Em mais um episódio do longo processo de intimação para obrigar o Infarmed a facultar o acesso a uma base de dados de “manifesto interesse público”, a juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa decidiu ontem que Rui Santos Ivo vai ter mesmo de se sentar à sua frente para dar explicações orais. Se não vai como testemunha, vai então como parte. A audiência está agendada, provisoriamente, para o próximo dia 24 de Janeiro.
O presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, tem mesmo de depor em sessão especial do processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa que decidirá se a base de dados dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir devem ser públicas ou se se podem manter no “segredo dos deuses”. A sessão deverá ocorrer ainda este mês. Será a primeira vez que o Infarmed terá de justificar, sem contorcionismos, os motivos para esconder informação relevante sobre Saúde Pública.
A decisão surgiu ontem num despacho da juíza Sara Ferreira Pinto, após mais uma tentativa do regulador nacional dos medicamentos de obstaculizar o acesso à informação.
Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed: há um ano a esconder dados do Portal RAM, não quer agora testemunhar perante o Tribunal Administrativo de Lisboa.
Recorde-se que o PÁGINA UM luta há mais de um ano para consultar em detalhe os dados anonimizados relacionados com os efeitos adversos resultantes destes dois fármacos (as vacinas das farmacêuticas Pfizer, Moderna, Astrazeneca e Janssen e o antiviral da Gilead). O acesso permitirá análises estatísticas mais finas sobre o tipo de afecções detectadas, o grau de gravidade e a incidência/ prevalência em função da idade.
O primeiro requerimento do PÁGINA Um foi dirigido ao presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo em 6 de Dezembro de 2021, mas nem após um parecer não vinculativo da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) – que considerou haver “manifesto interesse público” em conhecer a segurança das vacinas” –, o regulador vacilou, e continuou a esconder dados, revelando apenas relatórios trimestrais de rigor e fiabilidade muito questionáveis.
Após a interposição de uma intimação por parte do PÁGINA UM em Abril do ano passado, o Infarmed tem feito todas as manobras jurídicas para adiar uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa.
Apesar de uma intimação ser classificada como “processo urgente”, os argumentos no Tribunal Administrativo correm há já quase nove meses, não havendo o mínimo sinal de transparência por parte do Infarmed: a sua estratégia – através da sociedade BAS, que, aliás, representa outras entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde em processos semelhantes – tem sido sobretudo de pôr em causa a possibilidade legal de mesmo um jornalista poder aceder à base de dados.
Sede do Infarmed: onde se “sequestra” a verdade e onde se veda o acesso à transparência.
O argumento principal do Infarmed tem sido a (estafada) impossibilidade de anonimizar a informação. Ou seja, supostamente para proteger a identidade de pessoas, não se fornece nenhuma informação relevante. E tem dito também que a informação possível já se encontra na base de dados EudraVigilance, da Agência Europeia do Medicamento (EMA). Esses dados são apresentados em formato agregado, sem qualquer detalhe informativo, e sem sequer quantificar óbitos por idade nem explicitar em que consistem os casos graves. Além disso, a maior parte da informação nem sequer está desagregada por país.
Na verdade, o Infarmed tem-se esforçado em convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que, na terceira década do século XXI, ainda não se mostra tecnicamente possível numa base de dados informatizada excluir, de uma forma muito simples (por exemplo, através de uma simples instrução para seleccionar ou não determinado campo ou variável) os eventuais nomes das pessoas que aí constem, substituindo-os por códigos. Mas isto sempre através de requerimentos, nunca de viva voz.
Por isso, quando o PÁGINA UM sugeriu no mês passado – no meio de um processo onde a estratégia de defesa do Infarmed procura complexificar algo simples (uma base de dados é um documento administrativo passível de consulta se anonimizados os dados pessoais, através de uma simples operação informática) – a auscultação presencial de Rui Santos Ivo, a sociedade de advogados BAS, que representa o regulador, alegou que os estatutos o impediam de depor como testemunha, uma vez que era “parte interessada”.
Além disso, o requerimento daquela sociedade de advogados para excluir Rui Santos Ivo do rol de testemunhas pretendeu também retirar o cunho político da recusa do Infarmed em disponibilizar o Portal RAM ao PÁGINA UM. Ao pretender colocar o assunto como “eminentemente técnico”, a defesa de Rui Santos Ivo dizia que, em audiência provisoriamente marcada para o próximo dia 24 de Janeiro, basta[ria] ouvir Márcia Silva, directora de Gestão do Risco de Medicamentos do Infarmed – que, aliás, será tão parte interessada no processo como o seu presidente. Note-se que Márcia Silva foi indicada pelo Infarmed, e não mereceu qualquer oposição do PÁGINA UM no âmbito deste processo, como deve suceder numa questão jurídica justa e civilizada.
Com o despacho de ontem, a juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa até acabou por aceitar que, para se ouvir Rui Santos Ivo, não se use o estatuto de “testemunha”, mas isso não obste que não se tenha de deslocar à audiência. Assim, não indo como “testemunha”, irá como “parte”. Uma questão de semântica, portanto.
Ou seja, vai dar ao mesmo; mas assim se mostra como, de expediente em expediente, o Infarmed continua a esconder uma base de dados de manifesto interesse público. E o Ministério da Saúde a tudo isto assiste, calado e de forma serena. Até quando? O Tribunal Administrativo de Lisboa decidirá.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Em caso de derrota, os custos podem, não incluindo honorários do nosso advogado, atingir mais de 1.400 euros. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.
O Expresso fez 50 anos. Deveria ter felicitado o jornal, onde até colaborei durante cerca de sete anos, quatro dos quais de uma forma muito intensa (devo ter escrito cerca de meio milhar de artigos).
Não o fiz, porque não sou hipócrita.
O Expresso foi um dos jornais que, no final de Dezembro de 2021, participou activamente numa campanha para decepar à nascença a credibilidade do PÁGINA UM e a minha credibilidade, apenas por seguir uma linha de pensamento e de intervenção jornalística contrária ao regime sobre a pandemia.
Enquanto o PÁGINA UM exigia informação; jornais instalados, como o vetusto Expresso, seguiram a narrativa. Acriticamente. Não fez jus ao papel do jornalismo em tempos difíceis. Isento e crítico.
O galardão da Ordem da Liberdade que recebeu na sexta-feira passada é, na verdade, um prémio pelo servilismo dos últimos anos.
Em todo o caso, concordo com uma frase do actual director do Expresso: ”É preciso pagar pela informação de qualidade”.
Mas como a frase foi dita num evento patrocinado pela Altice, BPI, Hyundai e Navigator (nem num aniversário o marketing dos media mainstream descansa), não sei se, para João Vieira Pereira (director do Expresso), a qualidade da informação é conceito a ser avaliado pelos anunciantes e patrocinadores ou pelos leitores.
São Francisco de Sales é o padroeiro dos jornalistas; por isso, no podcast Que nos salves, São Francisco de Sales, Pedro Almeida Vieira destacará sobretudo os absurdos do nosso jornalismo mainstream. Neste episódios inaugural aborda os constantes anúncios pela imprensa de novas variantes do SARS-CoV, sempre (supostamente) mais perigosas do que a anterior, omitindo que, durante a pandemia, foram identificadas mais de 2.200 variantes. Ou seja, as novas variantes sempre foram o pão-nosso-de-cada-dia. Para demonstrar isso mesmo, Pedro Almeida Vieira acaba a ditar, uma a uma, as 891 variantes actualmente activas listadas no PANGOLIN (acrónimo de base de dados Phylogenetic Assignment of Named Global Outbreak Lineages), das quais 459 identificadas no ano de 2022. Por isso, este podcast tem 48 minutos, em vez da meia dúzia de minutos, porque quase 40minutos são “gastos” a ditar as denominações das 891 variantes actualmente activas.
Desde a sua fundação, o PÁGINA UM quis mostrar que não era apenas mais um jornal. Mesmo com parcos meios, tomámos a decisão de pressionar as entidades públicas a disponibilizarem informação e procurámos quebrar o manto de obscurantismo que a Administração da república foi criando, perante a passividade da imprensa mainstream.
Não há memória de um jornal, antes do PÁGINA UM, que tivesse solicitado tantos pareceres à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) como fizemos desde finais de 2021.
No entanto, apercebemo-nos que os pareceres não-vinculativos não bastavam. As entidades públicas (ou melhor, as pessoas que as lideram, incluindo políticos) estão a marimbar-se para a CADA e para a transparência.
Por isso, tomámos a resolução de criar o FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, em Abril do ano passado, logo que reunimos as condições para ter o patrocínio do Dr. Rui Amores, como advogado do PÁGINA UM – e em condições excepcionalmente especiais.
Nos últimos nove meses, graças aos leitores do PÁGINA UM, conseguimos “revolucionar” a luta contra o obscurantismo reinante, e mesmo com parcos meios dirigimo-nos ao último reduto de um sistema democrático que não funciona: entrámos com processos de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.
Em oito meses, entrámos com 14 processos de intimação para acesso a documentos administrativos, sempre também invocando, além da legislação neste sector, o papel fundamental da imprensa e o direito de acesso à informação. Não receámos consequências nem tivemos contemplações, fosse qual fosse a entidade envolvida que nos recusasse acesso a documentos.
Como saldo, por agora, das nossas acções, tivemos:
Duas vitórias definitivas, já transitadas em julgado (Inspecção-Geral das Actividades em Saúde; e Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos).
Cinco vitórias em primeira instância (Conselho Superior da Magistratura; Ordem dos Médicos; Ministério da Saúde; Administração Central do Sistema de Saúde; Entidade Reguladora para a Comunicação Social), que se encontram em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul. No caso do processo do Ministério da Saúde, relativo ao acesso à base de dados e outros documentos, foi o PÁGINA UM que recorreu por lhe ter sido concedida apenas razão parcialmente.
Quatro processos em curso no Tribunal Administrativo de Lisboa (Infarmed; Instituto Superior Técnico; Comissão da Carteira Profissional de Jornalista; e Ministério da Saúde).
Duas derrotas em primeira instância (Banco de Portugal e Ministério da Saúde), com recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul.
Uma derrota definitiva, com acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, relativo ao processo contra o Infarmed para acesso à correspondência com a Agência Europeia do Medicamento.
O PÁGINA UM esteve ainda envolvido em providências cautelares, tendo vencido um dos casos (Público), encontrando-se o outro (envolvendo a Entidade Reguladora para a Comunicação Social) em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul.
Além do trabalho extraordinário do Dr. Rui Amores – que envolve não apenas as petições iniciais, mas sobretudo uma quantidade imensa de requerimentos, alegações e contra-alegações –, quase sempre contra sociedade de advogados pagos principescamente, esta ciclópica luta do PÁGINA UM em prol da transparência da Administração Pública só foi possível com o extraordinário apoio dos nossos leitores.
Desde Abril do ano passado – portanto, em cerca de nove meses – recolhemos, em termos líquidos (descontadas as comissões da plataforma MightyCause), um total de 12.642,90 euros que serviram assim para suportar as custas dos 14 processos de intimação e das duas providências cautelares, bem como diversos e modestos gastos de representação. Em termos de receitas, acresce os recebimentos de partes das despesas processuais em processos ganhos (1.300,50 euros).
Os encargos inerentes a estes processos são enormes. Apenas em taxas de justiça são 306 euros pela entrada do processo, a que acresce similar valor em caso de recurso, mesmo que tenhamos ganhado na primeira instância.
Em processos que saíamos vencedores, além da documentação, podemos ser ressarcidos em parte das despesas. Mas se perdermos – como já sucedeu num processo contra o Infarmed, que acabou por mostrar que o “segredo comercial” das farmacêuticas vale mais do que a Saúde Pública –, acrescem mais despesas para o PÁGINA UM. Por exemplo, se somarmos as taxas de justiça e as custas processuais desse processo perdido, as despesas do PÁGINA UM aproximaram-se dos 1.500 euros.
Neste momento, o balanço contabilístico do FUNDO JURÍDICO é de 1.067,87 euros no final de 2022. Podem consultar AQUI a discriminação das receitas e despesas, e também AQUI a discriminação das transferências líquidas da plataforma MightyCause.
Sobre o balanço daquilo que já fizemos com estes processos – grande parte ainda em curso – em prol da transparência da Administração Pública e em defesa de uma plena democracia, devem ser os leitores a avaliar.
Em todo o caso, o actual balanço contabilístico do FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM – com um saldo pouco superior a 1.000 euros no final do ano de 2022– está a condicionar fortemente as acções futuras junto dos tribunais, sobretudo pela morosidade das decisões que nem sequer permitem que haja ressarcimento das taxas de justiça.
Nessa medida, este Editorial, além de servir para prestar contas, constitui um apelo de cidadania. O jornalismo do PÁGINA UM, e a sua função cívica, ainda mais conflituando com poderes instalados, só tem uma possibilidade de vingar: com o apoio efectivo dos leitores.
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Eis um caso paradigmático de um medicamento retirado discretamente do mercado, mas com um polémico histórico de problemas éticos e de segurança. Em 2011, foi revelado que a pioglitazona, um antidiabético no mercado desde 1999, causava cancro da bexiga. Três anos mais tarde, duas farmacêuticas foram condenadas ao pagamento de uma indemnização avultada por um tribunal norte-americano, mas na Europa somente França e Alemanha decidiram retirar o fármaco de circulação. Em Portugal, o Infarmed aguardou 11 anos pela decisão da Agência Europeia do Medicamento de suspender o fármaco, usando argumentos pouco claros. E não responde quantos foram os casos de cancro da bexiga reportados no Portal RAM com ligação directa a este fármaco.
Passaram 11 longos anos até o Infarmed decidir retirar do mercado português um medicamento para tratamento de diabetes tipo II considerado cancerígeno, e já envolto num processo judicial nos Estados Unidos, que levou duas farmacêuticas (Takeda e Eli Lilly) a pagarem 9 mil milhões de dólares por esconderem dados clínicos sobre efeitos secundários graves.
A decisão do regulador português foi tomada na semana anterior ao Natal, no passado dia 21 de Dezembro, mas de uma forma absurdamente discreta, através de uma simples circular onde a retirada do fármaco em causa – a pioglitazona, comercializada (como genérico) em comprimidos sob a forma de genérico pela farmacêutica Mylan –, surge integrada numa lista de 13 medicamentos com suspensão de autorização de introdução de mercado (AIM), entre os quais um antibiótico, um anti-retroviral e outros para tratamento de sintomas da artrite, gripe e colesterol.
Na divulgação à imprensa, o Infarmed não fez qualquer menção às polémicas e casos judiciais envolvendo ao pioglitazona, referindo mesmo que “não há evidência de dano ou falta de eficácia em nenhum dos medicamentos incluídos neste procedimento”. O regulador, presidido por Rui Santos Ivo, justifica a suspensão de comercialização de todos aqueles fármacos por o Comité dos Medicamentos de Uso Humano (CHMP) da Agência Europeia do Medicamento (EMA) ter ficado com “dúvidas quanto à integridade dos dados em estudos realizados pela empresa Synchron Research Services localizada em Ahmedabad”, no estado indiano de Gujarate, que aparentemente apenas se referem a questões de bioquivalência.
Salienta-se aqui o termo “aparentemente”, porque os documentos da EMA e a troca de correspondência entre este organismo europeu e o Infarmed estão legalmente protegidos, por razões comerciais, e os tribunais administrativos portugueses já sentenciaram não haver possibilidade, mantendo-se os diplomas legais em vigor, de aceder a esse tipo de informação ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. O PÁGINA UM perdeu, aliás, um processo em tribunal em Outubro passado, ficando impedido de aceder a documentos sobre a pandemia.
Segundo apurou o PÁGINA UM junto de médicos, antes desta decisão do Infarmed de suspender a administração de pioglitazona, já poucos diabéticos usavam este fármaco. Em cerca de 1,3 milhões de diabéticos em Portugal, estima-se que pouco mais de quatro mil continuavam a usar a pioglitazona, até por existirem alternativas terapêuticas mais seguras.
Porém, (mais) este episódio demonstra como a preocupação do regulador português aparenta incidir mais na protecção dos interesses das farmacêuticas do que na protecção e informação dos consumidores.
De facto, a pioglitazona – patenteada pela japonesa Takeda em 1985, com uso clínico a partir de 1999 e comercializada na Europa desde Outubro de 2000 – começou a ter uma utilização bastante intensa a nível mundial na primeira década do presente século, quer de forma isolada (sob a marca comercial de Actos) quer em produtos combinados com outros fármacos. Em 2011 passou a ser comercializado também como genérico, e foi a partir daí que começaram a ser descobertos os efeitos secundários adversos.
Circular de 2011 do Infarmed sobre a pioglitazona.
Em Abril desse ano, a Food and Drug Administration (FDA) – o regulador norte-americano – passou a obrigar a inclusão de risco de cancro na bexiga na bula da pioglitazona. Essa decisão levaria a França, nesse mesmo ano, e a Alemanha, dois anos mais tarde, a retirarem este fármaco do mercado. No entanto, a EMA, bem como o Infarmed, para o mercado português, decidiram apenas exigir mais estudos, considerando que os benefícios suplantavam os riscos.
De acordo com uma circular do Infarmed de Junho de 2011 – ou seja, há mais de 11 anos –, a CHMP do regulador europeu solicitou “ao Titular de Autorização de Introdução no Mercado a realização de um estudo epidemiológico europeu que permita uma caracterização mais robusta do risco de cancro da bexiga, em particular, o risco associado ao tempo de exposição e o risco associado à idade, para que possam vir a ser tomadas medidas de minimização do risco mais específicas”. E estabeleceu ainda que “este estudo deve incidir sobre a análise do tipo, evolução e gravidade dos casos de cancro da bexiga que ocorreram nos doentes em tratamento com pioglitazonas em comparação com os diabéticos que não estão em tratamento com pioglitazonas.”
Porém, apesar disso, o Infarmed assegurava já então, nessa circular, e sem os tais estudos que a EMA pedira, que “os benefícios da pioglitazona continuam a superar os seus riscos em doentes que respondam adequadamente ao tratamento”, sugerindo somente precaução na prescrição em doente que tenham ou tivessem tido “cancro da bexiga ou que apresentem hematúria macroscópica de causa desconhecida” ou estivesse sujeitos a factores de risco, como idade, tabagismo e “exposição a certos químicos ou tratamentos”, não especificados.
Não houve nenhuma alteração nos procedimentos nos anos seguintes, mesmo quando a farmacêutica japonesa Takeda e o seu parceiro de marketing, a norte-americana Eli Lilly, foram condenadas em Abril de 2014 por sentença de um tribunal do Estado da Louisana ao pagamento de um verba de 9 mil milhões de dólares, por “danos punitivos”.
O tribunal norte-americano considerou que a Takeda escondera deliberadamente os efeitos da pioglitazona na promoção de cancro da bexiga em diabéticos, obrigando-a ao pagamento de dois terços do montante. A farmacêutica japonesa conseguira, antes da perda do monopólio da comercialização, receitas da ordem dos 4,5 mil milhões de euros apenas no ano de 2011, representando então 27% da sua facturação.
Takeda foi multada em 6 mil milhões de dólares por um tribunal norte-americano em 2014. A sua parceira Eli Lilly foi condenada ao pagamento de 3 mil milhões de dólares.
Apesar das limitações legais de aceder a documentos considerados “segredo comercial”, o PÁGINA UM contactou o Infarmed, para que esclarecesse “os verdadeiros motivos para a retirada deste fármaco”, e que fossem indicados “quantos pacientes usaram o fármaco no ano mais recente, quais as alternativas farmacológicas actualmente existentes, e quantos doentes portugueses tratados com pioglitazona foram, segundo dados do Portal RAM, diagnosticados com cancro da bexiga desde 2011.”
O Conselho Directivo do Infarmed, presidido por Rui Ivo Santos, somente repetiu os termos da sua circular de Dezembro passado, além de acrescentar que “a associação entre desenvolvimento ou agravamento de cancro da bexiga com a utilização de medicamentos contendo pioglitazonas é um risco já conhecido desde 2011 e já está incluído nos Resumo das Caraterísticas do Medicamento e Folheto Informativo de todos estes medicamentos, nomeadamente na secção 4.3, 4.4, 4.8 e 5.3, secções 2 e 4.”
Eis a hermética forma de comunicação do Infarmed em 2023 sobre um medicamento retirado do mercado em 2022, mas que já dava sinais de preocupantes problemas, também de ética, desde 2011.
A presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Licínia Girão, cancelou a sua inscrição como estagiária na Ordem dos Advogados depois de se mostrar incapaz de concluir o estágio de advocacia iniciado em finais de 2020, e que duraria 18 meses. A este soma-se um “chumbo” nas provas de admissão para o curso de magistrados. Nada de anormal adviria daqui, se não fosse o caso de Licínia Girão, que como jornalista trabalhou sobretudo na imprensa regional, não tivesse sido cooptada para a liderança da CCPJ por, supostamente, ser uma “jurista de reconhecido mérito”.
A presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, continua a coleccionar “feitos” que contradizem esse estatuto de “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”, condições legais que terão merecido a sua indigitação em Maio passado para liderar este órgão regulador e disciplinador.
Licenciada em Direito, a jurista de 57 anos – que completou os estudos numa fase já adiantada da sua vida profissional, tendo trabalhado sobretudo na imprensa regional – já tinha fracassado no Verão passado, logo na fase inicial de provas, o acesso ao curso para magistrados do Centro de Estudos Judiciários. Licínia Girão “chumbou” em dois dos três exames, todos de carácter exclusivo, com um total de 24,30 valores (em 60 possíveis), colocando-a no lugar 230 em 269 candidatos.
A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista funciona no Palácio Foz, em Lisboa.
Agora, apurou o PÁGINA UM, a presidente da CCPJ nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para conclusão do estágio da Ordem dos Advogados, que começara em finais de 2020. A sua inscrição como advogada-estagiária foi mesmo “cancelada” desde 10 de Outubro do ano passado, conforme confirmou ao PÁGINA UM o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, que não adiantou qual a causa.
De acordo com os regulamentos, o cancelamento – que é diferente da suspensão (temporária) – pode advir de um pedido do próprio candidato, “que pretenda abandonar definitivamente o exercício da advocacia”, ou por falta de idoneidade determinada pela própria Ordem ou após pena disciplinar de expulsão.
Apesar de Licínia Girão ter estado a realizar parte do estágio-fantasma num escritório de Santo Tirso, a razão para o abandono do estágio não terá sido, em princípio, esta irregularidade com contornos também éticos. De acordo com a mensagem transmitida pelos serviços administrativos da CCPJ – em reacção a perguntas colocadas pelo PÁGINA UM directamente a Licínia Girão –, “o cancelamento da inscrição na Ordem dos Advogados foi solicitado pela então advogada estagiária Licínia Girão, por motivos profissionais”, adiantando ainda que “o Conselho Regional do Porto se limitou a deferir o pedido”.
O registo de Licínia Girão na Ordem dos Advogados como estagiária, foi feito em 22 de Fevereiro de 2021, mas foi iniciado em 10 de Dezembro de 2020. Indicava um endereço que corresponde ao da sociedade Rodrigues Braga & Associados, onde fez um estágio-fantasma. A sua inscrição como como estagiária foi cancelada em 10 de Outubro do ano passado. Nunca chegou a exercer como advogada.
Independentemente da veracidade desta declaração, não comprovada por qualquer documento, certo é que a opção pelo cancelamento – em vez de uma suspensão (que implicaria que, a qualquer momento, pudesse reatar a inscrição –, não esconde mais um insucesso de Licínia Girão no “mundo das leis”, sobretudo para quem chegou à liderança da CCPJ rotulada de “jurista de reconhecido mérito”.
Com efeito, o cancelamento da sua inscrição como advogada-estagiária ocorreu já depois do prazo normal necessário para os candidatos da sua turma concluírem o processo, incluindo exames e prova de agregação. Licínia Girão começara o estágio em 10 de Dezembro de 2020, numa turma integrando 52 candidatos a advogado, e deveria ter concluído esse estágio em 18 meses, ou seja, em Junho do ano passado, se tivesse sido posteriormente aprovada num exigente exame da Ordem seguido de provas escritas e orais de agregação. Mas tal não sucedeu.
Na verdade, consultando a lista dos 52 advogados-estagiários, onde estava integrada Licínia Girão, apenas 20 surgem já inscritos como advogados, de acordo com uma consulta minuciosa do PÁGINA UM. Na generalidade, estes antigos colegas de turma de Licínia Girão estão inscritos como advogados desde Setembro do ano passado. Além destas duas dezenas de novos advogados, encontram-se 14 outros que ainda têm o estágio em curso – ou seja, não terão conseguido, após o estágio num escritório, aprovação no exame ou nas provas de agregação. E, por fim, além de Licínia Girão, outros 13 não constam agora em qualquer uma das duas bases de dados da Ordem dos Advogados. Ou seja, terão suspendido ou cancelado a inscrição.
Ao invés do mundo da magistratura e advocacia, Licínia Girão, a actual presidente da CCPJ, tem tido mais “sucesso” nas artes. Por exemplo, em Junho de 2021, obteve a Menção Honrosa na categoria Ensaio/ Prosa no âmbito dos 13º Jogos Florais da Junta de Freguesia de São Domingos de Rana.
Os dois revezes de Licínia Girão – nos mundos da Magistratura e na Advocacia em apenas um ano – não a impedem de continuar a sua profissão de jurista (embora limitada em termos de actividade profissional), nem de ser considerada pelos seus pares (oito jornalistas) que a cooptaram para a CCPJ, como alguém de “mérito reconhecido”.
Em todo o caso, saliente-se que Licínia Girão continua afincadamente a tentar enriquecer o seu currículo de jurista: o PÁGINA UM confirma que é um dos 18 candidatos admitidos, em 16 de Dezembro do ano passado, para mediadores de conflitos no Julgado de Paz no concelho de Santo Tirso.
Com a pandemia da covid-19 a dar as “últimas” – com uma taxa de letalidade de 0,1%, por via da Ómicron, por muito que certos media e peritos lhe tentem arranjar descendentes, incluindo “netas” perigosíssimas –, regressaram à normalidade os fluxos hospitalares. Por outras palavras: o caos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Por muito que o Governo (agora socialista, mas poderia ser outro qualquer) apresente números de investimento, e mais médicos e mais enfermeiros e mais auxiliares, sabemos que fica sempre aquém do desejável para cuidar de uma população que teve o azar de conseguir que lhe “dessem” mais anos de vida, mas no país errado.
Sucede assim que, num país com mais de um milhão de pessoas sem médico de família, e que mais do que duplicou a sua população de super-idosos em apenas duas décadas – o grupo dos maiores de 85 anos passou de 152 mil, no ano 2000, para 328 mil, em 2020 –, não deveria surpreender que os hospitais (e os serviços de urgência, em particular) fossem o primeiro e o último reduto para quem, repentinamente, se sente doente e desamparado. Ainda mais sabendo-se que a literacia sobre saúde é fraca, e as alternativas económicas de ter uma resposta privada rápida não é grande.
Enfim, mas sabemos que, quando o fluxo aperta – isto é, a procura supera a oferta de serviço –, o Governo é lesto a convencer certa imprensa que a culpa é sempre da procura. E da má procura: ou seja, daqueles masoquistas que, supostamente não estando doentes, querem perder tempo e esgotar a paciência indo às urgências pela noite dentro, e madrugada fora, só chatear o Camões.
Evolução dos episódios emergentes (pulseira vermelha) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.
Sempre assim foi, antes da pandemia; e sempre assim será, agora que saímos da pandemia.
Mas, na verdade, falar hoje nas estafadas falsas urgências é esquecer, é mesmo querer esquecer, aquilo que sucedeu nos últimos três anos, período em que praticamente não se falou de falsas urgências.
De facto, não houve falsas urgências: houve sim, uma torrente de falsas informações e de umas quantas manipulações durante o triénio da dita pandemia – que teve o corolário com as ambulâncias em fila no Hospital de Santa Maria em certa (e única) noite de Dezembro de 2020 – com o trágico e execrável objectivo de desanuviar os serviços de urgência. E isso causou uma tragédia que jamais será investigada nem responsabilizada. É escondida. Mas mal-escondida; e por isso deve ser revelada.
Evolução dos episódios muito urgentes (pulseira laranja) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.
Quando olhamos para os números de 2022 dos fluxos dos serviços de urgência em todo o SNS, verificamos, de facto, que se regressou quase à normalidade pré-pandémica, embora com um crescimento dos episódios pouco urgentes e não-urgentes. Ou seja, com, hélas, as chamadas falsas urgências.
Comparando com o triénio 2017-2019, o ano de 2022 contabilizou mais 15,4% de pulseiras verdes (pouco urgente) e mais 12,7% de pulseiras azuis (não-urgentes). Foram mais cerca de 325 mil assistências que, efectivamente, poderiam ter tido atendimento em outros locais.
Porém, aquilo que o Governo parece querer que esqueçamos – para além de um crescimento em 2022 da ordem dos 5,7% dos doentes muito urgentes (pulseira laranja) face à média do triénio pré-pandémico – é o “bonito” resultado dos apelos da Doutora Graça Freitas e dos responsáveis políticos do Ministério da Saúde para que os portugueses não fossem aos hospitais durante 2020 e 2021 para assim se aliviarem os serviços médicos para o tratamento da covid-19.
Evolução dos episódios urgentes (pulseira amarela) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.
Hoje, sabemos que, com excepção dos profissionais adstritos ao tratamento dos doentes-covid – sujeitos a um esforço que merecia melhores recompensas do que um “bater palmas” –, a generalidade dos serviços hospitalares teve um inusitado alívio, por via da suspensão de muitas cirurgias, diagnósticos e consultas. A estratégia de afastar os utentes dos hospitais foi intencional e sem justificação, sobretudo depois do segundo trimestre de 2020.
Contudo, depois desse período inicial, até meio do ano de 2020, nada justificou a quase perpetuação de uma estratégia que quis deliberadamente afastar as pessoas das urgências, através do medo e da intimidação. Ir a um hospital por uma urgência passou a ser quase um acto de falta de civismo e de irresponsabilidade. E tanto assim se fez que fugiram dali mesmo as pessoas que tinham no hospital o único local que as poderia salvar em caso de doença súbita.
Evolução dos episódios pouco urgentes (pulseira verde) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.
Olho para os números de 2020 e de 2021 relativos aos episódios emergentes (pulseira vermelha) e sobretudo os muito urgentes (pulseira laranja) e mesmo os urgentes (pulseira amarela), e não me custa imaginar um sem número de caixões que se fecharam de forma desnecessária e criminosa. A conta – ou pelo menos uma estimativa – poderia ser feita se o Ministério da Saúde libertasse informação.
Comparando estes dois anos (2020 e 2021) com a média do triénio 2017-2019 (e com 2022, cujos valores são praticamente similares ao período pré-pandémico), constata-se que houve menos 8.518 episódios de emergência (vermelha), menos 256.615 episódios muito urgentes (laranja) e menos 1.502.493 episódios urgentes (laranja). Em termos relativos registou-se assim decréscimos de 22%, 23% e 29%, respectivamente.
Evolução dos episódios não-urgentes (pulseira azul) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.
Ora, tendo em conta que não existe nenhum factor relevante que possa ter feito diminuir em 2020 e 2021 a prevalência de doenças agudas de média e extrema gravidade – que justifique uma redução tão significativa destes casos nos serviços de urgência –, aquilo que sucedeu parece muito simples de inferir: durante os dois primeiros anos da pandemia, os apelos da DGS, dos políticos, de certos “peritos” e dos media mainstream conseguiram convencer as pessoas a “aguentar”; a não irem saturar os hospitais, “coitadinhos”. Tinha de se ser solidário, aguentar em prol de todos, até porque, no fim, “vai ficar tudo bem”.
Muitos destes, mulheres e homens que responderam de forma solidária e humanista, estão agora nas estatísticas do excesso de mortalidade. E coloca-se uma pedra no assunto. E continua-se com o folclore das falsas urgências, porque nos convenceram que temos de ser nós a salvar o SNS; e não o SNS a salvar-nos.
Nota: Não analisei os episódios de pulseira branca e cinzenta, uma vez que a sua utilização pelos hospitais têm, em muitos casos, razões administrativas que não afectam os serviços de urgência. Em todo o caso, genericamente os anos de 2020 e 2021 registaram menos episódios do que nos período pré-pandémico, embora não seja comparável a complexidade dos episódios.
Esqueça as estatísticas simplistas da imprensa mainstream. Esqueça as explicações surreais e às cegas dos “peritos” sobre as causas do excesso de mortalidade. Esqueça as tentativas do ministro Manuel Pizarro de culpar as ondas de calor. Leia sim a análise exclusiva do PÁGINA UM que mostra como o excesso de mortalidade não foi homogéneo ao longo dos grupos etários, e que existem situações demasiado suspeitas para não se fazer uma investigação independente sobre o que se anda a passar desde 2020 em Portugal. Investigação essa que deveria incluir, obviamente, uma investigação judicial se a procuradora-geral da República, Lucília Gago, estivesse virada para estes assuntos mundanos e, enfim, demasiado comezinhos como são a morte e a Saúde Pública.
Já se sabia que o processo de envelhecimento populacional em Portugal – que está associado também a uma boa notícia: vive-se mais tempo, morre-se mais tarde – levaria a um aumento absoluto de óbitos no último triénio. De acordo com a tendência demográfica a partir de 2014, era muito expectável que se registasse uma subida média de cerca de 1.500 óbitos em cada ano.
Podia num ano ser mais, mas seria compensado com um valor inferior no ano a seguir. Em termos médios o incremento não deveria fugir muito daquele incremento.
Porém, a pandemia – e o pandemónio em que se transformou a gestão dos serviços de saúde portugueses – trocou as voltas às leis naturais da vida. Em 2020, com o surgimento do SARS-CoV-2, a mortalidade associada à covid-19 e a outras causas disparou: em vez dos esperados 113.705 óbitos – sensivelmente mais 1.350 mortes do que em 2019, que foi ano “ameno” –, contabilizaram-se 123.743 óbitos.
O ano seguinte (2021) foi ainda bem pior, sobretudo por causa dos meses de Janeiro e Fevereiro, com uma mortalidade sem precedentes associada a surtos de covid-19 e a uma vaga de frio que deixou o Serviço Nacional de Saúde num caos. Em resultado, 2021 acabou por atingir um recorde de 125.231 óbitos, isto é, um excesso de mortalidade de 10.128 mortes. Confrontando com o ano de 2021, este excesso foi até ligeiramente superior a 2020 (10.038 óbitos a mais), o que já mereceria uma especial preocupação.
Evolução da mortalidade total em Portugal desde 2014 até 2022, com cálculo da mortalidade expectável e do excesso de mortalidade líquida. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Mostra-se extremamente anormal dois anos sucessivos de excesso de mortalidade – mesmo no meio de uma pandemia, que, contudo, “substituiu” as pneumonias típicas (cuja incidência desceu abruptamente, também por via do desaparecimento dos surtos gripais desde 2020 até à data). Ainda mais quando em 2021 já uma parte substancial do ano decorreu com a população mais vulnerável sob protecção das supostamente eficazes vacinas contra a covid-19.
Certo é que, lamentavelmente, dois anos de excesso de mortalidade não bastaram: houve um terceiro. De facto, ao invés de se observar uma inversão dos padrões de mortalidade – ou seja, uma redução por via da morte de uma quantidade muito elevada de pessoas vulneráveis –, o ano de 2022 contabilizou novo excesso líquido de mortalidade: mais 8.338 óbitos. E de forma também anormalmente consistente, com nove meses sempre acima dos 10 mil óbitos. O recente mês de Dezembro foi mesmo o mais mortífero do ano passado, com 12.246 óbitos.
Exesso de mortalidade líquida em Portugal em cada grupo etário por ano no triénio 2020-2022. O valor total incluiu a mortalidade com idade desconhecida, pelo que não cotrresponde ao somatório dos valores dos grupos etário. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Deste modo, segundo os cálculos e estimativas do PÁGINA UM, mesmo considerando ser expectável um aumento da mortalidade absoluta – como se disse, fruto do envelhecimento da população –, o triénio da pandemia (2020-2022) acarretou um excesso líquido de óbitos da ordem dos 28.504.
Note-se mais uma vez que este é um “excesso líquido”, uma vez que seria sempre expectável tal incremento de cerca de 1.500 óbitos por ano. Ou seja, face ao triénio anterior, o triénio 2020-2022 teria, em situações normais, um acréscimo de cerca de nove mil óbitos mesmo com as habituais doenças.
Em termos absolutos, a faixa etária mais afectada foi a dos maiores de 85 anos, embora tenha sido notório que o último triénio não tenha sido nada favorável para o grupo das pessoas em idade de reforma. Na verdade, a proximidade do excesso relativo de mortalidade entre os grupos dos maiores de 85 anos (+9,5% no conjunto do triénio), dos 75 aos 84 anos (+8,8%) e dos 65 aos 74 anos (+7,7%) indicia que não foi apenas a covid-19 a responsável pela “sangria”, tendo em conta que a taxa de letalidade daquela doença é bastante distinta entre estes três grupos.
Análise para o grupo etário dos maiores 85 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Com efeito, é certo que os maiores de 85 anos foram, em termos absolutos, o grupo mais fustigado pela morte – como é, desde sempre, a “lei da vida”. Porém, deve considerar-se que este grupo etário tem estado em franco crescimento – pelo aumento da expectativa de vida. Por exemplo, no início dos anos 70 do século passado viviam pouco mais de 40 mil idosos com mais de 85 anos; início do presente século já eram mais de 150 mil; em 2019 tinha subido para os 215 mil; e em 2020, segundo as estimativas do Instituto Nacional de Estatística, eram já 328 mil.
Estes números são excelentes notícias: significou que um cada vez mais número de pessoas consegue atingir idades avançadas. Mas a inexorável “lei da morte” nos leva. E daí que não é de estranhar, digamos assim, que cada vez haja mais mortes a atingir os maiores de 85 anos.
Porém, não se exagere. Mesmo com um crescimento expectável na mortalidade absoluta neste grupo etário – que antes do triénio da pandemia se situaria na ordem dos 1.500 óbitos em cada ano –, em 2020 acabaram por falecer 5.201 pessoas a mais; em 2021 mais 4.506 e no ano passado mais 4.424. Significa assim que, no total, morreram precocemente – mesmo se acima da esperança média de vida – um total de 14.131 pessoas neste grupo etário.
Em todo o caso, saliente-se que mesmo com esta sangria, este grupo de pessoas deverá continuar a aumentar nos próximos anos – antes da pandemia crescia a um ritmo acima das 10 mil pessoas por ano –, continuando assim a exigir maiores investimentos em cuidados de saúde.
No caso do grupo imediatamente antecedente – o dos 75 aos 84 anos –, o último triénio foi também bastante trágico, sobretudo porque o excesso se manteve elevado e estável. Ao contrário do grupo dos maiores de 85 anos, nesta faixa etária estava a observar-se um ligeiro decréscimo da mortalidade (cerca de 300 óbitos em cada ano), que advinha, em grande medida, a melhoria dos cuidados médicos que permitia que um maior número de pessoas pudesse dar o “salto” em vida para o grupo etário seguinte.
Os três últimos anos vieram, contudo, inverter fortemente essa tendência. Em 2020 observou-se um excesso líquido de 2.959 óbitos; no ano seguinte de 3.110 mortes e em 2022 contabilizaram-se mais 2.492 óbitos do que o expectável. No total registou-se assim um acréscimo de 8.561 mortes acima do esperado.
Análise para o grupo etário dos 75 aos 84 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Também preocupante foi o excesso líquido de mortalidade entre os 65 e os 74 anos, que estará longe de ser explicado apenas pela covid-19. Neste caso, no primeiro ano da pandemia contabilizaram-se mais 1.246 óbitos, em 2021 mais 1.716 mortes e, no ano passado, mais 892 óbitos.
Neste caso deve considerar-se que este acréscimo líquido tem em conta que existia uma tendência de aumento da mortalidade absoluta da ordem dos 200 óbitos por ano, resultante do aumento deste grupo etário, formado por pessoas nascidas entre meados das décadas de 40 e início dos anos 50 do século passado.
Análise para o grupo etário dos 65 aos 74 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Mas mesmo nos grupos mais jovens – que foram apenas marginalmente afectados pela covid-19 –, observou-se excesso de mortalidade. Com excepção dos menores de 15 anos, em todas as idades contabilizou-se mais mortes do que seria de esperar nos últimos três anos.
Em termos relativos, o maior aumento – e mais surpreendente – verificou-se no grupo etário entre os 15 e os 24 anos (+12,8%), ainda mais com a particularidade de o pior ano (com mais excesso) ter sido o de 2022, como já foi abordado ontem pelo PÁGINA UM.
Análise para os grupos etários dos menores de 1 ano (A), dos 1 aos 4 anos (B), dos 5 aos 14 anos (C) e dos 15 aos 24 anos (D): mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM. Para visualizar com maior detalhe: menores de 1 ano, entre os 1 e os 4 anos; entre os 5 e os 14 anos; e entre os 15 e os 24 anos.
No entanto, a mesma situação observou-se no grupo etário dos 35 aos 44 anos. Neste caso, o excesso do triénio foi de 5,1%, mas a distribuição não foi homogénea em termos absolutos. O excesso em 2020 foi de 52 mortes, subiu em 2021 para os 57 e quase duplicou no ano passado (mais 106 óbitos).
Explicação para isto? Não existe, apesar da existência da base de dados discriminada do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) que poderia apurar quais foram as doenças responsáveis por estes desvios. Mas, como se sabe, o Ministério da Saúde recusa a divulgar essa e outras bases de dados, estando a decorrer ainda processos judiciais sobre esta matéria nos tribunais administrativos.
Análise para o grupo etário dos 35 aos 44 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Também nos dois grupos subsequentes, entre os 45 e os 64 anos) se conta excesso de mortalidade em qualquer um dos três últimos anos, embora mais moderado em 2020 face a 2021 e 2022.
No caso do grupo dos 55 aos 64 anos, o excesso líquido de mortalidade foi de 1.439 óbitos (+5,1%), sendo que o PÁGINA UM estimou que, com base nos valores efectivos e na tendência entre 2014 e 2019, um total de 450 mortes a mais se contabilizaram em 2020, mais 664 em 2021 e ainda mais 325 no ano que se concluiu no sábado passado.
Análise para o grupo etário dos 55 aos 64 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Em relação ao grupo dos 45 aos 54 anos, o excesso líquido de mortalidade foi de 3,1%, significando assim mais 399 óbitos no último triénio do que o esperado. Nesta faixa etária, observou-se excesso em todos os três anos, mas muito mais moderado em 2022.
Com efeito, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, em 2020 contabilizaram-se 166 mortes a mais, e em 2021 um acréscimo não esperado de 172, tendo no ano passado descido para 61 mortes a mais.
O grupo adulto menos afectado pelo excesso generalizado de mortalidade acabou por ser o dos 25 aos 34 anos, que “apenas” registou um acréscimo de 2,7% na mortalidade expectável para o triénio 2020-2022.
Análise para o grupo etário dos 45 aos 54 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Neste caso, porém, os valores absolutos são relativamente baixos: 45 óbitos a mais nos três anos, o que se pode considerar dentro da normalidade, sobretudo se se, em termos de tratamento estatístico, fossem aplicados intervalos de confiança nesta análise.
Esta análise do PÁGINA UM comprova sobretudo a necessidade premente de uma avaliação independente das causas de morte aos diversos grupos etários, não podendo continuar-se nesta “alimentada” ignorância, que alimenta a especulação de supostos peritos – e mais as suas “explicações” com base em impressões, “cherry picking” e enviesamentos a segurar teses durante a pandemia.
Análise para o grupo etário dos 25 aos 34 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Perante isto, seria muito fácil, demasiado fácil, conhecer a verdade: bastaria o Ministério da Saúde disponibilizar a base de dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) – onde constam as causas discriminadas de morte desde 2014 – e dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos – que permite aferir quais as doenças que justificaram os internamentos e as mortes em meio hospitalar. Em pouco tempo, em demasiado pouco tempo, com os meios estatísticos já disponíveis, seria possível apurar o que sucedeu nos últimos três anos.
E arrepiar caminho, salvando-se o que se pode e deve salvar. Ontem já era tarde. Enquanto isso, só este ano, com o terceiro dia ainda em curso, já se finaram mais de mil portugueses….
Começa a ser escandalosa a qualidade do jornalismo mainstream português. E, aliás, não surpreende por isso que a redação da RTP tenha elegido António Costa como Figura do Ano.
Pois bem: na RTP justifica-se os tempos de espera no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, por via de “falsas urgências”. Ou seja, a “culpa” é das pessoas que, por um resfriado ou maleita fútil, entopem os hospitais, e isto só para complicarem a vida do senhor Costa e do senhor Pizarro.
Ao jornalista da RTP que faz este tipo de fretes – e à sua direcção editorial – nem sequer vale a pena consultar dados online do Tempo de Espera que indicam que tipo de doentes estão, neste preciso momento, no Hospital de Santa Maria (e em outros). E se é verdade que aquilo está entupido por “falsos doentes”.
Pois eu digo, daqui sentado: estão, neste preciso momento, 85 doentes nas urgências do Santa Maria. Destes, um é muito urgente e 54 urgentes, Todos estes casos clínicos são triados por profissionais de saúde (não é a opinião do doente), e não me parece que, assim, sejam “falsas urgências”.
São pessoas, sim, com problemas de saúde a pedir intervenção rápida, que pagam impostos, mas que graças a um Governo sem prioridades tem de aguardar horas e horas a fio, porque faltam médicos, faltam enfermeiros, faltam auxiliares… só não faltam os muitos contratos chorudos com farmacêuticas, que são escondidos do público.
Tempo de espera às 18:15 horas de 3 de Janeiro de 2023. Fonte; SNS.
Aquilo que este tipo de jornalismo pretende é afastar as pessoas dos hospitais, mesmo quando estas apresentam sintomas graves. A ideia deste tipo de jornalismo é fazer com que as pessoas morram longe, sem incomodar um Serviço Nacional de Saúde que está um caco autêntico. O envelhecimento da população e o “descompensamento” dos últimos anos dá este tipo de porcarias.
E jornalismo, como este da RTP, só ajuda a agravar o caos.
A covid-19, como doença, não teve qualquer impacte relevante nos jovens, e as medidas não-farmacológicas até terão permitido que muitos lactentes e crianças em idade pré-escolar tivessem sobrevivido nos últimos três anos. Estimativas rigorosas do PÁGINA UM, com base na informação do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e ponderada a evolução da mortalidade nos anos pré-pandémicos, mostram que até aos cinco anos o saldo foi francamente positivo: até aos cinco anos de idade terá havido 220 mortes a menos do que previsivelmente ocorreria se não houvesse pandemia. Porém, no grupo dos 15 aos 24 anos, sucedeu um “desastre”, e sobretudo no ano passado: um inacreditável aumento de 115 mortes acima do esperado entre 2020 e 2022, que não encontra, em termos relativos, comparação sequer com os valores contabilizados para os mais idosos. E se não foi por culpa da SARS-CoV-2, do que foi então? Não se sabe, porque o Ministério da Saúde não diz, não investiga e opõe-se nos tribunais administrativos para não se saber. E a sociedade, no seu todo, também parece mostrar-se indiferente.
O grupo etário mais afectado pelos três anos da pandemia foi, de forma surpreendente, os adolescentes e jovens entre os 15 e os 24 anos. Uma análise estatística estratificada do PÁGINA UM, tendo em consideração a tendência da mortalidade no período anterior à pandemia (2014-2019) – que está dependente dos avanços médicos e das variações absolutas da população dentro de cada faixa etária – revelou um agravamento de 13% na mortalidade nos jovens entre os 15 e os 24 anos no conjunto dos anos de 2020, 2021 e 2022.
De acordo com os cálculos do PÁGINA UM, neste grupo etário – que se encontra em ligeiro decréscimo devido à redução da natalidade nas últimas décadas – seria expectável que, em função do que sucedera entre 2014 e 2019, tivessem morrido 303 pessoas em 2020, mas acabaram por se registar mais 28 óbitos. Ou seja, 331 mortes.
Sem pandemia, em 2021 estimava-se a morte de 300 jovens destas idades, mas acabaram por falecer mais 12. Já no ano de 2022, que agora terminou, ainda se agravou mais: seria de esperar uma mortalidade total ao longo dos meses de 296 óbitos, mas o valor suplantou em 25,5% essa fasquia: contaram-se 371 mortes, mais 75 do que seria de aguardar. Desde 2014, o máximo ocorrera em 2017, com 326 óbitos.
Esta situação ainda é mais surpreendente, porque 2022 foi o terceiro ano consecutivo em excesso, não havendo uma explicação com base na mortalidade por covid-19. De acordo com a base de dados da mortalidade e morbilidade hospitalar, constante na Plataforma da Transparência do SNS, registaram-se seis óbitos atribuídos ao SARS-CoV-2 entre os 15 e os 24 anos, sendo metade em 2021 e a outra metade em 2022.
Análise para o grupo etário dos 15 aos 24 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e excesso de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do excesso de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Neste grupo etário, em termos de mortalidade total – e salientando que os óbitos são, felizmente, raros nestas idades –, a covid-19 representou 0,6% das causas de entre os 1014 dos desfechos fatais ocorridos nos últimos três anos. Se se considerar a taxa de letalidade da covid-19 nos jovens entre os 15 e os 24 anos – e assumindo que cerca de metade deste grupo etário esteve em contacto com o vírus –, os valores em Portugal são irrelevantes: 0,001%. Muito mais baixos do que os relativos às pneumonias. Aliás, ao longo da pandemia da covid-19, a morbilidade e mortalidade associadas às doenças do aparelho respiratório nos mais jovens diminuíram consideravelmente.
Em contraste com a situação dramática dos jovens dos 15 aos 24 anos, o triénio da pandemia (2020-2022) foi anormalmente favorável nos lactantes e crianças com menos de 5 anos. De acordo com as estimativas do PÁGINA UM, os recém-nascidos tiveram, durante a pandemia muito maiores chances de sobrevivência, porventura devido a um menor contacto com factores externos.
Análise para o grupo etário dos menores de 1 ano: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e défice (valor inferior a zero) de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do “défice” de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável, daí dar um número negativo. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Nesta fase mais frágil da vida, em 2020 registaram-se menos 60 óbitos do que se esperaria; em 2021 menos 86 óbitos; e no ano passado menos 52. No total do triénio conta-se assim uma “poupança” de 198 vidas, ou seja, um decréscimo de quase 24%, o que é muito significativo.
No grupo etário das crianças em idade pré-escolar (1 aos 4 anos) também se registou um decréscimo acentuado, mas menor, embora também muito significativo. Neste grupo – que, por norma, é de baixíssima mortalidade – contabilizaram-se menos 10 óbitos em 2020, menos nove em 2021 e menos três no ano passado. Contas feitas, estas 22 vidas poupadas representam uma redução global no triénio, face aos valores expectáveis, de 11%.
Análise para o grupo etário dos 1 aos 4 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e défice (valor inferior a zero) de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do”défice” de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável, daí dar um número negativo. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
No caso do grupo dos 5 aos 14 anos, o triénio da pandemia foi praticamente indiferente. No ano de 2020 houve uma poupança de 10 vidas, mas em 2021 surgiu um acréscimo de 10. No ano passado, o número de óbitos foi aquele que seria expectável.
Para Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, a “consistência dos números de excesso de mortalidade” na faixa dos 15 aos 24 anos deveria merecer uma “investigação aprofundada das autoridades de Saúde”. Para este pediatra, seria extremamente fácil analisar, até pelo número de casos, se os incrementos se deveram a acidentes, a problemas de toxicodependência, a suicídios, ou a outras causas. “Esses dados existem; basta que as autoridades queiram analisar”.
Análise para o grupo etário dos 5 aos 14 anos: mortalidade efectiva entre 2014 e 2019; e mortalidade expectável e défice (valor inferior a zero) de mortalidade em 2020, 2021 e 2022. O valor do “excesso” ou “défice” de mortalidade nos anos do último triénio calcula-se pelo diferencial da mortalidade efectiva com a mortalidade expectável, daí resultando um número positivo ou negativo. Fonte: SICO. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Quanto à eventualidade de um incremento nos próximos anos da mortalidade em crianças em idade pré-escolar – porque muitos lactentes mais frágeis sobreviveram, nos últimos três anos, devido a super-protecção a agentes externos devido às medidas não-farmacológicas durante a pandemia –, Amil Dias está optimista: “pode haver um rebound [agravamento por um aumento do contacto de agentes externos], mas os lactentes mais frágeis que acabaram por sobreviver, por estarem mais protegidos, podem ter ficado mais fortalecidos e, assim, terem maiores probabilidades de sobrevivência”.
N.D. Amanhã, o PÁGINA UM apresenta uma análise detalhada similar para os grupos etários com idades superiores aos 25 anos. Serão apresentados os gráficos, com os valores, de excesso de mortalidade total, bem como uma análise global do excesso de mortalidade total (que, para ser mais rigoroso, não deve ser feito comparando somente os diversos). Saliente-se que, ainda com mais rigor, se poderia realizar cálculos com intervalos de confiança, mas não modificaria muito as conclusões que se podem retirar desta análise exclusiva. Realizaram-se pequenas rectificações de valores das estimativas durante a tarde de 3 de Janeiro de 2023.