José Pedro Castanheira foi – é, porque nunca se deixa de ser – um dos mais respeitados jornalistas portugueses, daqueles sérios e a sério, com vasta experiência na investigação jornalística ao longo de quase cinco décadas de actividade, de entre os quais 30 anos no Expresso.
Além do seu trabalho na imprensa, José Pedro Castanheira é autor de diversas obras de índole biográfica e política, destacando-se a biografia de Jorge Sampaio e o relato da atribulada vida de Annie Silva Pais (filha de um façanhudo director da PIDE), em co-autoria com Valdemar Cruz, que acaba de ser transposto para o pequeno ecrã (Cuba Libre), na RTP.
Chegado à reforma, Castanheira decidiu em 2020, aos 68 anos, concretizar um seu antigo sonho, de 40 anos: ligar por mar as ilhas açorianas. E mais: ser o “cronista”. Foi processo atribulado, o que até é bom para um relato.
De facto, em literatura de viagem, por princípio, jamais interesse algum haverá para o leitor se nada de estranho ou mirabolante se passar, sobretudo se o cenário for o mar e um pequeno veleiro o meio de locomoção. E também se o “cronista” não for bom.
Ora, no caso de Volta aos Açores em quinze dias: diário de bordo de uma viagem para (não) esquecer, garantido estava que o “cronista” seria bom, e isso se confirma ao longo das suas páginas. João Pedro Castanheira, sempre na terceira pessoa (mesmo quando se refere a si), mostra a mestria de um bom contador de história, aqui e ali pontuado com pequenas doses de humor. Em todo o caso, falta ali umas pitadas de sal para que o estilo à laia de cronista dos tempos dos Descobridores ficasse mais refinado, o que se pode justificar pelo pouco tempo de preparação da obra: a viagem decorreu em Maio deste ano, e o livro saiu do prelo no início de Agosto.
Bom, na verdade, neste caso, a analogia com o sal não é bem conseguida, pois a refinação lhe retira qualidade, ao invés de o aprimorar. Fiquemo-nos então por dizer que a escrita neste curto livro, em formato de bolso, não é “flor de sal” da literatura de viagens marítimas, mas não envergonha, muito pelo contrário. Porém, confessa-se que se pode ficar com uma sensação de algum “inconseguimento”.
De facto, lido este “diário de bordo”, conclui-se que o mar compartilha, nesta travessia pelo arquipélago dos Açores, o protagonismo tanto com a equipagem do veleiro Avanti (e suas aventuras e desventuras) como com o SARS-CoV-2.
A pandemia está omnipresente no livro. Não apenas porque a viagem, inicialmente prevista para 2020, se inicia com dois anos de atraso, devido aos lockdowns da pandemia, mas sobretudo por um terço do livro ser quase inteiramente dedicado às contingências do confinamento obrigatório de José Pedro Castanheira no Horta Garden por força de um teste positivo à covid-19 ao 12º dia de viagem.
E assim, as últimas 60 páginas ingloriamente transformam-se, segundo o próprio autor, em relato do “simplório quotidiano de um jornalista reformado que se arvorou em marinheiro e que, não se tendo precavido suficientemente (apesar de três vezes vacinado), foi obrigado pela ministra Marta Temido e pelo seu diligente SNS24 a um período de isolamento profilático” de cinco dias no dito Horta Garden.
Esta parte do “diário de um covídico”, nas humoradas mas conformadas palavras de José Pedro Castanheira, tem, pelo menos, uma utilidade histórica não despicienda: tal como olhamos hoje com admiração e espanto para antigas crónicas compiladas no século XVIII na História Trágico-Marítima de Bernardo Gomes de Brito – e sabendo as condições de navegação em épocas ancestrais –, no futuro, certamente, os nossos descendentes olhar-nos-ão com pasmo e espavento às experiências destes navegadores do século XXI.
Portanto, três vezes vacinado e depois ainda há um confinamento? Give me a break! Enfim, se os portugueses de antanho andasse com tais frescuras, nem ao forte de São Lourenço da Cabeça Seca, vulgo Bugio, chegariam com os madeiros ondulantes de então, quanto mais aos quatro cantos do Mundo.
Nota final para o excelente prefácio de Onésimo Teotónio Pereira, distinto açoriano e professor catedrático no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University, no estado norte-americano de Rhode Island.
Ficará tudo em casa. Ou perto de casa. A loja adquirida em 2020 pela empresa do ministro da Saúde, na freguesia portuense de Ramalde, vai ser comprada agora pelo próprio Manuel Pizarro. A informação foi revelada esta sexta-feira pelo gabinete do Ministério da Saúde ao PÁGINA UM, após vários dias de insistência.
“O comprador será o próprio Manuel Pizarro, por ser a solução que permite, de forma mais célere, concretizar a venda e dissolver a empresa”, diz fonte oficial do Ministério da Saúde. Sem resposta ficam, contudo, várias questões pertinentes em redor da aquisição desta loja com 51,20 metros quadrados, e não de 31,80 metros quadrados como consta no esclarecimento revelado à imprensa pelo gabinete de Manuel Pizarro durantee sta semana.
Prédio onde se localiza a loja comprada pela Manuel Pizarro Consultadoria em 2020,. Manuel Pizarro vai comprar a si próprio.
Recorde-se que o imóvel em causa localiza-se no número 360 da Avenida das Congostas, na freguesia de Ramalde, a poucos metros da residênca oficial do ministro da Saúde na cidade do Porto. Nos últimos dois anos, esta zona do Porto beneficiou de uma forte valorização, com preços por metro quadrado a superarem os mil euros.
Nessa medida, vender a loja a um terceiro com demasiada rapidez poderia ser um mau negócio pessoal para o ministro. A venda do imóvel é fundamental para dissolver uma empresa que necessita de realizar uma liquidação integral dos seus activos, ou seja, que tudo fique sob a forma de dinheiro corrente para que sejam cobertos eventuais passivos e depois distribuído o remanescente pelos sócios.
O ministro da Saúde não revela a quem foi feita a compra em 2020, nem o mês da sua concretização, nem o valor em causa. Nem qual o valor da venda a si próprio. O PÁGINA UM fez no dia 4 de Outubro um pedido de consulta do registo predial permanente da fracção em posse da Manuel Pizarro Consultadoria, para conhecer o histórico das transacções, mas o Instituto dos Registos e do Notariado (INR) não concedeu acesso ao fim de três dias. O tempo de resposta é de dois dias, conforme se refere no recibo do pedido.
Embora as transacções não sejam assim (ainda) públicas, a loja consta no activio da Manuel Pizarro Consultadoria como valendo cerca de 35 mil euros. Nos últimos dois anos, esta zona do Porto beneficiou de uma forte valorização, com os preços por metro quadrado a superarem os mil euros.
Já se sabia, mas fica assim preto no branco: a CNN Portugal interrompeu, na madrugada do dia 24 de Fevereiro, o enviado especial a Kiev, Filipe Caetano – seu editor de negócios estrangeiros e então membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas –, para transmitir imagens falsas. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social provou tudo e quis inicialmente obrigar o canal da Media Capital a pedir desculpa. Mas acabou por ser mais benevolente: a CNN Portugal só levou uma recomendação. Pede desculpa se quiser. Até agora, não quis.
Confirma-se. Agora é mesmo oficial. A CNN Portugal utilizou, na madrugada do passado dia 24 de Fevereiro, imagens falsas, retiradas de um jogo de computador, com “mísseis a rasgar o céu” à noite, fazendo crer aos telespectadores que se tratavam dos primeiros momentos dos ataques da Rússia à Ucrânia.
O pivot da emissão, o jornalista Cláudio Carvalho, na emissão da madrugada (4:10 horas) corroborara então a “veracidade” (agora falsa) das ditas: “E são imagens, de facto, impressionantes, do início desta invasão, ou deste ataque – utilizando uma expressão que está a ser usada pela Casa Branca –, este ataque por parte das forças russas ao território ucraniano. Vincando ser “possível ver e ouvir” os mísseis. Afinal, eram simplesmente imagens manipuladas do jogo War Thunder,
Durante cerca de um minuto, a CNN Portugal revelou imagens “impressionantes”, nas palavras do jornalista Cláudio Carvalho, dos primeiros ataques da Rússia à Ucrânia. Afinal, eram de um jogo de computador.
Esta é a conclusão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), através de uma deliberação aprovada em 7 de Setembro, mas só ontem revelada no site daquela entidade. A ERC fala taxativamente de se estar perante “uma violação grosseira [por parte da CNN Portugal] do dever de assegurar o rigor informativo”. Contudo, após uma audiência prévia concedida ao canal, decidiu não obrigar a CNN Portugal a confessar que fez desinformação junto dos seus leitores.
Mas o canal televisivo leva apenas um “puxão de orelhas” da ERC, mas leve: uma recomendação para “assumir o seu erro cometido perante o seu público”. Ou seja, não é obrigado a fazer nada.
Em todo o caso, a CNN Portugal não se livra da censura por parte do regulador. A deliberação da ERC é, nesse aspecto, taxativa: o canal veiculou conteúdos passíveis de serem classificadas de fake news, algo que, aliás, já se sabia através de uma análise no próprio dia de início das hostilidades, através do fact checkerFull Fact.
Embora faça apenas uma recomendação para que a CNN Portugal assuma “o seu erro perante o seu público”, a ERC lança na sua deliberação vários recados muito comprometedores para a chamada imprensa mainstream: “é essencial que, no ambiente atual em que prolifera a desinformação, os media noticiosos ditos tradicionais garantam uma informação rigorosa e pugnem por alcançar a máxima credibilidade junto do público”. A deliberação salienta ainda que a imprensa tradicional deve “posicionar-se como portos seguros onde se encontra informação de qualidade.”
Curiosamente, o então enviado especial da CNN Portugal à Ucrânia – e que foi mesmo interrompido pelo pivot para serem emitidas as imagens falsas – era o jornalista Filipe Caetano, editor de negócios estrangeiros do canal. Caetano era, à data, membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas. Esta entidade não se debruçou sobre esta matéria.
A leitura desta deliberação da ERC permite também conhecer as diversas tentativas da CNN Portugal em desvalorizar a colocação de imagens completamente falsas em antena.
No processo, o regulador revela que enviou ao canal um projecto de decisão em finais de Maio passado, tendo o canal televisivo da Media Capital reconhecido que o “vídeo em questão não [era] real”, mas considerando que o “vídeo não é em si a notícia, sendo antes um elemento visual de corroboração das demais fontes disponíveis”. E assumia que, enfim, a “exibição de vídeo não distorceu o retrato da realidade factual, uma vez que efectivamente a Ucrânia tinha sido invadida”.
Editor dos negócios estrangeiros da CNN Portugal, Filipe Caetano, então membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, foi interrompido pelo pivot, para serem emitidas “imagens novas que nos acabam de chegar”. Eram falsas, afinal.
Mais curiosa ainda se mostra a argumentação do canal televisivo de se ter usado uma “fonte incorrecta para corroborar informação correcta”. A CNN Portugal diz mesmo que as imagens de computador exibidas têm “uma semelhança evidente com imagens reais” sobre “o funcionamento do sistema de defesa antiaéreo ucraniano”.
E perante a sugestão do projecto de decisão da ERC de ser obrigatório a assumpção pública da emissão de imagens falsas, a CNN Portugal manifestou que isso seria “excessivamente contundente” e que até poderia “inclusivamente ser contraproducente para os fins que lhe parecem estar subjacentes – o reforço da confiança nos media tradicionais”. Ou seja, a CNN Portugal achou que seria melhor não assumir um erro para assim escapar ao juízo dos telespectadores.
No âmbito da audiência prévia, em 27 de Julho passado também foi ouvido o director executivo da CNN Portugal, Frederico Roque de Pinho, que acabou por revelar a fonte das imagens falsas: a NEXTA, por ele classificada como “uma televisão digital” e “uma fonte independente com sede na Polónia”. Contudo, na verdade, a NEXTA é um canal de um exilado bielorusso que usa apenas as redes sociais para difundir informações, como o YouTube, Telegram, Instagram e VKontakte (o “Facebook russo”).
Um jogo de computador serviu para a CNN Portugal “mostrar” imagens do início da invasão da Ucrânia.
Nesse aspecto, a própria ERC aceitou a tese de que “não foi a CNN Portugal que retirou o vídeo das redes sociais ou de plataformas de partilhas de vídeos”; foi sim a NEXTA que o facultou. Aqui o regulador aparenta não ter aprofundado o método de trabalho daquele canal bielorusso.
Com efeito, a NEXTA somente divulga informação via redes sociais, pelo que, a existir cedência, esta é feita de forma passiva, tendo os utilizadores que descarregar os vídeos. O PÁGINA UM conferiu os quatro vídeos deste canal com data de 24 de Fevereiro e, apesar de um deles possuir imagens nocturnas supostamente de mísseis, nenhum integra as imagens transmitidas pela CNN Portugal.
Por outro lado, não existem dúvidas de que o vídeo transmitido pela CNN Portugal na madrugada de 24 de Fevereiro é exactamente igual, incluindo o som, àquele colocado na plataforma do Youtube em 15 de Dezembro do ano passado, portanto, antes da invasão da Ucrânia.
O canal NEXTA, que a CNN Portugal diz agora ser a fonte das “imagens falsas”, tem quatro vídeos do dia 24 de Fevereiro. Um desses vídeos integra imagens nocturnas com supostos mísseis, mas não as imagens do jogo de computador.
Aliás, sobre a não referência à NEXTA aquando da emissão das imagens, Roque de Pinho deu, em sede de audiência prévia, uma explicação muito sui generis: “Nós consideramos que ali, de facto, desinformação não existe. Existe um conteúdo vídeo de facto errado. Na CNN há uma regra que denota maior credibilidade, até em relação à concorrência, que nós regra geral temos também no ecrã a fonte, ou seja, a origem das imagens, e neste caso, salvo erro, não estava lá, e é a NEXTA. Portanto há aqui esse lapso.”
Sobre a possibilidade de um mea culpa, Roque de Pinho remeteu apenas a possibilidade de abordar a questão do programa “Fontes bem informadas”, aos sábados naquele canal, mas nem isso ainda foi feito. E nem vai precisar, tendo em conta que a ERC decidiu alterar o projecto de deliberação inicial – uma decisão individualizada vinculativa –, porquanto a CNN Portugal reconheceu, durante a instrução do procedimento administrativo, o erro e mostrou, segundo a ERC, “abertura, lisura e transparência”.
Em Junho, a organização da Marcha do Orgulho LGBTI+ (MOL) classificou o embaixador de Israel como persona non grata. Dor Shapira respondeu à letra no Público, mas não houve réplica, porque a direcção do diário não apreciou determinadas expressões. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) veio agora dar razão ao director do Público, e acha mesmo que há mais expressões contra Israel que deveriam ser “proibidas”. Os tempos são agora bem diferentes do que eram, por exemplo, há oito anos… nas páginas também do Público. Confira.
Em 2014 escrevia-se longo e grosso nas páginas do jornal Público, no auge de uma ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza. No dia 16 de Julho, a embaixadora Tzipora Rimon não poupava nas palavras em artigo de opinião intitulado “Em busca da estabilidade perdida dos cidadãos de Israel”: “Em Israel o valor da vida fica no topo da escala de valores e o Estado dedica todos os seus meios a melhorar a forma de a preservar. Contrária a isto é a actuação do Hamas, internacionalmente reconhecida como organização terrorista, cuja motivação é destruir vidas de israelitas.”
E continuava sem rodeios nem receios: “O Hamas dirige os seus mísseis para áreas residenciais populosas para, indiscriminadamente, atingir o máximo de civis israelitas – crianças, mulheres, idosos. O Hamas declara abertamente ser seu objectivo atingir centros populacionais, como Telavive, Jerusalém, Haifa e muitas outras cidades, e não alvos militares.”
Nem uma linha fora do contexto. Uma piscadela para passar o parágrafo seguinte, e a embaixadora, que esteve em Portugal entre 2013 e 2017, mantinha a linha sem contemplações: “Esta é uma clara violação do direito internacional e é um crime de guerra. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, declarou: Esta é a diferença entre nós e o Hamas. Usamos um sistema defensivo antimíssil para proteger os cidadãos de Israel e o Hamas está a usar os residentes de Gaza para defender os seus arsenais de mísseis.”
O artigo de opinião ainda contava mais quatro parágrafos, mas o importante aqui é acrescentar que teve resposta a preceito, três dias depois. Em nome do Comité de Solidariedade com a Palestina, um grupo de cinco pessoas pôde fazer duas coisas simples: contestar a opinião da embaixadora de Israel no próprio jornal que a publicou – então dirigida por Bárbara Reis –, e prescindiu, sem problemas, de ser meigo na escolha das palavras.
Na polémica em 2014 entre o embaixador de Israel e apoiantes da causa palestiniana não se mediram palavras.
Depois, em apenas quatro parágrafos, os mimos foram constantes: “(…) as únicas ‘vidas humanas’ que importam ao regime racista israelita são as dos seus cidadãos judeus”; “incrível cinismo” da embaixadora; “campanha israelita de limpeza étnica” e “regime israelita do apartheid”. E ainda, em relação à postura dos israelitas em relação aos palestinianos na Faixa de Gaza, explícitas comparações com o “extermínio dos judeus na Alemanha nazi” e acusações de “lógica genocida” similar ao nazismo.
Tudo valeu como argumentos – e, independentemente das posições extremadas, fez-se opinião. Chocante? Sim. Mas expôs-se opinião, dura e crua, de ambos os lados. A liberdade de expressão é assim.
Mas isso foi há oito anos…
Hoje, aquele texto de André Trassa, Elsa Sertório, João Jordão, Sahd Wadi e Teresa Cabral – os autores do artigo em 2014 em nome do Comité de Solidariedade com a Palestina – jamais seria publicado no Público.
E não por o actual director do Público, Manuel Carvalho, fosse eventualmente considerar ilegítimo que o Comité de Solidariedade com a Palestina retorquisse (por não ter mandato de representação do Hamas), mas sim porque aquele texto de há oito anos seria agora acusado de “conter expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolvem responsabilidade criminal, nos termos do disposto no número 4, do artigo 25º da Lei de Imprensa”.
Marcha de Orgulho LGBTI+ teve este ano um “condimento especial”, uma polémica entre a organização e o embaixador de Israel.
E porque se diz isto? Por uma simples razão: a citação do parágrafo anterior consta de uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, apenas esta semana colocada no seu site (embora tomada em 31 de Agosto passado). A dita deliberação dá razão ao Público por recusar um direito de resposta à Comissão Organizadora da 23ª Marcha do Orgulho LGBTI+ (MOL) sobre um artigo de opinião do embaixador israelita Dor Shapira.
Recue-se para contextualizar. No cerne da polémica esteve a recusa da organização daquela marcha, que se realizou em Lisboa no passado dia 18 de Junho, em acolher a participação do embaixador israelita, não por qualquer tipo de discriminação sexual naquele país, mas por razões políticas relacionadas com a Palestina.
Dor Shapira não gostou e aproveitou a abertura das páginas do Público para opinar, no dia 21 de Junho, sobre a MOL, dizendo não saber se a decisão de o colocar como persona non grata se devia a “ignorância, estupidez ou hipocrisia”. E zurzia mais, acusando a organização de estar “capturada por uma extrema-esquerda com tiques assustadoramente autocratas”, acabando a defender o seu país, atacando a Palestina: “Em muitos dos países vizinhos de Israel – e especialmente na Faixa de Gaza – não há Comunidade LGBTI+ por uma razão muito simples: se alguém o assumir será sumariamente punido. Na melhor das hipóteses, com a prisão e na pior com a execução. Israel acolhe estas pessoas.”
Ao contrário da sua antecessora em 2014, o embaixador de Israel não teve de receber resposta ao seu artigo de Junho passado.
Uma polémica é sempre boa para dirimir com palavras, duras que sejam; antes isso do que usarem-se somente armas, pensar-se-á. Mas o director do Público não deixou. E a novela passou para outro patamar.
Primeiro, no dia 23 de Junho, a organização do MOL quis publicar um artigo de resposta, alegando até a Lei da Imprensa, mas Manuel Carvalho, o director do Público, não deixou. Havia uma frase terrível no texto dos organizadores do MOL: “Um estado que se vangloria da sua democracia e respeito pelos DH [Direitos Humanos] enquanto desenvolve um dos mais longos genocídios da história da humanidade.”
Segundo consta da deliberação da ERC, andou a direcção do Público a contar palavras – e achou “exagerada [a] dimensão do texto [da organização da MOL], por comparação com a do artigo respondendo“ [do embaixador]. E alegou também existirem “referências que não tinham relação directa e útil com o teor do artigo de Dor Shapira”, além de constarem “expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolviam responsabilidade criminal”.
Entidade Reguladora para a Comunicação Social só divulgou esta semana a polemica deliberação votada em finais de Agosto.
Dois dias mais tarde, após a recusa inicial, a organização da MOL reduziu o texto, mas continuou a encravar no director do Público, que pretendeu ver retirada a expressão “campanhas de genocídio”, porque, segundo conta a deliberação da ERC, era “contrária ao Estatuto Editorial do Público e desproporcionadamente desprimorosa ou implicando responsabilidade criminal”. Com a expressão “campanhas de genocídio”, Manuel Carvalho não publicava; sem a dita expressão, publicava…
E, então, foi o caso parar à ERC. E o resultado ainda foi mais restritivo quanto ao uso de certas expressões. Na deliberação, o regulador (ainda) presidido pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas defende que a “acusação a Israel de levar a cabo campanhas genocidas, e sendo o genocídio um dos crimes mais graves que pode ser imputado a um Estado” pode “mesmo ser fonte de responsabilização para o jornal caso o texto de resposta fosse publicado”, concluindo assim pela legitimidade da recusa do director do Público.
Mas a ERC acabou por ainda ir mais longe, considerando que seria suficiente, para a recusa legítima de publicação de um texto de resposta ao abrigo da Lei de Imprensa, que se acusasse Israel de práticas de “políticas segregacionistas e de apartheid”, de “colonização”, de “crimes de guerra”, de “violações de direitos humanos” e de desrespeito por “inúmeras resoluções” das Nações Unidas sobre o conflito na Palestina.
N.D. Há momentos em que o jornalista não consegue decidir se deve informar ou se deve opinar, manifestando a sua repulsa. Este é um deles. Todo este episódio – e sobretudo o contraste de hoje com um passado tão recente na aceitação do debate duro – mostra a lamentável e miserável mudança social nos últimos anos.
Se este episódio nos revela algo, não é tanto as raízes e ramificações do conflito israelo-palestiniano – que esse vai durar; é sim a perda (recente) da nossa capacidade como sociedade em saber discutir aberta e tenazmente um qualquer assunto. O politicamente correcto anda a ser imposto; prevalece o respeitinho; censura-se a palavra mais dura, mesmo se discutível a sua essência e justeza. A Censura is the new black.
Confesso que me encontro (lamentavelmente) impreparado para poder concordar com todas as acusações contra Israel de práticas de “políticas segregacionistas e de apartheid”, de “colonização”, de “crimes de guerra”, de “violações de direitos humanos” e de desrespeito por “inúmeras resoluções” das Nações Unidas sobre o conflito na Palestina.
Mas sei, e isso sem pestanejar, ser lamentável que haja quatro pessoas que lamentavelmente serpenteiam pelos corredores de uma entidade que foi criada pela Constituição para defender a liberdade de expressão achem que, no espaço público, de debate, não se possa usar aquelas expressões considerando-as “desproporcionadamente desprimorosas”. E que digam que isso não pode ser porque, enfim, o embaixador de Israel até mostrou um “tom contido e o lamento nele expresso pela recusa em participar” na MOL.
Sobre o Público de agora; não faço já mais comentários por agora: confrontar a postura de 2014 com a de 2022 mostra-se suficiente e prescinde de mais opinião.
Há qualquer coisa aqui, por aí, de bafiento. E um futuro sombrio se coloca nos nossos horizontes, com gente assim.
A polémica estalou quando se soube que o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, recusou falar com jornalistas alegando que tinha um “exclusivo” com a Global Media, o media partner do Mobi Summit, que se realizou na semana passada. Mas por detrás destas parcerias mediáticas há todo um mundo de promiscuidades, com a mediatização a ser paga a preço de ouro, com garantia de ser favorável, e escrita por jornalistas que saltitam impunemente entre a imprensa e a comunicação empresarial. O PÁGINA UM escalpeliza os meandros do Mobi Summit, onde nem sequer falta um “curador editorial” para filtrar a “informação” que deve sair como “notícias”.
A Global Media já recebeu 600 mil euros desde 2019 de uma empresa municipal de Cascais para promover o Mobi Summit, um evento anual sobre mobilidade. Além da choruda verba, os jornais daquele grupo empresarial – Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Dinheiro Vivo – conseguiram exclusivos com os participantes, incluindo até o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro.
A polémica estalou na semana passada, quando jornalistas de outros órgãos de comunicação social não conseguiram chegar à fala com Duarte Cordeiro quando este participou naquele evento na quarta-feira passada. O ministro alegou que “apenas fazia declarações aos media partners” do Mobi Summit. O ministro, no início do seu discurso, fez uma saudação específica ao chairman da Global Media, Marco Galinha, logo após ter cumprimentado os presidentes das Câmaras Municipais de Cascais e Lisboa, Carlos Carreiras e Carlos Moedas, formalmente os organizadores deste evento.
Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, alegou ter exclusivo com os órgãos de comunicação social da Global Media para recusar prestar declarações aos outros jornalistas após a sua apresentação na Mobi Summit.
A postura do governante levou esta sexta-feira a Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas a emitir um comunicado sobre “parcerias mediáticas” onde salienta que “a confirmarem-se as queixas e também as notícias, entretanto veiculadas por alguns órgãos de informação, dando conta do ocorrido, este caso configura um grave atentado à liberdade de imprensa e ao dever de equidade dos responsáveis governamentais para com todos órgãos de informação jornalísticos.”
Apesar desta posição crítica da CCPJ – que também relembra no seu comunicado que “o jornalismo patrocinado, ou seja, trabalho que é executado em troca de um patrocínio comercial ou de qualquer outra forma de pagamento, é expressamente proibido pelo Estatuto do Jornalista” – esta entidade tem sido bastante branda em termos práticos.
A CCPJ não tem, aliás, agido sobre diversas revelações do PÁGINA UM sobre as promiscuidade nos contratos entre grupos de media e entidades públicas ou privadas (incluindo farmacêuticas), onde jornalistas surgem a executar acções de marketing. E mesmo “compra” de entrevistas ou a produção de revistas corporativas por jornalistas. Há mesmo jornalistas que se assumem como partners de empresas de comunicação empresarial, escrevendo notícias e conteúdos pagos em simultâneo para os mesmos jornais, não ficando clara a distinção para os leitores.
A Mad Brain, gerida pelos jornalistas Fátima Ferrão (CP 6197) e Francisco de Almeida Fernandes (CP 7706), é um dos casos mais emblemáticos, sem intervenção da CCPJ. Estes jornalistas escrevem, de forma despudorada, tanto notícias como conteúdos comerciais, sobretudo para publicações da Global Media e Impresa (jornal Expresso), produzindo em simultâneo a revista Energiser, da Galp.
Marco Galinha, chairman da Global Media, durante a sua apresentação no Mobi Summit.
O PÁGINA UM tentou, aliás, saber em concreto, sobre a participação do director do Público, Manuel Carvalho, se a CCPJ tinha já concluído um processo de averiguações que garantira ter iniciado em Dezembro do ano passado, mas a entidade agora liderada pela jurista Licínia Girão tem recusado dar quaisquer informações.
Na verdade, como o PÁGINA UM tem vindo a revelar, mais do que a obtenção de exclusivos com os participantes de eventos com “parceria mediáticas”, é a promiscuidade entre jornalismo e marketing que mais choca. Ou seja, além de “prostituir” o jornalismo – que não pode, por lei, fazer acções de comunicação empresarial ou de marketing –, a media partner pode passar a constituir, se envolver comparticipação económica relevante, a forma mais eficaz de uma entidade comprar cobertura mediática especializada, dócil e orientada. Além disso, criando uma dependência económica, a independência de um órgão de comunicação social arrisca a estar em causa para não se perder um futuro patrocinador.
Cobertura mediática do evento, com garantia de entrevistas aos participantes, foi um exclusivo dos órgãos de comunicação social da Global Media.
O caso da promoção e cobertura mediática da Mobi Summit – que vai já no quarto ano de organização pela Global Media, com uma contrapartida de 150.000 euros por ano – é um dos casos mais paradigmáticos da promiscuidade entre grupos empresariais e imprensa mainstream, envolvendo jornalistas com carteira profissional, que ora escrevem para as plataformas de comunicação do evento quer para o próprio jornal que integra os media partners.
Jornalistas a exercerem esta dupla função encontram-se vários na última edição do Mobi Summit. O PÁGINA UM detectou quatro jornalistas em funções à margem da lei. Rute Coelho (CP 1893) é o caso mais evidente, pela quantidade de textos similares que foram publicados tanto no Diário de Notícias como no site do Portugal Mobi Summit.
Esta jornalista, com mais de 20 anos de experiência, é também, aliás, um dos casos evidentes de “mercantilização” do jornalismo, impedido por lei, uma vez que oferece serviços de relações públicas e consultoria em marketing no LinkedIn.
Embora Rute Coelho assuma a autoria de diversos artigos de cobertura do Mobi Summit onde as fronteiras entre jornalismo e marketing são muito fluídas, a esmagadora maioria dos textos no site do evento e nos jornais da Global Media não estão assinados, embora seja facilmente identificável um estilo jornalístico. Se foram escritos por jornalistas sob anonimato – como muitas vezes sucede – ou por antigos jornalistas ou por pessoas sem ligação à imprensa, ignora-se.
Em todo o caso, ao longo dos dois dias deste evento – pomposamente denominado Grande Cimeira do Portugal Mobi Summit –, a cobertura mediática foi também feita, assumidamente, pelas jornalistas Elisabete Silva (CP 4391), Ana Meireles (CP 2808) e Carla Aguiar (CP 739), que foi a autora da peça sobre a intervenção do ministro Duarte Cordeiro. Esta jornalista do Jornal de Notícias fez também pelo menos uma entrevista a um participante do Mobi Summit antes da realização do evento.
A profunda envolvência directa da Global Media neste evento, usando jornalistas para funções de comunicação de marketing, ficou também no destaque dado a Marco Galinha, chairman deste grupo de comunicação social. Foi ele, aliás, quem deu “o pontapé de saída da edição deste ano do Portugal Mobi Summit”, conforme consta do próprio site produzido por “jornalistas da casa”.
Produção de contéudos sem fronteiras entre jornalismo e comunicação empresarial, incluindo a oferta de serviços de relações públicas por jornalistas, é cada vez mais frequente, sem que a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista tome medidas efectivas. Já nem sequer as ofertas são feitas de forma discreta.
O resumo da participação de Marco Galinha acabou publicado no Diário de Notícias no passado dia 28 de Setembro, sem assinatura do autor, mas no site do evento o mesmo texto aparece como sendo da autoria da jornalista Ana Meireles.
A participação activa de responsáveis editoriais das publicações do grupo liderado por Marco Galinha também se destacou no Mobi Summit.
Quase todos os debates foram moderados por directores das publicações da Global Media, demonstrando a forte ingerência de jornalista num evento comunicacional. Com efeito, Rosália Amorim (directora do Diário de Notícias, CP 1788), Joana Petiz (directora-adjunta do Diário de Notícias e directora do Dinheiro Vivo, CP 4449) e Pedro Cruz (director executivo da TSF, CP 1611) moderaram três debates, cada um. Pedro Ivo Carvalho, director-adjunto do Jornal de Notícias, CP 3104) moderou dois e Jorge Flores (editor executivo do Motor 24, sem registo de carteira profissional) um.
Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias, é habitué na moderação de eventos comerciais onde a Global Media é media partner. No Mobi Summit moderou três debates em dois dias.
Além destas participações, a Global Media montou uma forte cobertura comunicacional, incluindo a emissão integral das intervenções de todos os participantes através da TSF.
Na verdade, a cobertura do evento acabou por ser coordenada não pelas editorias dos órgãos de comunicação social da Global Media, mas sim por Paulo Tavares, denominado “curador editorial” do Portugal Mobi Summit 2022. Embora se assuma ainda como jornalista na rede LinkedIn, Paulo Tavares é, desde Fevereiro do ano passado, consultor de comunicação e marketing. No jornalismo teve uma longa passagem, a partir de 1993, na TSF, tendo depois transitado para o Diário de Notícias, onde chegou a ser director-adjunto entre Setembro de 2016 e Agosto de 2018.
Em termos concretos, como nem sequer existe a figura de “curador editorial” na Lei da Imprensa, e não sendo Paulo Tavares agora jornalista, aquele cargo revela sobretudo que as notícias “vazadas” para os órgãos de comunicação social da Global Media durante o Mobi Summit foram decididas e “filtradas” previamente sem um independente controlo editorial.
Paulo Tavares, antigo jornalista, foi nomeado “curador editorial” do Mobi Summit. Esta função não existe na Lei da Imprensa nem os jornalistas podem estar sob a alçada de pessoas sem carteira profissional de jornalista ou equiparado.
Pelos “serviços de mediatização” da edição deste ano do Mobi Summit, a Global Media recebeu 150.000 euros, em contrato assinado em Junho passado com a Cascais Próxima, uma empresa municipal daquela vila, constando no Portal Base, mas sem o caderno de encargos.
Este contrato veio no seguimento de outro, assinado em Maio de 2019, no valor de 450.000 euros, mas para a organização e promoção mediática do Mobi Summit para três anos. Nenhum destes contratos foi alvo de concurso público. A autarquia de Cascais decidiu sempre por ajuste directo. O evento contou ainda com os patrocínios da EDP, Brisa, Fidelidade e Lidl.
O PÁGINA UM tem mostrado, ao longo da sua existência, que pretende fazer mais do que jornalismo independente. Também quer fazer jornalismo activo, não no sentido de activista, mas de não aguardar apenas pelas notícias nem procurar somente investigar para produzir notícias.
O PÁGINA UM está atento aos sinais de falência institucional, de que são exemplos as posturas obscurantistas e autoritárias da Administração Pública, as acções persecutórias e promotoras de um falso unanimismo das instituições científicas e a decrepitude moral e ética da comunicação social.
Por isso, e não por acaso, nos últimos meses o PÁGINA UM tem intentado processos no Tribunal Administrativo de Lisboa face à sistemática recusa de acesso a documentos. O objectivo não é apenas ter acesso a esses documentos, mas servem, de igual modo, como teste à Democracia, aos juízes, que são o seu último pilar.
Como amanhã o PÁGINA UM revelará, sobre uma sentença recente (de sexta-feira passada) quase desfavorável na sua totalidade às nossas (justas) pretensões, há motivos para grande preocupação em relação ao rigor e isenção das instituições judiciais, se não no seu todo, pelo menos numa parte.
Por esse motivo, o PÁGINA UM começou a publicitar todas as peças processuais relevantes da totalidade das intimações já apresentadas no Tribunal Administrativo.
Estão, para já, disponíveis, na secção TRANSPARÊNCIA, três processos: Infarmed (reacções adversas às vacinas contra a covid-19 e ao remdesivir); Instituto Superior Técnico (relatórios da pandemia) e Banco de Portugal (processos de contra-ordenação contra instituições financeiras). Nas próximas semanas contamos ter já incluídos os 12 processos actualmente em curso. A informação será actualizada com regularidade.
A Transparência deve começar por expor o trabalho dos tribunais, porque as suas falhas minam-nos a confiança na Justiça.
Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Sem esses apoios não seria possível esta dinâmica. diversos processos de intimação junto do Tribunal Administrativo.
A notícia do PÁGINA UM foi escrita por mim e por Elisabete Tavares. Somos jornalistas há mais de 25 anos. Trabalhámos em importantes órgãos de comunicação social.
Baseámos a notícias em factos verídicos. Foi publicado esta semana um artigo científico numa revista internacional conceituada (Journal of Insuline Resistance), por um conhecido e prestigiado cardiologista (Aseem Malhotra), que até é presença regular na comunicação social britânica chegou mesmo a ser defensor das vacinas.
A notícia do PÁGINA UM tem o devido enquadramento; do ponto de vista de rigor mostra-se imaculada.
Em momentos normais, ou melhor, antes deste estranho Novo Normal surgidos pela pandemia, a notícia do PÁGINA UM seria aceite com naturalidade, apenas como um contributo informativo para o debate sobre ciência, ademais sobre um aspecto fundamental da Saúde Pública.
Censura do Facebook ao Página Um sobre a divulgação de uma notícia publicada num órgão de comunicação social e escrita por dois jornalistas com mais de 25 anos de profissão. O Facebook aplicou um castigo de “silenciamento” ao director do PÁGINA UM de 24 horas.
O Facebook, tal como muitas outras tecnológicas, não pode continuar impunemente a agir como até agora, limitando a liberdade de expressão e sobretudo a liberdade de imprensa. Nunca teve mandato para tal, e está claramente a abusar de premissas (uma alegada protecção do bem comum) para criar um mundo sem contestação e ordenado segundo os seus princípios, nem sempre assim tão bondosos.
Esta atitude fascista do Facebook – que, aliás, e bem, já está a ser contestada nos Estados Unidos –, de imposição de pensamento único, de eliminação do acesso à sua rede social, de censura sem critérios conhecidos através de uma entidade obscura chamada algoritmo ou inteligência artificial, escondida atrás de uma inacessível cortina, que impede quaisquer reclamações, não pode ser tolerável num mundo democrático.
E não venham com a questão estafada das fake news, que sempre existiram e que deixam de ter relevância numa sociedade com uma imprensa forte, independente e credível.
Sob a capa da luta contra a desinformação – que é uma externalidade dos sistemas democráticos –, a empresa de Mark Zuckerberg está a matar a democracia. E todos aqueles que defendem os métodos do Facebook contribuem para eliminar a desinformação juntamente com as verdades inconvenientes, sempre minoritárias, sempre incómodas, sempre fracturantes.
Querer curar enxaquecas cortando cabeças é má opção. Pior ainda, cortar cabeças se alguém apenas questiona se há enxaqueca ou, ou tenta lançar um debate sobre a causa primordial da enxaqueca.
Com essa postura de tirano, o Facebook e outros gigantes tecnológicos, criaram pequenos tiranete, que são hoje os directores de muitos órgãos de comunicação social.
Ainda hoje, nem de propósito, o advogado Rui Amores – que tem sido o patrono do PÁGINA UM nos processos de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa – vai apresentar a minha contestação à providência cautelar do Pública contra a deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que obrigou aquele diário a publicar um direito de resposta a um artigo execrável de Dezembro do ano passado.
Notícia do PÁGINA UM que revelou dados convenientemente anonimizados das crianças internadas com covid-19. Para o Público foi uma revelação de dados clínicos por uma “página de negacionistas anti-vacinas” que atentava contra a “necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação”.
Na providência cautelar o Público confessou que quando se referiu a uma “página negacionista anti-vacinas” naquela sua notícia conhecia quem era o jornalista (eu) e qual era o jornal (PÁGINA). Atente-se ao que escreveu o advogado Francisco Teixeira da Mota: “A omissão do nome da página do Facebook ou do jornal que a alimenta foi uma decisão deliberada da Direcção Editorial do jornal PÚBLICO e da editora da secção da Sociedade que, com sentido de responsabilidade, não quiseram dar publicidade à publicação que, manifestamente, tinha tomado posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação, algo que o jornal assumiu e defendeu desde a primeira hora”.
Ou seja, temos um jornal doutrinador, que manipula abjectamente para conspurcar quem tem opinião diversa, que lança labéus contra aqueles que, na sua óptima, tentam contrariar um “consenso social”, que não passa de um forçado unanimismo assente no ostracismo de quem augura apenas debate e clarificação.
Acham eles, acha o Público, que, nesta senda, tudo vale para que, “com sentido de responsabilidade”, “eliminem” as posições contrárias, o debate, a revelação de erros, a descoberta de verdades inconvenientes. Portam-se que nem fachos, apesar de baterem no peito a gritar democracia e a clamar pela liberdade de imprensa. Na verdade, gritar e clamar só os torna hipócritas. Ou seja, fachos hipócritas.
Divulgado há menos de dois meses, um alarmista relatório do Instituto Superior Técnico, que “responsabilizava” as festividades e festivais de música de Junho de terem causado centenas de mortes, afinal parece que não foi bem um relatório. No Tribunal Administrativo de Lisboa, uma das mais credenciadas instituições universitárias públicas do país, que tem um protocolo com a Ordem dos Médicos, diz agora que só fez um “esboço embrionário”, e que não há relatório algum. A Lusa, porém, garantiu ao PÁGINA UM que “o relatório existe, naturalmente”. Moral da história: cerca de uma dezena de órgãos de comunicação social divulgaram, como verídico, um estudo científico alarmista, afinal nunca validado, e que, aparentemente, nem sequer existiu, apesar de a Lusa ter feito citações na sua notícia original. Eis um caso paradigmático do estado da Ciência e do rigor informativo do Portugal de hoje.
Foi apresentado taxativamente como um relatório do Instituto Superior Técnico (IST). Em 28 de Julho passado, a agência noticiosa Lusa – detida maioritariamente pelo Estado – divulgou um take, replicado por cerca de uma dezena de órgãos de comunicação social, revelando que o IST estimava que a realização em Junho das festividades dos santos populares e festivais como o Rock in Rio tinha sido a causa da ocorrência de cerca de 340 mil casos de covid-19.
E mais: citando frases do relatório – assim apresentado sempre nas notícias divulgadas pela imprensa –, salientava-se que com medidas sem impacto económico, designadamente o uso de máscara e a testagem gratuita, ter-se-ia registado igualmente uma sexta vaga, devido à variante Ómicron, mas “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida”.
Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer agora o Tribunal que aquilo que fez foi apenas “um esboço embrionário”.
O estudo na base do relatório – que a direcção editorial da agência noticiosa garantiu em 2 de Agosto passado ao PÁGINA UM que “existe, naturalmente, caso contrário a Lusa não teria feito notícia” – ainda terá permitido que os peritos apontassem “a morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados às festas populares de Junho.”
Mas, afinal, a história estava mal contada. Muito mal contada. Por todos os envolvidos.
Em resposta ao Tribunal Administrativo de Lisboa – no seguimento de uma intimação feita pelo PÁGINA UM no início deste mês por recusa de acesso aos diversos relatórios e dados em bruto produzidos por esta instituição universitária pública desde 2021 –, o gabinete jurídico do IST afiança que “o grupo de investigadores (…) [encabeçado pelo próprio presidente, o catedrático Rogério Colaço] apenas realizou um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.
Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede do Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusa divulgar os estudos e os dados. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.
Repita-se: “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.
Destaque-se de novo: “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.
Com essa manobra, o IST está a procurar convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa a não o obrigar a disponibilizar qualquer relatório nem dados em bruto, uma vez que a lei determina que “as notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte” não são classificados como documentos administrativos.
Trecho das alegações do IST junto do Tribunal Administrativo de Lisboa a garantir que realizou “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”. A Lusa garante que viu um relatório, e até o cita.
Ou seja, o IST pretende ver reconhecido pelo Tribunal Administrativo de Lisboa que o relatório que a Lusa garante existir, afinal não existe porque não passa afinal de um esboço – ou menos do que isso: “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.
No entanto, antes das insistências do PÁGINA UM em finais de Junho junto do investigador Henrique Oliveira – e mais tarde junto do próprio presidente do IST, Rogério Colaço –, nunca aquela instituição universitária renegou as notícias da Lusa e dos outros órgãos de comunicação social.
Pelo contrário, na troca de e-mails com Henrique Oliveira, este investigador do IST mostrava que conhecia o impacte mediático da divulgação do take da Lusa.
Num dos e-mails ao PÁGINA UM, este investigador, que assume ser “o único do grupo de trabalho [de cinco elementos] mandatado a falar sobre esses assuntos de análise”, escreveu o seguinte: “ontem [dia 28 de Julho] recusei diversos convites, antes do seu e-mail, nomeadamente de três televisões nacionais, para falar sobre o assunto porque… entrei de férias e as férias são, digamos, pouco científicas”.
Resposta da directora-adjunta da Lusa ao PÁGINA UM garantindo que o relatório do IST “existe, naturalmente”, caso contrário não teria sido feita notícia. Mas para o Tribunal Administrativo de Lisboa, o IST diz agora que nunca houve relatório mas apenas um “esboço embrionário, consubstanciado num mero ensaio para um eventual relatório”. Aparentemente, o “esboço embrionário” não evoluiu, ao fim de dois meses, não tendo havido gestação e o “nascimento” de um qualquer relatório científico.
Henrique Oliveira salientou também ao PÁGINA UM que todos os outros membros do grupo de trabalho do IST – Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro, além de Rogério Colaço – estavam de férias. Ou seja, a notícia da Lusa foi convenientemente divulgada na véspera de todos os cinco investigadores do IST meterem férias.
Saliente-se que as conclusões alarmistas do alegado relatório do IST – afinal um “esboço embrionário” transmitido ao público como se fosse pura Ciência saída de uma universidade pública portuguesa – não encontram respaldo nas evidências observadas durante o mês de Junho, como o PÁGINA UM revelou.
Com efeito, enquanto decorreram as festas de Santo António, São João, Rock in Rio e outros festivais ao de Junho, os casos positivos de covid-19 foram sempre descendo em Portugal, contrariando mesmo as previsões anteriores de um relatório do IST, conforme comprovara o jornal digital Blind Spot dias antes do take da Lusa.
Por exemplo, no dia 1 de Junho a média móvel de sete dias estava nos 24.602 casos positivos para todo o país, no dia 8 tinha descido para 20.575 casos, no dia 15 já estava nos 15.368 casos positivos, no dia 22 baixou para os 12.939 casos positivos e no final do mês estava mesmo abaixo dos 10 mil casos.
Um relatório anterior do IST alertava que haveria um aumento das infecções com as festividades, mas tal não sucedeu. O suposto relatório de finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, o IST está a recusar essa validação externa. As festas populares em Lisboa este ano tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos regrediram face a Maio
Durante o mês de Junho, os casos positivos de covid-19 aceleraram sempre, mas na direcção oposta à subida: ou seja, reduziram-se, o que contrariou os defensores do uso de máscaras e de restrições aos ajuntamentos como formas eficazes de controlo da pandemia. Em Julho sucedeu o mesmo. De acordo com os dados do Worldometer para Portugal, no final de Julho contabilizavam-se 3.258 casos positivos em cada dia (média móvel de sete dias). Em Agosto, os casos mantiveram-se sempre estáveis em redor dos 2.500 casos positivos. Actualmente, rondam os 2.200 casos por dia.
A acção do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa, com o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO, surgiu depois de esgotados todos os prazos e tentativas para o presidente do IST, Rogério Colaço, disponibilizar voluntariamente todos os relatórios e dados brutos sobre as análises em redor da pandemia. A verificação externa independente é, aliás, uma prática comum de validação em debates científicos, algo que o catedrático que agora lidera esta instituição pública parece querer ignorar, independentemente da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.
Mas o presidente do IST sempre recusou disponibilizar essa informação. Aliás, a única vez que Rogério Colaço se dirigiu ao PÁGINA UM foi numa lacónica mensagem enviada através do seu Galaxy: “O pedido formal ao presidente do IST está respondido e a resposta é negativa.”
Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, nunca negou a existência e paternidade do relatório divulgado pela Lusa no final de Julho. No Tribunal Administrativo de Lisboa alega agora que a instituição universitário pode promover, sob a forma de Ciência, um “esboço embrionário, consubstanciado num mero ensaio para um eventual relatório”, não permitindo sequer uma validação externa independente.
Saliente-se, por fim, que o PÁGINA UM questionou no início de Agosto os responsáveis editoriais do Público, Observador, Visão, TSF, Correio da Manhã, jornal i, Sábado e CNN Portugal para saber se, tendo todos replicado o take da Lusa, houvera antes da divulgação junto dos leitores uma confirmação da veracidade dos factos, se houvera confronto de outras fontes e se alguém das respectivas redacções tivera acesso ao famigerado relatório do IST.
Só dois responderam ao PÁGINA UM: Sábado e jornal i. E confirmaram que não tinham tido acesso ao relatório. Todos os outros nem sequer responderam ao PÁGINA UM, considerando assim o assunto irrelevante.
Em suma, cerca de uma dezena de órgãos de comunicação de âmbito nacional divulgaram uma notícia sobre um “relatório” que afinal a própria instituição científica diz ser agora ser “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório” – e, por esse motivo, não o quer divulgar. Nem divulgar os supostos dados científicos que estiveram na base de uma notícia alarmista não confirmável.
O processo de intimação do PÁGINA UM continua a correr no Tribunal Administrativo de Lisboa, até porque foi solicitado ao IST mais informação do que a referente ao suposto “esboço embrionário”.
Em três décadas, entre 1991 e 2020, Portugal passou a ter mais cerca de 348 mil habitantes, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, mas aumentou o número de muito idosos (acima dos 80 anos) em quase 413 mil. Em 1991, por cada 1.000 portugueses, havia apenas 27 pessoas com mais de 80 anos; no início do século passou para 36; agora, o número é quase o dobro, tendo subido para 67 em cada mil.
Aquilo que poderia ser um motivo de alegria social e prova de um sucesso civilizacional – viver mais, aumentar o número de gerações em vida, permitir ser usual crianças crescerem até bem adultos com os avós vivos e até conviverem muitos anos com bisavós –, acabou, porém, em Portugal por se estar a transformar em filmes de horrores, em cenas deploráveis, em quadros que mostram a triste natureza humana.
O caso da idosa num lar de Boliqueime, pejada de formigas, onde supostamente a provedora até mandava tirar rótulos de iogurtes fora do prazo, não é caso único. Nunca foi. E piorou a olhos vistos nos últimos dois anos com a pandemia, onde um manto de segredo paira em redor das chamadas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI). Não se sabe ao certo quantas pessoas morreram por ou com covid-19 desde Março de 2020, nem qual foi a letalidade de outras doenças.
O PÁGINA UM tem tentado conhecer esses números desde Janeiro deste ano. Portugal é um dos poucos países europeus que nunca divulgou qualquer relatório. Mas, apesar de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), em Abril passado, o Ministério da Saúde “luta” no Tribunal Administrativo de Lisboa para não ceder essa informação.
A situação deplorável dos lares deve-se, em grande medida, à demissão do Estado – e dos sucessivos Governos – em olhar para a Terceira Idade com uma visão humanista. Para o Estado – e para os sucessivos Governos –, os idosos não são pessoas a quem a sociedade – toda e não apenas os familiares directos – paga um tributo e presta uma justa homenagem pelos seus contributos durante a “vida activa”. São empecilhos, sugadores de recursos económicos.
Na bitola de um ministro das Finanças, um pensionista – e ainda mais aquele que não tem recursos financeiros próprios para seguir para um lar privado, pagando-o integralmente – é sempre um encargo, uma despesa a ser rapidamente transformada em zero só e quando morrer.
E, por isso, o Estado – e os sucessivos Governos – fazem de conta que se preocupam com os idosos. Numa população crescente de velhos, o Estado prefere manter um status quo assente num caduco e anacrónico pseudo-voluntarismo – como são as IPSS –, em vez de criar um sistema profissional e exigente, com regras e regulação apertada. Deixa à iniciativa das IPSS – ou de empresas privadas, quando em zonas “lucrativas” –, a implementação de oferta em vez de ser o Estado a satisfazer as necessidades da procura, muito diferenciada em função da região.
Por isso, quando se olha para os relatórios da Carta Social – da responsabilidade do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social – só se pode antever uma desgraça social. Fora e dentro dos lares. Com efeito, se considerarmos toda a oferta disponível dos chamados lares de idosos (ERPI), de acordo com a mais recente Carta Social de Dezembro de 2021, verifica-se que a capacidade evoluiu de um pouco menos de 60 mil camas no ano 2000 para pouco mais de 100 mil em 2020, ou seja, mais 40 mil camas. Ora, nesse período, só considerando a população com mais 85 anos, tivemos um aumento de mais de 174 mil.
Evolução da população portuguesa com mais de 80 anos. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
Se no ano 2000 existiam 265 idosos com mais de 85 anos por cada 100 camas em ERPI; em 2020 esse rácio passou para 333 idosos por cada 100 camas. Estão a ver no que isto dá, certo? Numa espécie de jogo da cadeira… cada vez há mais jogadores e menos cadeiras.
Tudo isto inclina o jogo para os aventureiros e pessoas menos escrupulosas – independentemente de muitas estarem travestidas de IPSS ou de Santas Casas da Misericórdia –, que se aproveitam da fragilidade do Estado – e dos sucessivos Governos – que não querem publicamente que se olhe por debaixo do tapete e se observe os horrores que se foram chutando (nem sequer é varrer, porque nem sequer se é meigo).
Assim, tendo em conta que a única preocupação do Estado – e dos sucessivos Governos – é não se ver publicamente, em demasia, as lástimas sociais, permite-se assim, alegremente, que muitos lares se transformem em depósitos de velhos, antecâmaras da morte, purgatórios perpétuos, onde se fecham os olhos aos excessos de ocupação, se negoceiam vagas ao melhor preço (ou à melhor herança para a IPSS), à qualidade da comida, à frequência de cuidados médicos e de enfermagem, aos mínimos das equipas operacionais, etc., etc., etc..
Chega-se, inclusive, a fechar os olhos aos lares ilegais (englobando aqueles em fase de licenciamento, mas a funcionarem já), cujos endereços o próprio Estado conhece, porque perante tantas carências (face à demissão do Estado), julga-se que tudo é melhor do que nada.
Fiscalizações, então – esqueçam. Nunca em tempo algum uma vistoria a um lar encontraria sequer um ácaro microscópico debaixo do travesseiro de uma idosa acamada. Por uma simples razão: por regra, os serviços da Segurança Social avisam com um mês de antecedência os lares que vão fiscalizar. Está certo: convém não chocar os inspectores com imagens, enfim, “desagradáveis”. Não queremos funcionários do Estado traumatizados. Nem com formigas. Mesmo se estas revelam, afinal, uma Democracia a ser roída por térmitas.
No dia em que o Instituto Nacional de Estatística revela que a esperança média de vida à nascença diminuiu em Portugal, supostamente apenas por causa da covid-19, o PÁGINA UM faz uma breve (e rápida) análise aos dados das Tábuas da Mortalidade. E mostra os sinais mais relevantes e preocupantes. Depois disto, devemos esperar que o Ministério da Saúde realize, em segredo, um estudo sobre o que está a suceder aos portugueses desde 2020, e que apenas o apresente em 2023?
O Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou hoje que a esperança de vida à nascença em Portugal, em 2019-2021, foi estimada em 80,72 anos, sendo de 77,67 anos para os homens e de 83,37 anos para as mulheres, o que implicou que “uma diminuição de cerca de 4,8 meses para os homens e de 3,6 meses para as mulheres” em comparação com o triénio 2018-2020.
E o INE acrescentou ainda mais, no segundo parágrafo do seu boletim informativo: “no triénio 2019-2021, em resultado do aumento do número de óbitos no contexto da pandemia da doença COVID-19, registaram-se, também, reduções na esperança de vida para a maioria das regiões NUTS II e III. O impacto da pandemia COVID-19 nas regiões foi, todavia, diferenciado.”
Sabendo o que a “casa gasta” – leia-se imprensa mainstream –, não surpreende que tudo tenha sido tratado pela rama, sem interpretação. Apontou-se o SARS-CoV-2 e a pandemia como os culpados de tudo. E deu-se voz ao novo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, para dizer que é tempo de “estudar a mortalidade para tentarmos perceber se há algo que possamos fazer para inverter esta tendência”.
O PÁGINA UM, por exemplo, também concorda, mas teve de interpor intimações no Tribunal Administrativo de Lisboa para ver se o Ministério da Saúde é obrigado a disponibilizar a informação que o novo ministro também precisa para “estudar a mortalidade para tentarmos perceber se há algo que possamos fazer para inverter essa tendência”.
Mas adiante.
Analisando com o detalhe possível, que o tempo por agora permite, as Tábuas da Mortalidade do INE, há desde logo um aspecto a reter: os períodos a comparar não deveriam ser apenas os triénios 2018-2020 e 2019-2021 (como foram), porquanto embora seja conveniente agrupar mais de um ano (é correcto agregar três anos), não se deveria confrontar somente dois períodos de três onde há dois anos em comum (2019 e 2020, sendo que um deles já em pandemia).
Nessa medida, seria mais sensato comparar também dois triénios sem anos sobrepostos: por exemplo, 2019-2021 e 2016-2018. Se assim se fizesse chegar-se-ia à conclusão de que a diminuição da esperança média de vida à nascença foi de apenas 1,3 meses (40 dias) para os homens e de 1,2 meses (37 dias) para as mulheres.
Porém, mais relevante do que essa análise, no contexto de dois anos traumáticos – e 2022 está agora a seguir os passos – é identificar onde está a raiz do problema da mortalidade e da redução da esperança média de vida, e também saber se estamos perante uma conjuntura ou se os efeitos podem ser estruturais.
Com efeito, através de uma breve análise comparativa – não feita pelo INE nem por nenhum outro órgão de comunicação social – verifica-se que a redução da esperança média à nascença não se deveu a qualquer aumento da taxa mortalidade infantil (menos de um ano) nem da generalidade das referentes a idades pediátricas, quer se confrontem os triénios 2016-2018 e 2019-2021 quer os triénios 2018-2020 e 2019-2021.
Na verdade, aquilo que a comparação destes dois grupos de triénios permite é encontrar sinais – e esses sinais são preocupantes, por um lado; reveladores, por outro.
Assim, no confronto do triénio 2019-2021 (dois anos de pandemia) com o triénio de 2016-2018 (sem qualquer ano de pandemia), nota-se, de forma talvez surpreendente, que quociente de mortalidade (probabilidade de um indivíduo de uma determinada idade festejar o aniversário seguinte) se reduz tanto para homens como para mulheres a partir dos 85 anos. Essas melhorias são residuais – mesmo nas mulheres são inferiores a 0,2 pontos percentuais, ou 2؉ (permilagem) –, mas não deixam de ser relevantes, ajudando a explicar a hecatombe nos mais idosos nos últimos meses.
Diferencial (em permilagem) dos quocientes de mortalidade entre os triénios 2019-2021 e 2016-2018. INE. Análise: PÁGINA UM.
De facto, quando se confronta os triénios de 2019-2021 e 2018-2020 (dando assim destaque ao morticínio de Janeiro e Fevereiro do ano passado), o quociente de mortalidade começa a ser bastante significativo, grosso modo, a partir dos 77 anos para os homens e a partir dos 85 anos para as mulheres. E o aumento é brutal a partir dos 86 anos especialmente nos homens, com um aumento da ordem de mais de 1 ponto percentual (ou 10 por mil).
Convinha agora saber em que período do ano esse incremento se verificou – se apenas em Janeiro e Fevereiro de 2021, estando associado ao grande surto de covid-19 desse período, associado à vaga de frio e ao colapso do SNS, ou se a outros factores. Tendo em consideração a mortalidade já conhecida em 2022 nos mais idosos, será certo que o triénio 2020-2022 mostre uma situação particularmente desfavorável para os mais idosos.
Ora, a excessiva mortalidade dos mais idosos (sobretudo daqueles com mais de 80 anos) afecta os valores da esperança média de vida à nascença, mas de uma forma marginal, porquanto abrange (infelizmente) um número pouco elevado da população. E se olharmos para a evolução do diferencial do quociente de mortalidade, idade a idade, então consegue-se “detectar” de forma clara os grupos etários mais “atingidos” pela gestão da pandemia, e especialmente durante o ano de 2021.
Diferencial (em permilagem) dos quocientes de mortalidade entre os triénios 2019-2021 e 2018-2020. INE. Análise: PÁGINA UM.
Embora fosse necessária uma análise muito mais fina – que incluísse também à variação (ponderada) da taxa de mortalidade nas várias idades – observa-se que existe um relevante diferencial (acima de 0,1 por mil) do quociente de mortalidade positivo entre os triénios 2019-2021 e 2018-2020 a partir dos 50 anos, primeiro mais nos homens do que nas mulheres, e depois dos 60 anos, em ambos os sexos, embora com valores superiores nos homens.
Tendo em consideração que as taxas de mortalidade eram, antes de 2020, bastante superiores nos homens, em qualquer idade, os anos de pandemia (2020 e 2021) apenas vieram confirmar a menor fragilidade do suposto “sexo forte”.
Porém, se confrontarmos os triénios 2019-2021 e 2017-2019, a faixa etária mais afectada não se mostra tão vasta, parecendo mais evidente a partir dos 60 anos para os homens, e a partir dos 71 anos para as mulheres. No entanto, como já referido, a partir dos 85 anos, surpreendentemente, o coeficiente de mortalidade para o triénio 2019-2021 apresenta-se mais favorável.
Quociente de mortalidade de mulheres e homens dos 0 aos 100 anos, tecnicamente definida pela probabilidade de um indivíduo que atingiu a idade X falecer antes de alcançar a idade X+1. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
Restam, nesta análise, alguns sinais que devem merecer estudo mais aprofundado. Apesar do diferencial do quociente de mortalidade não ser demasiado elevado em termos absolutos (mas observa-se em idade de baixa mortalidade), em algumas idades mais jovens, sobretudo entre os 21 e os 40 anos, apresentaram valores positivos acima de 0,1 por mil.
Em todo o caso, e sendo isso mais visível quando se confronta os triénios 2019-2021 e 2018-2020 (que destaca o impacte do ano de 2021), o impacte da pandemia, incluindo o caos no SNS, foi pouco ou nada relevante nos grupos etários até aos 55 anos. Mas com o ano de 2022 a repetir a “dose de mortalidade” de 2021 – sem que a covid-19 sirva agora de desculpa exclusiva –, ainda muito há a explicar.
Na verdade, com sinceridade, tudo. Até porque este exercício dos quocientes de mortalidade seriam desnecessários se o Ministério da Saúde disponibilizasse publicamente – como ainda não fez – os dados em bruto do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), acrescidos dos do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE).