Pode Vossa Excelência, como procuradora-geral da República Portuguesa ficar na História como mais um cinzento magistrado a ocupar o órgão superior do Ministério Público. Ou pode ser alguém que, meio século depois de militares terem “imposto” a democracia, contribuiu para reverter o estado comatoso deste quase quinquagenário regime.
Escolher a primeira opção implica o caminho mais fácil. Basta manter-se silenciosa ou tartamuda, fazendo de conta que altos e mais superiores preocupações se sobrelevam, e que o termo gerontocídio não existe sequer no léxico lusitano e, muito menos, no enquadrado jurídico nacional.
No segundo caso, é assumir que está em curso um gerontocídio, e agir em conformidade.
O termo é, efectivamente, estranho em Portugal, mas é palavra da língua de Camões. No outro lado do Atlântico, por exemplo, a Academia Brasileira de Letras define gerontocídio como “delito de homicídio praticado contra pessoa idosa decorrente de violência doméstica ou familiar e/ou por motivo de menosprezo ou discriminação em relação à condição de idoso” e ainda como “extermínio de idosos”. E está mesmo previsto, desde 2019, o agravamento das penas por este crime, por iniciativa da Câmara dos Deputados brasileira.
Em Portugal, nada. Mas há, neste preciso momento, a decorrer, cobarde e nojentamente, um extermínio de idosos. Não se vê. Não há gritos. Não há sangue literalmente em jorros. Não é carnificina, porque muitos, pela sua avançada idade, até já estão caquéticos. Mas há.
E pior – como se tal fosse possível: há negacionistas. Estes, sim.
Comparação da mortalidade média diária nos maiores de 85 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte:: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Atente-se: Portugal está a caminhar para o nono mês consecutivo com mortes sempre acima dos 10.000 óbitos. Recorde absoluto em Maio e em Junho. A probabilidade de nada de incomum se passar em tanto tempo seguido é virtualmente de 0%. O PÁGINA UM denunciou. Provou.
O PÁGINA UM também alertou que, desde finais de Fevereiro, morreram a mais 5.700 pessoas do que o expectável, sendo uma estimativa feita por um professor de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa. E não foi em tempo quente.
O PÁGINA UM também noticiou que, desde 10 de Julho, a mortalidade acumulada este ano nos maiores de 85 anos ultrapassou o já funesto 2021. E isto quando a diferença em 25 de Fevereiro era favorável a 2022 – ou seja, tinham morrido menos – em 4.828 vidas. Apresentamos análises rigorosas sobre tudo isto.
Que sucedeu depois destas notícias do PÁGINA UM – para além da “usurpação” da sua investigação por certa comunicação social?
Comparação da mortalidade média diária na faixa etária dos 75 aos 84 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte:: SICO. Análise: PÁGINA UM.
O secretário de Estado-adjunto da Saúde, o médico Lacerda Sales – aquele que deixou cair lágrimas de crocodilo porque em certo dia de Agosto de 2020 não morreu ninguém de covid-19 – diz candidamente que “perante um excesso de mortalidade não atribuível a uma causa específica, a investigação das razões tem de ser feita em períodos longos, não em períodos pontuais, e deve ser feita entre cinco a dez anos exactamente para excluir que esse aumento possa ser um fenómeno pontual”. Leia-se: sacudamos a água do capote de qualquer responsabilidade política do actual Governo.
A ministra da Saúde, Marta Temido, seguiu o mesmo diapasão, garantindo hipocritamente que “queremos chegar a conclusões céleres”, mas que “elas não são possíveis quando são sobre fenómenos complexos e necessitam de tempo e de análise técnica”.
Por sua vez, a médica Graça Freitas – que apenas denota sagacidade para se manter num cargo, a de directora-geral da Saúde, para o qual não foi talhada – veio já tentar tapar o sol com a peneira, culpando uma putativa onda de calor (veja Vossa Excelência as de 2013 e 2018, as mais recentes e compare) como a responsável pelo excesso de mortes desde… Fevereiro?! E vai sempre, para todo o sempre, culpar o “tempo quente”.
Comparação da mortalidade média diária na faixa etária dos 65 aos 74 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
E, para ajudar na festa deste gerontocídio, veio um inclassificável burocrata, também outro médico, Fernando Almeida de seu nome – circunstancial presidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (coitado do Ricardo Jorge que deve andar a dar voltas à tumba) – a defender que se deve evitar falar de excesso de mortalidade comparando apenas números. E também ele, para agradar à tutela política, afiançou ser impossível fazer uma análise séria e cientificamente consistente em dois ou três meses.
Estes, doutora Lucília Gago, são quatro suspeitos. Haverá mais, por certo.
São suspeitos por omissão. Por obstaculização de informação. Por acção. Provavelmente, por ocultação de provas. As suas tarefas não incluem espetar facas, mas morrem pessoas à mesma.
Estes e outros responsáveis políticos sabem aquilo que está a suceder. Têm, por exemplo, acesso aos dados bruto do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), que permitem diariamente, e desde 2014, observar todos os óbitos e suas causas. Há sete anos de dados para comparar com o que se passa este ano. Existem sistemas informáticos e peritos que conseguem detectar, num piscar de olhos, quais as causas para esta anormalidade.
Eles sabem que eu sei que eles sabem. Mas eles não querem que se saiba. Por isso, existe neste momento um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa para intimar o Ministério da Saúde a divulgar esses dados em bruto ao PÁGINA UM.
Mas mesmo que não existissem esses dados em bruto – e existem esses e muitos mais, incluindo uma base de dados que deixou de ser pública porque um amigo de longa data da senhora ministra da Saúde decidiu expurgá-la para impedir as investigações do PÁGINA UM –, bastaria observar os singelos gráficos que se apresentam ao longo deste texto. Veja, Vossa Excelência, como está o gerontocídio, sobretudo nos maiores de 85 anos.
Não perca mais tempo. Não acredite nas palavras de quatro suspeitos deste gerontocídio em curso, que nos dizem que não há gerontocídio nenhum, que é necessário muito tempo para se apurar se houve ou não houve um gerontocídio.
Na verdade, doutora Lucília Gago, eles querem ser como aquele ladrão que, apanhado em flagrante, defende que se tem de avaliar a sua acção em função de uma análise a ser feita apenas no dia de São Nunca à tarde para, depois, se divulgarem as conclusões na manhã do enterro da solteira Culpa.
Que vai Vossa Excelência fazer? Fazer-nos… Fazer-lhes…
De forma discreta, o Ministério da Saúde “livrou-se” de António Morais, o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia que se manteve como consultor do Infarmed enquanto mantinha relações milionárias com a indústria farmacêutica. O Ministério da Saúde mantém o silêncio sobre medidas para acabar com a promiscuidade entre médicos e o sector dos medicamentos.
O presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais, deixou de ser, desde a passada quinta-feira, consultor do Infarmed. Alvo de um inédito processo de contra-ordenação – o primeiro a ser aplicado a um presidente de uma sociedade médica por violação do regime de incompatibilidades –, António Morais era consultor da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde desde Abril de 2016, tendo este afastamento sido confirmado ao PÁGINA UM apenas ontem à noite pelo conselho directivo do Infarmed.
O despacho desta cessação como consultor deste pneumologista, que preside à SPP desde início de 2019, foi publicado no Diário da República na passada quarta-feira, dia 13, tendo a assinatura do secretário de Estado-adjunto e da Saúde, o também médico Lacerda Sales.
António Morais, ao centro, numa foto durante a cerimónia de posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Janeiro de 2019.
Nessa decisão não consta o motivo daquela cessação, que também abrangeu João Almeida Lopes Fonseca – professor da Faculdade de Medicina do Porto e fundador da MEDIDA, uma spin-off daquele estabelecimento de ensino superior – e a farmacêutica Maria Piedade Braz Ferreira, directora do serviço de gestão técnico-farmacêutica do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte.
O Infarmed não quis adiantar se o afastamento está directamente relacionado com a abertura do processo contra-ordenacional decidido pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) contra António Morais no decurso das investigações jornalísticas do PÁGINA UM.
Durante o seu 37º Congresso, em Novembro do ano passado, a SPP publicou um jornal diário. Na edição nº 2, António Morais cumprimenta o secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, que agora lhe fez o despacho de cessação de funções.
Por seu turno, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) somente respondeu ao PÁGINA UM após a publicação da primeira versão desta notícia, pelas 21:21 horas, por e-mail, informando que António Morais deixou de ser consultor em 2018, “informação que foi comunicada à IGAS”.
No entanto, o seu nome continuava a constar hoje como especialista em doenças do interstício pulmonar do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias. Tanto a DGS como António Morais tiveram diversas oportunidades de esclarecer o PÁGINA UM sobre esta matéria, além de terem a obrigação de manterem dados administrativos actualizados.
Recorde-se que António Morais está acusado pela IGAS de violar o regime de incompatibilidades, uma vez que se manteve como consultor enquanto presidia a SPP.
Tal acumulação só seria possível se esta sociedade médica recebesse menos de 50 mil euros por ano, em média no último quinquénio, do sector farmacêutico. Porém, a SPP é uma das sociedades médicas com maiores relações comerciais com esta indústria.
No quinquénio 2017-2021, que engloba já os três anos de presidência de António Morais, os montantes arrecadados pela SPP ainda aumentaram mais, situando-se nos 870.512 euros por ano.
Para este aumento muito contribuiu o ano passado em que a SPP recebeu um financiamento recorde vindo do sector farmacêutico de 1.301.972 euros. Uma parte considerável (320.000 euros) foi um patrocínio único da Pfizer para a promoção da vacina contra a pneumonia pneumocócica em plena campanha de vacinação contra a covid-19, da qual a farmacêutica norte-americana muito beneficiou.
Este ano, em menos de sete meses, de acordo com a Plataforma da Publicidade e Transparência do Infarmed, a SPP já amealhou 541.228 euros – ou seja, uma verba mais do dobro daquela que a SPP poderia receber em cinco longos anos para que António Morais pudesse manter-se como consultor da DGS e do Infarmed.
António Morais está apenas sujeito a uma multa máxima de 3.500 euros – que, grosso modo, corresponde a três webinares pagos por uma farmacêutica –, mas as implicações legais serão maiores, uma vez que os despachos que tiverem na base as suas recomendações são assim nulos.
Contudo, este processo coloca ainda maior ênfase na promiscuidade cada vez maior entre certos médicos, a Administração Pública e o sector farmacêutico.
Filipe Froes é um activo consultor da Direcção-Geral da Saúde, integrando a equipa responsável pelas terapêuticas contra a covid-19, mas só este ano foi já consultor de medicamentos da Gilead, da AtraZeneca e da Merck Sharp & Dohme.
O PÁGINA UM questionou hoje o Ministério da Saúde se retirava alguma ilação deste processo contra António Morais, e se iria manter como consultores da DGS ou do Infarmed os médicos que são simultaneamente consultores (advisory board) em farmacêuticas. Um exemplo paradigmático dessa situação é o do pneumologista Filipe Froes – e um membro destacado da SPP – que se mantém como consultor da DGS, integrando mesmo a equipa responsável pelas terapêuticas contra a covid-19, enquanto se multiplica em consultadoria de medicamentos em diversas farmacêuticas.
Froes, que este ano já recebeu quase 30 mil euros de farmacêuticas, exerce as funções de consultor da Gilead (especificamente para o anti-viral contra a covid-19), da AstraZeneca e da Merck Sharp & Dohme.
O Ministério da Saúde não respondeu quer ao pedido de esclarecimento enviado ontem quer ao pedido de comentário endereçado hoje. Aliás, um comportamento habitual do gabinete de Marta Temido sempre que são colocadas questões incómodas ou delicadas.
N.D. Notícia actualizada às 21:53 de 19/07/2022 com e-mail enviado pela DGS às 21:21.
O PÁGINA UM analisou a evolução das taxas de vacinação contra a covid-19 nos últimos dois meses. Quatro em cada 10 idosos com mais de 80 anos ainda não se vacinaram com a quarta dose e a procura é agora muito fraca. Nos outros grupos etários, a taxa de cobertura da terceira dose é também bastante mais baixa do que aquele que se registou para a primeira e segunda doses.
A adesão ao segundo reforço do programa de vacinação contra covid-19 – ou quarta dose – está a esmorecer junto da população mais idosa, em linha com uma redução significativa da população mais jovem na toma do primeiro reforço (terceira dose).
De acordo com os mais recentes dados semanais da Direcção-Geral da Saúde (DGS), na semana de 5 a 11 de Julho apenas terão sido vacinadas cerca de 54 mil pessoas. Destas pouco menos de sete mil eram idosos com mais de 80 anos, os elegíveis para a toma do denominado segundo reforço. A maioria das pessoas que, naquela semana, se deslocaram aos centros de vacinação foi para a terceira dose, dos quais quase oito mil com idade entre os 18 e os 24 anos, e cerca de 33 mil com idade entre os 25 e os 49 anos.
Ainda houve, neste período, quase 6.500 crianças entre os 5 e os 11 anos que tomaram a segunda dose para concluir o processo de vacinação completa. Saliente-se, aliás, que a vacinação de reforço (terceira dose) somente foi adoptada, por agora, para os maiores de idade.
Na semana anterior (28 de Junho a 4 de Julho), o número de pessoas vacinadas terá sido sensivelmente semelhante, embora 13 mil fossem idosos com mais de 80 anos.
Estes valores absolutos constituem estimativas do PÁGINA UM, com base na percentagem da população vacinada por semana em cada grupo etário e em função da respectiva população indicada pelo Instituto Nacional de Estatística para o ano de 2020. A DGS tomou, desde sempre, a questionável decisão de não divulgar números absolutos da população vacinada, optando por percentagem sem casas decimais. Daí que virtualmente toda a população com mais de 25 anos esteja toda vacinada (100%), o que não corresponde à verdade.
Certo é que pela análise dos boletins semanais da DGS, nota-se claramente que a vontade em receber mais doses da vacina contra a covid-19 por parte dos portugueses esmoreceu de forma significativa, mesmo nos grupos etários supostamente mais vulneráveis.
Número de pessoas vacinadas por semana desde 17 de Maio até 11 de Julho de 2022 por grupo etário. Fonte: DGS. Análise: PÁGINA UM
Tal situação, patente nos números da evolução da campanha em curso, significa uma assumpção da existência de um menor risco de vida perante a dominância da variante Omicron (muito menos letal) ou da percepção da existência de uma forte imunidade adquirida (mais de 50% da população portuguesa já contactou directamente com o SARS-CoV-2) ou também um aumento da desconfiança em termos de segurança.
Saliente-se que o Infarmed tem recusado ceder os dados detalhados das reacções adversas ao PÁGINA UM, estando em curso um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.
A evolução dos números do segundo reforço para os maiores de 80 anos mostra que dificilmente será possível atingirem-se os patamares de adesão à vacinação completa (100%) ou mesmo à vacinação de reforço (97%). Desde a segunda metade de Maio, quando se iniciou o programa para os maiores de 80 anos reforçarem a imunidade vacinal (a quarta dose), apenas 58% deste grupo etário se vacinou, mas a procura está a cair a pique.
Com efeito, na segunda quinzena de Maio vacinaram-se 21% deste grupo etário, tendo-se depois conseguido, nas quatro semanas subsequentes, vacinar entre 11% e 13% a cada sete dias. Porém, na semana de 21 a 27 de Junho apenas se vacinaram 4%, seguindo-se 2% na seguinte e apenas 1% na semana de 5 a 11 de Julho.
No grupo etário dos 65 aos 79 anos, apenas 1% da população foi já vacinada com o segundo reforço, embora o primeiro reforço tenha, segundo os dados da DGS, uma taxa de cobertura de 98%.
Nas idades mais jovens (menores de 65 anos), o processo está ainda em maior estagnação, mesmo se foram administradas, desde a segunda quinzena de Maio, cerca de 380 mil doses de vacinas, que representam cerca de 5% da população.
Nestes grupos etários sobressai sobretudo a grande diferença entre a adesão à vacinação completa (duas doses) e ao reforço (terceira dose). Por exemplo, dos 25 aos 49 anos, passou-se de uma adesão (supostamente) de 100% na toma das duas doses para apenas 66% na toma da terceira. Nos 18 aos 24, a dose de reforço já só foi tomada por 52%, quando para a vacinação completa (duas doses) tinha, segundo a DGS, ocorrido uma adesão de 98%.
Nas crianças entre os 5 e os 11 anos, a maioria (58%) ainda não teve vacinação completa (duas doses). A adesão, aliás, tem sido bastante lenta, tendo apenas aumentado em cinco pontos percentuais nos últimos dois meses, passando de 37% no princípio da segunda quinzena de Maio para 42% em 11 de Julho.
A DGS não comenta este crescente desinteresse na vacina contra a covid-19 face à adesão que se verificava anteriormente, tendo apenas transmitido ao PÁGINA UM que “Portugal é dos países com valores mais elevados de cobertura vacinal da Europa”, e que têm sido implementadas “diferentes estratégias de acesso à vacinação, tais como, agendamento local ou central, ou através da modalidade casa aberta”.
O gabinete de comunicação de Graça Freitas acrescenta que, “neste contexto, as pessoas vão sendo vacinadas à medida que se tornam elegíveis, de acordo com a Norma 002/2021”, afirmando que se continua a “investir em estratégias de comunicação para informar a população sobre o processo de vacinação”.
Quanto à eventualidade de, nos próximos meses, vir a ser recomendado para os menores um reforço da vacinação (terceira dose), a DGS apenas salienta, por agora, que faz tudo “de acordo com a evidência científica disponível à data”, mantendo-se “a acompanhar a evolução do conhecimento científico, bem como a situação epidemiológica, podendo rever as suas recomendações sempre que se justificar.”
O médico António Morais “vestiu-se” de perito independente da Direcção-Geral da Saúde e do Infarmed, enquanto, como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), fazia as farmacêuticas abrirem os cordões à bolsa para lhe patrocinar eventos. Em troca, sobretudo durante a pandemia, a SPP e os seus membros andaram a promover interesses económicos directos de várias farmacêuticas. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde decidiu agora, após uma investigação do PÁGINA UM, que havia matéria (evidente) para a instauração de um processo de contra-ordenação por violação do regime de incompatibilidades.
O presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), António Morais – que ainda na passada semana promoveu publicamente o uso do fármaco Paxlovid, o anti-viral da Pfizer contra a covid-19 – está a ser alvo de um processo de contra-ordenação por iniciativa da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). É a primeira vez que o líder de uma sociedade médica se encontra sujeito um processo desta natureza.
Em causa está a violação do regime de incompatibilidades deste pneumologista do Hospital de São João (Porto), que preside aquela importante sociedade médica desde Janeiro de 2019, mas mantendo-se como consultor (alegadamente) independente da Direcção-Geral da Saúde e do Infarmed. António Morais poderá vir a ser sancionado com uma coima entre 2.000 e 3.500 euros, mas além das questões éticas, haverá consequências jurídicas muito relevantes.
António Morais, ao centro, numa foto durante a cerimónia de posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Janeiro de 2019.
De acordo com o artigo 5º do Decreto-Lei nº 14/2014, “os pareceres emitidos ou as decisões tomadas por comissões, grupos de trabalho, júris e consultores, em que intervenham elementos em situação de incompatibilidade não produzem quaisquer efeitos jurídicos”, o que significa, em consequência, que “as decisões dos órgãos deliberativos (…) são nulas”, caso se baseiem naqueles pareceres.
A informação sobre o processo de contra-ordenação foi hoje transmitida ao PÁGINA UM pela própria IGAS após ter sido concluído primeiro um “processo de esclarecimento” que carreou provas suficientes contra António Morais. A nota da IGAS salienta que num despacho do inspector-geral das Actividades em Saúde, Carlos Carapeto, de 7 de Junho passado, foi tomada a decisão de “apresentar, na sequência imediata, uma proposta de instrutor para o processo de contra-ordenação” tendo como alvo os comportamentos do presidente da SPP.
Durante o seu 37º Congresso, em Novembro do ano passado, a SPP publicou um jornal diário. Na edição nº 2, António Morais cumprimenta o secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, com um aperto de mão e sem máscara. Neste congresso ocorreu um surto de covid-19.
Recorde-se que uma investigação do PÁGINA UM, publicada em 18 de Abril passado, revelou que António Morais estava a violar o regime de incompatibilidades que impedem os consultores daquelas entidades de integrarem os órgãos sociais de sociedades médicas que “tenham recebido financiamentos de empresas produtoras, distribuidoras ou vendedoras de medicamentos ou dispositivos médicos, em média por cada ano num período de tempo considerado até cinco anos anteriores, num valor total superior a 50.000”.
Ora, António Morais preside à SPP desde 14 de Janeiro de 2019, e esta sociedade médica ultrapassa larguíssimamente o patamar dos 50 mil euros anuais. Considerando 2018, antes da tomada de posse da equipa de Morais, a SPP tinha recebido no quinquénio uma média anual de 799.634 euros do sector farmacêutico, ou seja, 16 vezes mais do que o limite imposto pela norma das incompatibilidades.
No quinquénio 2017-2021, que engloba já os três anos de presidência de António Morais, os montantes arrecadados pela SPP ainda aumentaram mais, situando-se nos 870.512 euros por ano. Para este aumento muito contribuiu o ano passado em que a SPP recebeu um financiamento recorde vindo do sector farmacêutico de 1.301.972 euros. Uma parte considerável (320.000 euros) foi um patrocínio único da Pfizer para a promoção da vacina contra a pneumonia pneumocócica em plena campanha de vacinação contra a covid-19, da qual a farmacêutica norte-americana muito beneficiou.
Este ano, em menos de sete meses, de acordo com a Plataforma da Publicidade e Transparência do Infarmed, a SPP já amealhou 541.228 euros – ou seja, uma verba mais do dobro daquela que a SPP poderia receber em cinco longos anos para que António Morais pudesse manter-se como consultor da DGS e do Infarmed.
Em todo o caso, os patrocínios da SPP poderão ficar, mais uma vez, acima de um milhão de euros, ao longo de 2022, uma vez que usualmente a maior fatia de patrocínios e contratos comerciais com a indústria farmacêutica regista-se no último trimestre de cada ano no âmbito do Congresso de Pneumologia.
Apoios do sector farmacêutico (em euros) à Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2017 e 2021. Fonte: Infarmed.
No despacho da IGAS consta a indicação de que a informação foi também encaminhada para o gabinete do secretário de Estado-Adjunto e da Saúde, Lacerda Sales.
O PÁGINA UM solicitou ao gabinete da ministra da Saúde, Marta Temido, e também à directora-geral da Saúde, Graça Freitas, e ao presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, comentários sobre este processo de contra-ordenação, e quis saber se, nas actuais circunstâncias, mantinham a confiança em António Morais como consultor. Não houve resposta. Também a SPP foi contactada, mas também não respondeu.
Saliente-se que António Morais apresentou em Março passado uma queixa à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) contra o PÁGINA UM, acusando os artigos deste jornal – que têm abordado as ligações da SPP e de alguns dos seus mais destacados membros, como o pneumologista Filipe Froes, com a indústria farmacêutica – de “acarret[arem] consequências para a saúde pública”.
Filipe Froes coordena o Grupo de Trabalho de Infecciologia Respiratória da SPP. Não se conhece ainda as diligências da IGAS sobre o processo de averiguação instaurado no ano passado.
O presidente da SPP escreveu também à ERC que o “tipo de jornalismo” do PÁGINA UM “põe em causa a credibilidade científica de uma sociedade que, durante o período da pandemia, se prestou para prestar verdadeiro serviço público, disponibilizando informação séria, tendo como base as evidências científicas mais atuais”. Esta queixa ainda não teve conclusão da ERC.
Por sua vez, o PÁGINA UM solicitou em Abril passado que o regulador também desencadeasse “todas as medidas legais, no caso em apreço contra o senhor António Morais, conducentes à protecção do livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa (…), à protecção da sua independência perante os poderes político e económico e à protecção dos (…) direitos, liberdades e garantias, tanto mais necessários para garantir a efectiva expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, em respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial deste jornal”.
O tonto do Luís Osório escreve, para gáudio das senhoras que suspiram com as suas palavras – ui, tão duras mas ternurentas – e para agradecimento dos (ir)responsáveis políticos, garantindo que estamos numa “tempestade perfeita, quase 50 graus, vento e uns filhos da puta que mandam incendiar florestas para conseguir ganhar mais dinheiro”.
E vai ele ainda mais longe nas acusações: “Dinheiro, ganhar dinheiro, engordar cartéis que lucram com os incêndios porque têm produtos ou serviços para vender, por que querem despojar as florestas ou pela maldade pura que também existe como um abcesso humano.”
De permeio, muitos elogios à abnegação dos bombeiros, “muitas centenas (…) extenuados”, onde “há os que enganam o corpo com fugas para a frente, com mais uma chama para apagar, com mais uma pessoa para proteger, mais uma casa, mais um animal. Há também os que já não conseguem mais, os que desmaiaram de cansaço ou que tombaram com a cabeça às voltas pelo fumo, pelo cheiro de queimado, pela pressão.”
Por sua vez, o pusilânime director do Público, Manuel Carvalho, surge com a lengalenga agora habitual de que nada pode ser politicamente feito porque, enfim, tudo ou quase tudo se restringe ao aquecimento global, e que isto “na floresta não se resolve com mangueiras ou roçadoras de mato, mas com o controlo de emissões de carbono”, desresponsabilizando o Governo pelas tragédias.
Por fim, temos o primeiro-ministro António Costa – que já assistiu, como líder do Governo ou como ministro da Administração Interna a duas catástrofes florestais (2005, com 350 mil hectares, e 2017, com 540 mil hectares e mais de uma centena de mortes) – a dizer que tudo é ”mãozinha humana” e que o fraccionamento fundiário (o minifúndio) é a causa estrutural na base dos incêndios rurais.
Podia continuar com a compilação de boutades e/ ou fazer uma antologia dos disparates. Canso-me.
Após ter escrito um livro de 472 páginas em 2006 – vão já longos 16 anos e mais de 1.700.000 hectares ardidos –, causa-me algum enfado fazer arder no queimado.
Portugal viveu e sempre viverá sob o manto irresponsável dos mitos.
O mito de ser um país de vocação florestal, quando sempre tivemos mais jeito para dar cabo das árvores. Portugal foi, durante praticamente a sua origem, um país escalvado, de charnecas, até quase finais do século XIX. Somente por condições políticas (não muito elogiáveis) e sociais (população maioritariamente rural e com o interior ocupado) se conseguiu, sobretudo na I República e no Estado Novo, fazer surgir uma floresta “artificial” e economicamente rentável.
O mito de ser um país que sofre as agruras dos incêndios por causa do excessivo fraccionamento das propriedades rurais, ou seja, do minifúndio. É de uma atroz ignorância histórica dizer que o minifúndio é um fenómeno recente. Particularmente na região a norte do Tejo, intensificou entre a Monarquia Constitucional, a partir dos anos 30 do século XIX, até um pouco antes da instauração da República.
Entre 1877 e 1909, o número de prédios rústicos mais que duplicou, passando de 5,06 milhões para 10,48 milhões, mantendo depois um crescimento muito moderado, inferior a 0,2% ao ano. No início dos anos 40 do século XX, atingiu-se um pico de 11,1 milhões de prédios rústicos, registando-se depois variações negativas numa primeira fase, até 1970, e positivas numa segunda fase, posterior a esse ano, cifrando-se actualmente em cerca de 11,6 milhões de prédios rústicos. Portanto, não houve uma mudança relevante nas últimas décadas em termos de estrutura fundiária, quando os incêndios se intensificaram.
Na verdade, o grande problema advém da redução populacional do interior e sobretudo do êxodo rural e do abandono das culturas agrícolas. Abandonando-se os espaços agrícolas, perdem-se as zonas tampão para “estancar” ou controlar os incêndios nas suas fases iniciais. Além disso, sem pessoas a trabalhar a terra também se deixa de ter vigilantes activos dos espaços florestais. No interior, agora, pode-se vaguear quilómetros a fio sem ver vivalma.
Temos ainda depois o mito das alterações climáticas, ou seja, de que os incêndios florestais derivam do aquecimento global e do aumento na frequência dos eventos meteorológicos que aumentam o risco de grandes incêndios. Sendo certo, e sendo uma evidência para mim, com base em estudos científicos, que o risco de incêndio aumentou nos últimos anos, também é certo que a tendência observada em Portugal – periódicos anos de catástrofe autêntica -seguido de anos de alguma acalmia – não se observa nos outros países.
Nas últimas duas décadas, Portugal já teve três anos com áreas ardidas superiores a 3% do seu território: em 2003, em 2005 e em 2017. Neste último ano, foram 6%. Nenhum outro país mediterrâneo, “sofrendo” do mesmo clima, apresenta tal estado de destruição. Ao invés, em média arde agora menos na Espanha do que nos anos 80 do século passado, o mesmo se verificando na França, Itália e Grécia.
O grande problema, nesta parte, é que Portugal não tem apostado de forma inteligente numa estratégia que tenha em conta um “inimigo” que se pode tornar mais perigosos nas actuais condições climáticas. Uma política ausente durante anos, que se resume a despejar dinheiro, com uma estrutura sempre em contínua mudança (para pior) – os serviços florestais foram completamente desmembrados – não vislumbra qualquer solução. Não houve nenhuma mudança perceptível desde 2017 que nos garanta que não se repita tudo.
Até porque está sempre omnipresente um outro mito: o dos incendiários, que foi sempre aquele que sempre me suscitou maior compaixão. Existem incendiários? Claro que sim. Mas serão eles, e apenas eles, que justificam a actual situação, ou o que sucedeu em 2017, ou em 2005 ou em 2003? Serão os incendiários desses anos terríveis diferentes daqueles que “actuam” nos anos em que arde pouco? Haverá algum factor que faça com que uma ignição causada por um incendiário seja diferente daquela que foi causada por actos de negligência? Vai um fogo mais depressa se for metido por um incendiário?
Além disto tudo, a tese de os grupos de incendiários contratarem bêbedos e pessoas com atrasos mentais para atear fogos é risível. Luís Osório, enfim, até lamenta, no seu lamentável texto, que “quem são presos são os pobres diabos que se vendem por uma grade de minis. Os mentalmente perturbados, os indigentes, os que podem ser carne para canhão.”
Vamos lá ver: imaginem uma corporação de malfeitores, pessoas que, vamos assumir, são estrategas, pensam para benefício próprio. Ora, alguma vez, na iminência de chorudos lucros por uma actividade criminosa – e, portanto, com risco –, eles contratariam “pobres diabos que se vendem por uma grade de minis”? Ou pessoas perturbadas? Claro que não! Seria estúpido. Nem o Luís Osório eles contratariam. Na verdade, sempre acreditei que se houvesse mesmo um grupo criminoso para fazer arder o país todo, ele já teria ardido todo. Como não há, assim “só” arde quase todo.
De facto, independentemente da estupidez do mito dos incendiários, o problema está sobretudo na ausência de acções preventivas eficazes ou eficientes. Ninguém deixa valores elevados num carro para depois culpar um ladrão. Um banco tem mecanismos de segurança e de gestão de valores para minimizar um eventual assalto. Uma cidade decente tem um corpo policial e políticas de integração para evitar um recrudescimento da criminalidade. As cidades japonesas infra-estruturaram-se para aguentar agora terramotos.
Ou seja, o impacte do dano não depende somente do agente que o pode eventualmente causar, mas sim de factores com intervenção directa do Estado. Se há uma vaga de crimes, ou até de acidentes rodoviários por excesso de velocidade ou de álcool, a culpa não é apenas de quem o pratica, mas também do Estado que não cumpre a sua função de tornar uma sociedade regulada.
Por fim, temos ainda o mito que mais estragos tem causado à protecção da florestal: o mito dos salvadores bombeiros voluntários.
Recordo aqui, quando falo em bombeiros voluntários, sempre a luta de Miguel Bombarda, no início do século XX, quando quis que o sistema de saúde tivesse enfermeiras profissionais, que substituíssem as freiras que, com amor e carinho, mas também com fracos conhecimentos e treino, mais depressa enviavam almas para o outro mundo do que ajudavam os corpos a manterem-se neste.
O lobby dos bombeiros voluntários – que não são assim tão voluntários, e subsiste desde que os serviços florestais se desmembraram – tem sido a principal acendalha para a manutenção do frequente desastre dos incêndios rurais.
Não está aqui em causa a abnegação e o amor ao próximo desses bombeiros voluntários – embora eu acredite que um profissional possa e deva ter essas características. E acredito que muitos bombeiros voluntários até preferissem ser profissionais, recebendo melhor treino, estarem sempre disponíveis e receberem uma remuneração compatível com a sua excepcional tarefa. E não terem de descansar ao relento, na berma da estrada ou em cima de bancos de jardim – imagens mediáticas, empolgantes, que demonstram sobretudo uma péssima logística dos serviços estatais e municipais de protecção civil.
Em Portugal sempre se confundiu conceitos: amor e amadorismo são palavras antagónicas quando o tema é incêncios rurais. Julga-se que onde há amor pela vida das pessoas e pelos seus bens, que se deve usar o voluntariado, porque esse amadorismo é mais genuíno a essas causas. Uma parvoíce. Se eu amo uma causa não devo fazer o que posso, mas devo fazer o que devo. E isso, no caso dos incêndios rurais, consegue-se melhor com profissionais do que com supostos voluntários, até porque uma parte destes segundos até recebe dinheiro.
Aquilo que verdadeiramente está em causa é a existência de uma estrutura corporativista, mal preparada e mal localizada (o risco diferenciado de incêndio não se compadece com a distribuição geográficas das corporações), e que se recusa a se profissionalizar, porque, dessa forma, não é regulada, não é convenientemente monitorizada nem sequer é responsabilizada quando algo corre mal. E corre muitas vezes mal.
Não existe,na sociedade portuguesa, nenhuma outra tarefa vitar que não seja exercida por profissionais. Temos militares profissionais. Temos médicos profissionais. Temos – e Miguel Bombarda haveria de gostar de saber – enfermeiros profissionais. Temos professores profissionais. Temos polícias profissionais. Temos cobradores de impostos profissionais. Temos tudo profissionalizado. Até políticos profissionais… Que motivos temos para contnuar com bombeiros denomiados voluntários? Ninguém questiona a quem interessa este status quo?
Já escrevi e repito: no dia em que – como, aliás, se fez na Andaluzia, por exemplo – se decidir colocar os bombeiros voluntários apenas a proteger os perímetros urbanos e casas (onde podem dar largas às mangueiras), e se constituir uma estrutura fortemente equipada e treinada de sapadores florestais – com funções de prevenção (criação de faixas de protecção, etc.), vigilância e combate – teremos a primeira batalha ganha desta guerra.
Se isso não suceder, continuaremos a ter de ler e ouvir pessoas como Luís Osório, Manuel Carvalho e António Costa a explicarem-nos que a culpa é disto e daquilo, menos dos políticos. E tudo seguirá o seu curso, com o país a ir variando do vermelho ao negro, entremeado por um efémero verde que se esfuma de tempos em tempos.
A covid-19 tornou-se endémica, mas a mortalidade em Portugal mantém-se imparável. Desde Novembro do ano passado não houve ainda nenhum mês com menos de 10.000 óbitos. Os meses de Abril, de Maio e de Junho bateram recordes, e Julho caminha para essa funesta posição. Mas o problema tem sido a persistência, que mostra um inquestionável problema grave de Saúde Pública. Enquanto isto, o Governo adia uma avaliação independente e continua a obstaculizar as investigações do PÁGINA UM.
É situação inédita, impensável e intolerável, sobretudo pelo silêncio do Governo: com a primeira quinzena de Julho a registar mais de 5.200 óbitos, Portugal arrisca-se a contabilizar o nono mês consecutivo com os meses acima de 10.000 mortes por todas as causas.
De acordo com dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito, desde Novembro do ano passado, todos os meses têm estado acima da fasquia dos 10.000 óbitos, valores que sendo números aceitáveis no Inverno – face ao envelhecimento populacional e à maior prevalência de doenças letais dos aparelhos respiratório e circulatório –, são completamente atípicos nos meses de Primavera e Verão.
Com efeito, considerando os dados mensais da mortalidade do SICO e do Instituto Nacional de Estatística a partir de 1980, antes da pandemia apenas por duas ocasiões se registou uma séries de quatro meses consecutivos com mais de 10.000 óbitos: entre Dezembro de 2014 e Março de 2015, e entre Dezembro de 2017 e Março de 2018.
Mesmo a ocorrência de séries de três meses a suplantarem aquela fasquia eram bastante raros, identificando-se apenas seis desde 1980: Dezembro de 1995 a Fevereiro de 1996; Dezembro de 1998 e Fevereiro de 1999; Dezembro de 2001 e Fevereiro de 2002; Dezembro de 2006 e Fevereiro de 2007; e ainda Janeiro de 2012 a Março de 2012.
Em plena pandemia registar-se-ia mais uma série de quatro meses com mortalidade sempre acima de 10.000 óbitos – Novembro de 2020 a Fevereiro de 2021 –, mas com uma dimensão sem precedentes, uma vez que, sobretudo Janeiro do ano passado contabilizou o pior saldo de sempre (19.649 óbitos). No total, naqueles quatro meses faleceram quase 57 mil pessoas. Nas outras duas séries com quatro meses sempre acima dos 10.000 óbitos, o saldo tinha sido menos nefasto: cerca de 45 mil mortes em cada.
Mortalidade mensal desde Janeiro de 1980 até Junho de 2022 (barras a vermelho, valores acima de 10.000 óbitos). Fonte: INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.
Por norma, uma elevada mortalidade durante um determinado período – neste caso, o primeiro ano da pandemia – deveria estar a “beneficiar” os períodos subsequentes por virtude de um “rejuvenescimento” da população por via da morte dos mais vulneráveis. Ademais, a variante Omicron – que surgiu em Novembro do ano passado – tem-se mostrado de menor letalidade, a que acresce a elevada taxa de vacinação contra a covid-19, que as autoridades de saúde recusam associar a efeitos adversos relevantes.
Contudo, certo é, desde Novembro do ano passado, nunca se ficou abaixo dos cinco dígitos na contabilização de pessoas falecidas. Sendo certo que Dezembro e sobretudo Janeiro são meses em que habitualmente se ultrapassam os 10.000 óbitos – e em Novembro e Março ocorre com alguma regularidade nos anos pré-covid –, não é habitual estarem todos com elevada mortalidade.
Abril com mais de 10.000 óbitos apenas ocorreu por uma vez, exactamente em 2020, no início da denominada primeira vaga, que também esteve associada a mortes por causas não-covid. Mas um Maio ou um Junho acima de 10.000 óbitos é completamente inédito. Se Julho mantiver o ritmo – a média diária é, por agora, de 349 óbitos –, baterá o recorde de 2020, a única vez que se ultrapassara os 10.000 óbitos.
Porém, o principal problema nem sequer são os recordes mensais, mas sobretudo a persistência de elevados valores em tantos meses.
Mortalidade mensal desde Julho de 2017 até Junho de 2022 (barras a vermelho, valores acima de 10.000 óbitos). Fonte: INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.
Apesar desta situação, o Governo mantém-se impávido, recusando disponibilizar os dados brutos do SICO – o que implicou o recurso ao Tribunal Administrativo por parte do PÁGINA UM, através de um processo de intimação –, o que permitiria identificar as causas de mortes que se têm vindo a destacar e a justificar estes números.
Além disso, recentemente, o presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, Victor Herdeiro – amigo de longa data da ministra da Saúde, Marta Temido – retirou a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar do Portal da Transparência do SNS, impedindo assim o PÁGINA UM de escrutinar qual o grupo de doenças que se mostram agora com maior letalidade das unidades de saúde.
Anteontem, a ministra da Saúde referiu aos jornalistas que o Governo está “totalmente empenhado em conhecer aquilo que é a mortalidade, conhecer as suas causas e atuar sobre as suas causas”, alegando que para as análises serem sérias, demoram muitas vezes tempo, e como tal é necessária “alguma prudência”. Marta Temido acrescentou querer “chegar a conclusões céleres”, mas que estas “não são possíveis quando são sobre fenómenos complexos e necessitam de tempo e de análise técnica”.
Na verdade, fazer análises desta natureza, ainda mais com o detalhe que os dados do SICO permitem, não demora assim muito tempo.
Para a “prova dos 9”, o PÁGINA UM solicitou a um professor de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciências que analisasse a mortalidade deste ano em comparação com os últimos cinco anos, incluindo os primeiros dois anos de pandemia. Os resultados confirmam uma mortalidade excessiva, mas pior ainda: uma persistência inaudita. O calor desta semana complicará mais esta tragédia, mas não pode ser o bode expiatório. Afinal, o que esconde o Ministério da Saúde, quando não disponibiliza ao PÁGINA UM os dados em bruto do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito? De que estão a morrer os portugueses? Irá a culpa continuar a morrer solteira?
Desde 21 de Fevereiro até 10 de Julho – antes da actual onda de calor –, o excesso de mortalidade por todas as causas já terá atingido quase 5.700 óbitos, de acordo com cálculos, a solicitação do PÁGINA UM, de João José Gomes, professor do Departamento de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Utilizando estatística mais elaborada, e analisando semanalmente os níveis de mortalidade desde o início do presente ano e comparando com períodos homólogos dos cinco anos anteriores (2017-2021) – incluindo, portanto, os dois primeiros anos da pandemia –, os cálculos deste investigador universitário destacam de forma ainda mais marcante a elevada e incompreensível mortalidade sobretudo desde o início de Março, e que se tem prolongado pela Primavera e Verão. Estas épocas do ano costumam ser as de menor mortalidade, só de quando em vez interrompidas, de forma curta, por alguma onda de calor.
Com efeito, a anormalidade deste ano mostra-se, sobretudo, por não estar associada a nenhum evento extraordinário, embora oficialmente tenha subsistido uma relativa mortalidade causada oficialmente pela covid-19, embora inédita, porquanto Portugal é um dos países europeus com maior taxa de vacinação contra esta doença e com maior contacto com o SARS-CoV-2.
Segundo os cálculos de João José Gomes, o mês de Janeiro deste ano até foi bastante “ameno” – com um “défice de mortalidade” que chegou aos 677 na terceira semana. A situação de menor mortalidade face à média ainda se manteve até à semana 7 – mas já com uma aproximação à média do período 2017-2021 a partir do início de Fevereiro.
Porém, sem qualquer evento meteorológico associado com implicações na saúde, Março foi o início de um inusitado processo atípico: em vez de uma redução, a mortalidade manteve-se em níveis quase similares ao Inverno. Significou isso, que o excesso de mortalidade se foi evidenciando.
Mortalidade semanal em 2022 comparada com intervalos de confiança de 95% construídos com base nos anos 2017-2021. Fonte: SICO. Análise: João José Gomes (FC-UL)
E de uma forma abismal. De facto, a partir da semana 12, iniciada a 22 de Março, a mortalidade total diária esteve quase invariavelmente acima da média do período homólogo entre 2017 e 2021. A situação ainda piorou mais entre a semana 21, que começou a 24 de Maio, e a semana 25, que terminou em 27 de Junho. Neste período de transição da Primavera para o Verão – que inclui Junho, o segundo mês menos mortífero do ano, a seguir a Setembro, pela sua amenidade –, o valor mínimo diário em 2022 esteve quase sempre acima do limite superior do intervalo de confiança de 95%. Isto sistematicamente. Pior seria impossível.
De acordo com os cálculos de João José Gomes, é sobretudo a persistência de um longo período de excesso de mortalidade num período do ano caracterizado pela baixa mortalidade que causa estupefacção.
Estimativa do défice (verde) e excesso (vermelho) de mortalidade por semana em 2022 face à média do período 2017-2021. Fonte: SICO. Análise: João José Gomes.
Entre as semanas 12 e 27, apenas em duas se excedeu as 200 mortes no respectivo período de sete dias. A mortalidade excedeu em mais de 60 óbitos por dia (ou seja, mais de 420 óbitos em sete dias) na semana 25 (21 a 27 de Junho, com 676 óbitos a mais, isto é, quase 97 por dia), na semana 24 (14 a 20 de Junho, com 563 óbitos a mais), na semana 20 (17 a 23 de Maio, com 468 óbitos a mais), na semana 23 (7 a 13 de Junho, com 467 óbitos a mais) e na semana 21 (24 a 30 de Maio, com 424 óbitos a mais).
Para reconfirmar a persistência da mortalidade sempre em valores muito acima do perfil normal – em que, no período primaveril e estival se sucedem largos períodos com óbitos diários a rondar os 280 por dia –, saliente-se que este ano apenas se verificaram, até hoje, 15 de Julho, sete dias com menos de 300 óbitos. Significa que se contabilizaram já 189 dias com mais de 300 óbitos, muito acima dos 161 registados em 2020, quando a primeira vaga encontrou uma população completamente desprevenida. No ano passado, que contabilizavam-se, neste período, já 104 dias abaixo dos 300 óbitos, embora tal se tenha devido em grande medida ao morticínio dos meses de Janeiro e Fevereiro.
Número de dias com 300 ou mais óbitos e com menos de 300 óbitos entre 2009 e 2022 até 15 de Julho. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Note-se que, na quase totalidade do período analisado, o índice Ícaro – que mede o risco de acréscimo de mortalidade devido a temperatura elevadas – esteve quase sempre com o valor de zero. Até 8 de Julho apenas em um dia esteve acima de 0,1 (ou seja, com impacte quase irrelevante), e somente na última semana esteve consecutivamente positivo. Em todo o caso, ainda não superou o valor de 1, que constitui já uma fasquia de grande perigo.
Esta análise demonstra, de forma categórica, que o excesso de mortalidade nos últimos dias associada exclusivamente à onda de calor em curso está profundamente errada. E que o comunicado de imprensa de ontem à tarde da Direcção-Geral da Saúde, apontando para um excesso de 238 óbitos no período de 7 a 13 de Julho em função exclusivamente das condições meteorológicas, e omitindo o passado mais recente (e os problemas estruturais do SNS), constitui, na verdade, uma manobra de diversão.
Na verdade, se é previsível (aliás, seria estranho o contrário) que a mortalidade total venha a ser extremamente elevada por estes dias – ontem, segundo dados provisórios, terão morrido 436 pessoas, o que a confirmar-se será o quarto dia mais mortífero de 2022 –, mostra-se evidente que o “ponto de partida”, ou seja, a base de mortalidade (por factores ainda ignorados) está muito acima do expectável. Portanto, acabando a onda de calor, continuará elevada a mortalidade, porque não é a temperatura que está a desequilibrar. Excepto, se enfim, alguém obrigar o Ministério da Saúde a revelar as causas deste contínuo morticínio, e a encontrar rapidamente uma solução.
Domingos de Andrade é director-editorial do Jornal de Notícias e da TSF, mas também administrador da Global Media e gerente de, pelo menos, mais cinco empresas do grupo empresarial liderado por Marco Galinha, acumulando ainda responsabilidade de edição em outros órgãos de comunicação social. Após a investigação do PÁGINA UM sobre as promiscuidades nos media, iniciada em Dezembro passado, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ) recusou renovar-lhe o título por incompatibilidades. Será o primeiro de mais casos?
A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) não quer renovar a carteira profissional de jornalista a Domingos de Andrade, diretor-geral editorial do Diário de Notícias, e Jornal de Notícias e ainda diretor da radio TSF.
A notícia foi ontem avançada pelo Correio da Manhã, que salienta que o também administrador da Global Media – proprietária destes órgãos de comunicação social – terá impugnado a decisão da CCPJ.
Em todo o caso, o PÁGINA UM confirmou que não consta actualmente no registo daquela entidade o nome de Domingos de Andrade nem como jornalista nem como “equiparado a jornalista”, neste último caso a opção escolhida geralmente para quem se mantém em cargos de direcção editorial sem o estatuto de jornalista acreditado. Domingos de Andrade usava o número 1723 na sua carteira profissional, o que indicia que terá começado a sua profissão em meados dos anos 90.
Domingos de Andrade tem assinado contratos comerciais de legalidade duvidosa, no contexto da Lei da Imprensa, enquanto lidera redacções de órgãos de comunicação social da Global Media.
A posição da CCPJ foi tomada somente no seguimento das investigações jornalísticas do PÁGINA UM, em Dezembro passado, que revelaram que Domingos de Andrade era signatário de dois contratos comerciais, como administrador da Global Media, com entidades públicas. Um desses contratos, assinado em 28 de Julho do ano passado, com a Câmara Municipal de Valongo contratualizava a produção de “52 (cinquenta e duas) reportagens anuais”, a inserir no Canal JN Directo, e ainda “12 (doze) páginas anuais” em suplementos.
Aquele contrato, com o prazo de 24 meses, surgia no seguimento de um outro assinado no início de 2019, tendo como objecto do contrato a “aquisição de serviços de promoção das marcas identitárias e tecido económico local do Município de Valongo”. Ambos com um preço contratual de 74.000 euros.
No entanto, estes contratos serão apenas a “ponta do icebergue”, porque os contratos comerciais entre órgãos de comunicação social e empresas privadas não são, geralmente, do domínio público, ao contrário daqueles que envolvem entidades da Administração Pública ou equiparadas, que constam do Portal Base.
Investigação do PÁGINA UM a revelar as promiscuidades na imprensa começaram em Dezembro do ano passado.
A contratação de produção de reportagens pagas – e, portanto, dependendo de critérios não editoriais – é uma das questões mais sensíveis na imprensa portuguesa e mesmo mundial.
A Lei da Imprensa destaca que o exercício da profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de “funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias” e ainda de “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.
No entanto, apesar de então a CCPJ ter revelado, em 22 de Dezembro passado, que abrira um “processo de questionamento” a Domingos de Andrade – e também a outros responsáveis editoriais do Público e do universo da Global Media, dos quais se desconhece o resultado –, aquele gestor acabou por assinar novo contrato no final daquele mesmo mês.
Com efeito, Domingos de Andrade assinou um contrato comercial com a Comissão da Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte no valor de 19.990 euros para a prestação de serviços “de produção radiofónica” na TSF, a estação onde ele é director desde Novembro de 2020.
A intervenção de Domingos de Andrade em tarefas de gestão comercial no seio da Global Media são por demais evidentes. Além de administrador da holding – sendo o braço direito executivo do chairman Marco Galinha –, de acordo com o Portal da Transparência é ainda gerente da TSF – Rádio Jornal Lisboa, da TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve, da Difusão de Ideias – Sociedade de Radiodifusão, da Pense Positivo – Radiodifusão e ainda vogal do conselho de administração executivo da Rádio Notícias – Produções e Publicidade. E assume, em todas estas empresas, a função de responsável editorial.
Independentemente da resolução deste processo, certo é que Domingos de Andrade está agora a exercer a sua actividade como director-editorial – constando o seu nome na primeira página do Jornal de Notícias de hoje e na ficha técnica da TSF – sem carteira profissional, o que coloca outro problema legal.
Com efeito, possuir carteira profissional válida é uma “condição indispensável ao exercício da profissão de jornalista” – uma situação análoga à carta de condução para a condução de automóveis. O Estatuto do Jornalista refere taxativamente, no seu artigo 4º, que “nenhuma empresa com actividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado (…), salvo se tiver requerido o título de habilitação e se encontrar a aguardar decisão”.
O PÁGINA UM pediu esclarecimentos a Domingos de Andrade, mas ainda não obteve qualquer resposta.
Nada tem a ver com a onda de calor em curso. No passado domingo, a mortalidade acumulada nos mais idosos (acima dos 85 anos) desde Janeiro deste ano ultrapassou os atrozes valores de 2021, quando então se bateram recordes de óbitos em Janeiro e Fevereiro. Mas, ao contrário do que sucedeu em 2021, o morticínio nos mais velhos está a acontecer na Primavera e no Verão de forma persistente e silenciosa, contrariando aquilo que seria expectável. E tem sido um evento silenciado. Na verdade, não está ser apenas um morticínio; está a ser um gerontocídio. O PÁGINA UM apresenta uma análise detalhada daquilo que está a suceder, a exigir investigação, que pode ser judicial.
Gerontocídio – a palavra existe no léxico, embora seja pouco usada. Mas sendo pouco ou nada usual ouvi-la e vê-la escrita, tem agora andado a pairar por todo o lado no nosso país, de norte a sul, de este a oeste, apesar das autoridades de Saúde, e particularmente o Governo, nem sequer queiram proferir um qualquer eufemístico sinónimo. Nada. Silêncio. Um atroz silêncio: é esta a reacção de um Estado democrático perante uma mortandade sem precedente atinge níveis inauditos numa franja que já deu muito ao país: os super-idosos, os maiores de 85 anos.
De acordo com uma análise detalhada do PÁGINA UM, incluindo tratamento estatístico, aos dados disponíveis do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), os óbitos acumulados desde 1 de Janeiro deste ano neste grupo etário ultrapassaram, no passado domingo (dia 10 de Julho), os números já colossais de 2021, que incluíram Janeiro e Fevereiro, no auge da pandemia da covid-19.
Com os números provisórios até 12 de Julho, terão já morrido este ano um total de 30.648 pessoas com mais de 85 anos, o que representa quase 10% dos idosos daquela faixa etária, que nos últimos anos estava em contínuo crescimento. De acordo com as estimativas do Instituto Nacional de Estatística viviam em Portugal 328 mil pessoas com mais de 85 anos em 2020, sendo que, naquele ano, mais de 56 mil tinham apagado oito dezenas e meia de velas.
Este grupo etário esteve em contínuo crescimento nas últimas décadas, fruto das melhorias nos cuidados médicos, tendo duplicado mesmo o seu número entre 2004 (quando então viviam apenas cerca de 16 mil pessoas com mais de 85 anos) e 2020. Esse crescimento será quebrado, certamente agora, com o excesso de óbitos em 2021 e 2022.
O valor da mortalidade acumulada dos mais idosos em 2022 excede, por agora, em pouco menos de uma centena (97) os números do ano passado (30.551 óbitos). Encontram-se também substancialmente acima do primeiro ano da pandemia (27,866 óbitos) e são muitíssimo superiores ao período pré-pandemia (25.493 óbitos em média entre 2015 e 2019).
Recorde-se que o ano passado foi particularmente mortífero para os mais idosos. Nos dois primeiros meses do ano passado, a mortalidade total atingiu patamares inéditos: em Janeiro morreram 19.649 pessoas e em Fevereiro 12.784. Destas, 46% (14.809) eram idosos com idade igual ou superior a 85 anos.
Apesar disso, este ano a situação de Saúde Pública dos mais idosos está a assumir contornos ainda mais catastróficos, porque o morticínio não se iniciou nos meses de Inverno – associado a doenças mais letais neste grupo etário –, tendo-se sim intensificado, de forma espantosa e imparável, sobretudo a partir de Março.
Não se registou assim a habitual diminuição dos óbitos ao longo da Primavera e Verão; pelo contrário. Neste momento, os níveis de mortalidade nesta faixa etária estão próximos dos valores de Inverno, e com um excesso significativo face aos anos anteriores e sobretudo aos períodos homólogos pré-pandemia.
O início deste ano até aparentava vir a ser “ameno” para os mais idosos, após a pandemia ter causado um excesso de mortalidade sem precedentes. De facto, o último Janeiro teve uma mortalidade diária para os maiores de 85 anos até ligeiramente abaixo da média do período pré-pandemia: 167 óbitos vs. 174. O mês de Fevereiro esteve já um pouco acima, mas, mesmo assim, até ao dia 25 daquele mês tinham morrido menos 4.828 idosos desta faixa etária do que em igual período de 2021.
Aquilo que sucedeu depois mostra-se ainda inexplicável, pela sua dimensão e persistência, e por mais especulações que as autoridades de Saúde façam, enquanto se recusam a investigar ou impedem ostensivamente que haja investigações independentes. Este ano, entre Março e 12 de Julho, morreram 20.647 idosos com mais de 85 anos, um valor que excede em 4.901 os óbitos registados em 2021, em 2.227 os contabilizados em 2020 (que inclui o início da pandemia), e em 5.004 os que se registaram em média no período entre 2015 e 2019. Em relação à fase pré-pandemia, os óbitos neste grupo etário incrementaram em 32% no período do ano geralmente pouco mortífero.
Evolução do diferencial de óbitos acumulados entre 2022 e 2021 até 12 de Julho no grupo etário dos maiores de 85 anos. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
De facto, o perfil da mortalidade deste ano para os mais idosos é completamente atípica. Desde Março, a mortalidade diária dos maiores de 85 anos tem variado entre uma média diária de 149 óbitos em Julho (nos 12 primeiros dias) e os 160 em Março. A média diária no período pré-pandemia (2015-2019) situa-se, para este intervalo de tempo, entre os 99 óbitos em Julho e os 135 em Março.
Ou seja, desde Junho observa-se um excesso de mortalidade neste grupo etário a rondar 50 óbitos em cada dia. Em dois meses são cerca de três mil mortes a mais. Não há explicação oficial, justificada por estudos técnicos, para estes números.
Esta hecatombe ainda assume pior intensidade, por duas razões: por um lado, nenhum outro grupo etário apresenta este perfil de mortalidade ao longo deste ano; por outro lado, o morticínio dos últimos meses sucede a um longo e (quase) contínuo período de excesso de mortalidade desde o surgimento da pandemia. Ademais, praticamente todo este grupo populacional se encontra com imunidade vacinal contra a covid-19 com três ou quatro doses.
Mortalidade média diária por mês dos maiores de 85 anos no período 2015-2019 (média), 2020, 2021 e 2022 (Julho até dia 12). Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Com efeito, analisando todos os grupos etários do SICO, aqueles que são subsequentes aos maiores de 85 anos até estão em situação muito mais favorável relativamente ao ano passado. Apesar de os valores ainda estarem algo acima da média pré-pandemia, se comparamos a mortalidade acumulada até 12 de Julho deste ano com o período homólogo do ano passado para o grupo etário dos 75 aos 84 anos, observa-se até um decréscimo de 1.504 óbitos. Para o grupos dos 65 aos 74 anos a redução é de 839.
A relativa redução na mortalidade entre os 65 aos 84 anos justifica, assim, que o total de óbitos na população portuguesa até 12 de Julho de 2022 ainda seja bastante inferior ao ano passado: 67.939 óbitos contra 70.677, ou seja, menos 2.728.
Porém, esse mesmo diferencial, confirma ainda mais que o problema se concentra em exclusivo nos mais idosos, embora seja questão menos mediatizável por atingirem pessoas que já vivem acima da esperança média de vida. Em todo o caso, fica patente que o suposto “efeito rejuvenescimento” – devido à morte dos mais “fracos” ao longo da pandemia – não foi assim suficiente para estancar um “inesgotável morticínio”.
Comparação entre a mortalidade acumulada (até 12 de Julho) em 2020 e de 2021 e da média pré-covid (2015-2019) por grupo etário dos mais idosos. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
A constatação de se estar perante um silencioso e silenciado problema em exclusivo para os mais idosos ainda se evidencia mais numa análise aos grupos etários das pessoas com menos de 65 anos – onde, felizmente, a mortalidade em qualquer caso é muito inferior. No grupo dos 55 aos 64 anos – em que a mortalidade em 2022 ainda está acima do período pré-pandemia –, no presente ano contabilizam-se menos 320 óbitos do que no ano passado.
Para os menores de 55 anos, o ano de 2022 está dentro de valores considerados normais, incluindo os anos anteriores à pandemia. Na verdade, durante 2020 e 2021, a mortalidade nos menores de 55 anos foi mesmo geralmente mais baixa do que no período pré-pandemia (2015-2019), com uma excepção (pouco relevante do ponto de vista estatístico) no grupo etários dos 15 aos 24 anos.
No caso dos menores de 15 anos, ao longo da pandemia a mortalidade – já de si muito reduzida em situações normais – esteve sempre mais baixa. Na verdade, a taxa de mortalidade infantil desceu mesmo nos dois primeiros anos da pandemia, e o ligeiro crescimento deste ano face a 2021 não é (ainda) preocupante numa perspectiva de Saúde Pública.
Comparação entre a mortalidade acumulada (até 12 de Julho) em 2020 e de 2021 e da média pré-covid (2015-2019) por grupo etário dos menores de 65 anos. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Em suma, por covid-19, por outras doenças, por negligência das autoridades de outros responsáveis políticos, certo é que os maiores de 85 anos estão a acelerar a partida deste mundo – depois de décadas de esforço na melhoria dos cuidados de saúde, que tornaram Portugal num país moderno e civilizado. E aparentemente não há quem deseje investigar as causas.
Sendo certo que a covid-19 teve o seu peso no excesso de mortalidade após Março de 2020, não se encontra (ainda) justificação (técnica e científica, excluindo bitaites mesmo se de “peritos”) para os actuais níveis de mortalidade nos maiores de 85 anos. Mostra-se assim necessário investigar em vez de especular; é necessário pegar nos dados brutos do SICO e analisar as causas de mortes antes e durante a pandemia para todas as faixas etárias.
E acabar com o alarmismo e o fomento do medo que anestesiou toda uma população, a tal ponto que a convenceu que a covid-19 era a “doença”, a única, a globalmente perigosa. O impacte da pandemia está por fazer, bem como as soluções, que não incluem apenas o ataque à doença, mas também uma análise crítica à gestão da pandemia, ou seja, as consequência da suspensão do Serviço Nacional de Saúde e mesmo os efeitos não estudados dos sucessivos boosters das vacinas contra a covid-19 nos mais idosos e nos outros grupos etários.
Aliás, mostra-se fundamental mostrar que a covid-19, tendo sido um problema de Saúde Pública grave, teve níveis de gravidade completamente distintos, e que todas as acções implementadas de forma generalizada foram erradas.
O PÁGINA UM fez, aliás, uma “simples” e rápida análise comparativa da mortalidade por grupo etário em dois períodos homólogos: entre 1 de Março de 2017 e 12 de Julho de 2019 (fase pré-pandemia) e entre 1 de Março de 2020 e 12 de Julho de 2022 (fase da pandemia). Os valores absolutos comprovam que em Portugal se viveu um pânico colectivo sem justificação e que terá sido bastante contraproducente para uma gestão eficaz e eficiente.
Assim, no grupo dos menores de 1 ano, dos 1 aos 4 anos, dos 5 aos 14 anos, dos 25 aos 34 anos, dos 35 aos 44 anos e dos 45 aos 54 anos – ou seja, com excepção do grupo dos 15 aos 24 anos (situação que deveria ser também investigada) –, a pandemia não teve qualquer impacte, ou até mesmo paradoxalmente “positivo”. A mortalidade foi mesmo inferior. No caso dos menores de 1 ano, a redução até foi de 22% (na realidade um pouco menor, porque a taxa de natalidade desceu).
De resto, o impacte nos maiores de 55 anos foi muito distinto, mas a merecer prudência em assacar responsabilidades exclusivas à covid-19. Com efeito, o incremento da mortalidade nestes dois períodos foi muito distinto e não foi linear, como seria de supor se o SARS-CoV-2 fosse a única explicação.
Mortalidade por grupo etário na fase pré-pandemia (1 de Março de 2017 e 12 de Julho de 2019) e na fase da pandemia (1 de Março de 2020 e 12 de Julho de 2022). Fonte: SICO, Análise: PÁGINA UM.
No grupo dos 55 aos 64 anos e dos 75 aos 84 anos, o acréscimo de mortalidade entre a fase pré-pandemia e fase de pandemia foi de 8%, mas estranhamente foi de 12% no grupo dos 65 aos 74 anos. Ou seja, seria expectável – caso a covid-19 fosse o único factor a explicar este acréscimo – que a subida da mortalidade neste grupo etário estivesse algures entre o valor do grupo que o precede (55 aos 64 anos) e o que lhe segue (75 aos 84 anos).
Por outro lado, observa-se que o incremento da mortalidade nos maiores de 85 anos concentra o maior crescimento, o que tendo em consideração que é o grupo etário com maior peso absoluto. De facto, são quase 20 mil mortes a mais (128.224 na fase da pandemia vs. 108.559 na fase pré-pandemia). Tendo em conta que estamos a falar de 864 dias, significa um acréscimo de quase 23 óbitos em excesso por dia. Não foi tudo, certamente da covid-19. Nem o que está agora a acontecer tem essa tão singela explicação. Nem pode a onda de calor, que está agora por aí, levar com as culpas.
Mas a ignorância sobre toda esta situação é imensa, tanto mais que é fomentada pela própria Direcção-Geral da Saúde, instituição que nem permite sequer que se saiba qual o peso efectivo da covid-19 nos maiores de 85 anos – e também nos outros grupos etários.
Variação da mortalidade (%) por grupo etário entre a fase pré-pandemia (1 de Março de 2017 e 12 de Julho de 2019) e a fase da pandemia (1 de Março de 2020 e 12 de Julho de 2022). Fonte: SICO, Análise: PÁGINA UM.
Desde o início da pandemia, o Governo desfasou, com o claro propósito de obstaculizar qualquer análise séria, os dados da mortalidade total (contabilizados no SICO) e da mortalidade por covid-19. Assim, por exemplo, sabe-se quantas pessoas com mais de 80 anos morreram de covid-19, mas não se consegue calcular o contributo da doença na mortalidade total, porque os grupos etários usados no SICO vão dos 75 aos 84 anos e depois dos maiores de 85 anos.
Saber quais as doenças que determinaram, por exemplo, este desvio seria essencial, mas o Governo esconde os dados. Tal como esconde todos os dados e toda a informação, por amiguismo ou protecção política, que procurem fazer um diagnóstico dos problemas e encontrar soluções.
E um Governo que intencionalmente faz isto, faz isso para esconder a verdade. E uma sociedade que admite isto, aceita um Governo a fazer tudo.
Continua sem existir uma justificação documental (e plausível) para o desaparecimento da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar retirada do Portal da Transparência pelo presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Do gabinete da ministra da Saúde remete-se a responsabilidade para a ACSS, presidida por um amigo de longa data de Marta Temido, com quem esteve lado a lado no passado dia 7 na apresentação do novo Estatuto do SNS. A ministra nega razões políticas, mas não responde sobre se vai fazer algo para que seja retomado o acesso público daquela base de dados.
Victor Marnoto Herdeiro, presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), continua sem identificar quais foram as razões técnicas que levaram aquele instituto público – sob alçada directa da ministra Marta Temido, sua amiga de longa de longa – a expurgar a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, onde constam dados que revelam a situação caótica do Serviço Nacional de Saúde e desmentem muitos aspectos da narrativa oficial do Governo.
A base de dados permitiu ao PÁGINA UM elaborar um dossier de investigação jornalística, que já contava com nove artigos, publicados entre 13 de Maio e 23 de Junho. O seu expurgo impede o acesso a dados mais actuais, posteriores a Janeiro deste ano, impossibilitando assim uma melhor avaliação do desempenho do SNS e das políticas públicas do actual Governo.
Da esquerda para a direita: Rui Ivo (presidente do Infarmed), as ministras Mariana Vieira da Silva e Marta Temido, Victor Herdeiro (presidente da ACSS) e Fernando Alfaiate (presidente da Estrutura de Missão Recuperar Portugal) na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho.
Esta base de dados foi criada em 2018, sendo um sistema de informação de suporte à monitorização do desempenho dos hospitais do SNS.
Em concreto, este sistema recolhe dados administrativos, incluindo codificação clínica, permitindo apurar a evolução mensal, desde Janeiro de 2017, de episódios de internamentos, ambulatório e óbitos por capítulo de diagnóstico (por grande grupo de doença) em cada hospital ou centro hospitalar, por grupo etário e sexo. Tem também a particularidade de conseguir identificar a evolução dos internamentos e desfechos da covid-19, uma vez que, neste caso concreto, esta é a única doença do grupo denominado “Códigos para fins especiais”.
Certo é que o responsável da ACSS – que assumiu sem esclarecer a retirada da base de dados da Plataforma da Transparência, alegando “análise interna” – foi uma escolha directa e pessoal da actual ministra para aquele posto. Aliás, Marta Temido presidiu àquele instituto desde 2016, quando em 2018 foi convidada por António Costa para integrar o Governo.
Victor Herdeiro demorou três anos a conseguir o cargo antes ocupado pela sua amiga Marta Temido, quando então ocupava a vice-presidência da Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica, uma entidade pública, mas com ligações à APIFARMA. Antes daquele cargo, Herdeiro tinha sido presidente da Unidade Local de Saúde de Matosinhos, que gere o Hospital Pedro Hispano.
Printscreen de apresentação da base de dados expurgada pela ACSS (imagem arquivada). Fonte: Internet Archive.
Os laços entre Marta Temido e Victor Herdeiro são bastante estreitos e de longa data. Ambos tiraram o curso de Direito, tendo-se cruzado nos corredores da Universidade de Coimbra, embora o actual presidente da ACSS seja mais velho (nasceu em 1969, enquanto Temido nasceu no início de 1974). No entanto, passaram a ter contactos estreitos há cerca de duas décadas, porque ambos ingressaram na carreira de administradores hospitalares.
Na Associação Nacional de Administradores Hospitalares (APAH) – uma poderosa agremiação por via das ligações políticas e dos financiamentos das farmacêuticas –, Victor Herdeiro e Marta Temido compartilharam mesmo três mandatos ao longo de nove anos: 2008-2011, 2011-2013 e 2013-2016.
Nos dois primeiros, Temido foi tesoureira e Herdeiro vogal, enquanto naquele último triénio a actual ministra presidiu à APAH, mantendo-se Herdeiro como vogal. Já sem Marta Temido nos órgãos sociais desta associação, Victor Herdeiro foi vice-presidente no mandato de 2016-2019. Ambos são também “responsáveis” pelo convite a Alexandre Lourenço para presidir à APAH há seis anos, como o próprio confessou em Março último.
Mandatos em que Marta Temido e Victor Herdeiro coincidiram na Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares. Fonte: APAH.
Apesar destas relações íntimas, e do expurgo da base de dados da Morbilidade e da Mortalidade Hospitalar beneficiar Marta Temido, o Ministério da Saúde insiste nada ter a ver com a decisão de Victor Herdeiro, que se mantém silencioso, não apresentando ao PÁGINA UM, conforme solicitado, qualquer documento que ateste a necessidade de uma “análise interna” da informação que esteve até Maio no Portal da Transparência.
Por insistência do PÁGINA UM, um porta-voz da ministra da Saúde insiste que “não houve qualquer intervenção de qualquer membro do Governo ou dos seus gabinetes na retirada do referido indicador do Portal da Transparência, nem tal intervenção foi suscitada pela ACSS, seguramente em razão de tal retirada ter obedecido a critérios estritamente técnicos e na esfera da competência da ACSS”. E acrescenta que, “dessa forma, não se suscita qualquer comentário político sobre a matéria.”
Tendo em consideração que actos técnicos desta natureza necessitam de ordens escritas expressas – até porque manifestamente terão de ser justificados os procedimentos inerentes à tal “análise interna” –, o PÁGINA UM irá recorrer ao Tribunal Administrativo para que Victor Herdeiro seja obrigado a justificar-se. Ou, pelo menos, a admitir publicamente que a sua ordem foi verbal, e portanto sem justificação técnica, embora com óbvios benefícios político-partidários.