também regularmente para diversos órgãos de comunicação social da Global Media (Diário de Notícias, Dinheiro Vivo e Jornal de Notícias), umas vezes como jornalistas, outras como produtores de conteúdos comerciais, numa promiscuidade impedida pela Lei da Imprensa e pelo Estatuto do Jornalista.

    No entanto, até agora, nem a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e nem a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista intervieram para estancar esta situação.

    O PÁGINA UM contactou o Ministério do Ambiente para saber se o ministro Duarte Cordeiro tinha conhecimento e concordava com este modus operandi do ICNF – compra de notícias com garantia de uma boa cobertura –, mas o seu gabinete de imprensa disse que o governante participou no evento do ICNF por “convite”, acrescentando que “todas as questões relativas à organização do evento devem ser colocadas ao Instituto [ICNF]”.

    Ontem, o PÁGINA UM contactou o presidente do ICNF, Nuno Banza, questionando-o sobre os pressupostos que levaram à decisão do Conselho Directivo em contratar uma empresa de media para garantir cobertura mediática, se foram ou serão contratados outros media para o mesmo efeito, e se considerava que este tipo de contratações não desvirtua a necessária independência que se espera da comunicação social.

    Ana Patrícia Carvalho, jornalista da SIC Notícias, serviu de mestra-de-cerimónias do evento público do ICNF. Na transmissão, o Expresso equivocou-se no apelido.

    Até agora, Nuno Banza respondeu apenas que “tratando-se de um pedido de informação relativo a um procedimento administrativo, encaminhei nesta data [ontem] aos serviços para que sejam recolhidos os documentos que fazem parte integrante deste [contrato] e que serão disponibilizados logo que reunidos”, prometendo ainda partilhar “a informação assim que possível”.

    Sobre este contrato, o PÁGINA UM colocou também diversas questões ao director do Expresso, João Vieira Pereira.

    Objecto social da Mad Brain, a empresa para onde trabalha o jornalista Francisco de Almeida Fernandes, e que produz também (ou sobretudo) conteúdos comerciais.

    Nessa missiva, perguntou-se se considerava que os leitores do Expresso conseguiriam compreender de imediato que o texto da página 24 do Caderno Principal não se tratava de um artigo noticioso com liberdade editorial, mas antes da concretização de um dos compromissos estabelecidos num contrato com uma compensação financeira.

    Perguntou-se também se tinha conhecimento de que o jornalista que assina a peça, e colabora com alguma regularidade no Expresso, trabalha também para uma agência de comunicação (Mad Brain), que tem entre outros clientes, a Galp Energia.

    E, por fim, perguntou-se se considerava lícito que um jornal possa fazer notícias de eventos que tenham na sua génese contratos de prestação de serviços com entidades públicas ou mesmo empresas privadas, usando jornalistas com carteira profissional.

    João Vieira Pereira não respondeu ao PÁGINA UM, mas o Grupo Impresa, através da empresa de comunicação JLM & Associados, comunicou, por escrito, que “a Impresa, tal como grande parte dos grupos de media nacionais e internacionais, tem parcerias com instituições no sentido de criar projetos de interesse geral”, anotando ainda que “em nada as parcerias do Grupo Impresa condicionaram alguma vez a liberdade do Expresso”.

    Quanto ao jornalista do artigo contratualizado, Francisco de Almeida Fernandes, a JLM & Associados diz que aquele “não trabalha para uma agência de comunicação, mas sim para uma empresa produtora de conteúdos.”

    Convém acrescentar que no Portal da Justiça consta o seguinte objecto social da Mad Brain: “Atividades de edições e publicações. Organização de eventos e animação turística. Formação. Serviços de comunicação e produção de conteúdos. Arrendamento e gestão de alojamento local.”

  • O Hipócrita que “matou” Hipócrates

    O Hipócrita que “matou” Hipócrates


    Nas últimas semanas, o pneumologista Filipe Froes – um dos mais promíscuos médicos desta Nação, tantas são as suas relações com a indústria farmacêutica, ao mesmo tempo que é clínico no SNS e consultor na Direcção-Geral da Saúde (DGS) – desdobrou-se em declarações elogiosas a favor dos antivirais e anticorpos monoclonais para tratamento da covid-19.

    Estes medicamentos – cuja rapidez na aprovação por parte dos reguladores causa espanto, apesar das dúvidas da sua eficácia e das notícias sobre os efeitos secundários – têm sido, claramente, uma aposta de marketing das farmacêuticas nesta fase da pandemia: na generalidade, destinam-se a doentes com sintomas ligeiros a moderados, numa altura em que a Omicron, no caso português, somente causa a hospitalização de 0,2% dos casos positivos.

    Como cada tratamento poderá vir a custar cerca de 500 euros, fácil se conclui que as farmacêuticas ficam com os louros e com o dinheiro mesmo se a eficácia dos medicamentos for idêntica à de um placebo. E isto já para não falar nos problemas já anotados, sobretudo nos Estados Unidos, onde o seu uso, promovido por Joe Biden, se tem generalizado.

    Filipe Froes é pneumologista no SNS, consultor da DGS (incluindo a definição de terapêuticas contra a covid-19) e consultor e palestrante pago por farmacêuticas.

    Mas voltemos ao Doutor Filipe Froes. Para o Infarmed garantir a “luz verde” para compras e o Governo tratar de gastar uns bons milhões de euros para constituir uma Reserva Nacional – como sucedeu com o remdesivir, da Gilead –, este especialista desmultiplicou-se, nesta última quinzena, em perorações em tudo quanto era sítio que lhe dá guarida – leia-se, imprensa mainstream – a promover dois antivirais das suas queridas farmacêuticas, a saber: o Paxlovid, da Pfizer, e o Lagevrio, da Merck Sharpe & Dohme (MSD).

    Em simultâneo, como consultor da DGS, o mesmo Doutor Filipe Froes afanosamente procurava incluir os tais antivirais e anticorpos monoclonais nas terapêuticas oficiais contra a covid-19. No intervalo disto – ou aquilo é que é o intervalo – continuava a passar facturas às farmacêuticas, como a Pfizer, Merck Sharpe & Dohme e GlaxoSmithKline, interessadas neste chorudo negócio. Este ano já vai em 23.383 euros de oito farmacêuticas. E o ano ainda nem vai a meio, e nem sempre tudo se vê.

    Mas regressemos às aparições mediáticas do Doutor Filipe Froes nas últimas duas semanas.

    Foi um fartote.

    Uma pornografia.

    No dia 16 de Maio era vê-lo na Visão numa peça jornalística (?) de pura publicidade a elogiar o antiviral Paxlovid, produzida pela sua “querida” Pfizer. O título não poderia ser mais sugestivo: O que é Paxlovid, o antiviral campeão de vendas nos EUA, que pode pôr a salvo os doentes de risco”. Se pode ou não, ignora-se. Sabe-se, sim, que a Pfizer já anunciou metas de vendas até ao final do ano de 20 mil milhões de euros.

    Paxlovid, o antiviral da Pfizer.

    No dia 19 de Maio, era ouvi-lo na Rádio Renascença a dizer que era necessário “divulgarmos rapidamente e termos acesso aos novos medicamentos antivirais que têm impacto na diminuição da circulação do vírus e aos anticorpos monoclonais, de maneira ainda a protegermos mais as pessoas mais graves.” (sic)

    No mesmo dia, também o encontramos no inefável Diário de Notícias, em artigo de opinião, em que avisa que “Portugal não pode continuar a ser dos escassos países europeus que não disponibiliza as novas intervenções terapêuticas à sua população e, em particular, aos doentes com maior risco de evolução para gravidade ou incapazes de montar uma resposta eficaz à vacinação e que se mantêm ‘prisioneiros da pandemia’”.

    No dia 22 de Maio, lá o encontrámos na CNN Portugal, a dizer que “nós temos de acelerar, para o nosso país, o acesso a dois fármacos que já têm muito impacte nos outros países em termos de controlo da doença, que são os novos antivíricos”.

    No dia 27 de Maio, em mais um artigo de opinião, desta vez no Expresso, lá surgiu o Doutor Filipe Froes a defender, entre outras coisas, hélas, “o acesso prioritário aos novos antivirais e anticorpos monoclonais”.

    Anteontem, dia 29 de Maio, mais uma nova notícia na CNN Portugal, com o Doutor Filipe Froes a botar faladura sobre antivirais e anticorpos monoclonais.

    Nos Estados Unidos têm sido relatados casos de reincidência de covid-19 pouco depois do tratamento com Paxlovid, que custa mais de 500 dólares por tratamento.

    E eis, portanto, que hoje surge a notícia de ter sido homologado, no passado sábado (!), uma nova norma terapêutica farmacológica para a covid-19 pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, que passou a incluir, como forma de tratamento convencional, e em alguns casos de forma prioritária, os antivirais da Pfizer (Paxlovid) e da Merck Sharpe & Dohme (Lagrevio), mais os anticorpos monoclonais da GlaxoSmithKline (Xevudy).

    A inclusão não é nada discreta: na verdade, os clínicos que sigam doentes-covid têm, a partir de agora, de fundamentar no processo clínico a existência de uma “eventual impossibilidade da aplicação da presente Norma”. Leia-se: se não quiserem chatices, prescrevam o que está aqui, que as farmacêuticas agradecem.

    Ora, mas adivinhem quem é um dos peritos da DGS-Infarmed que compôs a norma?

    Parabéns!!!

    Acertou!!!

    O Doutor Filipe Froes, claro!, que surge logo no segundo posto na lista (que não está por ordem alfabética).

    Este país, de facto, não sabe o que é o pudor. Não tem vergonha na cara.

    Mas eu quero ir mais longe. Tenho de ir mais longe.

    Que o Doutor Filipe Froes se venda e haja quem o compre, eu dou de barato, mesmo que ele se faça caro. Não posso é aceitar, como cidadão, que ele brinque com a Saúde Pública, com o dinheiro dos contribuintes e com um dos princípios básicos da Medicina: o primum non nocere.

    Bem sei que isto é molhar a chuva, porque o Doutor Filipe Froes existe como o sabemos porque ele não é só ele: ele representa uma tipologia de pessoas que juraram perante Hipócrates mas servem apenas Mamon. Por isso, onde se lê Doutor Filipe Froes, leia-se pessoas como o Doutor Filipe Froes.

    silver and black stethoscope on 100 indian rupee bill

    Para o Doutor Filipe Froes basta-lhe apenas as simpatias da imprensa mainstream, o ouro das farmacêuticas e o despudor das autoridades de Saúde em o manterem como consultor.

    Ele faz o resto, e bem, como bom marketeer: vende fármacos, apenas garantindo, sem qualquer base que não seja o seu paleio e os argumentos das farmacêuticas, que se tem de salvar a velhinha da covid-19, custe o que custar, mais o gato e o periquito, e ele garantirá que tudo é verdade, e que por isso ali está ele nas televisões, rádios e jornais – e que, quem o contestar, só pode ser por maledicência, por ser um negacionista, um anti-vacinas, um anti-ciência, um terraplanista e o mais que lhe aprouver inventar, desde que ele, assim como se comporta e o deixam comportar, continue o acarinhado ponta de lança do lobby das farmacêuticas.

    Nunca ouviremos da boca do Doutor Filipe Froes que, por exemplo, o “seu” Paxlovid foi ensaiado apenas para a variante Delta (muitíssimo mais agressiva do que a actual dominante Omicron), e que, portanto, os potenciais benefícios são uma mão-cheia de nada.

    Nem dele se ouvirá qualquer comentário sobre a (fraca) segurança efectiva deste fármaco que, no Resumo das Características do Medicamento (RCM lista (e ainda estamos no começo) 125 medicamentos com interacções indesejadas ou ainda não completamente conhecidas (vd. pp. 6-21). São cento e vinte e cinco medicamentos – agora por extenso: uma coisa raramente vista. Se acham que exagero, eu listo-os:

    assorted medication tables and capsules

    Alfuzosina, Anfetamina, Buprenorfina, Norbuprenorfina, Petidina, Piroxicam, Propoxifeno, Fentanilo, Metadona, Morfina, Ranolazinha, Amiodarona, Bepridil, Dronedarona, Ecainida, Flecainida, Propafenona, Quinidina, Digoxina, Teofilina, Afatinib, Abemaciclib, Apalutamida, Ceritinib, Dasatinib, Nilotinib, Vincristina, Vinblastina, Encorafenib, Fostamatinib, Ibrutinib, Neratinib, Venetoclax, Rivaroxabano, Vorapaxar, Varfarina, Carbamazepina, Fenobarbital, Fenitoína, Valproato, Lamotrigina, Fenitoína, Amitriptilina, Fluoxetina, Imipramina, Nortriptilina, Paroxetina, Sertralina, Desipramina, Colquicina, Astemizol, Terfenadina, Fexofenadina, Loratadina, Rifabutina, Metabolito 25-O-desacetilo da rifabutina, Voriconazol, Cetoconazol, Itraconazola, Eritromicina, Atovaquona, Bedaquilina, Delamanid, Claritromicina, Metabolito 14-OH da claritromicina, Sulfametoxazol/trimetoprim, Ácido fusídico, Rifampicina, Efavirenz, Maraviroc, Raltegravir, Zidovudina, Glecaprevir/pibrentasvir, Clozapina, Pimozida, Haloperidol, Risperidona, Tioridazina, Lurasidona, Quetiapina, Salmeterol, Amlodipina, Diltiazem, Nifedipina, Bosentano, Riociguat, Di-hidroergotamina, Ergonovina, Ergotamina, Metilergonovina, Cisaprida, Hipericão, Atorvastatina, Fluvastatina, Lovastatina, Pravastatina, Rosuvastatina, Sinvastatina, Etinilestradiol, Ciclosporina, Tacrolímus, Everolímus, Lomitapida, Avanafil, Sildenafil, Tadalafil, Vardenafil, Clorazepato, Diazepam, Estazolam, Flurazepam, Midazolam, Triazolam, Petidina, Metabolito da norpetidina, Alprazolam, Buspirona, Zolpidem, Bupropiom, Propionato de fluticasona, Budesonida, Triamcinolona, Dexametasona, Prednisolona e Levotiroxina.

    Venha o Doutor Filipe Froes dizer-nos quantos medicamentos com consumo em ambulatório têm tamanha quantidade de contra-indicações. E venha dizer-nos ele – na verdade, deveria ser o Infarmed, ou a DGS, ou melhor mesmo a ministra da Saúde, Marta Temido – quem prescreverá estes fármacos pagos a preço de ouro pelo Estado (porque vai ser o Estado a pagar), quem os avia, quem confere se os doentes não estão a tomar quaisquer daqueles medicamentos com possíveis interações graves.

    Ah, já agora, atenção: o RCM do Paxlovid diz que os atrás referidos medicamentos listados “servem de referência e não são considerados uma lista exaustiva de todos os possíveis medicamentos que são contraindicados ou que podem interagir” (sic) com o Plaxovid. Mas que interessa isso ao Doutor Filipe Froes?

    Dele, do Doutor Filipe Froes, só ouviremos loas e ditirambos, hosanas e panegíricos em honra das supostas benesses de antivrais e anticorpos monoclonais para uso extensivo – como previsto na norma da DGS – em “doentes” com sintomas leves ou moderados.

    girl covering her face with both hands

    Qual a razão de tamanha pressa na compra de fármacos que arriscam a dar mais problemas do que vantagens, quando nem sequer se permitiu ainda realizar estudos carcinogénicos nem sobre a gravidez nem sobre a fertilidade nem sobre muitos outros aspectos vitais.

    Mesmo sendo escrito pela própria farmacêutica, a leitura do RCM do Paxlovid – mesmo dizendo pouco – mostra bem, aliás, como a prudência é deitada às malvas por pessoas como o Doutor Filipe Froes. Por exemplo, lá se escreve que “não existem dados sobre a utilização de Paxlovid em mulheres grávidas”, pelo que se recomenda que “as mulheres com potencial para engravidar devem evitar engravidar durante o tratamento com Paxlovid e, como medida de precaução, durante 7 dias após a conclusão da terapêutica com Paxlovid”. Contudo, mais adiante acrescenta-se que um dos fármacos que integram o Paxlovid (ritonavir) “poderá reduzir a eficácia de contraceptivos hormonais combinados”. Se isto não fosse grave, seria cómico.

    Enfim, por vezes me pergunto, muitas vezes, perante médicos como o Doutor Filipe Froes: o que os move?

    Os princípios de Hipócrates não são, certamente. E se ele os invoca – em vão –, então a sua atitude entra, clara e etiologicamente falando, na esfera da Hipocrisia. Temos um Hipócrita que todos os dias “mata” Hipócrates.

  • Em Portugal, Omicron tem indicadores menos ‘agressivos’ do que a gripe

    Em Portugal, Omicron tem indicadores menos ‘agressivos’ do que a gripe

    O PÁGINA UM analisou, com detalhe, e com os dados possíveis, a evolução da agressividade da covid-19 em Portugal desde o início da pandemia. E apurou que as taxas de internamento e de letalidade global agora com a variante Ómicron a dominar são já inferiores às que se registam em surtos gripais em países com estimativas para aquela doença, como os Estados Unidos. Só o risco global de morte para o pequeno grupo dos que são internados por covid-19 ainda continua a superar o da gripe, mas tal dever-se-á aos grupos vulneráveis. Apesar de haver muitos que insistem numa alegada 6ª vaga para vender antivirais experimentados com variantes mais agressivas, a pergunta coloca-se: vale a pena tal esforço financeiro quando o SARS-CoV-2 se mostra agora muito mais “sereno”? E mais outra: não há mais prioridades em Saúde Pública?


    Em Janeiro deste ano, a taxa de internamento de infectados com o SARS-CoV-2 foi de apenas 0,2%, e a taxa de letalidade da covid-19 situou-se somente em 0,04%, os valores mais baixos desde o início da pandemia. Ou seja, em cada 1.000 casos positivos detectados no primeiro mês de 2022 somente duas pessoas acabaram internadas.

    Como o risco de morte dos internados rondava então os 21%, significa que no primeiro mês deste ano, que correspondeu até a uma elevada incidência, morreu uma pessoa por cada 2.500 casos positivos. No período de maior agressividade da pandemia, a covid-19 chegou a apresentar uma taxa de letalidade global de 3,2% (Fevereiro de 2022), considerando os óbitos registados nos hospitais, ou seja, 16 vezes superior. Portanto, naquele mês, para cada 2.500 casos positivos houve 16 óbitos.

    Estas são as principais conclusões de uma análise exclusiva do PÁGINA UM, através do cruzamento dos casos positivos por mês, divulgados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), com a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

    green ceramic mug on wooden desk

    Saliente-se que, no caso dos óbitos, estão apenas incluídos os óbitos por covid-19 com registo em unidades do SNS. O Ministério da Saúde nunca esclareceu a razão pela qual cerca de um terço das vítimas do SARS-CoV-2 – que acabaram por morrer com graves insuficiências respiratórias – terem falecido sem tratamento hospitalar.

    Mostra-se, em todo o caso, evidente que, apesar do surgimento da variante Omicron ter provocado uma subida abrupta de casos positivos, a agressividade do covid-19 decaiu significativamente. Nas fases de dominância das variantes Alfa (Primavera de 2020) e Delta (primeiros meses de 2021), as taxas de hospitalizações chegaram a rondar, ou estar mesmo acima, dos 15%. Ou seja, por cada 1.000 casos positivos, 150 acabavam por ser hospitalizados.

    Número de casos positivos, internamentos, óbitos atribuídos à covid-19 e respectivas taxas (%) de internamento, mortalidade dos internados e letalidade global em Portugal por mês. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em Janeiro do ano passado – o mês com maior número de mortes atribuídas à covid-19 –, a taxa nem esteve exageradamente alta (3,3%), mas devido ao colapso do SNS e à vaga de frio a taxa de mortalidade hospitalar por esta doença atingiu um pico de quase 32%, como revelou o PÁGINA UM na semana passada.

    Contudo, desde o surgimento e dominância da variante Omicron, no final do ano passado, a taxa de hospitalizações por covid-19 começou a cair abruptamente. Em Novembro de 2021 foi de 1,6% (16 internamentos em cada 1.000 casos positivos), o que já era o valor mais baixo de sempre. Em Dezembro desceu para 0,7% (7 internamentos em cada 1.000 casos positivos) e em Janeiro passado – últimos dados disponíveis – já somente atingiu os 0,2%.

    Evolução da taxa (%) de internamento atribuída à covid-19 (internados por casos positivos) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Apenas uma análise mais fina, estratificada por grupos etários, permitiria apurar se esta diminuição abrupta foi homogénea para toda a população ou se se verificam diferenças distintas em função da idade.

    Porém, apesar desses elementos serem recolhidos e tratados pelo Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), a DGS tem manifestado uma sistemática atitude obscurantista, razão pela qual o PÁGINA UM intentou na semana passada um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Ministério da Saúde. Uma das bases de dados que o PÁGINA UM pretende aceder é, exactamente, o SINAVE.

    Evolução da taxa (%) de mortalidade hospitalar dos internados com covid-19 (óbitos por internados) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em todo o caso, mesmo com base nos dados globais, do ponto de vista epidemiológico os indicadores da covid-19 começam, cada vez mais, a assemelhar-se a um surto gripal. Com efeito, embora em Portugal não existam sequer estimativas razoáveis sobre a incidência da gripe, a taxa de hospitalização e mortalidade associada ao vírus influenza (também como “porta de entrada” das subsequentes pneumonias), indicadores dos Estados Unidos permitem uma comparação razoável.

    Evolução da taxa (%) de letalidade atribuída à covid-19 (mortes nos hospitais por casos positivos) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, de acordo com as estimativas anuais do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nas épocas de 2010-2011 a 2019-2020, a taxa de internamento associado à gripe situou-se entre os 0,7% (2018-2019) e os 2,0% (2014-2015), enquanto a taxa de letalidade esteve compreendida entre os 0,06% (2019-2020) e os 0,17% (2014-2015).

    Porém, a taxa de mortalidade hospitalar no caso das gripes mostra-se, em comparação com a situação dos internados-covid em Portugal (que ronda os 20%), substancialmente menor, situando-se entre os 5,4% (2019-2020) e os 12,6% (2010-2011).

    Número de casos positivos, internamentos, óbitos atribuídos à covid e respectivas taxas (%) de internamento, mortalidade dos internados e letalidade global em Portugal por mês. Fonte: CDC. ACálculos e análise: PÁGINA UM.

    Esta situação indiciará que os internados mais vulneráveis – que necessitam de internamento – terão um risco de morte superior no caso da covid-19 do que na gripe. Mais uma vez, o tira-teimas seria uma análise estratificada, mas somente se o Tribunal Administrativo de Lisboa obrigar o Ministério da Saúde será possível retirar uma conclusão elucidativa.

    Porém, ninguém, para já, pode negar uma evidência: a covid-19 de 2022 claramente não é a mesma covid-19 do passado. E mais do que as vacinas, a “chave” da mudança aparenta estar na variante Omicron, que trouxe maior transmissibilidade mas muito menor agressividade. Um sinal do seu carácter (já) endémico.

  • Inspecção-Geral das Actividades em Saúde investiga relações promíscuas do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    Inspecção-Geral das Actividades em Saúde investiga relações promíscuas do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    António Morais acumula a presidência da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) com as funções de consultor da Direcção-Geral da Saúde e do Infarmed. Lei diz que só poderia acumular se a SPP recebesse das farmacêuticas no máximo 50.000 euros por ano em média no quinquénio anterior. A SPP recebeu no período 2017-2021 cerca de 870 mil euros, ou seja, 17 vezes mais.


    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) está a investigar o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais. A abertura formal de um “Processo de Esclarecimento, o qual se encontra em curso” foi admitida pelo inspector-geral desta entidade, António Carapeto, em carta a que o PÁGINA UM teve acesso.

    De acordo com o IGAS, um processo de esclarecimento deste tipo constitui um “procedimento rápido e expedito destinado à recolha de elementos com vista ao esclarecimento de expediente geral, à verificação prévia de requisitos que habilitem a eventual decisão de instauração de acção inspectiva ou ao acompanhamento de acções inspectivas em curso dentro ou fora” desta entidade.

    António Morais (ao centro), preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia, e é consultor da DGS e do Infarmed.

    Na base da abertura desta investigação está a notícia do PÁGINA UM de 18 de Abril passado que denunciou que António Morais está a violar há três anos, desde que tomou posse como presidente da SPP, as regras de incompatibilidade que o deveriam impedir de se manter como consultor do Infarmed e da Direcção-Geral da Saúde. As decisões administrativas que tenham sido tomadas com base em pareceres em que este pneumologista tenha participado são juridicamente nulas.

    António Morais – que desde 2016, e apresenta-se como tal no seu currículo, é consultor de doenças intersticiais pulmonares do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e membro da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde do Infarmed – não poderia estar a acumular aquelas funções públicas com as de membro dos órgãos sociais de uma sociedade profissional com tão estreitas relações comerciais com farmacêuticas.

    Um decreto-lei de 2014 estipula que consultores, membros de comissões, grupos de trabalho e júris de concursos com determinadas funções em organismos do Ministério da Saúde não podem ser, em simultâneo, membros de órgãos sociais de sociedades científicas – como é o caso da SPP – que “tenham recebido financiamentos de empresas produtoras, distribuidoras ou vendedoras de medicamentos ou dispositivos médicos, em média por cada ano num período de tempo considerado até cinco anos anteriores, num valor total superior a 50.000”.

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    Ora, António Morais preside à SPP desde 14 de Janeiro de 2019, e esta sociedade médica ultrapassa larguissimamente o patamar dos 50 mil euros anuais. Quando este pneumologista – que exerce no Hospital de São João e na Trofa Saúde, além de ser também professor na Faculdade de Medicina do Porto – tomou posse, a SPP tinha recebido no quinquénio anterior uma média de 799.634 euros do sector farmacêutico, ou seja, 16 vezes mais do que o limite imposto pela norma das incompatibilidades.

    No quinquénio 2017-2021, que engloba já os três anos de presidência de António Morais, os montantes arrecadados pela SPP ainda aumentaram mais: situaram-se nos 870.512 euros por ano. Para este aumento muito contribuiu o ano passado em que a SPP recebeu um financiamento recorde vindo do sector farmacêutico: 1.301.972 euros.

    Em 2022, até ao dia de hoje, de acordo com a Plataforma da Publicidade e Transparência do Infarmed, a SPP amealhou 499.228 euros, mas usualmente a maior fatia de patrocínios e contratos comerciais com a indústria farmacêutica regista-se no último trimestre de cada ano no âmbito do Congresso de Pneumologia.

    A título pessoal, António Morais tem também relações comerciais com farmacêuticas. Este ano já recebeu 10.281 euros provenientes de sete farmacêuticas.

    Apoios do sector farmacêutico (em euros) à Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2017 e 2021. Fonte: Infarmed.

    Para além de questões éticas, as incompatibilidades de António Morais têm consequências legais e jurídicas muito graves. De acordo com o artigo 5º do Decreto-Lei nº 14/2014, “os pareceres emitidos ou as decisões tomadas por comissões, grupos de trabalho, júris e consultores, em que intervenham elementos em situação de incompatibilidade não produzem quaisquer efeitos jurídicos”, o que significa, em consequência, que “as decisões dos órgãos deliberativos (…) são nulas”, caso se baseiem naqueles pareceres.

    António Morais, por seu turno, pode vir também a ser sancionado, porque o artigo 6º do mesmo diploma legal determina a obrigatoriedade de ele cessar as suas funções de consultor a partir do dia de tomada de posse como presidente da SPP (14 de Janeiro de 2019). O PÁGINA UM teve acesso à sua última declaração, com data de 5 de Março de 2018 – numa altura, portanto, em que ainda não presidia à SPP, e não estaria a violar o regime de incompatibilidades –, e que ainda consta no site do Infarmed.

    Por essa falha, a IGAS pode, de acordo com a lei, aplicar-lhe uma coima entre 2.000 e 3.500 euros. Ou, simplesmente, não fazer nada, e a SPP continuar a receber aqueles montantes das farmacêuticas, tendo um presidente a aconselhar a DGS e o Infarmed como se fosse um perito independente.

  • Dos ‘macacos’ da Direcção-Geral da Saúde

    Dos ‘macacos’ da Direcção-Geral da Saúde


    Começou este mês. Recebo no dia 1 de Maio, o primeiro comunicado de imprensa da Direcção-Geral da Saúde (DGS) sobre os casos positivos da “varíola dos macacos” – ou monkeypox – uma doença endémica em certas regiões do continente africano, mas rara na Europa. A doença, sabe-se, é de difícil transmissão e, por regra benigna. Está longe de ser um problema premente de saúde pública.

    Porém, a DGS – provavelmente já para testar a nossa participação no projecto-piloto da Organização de Saúde no âmbito do Universal Health and Preparedness Review (UHPR) – tem estado a transformar este evento numa operação de criação de alarme, alimentando a imprensa com “actualizações” diárias. O objectivo é claro: fornecer “combustível” para criar pânico.

    Só esta semana, a DGS enviou para a imprensa cinco comunicados sobre o monkeypox.

    brown coated monkey on branch

    Sobre outro qualquer assunto de Saúde Pública, nada.

    Nada sobre as consequências dos atrasos nos rastreios de cancros.

    Nada sobre os ataques cardíacos.

    Nada sobre os casos de AVC.

    Nada sobre a tuberculose.

    Nada sobre as infecções do aparelho respiratório não-covid e, muito menos, sobre uma infindável quantidade de doenças infecciosas e parasitárias com letalidade superior à causada pelo SARS-CoV-2.

    Nada sobre os doentes que não conseguem ter médico de família.

    Nada sobre o facto de não se conseguir já marcações online de consultas.

    Nada mais. Deve chegar hoje ainda, ao final da tarde, um novo update sobre a covid-19, mas de resto, esta semana só saiu monkeypox do gabinete de imprensa da senhora directora-geral Graça Freitas.

    E o que são esses comunicados sobre o monkeypox?

    Bem, o de segunda-feira passada dizia que havia 37 casos, mais 14 do que três dias antes.

    O de terça-feira apontava 39 casos, mais 2 do que no dia anterior.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde.

    Quarta-feira seguia nos 49 casos, mais 10 do que no dia anterior.

    Quinta-feira lá estávamos nos 58 casos, mais 9 do que no dia anterior.

    E, por fim, hoje, 74 casos, mais 16 do que no dia anterior.

    Tudo isto, assim, para uma doença que não matou sequer alguém. Em média, garanto-vos, há mais casos detectados de tuberculose, que felizmente é doença bem mais rara do que no passado, mas ainda bastante mortal.

    Enquanto andamos nisto, e após um excedente de mortalidade de cerca de 20% nos últimos dois anos, a doutora Graça Freitas, mais a doutora Marta Temido, e mais ainda o doutor António Costa, nada dizem sobre a actual situação de Saúde Pública em Portugal. Em Maio (até ao dia 25), a mortalidade por todas as causas está em níveis absurdos: 14% acima do período homólogo de 2020-2021 e 18% acima da média do período homólogo dos cinco anos anteriores à pandemia (2015-2019).

    Sobre isto nem um piu se ouve da DGS ou do Ministério da Saúde ou do Governo. E da imprensa mainstream, que anda há muito anestesiada.

    Como já não têm cara para culpar a pandemia – afinal como podemos estar a falhar se “nós já ganhámos a este vírus”, como nos afiançou o putativo candidato a Belém, o almirante Gouveia e Melo, em Setembro passado –, inventam agora uma manobra de diversão.

    Entretêm-nos com “macacadas”, enquanto a “casa arde”.

  • Guimarães & Froes, Lda., delegados de propaganda médica da 6ª vaga dos lucros das farmacêuticas

    Guimarães & Froes, Lda., delegados de propaganda médica da 6ª vaga dos lucros das farmacêuticas


    Miguel Guimarães, circunstancial presidente de uma associação profissional denominada Ordem dos Médicos, veio ontem escrever no diário Correio da Manhã um artigo de opinião intitulado “6ª vaga”. Não consta que Maria do Céu Machado, presidente do Conselho Disciplinar Sul na Ordem dos Médicos – investida de inquisidora-mor dos seus colegas que, desde 2020, “mijam fora do penico” da doutrina de discurso único –, venha questionar o seu amigo urologista sobre os palpites ali esparramados.

    É pena; até porque o bastonário não opinou; andou a fazer descarado “lobby” a favor de produtos farmacêuticos. Não andou a dar a recomendações de médico; andou sim, com toda a ardileza de um delegado de propaganda médica (mas munido do bastão de líder máximo dos médicos), a pressionar o Infarmed e o Estado português para se comprar fármacos caros e de custo-benefício mais que duvidoso – sobretudo se compararmos com a eficácia de outras medidas fulcrais, como seja a de haver médico de família para mais de um milhão de portugueses que não o têm.

    Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos.

    Escreveu, portanto, Miguel Guimarães que “está a acontecer o expectável: o alívio das medidas contra a pandemia, nomeadamente a eliminação do uso obrigatório de máscara, tem levado ao aumento de casos”.

    Esta lógica bacoca – que, aliás, foi o alimento da “Narrativa Única”, e unificadora, por pressão do senhor Guimarães – devia ser automaticamente criticada e censurada pelo Conselho Disciplinar do Sul da Ordem dos Médicos por não-científica. O senhor doutor Guimarães deveria, sim, divulgar todos os pareceres dos diversos Colégios da Especialidade, em vez de apenas divulgar os que lhe interessam e armar-se em dono da Verdade Médica. Aqueles que ele quer esconder é que são científicos; não as suas “opiniões” comprometidas, e comprometedoras para uma profissão (ainda) respeitável.

    Vamos ser claros. Não existe sexta vaga coisíssima nenhuma em Portugal – na verdade, ao longo da pandemia, tivemos uma única onda digna desse nome (no Inverno de 2020-2021, cf. imagem) –; tudo o resto que se anunciam como vagas são ficção, foram “ondinhas”. Basta olhar para os gráficos.

    Mortalidade atribuída à covid-19 em Portugal desde 2020 até 24 de Maio de 2022. Fonte: Our World in Data.

    Por outro lado, a defesa de uma relação “máscaras, logo menos casos” não está consubstanciada na realidade nem na Ciência. Em finais de Janeiro deste ano, na época da “loucura dos testes” – onde se despendeu milhões de euros em testes por dia, quando a letalidade da covid-19 já equivalia à dos surtos gripais –, chegámos a ultrapassar os 60 mil casos positivos em 24 horas.

    E isto numa altura em que havia máscaras obrigatórias em todos os espaços fechados e impôs-se a discriminação dos não-vacinados. Por exemplo, eu, que tinha valores de imunidade (IgG) muita acima do valor mínimo (mais de 400 BAU/ml em testes serológicos realizados em Dezembro do ano passado e Março deste ano), não podia sequer entrar num restaurante ou ir a um espectáculo.

    Na verdade, alguém com dois pingos de inteligência (mas necessariamente sem ligações à “indústria da pandemia”), deve sim questionar-se sobre as razões de ainda subsistir tanto burburinho em redor de uma doença (covid-19) que já nada tem a ver com aqueloutra com o mesmo nome (da qual até eu padeci há um ano), e que por cá andou antes da dominância da variante Omicron (que até Bill Gates, num momento de lucidez, veio confessar que fez mais contra a pandemia do que a própria vacina).

    Como se compreende a retomada do pânico sobre uma doença que, por exemplo, em Janeiro do ano passado teve uma taxa de letalidade em Portugal de 1,90%, e que em Janeiro deste ano já só registou uma letalidade de 0,08%, compatível com um surto gripal? A covid-19 de 2021 era quase 24 vezes mais perigosa do que é a covid-19 de 2022.

    woman in black tank top with white face mask

    Pode o senhor doutor Guimarães dizer que as vacinas são as (únicas) responsáveis por esta situação. Já dou tal de barato. Mas, vendendo-se bem as vacinas, não pode é, através de uma artificial promoção do pânico, baseando-se somente em casos positivos, vir promover ainda mais as ditas vacinas, mas à boleia, como quem não quer a “coisa”, opinar que se deve “garantir acesso às terapêuticas com antivirais e anticorpos monoclonais neutralizantes, já disponíveis em outros países”.

    Na verdade, o que ele diz é muito simples: o Infarmed deve autorizar a comercialização e o Estado deve comprar. O dinheiro não é dele, mas as vantagens de “estoirar” dinheiro público (escasso para a solidez do Serviço Nacional de Saúde) parecem ser.

    Não sejamos ingénuos – e eu não sou, pelo menos, neste capítulo.

    Não existem, neste momento, quaisquer sinais que justifiquem a aposta num fármaco que custa 500 euros por cada tratamento completo de um doente vulnerável que já estará muito provavelmente vacinado com três e quatro doses, e numa fase inicial de sintomas (leves ou moderados). Mais ainda sabendo-se que esses antivirais são de eficácia ainda longe de ser evidente.

    E mais ainda quando estamos, a nível mundial, numa evidentíssima e claríssima fase endémica da covid-19. Anteontem, a mortalidade atribuída ao SARS-CoV-2 em todo o Mundo situou-se em 1.590 óbitos (média móvel de 7 dias), o valor mais baixo desde 23 de Março de 2020 – ou seja, o mês da chegada em força da pandemia ao Hemisfério Norte.

    Mortalidade atribuída à covid-19 no Mundo desde 2020 até 24 de Maio de 2022. Fonte: Our World in Data.

    A queda da mortalidade da covid-19 é indesmentível. Desde o início do presente ano, a descida da mortalidade tem sido contínua: em 9 de Fevereiro atingiu um máximo de 10.918 óbitos. Ou seja, caiu 85% em três meses! Sem descanso.

    Porém, apesar disso, o senhor doutor Guimarães confirmou, nesta sua “opinião” no Correio da Manhã, a existência clara de uma medonha e diria mesmo criminosa operação de promoção dos antivirais contra a covid-19, sobretudo do Paxlovid da Pfizer, sobre o qual já aqui escrevi a pretexto de uma suposta notícia da Visão Saúde – na verdade, a mais pura peça de jornalismo ao serviço das farmacêuticas que já vi, e que contou com a participação despudorada de um marketeer travestido de médico, o pneumologista Filipe Froes.

    O dito Filipe Froes não satisfeito em servir de “porta-voz” do Paxlovid naquela peça da Visão Saúde, promovendo explicitamente, um fármaco – algo que as regras deontológicas proíbem, e ainda mais o decoro, sabendo-se das suas ligações à Pfizer e mais de duas dezenas de farmacêuticas –, veio no passado fim de semana perorar também na CNN Portugal a favor, hélas, dos antivirais.

    Disse ele, a partir do minuto 9:30, com aquela sua desavergonhada cara de quem recebeu já mais de 400 mil euros de farmacêuticas: “(…) e, finalmente, nós temos de acelerar, para o nosso país, o acesso a dois fármacos que já têm muito impacte nos outros países em termos de controlo da doença, que são os novos antivíricos”.

    Filipe Froes

    Ora, esse dois “novos antivíricos” são, obviamente, o Paxlovid (nirmatrelvir e o ritnonavir), da Pfizer – e o Lagevrio (molnupiravir), da Merck Sharpe & Dohme (MSD).   

    Nem de propósito – oh, coincidências –, a Pfizer e a MSD são as duas farmacêuticas que mais dinheiro encaminharam para a conta bancária do senhor doutor Froes: entre 2013 e 2021, a primeira transferiu 134.574 euros e a segunda 85.522 euros. Isto atendendo ao que foi declarado no Portal da Transparência e Publicidade, que como sabemos é feito voluntariamente, sem introdução de comprovativos e sem qualquer auditoria posterior.

    Receitas de Filipe Froes das farmacêuticas entre 2013 e 2021. Fonte: Infarmed.

    Por tudo isto, pelos sinais de “fim de festa da pandemia”, percebe-se a acção deste duo  de marketeers de alto gabarito, destacados ou contratados, para meter todas as fichas – leia-se, promover a mensagem de uma falsa necessidade – para pressionar o Governo a comprar aqueles antivirais.

    E então, se os marketeers, como os Guimarães & Froes, Lda., forem bem-sucedidos, estarão depois dispostos a garantir-nos que os tais fármacos da Pfizer e da MSD são mesmo miraculosos.

    E fá-lo-ão com a mesma convicção do tipo que, assobiando estridentemente pelas ruas, afiança que serve para afugentar tubarões, sendo que a prova da eficácia do seu método é não se verem aí tubarões.

  • Banco de Portugal ‘estoira’ 130 mil euros em festa (atrasada) de aniversário

    Banco de Portugal ‘estoira’ 130 mil euros em festa (atrasada) de aniversário

    Seis meses depois de fazer 175 anos, o Banco de Portugal “lembrou-se” de dar ao povo um concerto do músico João Gil acompanhado pela Orquestra Metropolitana de Lisboa. O concerto foi no sábado passado, pela tarde, mas a “borla” atraiu pouca gente. E no Terreiro do Paço, além de se ouvir música, viu-se como se pode gastar facilmente 130.995 euros.


    “O Banco de Portugal foi criado por decreto régio em 19 de Novembro de 1846, com função de banco comercial e de banco emissor” – assim reza a História, e também o site desta instituição liderado agora por Mário Centeno, ex-ministro das Finanças do anterior Governo de António Costa.

    Entre esse longínquo dia 19 de Novembro de 1846 e o dia 21 de Maio de 2022 – isto é, o sábado passado – passaram 175 anos, seis meses e dois dias.

    Porém, os aniversários, como o Natal, são quando um homem (ou mulher) quer – e, assim sendo, o Banco de Portugal decidiu comemorar com o povo o seu 175º aniversário, mas seis meses e dois dias depois. E fez isso com um concerto do músico João Gil acompanhado pela Orquestra Metropolitana de Lisboa.

    Ao ar livre, numa tarde primaveril, em frente ao Tejo – mais precisamente, no majestático Terreiro do Paço, símbolo histórico do comércio e do poder.

    Majestático, contudo, só o custo do concerto, porque, entre fãs de João Gil e mirones, o evento comemorativo não atraiu mais de meio milhar de pessoas – contadas com bonomia.

    Pela produção, incluindo montagem e desmontagem do palco, a Sons em Trânsito – uma empresa de Aveiro de agenciamento e produção de espectáculos – levou dos cofres do Banco de Portugal 86.500 euros em dois contratos: um de 74.000 euros para a organização do evento e outro de 12.500 euros para pagamento do músico João Gil. Contabilizando o IVA, o total da factura chegou aos 106.395 euros.

    Por sua vez, a Orquestra Metropolitana de Lisboa, através da associação O Sentido dos Sons, teve direito a um contrato de 20.000 euros, que se fixou nos 24.600 euros com IVA.

    Pelo concerto de cerca de duas horas, o Banco de Portugal despendeu, desse modo, um total de 130.995 euros – um montante quase duas vezes e meia da receita máxima de um concerto de João Gil agendado para o Coliseu dos Recreios, no próximo mês de Setembro. Mas aí quem quiser ir ver terá de pagar entre 20 e 40 euros, enquanto que no Terreiro do Paço foi tudo supostamente de borla, embora custando ao erário público mais de 250 euros por espectador que por ali passou, mirones de passagem incluídos.

    O PÁGINA UM contactou o director de comunicação do Banco de Portugal, Bruno Proença, para saber quais os critérios que presidiram à escolha deste formato (apenas um pequeno concerto numa praça de grandes dimensões) e do músico em causa (João Gil) e aos gastos feitos, procurando também obter resposta sobre se a instituição considerava que os objectivos previstos para este evento tinham sido alcançados. Não houve resposta.

    Fotografias de Maria Afonso Peixoto