Em Abril de 2016, após João Soares, então ministro da Cultura, ter ameaçado dois colunistas do Público (Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente) com queirosianas “salutares bofetadas”, veio de imediato o primeiro-ministro anunciar ao país que os ministros “nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo”.
Por causa da polémica, João Soares pediria a demissão, aceite “naturalmente” pelo primeiro-ministro.
Os tempos são outros, e ficámos agora a saber que as bofetadas alegóricas já podem até ser dadas – não em dois cidadãos, mas em 10 milhões de portugueses; e não doendo na face, moem a democracia.
O episódio do “convite” de Fernando Medina a Sérgio Figueiredo para o assessorar – leia-se, um pagamento de favores, que já vêm de longe –, à falta de enquadramento criminal suficiente, deveria constituir um evidente caso para se aplicar a máxima de há seis anos proferida por António Costa: “nem à mesa do café podem [os ministros] deixar de se lembrar que são membros do Governo”.
Ou seja, numa democracia amadurecida (mas não podre), com valores de decência, o convite a Sérgio Figueiredo deveria ter levado à imediata demissão de Fernando Medina.
Mas não levou, como sabemos. E não levou porque António Costa já pensa que tem o país no bolso, o que constitui um prenúncio que o seu “regime” está decrépito de valores e de ética, perdeu a cultura democrática.
Jamais pode um ministro – ainda por cima um que ainda há meses recebeu um inusitado “prémio” por ter sido o pior presidente da autarquia de Lisboa, ainda por cima no melhor período económico da capital (aumento das receitas do Imposto Municipal sobre Imovéis por via da actualização do valor patrimonial e boom turístico) – contornar as normas da contratação do seu gabinete para, de forma descarada, dar a “mão” – e o dinheiro dos contribuintes – a um ex-jornalista, que o foi apoiando quando director de informação da TVI.
O caso Sérgio Figueiredo parece, aliás, combinação feita “à mesa do café” entre si e o seu amigo Medina. E António Costa não pode fazer de conta que não lhe diz respeito.
Diz respeito – e muito –, porque podem os amigos combinar, entre si, os negócios que bem lhe aprouverem.
Porém, não um ministro. Não um ministro do seu Governo.
E não pode parecer, como efectivamente é (qual o currículo de Figueiredo para aquelas funções?!), um negócio de amigos, um pagamento de favores.
Ainda mais envolvendo um antigo jornalista com as responsabilidades na TVI que Sérgio Figueiredo teve – director de informação entre Janeiro de 2015 e Julho de 2021.
Aliás, Sérgio Figueiredo – que sempre mostrou uma promiscuidade imprópria de um jornalista isento, com passagens na direcção de jornais económicos e na TVI em permeio com cargos executivos na EDP e outras sinecuras – acaba, ao aceitar este cargo, por dar mais uma estocada na já fraca credibilidade da imprensa mainstream, embora não o esteja a ver demasiado preocupado com esse efeito.
A partir de agora, poderemos sempre tentar adivinhar qual será o próximo director de um jornal, de uma rádio ou de uma televisão que seguirá para um cargo especial governamental a ganhar cinco mil euros sem exclusividade e sem horário.
E ainda, depois deste impune caso Sérgio Figueiredo, podemos passar a ler os editoriais ou a linha editorial de um órgão de comunicação social mainstream tentando perscrutar se não estará ali alguém, por detrás da pena, mais preocupado em salvaguardar o seu futuro do que em informar os leitores.
Confirmado está também o óbito da máxima de António Costa. Agora, tudo se mostra possível. À mesa do café. Ou noutro qualquer lado. O povo já aguenta tudo, não é? A democracia apodrecida é isto mesmo: já tanto se nos faz.
O PÁGINA UM apresenta hoje uma análise detalhada ao recente relatório do Infarmed da farmacovigilância das vacinas contra a covid-19. Além da fé em estudos com mais de um ano, o relatório com dados até final de Julho esconde muito, interpreta de forma enviesada e tenta fabricar uma narrativa. Com esta análise, o PÁGINA UM não pretende afirmar que as vacinas contra a covid-19 são inseguras; exige sim que a informação seja disponibilizada para análise independente e que o Infarmed mostre uma efectiva transparência, defendendo os interesses da Saúde Pública.
Com dados referentes a 31 de Julho, o Infarmed acaba de publicar mais um relatório de farmacovigilância sobre a monitorização da segurança das vacinas contra a covid-19 em Portugal.
Antes de debater o estilo deste relatório do Infarmed, diga-se que não disfarça ao que vem: logo na primeira página da Introdução, à terceira frase, dispara-se: “A vacinação contra a COVID-19 é a intervenção de saúde pública mais efetiva para reduzir o número de casos de doença grave e morte originados pela infeção pelo SARS-CoV-2. Diversos estudos comprovam que as vacinas contra a COVID-19 são seguras e efetivas.”
Mostra-se muito curioso observar um “árbitro”, que ainda por cima tem como função a defesa da saúde pública, fazer essa declaração de princípios. Pode-se dizer que, na verdade, remete para a existência de “diversos estudos”, e até os cita.
Fomos ver.
Descontando a referência ao INFOMED (Base de dados de medicamentos de uso humano) e a relatórios do Public Health England, o Infarmed remete os “comprovativos” de que as vacinas contra a covid-19 para cinco estudos em concreto, presumindo-se que fossem as últimas actualizações com dados científicos independentes e inquestionáveis.
Refere-se este artigo a dados recolhidos, portanto, numa fase muito prévia da vacinação – ou seja, sem se poder aferir de efeitos a médio e longo prazo. Além disso, este relatório integra quatro investigadores com ligações à Pfizer. Daqui se compreende, desde já, a necessidade de uma regulação independente em termos de farmacovigilância, e que o Infarmed não pode nem deve assumir que este estudo (não inteiramente independente) constitui uma garantia da eficácia e da segurança das vacinas.
Capa do último relatório do Infarmed. São 13 páginas com parca e enviesada informação.
Integrando investigadores associados à vacina da AstraZeneca, este artigo está a “marinar” desde 22 de Fevereiro de 2021 num portal como Preprint. Passaram mais de 17 meses desde a pré-publicação e custa a ser validado pelos seus pares. Formalmente, ainda não é um artigo científico e os 17 meses de espera não são uma boa notícia.
Como facilmente se compreende aborda apenas os efeitos de curto prazo das vacinas, ainda mais numa fase em que ainda não se tinha decidido politicamente dar doses de reforço (terceira e quarta toma). Basta, aliás, citar a parte final das conclusões deste estudo para perceber que utilizá-lo, como faz o Infarmed, como garantia da eficácia e da segurança das vacinas é perfeitamente abusivo:
“In conclusion, short-term adverse effects of both vaccines are moderate in frequency, mild in severity, and short-lived. Adverse effects are more frequently reported in younger individuals, women, and among those who previously had COVID-19. The post-vaccine symptoms (both systemic and local) often last 1–2 days from the injection. Our data could be used to inform people on the likelihood of side-effects on the basis of their age and sex and the type of vaccine being administered. Furthermore, our data support results from randomised controlled trials in a large community-based scenario showing evidence of reduction in infection after 12 days and substantial protection after 3 weeks.”
Na verdade, estudos desta natureza mostram, sim, a necessidade de uma farmacovigilância independente – e que analise a informação recolhida ao longo do tempo (e não apenas de curto prazo) sem estar com uma postura pré-concebida de que um medicamento é seguro porque… há estudos.
Publicado em 24 de Fevereiro de 2021 no New England Journal of Medicine, mostra bem os “estranhos tempos” da Ciência em tempos de pandemia: o artigo científico aborda a eficácia da vacinação com base na recolha de dados entre 20 de Dezembro de 2020 e 1 de Fevereiro de 2021, e foi logo aceite menos de um mês após ser encerrado. Turbo-ciência. Além disso, estamos perante um estudo da primeira fase da vacinação, e nem sequer se debruça sobre eventuais efeitos secundários. Também não abrangeu população com idade inferior a 16 anos nem população com infecção prévia do SARS-CoV-2.
Não sei se vale a pena referir que os valores apontados de eficácia das vacinas neste estudo – numa altura em que a variante Ómicron ainda não surgira – são hoje pouco realistas.
Onde está a Ciência e o rigor nos tempos que correm?
O quinto estudo intitula-se “FDA-authorized mRNA COVID-19 vaccines are effective per real-world evidence synthesized across a multi-state health system” e foi publicado na revista Med em Agosto de 2021. Consiste num estudo feito por uma empresa médica (Mayo Clinic), e considerando a data da sua publicação, fácil se mostra concluir que se aplica às primeiras fases da vacinação e quando se estava perante outras variantes dominantes. As anotações sobre as limitações deste estudo, expostas no próprio artigo, deveriam levar o “nosso” Infarmed a uma maior contenção.
Dissecar estes estudos “lançados” pelo Infarmed para sustentar uma “tese” – que não lhe cabe fazer, porque a sua função é avaliar, de forma independente, eventuais efeitos adversos não detectados nas fases prévias dos ensaios clínicos – serve para demonstrar a falta de independência do regulador nacional nesta matéria.
E constitui a antecâmara para mostrar a forma enviesada como o Infarmed apresenta números e os comenta no seu relatório.
Aliás, como esconde dados e como interpreta de forma enviesada as reacções adversas (e a sua gravidade). E quando se esconde ou se interpreta abusivamente, legitimamente há motivos para desconfiar das motivações.
Através da leitura deste relatório do Infarmed – e dos anteriores – não se sabe, por exemplo, o número de casos por grupo etário das hospitalizações, risco de vida (e quais as afecções e as eventuais sequelas) e morte decorrentes da vacinação.
Essa informação é vital, porque não é indiferente o risco em função da idade, tendo em conta uma doença (que a vacina pretende evitar) que apresenta taxas de letalidade (também em função da variante e também da imunidade natural) absolutamente distintas.
Quem sai beneficiado por não se saber toda a informação? E quem sai prejudicado?
Um efeito adverso grave num grupo etário em que a doença é bastante letal não pode ser visto da mesma forma que um efeito adverso grave num grupo etário em que a doença é praticamente benigna. Uma morte causada por uma vacina (medicamento), contra uma doença que tem uma taxa de letalidade de 15% num determinado grupo etário numa certa fase, não pode ser olhada nem analisada da mesma forma que uma morte causada num grupo etário em que a taxa de letalidade seja praticamente de 0,00% numa faixa etária de pessoas jovens e saudáveis. Para o primeiro caso, a decisão de manter o medicamento pode justificar-se; no segundo caso não.
Aliás, veja-se como reagiram as autoridades de saúde da Dinamarca perante a vacinação de menores de idade por força do (re)conhecimento científico. Aliás, este país escandinavo já deixou de permitir a vacinação de menores de 18 anos.
Ora, no seu relatório, o Infarmed esconde intencionalmente toda essa informação.
Por outro lado, o relatório do Infarmed impossibilita também de se saber quais os efeitos adversos de médio e longo prazo sobre as pessoas vacinadas, até porque lança logo um aviso quando se refere às mortes causadas pelas vacinas:
“Estes acontecimentos não podem ser considerados relacionados com uma vacina contra a COVID-19 apenas porque foram notificados de forma espontânea ao Sistema Nacional de Farmacovigilância. Na grande maioria dos casos notificados em que há informação sobre história clínica e medicação concomitante, um resultado adverso fatal pode ser explicado pelos antecedentes clínicos do doente e/ou outros tratamentos, sendo as causas de morte diversas e sem apresentação de um padrão homogéneo. A vacinação contra a COVID-19 não reduzirá as mortes provocadas por outras causas, por exemplo, problemas de saúde não relacionados com a administração de uma vacina, pelo que durante as campanhas de vacinação é expectável que as mortes por outras causas continuem a ocorrer, por vezes em estreita associação temporal com a vacinação, e sem que necessariamente haja qualquer relação com a vacinação.”
Estas frases são muito verdadeiras, mas com um “problema”: quando se tratou ou trata da doença propriamente dita – a covid-19 –, as autoridades de saúde nunca tiveram a mesma interpretação.
Veja-se como ficaria esta passagem do relatório do Infarmed se se aplicasse à covid-19 [marca-se a negrito as partes alteradas do texto original do Infarmed]:
“Estes acontecimentos não podem ser considerados relacionados com a COVID-19 apenas porque foram notificados de forma espontânea ao Sistema Nacional de Farmacovigilância. Na grande maioria dos casos notificados em que há informação sobre história clínica e medicação concomitante, um resultado adverso fatal pode ser explicado pelos antecedentes clínicos do doente e/ou outros tratamentos, sendo as causas de morte diversas e sem apresentação de um padrão homogéneo. A COVID-19 não reduzirá as mortes provocadas por outras causas, por exemplo, problemas de saúde não relacionados com a esta doença, pelo que durante a pandemia é expectável que as mortes por outras causas continuem a ocorrer, por vezes em estreita associação temporal com a COVID-19, e sem que necessariamente haja qualquer relação com a COVID-19.”
Parecem lógicas as frases assim, certo?
Quem tem medo da informação? Quem tem medo dos olhares independentes?
Aliás, há um outro aspecto onde se mostra um enviesamento na análise. Como se sabe, as autoridades andam a inculcar a ideia de existir uma “pandemia” de long-covid – efeitos de longo prazo da covid-19. Porém, se uma parte muito substancial da população que teve covid-19 também foi vacinada, como atribuir cientificamente uma deterioração da saúde a uma causa ou a outra? Ou a outra qualquer?
Na verdade, está verdadeiramente o Infarmed a considerar os efeitos de longo prazo da vacinação?
Por outro lado, veja-se o rigor “científico” do Infarmed mesmo quando, escondendo dados essenciais, deixa “rabos de fora”. Na página 6 escreve que “verifica-se que as reações adversas às vacinas contra a COVID-19 são pouco frequentes, com cerca de 1 caso em mil inoculações, um valor estável ao longo do tempo”. Mentira. Falso.
Fazendo umas contas simples a partir dos quadros disponibilizados, e se compararmos globalmente as vacinas administradas em Abril-Maio de 2022 (441.980 doses) e em Junho-Julho (700.997), verificamos que foram registadas, respectivamente, 480 e 1.204 reacções adversas. Significa que no primeiro período se passou de um registo de 1,08 casos por 1.000 vacinas para 1,72 por 1.000 vacinas no período mais recente. Resultado: temos um incremento de 59% nas reacções adversas que coincidiram com a fase da quarta dose para os mais idosos. Mesmo que existam reportes deferidos (que não é dito), o Infarmed não considera isto relevante?! Não batem as sinetas de alarme?
E também o Infarmed não considera relevante que, face aos dados de Dezembro de 2021, as reacções adversas da vacinação – contra uma doença que é genericamente benigna para crianças e adolescentes saudáveis – tenham subido de 0,06 casos por 1.000 vacinas para 0,21 na faixa dos 5 aos 11 anos – ou seja, um aumento de 250% –, e tenha incrementado de 0,17 para 0,22 na população dos 12 aos 17 anos (aumento de 25%)? Nada disto conta para o Infarmed?
Infarmed declara que a “transparência é um [seu] princípio fundamental”, mas luta pelo contrário no Tribunal Administrativo de Lisboa.
E depois de tudo isto, ainda tem o Infarmed o descaramento de terminar as suas 13 páginas cheias de coisa nenhuma, e parca e enviesada informação, com a seguinte frase: “A transparência é um princípio fundamental para o Infarmed e para a Agência Europeia do Medicamento”.
Claro que é! Por isso mesmo, o Infarmed anda a batalhar no Tribunal Administrativo de Lisboa para evitar ser obrigado a entregar os dados anonimizados e em bruto do Portal RAM ao PÁGINA UM. O processo de intimação do PÁGINA UM, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO financiado pelos leitores, foi intentado em Maio, aguardando-se nas próximas semanas uma decisão. Fundamental para se saber a verdade.
Uma análise detalhada do PÁGINA UM – embora ainda não validada pelo Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista – revela que, entre Maio e a primeira semana de Agosto deste ano, morreram mais 5.548 pessoas do que no período homólogo de 2017-2021, um acréscimo de 20,1%. Mas o excesso de mortalidade não é semelhante: em alguns concelhos assistiu-se a um autêntico morticínio, em Lisboa e Porto o fenómeno é “moderado” e há até 48 municípios em que os óbitos foram em menor número do que expectável. O Ministério da Saúde anuncia estudo, mas continua a lutar no Tribunal Administrativo para não dar informação.
Em Monforte, pequeno município norte-alentejano com um pouco menos de três mil habitantes, morre-se pouco, mesmo se a população é idosa. Entre 2017 e 2021, nas semanas de 18 a 31 – sensivelmente entre Maio e o início de Agosto –, não foram frequentes as cerimónias fúnebres: 10, em média, o que dá menos de um enterro em cada uma destas 14 semanas.
Este ano, porém, foi bem diferente. De acordo com os dados disponíveis do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), em Monforte realizaram-se 25 enterros. No ano passado, no mesmo período, apenas foram sete. Há dois anos, 15.
Embora Monforte seja, com 150% de óbitos acima da média desde Maio, o concelho do país com um maior excesso relativo de mortalidade, a situação é absolutamente anómala em muitas mais regiões, mas sem se encontrar um padrão muito definido. Segundo os cálculos rigorosos – e não sensacionalistas – do PÁGINA UM, há mais dois concelhos do país em que, no período em análise, a mortalidade mais do que duplicou: Povoação (114%), com 30 mortes este ano que confronta com uma média de 14, e Alvito (102%), com 19 mortes este ano que compara com uma média de nove.
Apesar de não se encontrar bem definido um padrão regional no excesso de mortalidade – os 20 municípios com um excesso de 50% distribuem-se pelas diversas regiões do Continente e também pelos Açores e Madeira –, destacam-se, porém, diversos municípios alentejanos. Além de Monforte e Alvito, salienta-se o excesso de mortalidade em Arraiolos (75%), Avis (60%) e Nisa (52%). E também algarvios, como Vila do Bispo (80%), Lagoa (64%), Alcoutim (62%) e Vila Real de Santo António (50,2%).
Os outros concelhos com mortalidade acima de 50% no período estão, efectivamente, distribuídos pelo país: Nordeste (Açores, 91%), Manteigas (distrito da Guarda, 80%), Azambuja (Lisboa, 74%), Calheta (Açores, 70%), Fornos de Algodres (Guarda, 68%), Figueiró dos Vinhos (Leiria, 65%), Calheta (Madeira, 61%), Santa Cruz (Madeira, 60%), Póvoa de Lanhoso (Braga, 55%), Vila Nova de Foz Côa (Guarda, 55%).
Por regra, a maioria dos municípios com excesso de mortalidade superior à média nacional neste período – que foi de 20,1% no período em análise, a que correspondem mais 5.548 mortes do que o expectável – são de pequena ou média dimensão. Ou seja, com menor capacidade de resposta em termos de cuidados médicos.
Com efeito, o concelho de Lisboa – o município que, por ser o mais populoso e também bastante envelhecido apresenta sempre o maior número de óbitos – não foi particularmente atingido por esta “onda de morticínio” que está a atravessar Portugal sem que haja sinais evidentes de uma intervenção governamental ou judiciária. Entre Maio e a primeira semana de Agosto, o PÁGINA UM apurou que se registaram na capital portuguesa um total de 1.892 óbitos, o que contrasta com uma média de 1.659 no período homólogo de 2017-2021. Em todo o caso, mesmo se o valor deste ano significa um excesso de 14% – portanto, 6 pontos percentuais abaixo da média nacional –, está relativamente próximo do número de 2020 (1.835 óbitos).
Aliás, o problema do excesso de mortalidade, apesar de mesmo assim ser relevante, parece bastante menor nos principais centros urbanos, onde existem melhores cuidados hospitalares mas também uma maior atenção mediática.
Além de Lisboa, também o Porto registou um excesso de mortalidade relativamente moderado: contabilizaram-se este ano 785 óbitos, que confronta com uma média de 708 no período 2017-2021.
Já os outros três concelhos do top 5 em termos populacionais – e com menos recursos de cuidados hospitalares – tiveram excesso de mortalidade mais elevado. Em Sintra – o segundo município mais populoso – contam-se este ano, no período em análise, 850 óbitos, um acréscimo de 125 óbitos face à média (+17,3%). Já acima da média nacional encontram-se Vila Nova de Gaia (excesso de 24,2%) e Cascais (22,6%). No primeiro destes concelhos morreram este ano 807 pessoas (650 no período 2017-2021) e no segundo 613 (mais 113 do que no período homólogo de 2017-2021).
De entre os concelhos com um excesso de mortalidade acima da média nacional destacam-se também, pela diferença absoluta de óbitos, os casos da Covilhã (mais 59 óbitos este ano face à média, um acréscimo de 49%), Seixal (mais 117 óbitos, um acréscimo de 34%), Braga (mais 101, um acréscimo de 33%), Santa Maria da Feira (mais 82 óbitos, um acréscimo de 31%), Maia (mais 80, um acréscimo também de 31%), Loulé (mais 56, um acréscimo de 29%), Viseu (mais 63, um acréscimo de 26%), Barreiro (mais 57, um acréscimo também de 26%), Barcelos (mais 56, um acréscimo de 25%), Odivelas (mais 78, um acréscimo de 24%), Valongo (mais 43, um acréscimo também de 24%) e Figueira da Foz (mais 46, um acréscimo também de 24%).
Porém, não se pense que o excesso de mortalidade seja um problema transversal em todos os municípios – e que, portanto, se possa apenas especular com base em ondas de calor, nas mortes por covid-19 ou por outros factores mais ou menos metafísicos. De facto, para mostrar que o problema é mais complexo – e a necessitar de uma investigação meticulosa e independente –, observam-se 48 municípios onde a mortalidade este ano, no período em análise, até foi mais baixa do que a média.
Saliente-se que hoje o Ministério da Saúde anunciou que vai avançar com “um estudo aprofundado” sobre “os excessos de mortalidade mais recentes”, nomeadamente “os que coincidem com a maior intensidade epidémica da covid-19 e do calor”.
Segundo o Público – que atribuiu erradamente ao Expresso ter sido o primeiro órgão de comunicação a detectar que todos os meses deste ano tiveram sempre mais de 10.000 óbitos – este estudo incidirá sobre os dois primeiros anos da pandemia “mas pressupõe-se que abrangerá também os primeiros sete meses deste ano, uma vez que o número de óbitos continuou elevado neste período, bem acima do padrão dos anos anteriores à pandemia, apesar de a covid-19 ter agora um peso mais reduzido na estatística das mortes por todas as causas.”
O Ministério da Saúde continua, entretanto, a recusar disponibilizar ao PÁGINA UM os dados detalhados e em bruto do SICO – que permitiria fácil e rapidamente identificar as causas de mortes que justificam o excesso de mortalidade nos últimos meses –, aguardando-se ainda a decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa sobre esta matéria. Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República mantém-se silenciosa sobre este assunto.
Têm sido dias atípicos para o PÁGINA UM que, por força dessa anormalidade, tem estado demasiado tempo concentrado em questiúnculas para as quais o têm empurrado, em vez de fazer jornalismo duro e puro. Mas também tenho consciência que essas questiúnculas constituem os “efeitos adversos” (leia-se, reacções de incómodo) decorrentes do jornalismo isento, rigoroso e sobretudo independente que temos feito desde o nosso nascimento em Dezembro passado.
Quem, por exemplo, coloca no Tribunal Administrativo (e até ganha processos) entidades como o Conselho Superior da Magistratura, a Ordem dos Médicos, o Ministério da Saúde e o Infarmed; ou quem incomoda farmacêuticas e questiona médicos “promíscuos”; ou quem faz requerimentos e perguntas incómodas a outros órgãos de comunicação social, a jornalistas e aos reguladores, não pode esperar vida fácil.
Assim, na mesma semana em que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) fabricou não apenas um mas logo dois incidentes – transformando um processo por si conduzido com puras ilegalidades – para atacar o PÁGINA UM com manobras de diversão, atribuindo-me absurdas condutas de coacção, vem agora a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) tentar dar a estocada final.
E usa um expediente tipicamente fascistóide, ademais cometido por dois jornalistas, de seu nome Jacinto Godinho e Maria Licínia Girão.
Que fizeram a senhora Girão e o senhor Godinho?
Parece que também receberam uma queixa do senhor António Morais no dia 17 de Março contra artigos de investigação do PÁGINA UM sobre os negócios da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) e as suas relações com as farmacêuticas.
Para quem não tem acompanhado a novela SPP – e como tem sido a postura da ERC e agora da CCPJ –, saibam que o senhor António Morais, em virtude da investigação do PÁGINA UM, acabou afastado de consultor do Infarmed e está a braços com um processo de contra-ordenação (depois de um processo de averiguações) levantado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
Jacinto Godinho, jornalista da RTP, professor da Universidade Nova de Lisboa, Prémio Gazeta de Jornalismo (1995 e 2007) e co-autor de uma Recomendação que não ouve o jornalista visado nem o informa da existência de uma queixa.
Ora, mas se a ERC ainda tentou dar razão às queixinhas do senhor António Morais forjando um processo mas falhando na concessão do direito do PÁGINA UM em apresentar defesa sustentada no âmbito de uma audiência prévia – única fase em que poderia conhecer as acusações concretas –, já a CCPJ arranjou um expediente de salafrário.
O senhor Godinho e a senhora Girão decidiram, sim, estar bem caladinhos sobre esta matéria durante 147 (cento e quarenta e sete) dias – quase cinco meses, portanto –, sem sequer avisarem: “ó sôr Pedro, tá aqui uma queixa contra si!”, e voluntariam-se para um frete.
Que o senhor Godinho e a senhora Girão tenham opinião sobre o trabalho de colegas, a “gente” até aceita; pode achar mal, discordar da opinião, mas aceita-se.
Porém, já o galo canta diferente quando eles, o senhor Godinho e a senhora Girão, (ab)usam do seu estatuto de Secretariado da CCPJ para escrevinhar um opróbrio superficial e acéfalo a que chamam pomposamente de Recomendação contra um trabalho de investigação jornalística do PÁGINA UM. E qual a consequência do trabalho de investigação jornalística alvo da queixa e da Recomendação do senhor Godinho e da senhora Girão? A conduta do queixoso (António Morais) foi já considerada censurável. E por quem? Pela IGAS e pelo Infarmed. Para começar…
Notem, o senhor Godinho e a senhora Girão, não me condenaram num qualquer processo disciplinar. Não! Isso eles não quiseram fazer. Não tiveram coragem de fazer. Isso não. Não querem atacar-me por essa via, mesmo se eu já lhes escrevi entretanto, hoje, a convidar, a sugerir, a recomendar, a exigir até, por uma questão de decência, que me levantassem uma acção disciplinar ao abrigo do artigo 1º do Aviso nº 23504/2008 – a base legal da CCPJ para a sua acção sobre os jornalistas.
Mas eles, o senhor Godinho e a senhora Girão, não quiseram seguir essa via, porque assim não conseguiriam atingir os intentos que estão a tentar com esta repugnante, mesquinha e asquerosa coisa a que chamam Recomendação.
Licínia Girão apresenta-se na rede LinkedIn como “Jornalista Jurista” freelancer (Junho de 2020 a Junho de 2022), como “Jurista” independente (Junho de 2020 a Junho de 2022), é presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista desde Maio deste ano.
Porque se assim fosse – se tivessem a coragem de recorrer a um processo disciplinar (e espero ainda que tenham; e se não tiverem, então confirmam a sua cobardia) –, o senhor Godinho e a senhora Girão teriam de provar, na acusação, onde e como violei “o dever fundamental dos jornalistas de exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional”.
Uma “chatice”: teriam de identificar claramente onde cometi falhas para que me pudessem aconselhar a que “providencie no sentido de [me] abster de formular conteúdos de natureza, claramente, sensacionalista nos artigos noticiosos e de reforçar a distinção entre as peças noticiosas e os artigos de opinião que tem toda a legitimidade para escrever.”
Com uma torpe Recomendação não necessitaram desse incómodo de me permitirem sequer defesa. Nem sequer me avisaram da existência de uma queixa! Coisa extraordinária!
Mandaram simplesmente aquilo que pariram: um aborto, uma infame Recomendação, pura difamação sob a forma de bitaite.
Ora, mas a hipocrisia do senhor Godinho e da senhora Girão não teve limites. Depois de não me informarem de uma queixa, depois de nem sequer mencionarem os interesses e motivações do queixoso em conspurcar um legítimo trabalho jornalístico – a essência do jornalismo é aquilo que fiz –, fazem uma “recomendação” grotesca para finalizarem como uma “nota complementar” de puro asco: “Informa-se, também, que na sequência da citada denúncia apresentada pela SPP à CCPJ foi proferido, por unanimidade, pelo Secretariado da CCPJ, um despacho no sentido de indeferir o pedido de proceder à abertura de um processo disciplinar ao jornalista. Contudo, esta é uma decisão da qual a SPP poderá ainda recorrer para o Plenário da CCPJ.”
Senhor Godinho e senhora Girão, Excelentíssimos Senhores e Senhoras membros do Plenário da CCPJ, façam um favor: se a SPP não recorrer, por favor, processem!
Assim, poderei apresentar defesa, poderei contestar. Poderei, perante vós, mostrar a decência que vos falta.
E, entretanto, façam o favor, já agora, senhor Godinho e senhora Girão, de responderem às questões que o PÁGINA UM tem colocado à CCPJ desde Dezembro passado sobre as relações promíscuas entre jornalistas, incluindo directores de órgãos de comunicação social, e diversas empresas e anunciantes, aqui sim em clara violação das regras deontológicas.
Mas isso se calhar não convém. Mais vale aproveitar a “onda” dos ataques da ERC – junta-se a fome à vontade de comer – e tratar de se desenvencilharem de um jornalista incómodo; de um jornalista que vos surge, como fantasma, a relembrar-vos os jornalistas que deixaram de ser. Ou que nunca foram.
E, no meio, “queimando-me” no vosso grotesco pelourinho mostram aos outros jornalistas que é melhor serem como vós do que como eu. Os inquisidores do Santo Ofício também assim procediam contra a “herética pravidade”, para que todos fossem como eles.
Nota final: Em princípio, encerro com este texto o caso ERC/SPS e a CCPJ/SPS, esperando que estas dissensões subam para o nível onde devem ser debatidas: não na praça pública (onde não detenho o poder financeiro, nem o controlo da informação, como essas entidades), mas nos tribunais. Por esse motivo, conto apenas voltar a estes assuntos se e quando houver decisões judiciais, esperando que estas duas entidades e a SPP procedam com similar civilidade.
Como o PÁGINA UM também não detém financiamentos públicos e privados – aliás, eu até, como jornalista, tenho de pagar uma taxa à CPPJ; e como detentor de um órgão de comunicação social, tenho de pagar registos e emolumentos à ERC –, a luta judicial também está desequilibrada, apenas tornando-se mais justa com o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO.
Regresso à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, porque o caso merece.
Atente-se ao comunicado inédito e virulento do Conselho Regulador. Ficará na História como prova indelével do estado de podridão da democracia portuguesa no ano da (des)graça de 2022. Reza assim:
“Hoje, dia 9 de agosto de 2022, um cidadão de nome Pedro de Almeida Vieira dirigiu-se à ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre [sic] pretexto de consultar processos em que o seu nome está envolvido.
Não é a primeira vez que o faz, não aceitando as regras estabelecidas para o funcionamento da ERC e, insatisfeito, com deliberações em que a ERC não lhe dá razão, tem vindo a insultar os membros do Conselho Regulador e a exercer coação sobre os funcionários que o atendem, insistindo, inclusive, em gravar uma audiência de conciliação apesar de advertido de que não o poderia fazer, e fotografar peças processuais.
Culminou, após ameaça, por pedir a comparência de Autoridade Policial para concretizar tal coação.
Intitulando-se jornalista, o referido cidadão tenta legitimar comportamentos nos quais, consideramos, que a classe jornalística não se revê.
A ERC não pode deixar de condenar e repudiar esta atitude invulgar e abusiva do referido cidadão e irá acionar os mecanismos legais e judiciais para a defesa do bom nome da Instituição e dos direitos dos cidadãos e da Liberdade de Imprensa.”
“Acto de coacção” número 1, “intentado” ontem nas instalações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social durante o processo de consulta, e com entrada convenientemente anotada
Quem lê isto – eu próprio – imaginará, por certo, que eu, talvez munido de um taco de beisebol, irrompi por ali adentro, na sede da ERC, vociferando impropérios, ameacei meio-mundo, uma Sicília em plena Avenida 24 de Julho, gritos por todo o lado, e tudo isto sob [assim, sim] pretexto de consultar processos, ali se fez um banzé e mais trinta por uma linha, ao ponto de enfim, até ficar envolvida a Autoridade Policial para se concretizar a minha coação.
A silly season misturada com um filme de terceira classe.
Se não fosse grave até julgaria muito curioso o estratagema da ERC de tentar transmitir a ideia de que eu sou um “vândalo” que “não aceita as regras estabelecidas para o funcionamento da ERC”.
Porém, para azar, e sobretudo para compor um processo judicial por difamação, contabilizo, na minha caixa de correio profissional do PÁGINA UM, 39 e-mails enviados à ERC desde Janeiro deste ano, entre requerimentos, questões e pedidos de esclarecimento.
Sempre cordatos, sem uma palavra imprópria. A ERC pode mostrá-los, são documentos administrativos, públicos. Na generalidade, sempre direccionados ao “Exmo. Senhor Presidente da ERC”.
Em grande parte dos quais, recorrendo, e explicitando, normas legais da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, da Lei da Imprensa, dos Estatutos da própria ERC e do Código do Procedimento Administrativo. Noutros, colocando perguntas concretas.
Não se pense que os meus contactos com a ERC sejam apenas de assuntos relativos ao PÁGINA UM. Muito longe disso – e, aliás, por não serem quase nunca sobre o PÁGINA UM, e sim sobre a acção da ERC, eu compreendo a irritação e o nervosismo dos senhores do Conselho Regulador.
Desde que o jornal nasceu, publicámos já mais de uma dezena de artigos abordando a acção – ou inacção – desta entidade reguladora em assuntos sobre a comunicação social em que o PÁGINA UM (como “actor”) em nada estava relacionado, como se pode ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
Ou seja, são 21 artigos noticiosos puros e duros, alguns de investigação – mas, repito, o interesse do PÁGINA UM foi estritamente editorial pela relevância dos assuntos na esfera jornalística. O PÁGINA UM não era “parte achada” nem directa nem indirectamente.
Acto de coacção número 2, “intentado” ontem nas instalações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social durante o processo de consulta, e com entrada convenientemente anotada.
Diferentes são, de factos, os casos em que o PÁGINA UM – e eu, em particular, como seu director – recorri à ERC por esta ser a entidade reguladora, devido à denegação do direito de resposta da CNN Portugal, Observador, Público, Expresso e Lusa por causa de uma campanha vergonhosa iniciada por uma abjecta notícia em 23 de Dezembro do ano passado.
Mas até aqui o comunicado de ontem da ERC foge à verdade. De entre as cinco deliberações da ERC sobre esta matéria, três acabaram por ser globalmente favoráveis ao PÁGINA UM (uma das quais depois de reclamação formal em que a ERC reverteu a sua decisão inicial), e apenas as do Expresso e da Lusa não o foram, mesmo com o voto do próprio presidente da ERC a favor da pretensão do PÁGINA UM.
Portanto, em abono da verdade, de entre estas cinco deliberações, o presidente da ERC, o juiz conselheiro Sebastião Póvoas, até esteve sempre “ao lado” do PÁGINA UM. Portanto, pessoalmente, nestes casos em concreto, eu e o senhor juiz conselheiro estamos de acordo.
Bem diferente, porém, é o caso da deliberação da ERC sobre uma queixa da Sociedade Portuguesa de Pneumologia contra a investigação jornalística isenta e rigorosa do PÁGINA UM.
Não apenas por ser uma deliberação indigna e atentatória da Liberdade de Imprensa – em consequência dos artigos noticiosos do PÁGINA UM o presidente da SPP foi afastado de consultor do Infarmed e está a braços com um processo de contra-ordenação da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde –, mas também por a ERC ter cometido nulidades insanáveis (não concedeu a pedida audiência prévia para apresentação de documentos e testemunhas).
A ERC – e sobretudo o seu presidente, que é um juiz conselheiro – sabem que fizeram “porcaria” jurídica, sabem que se portaram de forma enviesada em todo o processo. Foram “apanhados” no meio de uma farsa, e perante a irredutível postura do PÁGINA UM de levar isto até às últimas consequências – e de defender que não têm condições para se manterem no cargo – estão a fabricar incidentes. E a tentar manipular a opinião pública.
Por isso, a alegada ilicitude da gravação de “audiência de conciliação” – expressamente mencionada no comunicado da ERC – é uma parvoíce. Durante essa audiência foi suscitado esse “incidente”, houve uma comunicação interna sobre essa matéria, mas um despacho da própria ERC, “não se vislumbrando ilicitude tratando-se de declarações ditadas pelo arguido”, arquivou o assunto. Emitir esse suposto incidente para me “conspurcar” é grave.
Quanto a “fotografar peças processuais” ser ilícito, só poderia ser piada, se não tivesse como objectivo colar-me uma atitude censurável. Fotografar papéis numa consulta autorizada é o acto mais banal de registo para um jornalista desde que os telemóveis têm boas câmaras fotográficas, tornando a recolha de notas mais rápida e prática.
“Acto de coacção” número 3, “intentado” ontem nas instalações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social durante o processo de consulta, e com entrada convenientemente anotada.
Ademais, estava em causa documentos administrativos em processos já decididos, e que até me diziam respeito. Além disso, essas fotografias constituem, além de auxiliar de trabalho, uma prova da consulta e da existência desses documentos, independentemente de se requererem cópias (que têm um custo).
Por outro lado, sobre a chamada da “Autoridade Policial para concretizar tal coação”, sejamos claros: a PSP apenas foi chamada porque as técnicas da ERC ameaçaram chamar um “segurança” quando protestei sobre o impedimento de fotografar os documentos, e se recusaram a indicar a base legal desse impedimento. Considerando que estaria em causa um acto ilícito, somente com a presença de uma “Autoridade Policial” se poderia registar a veracidade da ocorrência.
Por fim, e na verdade, os meus actos de “coação” acabaram, ao fim e ao cabo, por ser a entrega de mais dois requerimentos e um pedido de fotocópias relativos a três processos consultados. Outros ficaram por consultar porque, entretanto, chegaram quatro polícias da Esquadra da Estrela para registar uma ocorrência, e meteu-se a hora do almoço, e disseram-me que não havia possibilidade de retomar a consulta pela tarde.
Uma chatice, porque vou ter de ir lá outro dia. Com advogado, presumo. Para já, seguiu hoje novo requerimento. Até porque, se o Conselho Regulador da ERC pensava que uma deliberação iníqua e cheia de nulidades e um comunicado difamante (e até para toda a classe jornalística) seriam suficientes para “vergar” o PÁGINA UM, e “amansar-me”, enganaram-se. Comportar-me-ei sempre, como jornalista, dentro da lei mas sem limites que não sejam os princípios deontológicos e a isenção e rigor.
Portanto, quando o exercício de um direito legal de consulta a processos e documentos administrativos se “transforma”, perante uma entidade pública, e ainda por cima a entidade que regula a Comunicação Social, num acto de coacção, ficamos com a verdadeira noção de que a Democracia está podre. Ou então que há pessoas que não sabem estar em democracia.
Os senhores cidadãos Sebastião Póvoas, Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo vieram hoje, penosamente, contribuir com mais um episódio para a consolidação do pantanal em que transformaram a regulação da Comunicação Social.
Quando se diz “consolidação”, significa, neste caso, “putrefacção”.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) é hoje, com estes três senhores e esta senhora, uma versão rasca de Tomatina de Buñol, mas fora do prazo de validade, estão podres, e não são os tomates – vivem eles, e não os tomates, numa democracia mas comportam-se ainda como se estivessem em regime totalitário. Como não podem, mesmo assim, encerrar um projecto editorial independente e não-servil, optam por o conspurcar. E fazem o que querem. Confiam na inércia da sociedade, na lentidão e nos custos do acesso à Justiça.
Não contentes com o que andaram a fazer nos últimos meses, esta tarde acometeram com nova sessão de pantomina, e decidiram responder à carta do advogado do PÁGINA UM, Rui Amores, que enfim lhes tinha apontando, em tom cordato, as nulidades processuais da Deliberação a “pedido” da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Nervosos, os três senhores – um dos quais, enfim, juiz conselheiro – surgem a assinar espantosas duas folhas e meia para procurar justificar o injustificável, mas aditando confusões e incongruências tamanhas que, enfim, esta novela só já não é um novelo porque não tem ponta por onde se pegue.
Sei porque eles o fazem: talvez para os seus “apaniguados”, talvez para as suas clientelas, talvez mesmo para a imprensa mainstream, talvez para os próprios leitores do PÁGINA UM. Convém-lhes fomentar entropia e lançar mistifórios para confundir, de sorte que os meus argumentos para os desmascarar sejam necessariamente longos. Eles sabem bem a táctica da (des)comunicação.
Dizem eles, para começar, que o “requerente” [eu], foi “notificado da queixa/participação feita pela Associação [sic] Portuguesa de Pneumologia – SPP”, e que a pude contraditar. E assim fiz, é certo, naquela fase. E, aliás, fui contraditando com mais investigações, a ponto de que o queixoso, o senhor António Morais, foi alvo de um processo de averiguações e depois de contra-ordenação por parte da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, e ainda descartado de consultor do Infarmed. A “culpa” foi do PÁGINA UM, o jornal do qual se queixou à ERC, e sobre o qual a ERC abriu um processo e quis censurar com uma Deliberação abjecta.
Depois dizem eles, os senhores do Conselho Regulador da ERC, que se fez uma “audiência de conciliação, realizada no dia 27 de Abril”, acrescentando que “durante a qual até proced[i] (ou tent[ei]…] gravar o [m]eu depoimento, tendo sido advertido pela instrutora que tal conduta era irregular”.
Tontice! Não tentei gravar. Gravei mesmo, integralmente, apesar dos protestos, porque estávamos perante um acto público de defesa e, já desconfiando do enviesamento da ERC, tinha de garantir provas do que ali era dito. Não cometi qualquer irregularidade. Aliás, convenço-me hoje que procedi bem.
Mais uma velhacaria, a dos membros do Conselho Regulador, aludirem à minha alegada conduta “irregular”.
Sobre esta matéria, até existe um despacho, em 3 de Maio passado, com o seguinte: “Como se desconhece qual o segmento gravado, não se vislumbrando ilicitude tratando-se de declarações ditadas pelo arguido, arquive”. Esta informação interna, sobre a qual nunca tive conhecimento anterior, apenas foi apensa ao processo hoje, dia 8 de Agosto.
Mas, para quem não sabe disto, pensa que tive um comportamento “irregular”. Para os senhores do Conselho Regulador da ERC já vale tudo.
Por outro lado, é completamente falso, como escreve o Conselho Regulador da ERC, que “na eminência [sic]” de ser notificado da Deliberação, apresentei “em 18 de Julho p.p., um requerimento alegando ter pedido, à CADA, acesso a vários documentos que pretenderia juntar e podiam ter influência na decisão”.
Os senhores membros do Conselho Regulador da ERC estão, por certo, tontos ou afectados pelas ondas de calor derivadas das alterações climáticas. Ou são, apenas, mentirosos.
Este normativo diz que “os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”, acrescentando-se ainda que, nessa altura, “os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.”
Ora, havendo uma Deliberação – como houve – em 13 de Julho, a ERC manifestamente incumpriu o meu direito de audiência prévia. Os senhores do Conselho Regulador da ERC, incluindo o seu presidente, um juiz conselheiro, diz algo sobre esta matéria? Nanja!
Na verdade, quando enviei um e-mail em 18 de Julho passado, eu nem sabia que viria a ser notificado para aditar novos documentos, e muito menos que já houvera uma Deliberação cinco dias antes.
E mais – e grande confusão anda naquelas cabeças da ERC: a minha comunicação de 18 de Julho passado, nada tem a ver com a CADA [Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos] nem com documentos que supostamente lhes pedira.
“Uma vez que considero relevante para a avaliação das queixas quer da Sociedade Portuguesa de Pneumologia contra mim (director e jornalista do Página Um) quer a minha contra o presidente da SPP, tomo a liberdade de reencaminhar para V. Exa. um e-mail hoje recebido da Inspecção-Geral das Actividades [em Saúde], e que em grande medida envolve investigação jornalística do Página Um à dita sociedade médica.
Certo que V. Exa. e a ERC tenham consciência do que está em causa na diligência da SPP junto da instituição que V. Exa. preside, e estando eu, pessoalmente, confiante do papel de um regulador na promoção de uma imprensa livre num Estado Democrático, queira aceitar os melhores cumprimentos.”
Em suma, eu reencaminhava as comunicações da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde sobre o processo de contra-ordenação instaurado contra o senhor António Morais, presidente da SPP, no decurso das notícias do PÁGINA UM sobre aquela sociedade médica.
Aliás, tão preocupado estava eu então com a iminência de um “golpe de teatro” – e as informações que detinha davam-me conta de enviesamentos na análise dos meus casos na ERC – que, em 27 de Julho passado, solicitei por escrito, novamente ao presidente do regulador, que, ao abrigo do Código do Procedimento Administrativo, me informasse do andamento dos processos em curso.
E, de facto, no dia seguinte, dia 28 de Julho, o chefe de gabinete do Conselho Regulador da ERC, Paulo Barreto, informava-me por ofício que, em relação à “queixa formulada pelo Senhor António Morais”, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia contra o PÁGINA UM, eu tinha sido notificado [ou viria a ser notificado, porque tal só sucedeu em 2 de Agosto passado], através do Ofício SAI-ERC/2022/6661, de 21 de Julho de 2022, para, querendo, vir ao processo apresentar documentos e outros elementos que considere pertinentes”.
Neste caso em concreto, notem que a ERC omitiu intencionalmente – o que, neste caso, se mostra sinónimo de mentira – que afinal já havia uma Deliberação tomada em 13 de Julho, e que não cumprira o pedido de audiência prévia.
Não me escreveram, na verdade; ditaram uma pantomima.
Portanto, não é apenas uma mentira os membros do Conselho Regulador dizerem hoje que foi por estar “na eminência [sic]” de ser notificado [da Deliberação], que eu apresentei “em 18 de Julho p.p., um requerimento alegando ter pedido, à CADA, acesso a vários documentos que pretenderia juntar e podiam ter influência na decisão”.
Eu não sabia da Deliberação de 13 de Julho porque aguardava pela audiência prévia quando enviei o e-mail em 18 de Julho. Eu não sabia da Deliberação de 13 de Julho porque a ERC me informou em 28 de Julho que me notificara para “querendo, vir ao processo apresentar documentos e outros elementos que considere pertinentes”. Eu não sabia da Deliberação de 13 de Julho quando, na manhã do dia 4 de Agosto, me desloquei à sede da ERC, na Avenida 24 de Julho em Lisboa, porque estava ciente que estava a cumprir a audiência prévia, que se concretizaria após a consulta prévia de um projecto de decisão.
E, afinal, aquilo que vi, nessa manhã, foi a mais vil sacanice de uns senhores a quem entregaram a função de regulador da Comunicação Social da República Portuguesa.
Na verdade, com a carta de hoje, os senhores do Conselho Regulador da ERC quiseram chafurdar ainda mais, aumentando a confusão, criando o caos, avacalhando um processo que teve, desde o início, apenas um fito: censurar o trabalho de investigação jornalística isento, rigoroso e, hélas, incómodo do PÁGINA UM.
Por isso, também é falso – e patético como argumento – que o meu requerimento em 18 de Julho devesse ser “liminarmente indeferido, esgotado que estava o poder deliberatório do Conselho Regulador”. Os senhores e a senhora que assinam o triste texto em nome da ERC esquecem-se que fizeram uma deliberação fora-da-lei, fizeram uma análise típica de um regime totalitário e que omitiram e mentiram ao longo do mês. Fizeram tudo isto intencionalmente, mesmo o envio da Deliberação fora-da-lei para consumarem um acto de pura sacanice.
Aliás, nem sequer se predispuseram a incluir na farsa deste processo qualquer análise do Departamento Jurídico e/ ou de Análise de Media…
Por tudo isto, só pode ser por hipocrisia – poderia usar termo mais forte e apropriado, mas fico-me por esta palavra – que o Conselho Regulador da ERC venha ainda dizer que me notificaram, para juntar documentos por uma “preocupação de assegurar as mais amplas garantias e, eventualmente, prevenir pedidos de reforma do acto administrativo ao abrigo do disposto no artigo 184º do Código do Procedimento Administrativo, assim acautelando economia processual”.
Aliás, o artigo 184º do Código do Procedimento Administrativo nem sequer se aplicaria, naquela fase, ao processo em causa. Qualquer aluno do primeiro ano de Direito chumbaria se dissesse tal coisa.
Enfim, e que dizer ainda, e por fim, do desplante dos senhores do Conselho Regulador da ERC de concluírem que, na passada quinta-feira, quando fui consultar o processo e descobri a marosca, nada acrescentei, “mantendo-[me] silente quanto a tal processo”. Queriam que eu fizesse ainda mais parte da farsa por eles montada?
Chamar-lhes só patifes ainda seria pouco… Já merecem mais do que a demissão.
N.D. Este caso, obviamente, será dirimido em tribunal, onde se impugnará quer a Deliberação quer se procurará que terceiros possam servir-se desta vil Deliberação para desacreditarem o PÁGINA UM. Os processos judiciais do PÁGINA UM são financiados pelos leitores através do FUNDO JURÍDICO.
Desde o início da pandemia, a Suécia foi eleita pelos media do mundo ocidental como o “patinho feito”, indiciado como o “cisne negro” desumano e frio, que permitiu, na primeira fase da pandemia – com um acréscimo inicial de mortes –, consolidar a narrativa da eficácia de medidas restritivas draconianas, independentemente da sua cientificidade.
O populismo e o alarmismo – e acrescento agora a hipocrisia – “crucificaram” no pelourinho público uma verdadeira estratégia de Saúde Pública. Recordo aqui as palavras de Ann Linde, a ainda ministra dos Negócios Estrangeiros deste país nórdico, em Maio de 2020: “Isto não é um sprint; é uma maratona”.
Mas pouco importou. A despeito da existência de problemas iniciais nos seus lares – que, na verdade, se evidenciaram porque existe uma cultura de transparência e responsabilização; aqui em Portugal simplesmente esconde-se –, a estratégia da Suécia sempre foi olhada com desdém pelos políticos e media ocidentais. Quem, em Portugal ou fora da Suécia, concordasse com as estratégias daquele país nórdico era rotulada de negacionista, egoísta e desumano.
E qual era essa estratégia? Recuperemos as palavras da ministra sueca: “[A nossa estratégia] baseia-se numa perspectiva de longo prazo sobre como podemos salvar vidas, proteger o nosso sistema de saúde e garantir que nossa sociedade e a população saiam o mais ilesas possível”.
Um dia a História demonstrará, por certo, os erros e os crimes (por negligência ou intencionalidade, por razões políticas e de negócio) que se foram cometendo desde 2020, e que estão a resultar naquilo que certa imprensa nacional diz ser um mero “falhanço da sociedade”, e ainda por cima “de todos”, como diz uma notícia de hoje do Expresso.
Não é de todos, não. É de alguns. É dos políticos. É das políticas. É de certa (quase toda a) comunicação social que, há dois anos, vilipendiava a desumana Suécia ao mesmo tempo que patrioticamente cantava hosanas ao “milagre português” entronizado por Marcelo Rebelo de Sousa na Primavera de 2020.
Em Portugal, nunca se pensou no médio prazo nem no longo prazo, nem de como sairíamos disto depois disto acabar [se calhar, não se quer formalmente acabar para evitar “fazer contas”]. Pensou-se no dia-a-dia, no “salvar o coiro”, no encontrar “bodes expiatórios” (o frio, o calor, o próprio vírus, os não-vacinados; os irresponsáveis em geral) em vez de implementar soluções.
Pessoalmente, não me surpreende agora, mais de dois anos após o anúncio da pandemia – com o SARS-CoV-2 perfeitamente em estado endémico –, o estado em que estamos na “maratona” falada pela ministra sueca.
E nem me surpreende já o modo impávido e sereno como se assiste a um gerontocídio sem precedentes, bem pior do que o do ano passado. O Governo esconde vergonhosamente dados; luta no Tribunal Administrativo – com toda a sua máquina jurídica e as suas tentaculares ligações – para não ser obrigado a revelar informação comprometedora.
E a Suécia? A Suécia, ora, ora, esse país hasteado como exemplo da desumanidade e do egoísmo.
Sim, e a Suécia? Sim, a Suécia, minhas senhoras e meus senhores? A Suécia, senhores políticos… A Suécia, meus camaradas jornalistas? Como vai a Suécia, nesta maratona?
Regressou à normalidade. Mortalidade total perfeitamente em linha – e por vezes mesmo abaixo dos níveis da pré-pandemia, e sem todas as consequências sociais, económicas e de Saúde Pública que países como Portugal estão e estarão a sofrer.
No gráfico que aqui apresento, produzido através de dados oficiais tanto de Portugal como da Suécia, comprova-se as consequências no nosso país das péssimas políticas de Saúde Pública e os efeitos de uma comunicação social que as apoiou acriticamente. Dois anos depois, quando a covid-19 apresenta já uma taxa de letalidade ao nível da gripe, e quando tudo já deveria estar normalizado, Portugal apresenta, desde finais de Fevereiro deste ano, um aterrador excesso de mortalidade acima do período pré-pandemia (2015-2019).
A partir de Maio, esse excesso esteve quase sempre acima de 20%, e quando o tempo ficou mais quente supero os 40% e mesmo os 50%.
Variação (défice ou excesso, em média móvel de sete dias), em percentagem, da mortalidade diária em 2022 face ao período pré-pandemia (2015-2019) em Portugal e na Suécia. Fonte: SICO (Portugal); SCB (Suécia)
[Aliás, sobre as ondas de calor: obviamente estas causam um acréscimo de mortalidade (se não forem tomadas medidas de proteção), mas o factor mais determinante acaba por ser o estado de maior ou menor vulnerabilidade das pessoas; por exemplo, se eu aumentar a pressão sobre um ferro, ele pode manter-se “impávido”; mas se em vez do ferro houver um frágil pedaço de madeira, este pode quebrar com o aumento da pressão]
E agora, vai “ficar tudo bem”? Está tudo bem? Vai-se continuar a culpar a guerra da Ucrânia, as alterações climáticas, o infortúnio? Ninguém se preocupa com o obscurantismo do Governo? Nem com a inércia da Procuradoria-Geral da República? Nem com a tentativa de descredibilização perpetrada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social contra o jornalismo independente que denuncia que o “rei vai nu”?
Vai-se continuar a chamar estupores aos suecos, enquanto se glorifica o país do senhor Gouveia e Melo para quem todas as vidas contavam, mas que, afinal, as deixa partir que nem tordos?
Um discreto e diligente burocrata, que foi saltitando de administração hospitalar em administração hospitalar, até ser colocado na presidência da Administração Central do Serviço de Saúde pela ministra Marta Temido (amiga de longa data), decidiu expurgar do acesso público, em Maio passado, uma detalhada base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar. Repôs agora, mas trucidando-a em três e “mutilando” a informação, tornando-a num sucedâneo inútil. O PÁGINA UM vai recorrer, mais uma vez, ao Tribunal Administrativo, e ao seu FUNDO JURÍDICO (com o apoio dos seus leitores), para obrigar o Ministério da Saúde a disponibilizar a base de dados original.
Um carniceiro de cutelo em riste não teria feito melhor obra a despedaçar uma carcaça. Victor Herdeiro – presidente da Administração Central do Serviço de Saúde (ACSS) e amigo de longa data da ministra da Saúde Marta Temido – mandou repor ontem a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar no Portal da Transparência do SNS, mas partida em três, com uma frequência trimestral e expurgando dados estatísticos que tornam intencionalmente a informação inútil.
Recorde-se que a retirada da base de dados original ocorreu após o PÁGINA UM ter começado a elaborar um conjunto de artigos de investigação sobre o desempenho das unidades hospitalares do SNS nos seus diversos departamentos (e doenças) ao longo da pandemia. Até Maio passado, a base de dados então existente no Portal da Transparência do SNS continha informação estatística (e, portanto, anonimizada) com uma frequência mensal e diversos campos que possibilitavam múltiplas análises: mês e ano, tipo de doenças (por grupo, incluindo covid-19), grupo etário, sexo, unidade de saúde, número de internados, dias de internamento e óbitos.
Marta Temido (ministra da Saúde) e Victor Herdeiro (presidente da ACSS), terceiro e quarto a contar da esquerda, juntos na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho.
Ora, os serviços de Victor Herdeiro “mutilaram” completamente a base de dados, com o fito de esconder análises mais elaboradas a partir da base de dados original – que requeria conhecimentos estatísticos mais avançados –, impedindo assim a descoberta de diferenças entre a “narrativa oficial” do Ministério da Saúde e a realidade.
Um dos artigos do dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho no PÁGINA UM, com informação obtida a partir da original base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar. Com a base de dados sucedânea e “mutilada” passará a ser impossível análises similares.
Com efeito, a ACSS – que alega, na comunicação formal de Victor Herdeiro ao PÁGINA UM, que estavam em causa informação protegida pelo Regulamento Geral de Protecção de Dados (na verdade, nunca houve nomes de pessoas divulgados) – não apenas alargou a periodicidade (passando a agregar dados mensais em trimestre) como expurgou, com intenção, os dados absolutos, disponibilizando somente taxas de internamento e de mortalidade.
A utilidade desta informação é agora nula.
Além disso, a base de dados original foi partida em três completamente separadas – por sexo, por faixa etária e por instituição –, impedindo assim, por exemplo, comparações entre unidades de saúde em função do grupo etário. Algo que se conseguia antes, agora o presidente da ACSS decidiu expurgar para evidente satisfação do Ministério da Saúde, para quem a base de dados original poderia vir a fazer (mais) mossa.
Recorde-se que os laços entre Marta Temido e Victor Herdeiro são bastante estreitos e de longa data. Ambos tiraram o curso de Direito, tendo-se cruzado nos corredores da Universidade de Coimbra, embora o actual presidente da ACSS seja mais velho (nasceu em 1969, enquanto Temido nasceu no início de 1974). No entanto, passaram a ter contactos estreitos há cerca de duas décadas, porque ambos ingressaram na carreira de administradores hospitalares.
Na Associação Nacional de Administradores Hospitalares (APAH) – uma poderosa agremiação por via das ligações políticas e dos financiamentos das farmacêuticas –, Victor Herdeiro e Marta Temido compartilharam mesmo três mandatos ao longo de nove anos: 2008-2011, 2011-2013 e 2013-2016.
Nos dois primeiros mandatos, Temido foi tesoureira e Herdeiro vogal, enquanto naquele último triénio a actual ministra presidiu à APAH, mantendo-se Herdeiro como vogal. Já sem Marta Temido nos órgãos sociais desta associação, Victor Herdeiro foi vice-presidente no mandato de 2016-2019. Ambos são também “responsáveis” pelo convite a Alexandre Lourenço para presidir à APAH há seis anos, como o próprio confessou em Março último.
Apesar desta tentativa de obstaculização ao acesso à informação e ao sinal evidente de obscurantismo da Administração Pública por conveniência política, o PÁGINA UM já solicitara expressamente ao presidente da ACSS o acesso integral à base de dados original – que continua a ser produzida mas não divulgada agora no Portal da Transparência do SNS. Como Victor Herdeiro não cedeu essa base de dados original, e já passou o prazo de 10 dias úteis para resposta, o PÁGINA UM apresentará, na próxima semana, um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo para obrigar a ACSS a disponibilizar esse conjunto de dados.
Caso o Tribunal Administrativo de Lisboa conceda ao PÁGINA UM o direito a ter acesso à base de dados original, poderemos continuar a ter informação isenta e rigorosa. Se o Tribunal não conceder esse direito, o obscurantismo do Ministério da Saúde vence e não haverá mais informação sobre o desempenho do SNS de forma independente.
N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores é o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso. Até ao momento, estão em curso oito processos administrativos e mais dois em preparação.
Sem apresentar publicamente uma justificação, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social indeferiu o pedido de confidencialidade dos dados económicos e financeiros em 2021 da empresa TVI – Televisão Independente, do universo da Media Capital. Nos últimos dois anos, os prejuízos ultrapassaram os 14 milhões e em apenas três anos quase dois terços do capital próprio esfumou-se.
A TVI – Televisão Independente S.A. – a empresa detentora da TVI e da CNN Portugal, que se encontra no universo da Media Capital – viu a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) recusar a confidencialidade dos seus indicadores financeiros do ano de 2021. Em consulta do PÁGINA UM ao Portal da Transparência dos Media, todos os dados financeiros do ano passado já aliconstam, sem excepção: activos, passivo, rendimentos, resultados líquidos e o peso dos principais clientes e dos detentores do passivo (credores).
No início de Julho, o PÁGINA UM revelara em primeira-mão que a TVI S.A. estava a tentar obter autorização para esconder toda a sua informação económica e financeira do ano passado. A ERC mantinha então, na Plataforma da Transparência, a indicação de estar a analisar o pedido.
José Eduardo Moniz consta como responsável editorial da TVI – Televisão Independente S.A. no Portal da Transparência da ERC.
Por a Media Capital nunca ter respondido ao PÁGINA UM, ignoram-se os motivos do pedido de confidencialidade, mas, de facto, não havia desempenhos assim tão lustrosos para mostrar.
Apesar de os rendimentos totais terem aumentado de 112,7 milhões de euros em 2020 para 130,8 milhões de euros em 2021, repetiu-se o “desastre” económico dos últimos anos: acumularam-se prejuízos.
Quase em linha com 2020 (resultados negativos de 7,28 milhões de euros), a TVI S.A. viu Dezembro de 2021 terminar com um prejuízo de 7,07 milhões de euros.
Confirma-se assim um ciclo negro da empresa responsável pela TVI e CNN Portugal, que em 2017 tivera um lucro de 21,15 milhões de euros e em 2018 um lucro de 19,49 milhões de euros. O ano de 2019 já tinha sido de recessão, quando foram apresentados resultados líquidos negativos na ordem dos 963 mil euros.
Em virtude desta má prestação económica, o capital próprio despencou: entre 2018 e 2021 passou de 52,9 milhões de euros para 18,1 milhões, uma queda de 66% em apenas três anos. Em oposição – ou em consequência –, o passivo aumentou fortemente: em 2018 estava nos 61,6 milhões de euros para os 89,8 milhões. E com uma agravante: em vez de instituições bancárias ou entidades externas, os principais credores da TVI S.A. são empresas do universo da própria Media Capital: a Meglo Media Global (35% do passivo) e Plural (13%), agregando um total de 19,6 milhões de euros.
Dados económicos e financeiros do ano passado da TVI – Televisão Independente S.A. estão agora disponíveis. ERC indeferiu integralmente pedido de confidencialidade.
Um outro aspecto das contas da TVI S.A. que acabou também por ser revelado foi o peso da MEO nos rendimentos desta empresa. De acordo com os dados do Portal da Transparência, a MEO é um “cliente relevante”, com 15% do total dos rendimentos. Contas feitas, a TVI S.A. recebeu da empresa de telecomunicações cerca de 20 milhões de euros ao longo do ano passado. Foi a primeira vez que a ERC não permitiu confidencialidade deste detalhe à TVI S.A.
Os dois canais televisivos acabaram assim por ser responsáveis pelas contas a vermelho da holding de Mário Ferreira. Em 2021, a Media Capital apresentou um prejuízo de 4,1 milhões de euros, a que se juntam os 11 milhões já registados ao longo de 2020.
Entretanto, o PÁGINA UM aguarda da ERC a satisfação de um pedido de acesso a todos os requerimentos de órgãos de comunicação social que pediram confidencialidade no (paradoxalmente) denominado Portal da Transparência.
De acordo com um diploma legal de Abril de 2016, as entidades que, sob forma societária, prossigam atividades de comunicação social devem enviar anualmente à ERC um relatório de governo societário, incluindo dados sobre o capital próprio, activo total, passivo total, resultados operacionais, resultados líquidos (lucro), rendimentos totais e passivos (totais e contingentes).
Nascida em 2021, a CNN Portugal não conseguiu qualquer milagre económico para a empresa TVI – Televisão Independente S.A.
Também deve constar a relação das pessoas singulares e/ ou colectivas que representem mais de 10% dos rendimentos totais e dos passivos, com as respectivas percentagens. A data-limite para o envio dessa informação à ERC, relativo ao exercício mais recente, é o dia 30 de Junho de cada ano.
No entanto, um regulamento prevê que, “atendendo à sensibilidade e ao caráter sigiloso de alguns dos dados solicitados” – que, na verdade são públicos, por outras vias –, “as entidades poderão solicitar à ERC a aplicação do regime de exceção”, ou seja, podem requerer sigilo, embora o regulador tenha o poder de “rejeitar o pedido (…), desde que por motivos devidamente fundamentados”. Porém, não são conhecidos os critérios para o deferimento, ou não, dos pedidos por parte do regulador.
Em inglês chama-se SLAPP – acrónimo, que faz lembrar estalo (slap), para Strategic Lawsuit Against Public Participation. Consiste em processos de intimidação, perseguição e silenciamento, quase sempre recorrendo a processos judiciais ou similares, não apenas para desacreditar vozes independentes como para lhes causar danos patrimoniais.
Esta estratégia, muito em voga em diversos países, teve já em Portugal um infeliz momento, quando o então presidente (de “má memória”) do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, moveu mundos e fundos (públicos) para levar à condenação do então director do Público, José Manuel Fernandes, por um artigo de opinião em 2006. A República Portuguesa acabaria condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por esta decisão que teve contornos kafkianos e pouco abonatórios de um país que defende a liberdade de imprensa na sua Constituição.
Ora, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) parece querer agora introduzir um novo patamar no SLAPP lusitano, predispondo-se a ser uma “plataforma” para silenciar, desacreditar e intimidar vozes independentes e incómodas do jornalismo português.
Para resumir: como se sabe, a ERC aceitou em Abril passado uma queixa do senhor António Morais, circunstancialmente presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), por o PÁGINA UM ter publicado diversos artigos de investigação sobre a promiscuidade desta associação perante os interesses das farmacêuticas durante a pandemia. Dados públicos, exactos. Tentativa de ter contraditório, foi feita; impossível por a SPP se ter sempre recusado a dar informações.
Na verdade, as consequências eram apenas para o senhor António Morais e seus apaniguados.
António Morais, ao centro, numa foto durante a cerimónia de posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Janeiro de 2019. Investigação do PÁGINA UM levou à sua saída de consultor do Infarmed e à abertura de um processo de contra-ordenação, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social aprestou-se para uma “farsa” em seu apoio.
De facto, no mais puro e nobre jornalismo de investigação e de denúncia – em qualquer lado democrático –, as notícias do PÁGINA UM tiveram consequências, mas mais ao nível da “limpeza ético-atmosférica”: o senhor António Morais está a ser alvo de um processo de contra-ordenação, depois de um processo prévio de averiguação, pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, e foi entretanto “chutado” por evidentes incompatibilidades pelo Infarmed como consultor.
Basicamente, o senhor António Morais – que, entretanto, por exemplo, andou a fazer publicidade ao Paxlovid, da farmacêutica Pfizer – só podia ser simultaneamente consultor de um organismo público e presidente da SPP se esta última entidade recebesse menos de 50 mil euros por ano das farmacêuticas. A SPP recebeu mais de 800 mil no último quinquénio. No ano passado recebeu 1,3 milhões de euros do sector do medicamento. Havia dinheiro a rodos; os leitores poderiam tirar as suas conclusões; é esta a função essencial do jornalismo.
Mas, SLAPP: a ERC – já muito incomodada pelas questões que o PÁGINA UM lhe tem andado a colocar – decidiu fabricar uma farsa e arranjar para si o papel principal: farsante, travestindo-se de regulador para vir em defesa da carcomida honra de certos respeitáveis senhores doutores.
Por aceitar a queixa da SPP? Não. Ora essa! Por quem sois!
Ofício da ERC com a notificação, no âmbito de audiência prévia, para juntar elementos a um processo que, afinal, estava já concluído.
Pode a ERC sempre aceitar queixas, embora tenha o dever de as analisar previamente, e definir de forma clara uma acusação (ou um arquivamento), e não simplesmente solicitar uma defesa obrigatória, sem a qual (segundo os seus absurdos Estatutos) se está perante uma assumpção da culpa (é mesmo assim).
Ou seja, a ERC tem a obrigação de proteger os bons cidadãos da má imprensa, mas deve proteger também a boa imprensa dos maus cidadãos. Caso contrário está-se perante o consumo de recursos (tempo e dinheiro) em sucessivas defesas de obtusas acusações. E, nessa medida, um verdadeiro regulador da comunicação social deveria ser, de igual modo, um instrumento para contrariar a estratégia do SLAPP.
Ora, mas onde está então a farsa encenada pela ERC? Está em ter composto um processo falsamente justo e imparcial, que, por tão mal engendrado, acaba por ser mais triste do que trágico.
Na passada terça-feira, dia 2 de Agosto, mais de três meses após a instauração do processo, recebi um ofício da ERC com um convite para ir às suas instalações no “prazo de 10 (dez) dias úteis contados a partir do dia seguinte ao dia de recepção da presente notificação para, querendo, vir ao processo apresentar documentos e outros elementos que considere pertinentes”.
E lá fui eu, diligente, à ERC no dia 3 de Agosto, ontem, portanto.
E o que vi?
Primeiro, uma dificuldade inicial para consultar o processo, que apenas se desbloqueou quando comecei a manuscrever uma exposição de protesto.
Depois, lá tendo conseguido que o processo ficasse disponível, abriu-se o pano para uma má peça de teatro – por maus actores.
Assim, ao longo de 134 páginas, em vez de surgir no final um projecto de deliberação – que basicamente poderia ser contestado com depoimento, acréscimo de documentação ou mesmo indicação de testemunhas –, encontrava-se, hélas, já devidamente assinada na página final e rubricada em todas as outras, por todos os membros do Conselho Regulador da ERC, a Deliberação ERC/2022/225 (CONTJOR-NET)… Uma Deliberação. Uma decisão final formalmente assumida.
Em termos práticos, imaginem uma sessão de julgamento, com réus e advogados e testemunhas, e um juiz muito atento, a ouvir todos e a fazer perguntas, e debaixo da secretária com a sentença já escrita.
E pior ainda: a Deliberação ERC/2022/225 (CONTJOR-NET) não foi aprovada nem ontem nem anteontem. Foi aprovada já no (longínquo) dia 13 de Julho. Quase três semanas antes da minha ida para supostamente conhecer a “acusação” e acrescentar elementos à minha defesa.
Reparem: o ofício da ERC convidando-me a juntar elementos ao processo tem a data de 21 de Julho (oito dias depois da já feita Deliberação), sendo que eu fui notificado apenas no dia 2 de Agosto.
Primeira página (de um total de 21 páginas) da Deliberação ERC/2022/225 (CONTJOR-NET), assinada e rubricada pelos membros do Conselho Regulador. A “sentença” já estava feita antes do processo estar concluído, mesmo convidando-se o “réu” a apresentar novos elementos de defesa.
Na verdade, tudo correu mal à ERC (porque até para se ser bom farsante tem de haver arte), porque alguém se “esqueceu” de retirar aquelas folhas do processo – contendo a Deliberação já feita, assinada e rubricada. Se lá não estivesse a “sentença” – que não revelarei, mas que obviamente é um “presente” para senhores como o senhor António Morais –, eu iria até pensar que estava ali, muito bem, perante um “julgamento” imparcial e sério, onde os meus direitos de defesa estavam salvaguardados.
Assim, não – descobriu-se a careca, facilmente; revelou-se uma fraude. E a fraude chama-se Conselho Regulador da ERC.
Por isso, não obstante as nulidades do processo – que ainda incluem outros elementos “estranhos” como uma numeração não cronológica dos documentos e a “retirada” de pareceres do Departamento de Análise de Media da ERC –, tem de haver outra consequência.
A podridão revelada pelas torpes condutas do senhor Sebastião Póvoas (ainda por cima juiz conselheiro), do senhor Francisco Azevedo e Silva, da senhora Fátima Resende e do senhor João Pedro Figueiredo – nas suas vãs tentativas de desacreditar e pôr na lama investigação jornalística verdadeiramente independente –, só tem uma solução: a demissão.
Nos tribunais, eu ainda poderia, além de alegar nulidade processual, suscitar um incidente de suspeição, de modo a me serem atribuídos novos juízes, verdadeiramente imparciais e idóneos. Mas como não há outros “juízes” na ERC, a não ser estes quatro, não vejo como podem eles manter-se no cargo, nestas circunstâncias, e julgarem-me ou julgarem outros.
Podem manter-se no cargo depois desta farsa, claro – que nada é escandaloso o suficiente em tempos de desavergonha. E, mantendo-se eles, podem censurar-me uma, duas, três mil vezes.
Porém, no caso de se manterem como membros da ERC, aviso já: não me defenderei enquanto as decisões partirem do senhor Sebastião Póvoas (ainda por cima, um juiz conselheiro), do senhor Francisco Azevedo e Silva, da senhora Fátima Resende e do senhor João Pedro Figueiredo. As suas censuras, para mim, serão medalhas. E a História reservar-lhes-á, por certo, um lugar no Panteão da Vergonha.