Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Marcelo é lelé da cuca

    Marcelo é lelé da cuca


    Em 5 de Agosto de 1978, na secção Gente do semanário Expresso, o então seu director, Marcelo Rebelo de Sousa, escreveu uma frase, completamente desinserida de qualquer contexto, que se tornou célebre: “Balsemão é lelé da cuca”. Pinto Balsemão – fundador daquele semanário e actualmente presidente da Impresa – era então o primeiro-ministro português, e para justificar esta boutade, o então irrequieto Marcelo de 30 anos desculpou-se dizendo ter sido aquilo um teste aos revisores do semanário, por haver queixas sobre as suas qualidades. “Infelizmente, verifiquei que era verdade”, assim disse. Balsemão nunca lhe perdoou, porque foi um insulto gratuito e destituído de fundamento.

    Pois bem, não tendo o PÁGINA UM uma equipa altamente profissional de revisores para testar – estando essa tarefa inglória mas fundamental a ser agora desempenhada, com abnegação, pela Mariana Santos Martins, a quem não posso exigir mais –, não tenho assim qualquer alegação atenuante para vir a desmentir que não tinha o propósito de escrever o seguinte, que até já surge bem escarrapachado do título deste editorial:

    MARCELO É LELÉ DA CUCA!

    Assim: até com ponto de exclamação. Até para reforçar a intencionalidade, contundência e veracidade da minha afirmação.

    Sejamos claros: como no conto de Hans Christian Andersen, Marcelo Rebelo de Sousa é hoje, e não é só de hoje, um presidente completa e tragicamente desnudado de sensatez – e só já se lhe pedia isso, apenas, sensatez –, mas ninguém se atreve a dizer-lhe.

    Para mim, bastou vê-lo “nu” em 18 de Junho de 2017, quando no ainda quente rescaldo do trágico incêndio de Pedrógão Grande nos disse que “o que se fez foi o máximo que se podia fazer”. Tal insensibilidade e impreparação como estadista, desde logo mostrando preocupação apenas em desresponsabilizar políticos enquanto as brasas nem tinham arrefecido e cadáveres ainda fumegavam, foi para mim o bastante. Nesse dia, Marcelo “morreu” como político, e perdeu o meu respeito.

    Mas, no meio das suas constantes selfies e exposições egocêntricas, a que nos foi brindando desde 2016, nada me preparava ainda para o que veio de si a partir de Março de 2020: um presidente da República simultaneamente catedrático de Direito Constitucional a pactuar, por mor da sua célebre hipocondria, com sucessivas violações da Constituição, incluindo discriminação de cidadãos em função de uma opção legítima e legal, bem como o incitamento a pais para inocularem filhos por uma não-causa social e sanitária. Mesmo se estivesse em causa proteger idosos num hipotético objectivo (não possível) de imunidade de grupo, jamais poderia ser aceitável condicionar a segurança dos mais jovens para proteger os mais idosos. Em tempos de decência geracional, costumava ser ao contrário.

    Por isso, já não surpreende vê-lo agora como paladino de uma inconstitucional alteração constitucional, de uma chinenização da República Portuguesa, ou assistir às suas declarações sobre abusos sexuais de padres – ao estilo de “o que se fez foi o máximo que se podia fazer” – ou ouvir os seus comentários no flash interview de um jogo de futebol para sugerir que nos esqueçamos das violações dos direitos humanos no Qatar, pois é hora de andar a chutar bolas.

    Mas algo fica já fora da sanidade institucional quando, em pleno século XXI, de tantos avanços sociais e tecnológicos, vemos o mais alto dignitário de uma quase milenar Nação discursar perante uma jovem elite – recém-licenciados em Medicina, antes do Juramento de Hipócrates –, avisando-a que “fazer sopa de pedra e fazer omeletes sem ovos, vai ser muito a vossa vida”.

    Esta visão não é apenas miserabilista – de alguém que, aliás, já conta com mais de uma centena de viagens oficiais ao estrangeiro envolvendo 47 países –; é miserável.

    Um Presidente da República somente se estiver (ou for) lelé da cuca pode dizer, a quem vai começar uma via profissional fundamental para um país (Saúde), que “o ideal seria (…) que tivésseis horas para ir ao cinema, ao teatro, para estar com a família, para ter almoços e jantares que não fossem não-almoços nem jantares”, mas que isso não lhes vai ser possível, porquanto aquilo que terão de enfrentar “, para não terdes que enfrentar aquilo que “é totalmente imprevisível”, uma espécie de “missão” do tipo dos missionários combonianos. E que ainda se apresta a ser o portador da “má notícia”, com ares de quem nada tem a ver com o estado da res publica: “a vossa vida vai ser o contrário daquele modelo para que apontou, de forma muito razoável e esperançosa, o senhor bastonário. Vai ser a surpresa, o inédito, o desconhecido, o ignoto. E vai ser como missão”.

    Mas o que é isto?! Ensandeceu mesmo?!

    No final da alocução, quero acreditar que as palmas que lhe dedicaram tenham sido pela comiseração que certas afecções mentais nos suscitam. Idem, com as habituais selfies, que ele tanto gosta. Convém, dizem, não contrariar certos caprichos de certas pessoas, mesmo quando as suas capacidades feneceram, mesmo se a cadeira onde se encavalitam no poder, até ao limite, se encontra em processo de esboroamento. Por podridão.

    No limite, ninguém o levou a sério no discurso. Neste e em muitos outros.

    Assim, não havendo esperanças numa resignação, acalento apenas alguma esperança de que lhe arranjem melhores conselheiros de comunicação, não o deixem falar tanto de improviso, e ajudem-no a terminar com o mínimo de dignidade o seu mandato, como disse certa vez António Costa sobre Cavaco Silva – que, aliás, a esta distância, e com algum estremeção na minha consciência, se me afigura agora como um estadista que, pelo menos, soube minimamente comportar-se enquanto Presidente da República.

  • Mortes súbitas? Efeitos adversos? Cancros fulminantes? Eles não querem saber…

    Mortes súbitas? Efeitos adversos? Cancros fulminantes? Eles não querem saber…


    Todos os dias, sou confrontado com alertas, avisos, denúncias, alarmes, suspeitas, receios. Dizem-me que há por aí um aumento de mortes súbitas. Que há um inusitado número de pessoas com problemas cardíacos, mesmo em atletas de alta competição. Que há uma escalada de casos de tumores galopantes e surpreendentemente metastizados. Que há cada vez mais crianças (do sexo feminino, claro) de tenra idade com menstruação. Que há abortos com maior frequência.

    Para todos estes casos, sempre defendo: sempre houve mortes súbitas; sempre houve pessoas com problemas cardíacos, mesmo em atletas de alta competição; sempre houve cancros galopantes; sempre houve meninas com menstruação demasiado precoce; sempre houve abortos.

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    O problema é que o advérbio “sempre” e o verbo “haver” dizem pouco. Ou nada. Não conseguem quantificar; e a quantificação é a única forma que se tem de avaliar se estamos perante uma anormalidade, quer por défice quer por excesso.

    Que existem sinais, durante a pandemia – e no pós-pandemia – de um excesso de mortes, não parece existir qualquer dúvida. O SARS-CoV-2 desestruturou directa e indirectamente os sistemas de saúde, e a ele já se atribuíram muitas mortes – mais de 6,6 milhões em todo o Mundo em quase três anos e cerca de 25.300 em Portugal –, embora se eternize a discussão sobre se “com” ou “por” covid-19.

    Para mim, cada vez mais, a discussão sobre o impacte da pandemia – e houve uma pandemia – não pode, porém, cingir-se aos impactes directos do coronavírus, mas também à estratégia de gestão política – que inclui, neste âmbito, o próprio processo de aplicação das medidas não farmacológicas – e aqui englobando a decisão de secundarizar o diagnóstico e tratamento das outras doenças – e, de forma indubitável, à própria vacinação.

    Ninguém com um pingo de seriedade e com uma gota de rigor científico pode assumir como hipótese que um excesso de mortalidade advenha, por exemplo, de sequelas da covid-19 – a famigerada long covid – e excluir, em simultâneo, na análise, a hipótese de eventuais efeitos adversos das vacinas contra esta doença ou de impactes da secundarização das outras enfermidades desde 2020.

    man walking on forest

    Aquilo que, verdadeiramente, me irrita no debate sobre as causas do excesso de mortalidade que se vem assistindo desde 2020, é falar-se sem estar disponível informação estatística séria. E ela existe.

    Portugal é, na verdade, um dos países mundiais com maior quantidade e melhor qualidade de informação estatística para apurar, de forma praticamente imediata, as causas para o excesso de mortalidade por faixa etária.

    Tem bases de dados para isso, mas o Governo tudo faz para não as ceder, e mesmo as iniciativas do PÁGINA UM – o ÚNICO órgão de comunicação social que aparenta preocupar-se com isso – têm esbarrado com um muro de silêncio e de obstáculos à transparência que nem os processos de intimação, até agora, têm quebrado.

    E quando digo tem bases de dados, quantifico quantas são: 6 (seis), pelo menos. E vou dizer quais são.

    Vejamos.

    photo of 5-story library building

    Portugal tem desde 2014 o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), uma base de dados geralmente usada pela comunicação social para relatar o número de óbitos por todas as causas num determinado dia ou período. Porém, esta base de dados incorpora uma riqueza de informação inimaginável, não disponível ao público, como seja a causa de morte atribuída pelo médico legista para cada óbito. Para todos os óbitos. De forma imediata, à distância de um clique, e com a devida anonimização, pode saber-se se existem desvios em qualquer enfermidade, por grupo etário, por região. Tudo.

    Mas a Direcção-Geral da Saúde não quer disponibilizar essa base de dados, nem o Ministério da Saúde deseja usá-la para apurar as causas do excesso de mortalidade, remetendo um estudo para as calendas, como se fossem necessários meses para algo que levaria, numa equipa independente, alguns dias. O PÁGINA UM está, desde há meses, a tentar obter acesso a essa base de dados – protegida por legislação especial –, estando neste momento a decorrer um recurso no Tribunal Administrativo Central do Sul.

    De igual modo, e no que diz respeito ao impacte da covid-19, também o Estado tem disponível o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), que já existia muito antes da pandemia, e onde estão registados também todos os casos positivos de covid-19, com os respectivos desfechos, bem como informações sobre a vacinação. Também para este caso, a Direcção-Geral da Saúde não quer revelar, e também para este caso decorre um recurso no Tribunal Administrativo Central do Sul.

    person using laptop

    Outra base de dados fundamental é a relativa aos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH), que consiste num sistema de classificação de doentes internados em hospitais de agudos, agrupando assim doentes em grupos clinicamente coerentes. Consegue-se assim analisar a evolução dos internamentos por doenças e grupos etários, possibilitando comparações, e identificando assim os desvios mais relevantes em todas as doenças e enfermidades desde 2020.

    Além disso, nesta base de dados pode fazer-se a “prova dos nove” relativamente ao verdadeiro impacte da covid-19 na gestão hospitalar – e até à verdadeira quantificação dos doentes por aquela doença e onde esta teve origem. No entanto, a Administração Central do Sistema de Saúde também não quer disponibilizar esta base de dados, correndo assim mais um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    A quarta base de dados fundamental para avaliar os efeitos da pandemia é o Portal RAM do Infarmed, relativa à notificação de reacções adversas e efeitos indesejáveis de medicamentos, que incluem também, obviamente, as vacinas contra a covid-19. No site do Infarmed diz-se que “o Portal RAM permite a inserção da reação adversa suspeita de forma fácil, acessível e rápida, sem intermediação de terceiros”, colocando uma ligação. Mas a facilidade é só para inserir dados, porque para consultar a base de dados mostra-se mais difícil.

    silhouette of woman holding rosary while praying

    Desde Dezembro do ano passado, o PÁGINA UM tenta obter acesso aos dados detalhados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 (e também do remdesivir), sem sucesso. Nem depois de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. O processo está no Tribunal Administrativo de Lisboa desde Abril deste ano, onde o Infarmed move mundos e fundos para convencer a juíza a não ceder a possibilidade do PÁGINA UM aceder à dita base de dados.

    Além destas quatro bases de dados, o PÁGINA UM requereu recentemente o acesso a duas outras com informação fundamental: o Registo Nacional de Oncologia e o Registo Oncológico Pediátrico Português. Com a devida anonimização – uma tarefa corriqueira em programas informáticos –, estas bases de dados possibilitam também avaliar desvios na incidência dos diferentes tipos de neoplasias, um ponto de partida fundamental para encontrar causas e debelar efeitos futuros.

    O PÁGINA UM apresentou um requerimento ao Instituto Português de Oncologia – que gere ambas as bases de dados –, mas parece-me quase certo que, pelo comportamento das entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, o processo acabará também por ser dirimido em tribunal.

    Eis, portanto, por esta amostra – porque existem ainda mais bases de dados – que o problema em Portugal em se desconhecer o que se está a passar não se deve a qualquer tipo de lacuna informativa nem sequer dificuldade de compilação e tratamento de dados.

    sun rays inside cave

    Basicamente, os políticos – e os burocratas da Administração Pública, que os protegem, em vez de protegerem os cidadãos e a nossa saúde individual e colectiva – não estão interessados em saber. Ou melhor, não querem que saibamos.

    Não estão interessados que saibamos se há mesmo por aí um aumento de mortes súbitas. Se há mesmo um inusitado número de pessoas com problemas cardíacos, mesmo em atletas de alta competição. Se há mesmo uma escalada de casos de tumores galopantes e surpreendentemente metastizados. Se há mesmo cada vez mais crianças (do sexo feminino, claro) de tenra idade com menstruação. Se há mesmo abortos com maior frequência.

    Querem os políticos – e os burocratas da Administração Pública – que estejamos e nos mantenhamos na ignorância. Querem que vejamos e aceitemos a perda dos nossos próximos na mais completa ignorância. Querem, enfim, que morramos sem saber, caladinhos, em silêncio. Sem incómodos.

    E porquê? E até quando?

    Até os tribunais começaram a decretar sentenças lúcidas que “convençam” os políticos que vivemos numa democracia?

    Espero que sim; mas espero também que não seja tarde demais para demasiados.

  • Esboço embrionário em envelope lacrado

    Esboço embrionário em envelope lacrado


    Já se encontra no Tribunal Administrativo, entregue em mão em envelope lacrado, o famoso “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, a peça de elevada Ciência do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festas populares de Junho na mortalidade.

    Cabe agora à juíza do processo saber se o “esboço embrionário” é semelhante a uns rabiscos num guardanapo de papel que, enfim, acabou como notícia alarmista na Lusa (e a viralizar na imprensa mainstream, que o publicou sem nunca o ver), ou se estamos perante um “estudo” (independente da sua qualidade) que deverá ser escrutinado do ponto de vista científico.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusa divulgar os estudos e os dados, e tem agora defendido que, em Julho passado, fez apenas um “esboço embrionário”, que foi noticiado pela imprensa mainstream como um estudo científico credível.

    Se o Tribunal Administrativo de Lisboa considerar que se está perante um “esboço”, o PÁGINA UM não terá acesso, mas fica-se a saber que a Lusa fez uma notícia alarmista vendendo a “notícia” como tendo por base um relatório (que não existia), fazendo mesmo supostas citações. E que toda a imprensa mainstream viralizou uma fake news.

    Mas se o “esboço” for afinal uma péssima desculpa para não mostrar um mau estudo científico, então teremos uma excelente oportunidade de esquadrinhar o modus operandi da investigação em Portugal nos estranhos tempos que correm, onde a ausência de rigor e a falta de transparência e humildade convivem com maus cientistas.

    Este caso é exemplar: que saiba, esta será a primeira vez que uma instituição universitária se vê pressionada pela imprensa a prestar contas públicas sobre a qualidade científica daquilo que sai sob sua chancela.

    A questão central, saliente-se, não é a idoneidade do Instituto Superior Técnico; pelo contrário: é em defesa desta instituição que o PÁGINA UM está nesta cruzada.

    Não é aceitável que determinados investigadores, ainda por cima encabeçados pelo seu presidente, usem a credibilidade científica de uma centenária instituição universitária para passarem, activa ou passivamente, informação não validada.

    E ainda mais quando se estava perante um assunto da máxima sensibilidade social. E nem sequer já vale a pena salientar a postura com que os investigadores do Instituto Superior Técnico, e em particular o seu presidente, Rogério Colaço. A indisfarçável soberba com que recusaram prestar quaisquer contas a um jornalista que lhes solicitou provas das conclusões que estavam a circular em nome daquela instituição é o paradigma daquilo que não pode ser a Ciência, daquilo que não deve ser a relação entre os cientistas e a sociedade.

    Note-se que no pedido do PÁGINA UM estão incluídos também os anteriores relatórios do Instituto Superior Técnico desde Junho do ano passado, que nunca foram classificados como “esboço embrionário”; e por isso, independentemente, da decisão da juíza, certamente haverá possibilidade de analisar criticamente os outros relatórios elaborados desde Junho do ano passado em articulação com a Ordem dos Médicos.

    Isto é a democracia a funcionar. E o jornalismo independente e sem medo a trabalhar. Incomoda? Claro. Mas se não incomodasse não seria jornalismo.

  • Ruas e debates civis tornam-se agora os (únicos) palcos na defesa dos direitos humanos

    Ruas e debates civis tornam-se agora os (únicos) palcos na defesa dos direitos humanos

    No espaço de 10 dias, Lisboa viu três concentrações e manifestações nas ruas em defesa dos direitos humanos, direitos civis e da democracia. Contestação contra as propostas de revisão constitucional levou a plataforma cívica Cidadania XXI a mobilizar-se em duas concentrações na capital, juntando mais de uma centena de pessoas. Já este Sábado, Lisboa juntou-se a muitas outras cidades do mundo numa Manifestação Mundial para os Direitos Humanos e Liberdade, com a presença de cerca de mais de uma centena e meia de pessoas.


    Estamos em plena Europa do século XXI, mais propriamente em 2022, mas não parece. A sociedade civil está a ter necessidade de regressar às ruas dos países ocidentais, em manifestações, para defesa dos direitos cívicos. Na Europa, berço da Democracia, incluindo Portugal. Duas concentrações em Lisboa, nas últimas duas semanas, são disso exemplo: uma contra as propostas de revisão constitucional; a outra, integrada na Manifestação Mundial pelos Direitos Humanos e a Liberdade (World Freedom Rally 2022). Ambas trouxeram às ruas não mais de duas centenas de pessoas; ainda poucas, por agora, mas as duas com muitas palavras de ordem em defesa dos direitos, liberdades e garantias, sempre com a democracia em pano de fundo.

    Mas além da manifestação e das concentrações, a sociedade civil mexe-se por outras vias. A plataforma cívica Cidadania XXI tem estado particularmente activa, tendo já feito chegar aos líderes dos dois maiores partidos políticos portugueses (PS e PSD) um manifesto/ petição intitulado Em Defesa da Liberdade da Constituição.

    Joana Amaral Dias, psicóloga, ex-deputada e activista, a discursar no dia 10 de Novembro numa concentração contra a revisão constitucional.

    Esta plataforma cívica é um movimento de cariz cívico que nasceu em 2020 e se notabilizou por diversas iniciativas de amplitude, sobretudo os debates denonimados Tertúlias da Junqueira, que reuniram notáveis da vida académica, médica, científica, jurídica e dos media para debater a censura e as muitas medidas ilegais e anticientíficas que foram adoptadas durante a pandemia. Além disso, organizaram uma grande manifestação no dia 25 de Abril de 2021 que desceu a Avenida da Liberdade, em plena pandemia.

    Na petição entregue a António Costa e Luís Montenegro, esta plataforma cívica manifesta “preocupação [com] o processo de Revisão Constitucional em curso e em particular a proposta que o Governo enviou à Assembleia da República do dia 9 de Novembro”.

    Salienta-se que, de entre as alterações propostas pelos dois principais partidos (que constituem maioria qualificada, ou seja, mais de dois terços dos deputados), está a possibilidade de detenção de um cidadão sem mandato judicial, algo que a Cidadania XXI considera uma “perigosa intenção” por “ficar aberta a possibilidade de um qualquer Governo prender um cidadão, com base em regras estipuladas por si, retirando a legitimidade e a autonomia fundamental dos Tribunais para decidir sobre os Direitos, Liberdades e Garantias”.

    António Jorge Nogueira, fundador e presidente da Plataforma Cívica – Cidadania XXI (à direita), entregou um manifesto contra a proposta de revisão constitucional ao primeiro-ministro, António Costa.

    Segundo esta plataforma cívica, com uma Constituição nos termos propostos, “estaremos perante um regime constitucional em que o Governo poderá exercer sobre os cidadãos o mesmo tipo de autoritarismo totalitário que actualmente vigora no regime chinês”.

    A possibilidade de detenção de cidadãos sem mandato judicial, apenas por ordem das autoridades sanitárias, surge após ter sido considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional os confinamentos forçados de cidadãos, a coberto de alegados riscos, durante a pandemia da covid-19. Visto que as detenções sem mandato judicial violaram a Constituição, o Governo decidiu assim aproveitar para propor uma alteração à Lei Fundamental do país.

    Vários juristas têm vindo, contudo, a alertar para os perigos desta revisão constitucional. O próprio bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, denunciou que, caso PS e PSD avancem com a aprovação desta revisão, “está em causa a supressão de direitos, de liberdades e de garantias”.

    Uma das concentrações contra a proposta de revisão da Constituição, em que participou a Cidadania XXI, juntou mais de uma centena de pessoas, durante a noite do passado dia 10 de Novembro, junto ao Hotel Epic Sana Marquês, onde decorreu o Conselho Nacional Extraordinário do PSD. A Cidadania XXI entregou a sua petição a alertar para os perigos levantados pelas propostas de revisão constitucional ao presidente do PSD, Luís Montenegro.

    António Jorge Nogueira, presidente da Cidadania XXI (à esquerda), entregou um manifesto contra as propostas de revisão constitucional ao presidente do PSD, Luís Montenegro.

    A plataforma cívica deslocou-se também à sede do PS, no Largo do Rato, entregando o mesmo documento ao primeiro-ministro e secretário-geral do PS, António Costa, e ao presidente do partido que sustenta o Governo, Carlos César. Este documento também será entregue ao Presidente da Assembleia da República, aos Grupos Parlamentares, ao Presidente da República, à Ordem dos Advogados, ao Conselho Superior da Magistratura “e a diversas outras instituições da sociedade portuguesa”, segundo António Jorge Nogueira.

    “Não nos podemos esquecer que durante dois anos o Presidente da República, o Governo e diversas instituições actuaram conscientemente e sistematicamente contra a Constituição, conforme já declarado 23 vezes por juízes do Tribunal Constitucional”, afirmou António Jorge Nogueira ao PÁGINA UM. Com este projecto de revisão da Constituição, “já não estamos em modo democrático”, lamentou.

    No âmbito destas iniciativas, a Cidadania XXI vai organizar ainda outros eventos públicos, onde se incluirá um novo ciclo de Tertúlias da Junqueira em torno do tema da defesa dos direitos, liberdades e garantias. A plataforma pretende também reunir com os diferentes grupos com assento parlamentar.

    Joana Amaral Dias, antiga deputada, psicóloga e activista, que marcou presença nas concentrações e na manifestação de sábado, tem sido uma acérrima crítica das posições de PS e PSD. “Repare-se que em nenhuma circunstância, mesmo que se reúnam dois terços dos deputados ou a totalidade dos parlamentares, é permitido alterar ou abolir esses mesmos direitos”, escreveu esta psicóloga em artigo de opinião no semanário O Novo. “O artigo 288.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) constitui uma barreira intransponível, bloqueia em absoluto qualquer tentativa de os adulterar”, adiantou, frisando: “a razão é simples: mexer-lhes, alterar o contemplado no artigo 24.º, é atacar o magma da democracia” e que “sem esses direitos não há Estado de direito e, por isso, o tal 288 não o permite em circunstância alguma”.

    Manifestação Mundial levou para as ruas cidadãos em diversas cidades do mundo, no passado Sábado.
    (Fotos em cima: Manifestação em Lisboa. Foto em baixo: Manifestação em Toronto, no Canadá)

    A ex-deputada do Bloco de Esquerda foi, aliás, uma das individualidades que subiu ao palco para discursar no âmbito da Manifestação Mundial pelos Direitos Humanos e a Liberdade (World Freedom Rally 2022) no passado sábado, a par da médica Margarida Oliveira, que foi alvo de processo pela Ordem dos Médicos, por delito de opinião, apesar de defender medidas com base na evidência científica.

    Recorde-se que a Ordem dos Médicos e o seu bastonário, Miguel Guimarães, tiveram, durante a pandemia, um papel de relevo na tentativa de silenciar e punir médicos que se mostraram contra medidas e recomendações do Governo e da Direcção-Geral da Saúde.

    Desde 2020, que cidadãos em diversos países têm participado em manifestações e marchas em defesa dos direitos humanos e civis, perante as medidas drásticas e ilegais que foram adotadas por Governos alegadamente para combater a pandemia de covid-19, incluindo a política de segregação criada com a introdução do chamado “certificado digital” ou “passaporte covid-19” e vacinação obrigatória em diversos setores.

    A Suécia, um país que geriu com sucesso a pandemia, foi a excepção, tendo recusado aderir a confinamentos e máscaras faciais, em geral, nem impôs medidas drásticas como a maioria dos restantes países, registando menos óbitos com covid-19, menores impactos económicos e menos mortes em excesso, comparando com pares na Europa.

    Manifestação em Lisboa no âmbito do World Wide Rally for Freedom

    Hoje, sabe-se, com base em dados e em estudos científicos, que os confinamentos tiveram um impacto devastador na saúde e na economia, tendo sido uma política errada a seguir, como cientistas tinham avisado logo em março de 2020.

    Por outro lado, os dados revelam ainda haver em 2022 milhares de mortes em excesso sem explicação em vários países, como Portugal, faltando investigações independentes ao tema. Enquanto isso, diversos países começam a recuar na vacinação de certas camadas e faixas etárias da população, enquanto mais estudos e dados mostram que riscos de reacções adversas aconselham cautela na vacinação com as novas vacinas, sobretudo em determinados grupos de pessoas, como homens e crianças e jovens.

    Mas, apesar das medidas erradas adoptadas, os direitos humanos e civis que foram amputados desde 2020 não foram repostos na maioria dos países, e teme-se que possam mesmo ser definitivamente abolidos em países como Portugal, com as propostas de revisão constitucional. Por outro lado, também há receios de que a onda de medidas totalitárias seja reforçada agora para gerir a crise ambiental que se anuncia.


    N.D.: A jornalista e cronista do PÁGINA UM Elisabete Tavares é membro fundador da Plataforma Cívica – Cidadania XXI, embora não exerça papel activo nesta associação desde Outubro de 2021.

  • Conhece a história da primeira vacina contra o vírus sincicial respiratório? E mesmo assim acha bem a promiscuidade entre farmacêuticas e imprensa?

    Conhece a história da primeira vacina contra o vírus sincicial respiratório? E mesmo assim acha bem a promiscuidade entre farmacêuticas e imprensa?


    A farmacêutica francesa Sanofi, em articulação com a anglo-sueca AstraZeneca, conseguiu, no passado dia 4 de Novembro, a aprovação pela Comissão Europeia da sua vacina contra o vírus sincicial respiratório (RSV), que causa uma das mais banais infecções em crianças e idosos, que só constitui preocupação relevante para um grupo muito restrito com comorbilidades (e onde já existia medicamento preventivo).

    Também a Pfizer, a Moderna e a GlaxoSmithKline se encontram em fase avançada de testes, muito interessadas neste novo filão de negócios das vacinas, “empurradas” pela covid-19, que levam a saltarem-se fases à boleia de uns políticos menos prudentes e de uma imprensa histérica.

    Obviamente, as farmacêuticas com as suas novas vacinas contra o RSV querem repetir a “dose” do SARS-CoV-2. Desejam um ambiente de pânico e de interesses promíscuos com os diferentes “autores sociais”, que, tal como se observou na covid-19, aliado a um voluntarismo irracional, resultou numa estratégia de vacinação maciça e praticamente coerciva, injectando quem se devia (por razões de verdadeira emergência e relevância) e quem não se devia nem era prudente fazê-lo, de que os jovens adultos, adolescentes e até crianças são exemplo.

    Nada agora é por acaso.

    Por exemplo, não é por acaso que a imprensa lançou profusas e alarmantes notícias nos primeiros dias de Novembro sobre surtos de RSV. No Google News surgem 190 notícias na última semana quando se pesquisa pelo termo VSR.

    Também não foi por acaso que o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge começou inopinadamente a divulgar os números de internamentos por RSV (que sempre ocorreram em outros anos) apenas a partir de meados de Outubro passado. Foi para preparar a “cama” e assustar pais.

    E também não foi por acaso que o Expresso, certamente em prol do bem comum, se associou esta semana à Sanofi – leia-se, estabeleceu um acordo comercial, que terá (?) de constar no Portal da Transparência do Infarmed – para fazer uma tertúlia em redor do RSV. Pomposamente, chamaram à “coisa” RSV Summit.

    Teve isto tudo presença de uma jornalista (Ana Patrício Carvalho, da SIC Notícias), como mestre-de-cerimónias, do CEO da Impresa, Francisco Pedro Balsemão, e da directora-geral da Sanofi Portugal, Helena Freitas, e até, hélas, a moderação de Carolina Patrocínio.

    No vídeo de marketing desta iniciativa meteu-se, obviamente, umas imagens de ventiladores e máscaras em crianças… Nada é inocente.

    Que as farmacêuticas desempenham um papel crucial na sociedade, que são responsáveis por avanços fundamentais no combate às doenças e na melhoria das condições de vida, não tenhamos dúvidas. Que podem e devem ter lucros, não sejamos invejosos.

    Porém, não cabe à imprensa “aliar-se” às farmacêuticas, como se acentuou pornograficamente nos últimos anos, e que retirou e retira ao jornalismo a visão crítica, isenta e independente à gestão da pandemia da covid-19.

    VSR Summit: uma parceria da Sanofi e do Expresso, não inédita, promíscua e contraproducente.

    A pandemia da covid-19 não pode jamais ser o “abre-se, sésamo” para a entrada definitiva na caverna do tesouro que se julga poder salvar a imprensa mainstream do fracasso da má qualidade jornalística.

    Era bom, aliás, que a prudência e mesmo a desconfiança – grandes virtudes do jornalismo, a par da memória e da investigação – levassem a um olhar distante sobre as novas vacinas contra a RSV, tal como deveria existir face às vacinas contra a covid-19.

    Talvez poucos saibam quais as razões pelas quais uma doença respiratória como a causada pelo VSR não teve nenhuma vacina nas últimas décadas. Talvez seja importante recordar, tanto mais que, apesar de ser doença banal causa mais de 100 mil mortes por ano, sobretudo em países subdesenvolvidos. Está tudo contado, em detalhe em dois artigos científicos: em 2011 na Expert Review of Vaccines, e em 2016 na Clinical and Vaccine Immunology. Em 1967, após anos de ensaios, uma vacina RSV inactivada com formalina combinada com alúmen foi administrada em bebés nos Estados Unidos. Ao contrário daquilo que os ensaios apontavam, a vacina não foi eficaz; e pior, aumentou a gravidade da doença. As hospitalizações foram muito mais prevalentes no grupo vacinado do que entre o grupo de controlo, “vacinado” com placebo: 80% contra 5%. Duas crianças morreram por causa da vacina.

    Estes, e outros artigos científicos, explicam os processos microbiológicos, citoplasmáticos e outros que tais que levaram a este fracasso e a uma exacerbação da doença após a toma daquela vacina.

    Não significa que as novas vacinas contra o RSV – e, por maioria de razão, contra o SARS-CoV-2 – tenham problemas similares, em dimensão àquela vacina. Na verdade, as vacinas são uma história de sucesso no desenvolvimento tecnológico da Humanidade, sobretudo a partir da segunda metade do século XX.

    Mas, para isso, e sobretudo, para que nenhuma má vacina seja a nódoa que cai no melhor pano, estragando-o irreversivelmente, convém muito que o jornalismo e as farmacêuticas joguem em bancos diferentes, não comunguem do mesmo repasto.

    Isso não está a suceder com a vacina contra a VSR. Veja-se a título de exemplo com a Sanofi. Além de conteúdos patrocinados sobre a VSR, o Expresso também tem uma parceria comercial com esta farmacêutica francesa para a gripe (Flu Summit), e este ano encontramos também as mesmas relações comerciais sob a forma de artigos comerciais escritos em estilo jornalístico em outros órgãos de comunicação social, como no Observador, ou ainda sob a forma de patrocínios para prémios, como sucede com o Jornal de Negócios.

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    Se se fizer uma rápida busca nos sites da imprensa mainstream de âmbito nacional enco9ntramos uma profusão de eventos e outras iniciativas patrocinadas – leia-se, financiadas – pelas mais distintas farmacêuticas, sempre apresentadas sob a forma de parcerias.

    Só um ingénuo não consegue concluir que este tipo de eventos – onde, ademais, participam dirigentes das farmacêuticas, responsáveis do regulador (Infarmed), médicos, jornalistas e administradores dos media, e até por vezes políticos – condicionam fortemente a saída de notícias isentas e independentes sobre farmacêuticas e os seus produtos. A forma como (não) houve debate em torno da eficácia das vacinas contra a covid-19, ou o tom quase sempre encomiástico com que estas foram abordadas pela imprensa, são exemplos claros. E isso pode suceder, ou estar a suceder, com muitos outros medicamentos. Nos últimos anos abriu-se uma caixa de Pandora.

    A falta de análise crítica aquando da vacinação dos adolescentes e crianças – de que são exemplos a despublicação do artigo de opinião do médico Pedro Girão no Público em Agosto do ano passado e a cobertura mediática das campanhas inquisitoriais da Ordem dos Médicos sobre clínicos que contestavam a vacinação universal – foi particularmente chocante, e não pode ser vista como algo alheio à dependência financeira da imprensa mainstream com as farmacêuticas.

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    Hoje, no quadro desta dependência, seria impensável que fosse publicado um artigo a destacar que um determinado país retirara 800 mil lotes infantis de vacinas de uma farmacêutica por ser fraca. Por um lado, porque as autoridades reguladoras se politizaram, e os media mainstream se sujeitaram a essa dependência em relação às farmacêuticas.

    Veja-se, aliás, como políticos, farmacêuticas e imprensa apresentam agora as vacinas contra a covid-19: não são ineficazes contra a variante Ómicron; o SARS-CoV-2 é que consegue escapar aos anticorpos criados pela “vacina eficaz”. Hoje, temos “consensos sociais” criados e impostos pelos jornalistas, enquanto os departamentos de marketing da imprensa mainstream onde trabalham esses jornalistas abrem as portas dos cofres para a entrada de dinheiro das farmacêuticas. Isto não é apenas promiscuidade; em Portugal, pela Lei da Imprensa, é ilegal.

    A prazo, esta promiscuidade nem sequer será útil para ninguém: nem para as farmacêuticas – que “compram” uma comunicação favorável, o que as incentiva a serem gananciosas e também negligentes em aspectos cruciais até ocorrer uma “explosão” – nem para a imprensa mainstream, que em cada uma destas parcerias, e com tão dengosa postura, definham cada vez mais a sua credibilidade. E a sociedade deixa de a considerar o seu watchdog. Com isto, perde também a sociedade.

    Por isso, termino com as duas questões do titulo. Conhecendo a história da primeira vacina contra o VSR e perante as agora promíscuas relações da imprensa com as farmacêuticas, não me sinto nada seguro. Mesmo se o “consenso social”, que agora se exige, me diga que nada há para temer.

  • Primeiro mandamento da decência: não invocarás as alterações climáticas em vão!

    Primeiro mandamento da decência: não invocarás as alterações climáticas em vão!


    O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, veio esta tarde – e usando, como já é habitual no Governo, os “pés de microfone” da agência Lusa, o Pravda lusitano, que depois trata de viralizar na imprensa mainstream –, declarar que os fenómenos climáticos extremos tiveram “um profundo efeito” nas causas de doença e de mortes dos portugueses e pediu urgência no combate às alterações climáticas.

    E adiantou ainda não querer “antecipar o estudo que está a ser feito, designadamente sobre as diferenças de mortalidade dos últimos anos, mas parece óbvio, numa avaliação preliminar, que para além do impacto terrível da pandemia – e esse impacto da pandemia não está desligado das mudanças climáticas – há também nas causas de doença e de morte dos portugueses um profundo efeito dos fenómenos climáticos extremos”.

    brown and green grass field near body of water under cloudy sky during daytime

    Não sei se os estremeções que estas declarações me causam se devem especificamente às declarações do ministro da Saúde ou se ao deplorável trabalho do jornalista da Lusa que escreveu isto – e que em boa hora se mostra anónimo –, do editor da Lusa – que fez seguir para a imprensa mainstream um textículo digno de uma agência de comunicação, e não de uma agência noticiosa – e dos directores da Lusa – que, em suma, estão a “assassinar” a dignidade de uma profissão.

    Mas deixemos a imprensa mainstream aniquilar-se, e foquemo-nos nas declarações do ministro.

    As alterações climáticas – tenho assumido desde os anos 90, como homem da Ciência e como jornalista, e até como antigo dirigente ambientalista – são uma realidade que, independentemente da causa (antropogénica e/ ou outras), coloca e colocará problemas e desafios diferenciados, e mais ou menos graves, nos diferentes territórios do Mundo. É, contudo, um problema sobretudo político – e de políticas – e diplomático – esqueçam qualquer medida de fundo se não tiver a anuência da China e da Índia.

    Porém, sendo um problema – e permitam-se que não queira agora debater se a estratégia política de combate às alterações climáticas visa retirar direitos aos cidadãos –, jamais pode ser uma desculpa política; uma forma cruel de passa-culpas para um ente invisível e sobrehumano, quando as responsabilidade pela actual situação é inteiramente dos políticos.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    Aliás, jamais pode ser aceitável que Manuel Pizarro queira adiantar já, para uma acrítica comunicação social, que o excesso de mortalidade ao longo dos últimos três anos – e sobretudo de 2022, já com a covid-19 endémica e a população supostamente vulnerável com sucessivos boosters – seja do tempo quente. Esfarrapadas desculpas. Como se a sucessão de meses infindáveis de mortalidade excessiva dos maiores de 85 anos, tanto no Inverno, como na Primavera, como no Verão, como no Outono, pudesse assim ser tão simplesmente explicada pelas alterações climáticas.

    Terão sido as alterações climáticas a matarem a mais de cerca de uma centena de jovens em 30 meses, conforme revelou hoje o PÁGINA UM?

    Terão sido as alterações climáticas a fazerem com que este Governo alimente uma postura de obscurantismo, recusando divulgar qualquer tipo de informação fidedigna?

    Na verdade, querer antecipar conclusões sobre o excesso evidente de mortalidade, empurrando as culpas já para alterações climáticas, é inqualificável.

    E inqualificável porque faz parte de uma estratégia do Governo para ocultar e a manipular a verdade. Nada mais. Não há esforço para mais do que salvar o coiro. Esconder a verdade, esconder a verdade e esconder a verdade: eis a tríade de objectivos do Governo sobre o excesso de mortalidade.

    black and gray cement tombs

    Ainda ontem, assisti a mais um lamentável episódio da Administração Pública na canina defesa de um Governo que anda há três anos (pelo menos) a manipular os portugueses, no decurso do processo de intimação que corre no Tribunal Administrativo, onde está em causa o acesso à base de dados nacional do Grupo de Diagnósticos Homogéneas, que constitui um sistema de classificação de doentes internados em hospitais. O acesso a esta base de dados pelo PÁGINA UM – a par dos dados em bruto do Sistema de Certificação dos Certificados de Óbito (SICO) – mostra-se fundamental para uma avaliação independente – que não atire as culpas para as alterações climáticas –, uma vez que permitirá estabelecer comparações fiáveis entre doenças em função da idade e outras variáveis ao longo dos anos.

    Ora, saber isto publicamente causa um temor enorme à Administração Central do Sistema de Saúde – presidido por Vítor Herdeiro, amigo de longa data da ex-ministra Marta Temido, e que fez “sumir” durante meses outra comprometedora base de dados (morbilidade e mortalidade). E, portanto, vale tudo na argumentação junto do Tribunal Administrativo. Desde Agosto tem sido um festival de mentira e de desavergonha.

    Em causa, na verdade, está apenas saber se a base de dados possui dados nominativos, isto, é se se encontram listados os nomes dos doentes que permita saber, por exemplo, que a D. Gertrudes da Anunciação Perpétua esteve internada no hospital de Guimarães com uma perna partida. Ora, qualquer base de dados moderna permite, com o simples carregar de umas teclas, seleccionar variáveis e suprimir campos, de sorte que o ficheiro de Excel sai limpinho sem qualquer nome mas apenas com códigos em sua substituição.

    Victor Herdeiro, presidente da ACSS, segundo a contar da direita, na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho. Herdeiro foi companheiro da ex-ministra da Saúde, Marta Temido, durante três mandatos na Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.

    Porém, começou a ACSS – através de uma sociedade de advogados especializada sobretudo em ganhar contratos por ajuste directo em instituições ligadas ao Ministério da Saúde, como hospitais – a procurar convencer o Tribunal Administrativo da impossibilidade de expurgar dados nominativos, que isso nunca foi feito.

    Atente-se no requerimento da ACSS em 10 de Outubro passado: “(…) Note-se que a natureza dos documentos em causa, documentos nominativos, no quadro de impossibilidade da respetiva anonimização, determina, em face da LADA, que o acesso aos mesmos por terceiro apenas seja admissível nos casos em que se verifiquem os requisitos previstos no artigo 6.°, n.° 5, da LADA, ou seja, a apresentação de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder ou a demonstração fundamentada da titularidade de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação. Tais requisitos não se encontram, porém, verificados no presente caso.”

    Como o PÁGINA UM contra-argumentou dizendo, em síntese, que a ACSS estava a mentir – a anonimização, na verdade, não só é possível como até prevista em duas delegações de competências, em 2019 (Deliberação nº 673/2019) em 2021 (Deliberação nº 835/20921) – veio então a mais despudorada tentativa de atirar areia aos olhos da juíza e da nossa inteligência colectiva.

    Extracto do requerimento da ACSS, através da BAS Sociedade de Advogados, entregue ontem no Tribunal Administrativo.

    Apanhada em falso, veio a ACSS ontem, portanto, dizer isto: “(…) importa reiterar que, relativamente à Base de Dados de GDH, o expurgo dos dados pessoais da mesma, para que o Requerente pudesse ter acesso à mesma, implicaria a criação ou adaptação da base de dados com um esforço desproporcionado que ultrapassa a simples manipulação da mesma”, adiantando depois que isso “não implica que não haja situações em que se tenha de efetuar as operações referidas nos dois pontos anteriores, i.e., adaptar toda a base de dados de forma a expurgar os dados nominativos; porém, em função da grande afetação de recursos que tal operação acarretaria, essas situações têm de ser devidamente ponderadas e o seu benefício ser pelo menos proporcional ao seu elevado custo global.”

    Não dizendo sequer qual o “elevado custo global” – nem que seja ao nível de luvas de nitrilo vendidas, por exemplo, por uma oficina de escapes por ajuste directo ao hospital que foi gerido pelo actual director executivo do novel Serviço Nacional de Saúde –, a ACSS ainda teve a desfaçatez de afirmar que “o benefício de acesso à base de dados de GDH com expurgo de dados nominativos [deve ser] pelo menos proporcional ao elevado custo da operação de expurgo dos referidos dados”, pelo que, “não obstante a elevada consideração da ACSS pelo Requerente [director do PÁGINA UM] e pela sua profissão [jornalista]” não se justifica a “elevada afetação de recursos [para] efetuar as operações necessárias” para a tal anonimização.

    E é assim que as coisas se fazem (ainda) na Administração Pública. Com esta desfaçatez.

    Para salvar o coiro dos políticos.

    Para que os políticos continuem a meter um manto negro sobre os problemas.

    Para que os políticos continuem a manipular os portugueses com a conivência da imprensa “amigável” que não dignifica o jornalismo.

    Para que os políticos, como Manuel Pizarro, possam invocar as alterações climáticas como desculpa para omissões, negligências e crimes.

    Tudo em vão. Tudo (ainda) sem castigo.


    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 14 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares, uma das quais já ganha. Até ao momento foram angariados 12.222 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.

    Na secção TRANSPARÊNCIA começámos a divulgar todas as peças principais dos processos em curso no Tribunal Administrativo. Este processo específico da Administração Central do Sistema de Saúde ficará disponível nos próximos dias.

  • Nos últimos três anos, morreram a mais 102 jovens, mesmo com menor letalidade das doenças respiratórias

    Nos últimos três anos, morreram a mais 102 jovens, mesmo com menor letalidade das doenças respiratórias

    Ao terceiro ano da pandemia, mostra-se cada vez mais evidente que a mortalidade total em Portugal apenas se agravou nas faixas etárias acima dos 55 anos, embora somente com relevância estatística na população em idade de reforma e, nesta, sobretudo nos maiores de 85 anos. Mas há uma gritante excepção, apesar do ensurdecedor silêncio do Governo e dos “peritos da pandemia”: no grupo dos adolescentes e jovens adultos, entre os 15 e os 24 anos, há um inexplicável e surpreendente incremento da mortalidade. Apesar de apenas se terem registado, neste grupo, cinco mortes por covid-19 e as doenças respiratórias até terem sido menos letais durante a pandemia, no somatório dos 10 primeiros meses do triénio 2020-2022 contabilizam-se mais 102 óbitos em comparação com o período homólogo anterior à pandemia. Em todos os outros grupos etários abaixo dos 55 anos, ao invés, observam-se reduções na mortalidade total.


    Mantém-se o silêncio oficial, continua o excesso de mortalidade. Os óbitos registados nos dez primeiros meses deste ano continuam a surpreender no grupo etário dos 15 aos 24 anos, e mostram a contínua “sangria” nos mais idosos, sobretudo dos maiores de 85 anos.

    De acordo com (mais) uma análise do PÁGINA UM, a mortalidade nos adolescentes e jovens adultos (entre os 15 e os 24 anos), que desde 2014 – ano a partir do qual existe informação diária fornecida pelo Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO) – nunca excedera até Outubro os 290 óbitos, atingiu este ano os 321 óbitos. Parecendo uma subida absoluta pequena, a sua dimensão é extremamente relevante.

    three women sitting wooden bench by the tulip flower field

    Com efeito, a mortalidade neste grupo etário – que, nos tempos modernos, e por razões compreensíveis, era inferior a uma morte por dia – está este ano a atingir dimensões surpreendentes. E não podem ser imputadas directamente ao SARS-CoV-2, uma vez que os dados da morbilidade e mortalidade hospitalar, que constam no Portal da Transparência do SNS, indicam apenas cinco óbitos por covid-19 entre os 15 e os 24 anos até Setembro passado. Globalmente, tendo em conta os 866 óbitos por todas as causas neste período, a covid-19 representou 0,6% do total.

    Convém referir, contudo, que a mortalidade por doenças do aparelho respiratório nesta faixa etária diminuiu bastante durante a pandemia. Entre Março de 2020 e Setembro deste ano, a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar aponta para a ocorrência de 31 óbitos, menos 25 dos que aqueles contabilizados no período homólogo imediatamente anterior à pandemia (Março de 2017 a Setembro de 2019).

    Daí que o baixo contributo da covid-19 e até a situação mais “benigna” das doenças do aparelho respiratório mais adensam o “mistério”, que não parece do interesse do Governo ver desvendado, não apenas porque o Ministério da Saúde tem procrastinado uma análise independente como também porque recusa disponibilizar publicamente os dados anonimizados em bruto do SICO.

    Mortalidade total por grupo etário (idades) nos primeiros 10 meses de cada ano (Janeiro a Outubro) entre 2014 e 2022. Fonte: SICO

    Certo é que algo de estranho se passa neste grupo etário desde o início da pandemia – e não é, efectivamente, por culpa da covid-19. A mortalidade já tinha sido elevada em 2020 em comparação com os anos anteriores, tendo sempre como referência o período de Janeiro a Outubro. No primeiro ano da pandemia registaram-se 289 mortes neste grupo jovem, que confrontava com uma média de 256 mortes no quinquénio anterior (2015-2019). Em 2021 os valores regressaram para níveis “normais” (256), mas voltaram a disparar, e muito, em 2022.

    Caso se junte os três anos mais recentes (2020-2022), os 10 primeiros meses totalizam 866 mortes, enquanto no triénio anterior homólogo (2017-2019) se contabilizaram 764 mortes, ou seja, verifica-se um acréscimo de 102 mortes.

    Este fenómeno não se explica sequer por via do envelhecimento populacional – que justifica uma parte do aumento absoluto dos óbitos na faixa dos mais idosos, porque estão, efectivamente, a crescer nas últimas décadas, em virtude da melhoria da esperança de vida. Na verdade, como tem ocorrido uma redução nos nascimentos nas últimas décadas – e especialmente desde o início do presente século –, seria até expectável uma muito ligeira redução na mortalidade absoluta de jovens, mesmo se a taxa de mortalidade se mantivesse estável.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    Além disso, a mortalidade no grupo dos 15 aos 24 anos surpreende por não encontrar correspondência nas faixas etárias adjacentes. Com efeito, confrontando os 10 primeiros meses deste ano com os períodos de 2017-2021 (incluindo assim os dois primeiros anos da pandemia) e de 2015-2019 (quinquénio anterior à pandemia), os menores de 15 anos registam uma redução nos óbitos contabilizados por todas as causas. No caso dos bebés com menos de um ano, mesmo se a mortalidade deste ano está acima da registada em 2020 e 2021, os valores são bastante mais baixos face ao período pré-pandémico (-11,8%).

    No grupo imediatamente superior – dos 25 aos 34 anos –, a mortalidade total em 2022 pode considerar-se dentro de uma certa normalidade, tanto em relação aos dois primeiros anos da pandemia como ao período pré-pandémico.

    Para aumentar a estranheza dos números registados entre os 15 e os 24 anos, também nos grupos etários dos 35 aos 44 anos e dos 45 aos 54 anos se observa uma significativa redução na mortalidade total ao longo dos primeiros 10 meses deste ano. Face ao período pré-pandémico, a redução no primeiro grupo etário é de 11,3% e do segundo de 5,9%.

    Comparação (variação percentual) nos grupos etários (idades) entre a mortalidade nos 10 primeiros meses de 2022 face à média dos quinquénios 2017-2021 e 2015-2019 e entre a mortalidade nos triénios de 2020-2022 e 2017-2019. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM

    Apenas a partir dos 55 anos se observa novamente um incremento da mortalidade face ao período pré-pandémico, embora com especificidades. Com efeito, embora o número de óbitos ainda esteja fora da normalidade face ao período anterior a 2020, entre os 55 e os 84 anos já se observam este ano valores mais baixos de mortalidade total do que em 2021.

    No confronto entre 2022 e 2021 nos primeiros 10 meses, para o grupo dos 55 aos 64 anos registaram-se menos 252 mortes, no grupo subsequente (65-74 anos) menos 517 e no grupo dos 75 aos 84 anos houve menos 951 óbitos. Em todo o caso, os valores de 2022 ainda continuam a ser bastante mais elevados do que antes da pandemia.

    Apenas no grupo dos maiores de 85 anos – aquele que, paradoxalmente, mais vacinado foi contra a covid-19 –, as mortes continuam a bater recordes. Nos 10 primeiros meses deste ano morreram mais 781 idosos desta faixa etária do que em 2021. Nos três anos da pandemia (2020-2022), no período de Janeiro a Outubro foram contabilizados 132.077 óbitos, que contrasta com as 114.552 mortes no triénio imediatamente anterior à pandemia (2017-2019). Ou seja, um incremento de 15,3%.

    two girls standing while holding her hips

    Em termos relativos, este aumento foi muito próximo do registado para o grupo dos 15 aos 24 anos (13,4%), com a agravante de que todos os outros grupos etários abaixo dos 55 anos tiveram mesmo quedas na mortalidade total durante a pandemia.  

    O PÁGINA UM contactou o Ministério da Saúde, no passado dia 4, para comentar estes valores, e também para saber se o estudo anunciado em Agosto pela ex-ministra Marta Temido sobre o excesso de mortalidade estava mesmo em curso, qual era a equipa (nomes) e qual o período previsto de conclusão. Não houve resposta, o que se mostra um “clássico de reacção” deste organismo governamental, que não se modificou com a entrada em funções de Manuel Pizarro.

  • Juíza quer ver com os próprios olhos se o Instituto Superior Técnico tem um “esboço embrionário” ou uma desculpa esfarrapada

    Juíza quer ver com os próprios olhos se o Instituto Superior Técnico tem um “esboço embrionário” ou uma desculpa esfarrapada

    Assumindo a sua “autoridade científica”, o Instituto Superior Técnico começou, primeiro de forma sobranceira, a recusar ao PÁGINA UM o acesso a um relatório alarmista sobre a covid-19 disponibilizado à Lusa. Intimado através do Tribunal Administrativo de Lisboa, a instituição tem alegado que só fez um “esboço embrionário”. A juíza quer saber se é verdade. E obrigou esta entidade universitária presidida pelo catedrático Rogério Colaço a entregar-lhe o documento, em envelope lacrado, para o analisar.


    A juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa, Telma Nogueira, exige ver o alegado estudo do Instituto Superior Técnico divulgado pela imprensa em finais de Julho que estimava a ocorrência de centenas de mortes por causa das festas populares e festivais de música em Junho passado, numa altura em que, na verdade, se observou uma tendência de redução significativa de casos positivos.

    Em causa estão as estimativas e análises sobre a pandemia elaboradas pelo Instituto Superior Técnico desde Junho de 2021, em parceria com a Ordem dos Médicos, que inclui aquele que se debruçou sobre os efeitos das festividades de Junho, mas que agora a instituição universitária diz não ser, afinal, um relatório, apesar de a agência Lusa ter garantido ao PÁGINA UM que assim é. As estimativas apontavam para a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.

    Durante o processo judicial no Tribunal Administrativo, o Instituto Superior começou por defender que não tem o dever de disponibilizar os documentos ao PÁGINA UM – incluindo os dados em bruto e a metodologia – por se estar perante um “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.

    Já na semana passada, o Instituto Superior Técnico veio argumentar, também em sede do processo de intimação instaurado pelo PÁGINA UM, dizendo que “o requerido [IST] nunca negou ter elaborado um ensaio, apenas afirmou que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E dizia ainda que a pretensão do PÁGINA UM “já se encontra satisfeita”, alegando que “o conteúdo do esboço foi dado a conhecer ao requerente [director do PÁGINA UM] assim que foi solicitado”.

    A instituição universitária presidida pelo catedrático Rogério Colaço argumentava, por fim, que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como agora esclarece.

    Mas agora a juíza Telma Nogueira quer mesmo saber se o Instituto Superior Técnico está a contar a verdade. No seu despacho, e “com vista a apurar se o documento em causa nos autos constitui um ‘esboço’ conforme alegado”, a juíza ordena que o Instituto Superior Técnico entregue, num prazo de 10 dias, “o referido documento que designa de ‘esboço’, em envelope lacrado” e dentro de outro envelope. A juíza dá a alternativa desse documento chegar ao Tribunal em mão ou via correio postal.

    Se o Instituto Superior Técnico conseguir convencer a juíza de que o documento em causa é um esboço – por exemplo, um guardanapo de papel com meros tópicos rascunhados é considerado um “esboço” –, a lei não o obriga a cedê-lo para consulta, mas ficará assim patente que a imprensa mainstream divulgou informação imprecisa, incompleta e errada, com a agravante de lhe chamar relatório. Se o documento estiver minimamente estruturado, então a equipa liderada pelo matemático Henrique Oliveira, e supervisionada pelo próprio presidente da instituição, poderá ser escrutinada sob o ponto de vista científico.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

    Relembre-se que o PÁGINA UM viu-se na necessidade de recorrer às instâncias judiciais perante a recusa expressa do Instituto Superior Técnico – incluindo do seu presidente, Rogério Colaço – em ceder tanto esse como os restantes relatórios elaborados desde Junho do ano passado em parceria com a Ordem dos Médicos.

    O PÁGINA UM também viu recusado o pedido de acesso aos dados brutos e à metodologia estatística usada. O PÁGINA UM não fez mais do que pedir elementos essenciais comummente usados em instituições académicas para validação científica – aliás, esta é uma prática pacífica e aceite com respeito mútuo pelo requerido e pelo requerente em meios universitários.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM, contando com o FUNDO JURÍDICO, está envolvido em 13 processos de intimação junto do Tribunal Administrativo, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.025 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Que farei com este livro de Filipe Froes?

    Que farei com este livro de Filipe Froes?


    Chega a ser perturbador ler algumas passagens da magnum opus de Filipe Froes e Patrícia Akester, intitulada A pandemia que revelou outras pandemias: contributos para o conhecimento, que ontem juntou, no Grémio Literário, muitas figuras gradas da narrativa oficial da gestão da pandemia. Hoje, amanhã e quinta-feira está nas bancas, gratuitamente com o Diário de Notícias, permito-me a publicidade.

    Mas permitam-me também dizer, com generosa dose de ironia, que em boa hora a BIAL disponibilizou patrocínio conveniente para o livrinho sair do prelo, porque, de contrário, sem guito de farmacêuticas, o Doutor Froes parece nunca mexer uma palha quanto mais uma caneta, que é como quem diz, um matraquear de teclado.

    Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.

    Por outro lado, também em boa hora o Diário de Notícias, cometida a ousadia de permitir que o Doutor Froes & Ca. explanasse as suas opiniões, possibilitou que os textículos esparsamente publicados no periódico, ficassem agora gravados para a eternidade em lâminas de papel, entre capa e contracapa, incluindo generosas badanas. Um livro sempre se mete numa estante, e mesmo que o conteúdo possa ser – e é, neste caso – indigesto, pode-se sempre pegar num momento zen para aumentar a pressão arterial.

    Porém, melhor ainda – e impeliu a perturbação denunciada logo na primeira linha deste meu texto – é o prefácio do senhor almirante – então vice-almirante, o que, estranhamente, aparentava dar-lhe maior dignidade – Gouveia e Melo. Ou melhor dizendo, que assim é apresentado no prefácio, de “Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, almirante”.

    Nas breves três páginas de auto-elogio do senhor almirante, destaco, contudo, o seu curto relato do episódio da suspensão da vacina da AstraZeneca, por decisão do Infarmed, em 15 de Março do ano passado com base no princípio da “precaução em saúde pública”. Aliás, em 8 de Abril, pouco mais de três semanas, a Direcção-Geral da Saúde passaria a recomendar a administração da vacina da AstraZeneca apenas a pessoas acima dos 60 anos. Na prática, a vacina da farmacêutica anglo-sueca praticamente deixou de ser administrada a partir daí.

    Gouveia e Melo assim relata: ”Muitas destas decisões foram tomadas em cima dos acontecimentos, sobretudo quando surgiam contrariedades. Recordo-me quando tínhamos tudo preparado para vacinar os docentes do ensino básico e secundário e, dois dias antes de se iniciar esse processo, a vacina que seria administrada foi suspensa. Refizemos planos, avaliámos riscos, consultámos stocks e, na semana seguinte, avançámos com a vacinação desse grupo.”

    Passando por cima deste modus operandi, aquilo que me interessa destacar é o facto de o então vice-almirante relatar este acontecimento no livro onde, páginas à frente, se expõe a doutíssima opinião do Doutor Froes por aquelas alturas sobre vacina da AstraZeneca. Com efeito, na página 16 da tal magnum opus, pode-se ler um artigo do Doutor Froes & Ca., publicado originalmente no dia 4 de Março de 2021 – ou seja, apenas 11 dias antes da suspensão da vacina da AstraZeneca –, no jornal Público (o único na obra que não saiu no Diário de Notícias), com o sugestivo título: “Das fake news nem a vacina está a salvo”.

    E que escreveu o Doutor Froes & Ca.?

    Além de defender que urgia “combater a desinformação mais do que nunca”, uma vez que o processo de vacinação estava em curso”, dissertavam eles sobre “duas pragas: (i) infodemia (um tsunami de informação no que respeita à pandemia, por vezes incorrecta e infundada, capaz de confundir e de induzir em erro, tendo na sua origem fontes pouco fidedignas) e (ii) desinformação (informação falsa ou imprecisa disseminada com a intenção deliberada de manipular e/ ou de induzir em erro), de que as Fake News são um dos principais expoentes.” E continuavam depois a batucar nas redes sociais, desinformação para aqui, fake news para ali.

    E depois isto: “Na Alemanha, os media passaram semanas a apregoar que a vacina AstraZeneca era ‘de segunda classe’ e que comportava efeitos secundários, pelo que uma parte não insignificante da população se recusa a ser inoculada com essa vacina, aguardando a chegada da vacina Pfizer Biontech. Consequência: tendo sido recebido, em terras de Merkel, um carregamento de 1,45 milhões de doses de AstraZeneca, em pleno estado de escassez de vacinas pelo mundo fora, apenas 270,986 mil pessoas aceitaram a administração proposta pelas autoridades de saúde em conformidade com o plano de vacinação nacional (New York Times). Resta saber o impacto da não-vacinação ou do seu atraso na população que deveria ter sido vacinada e não o foi…”

    E mais isto: “Agora que o processo de vacinação está em curso urge combater a desinformação mais que nunca. Para se atingir imunidade de grupo, para protecção do indivíduo e da comunidade e resolução progressiva do profundo impacto social e económico da pandemia, é crucial promover uma campanha de informação idónea no tocante à pandemia – divulgada responsavelmente por todos. A melhor forma de impedir que alguém adira ao movimento anti-vacinas, que pode impossibilitar a criação de imunidade de grupo é tolhendo a infecção…”

    Visto está o que sucedeu à AstraZeneca…

    Visto está o que sucedeu à quimérica imunidade de grupo…

    E vista está a base científica inexistente dos certificados digitais…

    E visto está quase tudo o resto que foi escrevendo o dizendo Froes & Ca., nos intervalos das consultadorias das farmacêuticas, a par do contínuo obscurantismo oficial em redor da informação mais sensível…

    E não visto está aquilo que ainda se vai descobrir, e que tornará esta magnum opus um tesourinho deprimente da “ciência pandémica”, digno de estudo futuro, de amostra daquilo que não se deve repetir.

    Resta-nos saber também, entretanto, qual será o impacte das alarvidades do Doutor Froes, mais as suas consultadorias… E resta-nos esperar que a imprensa mainstream deixe de viralizar os seus despautérios – como sucedeu nos últimos dias com o “anúncio” de uma “pandemia tripla”, rapidamente transmitida pelo Diário de Notícias, Observador, RTP, Correio da Manhã e Sapo.

  • Instituto Superior Técnico já diz agora que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas”

    Instituto Superior Técnico já diz agora que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas”

    Desde Junho de 2021, o Instituto Superior Técnico, investido da sua autoridade científica, elaborou relatórios sobre pandemia em parceria com a Ordem dos Médicos. No último estudo conhecido, divulgado há pouco mais de dois meses pela imprensa, atribuía directamente às festas populares e aos concertos em Junho várias centenas de mortes por covid-19, numa altura em que os casos positivos até apresentavam, afinal, forte tendência decrescente. Perante a recusa em ceder a informação, o PÁGINA UM apresentou um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa. Independentemente do seu resultado prático – acesso à informação –, este processo acaba por ser revelador de uma certa forma de “fazer” Ciência em Portugal, e da postura dos denominados “peritos”.


    Em processo que corre no Tribunal Administrativo de Lisboa (TAL) – intentado pelo PÁGINA UM para aceder a um alegado estudo (incluindo dados numéricos e metodologia) que associava as festas populares de Junho passado a um incremento directo de mortes por covid-19 –, o Instituto Superior Técnico (IST) veio agora reinterpretar o significado de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, conceito que usara inicialmente para classificar um relatório profusamente divulgado pela imprensa em final de Julho.

    A notícia original foi elaborada pela agência Lusa – que garantiu ao PÁGINA UM que “o relatório (…) existe, naturalmente, caso contrário (…) não teria feito notícia” – e reproduzido então por mais de uma dezena de órgãos de comunicação social de âmbito nacional.

    Relembre-se que o PÁGINA UM viu-se na necessidade de recorrer às instâncias judiciais perante a recusa expressa do Instituto Superior Técnico – incluindo do seu presidente, Rogério Colaço – em ceder tanto esse como os restantes relatórios elaborados desde Junho do ano passado em parceria com a Ordem dos Médicos. O PÁGINA UM também viu recusado o pedido de acesso aos dados brutos e à metodologia estatística usada. Saliente-se que o PÁGINA UM não fez mais do que pedir elementos essenciais comummente usados em instituições académicas para validação científica – aliás, esta é uma prática pacífica e aceite com respeito mútuo pelo requerido e pelo requerente.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.

    Numa alegação entregue na passada quarta-feira no TAL, a advogada mandatada por Rogério Colaço veio agora dizer que “o requerido [IST] nunca negou ter elaborado um ensaio, apenas afirmou que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E diz ainda que a pretensão do PÁGINA UM “já se encontra satisfeita”, alegando que “o conteúdo do esboço foi dado a conhecer ao requerente [PÁGINA UM] assim que foi solicitado”.

    Saliente-se, porém, que o PÁGINA UM apenas recebeu de um dos investigadores do Instituto Superior Técnico uma explicação vaga sobre a suposta metodologia, mas nunca lhe foi remetido qualquer parte do alegado relatório escrito – que chegou mesmo a merecer citações expressas no take da Lusa, difundido pela restante imprensa – nem qualquer ficheiro com dados numéricos que possibilitasse qualquer conclusão.

    De acordo com a notícia da Lusa, de 28 de Julho passado – que continha sete citações expressas (vd. em baixo) do suposto relatório –, os peritos do Instituto Superior Técnico – supervisionados pelo próprio presidente – apontavam, entre outros aspectos, para a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como agora esclarece.

    Sucede, porém, que na realidade ao longo do mês de Junho se registou uma redução sistemática do número de casos positivos e de mortes atribuídas à covid-19, tornando paradoxal, e pouco sustentável cientificamente, que as festividades tivessem tido um impacte agravante. Ou seja, o levantamento das restrições e a maior proximidade física das pessoas sem máscara não foi acompanhada de um acréscimo de casos nem de óbitos.

    Foi exactamente para averiguar o cumprimento de preceitos de rigor científico que o PÁGINA UM pretendeu aceder ao suposto relatório do Instituto Superior Técnico, que a Lusa diz existir, e que a instituição universitária pública esclarece agora que “não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso (…) era um esboço”.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

    No entanto, esboço ou qualquer outra coisa que seja, certo é que o Instituto Superior Técnico nunca veio a público negar a validade das notícias da Lusa e dos outros órgãos de comunicação social, mesmo se agora a sua advogada garanta que desconhece como aquele (esboço ou relatório) “chegou à comunicação social”.

    Convém, aliás, notar que, na troca de e-mails no final de Julho passado entre o PÁGINA UM e o investigador Henrique Oliveira – coordenador da equipa de peritos do Instituto Superior Técnico –, aquele matemático não ignorava, pelo contrário, a repercussão mediática daquele esboço ou relatório.

    Com efeito, argumentando que toda a equipa estava de férias – e que ele era “o único do grupo de trabalho mandatado a falar sobre esses assuntos de análise” –, Henrique Oliveira fez mesmo gala de ter recusado “diversos convites” da imprensa, “nomeadamente de três televisões nacionais para falar sobre o assunto”. E a sua recusa para falar às televisões não fora por não reconhecer o relatório – ou por não o considerar válido ou validado –, mas sim porque, adiantava ao PÁGINA UM, “entrei de férias e as férias são, digamos, pouco científicas”.

    Resposta de Henrique Oliveira em 29 de Julho ao PÁGINA UM, em que informa ter recusado convites para falar com três televisões nacionais por estar de férias, nunca se demarcando da divulgação de informação não autorizada ou não validada cientificamente pela instituição universitária.

    Acrescente-se também que o PÁGINA UM seguiu o conselho de Henrique Oliveira e pediu o relatório e os dados em bruto ao gabinete de imprensa do Instituto Superior Técnico, mas este não foi satisfeito. Essa recusa seria mesmo reiterada por Rogério Colaço por mensagem enviada do seu telemóvel. Um posterior pedido formal, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, nem mereceu resposta, razão pela qual o PÁGINA UM fez entrar um processo de intimação junto do TAL.

    Mas agora o Instituto Superior Técnico ainda defende que, independentemente da classificação do documento em causa – relatório, ensaio, esboço ou outro qualquer termo –, o PÁGINA UM não deve ter acesso. “Considerando o princípio da proporcionalidade, salvo melhor opinião, não nos parece que o direito à informação do requerente [PÁGINA UM] se revele suficientemente relevante para justificar o acesso a um documento em estado embrionário, um estudo sem estar concluído”, acrescenta a defensora do Instituto Superior Técnico.

    Um relatório anterior do Instituto Superior Técnico alertava que haveria um aumento das infecções com as festividades, mas tal não sucedeu. O suposto relatório de finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, a instituição universitário optou por recusar essa validação externa. As festas populares em Lisboa este ano tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos positivos de covid-19 regrediram face a Maio.

    E conclui ainda que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Saliente-se que a única pretensão do PÁGINA UM, neste caso, é analisar a qualidade da produção científica do Instituto Superior Técnico que, em articulação com a Ordem dos Médicos, ao longo dos meses apresentou e divulgou estudos sobre a pandemia. E sobretudo perceber se esta instituição científica fez algo para evitar que o seu nome fosse usado mediaticamente para transmitir informação errada ou inexacta, tanto mais que é o próprio Instituto Superior Técnico que admite que o seu (assim classificado) “ensaio de projeção/ estimativa” afinal “pode não conter informações exatas e precisas”.

    Em Março passado, Henrique Oliveira, que é professor do Departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico, zurziu no relatório semanal da Direcção-Geral da Saúde, dizendo que era pobre. Em declarações à CNN Portugal disse mesmo que tinha “muito pouca qualidade, nebuloso mesmo”, e que, “como matemático, não hesitaria em chumbar um aluno que me apresentasse um relatório destes”. Sobre os relatórios do próprio Henrique Oliveira, em breve o PÁGINA UM saberá da sua qualidade, se a sentença do Tribunal for favorável a esse conhecimento público.


    Citações (entre aspas) do (suposto) relatório do Instituto Superior Técnico transcritas pela Lusa no take de 28 de Julho passado, que comprovam a existência de um relatório escrito, ou então estaremos perante uma “fraude” (transcrição de citações de um estudo inexistente). A Lusa recusou mostrar prova da existência do relatório, mas garante que existe. O PÁGINA UM apresenta as citações retiradas do artigo publicado pelo Diário de Noticias de 28 de Julho que transcreve o take da Lusa.

    1 – “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil

    2 – “não teriam impacto económico

    3 – “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida

    4 – “O efeito aqui é mais lento e menor do que o efeito das medidas gerais, pois afeta diretamente população mais jovem, mas leva a contágios em cascata que acabam por vitimar os mais suscetíveis a doença grave

    5 – “uma possível correlação com vagas de calor

    6 – “com tendência de atingirmos os valores mais baixos de 2022

    7 – “ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM, contando com o FUNDO JURÍDICO, está envolvido em 13 processos de intimação junto do Tribunal Administrativo, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.025 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.