Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Este país não é para velhos: uma catástrofe sem precedentes nos mais idosos

    Este país não é para velhos: uma catástrofe sem precedentes nos mais idosos

    Amanhã começa o Verão. E a Primavera despede-se num cenário de autêntico morticínio. Nunca como em 2022 se registaram tantos óbitos nos maiores de 80 anos entre 20 de Março e 19 de Junho. Quais as razões? Ninguém sabe, mas todos desejam especular. E, porém, para saber a verdade bastava o Ministério da Saúde ser transparente e mostrar os dados brutos do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos. Como assim não procede, a morte morre solteira, mas leva milhares de idosos consigo.


    Em 4 de Dezembro do ano passado, em entrevista na SIC ao programa Alta Definição, o então vice-almirante Gouveia e Melo reflectia, não sem alguma demagogia: “Não podemos relativizar a morte dos idosos. Que raio de ética é a nossa se pensarmos assim?”

    Pouco mais de meio ano depois, as palavras do actual chefe de Estado-Maior da Armada fazem cada vez mais sentido, mas sobretudo porque as autoridades de Saúde e o próprio Governo, estes sim, desejam claramente relativizar o morticínio dos mais idosos, não mostrando qualquer interesse em indagar as causas de um aumento inopinado nos óbitos dos maiores de 85 anos, sobretudo na segunda metade da Primavera.

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    Com o Verão a iniciar-se amanhã, já é garantido que a Primavera deste ano será a mais mortífera de sempre para os maiores de 85 anos.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM, a partir dos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), entre o último 20 de Março e ontem – ou seja, faltando somente contabilizar o dia de hoje –, morreram 14.398 pessoas deste grupo etário, superando largamente 12.948 mortes em toda a Primavera de 2020, que integrou a primeira vaga da pandemia da covid-19 numa população naïve, ou seja, sem imunidade a esta doença.

    No ano passado, faleceram durante a Primavera, 10.758 pessoas – o segundo valor mais baixo do quinquénio (2017-2021), mas muito em virtude da “sangria” do Inverno. Recorde-se que em Janeiro e Fevereiro de 2021 – quando as mortes por covid-19 chegaram a ultrapassar as 300 por dia e uma parte substancial da população, mesmo idosa, não estava vacinada – os óbitos nos maiores de 85 anos totalizaram os 14.805. Este ano foram “apenas” 10.001.

    Mortalidade na Primavera e total acumulado dos maiores de 85 anos até 19 de Junho entre 2017 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Aliás, a elevadíssima mortalidade da Primavera deste ano – mais surpreendente porque o último Inverno foi “normal” – terá como consequência que, em breve, a mortalidade por todas as causas dos maiores de 85 anos ultrapasse este ano os valores assombrosos do ano passado. Considerando o período de 1 de Janeiro e 19 de Junho tinham, no ano passado, falecido 27.942 pessoas; este ano já se alcançaram os 27.393 óbitos.

    Caso se mantenha esta aproximação – e tendo em conta que o diferencial médio em Junho está a ser de 51 óbitos entre os dois anos –, dentro de 11 dias será expectável que haja mais mortes acumuladas em 2022 do que em 2021 para os maiores de 85 anos, um cenário inimaginável. Ainda mais porque os dois anos de pandemia teriam supostamente “eliminado” grande parte dos mais vulneráveis de entre os idosos.

    Embora o Ministério da Saúde continue, apesar das insistências do PÁGINA UM, a remeter-se ao silêncio – havendo apenas explicações pouco consentâneas com a realidade por parte da Direcção-Geral da Saúde –, a análise do PÁGINA UM à evolução da mortalidade neste grupo etário evidenciava que os problemas já eram bem patentes desde o início da Primavera.

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    Com efeito, entre 20 de Março e os primeiros 10 dias de Abril de 2022, os números diários de óbitos destacavam-se da generalidade dos anos do quinquénio de 2017-2021, com excepção do ano de 2020, quando a pandemia surgiu.

    Porém, este ano, ao invés do que sempre sucede – incluindo em 2020 –, o avanço da Primavera não trouxe qualquer redução da mortalidade; pelo contrário, acabou por aumentar a partir do início de Maio para níveis próximos dos meses de Inverno.

    Por exemplo, este ano, no mês de Janeiro morreram por dia 167 idosos com mais de 85 anos, enquanto a média em Junho está, por agora, nos 165. Mas desde o passado 14 de Junho, a média móvel de 7 dias está a ultrapassar os 170 óbitos diários, quando em anos anteriores não chega sequer aos 120. Ou seja, actualmente estão a morrer por dia mais de cerca de 60 idosos deste grupo etário do que seria expectável.

    Evolução da mortalidade diária na Primavera de 2017 a 2022 dos maiores de 85 anos (média móvel de 7 dias). Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    As especulações sobre esta matéria podem ser muitas, mas improdutivas, porquanto apenas com uma análise dos dados brutos do SICO – que o Ministério da Saúde recusa fornecer ao PÁGINA UM, estando em curso um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa – se poderá saber quais são as doenças que estão a contribuir para o morticínio da Primavera.

    A possibilidade dessa análise é absoluta e extremamente fácil de ser feita, uma vez que as causas dos óbitos são obtidas no exacto momento em que o médico legisla regista a morte no sistema, condição obrigatória para as cerimónias fúnebres.

    Em todo o caso, a hipótese de efeitos adversos dos sucessivos reforços de vacinação contra a covid-19 deverá ser necessariamente equacionada, numa altura em que já foram vacinadas com a quarta dose cerca de 45% dos maiores de 80 anos.

    Porém, acrescente-se que a quarta dose administrada aos mais idosos, sobretudo em lares, foi iniciada apenas em 16 de Maio, e o incremento da mortalidade – em contra-ciclo com a habitual descida da mortalidade na segunda metade da Primavera – começou mais cedo, e de uma forma mais evidente a partir do início da segunda semana de Maio.

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    Mistérios à parte – que poderiam ser desvendados rapidamente, nem que seja, em derradeira análise, pelo Ministério Público.

    E mais. Se nada se fizer, com todos os indicadores a mostrarem uma forte fragilidade da população mais idosa, o próximo Verão pode reunir terríveis condições para uma “tempestade perfeita”: com grande parte do pessoal médico em férias, se se verificar alguma onda de calor intensa em Julho ou Agosto, o morticínio entre os maiores de 85 anos poderá atingir níveis verdadeiramente pavorosos. Excepto se, entretanto, se descobrir uma vacina contra a incompetência.

  • Gestão da pandemia faz perder 10.000 novas vidas em Portugal

    Gestão da pandemia faz perder 10.000 novas vidas em Portugal

    Não se deve apenas contabilizar as vidas perdidas durante a pandemia, mas também os bebés que não nasceram, e que todos os anos não serão recordadas porque nem sequer tiveram a oportunidade de ser concebidas. O PÁGINA UM fez uma análise aos dados do Instituto Nacional de Estatística e concluiu que o medo e a incerteza deixaram um rasto marcante: em média por dia, entre Dezembro de 2020 e Março deste ano, houve menos 20 nascimentos por dia face à média antes da pandemia. São já 10 mil vidas literalmente perdidas.


    A pandemia provocou, por via da incerteza resultante do alarme social e do receio quanto ao futuro económico, uma redução de 20 nascimentos por dia em Portugal, o que, em termos práticos, significa que nasceram menos cerca de 10 mil crianças entre Dezembro de 2020 e Março de 2022. Esta é a principal conclusão de uma análise do PÁGINA UM à evolução do número de nascimentos registados na base de dados do Instituto Nacional de Estatística.

    Embora a pandemia tenha chegado a Portugal em Março de 2020, o seu impacte indirecto na descida das gravidezes e nos partos – que não se deveu em nada a questões sanitárias – apenas se começou a observar em Dezembro daquele ano, devido ao tempo de gestação.

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    De facto, excluindo os prematuros, somente a partir de Dezembro de 2020 todos os recém-nascidos foram concebidos em plena pandemia, que desde o início ficou marcado pela incerteza quanto ao futuro, o que terá influenciado muitas famílias e mulheres a adiarem a decisão de ter filhos.

    De acordo com os cálculos do PÁGINA UM, a média diária de nascimentos entre Dezembro de 2020 e Março de 2022 – abrangendo os 16 meses com um efectivo impacte, ou influência, da pandemia – situou-se nos 216, variando entre um mínimo de 194, em Janeiro de 2021, e um máximo de 242, em Setembro de 2021.

    Confrontando este período com os cinco períodos homólogos pré-pandemia – a começar no período de Dezembro de 2014 a Março de 2016 e a terminar no período de Dezembro de 2018 e Março de 2020 –, constata-se uma evidente queda: os nascimentos desde 2014 apresentavam valores relativamente estáveis, em redor dos 235 por dia, pese embora as flutuações mensais.

    Número de nascimentos por dia (média) antes e durante a pandemia. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Para ficar demonstrado o efeito da pandemia, saliente-se que a média diária de nascimentos entre Abril e Novembro de 2020 – ou seja, de bebés concebidos antes de Março de 2020 – se manteve em linha com o período pré-pandemia: 236.

    Os primeiros três meses da pandemia – Março, Abril e Maio de 2020 – foram aqueles onde se destaca uma maior retracção nas gravidezes, pois a maior redução nos nascimento ocorreu no período compreendido entre Dezembro daquele ano e Fevereiro de 2021.

    Com efeito, em Dezembro de 2020 registaram-se apenas 204 nascimentos por dia, quando a média desse mês no quinquénio anterior (2015-2019) era de 232. Por sua vez, em Janeiro de 2021 nasceram apenas 194 bebés – o valor mais baixo num mês desde que existem registos em Portugal –, o que contrasta com uma média também de 232 no quinquénio anterior (2016-2020), ainda sem influência da pandemia. Por sua vez, em Fevereiro de 2021, contabilizaram-se 205 nascimentos por dia, quando a média no quinquénio anterior foi de 225.

    Evolução do número de nascimentos (média diária) por mês entre Janeiro de 2011 e Março de 2022. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Ao longo de 2021 houve meses que registaram um maior número de nascimentos por dia, acompanhando o perfil habitual – nascem mais crianças no Verão do que no Inverno, o que significa que as concepções são mais frequentes no Outono –, mas com uma redução face aos período pré-pandemia.

    Por exemplo, os partos em Setembro de 2021 – de crianças concebidas maioritariamente em Dezembro de 2020 – atingiram em média os 242 por dia, mas mesmo assim bastante abaixo do habitual. Nos cinco meses de Setembro anteriores tinham nascido 262 crianças por dia – ou seja, mais 20 em cada 24 horas, ou mais 600 nos 30 dias.

    Embora com um desfasamento de nove meses, mostra-se também evidente os efeitos marcantes das ondas de alarme social que se foram enraizando desde 2020. Por exemplo, as repercussões da maior concentração de mortes atribuídas à covid-19 em Janeiro e Fevereiro de 2021 atingiram os nascimentos em Outubro e Novembro desse ano, que registaram decréscimos de 28 e 23 partos por dia, respectivamente.

    Total de nascimentos por mês entre Janeiro de 2011 e Março de 2022. Fonte: INE.

    Os primeiros três meses de 2022 mostram um ligeiro acréscimo na natalidade face aos meses homólogos de 2021, mas continuam ainda abaixo da média do período pré-pandemia.   

    Ignora-se se a redução dos nascimentos foi acompanhada por um aumento do número de interrupções voluntárias de gravidez, porquanto a Direcção-Geral da Saúde não divulga quaisquer elementos desde 2018.

    Em todo o caso, existem indicadores de que possa ter ocorrido um maior recurso ao aborto a partir de Março de 2020, uma vez que os quatro primeiros meses de 2020 (Janeiro a Abril) até registaram um aumento de partos face à média, sendo que somente a partir de Agosto daquele ano se acentuou a redução nos nascimentos.

  • Ouvir a raposa sobre como morreu a galinha? Chamem é a polícia!

    Ouvir a raposa sobre como morreu a galinha? Chamem é a polícia!


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tomou recentemente uma magna deliberação contra a Rádio Campanário porque copiou integralmente uma notícia da Rádio Portalegre sem citar a origem da informação.

    O PÁGINA UM não irá queixar-se à ERC sobre as “campanices” de diversos órgãos de comunicação social mainstream, como a RTP, o Jornal i, o Sol, o Público ou a CNN Portugal que, sem nunca citarem o PÁGINA UM, “acordaram” estremunhados para o excesso de mortalidade em Junho.

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    Nunca citarem o PÁGINA UM, mas irem depois atrás das suas notícias, ainda há-de ser um must. Um dever cívico para qualquer jornalista que se preze.

    Mas passemos à frente.

    Na verdade, até tenho o inconfessável desejo de que a imprensa mainstream me siga. E, por exemplo, em vez de irem os jornalistas a correr falar com “especialistas”, passem a clamar sim por maior  transparência – será que alguém se chocará com o “apagão” da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar denunciado ontem pelo PÁGINA UM? – e ou chamem a polícia, ou seja, a Procuradoria-Geral da República.

    Vamos ser claros.

    Primeira notícia do PÁGINA UM sobre o excesso de mortalidade total de Junho em domingo passado. Seria publicada nova análise no dia 14. A partir daí sucederam-se as notícias na imprensa mainstream.

    A situação da mortalidade total perfeitamente absurda em Junho – e já tinha sido em Abril e em Maio, sobretudo nos mais idosos – não é questão para especulação. É para investigação. Já.

    Mostra-se, por isso, perfeitamente patético que jornais como o Público peçam ao matemático Óscar Felgueiras que explique este excesso, e ele se “socorra” dos supostos 40 óbitos diários por covid-19 e da “temperatura”.

    Pouco vale recolher as dissertações – no bom sentido do termo – da demógrafa Maria João Valente Rosa, que até avisa, e muito bem, que o chamado “efeito colheita” não justifica os excessos de mortalidade em Abril, Maio e primeira metade de Junho. Aquilo que ela faz é teorizar e deduzir, mas não é com isto que se descobre a verdade.

    Mas mesmo pior é ouvir e reportar acriticamente a posição da Direcção-Geral da Saúde (DGS) sobre esta matéria.

    Segundo o Público, a DGS “junta o ‘aumento da mortalidade específica’ por covid-19 ao ‘aumento da temperatura média do ar’”, acrescentando ainda que esta entidade relembra “que este indicador tem estado ‘acima do normal para esta época do ano’”.

    A comunicação social não serve para construir “cortinas de fumo”, baralhar e contribuir para criar “falsas narrativas” justificativas.

    Mas é aquilo que muita imprensa mainstream nos tem habituado.

    Bem sei que, provavelmente, serei criticado por criticar, mais uma vez, o jornal Público, mas não pode um órgão de comunicação social com o seu histórico continuar a usar jornalistas impreparados ou agradar a “narrativa oficial”.

    No caso em concreto – e é extensível aos outros media –, o jornal Público nunca deveria destacar o argumento de uma mortalidade excessiva por via directa da covid-19 – cujos valores já são muito duvidosos, como já apontei, por estarmos em finais de Primavera e sermos um dos países com maior taxa de imunidade vacinal e natural – e de um pretenso aumento da temperatura média do ar, sem sequer qualquer posterior avaliação. E contribuindo para a manipulação da opinião pública. Fazendo desinformação.

    Notícia do Público de hoje que especula sobre as causas da mortalidade em Junho

    Por exemplo, escrever que “o último mês de Maio foi o mais quente dos últimos 92 anos” é induzir o leitor a pensar que um mês de Maio quente é altamente mortífero. Não é, pelo contrário.

    Um Maio quente não é o mesmo que um Agosto quente.

    Um Maio quente será sempre mais frio do que um Agosto frio.

    Um Agosto frio será sempre mais quente do que um Maio quente.

    Entendem?

    Vejamos então. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, durante o mês de Maio passado, o valor médio da temperatura média foi de 19,19 graus centígrados, uma anomalia de 3,47 graus, e o valor médio da temperatura máxima foi de 25,87 graus.

    As temperaturas de Maio deste ano são, afinal, mais baixas do que um Setembro médio, que é o mês do ano geralmente com a mortalidade total mais baixa!

    Aliás, basta ver que a evolução da mortalidade diária ao longo do último Maio não teve um padrão típico da ocorrência de ondas de calor (uma subida repentina, seguida de uma descida para números normais).

    Teve sim um evidente e sustentado acréscimo face aos anos anteriores. Foi um problema “estrutural”; não meteorológico.

    Aliás, se o Público quisesse confirmar esta argumentação estapafúrdia da DGS deveria ter então consultado o Índice Ícaro – ainda disponível no Portal da Transparência, não sei até quando –, que mede o risco potencial que as temperaturas ambientais elevadas têm para a saúde da população, podendo levar ao óbito.

    Notem: o supostamente tórrido Maio de 2022 teve todos os dias com o valor de 0,00. Significa que as temperaturas terão contribuído com zero mortes.

    Aliás, mesmo agora em Junho, apenas em oito dos 17 dias o valor do Índice Ícaro esteve acima de 0,00, sendo que o máximo foi no dia 13, mas apenas com 0,11.

    Evolução da mortalidade diária em Maio de 2022 e no período 2017-2021 (média móvel de 7 dias). Fonte: SICO.

    Se fosse verdade que um Índice Ícaro de 0,11 justificasse um contributo por mínimo que fosse para se chegar a 403 mortes de pessoas (como sucedeu na segunda-feira passada), nem quero imaginar então o que acontecerá se, por exemplo, no próximo mês de Julho (onde ser um mês mais quente do que o habitual é já outra “fruta”), se repetirem os valores registados em Julho de 2020 (23 dias com Índice Ícaro acima de 0,11, com o máximo a atingir 1,17).

    Aliás, se houver mesmo uma onda de calor, à séria, neste Verão, encomendem já não ventiladores à China mas sim caixões.

    Mas, na verdade, o busílis da questão – e a minha irritação sobre a postura da imprensa face à DGS – é que o Ministério da Saúde e o Governo, se assim quisessem – e não quisessem apenas “salvar o coiro” –, poderiam encontrar já, em tempo real, em cinco minutos, as causas directas de tamanho morticínio.

    Bastava que fossem transparentes e permitissem o acesso aos dados em bruto (anonimizados, claro) das causas das mortes diárias registadas no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).

    Esta ferramenta permite até, por exemplo, saber qual a causa da morte sancionada hoje por um médico legista que registou o óbito há cinco minutos.

    Evolução da mortalidade diária (média móvel de 7 dias) em Julho de 2020, marcada por uma onda de calor. Fonte: SICO.

    Por maioria de razão, pode a DGS saber quais foram as causas de morte ao longo de 2022, comparar essas causas, de forma estratificada, com a média de outros anos, cruzar informação por região ou concelho, e daí apurar quais os desvios mais significativos para cada doença.

    Aliás, com o acesso aberto ao SICO ficava-se a saber se o número de mortes por covid-19 anunciado pela DGS é mesmo verdadeiro, se as mortes por cancros estão a aumentar ou não, se há mais ataques cardíacos ou AVC, ou até quantas mortes houve pelas vacinas (porque têm um subcódigo próprio, segundo a terminologia da OMS, o U12.9).

    Acaba-se assim, quaisquer que fossem as perspectivas e as sensibilidades, com as especulações, as cortinas de fumo, as desinformações, as tiragens de cavalinhos da chuvas e as mortes a falecerem solteiras.   

    Mas a DGS nunca fará isso de motu proprio. Nem o Ministério da Saúde quer. E muito menos o Governo e António Costa.

    Por tudo isto, espero mesmo que um dia, a imprensa mainstream me copie mais uma vez e clame, como eu já faço agora: chamem a polícia. Ou seja, meta-se a Procuradoria-Geral da República a investigar isto, porque já estamos na fase do crime.

  • Um apagão ‘decretado’ a uma base de dados pública comprometedora: a resposta do Ministério de Marta Temido às investigações do PÁGINA UM

    Um apagão ‘decretado’ a uma base de dados pública comprometedora: a resposta do Ministério de Marta Temido às investigações do PÁGINA UM


    O PÁGINA UM nasceu em Dezembro de 2021.

    Pequeno, mas totalmente independente. Assim independente, porque assim pode definir a sua agenda, fazer perguntas incómodas e requerimentos – mesmo se o silêncio do lado da Administração é, tantas vezes, a resposta.

    O PÁGINA UM busca a verdade num mundo paradoxalmente cada vez mais fechado à informação fidedigna.

    Nunca o PÁGINA UM escreveu, até agora, uma notícia desmentida, falsa ou manipulatória, mesmo se o seu estilo assenta na denúncia, na crítica – mesmo até, hélas, a colegas de profissão –, na acutilância. Mas também sempre na seriedade e no rigor.

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    Não tendo germinado num ambiente propício, o PÁGINA UM nunca teve a sua vida facilitada, mas hoje, quase seis meses após o seu parto, e com uma redacção minúscula e com escassos meios financeiros, tem demonstrado ser capaz de fazer aquilo que outros órgãos de comunicação nunca fizeram até agora: analisar em detalhe a situação da Saúde Pública, procurando sempre, nessa tarefa, escalpelizar dados oficiais, mesmo quando estes não são activamente divulgados. Não por acaso, o PÁGINA UM tem já seis processos de intimação no Tribunal Administrativo.

    No mês passado, o PÁGINA UM decidiu debruçar-se sobre uma base de dados pública fundamental: Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, existente no Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma iniciativa Open Data do Ministério da Saúde, que disponibiliza, há já alguns anos, cerca de uma centena e meia de bases de dados (umas melhores do que outras, com maior ou menor actualização).

    No caso específico da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, esta foi criada em 2018, sendo um sistema de informação de suporte à monitorização do desempenho dos hospitais do SNS.

    Em concreto, este sistema recolhe dados administrativos, incluindo codificação clínica, permitindo apurar a evolução mensal, desde Janeiro de 2017, de episódios de internamentos, ambulatório e óbitos por capítulo de diagnóstico (por grande grupo de doença) em cada hospital ou centro hospitalar, por grupo etário e sexo. Tem também a particularidade de conseguir identificar a evolução dos internamentos e desfechos da covid-19, uma vez que, neste caso concreto, esta é a única doença do grupo denominado “Códigos para fins especiais”.

    Printscreen da lista inicial actual (por ordem alfabética) das bases de dados do Portal da Transparência do SNS.

    Ora, no mês passado, o PÁGINA UM descarregou a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar – em formato de folha de cálculo Excel – para fazer uma exaustiva e detalhada análise do SNS no contexto da pandemia, confrontando também com o período pré-pandemia. Os dados estavam então actualizados a Janeiro de 2022.

    Para se ter uma ideia do potencial informativo desta base de dados salienta-se que o ficheiro de Excel, contendo dados entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2022 (61 meses), envolvendo 62 unidades do SNS, desagregados por sexo (dois) e por grupo etário (sete), contava 440.036 linhas.

    Embora as abordagens potenciais desta base de dados permitisse a obtenção de informação para um conjunto infindável de notícias relevantes, o PÁGINA UM “apenas” fez um dossier específico de oito artigos, entre 13 de Maio e 1 de Junho, que a seguir se expõem (detalhando o número de gráficos e tabelas incluídas):

    Um dos artigos do dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho no PÁGINA UM, com informação obtida a partir da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, agora “apagada”.

    13 de Maio (com quatro gráficos)

    Dois anos de pandemia: afinal, menos óbitos em hospitais. E um em cada três mortos por covid-19 sem certificado de óbito em unidades de saúde

    14 de Maio (com dois gráficos)

    Pandemia fez descer mortes por cancros em meio hospitalar para níveis atípicos: parodoxo ou embuste?

    18 de Maio (14 gráficos)

    Elevada pressão nos hospitais durante a pandemia, disseram-nos. Afinal, foi mentira…

    19 de Maio (dois gráficos e uma tabela)

    Paradoxos da pandemia: covid-19 internou 57 mil pessoas em 2020 e 2021, mas ‘tirou’ quase 280 mil doentes dos hospitais

    22 de Maio (três gráficos)

    Nos hospitais portugueses, durante a pandemia, a taxa de mortalidade da covid-19 foi 30% superior à das doenças respiratórias

    23 de Maio (quatro gráficos e uma tabela)

    Pandemia trouxe “pandemónio” aos hospitais mesmo nas alas não-covid. Janeiro de 2021 foi uma catástrofe em tudo

    30 de Maio (três gráficos e duas tabelas)

    Em Portugal, Omicron tem indicadores menos ‘agressivos’ do que a gripe

    1 de Junho

    Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    Apenas pelos títulos se pode aquilatar o quão dissonante esta investigação jornalística, usando dados oficiais, estava com a narrativa das autoridades de Saúde ao longo da pandemia. Os conteúdos, sobre os quais se recomenda a leitura, ainda mais revelavam e denunciavam situações a merecer um aprofundamento por entidades independentes.

    Note-se: este trabalho de investigação jornalística do PÁGINA UM nunca foi contestado nem desmentido. Nem em um número sequer. Se não teve eco na outra imprensa, ignoram-se os motivos. E, aliás, já tinha sido utilizada pelo PÁGINA UM, por exemplo, em Fevereiro passado, quando revelámos que a covid-19 era menos agressiva para os jovens do que as doenças respiratórias pré-pandemia do SARS-CoV-2.

    Certo é que, pretendendo o PÁGINA UM actualizar os dados (passando a incluir Fevereiro de 2022), até para desenvolver outra perspectiva de investigação jornalística – neste caso, sobre os internamentos em idade pediátrica –, confrontámo-nos com a pura, singela e abjecta eliminação da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar do Portal da Transparência do SNS. Desapareceu. Quem quiser agora, pela primeira vez, aceder aos dados, pura e simplesmente nem o sítio lá encontra. Não consegue “sacar” os dados (outrora de acesso público) nem de Janeiro de 2022, nem os de Dezembro de 2021, nem os de Novembro de 2021, nem os de… por aí fora, até Janeiro de 2017. Foi “limpeza” completa.

    Google ainda tem “memória”, listando as ligações (agora inactivadas) quando se pesquisa pela base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, entretanto “apagada” pelo Ministério da Saúde.

    Atenção: o Portal da Transparência continua online. Tem agora 149 bases de dados. Mas onde antes surgia a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar depois da base de dados da Monitorização Ambiental de Legionella, não há nada: passa-se de imediato para a base de dados da Mortalidade por AVC Isquémico e Hemorrágico.

    Mas vamos ser Advocatus diaboli – o famoso Advogado do Diabo, criado pela própria Igreja Católica para os processos de canonização: essa base de dados existiu mesmo?

    Ora, o Google tem memória disso.

    Pesquisando por “Morbilidade e Mortalidade Hospitalar” e “SNS”, surge, ainda hoje, a ligação directa por duas vias: pelo próprio site do Portal da Transparência e pelo Portal de Dados Abertos da Administração Pública.

    Porém, nenhum concede acesso à base de dados. Desapareceu. Apagou-se. Foi apagada.

    A Internet tem memória, e por isso, aqui pode-se ver um “retrato” (já “esbatido”), através de um snapshot do Internet Archive.

    Portanto, apresentadas as provas da sua outrora existência – se não bastasse a palavra de um jornalista que iniciou a sua actividade em meados da década de 90 do século passado – ainda se poderia admitir que, enfim, alguém tivesse, nos serviços tutelados pela ministra Marta Temido, escorregado e “desligado” inopinadamente a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar.

    E daí, o PÁGINA UM contactou por e-mail o gabinete de imprensa do Ministério da Saúde questionando sobre os motivos do “apagão”. O último contacto foi hoje.

    Printscreen da mensagem de erro após se digitar o antigo endereço da ligação directa à base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar do Portal da Transparência do SNS.

    Não houve qualquer reacção. Ontem, tentou-se um contacto telefónico para a assessoria de imprensa da ministra Marta Temido. Ninguém atendeu nem devolveu a chamada. Ninguém do Governo acha que se deve justificar depois de uma “canalhice” deste quilate contra dois direitos fundamentais (supostamente) consagrados na Constituição da República: o direito à informação e o direito de acesso à informação por parte dos jornalistas.

    Isto é uma Democracia? Ou é uma anedota patética de Democracia?

    Ou é uma “coisa” um pouco melhor do que uma Ditadura, apenas porque o Governo, enfim, lá prefere “apagar” uma base de dados pública incómoda em vez de “apagar” um jornalista incómodo. Menos mal, no que à (minha) vida me diz respeito, mas igualmente horrível para uma sociedade em pleno século XXI.

    Nota: Para obter a base de dados em formato de folha de cálculo da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar até Janeiro de 2022, antes do “apagão” promovido pelo Ministério da Saúde, pode descarregar o ficheiro Excel, AQUI, no servidor do PÁGINA UM.

  • Até 13 de Junho, em média há 61 dias com menos de 300 óbitos. Este ano, só tivemos um dia

    Até 13 de Junho, em média há 61 dias com menos de 300 óbitos. Este ano, só tivemos um dia

    Por norma, mesmo nos primeiros anos da pandemia, a Primavera seguiu o padrão habitual de menor taxa de mortalidade, mas 2022 está a fugir completamente do padrão. O número de óbitos em Maio e Junho assemelham-se aos de dias de Inverno, e não existe uma explicação para tamanha mortandade, uma vez que na Primavera as doenças fatais do sistema respiratório e circulatório causam menos vítimas. Do que estão a morrer os portugueses, um dos povos mais vacinados do Mundo contra a covid-19?


    Em 2022, o excesso de mortalidade em Portugal é já estrutural, e todos os indicadores mostram que se prolongará. A culpa não é directamente da covid-19, mas aparentam, cada vez mais, ser de factores decorrentes da gestão da pandemia que terá exacerbado outras doenças não relacionadas com a sazonalidade.

    Uma análise estatística do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação dos Certificado de Óbito (SICO) revela que este ano houve apenas um dia – 2 de Maio – com os óbitos totais abaixo dos 300. Nesse dia faleceram 291 pessoas – uma situação excepcionalmente atípica. Na verdade, noutros anos a excepção é quando, em plena Primavera, há dias com mais de 300 óbitos.

    man in white and black jacket and pants sitting on black surface

    Com efeito, se excepcionarmos o ano de 2020 – no auge da primeira vaga da pandemia –, em quase todos os dias de Maio dos anos anteriores a mortalidade esteve abaixo dos 300 óbitos por dia. Aliás, em 2014 todos os dias de Maio registaram mortalidade abaixo daquela fasquia. No ano passado (2021), após um Inverno de morticínio, apenas em quatro dias de Maio se registaram mais de 300 óbitos.

    Em 2020, mesmo tendo em conta as mortes por covid-19 – numa população então completamente naïve (sem contacto anterior com o vírus) –, contabilizaram-se 10 dias de Maio abaixo desse nível de mortalidade total.

    Em Junho, acrescente-se, ainda é mais raro observarem-se mais de 300 óbitos diários. No entanto, neste ano em curso morreram 324 pessoas no dia menos mortífero – aliás, dois dias: 1 e 3 de Junho. O dia mais mortífero foi ontem, 13 de Junho, com o SICO a apontar 385 óbitos, valor que poderá vir a aumentar devido a actualizações que ocorrem com regularidade no prazo de 48 horas.

    A dimensão da catástrofe que se vive agora é incomensurável, e não aparenta ser passageira ou conjuntural. Com efeito, considerando os últimos 10 anos – que englobam 2020 e 2021, já dentro da pandemia –, observa-se uma média de 61 dias com menos de 300 mortes, que resultam da chegada das temperaturas mais amenas e propícias a menores fatalidades por doenças respiratórias e do sistema circulatório.

    Número de dias com mortalidade abaixo (verde) e acima dos 300 óbitos por dia até 13 de Junho entre 2009 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Numa perpectiva relativa, e tendo em conta os primeiros 164 dias do ano, seria suposto que, em média, 62,8% (103 em 164) dos dias registassem uma mortalidade total acima dos 300 óbitos. Ora, este ano está em 99,4%.

    Numa altura em que Portugal é um dos países mais vacinados com vacinas contra a covid-19, já inoculou 300 mil idosos com a quarta dose e apresenta a mais alta incidência cumulativa de covid-19 (desde o início da pandemia) no universo dos Estados com mais de 10 milhões de habitantes (48 casos por 100 habitantes), o “perfil” evolutivo da mortalidade total no ano de 2022 não encontra paralelo, mesmo se confrontada com 2020 e 2021.

    Recorde-se que, no primeiro ano da pandemia, a mortalidade total aumentou significativamente sobretudo em Março e Abril, e em alguns dias de Maio, mas mesmo assim em 13 de Junho contabilizavam-se 21 dias com menos de 300 óbitos. Note-se que, para aquele ano, nos 143 dias acima dos 300 óbitos, estão englobados os meses de Janeiro e Fevereiro, antes da chegada da covid-19 ao território português.

    No ano passado, os dias com menos de 300 óbitos atingiram níveis até ligeiramente acima da média (76 dias), mas muito por força da elevadíssima mortalidade em Janeiro e Fevereiro. Saliente-se que nos dois primeiros meses de 2021 morreram, em média, 634 e 457 pessoas, respectivamente, quando no período de 2015-2019 (pré-pandemia) a mortalidade em Janeiro e Fevereiro foi de 405 e 371 óbitos, respectivamente.

    Mortalidade média diária por mês no período 2015-2019 (média) e em 2020, 2021 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Porém, ao contrário daquilo que por norma sucede – mesmo com os anos de 2020 e 2021 –, o ano agora em curso está a apresentar um perfil de autêntico colapso. E nem pareceria expectável em Janeiro. Com efeito, o primeiro mês de 2022 até teve uma mortalidade total abaixo da média de 2015-2019 (apenas 379 óbitos vs. 405), ligeiramente abaixo de 2020 (ainda antes da pandemia, com 383) e bem abaixo de 2021 (634 óbitos).

    No entanto, a partir daí, ao invés do que por norma sucede – com o aproximar da Primavera a mortalidade começa a descer –, o mês de Fevereiro deste ano suplantou já a média do período 2015-2019 (382 óbitos vs. 371), ficou acima de 2020 (com 341 óbitos) e já se aproximou de 2021 (ainda com 457 óbitos).

    O mês de Março de 2022 começou já a mostrar sinais de graves problemas de saúde pública. Não apenas a mortalidade total suplantou o período homólogo de 2020 – que marcou a chegada da covid-19 ao território português – como também foi superior à média de 2015-2019 e aos valores do ano passado.

    A mortalidade do mês de Abril deste ano assemelhou-se bastante à do mês homólogo de 2020 (339 óbitos vs. 350). Porém, com a enorme diferença de que, em 2020, a covid-19 estava a entrar numa população sem qualquer imunidade, enquanto em 2022 tínhamos já então cerca de 40% da população com contacto anterior com o vírus, apresentava uma das mais altas taxas de vacinação do Mundo e “beneficiava” de um lamentável (e teórico) “rejuvenescimento” da população mais vulnerável, por força do sistemático excesso de mortalidade ao longo da pandemia.

    Contudo, o mês de Maio, e agora também Junho, estão a confirmar que existe actualmente um inquestionável problema. A mortalidade total não diminuiu ao longo da Primavera, como seria de esperar, e “estabilizou” em redor dos 330-350 óbitos por dia. No presente ano, Maio registou 334 óbitos por dia, e em Junho (até dia 13) até subiu, fixando-se em 346.

    Em anos anteriores, os valores geralmente estão já, nesta época do ano, muito abaixo dos 300. Aliás, em Maio, a mortalidade total é em média (2015-2019) de apenas 279 óbitos e nos primeiros 13 dias de Junho atinge os 269.

    Embora a mortalidade acumulada em 2022 seja ainda menor do que a do ano passado, a tendência mostra que pode vir a suplantar, até Dezembro, os valores de 2021. Com, efeito, confrontando a mortalidade de ambos os anos até finais de Fevereiro, o ano de 2021 apresentava então um diferencial a rondar os 10 mil óbitos (32.433 vs. 22.429), mas agora, em meados de Junho, a diferença cifra-se apenas em 4.336 óbitos (62.639 vs. 58.303).

  • Da vergonha ou pelas ruas da amargura da (má) Ciência e do (mau) Jornalismo

    Da vergonha ou pelas ruas da amargura da (má) Ciência e do (mau) Jornalismo


    Na semana em que sucedem os relatos de problemas nas urgências de vários hospitais e nos serviços de Obstetrícia, foi divulgado hoje, pelo jornal Público, a publicação de um artigo na Acta Médica Portuguesa, uma putativa revista científica da Ordem dos Médicos.

    Ler o suposto artigo científico e ler o correspondente artigo jornalístico que o divulga é ter um em dois: comprova-se o deplorável estado de validação da Ciência em Portugal e o lastimável percurso do Jornalismo, que deixou de ser o watchdog da sociedade para assumir a ignóbil tarefa de criar narrativas de marketing.

    O (suposto) artigo científico da revista da Ordem dos Médicos, saído em Maio deste ano, intitula-se Um ano de covid-19 na gravidez: um estudo colaborativo nacional – ou One year of covid-19 in pregnancy: a national wide collaborative study, na sua tradução para inglês, língua em que surge escrito, com excepção de resumos em português. E é assinado por 28 autoras  – todas mulheres, devido à especialidade –, sendo 26 médicas de serviços de obstetrícia e ginecologia de hospitais portugueses, uma investigadora da Universidade Nova de Lisboa e uma técnica da Direcção-Geral da Saúde.

    closeup photography of pregnant woman wearing blue panty

    Infelizmente, nenhuma teve a lucidez de achar que, com aqueles dados, e com a informação recolhida do tratamento dos dados, não tinha ali nada de científico, e muito menos para se retirar a seguinte conclusão: “A infeção pelo SARS-COV-2 na gravidez pode acarretar riscos aumentados para as grávidas e fetos. Recomenda-se uma vigilância individualizada nestes casos e a profilaxia desta população com a vacinação.” E sobretudo a segunda frase.

    Mas fizeram, e todas assinaram pomposamente o artigo, e irão listá-lo nos respectivos currículos. Hipócrates, entretanto, dá voltas no túmulo. Alberto Magno dá piruetas para a esquerda. Francis Bacon para a direita.

    E mais grave do que isso, os editores da Acta Médica Portuguesa, nos quais se destaca o editor-chefe Tiago Villanueva (médico de família na Unidade de Saúde Familiar Reynaldo Santos, na Póvoa de Santa Iria), permitiram que fosse publicado, assim como foi, o dito “estudo”. Vergonha alheia.

    Não se diga que não tiveram tempo de reflexão. O artigo foi recebido na Ordem dos Médicos em 17 de Maio do ano passado, foi aceite em 27 de Outubro, até esteve publicado online (sem qualquer relevo) desde 11 de Fevereiro, e saiu na revista em 2 de Maio.

    O Público lembrou-se agora, e não vou discutir critérios e timings editoriais, em dar-lhe parangonas de destaque, sob o título “Covid-19 pode implicar risco acrescido em grávidas e fetos”, fazendo eco das conclusões das autoras do estudo no sentido de se fazer “uma vigilância individualizada nestes casos” de infecção pelo SARS-CoV-2 (uma recomendação óbvia, aplicável a todas as doenças, presumo eu que nem sou médico).

    E acrescentando ainda a mensagem central: recomenda-se “a profilaxia desta população [de grávidas] com a vacinação”

    Sejamos claros.

    Usar a Ciência, para tomar decisões políticas, é meritório.

    Abusar da Ciência, manipulando-a, para tomar decisões políticas, é vergonhoso, ainda mais quando a Comunicação Social serve de instrumento.

    Este estudo é uma anedota. Porque sendo um mero estudo observacional é meramente descritivo e, portanto, serve para pouca coisa, e nunca para conclusões daquela jaez. Não é um estudo de coorte, nem pode ser de caso-controle, nem é transversal nem ecológico, nem nada que se pareça com um estudo epidemiológico.

    Meramente descreve, e pouco, e de forma agregada, a evolução de um conjunto de 630 grávidas portuguesas com teste positivo à covid-19, sem sequer apresentar comparação com as afecções decorrentes de outras infecções respiratórias em anos anteriores ou com as complicações gerais no decurso das gravidezes e partos; sem sequer comparar com grávidas que estivessem ao longo de 2021 vacinadas; e sem recolher dados que permitisse apontar hipóteses de explicações para os (pouquíssimos) casos graves relacionados com a covid-19.

    O “estudo” é uma inutilidade, uma anedota científica.

    Deveria servir, nas universidades, para duas coisas: ou para ensinar os alunos sobre o que não se deve fazer num estudo; ou chumbar os alunos que fizessem um estudo assim.

    clap board roadside Jakob and Ryan

    Quando muito, este “estudo” deveria merecer de editores científicos mais compaixão do que publicação: as autoras imaginaram mesmo que poderiam fazer um estudo desta natureza (e vê-lo numa revista científica) com base em 630 gravidezes entre Março de 2020 e Março de 2021! Seiscentas e trinta gravidezes! E depois acharam que poderiam retirar conclusões para todo o universo das quase 200.000 gravidezes que já se registaram em Portugal desde o início da pandemia, e também para as 85 mil mulheres que, em cada ano, vierem a engravidar.

    Não há, para as autoras, necessidade sequer de introduzir um singelo grupo de controlo (grávidas sem covid-19, vá lá, tiradas ao calhas) para comparar? Ó céus!

    Publicarem uma coisa destas numa (mesmo que suposta) revista científica com uma amostra deste tamanho, só pode ser porque a revista científica não é científica coisa nenhuma. E também revela a falta de cultura científica nas unidades de saúde portuguesas, a começar pelo desenho dos estudos, pela colecta dos dados e pela análise crítica (ou ausência) dos resultados e até onde se pode ir nas conclusões.

    Mas publicou-se. E ficamos a saber que das 630, nenhuma morreu, quase dois terços estiveram assintomáticas (só souberam que estavam com covid-19 porque fizeram teste) e apenas 10 (1,5%) estiveram em UCI, embora apenas 2 ventiladas (0,3%).

    black and white cat on brown wooden shelf

    Duas mulheres ventiladas em 630: é isto preocupante do ponto de vista de Saúde Pública? Foi só por causa da covid-19 que estas duas em 630 foram ventiladas? As autoras nada dizem, porque não sabem, porque não apresentaram comparações. Na verdade, sabiam bem que o seu “estudo” valia nada do ponto de vista científico, mas arrogam-se no direito de defender: vacinem-se todas as grávidas. E acham que isto é Ciência.

    Não pode bastar-nos que escrevam, na introdução do resumo do artigo, o seguinte: “Apesar do risco da covid-19 na gravidez poder ser acrescido, são necessários estudos em larga escala para o melhor conhecimento do impacto desta infeção nesta população.”

    Porque, na verdade, isto é uma mera confissão: o que fizemos não foi um estudo. Foi uma “coisa”… Mas, com esta “coisa”, recomendam depois “a profilaxia desta população com a vacinação”. Expliquem-me como é que, com “coisa” tão malparida, se afirma peremptoriamente uma coisa destas?

    Aliás, ao longo do “artigo científico” (escrevamos com aspas), nem sequer se quantifica o risco (senhores e senhoras autoras do artigo, um risco tem de ser quantificado) para se retirar qualquer conclusão digna desse nome.

    Ora, mas o objectivo desta “coisa” foi óbvio e claro, mas não-científico: contribuir para a narrativa, dar um argumento supostamente científico na promoção da vacinação das grávidas, sem sequer se apresentar um estudo decente sobre os efeitos benéficos (que poderá haver) e/ou eventualmente prejudiciais (que também poderá haver).

    white book page on black textile

    Minhas senhoras e meus senhores: só com análises rigorosas e científicas se pode concluir por uma recomendação ou por um desaconselhamento. Não é com uma “coisa” como esta assinada por 28 pessoas, muito doutas, certo, mas sem ética científica.

    Este é, para mim, mais um exemplo paradigmático do estado da Ciência em época pandémica: querendo-se, uma determinada entidade usa o seu prestígio do passado – como a Ordem dos Médicos – para “prostituir” a Ciência, abusando dela para transmitir uma narrativa, bastando que uma Comunicação Social acrítica e/ou colaborativa faça as necessárias parangonas, agora sempre com o famigerado e vergonhoso “PODE” no título.

    Em suma, blá blá blá…, isto é Ciência, e vacinem-se. Uma vergonha.

    Ao longo da pandemia viveu-se, de facto, assim. Com pseudociência e pseudo-jornalismo. E não deveria ser. Não pode ser.

    Enquanto isto, faltam obstetras nos hospitais portugueses. E o Serviço Nacional de Saúde num caos. E isso mata. Tem-se visto.

  • Um (inexplicado) ‘morticínio’ nunca visto em Junho

    Um (inexplicado) ‘morticínio’ nunca visto em Junho

    Mesmo em 2020 e em 2021, em plena pandemia, Junho foi mês ameno, tal como é norma nos outros anos em que a transição da Primavera para o Verão se mostra mais aprazível para se manterem as vidas. Mas este ano sucedem-se os dias com mais de 300 óbitos, e já se chegou mesmo aos 362 em apenas 24 horas. O excesso de mortalidade nos mais idosos chega a atingir os 42%.


    Este ano, nos primeiros 10 dias de Junho – um mês caracterizado por um reduzido nível de mortalidade – registaram-se 684 óbitos em excesso face à média do último quinquénio (2017-2021), que inclui os dois primeiros anos da pandemia.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), entre os dias 1 e 10 de Junho contabilizaram-se 3.390 mortes por todas as causas, quando a média (2017-2021) se situa nos 2.706. Ou seja, um aumento global de 25%.

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    Este acréscimo, da ordem dos 68 óbitos por dia, não é justificável apenas pela covid-19, mesmo se Portugal atravessa, oficialmente, um estranhíssimo recrudescimento da pandemia, porquanto apresenta uma taxa de mortalidade que é 17 vezes superior à média mundial, e não encontra paralelo a nível europeu. Nos últimos dados semanais, apenas até ao dia 6 de Junho, a DGS informou que a covid-19 foi responsável por aproximadamente 42 óbitos diários, dos quais 33 de pessoas com mais de 80 anos.

    Pela primeira vez desde que existem registos diários, não houve ainda qualquer dia de Junho deste ano abaixo dos 300 óbitos. Aliás, em anos anteriores, raros foram os dias acima dessa fasquia. Por exemplo, todos os dias da primeira década de Junho dos anos de 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2017 e até de 2021 nunca ultrapassaram os 300 óbitos.

    Mortalidade total em Portugal nos primeiros 10 dias (primeira década) de Junho entre 2009 e 2022. Fonte: SICO.

    A mortalidade nesse período, entre os anos de 2009 e 2021, situou-se entre os 2.387 óbitos (em 2011) e os 2.840 (2016). Até este ano, o valor máximo diário tinha sido registado em 5 de Junho de 2018, com 314 mortes. Na passada quarta-feira, dia 8, contabilizaram-se 362 mortes.

    Este excesso de mortalidade está, porém, exclusivamente concentrado na população mais idosa, a partir dos 65 anos, e sobretudo nos maiores de 85 anos, que têm sido continuamente flagelados desde o início da pandemia.

    Segundo a análise do PÁGINA UM, a mortalidade nos maiores de 85 anos registou, nos primeiros 10 dias de Junho, um aumento de 42% face à média do último quinquénio – ou seja, morreram 1.540 pessoas, quando a média se situava nos 1.085. Esta situação mostra-se ainda mais assombrosa tendo em conta a “sangria” já decorrente de dois anos de pandemia, em que este grupo etário foi o mais flagelado.

    Mortalidade total em Portugal nos primeiros 10 dias (primeira década) de Junho entre 2017 e 2022 nos grupos etários dos maiores de 55 anos. Fonte: SICO.

    A faixa etária imediatamente anterior – dos 75 aos 84 anos – também regista uma subida inopinada, da ordem dos 21%: a média do último quinquénio era de 797; este ano subiu para os 968.

    No caso do grupo dos 65 aos 74 anos, o aumento foi de quase 18%, tendo morrido 476 pessoas, o que confronta com os 404 óbitos em média entre 2017 e 2021.

    Nos menores de 65 anos não se observa qualquer variação de relevo, registando-se até, na generalidade dos grupos etários, valores mais baixos do que a média. A excepção refere-se ao grupo dos 35 aos 44 anos (mais 8,8% do que a média), mas dentro do intervalo expectável para esta época do ano.

    As autoridades de Saúde mantém um silêncio activo sobre esta matéria.

  • Covid ad infinitum? Chamem é a polícia!

    Covid ad infinitum? Chamem é a polícia!


    Enquanto o Presidente da República condecorava hoje em Londres um enfermeiro português apenas porque estava de turno quando Boris Johnson foi internado com covid-19, em Portugal os serviços de Obstetrícia andam com supostos “constrangimentos impossíveis de suprir”, diz a ministra da Saúde.

    Contudo, o Ministério da Saúde decidiu que se justificava oferecer 21 milhões de euros para que duas farmacêuticas – Pfizer e Merck Dohme & Sharpe – se “desfizessem” de dois antivirais de duvidosa efectividade, de suspeitosa eficácia em reduzir a infecciosidade, de segurança questionável e de preço especulativo.

    woman in black jacket holding white paper

    As supostas evidências em estudos feitos às “três pancadas” para garantir as compras deveriam ser algo de investigação. A Política não pode continuar a tomar decisões políticas com base em suposta Ciência que garante segurança e efectividade de um fármaco com base em estudos que ora são realizados por investigadores ligados às farmacêuticas (que beneficiarão com as compras) ora apresentam enviesamentos que chumbariam um aluno do secundário.

    Pouco importa. Para o mundo dos medicamentos, aquilo que aconteceu há 12 anos com o Tamiflu, pode bem suceder de novo com o Paxlovid. Importante é fazer negócio já, porque quem compra são sempre os políticos, quem vende e beneficia são sempre as farmacêuticas; quem paga são sempre os contribuintes.

    Não deveria ser assim. Não pode a Política continuar, como em Portugal, a basear as suas decisões com base numa Ciência feita por marketeers como Filipe Froes e outros que, prostituindo-se, se predispõem, no tempo certo, e em compadrio com certa imprensa mainstream e com políticos que lhe amaciam o pelo, a criar alarmismo – como sucede agora com a suposta sexta onda da pandemia (só tivemos uma, na verdade, no Inverno de 2020-2021) – para que o negócio das farmacêuticas continue a fluir.

    Ontem, após mais de uma semana de insistência, o PÁGINA UM divulgou que o Ministério da Saúde comprou 21 milhões de euros em antivirais que Filipe Froes e seus comparsas tanto desejavam. O negócio parece justificável, porque se inculcou mais uma vez no povo – sim, o “povo” elogiado por Marcelo Rebelo de Sousa – de que estamos tão mal ou pior do que antes. A reacção da imprensa mainstream foi, até agora, nula. Parece que é irrelevante. Sem importância. Um valor fútil.

    Enfim, para a covid-19 sempre se gastou como se não houvesse amanhã. E, enquanto isso, tudo definha, tudo arde, tudo é hipocrisia, incluindo a comenda dada a um enfermeiro que “apenas” estava no local certo (que nem sequer era Portugal) para ver o oxímetro do doente certo, e os seus colegas que ganham em redor de mil euros salvam todos os dias velhinhas de 80 anos que nem médico família têm…

    Andamos num mundo de loucos a jorrar dinheiro apenas para agradar a uns quantos.

    Por exemplo, decide-se vacinar à pressa e às cegas, com a quarta dose, todos os idosos (e depois seguirão os outros grupos etários), sobre os quais pouco ou nada se sabe: se apresentam ou não ainda imunidade vacinal ou natural, sabendo-se que até existem testes serológicos que permitem essa distinção. Vacine-se e ofereça-se mais dinheiro às farmacêuticas sem critério científico.

    Não se estuda sequer – intencionalmente, não se quer saber – se existem efeitos secundários imunológicos ou outros relacionados com as vacinas. Nunca se fizeram ensaios clínicos sobre repetições de doses com uma frequência inferior a meio ano. Isso não interessa. Realizam-se ensaios em massa, em cobaias humanas, e ninguém parece incomodar-se. A ética científica deixou de importar.

    Porém, aquilo que mais me choca é aceitar-se como natural a actual situação nacional.

    Portugal é o país com uma das maiores taxas de vacinação do Mundo, mas apresenta agora uma inusitada taxa de infecção e de reinfecção (entre vacinados) e uma mortalidade atribuída ao SARS-CoV-2 que não encontra paralelo nos países europeus e dos outros continentes, sobretudo naqueles que registaram uma incidência cumulativa até abaixo da portuguesa.

    E mais ainda: numa doença com carácter marcadamente sazonal (já não possível negar isso, cientificamente), ninguém estranha que Portugal, um país mediterrânico, se pareça mais com um país do Hemisfério Sul a entrar agora em pleno Inverno?

    Não se pode aceitar sem questionar – sem se achar estranho – que tenhamos agora indicadores piores do que há um ano, e mesmo do que há dois anos, quando nem sequer existia vacina e praticamente toda a população estava sem qualquer imunidade natural.

    Decidi fazer uma breve análise comparativa para mostrar como a situação portuguesa é uma “impossibilidade” científica, confrontando-a com a dos países da União Europeia e diversos outros países, tendo em conta a sua dimensão ou impacte da pandemia (actual e passada).

    Nessa análise, comparou-se a mortalidade atribuída à covid-19 em cada um desses países e o seu valor padronizado (à população de Portugal) com referência a 8 de Junho (média móvel de 7 dias) em três anos distintos: 2020, 2021 e 2022.

    Desta simples comparação, pode-se afirmar que os valores para Portugal aparentam não ser reais. Podem ser oficiais, mas não parecem reflectir uma realidade. Ou, pelo menos, desafiam a dúvida, que é uma virtude do método científico. Exigem investigação. Necessitam de transparência da informação.

    Comparação da mortalidade atribuída à covid-19 no dia 8 de Junho (excepto Suécia, a 2 de Junho), com base na média de 7 dias, em 2020, 2021 e 2022. Valores totais e padronizados à população portuguesa. Fonte; Worldometers. Análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, confrontando as mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 em 8 de Junho de 2022 (média móvel de 7 dias), e padronizando-a à população portuguesa, o nosso país surge com uma taxa de mortalidade por esta doença 17 vezes superior à do Mundo (34 vs. 2). Isto é um absurdo!

    Os países com mortalidade mais próxima – mesmo assim muito inferior –, apresentam uma muito menor incidência cumulativa, ou seja, grande parte da sua população nem teve tanto contacto com o vírus como a de Portugal, pelo menos considerando os casos positivos. Isto é outro absurdo!

    Por exemplo, a Nova Zelândia e a Austrália – onde agora se está a chegar ao Inverno – contabilizam, por agora, respectivamente 25 e 29 casos positivos por cada 100 habitantes, em grande parte pelas medidas não-farmacológicas que impuseram em grande parte dos últimos dois anos e meio.

    Como estes países do Hemisfério Sul, duas ilhas, algum dia teriam de “reabrir” à normalidade, a subida nos casos positivos e na mortalidade nos meses mais recentes constitui uma mera inevitabilidade expectável. E talvez uma prova de que a imunidade natural é mais determinante do que a imunidade vacinal.

    Similar é a situação da Finlândia, onde a maior mortalidade actual se pode explicar por ser um dos países com menor contacto com o vírus: o rácio é, por agora, de 20 casos positivos em cada 100 habitantes.

    Note-se: Portugal, além de ser um dos países mais vacinados do Mundo – e, portanto, com (suposta) maior imunidade vacinal – é também o país do Mundo, no universo daqueles que têm mais de 10 milhões de habitantes, com um maior rácio de 48 casos positivos por 100 habitantes, ou seja, com uma elevada imunidade natural.

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    Se considerarmos o universo dos países com mais de 1 milhão, estamos apenas atrás da Dinamarca (51/100) e da Eslovénia (49/100). Contudo, a mortalidade diária (média de 7 dias) destes dois países é, actualmente, de 7 e 5 mortes por covid-19, se padronizado à população portuguesa. E nós, repito, apresentamos 34 mortes.

    Como se explica, então, tanta morte atribuída à covid-19? Será isto real? Ou estamos perante um embuste para esconder as reais falhas na Saúde Pública portuguesa, dado que é uma evidência estarmos continuamente a registar um excesso de mortalidade total no país?

    Mas ninguém parece interessado em questionar ou duvidar da veracidade dos números e da “narrativa oficial” – porque ninguém, como excepção do PÁGINA UM, quer obrigar o Ministério da Saúde (e a DGS) e o Infarmed a divulgar dados em bruto para que haja uma análise independente.

    Vamos ser claros: manter a ideia de a pandemia continuar ad infinutum é o ideal para qualquer Governo, e especialmente para António Costa. Mantém-se a imprensa mainstream entretida – e apelativa a receber mais financiamentos das farmacêuticas para “falar” de saúde –, e serve de álibi para as falhas crónicas, estruturais e conjunturais, em todo o Sistema Nacional de Saúde. E continua-se assim, também, a justificar a ideia de que se está continuamente a lutar com um “inimigo público” que não permite, hélas, que o “bom do Governo” nos possa proteger com mais eficácia contra as outras maleitas. Além disso, mantêm-se os promissores negócios com laboratórios e farmacêuticas.

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    A covid-19 tem as “costas bem largas”, para mal dos nossos pecados: continuará a ser o bode expiatório apetecível, porque bastará meter um caso positivo para que seja esquecida a negligência com que o Estado tem tratado, nos últimos dois anos, o tal “povo”. Foi covid-19, e o caso é encerrado. E compre-se mais antivirais e o mais que houver. O resto, que é tudo, que se lixe.

    Isto, na verdade, só mudará quando alguém chamar a polícia.

    E se ela vier.

    Isto quer dizer, claro, que isto só mudará se a Procuradoria-Geral da República se consciencializar que está ao serviço da “arraia miúda” – leia-se, povo de Marcelo Rebelo de Sousa, que fez o país – e não da “arraia graúda”. Até agora tem sido claro de que lado (não) tem estado.

  • Estado compra 21 milhões de euros em antivirais ‘promovidos’ por Filipe Froes

    Estado compra 21 milhões de euros em antivirais ‘promovidos’ por Filipe Froes

    O PÁGINA UM confirmou hoje que os antivirais, que tiveram aprovação em tempo recorde, já foram adquiridos para integrar a Reserva Estratégica de Medicamentos. Custo de cada tratamento, para doentes ainda com sintomas ligeiros ou moderados, podem ascender aos 500 euros. Mas as polémicas não se restringem aos custos.


    O Governo decidiu comprar cerca de 21 milhões de euros em antivirais contra a covid-19 às farmacêuticas Pfizer e o Merck Sharpe & Dohme (MSD), destinadas a doentes considerados vulneráveis, mas ainda com sintomas ligeiros ou moderados.

    Nos Estados Unidos, onde sobretudo o antiviral da Pfizer – o Paxlovid – está a ser mais usado, têm sido reportados casos de doentes que, após o tratamento, voltam a ter covid-19 com sintomas graves.

    A notícia foi esta tarde confirmada ao PÁGINA UM pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), e surge após Graça Freitas ter homologado uma nova norma terapêutica, no passado dia 28 de Maio, que incluiu, pela primeira vez, a adopção conjunta dos fármacos irmatrelvir e ritonavir (sob a marca Paxlovid, da Pfizer) e do fármaco molnupiravir (sob a marca Lagevrio, da MSD).

    Paxlovid, da Pfizer. A farmacêutica norte-americana prevê facturar, até ao final do ano, 20 mil milhões de euros com este fármaco.

    A nova norma terapêutica (Norma 005/2022) foi elaborada por uma equipa de consultores onde se destaca o pneumologista Filipe Froes, um dos médicos com maiores relações comerciais com a Pfizer e a MSD. Na segunda semana de Maio, Froes desdobrou-se publicamente em declarações elogiosas a favor dos antivirais e anticorpos monoclonais para tratamento da covid-19. A inclusão destes fármacos na norma tornou, na prática, obrigatória a sua aquisição pelo Estado.

    Estes medicamentos – cuja rapidez na aprovação por parte dos reguladores causa espanto, apesar das dúvidas da sua eficácia e das notícias sobre os efeitos secundários – têm sido, claramente, uma aposta de marketing das farmacêuticas nesta fase da pandemia: na generalidade, destinam-se a doentes com sintomas ligeiros a moderados, numa altura em que a Omicron, no caso português, somente causa a hospitalização de 0,2% dos casos positivos.

    Como cada tratamento poderá vir a custar cerca de 500 euros, fácil se conclui que as farmacêuticas ficam com os louros e com o dinheiro mesmo se a eficácia dos medicamentos for idêntica à de um placebo. E isto já para não falar nos problemas já anotados, sobretudo nos Estados Unidos, onde o seu uso, promovido por Joe Biden, se tem generalizado.

    O elevado preço destes fármacos também tem sido alvo de fortes críticas,

    Filipe Froes,o principal promotor dos antivirais, também elaborou a norma que “forçou” a aquisição dos antivirais.

    Além disso, por exemplo, no caso do Paxlovid, as interacções medicamentosas que desaconselhavam o seu uso (mais de uma centena) podem restringir a sua aplicação prática.

    As aquisições da DGS, que ainda não constam no Portal Base, foram realizadas no âmbito da criação da “Reserva Estratégica de Medicamentos”.

    Constituída em 2020, no contexto da pandemia, essa reserva é constituída, segundo o gabinete de comunicação da DGS, por “medicamentos, equipamentos de proteção individual e outros produtos de saúde, os quais foram sendo disponibilizados aos serviços de saúde de acordo com as necessidades, privilegiando os princípios da eficácia financeira, adaptabilidade, bom uso e eficiência dos artigos que a constituem, evitando dispersão e desperdício desnecessários.”

    Numa parte dos casos, como sucedeu com o antiviral remdesivir, da Gilead, que se mostrou pouco eficaz – mas que ainda integra a Norma 005/2022, não sendo coincidência Filipe Froes manter-se como consultor daquela farmacêutica norte-americana especificamente para este fármaco –, Portugal foi obrigado a fazer as compras, porque a contratualização foi centralizada pela Comissão Europeia. Com o remedesivir, a DGS gastou também quase 20 milhões de euros no final de 2020.

    Noutros casos, foi realizada através de “acordos bilaterais com as empresas, tendo sido a aquisição de antivirais uma das recentes aquisições realizadas”, adiantou a DGS ao PÁGINA UM.

    Embora a DGS nada refira sobre compra de anticorpos monoclonais – que são novos fármacos destinados a doentes com fraca imunidade –, terão também já sido adquiridas doses de Ronapreve, produzido pelas farmacêuticas Roche e Regeneron, uma vez que o fármaco consta como integrado na Reserva Estratégica de Medicamentos pelo Infarmed. Ainda em análise, também para compra, estarão os anticorpos monoclonais da GlaxoSmithKline (Xevudy), da AstraZeneca (Evusheld) e da Cektrion HealthCare (Regkirona).

    Destaque-se que, de acordo com o site Worldometers, a mortalidade atribuída à covid-19 atingiu, no passado dia 8 de Junho, o valor mais baixo desde 21 de Março de 2020, no início da pandemia. Anteontem, a nível mundial contabilizaram-se 1.281 óbitos (média móvel de 7 dias), o que contrasta com o máximo deste ano nos 10.952 mortes, ocorrido em 9 de Fevereiro. O valor máximo durante a pandemia verificou-se em 27 de Janeiro de 2021 com 14.723 óbitos, ou seja, o valor mais recente representa 8,7% do pico.

  • Primavera varre de luto várias regiões de Portugal. Conheça os 21 concelhos com agravamento da mortalidade total superior a 50%

    Primavera varre de luto várias regiões de Portugal. Conheça os 21 concelhos com agravamento da mortalidade total superior a 50%

    O PÁGINA UM analisou a mortalidade total em cada um dos 308 municípios portugueses entre as semanas 13 e 21; ou seja, grosso modo, nos dois primeiros meses da Primavera. Alguns concelhos parecem ter sido varridos por um desastre. Mas ninguém estuda as causas. A Direcção-Geral da Saúde dá mais atenção à varíola dos macacos do que a apurar a raiz de uma Primavera funesta.


    Nunca a Primavera foi tão fúnebre em Portugal. Apesar da pandemia da covid-19 estar já em fase endémica – e numa altura em que o Governo decidiu intensificar o programa de vacinação contra esta doença com a quarta dose –, nunca como agora as agências funerárias de vastas regiões do país tiveram tanta actividade ao longo dos meses de Abril e Maio.

    De acordo com a análise detalhada do PÁGINA UM aos dados disponíveis do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), este ano a mortalidade total no país cresceu 16% entre o início da semana 13 (28 de Março) e o fim da semana 21 (29 de Maio) face à média do período homólogo dos cinco anos anteriores à pandemia (2015-2019).

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    Segundo os registos por concelho do SICO, o número total de óbitos nos 308 municípios portugueses neste período atingiu, este ano, os 21.263, o que contrasta com as 17.698 mortes no período homólogo do ano passado – que tragicamente “beneficiou” da mortandade dos dois primeiros de 2021 – e com as 20.987 mortes em 2020, que integra a primeira fase da pandemia da covid-19 em Portugal. No período de 2015-2019, a média foi de 18.306 óbitos,

    Mas esse aumento, já de si significativo à escala nacional, não ocorreu de forma uniforme.

    Analisando a situação individual de cada município, os cenários são muito mais preocupantes em determinadas regiões, sobretudo no Minho, em algumas partes do interior das regiões Norte e Centro, no Baixo Alentejo, no Algarve e nos Açores. Detectaram-se mesmo três municípios onde a mortalidade nas semanas de 13 a 21 de 2022 mais do que duplicou quando comparada com a média do período homólogo no período 2015-2019: Calheta (+118%), Monforte (+107%), Alvito (103%). Caso se considere o período 2017-2021, para integrar os dois anos de pandemia, a situação não se altera muito.

    Variação da mortalidade total nas semanas 13-21 de 2022 face à média do período homólogo de 2015-2019. Fonte: SICO. Mapa: ©João Cláudio Martins.

    Praticamente todos os concelhos com maiores incrementos são rurais – e, portanto, com menor quantidade e qualidade de serviços e assistência médica, como se pode observar naqueles que, além dos três já mencionados, registaram aumentos superiores a 50% em comparação com o período 2015-2019: Santana (95%), Terras de Bouro (83%), Miranda do Corvo (80%), Vizela, Reguengos de Monsaraz e Alcoutim (75% cada), Vila Franca do Campo (72%), Pinhel (70%), Mira (64%), Almodôvar (60%), Sousel (59%), Nordeste (57%), Tabuaço (55%), Alpiarça e Estremoz (53%, ambos), Alandroal (52%), Vale de Cambra e Sabrosa (51% ambos).

    No entanto, também alguns importantes concelhos, mais urbanos, contabilizaram acréscimos significativos, como Ponte de Lima (acréscimo de 43%, decorrente de 106 óbitos em 2022 em confronto com 74 óbitos em média no período homólogo de 2015-2019), Viseu (41%; 224 vs. 158), Portimão (38%; 141 vs. 102), Beja (36%; 111 vs. 81), Póvoa de Varzim (35%; 110 vs. 81), Maia (35%; 216 vs. 160) e Oeiras (31%; 332 vs. 253).

    Os cinco mais populosos municípios de Portugal apresentaram situações quase semelhantes, com excepção do Porto. No caso de Lisboa – que, além de ser o concelho mais povoado, tem uma população bastante idosa – registou-se um acréscimo de 12%, ligeiramente abaixo da média nacional, mas mesmo assim um aumento absoluto de 138 óbitos (1.247 este ano vs. 1.109 no período de 2015-2019).

    Sintra, por sua vez, contabilizou um acréscimo de 15%, com 546 óbitos este ano que confrontam com 477 em média no período 2015-2019. Mais a norte, Vila Nova de Gaia – o terceiro concelho com mais habitantes – registou uma subida de 22% na mortalidade total (519 vs. 426). Cascais – o quinto concelho mais povoado de Portugal – teve um aumento em linha com a média (16%), decorrente dos 382 óbitos que comparam com os 330 em média no período 2015-2019.

    O município do Porto, o quarto município mais populoso, acaba por ser, de entre os concelhos urbanos, uma feliz excepção. Entre as semanas 13 e 21 contou 484 óbitos, somente mais cinco do que a média no período de 2015-2019, o que resultou num aumento de apenas 1%.   

    Contudo, se os dados concelhios mostram que, durante a presente Primavera, houve um agravamento da mortalidade muito significativo e bastante preocupante em vastas regiões do país, também causa admiração que se encontrem 77 concelhos com uma redução, por vezes significativa, o que mostra assim realidades distintas e não a existência de factores abrangentes que atingem todo o país por igual.

    Quais são os motivos? Ninguém sabe. Nem estuda.

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    Aparentemente, o excesso de mortalidade em Portugal está para ficar, de forma indefinida, sobretudo se não se quiser colocar a hipótese de se estar perante disfunções do Serviço Nacional de Saúde e de que os acréscimos de óbitos são efeitos secundários da estratégia governamental em secundarizar as outras doenças em tempos de pandemia.

    Entretanto, a Direcção-Geral da Saúde considera mais relevante um acompanhamento diário da situação da varíola dos macacos – que ainda não causou qualquer fatalidade –, e nem autoriza que outros façam o trabalho por si.

    Recorde-se que o PÁGINA UM já solicitou à DGS o acesso aos dados em bruto do SICO, o que foi recusado. Espera-se, neste contexto, uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa para que se possa apurar as causas desta Primavera funesta.