Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Amílcar Falcão: As universidades e os medíocres (que não podem vencer)

    Amílcar Falcão: As universidades e os medíocres (que não podem vencer)


    Nos últimos três anos – a bem dizer, desde que eclodiu a pandemia da covid-19 –, aquilo que mais me surpreendeu não foi tanto a irracionalidade das massas – ou melhor dizendo, a cedência do pensamento individual, no torpor do pânico, ao seguidismo de uma narrativa imposta pela máquina estatal (nacional e internacional) auxiliada pelos media –, mas sim o conformismo, a covardia e a conivência (perante o poder e os interesses económicos) das elites.

    De elites falo aqui dos académicos – ou, melhor dizendo, dos universitários.

    Bem sei, todos sabemos, como, tanto a nível nacional como internacional, as universidades tiveram de fazer pela vida quando se lhes impôs (ou elas quiseram) a sua autonomia financeira, deixando de ser apenas centros de excelência na formação e na investigação pura para passarem a ser centros de captação de financiamentos para projectos de investigação e desenvolvimento (I&D), e sobretudo de investigação aplicada.

    Por esse motivo, hoje, as universidades integram uma importante componente de marketing, e quem fala de marketing, fala de relações públicas; e quem fala de relações públicas, fala de diplomacia; e quem fala de diplomacia, fala de cortesias; e quem fala de cortesias, fala de fretes; e quem fala de fretes, fala de lambe-botas; e quem fala de lambe-botas, fala de medíocres. No meio disto, vai-se perdendo a ética e vai-se mercadejando a Ciência ao cinzel que melhor paga.

    Vejam, hoje, malgrado termos investigadores de primeira água, naquilo que se tem transformado a academia: cérebros que medem as palavras, que refreiam opiniões, que se auto-censuram e censuram, que manipulam e obscurecem factos, que defendem uma verdade indicada por terceiros (Governo, empresas, opinião pública), que seguem padrões de catavento.

    Nunca mais me hei-de esquecer da forma como se procedeu ao silenciamento para uma discussão participada durante a pandemia.

    Não me esquecerei do unanimismo silencioso das universidades e dos académicos quando o Governo, ignorando comissões independentes que estavam previstas na lei (p. ex., o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Saúde Pública), foi escolhendo a dedo os “peritos” e os “especialistas” que ousavam assumir-se como os arautos de uma Verdade Científica Imaculada e Inquestionável.

    Não me esquecerei, por exemplo, do subsequente silêncio de uma das mais prestigiadas cientistas portuguesas, Maria Manuela Mota, directora executiva do Instituto de Medicina Molecular, quando afirmou ao Expresso em Abril de 2020: “Não entrem em pânico. Vírus [SARS-CoV-2] é relativamente bonzinho”. Compreende-se: na altura, alimentava-se o pânico como estratégia, e perante a sua posição isolada (por cobardia dos pares), não se lhe pode censurar o auto-silenciamento posterior quando se dirige um centro de investigação a carpir financiamentos para mais de 700 trabalhadores.

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    Foi esta dependência – alicerçada na ascensão de pessoas sem perfil ético para compreender o papel das universidades e dos académicos numa sociedade democrática, por mais extraordinariamente inteligentes que sejam – que causou o sequestro da Ciência pela política. Não apenas pela política governamental, mas também pela política empresarial – leia-se, neste caso, também farmacêutica, mas não só.

    Foi alicerçado neste tipo de nefasta dependência que, por exemplo, o Instituto Superior Técnico – e particularmente o seu presidente, Rogério Colaço – acabaram compondo uns miseráveis relatórios epidemiológicos alarmistas a partir do Verão de 2021, para gáudio de uma néscia imprensa (que nada questiona), e tão vergonhosos foram esses ditos relatórios que até recusaram facultá-los, vendo-se envolvidos, por mor do PÁGINA UM, num deprimente processo de intimação no Tribunal Administrativo que só pode obrigar que cedam aquilo que voluntariamente tinham o dever ético de mostrar.

    Acabada a pandemia – ou cronologicamente, no epílogo da pandemia –, a indecência da academia, como um vírus, pareceu alastrar-se à invasão da Ucrânia. Sem prejuízo de estarmos perante um acto inadmissivelmente hostil da Rússia e de este país não ser propriamente dirigido por um Governo democrático (costumo dizer que Putin não está à frente dos destinos daquele país há meia dúzia de dias), não há inocentes políticos nesta guerra (a começar no chamado Ocidente) nem se deveria, em Estados democráticos, responder à barbárie com censura, hostilização, ostracismo e perseguição apenas por razões de cidadania.

    Vladimir Pliassov numa reportagem de 2018 para a RTP2 sobre o Centro de Estudos Russos da Universidade de Coimbra.

    Não ouvi – e pode ter sucedido por distracção – nenhuma universidade com abertura para ser o palco de debates em redor da guerra da Ucrânia, com centro de reflexão para se encontrar uma forma de pacificação, sem colocar premissas nem condicionamentos. Não ouvi – e pode ter sucedido por distracção – nenhuma universidade a criticar a censura a órgãos de comunicação social da Rússia nos países ocidentais, ao mesmo tempo que se alcandora a Ucrânia a um patamar de democracia que nunca teve (e não tem).

    Na verdade, as universidades seguiram o mesmo padrão da pandemia: atentas às consequências dos seus actos, seguiram o que o Governo e as instâncias europeias (seus principais financiadores) foram ditando.

    Por isso, não surpreende demasiado que, neste cenário, o reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão tenha demitido, sem apelo nem agravo, o director do Centro de Estudos Russos da Universidade de Coimbra, Vladimir Pliassov, apenas porque dois alegados activistas ucranianos decidiram acusar aquele cidadão russo de “propaganda russa” nas suas aulas. Amílcar Falcão não ouviu sequer o docente, radicado em Portugal desde 1998 e com nacionalidade portuguesa desde 2002, e que até dava agora aulas (de Literatura) em regime gracioso.

    O caso é tão lamentável que causa dó.

    Olga Filipova (à esquerda) e Viacheslav Medvediev (à direita). Bastou um artigo de opinião num jornal regional para espoletar uma demissão-relâmpago por iniciativa do reitor da Universidade de Coimbra sem apelo nem agravo.

    Eis que tivemos um Falcão, aspirando aos voos do populismo, tornando medíocre uma universidade, e com os seus actos resgatando das tenebrosas páginas negras da Inquisição o estilo “caça-bruxas” com aplicação de sanções antes sequer de uma inquirição, quanto mais um julgamento justo.

    Eis que tivemos a mediocridade mais uma vez no topo de uma universidade, em todo o seu esplendor, com o seu fautor talvez almejando comendas pela prontidão de um acto de justiceiro em prol das “vontades do vento”.

    Bem sei que os tempos não andam fáceis para quem, minoritário, rema contra a corrente – no seio de um Jornalismo decrépito e em perda de princípios, sei por experiência própria, os custos da ousadia –, mas há um sinal de esperança quando o vil acto de Amílcar Falcão está finalmente a ser contestado dentro da própria Universidade de Coimbra. Primeiro de uma forma mais discreta (e ainda minoritária), mas nos últimos dias de um modo mais substancial e impossível de se silenciar.

    Porém, isto sabe a pouco. Até se poderia chegar à (porventura absurda) conclusão de que Vladimir Pliassov era o mais empedernido putinista, mas um reitor não pode arvorar-se de polícia, de procurador de acusação, de juiz e de executor, e tudo isto feito no reduto dos seus neurónios. Se pensa que poderia fazer tudo isto perante um caso desta delicadeza, não pode continuar a ser reitor. Se sabia que não poderia fazer isso e fez, não pode continuar a ser reitor.  

    Depois de tudo isto, e independentemente de quem é, na essência, Vladimir Pliassov, temos apenas como certo que Amílcar Falcão não tem estaleca – digamos assim, de sorte a soar mais popular – para ser reitor da Universidade de Coimbra.

    Manter-se nesse posto será a vitória da mediocridade – o que tornará medíocres os demais. Mesmo daqueles académicos que, agora, o criticam em abaixo-assinados, porque dos outros que se mantêm, mesmo assim, em silêncio, não rezará a História.

  • Sem ondas de calor, Agosto está a ser o mais mortífero dos últimos 20 anos

    Sem ondas de calor, Agosto está a ser o mais mortífero dos últimos 20 anos

    Em Portugal, o tempo tem estado quente, como é típico do clima mediterrânico, mas sem dias demasiado sufocantes nem de longa duração. O Índice Ícaro, um indicador que mede o risco para a saúde pública, só raramente tem apresentado valores altos, mas mesmo assim a mortalidade em Agosto está anormalmente elevada. Esta situação ocorre num ano em que o número de óbitos está já mais baixo do que no triénio anterior (2020-2022), embora ainda acima dos valores pré-pandemia, indiciando que a saúde da população portuguesa mostra ainda sinais de preocupante debilidade. E ocorre também quando, cada vez mais, o Serviço Nacional de Saúde revela fragilidades, sem resposta capaz do Governo.


    A mortalidade do mês de Agosto em curso está a atingir níveis bastante elevados, sendo necessário recuar ao ano de 2003 – que foi fustigado por várias ondas de calor e incêndios de grandes dimensões – para se encontrar o mês homólogo e com pior situação.

    De acordo com os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), nos primeiros 25 dias do presente mês de Agosto foram já contabilizadas 7.666 mortes, mais 66 do que o valor registado no ano passado, marcado, durante todo o ano, por um inusitado excesso de mortalidade cujo estudo das causas tem sido sistematicamente adiado pelo Ministério da Saúde.

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    A média diária de óbitos está, neste momento, próximo dos 307, o que significa que a manter-se este ritmo até ao dia 31 o número total rondará as 9.500 mortes, o que será o segundo pior mês de Agosto desde 1980 (data de registos conhecidos), apenas ultrapassado por 2003 com 10.111 óbitos. Mas em 2003 houve uma justificação meteorológica excepcional: onda de calor entre 29 de Julho e 14 de Agosto – mais dias de calor intenso e persistente – com temperaturas máximas e mínimas sempre muito altas e humidade relativa anormalmente baixa. Este evento terá causado então uma mortalidade acrescida de quase duas mil pessoas.

    Nada parecido com aquilo que está a suceder este ano, onde não houve qualquer registo de onda de calor em qualquer região do país. O agravamento da mortalidade em Agosto deste ano contrasta, aliás, com uma tendência de redução que se estava a verificar nos meses deste ano em comparação com os considerados anos da pandemia (2020, 2021 e 2022). Até anteontem, dia 25 de Agosto, e desde o início de 2023, foram registados no SICO um total de 77.130 óbitos, um valor mais baixo do que os 78.587 óbitos em igual período de 2020 (que inclui a primeira fase da pandemia) e bastante abaixo dos valores de 2021 (83.618 óbitos) e de 2022 (82.381 óbitos).

    Contudo, mesmo assim, os valores de 2023, até agora, são muito superiores a qualquer ano pré-pandemia (desde 2009, em que se começou a indicar registos diários), o que em parte se deve ao envelhecimento populacional, se bem que fossem expectáveis valores mais baixos por via da “sangria” demográfica no período pandémico que sacrificou, também por via da desregulação do Serviço Nacional de Saúde, os mais vulneráveis.

    Mortalidade total em Agosto desde 2009 até ao dia 25. Fonte: SICO/DGS. Análise: PÁGINA UM.

    Uma explicação para o crescimento da mortalidade neste mês poderia tentar explicar-se pelo tempo mais quente, embora, na verdade, Portugal não tenha registado ainda ondas de calor, que tecnicamente ocorrem apenas quando há mais de cinco dias com temperaturas cinco graus acima da média, conforme releva o conceito apresentado até pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

    Consultando os mais recentes registos diários do Índice Icaro apenas se observa um previsível aumento de risco de excesso de mortalidade nos dias 7 e 8 e ainda entre 22 e 25 de Agosto. E, efectivamente, o valor do Índice Ícaro mais elevado este mês (0,97), observado na passada quarta-feira, coincidiu com o dia mais mortífero (362). Mas, hoje, por exemplo, o valor é já de zero.

    A situação deste Agosto está assim muito longe de verdadeiras ondas de calor, intensas e persistentes. De acordo com o IPMA, nos últimos 30 anos têm-se observado mais eventos de ondas de calor extremas no período do Verão em Portugal Continental, com especial incidência nas regiões do interior Norte e Centro (distritos de Bragança, Vila Real, Viseu e Guarda) e o Alentejo (distritos de Setúbal, Évora e Beja). Os episódios mais severos de ondas de calor, com maior número e duração destes eventos, verificaram-se depois de 1990 na região interior Norte e Centro e depois de 2000 na região Sul.

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    Idosos são os mais vulneráveis às ondas de calor, mas previsões meteorológicas cada vez mais rigorosas deveriam implicar a aplicação de medidas profilácticas mais eficazes para não haver excesso de mortalidade.

    Ainda segundo o IPMA, o maior número total de dias em onda de calor (918 dias) ocorreu no Verão de 2022, com a contribuição significativa da região Nordeste. Por exemplo, Bragança, Mirandela e Carrazeda de Ansiães – com 44, 42 e 41 dias, respetivamente – foram as zonas mais afectadas, embora sejam pouco povoadas.

    Em todo o caso, convém referir que o mês de Agosto, em média – e incluindo mesmo os anos com períodos mais mortíferos associados a ondas de calor – é o terceiro mais “ameno” de todo o ano, apenas atrás de Setembro e Junho.  

    De acordo com uma análise do PÁGINA UM, no período de 2013-2022 o mês de Setembro contabiliza 7,08% das mortes, seguindo-se Junho (7,35%) e Agosto (7,46%). Os piores meses são os considerados de Inverno: Janeiro (11,16%), Dezembro (9,65%) e Fevereiro (9,17%).

    Distribuição (%) da mortalidade total por mês no período 2013-2022. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Se se considerar como época de Verão os meses de Junho, Julho e Agosto – juntando Setembro a Outubro e Novembro para formarem o Outono –, também se evidencia ser o período do ano menos mortífero: concentra 22,5% das mortes, contrastando com 30,0% dos meses de Inverno (Dezembro, Janeiro e Fevereiro), caracterizados pelo frio, chuvas e maior prevalência de infecções respiratórias, como a gripe e as pneumonias.

    Caso se considere agrupar os quatro meses que incluem dias de Verão (Junho, Julho, Agosto e Setembro), o contraste ainda é maior: acumulam 29,57% das mortes, que confrontam com os 38,81% das mortes dos quatro meses que incluem dias de Inverno (Dezembro, Janeiro, Fevereiro e Março). Ou seja, se as ondas de calor podem ser fenómenos temidos, na verdade o Verão continua a ser a melhor época do ano para… nos mantermos vivos.

  • PÁGINA UM: 20 meses que são 20 vitórias

    PÁGINA UM: 20 meses que são 20 vitórias


    O PÁGINA UM faz hoje 20 meses. Eu conto os meses de existência. Não apenas por serem as primeiras fases da infância o período mais crítico de qualquer ser, mas sobretudo porque, neste modelo deste projecto jornalístico independente, se mostra obrigatório definir o futuro a curto prazo. O PÁGINA UM nasceu pelo apoio financeiro dos seus leitores, com donativos desde 1 euro até algumas centenas de euros, e 20 meses depois vivemos da mesma forma.

    Não quisemos publicidade nem parcerias comerciais: e sabemos que estamos no fio da navalha, mas com a possibilidade impagável de fazer jornalismo sem concessões nem constrangimentos nem medos. Essa liberdade é inexcedível, e não acreditem que seja coisa vista por aí na chamada imprensa mainstream. Aliás, por esse motivo, o PÁGINA UM é tão criticado.

    Mas sabemos que o nosso sucesso não depende apenas das notícias. Depende sobretudo dos nossos leitores e da suas capacidades para avaliarem dia a dia o nosso trabalho, e dar um apoio concreto que não seja só aplausos (lembram-se dos aplausos aos médicos?).

    Ao longo destes 20 meses, já ganhámos muitos apoiantes pontuais ou regulares; fomos perdendo muitos outros, alguns por dificuldades, outros por discordância, outros talvez porque, enfim, consideram que não conseguiremos fazer a diferença. Para estes últimos, e na verdade para todos, gostaríamos de os convencer que queremos fazer a diferença. Podemos mesmo ser a diferença, se meios houver.

    Cada novo apoio e cada saída de um antigo apoiante do PÁGINA UM não me é indiferente: o meu desejo é ver o PÁGINA UM com um maior desafogo financeiro para permitir uma maior aposta no jornalismo de investigação, de pressão, de denúncia. Por agora, temos conseguido muitas vitórias, mas queremos muitas mais.

    A principal vitória parece óbvia; aos fim de 20 meses somos a prova viva de que a qualidade do jornalismo independente é mesmo valorizada pelos leitores, mesmo quando o acesso é completamente livre, ou seja, acesso aberto. Isto vai até contra os modelos clássicos da Economia.

    blue bird on gray rock

    Manter por 20 meses (ou um pouco mais, porque houve dois meses de preparação) um jornal nestas condições é o mais nobre reconhecimento que os nossos apoiantes (financeiros) nos concedem: mesmo sabendo que poderiam ler o PÁGINA UM gratuitamente, assumem que o jornalismo independente necessita de recursos para fazer um bom trabalho. Contribuem também para que os leitores de menores posses possam aceder aos nossos artigos noticiosos e outros conteúdos.

    Em todo o caso, sabemos que este modelo – uma independência extrema e quase estóica – traz enormes limitações de crescimento, porque o orçamento do PÁGINA UM não tem chegado, nos últimos meses sequer aos 5.000 euros mensais, e a gestão do jornal tem uma regra: não há empréstimos bancários e não há dívidas ao Estado.

    Apesar da empresa gestora do PÁGINA UM ter o mesmo capital social da Trust in News, a dona da revista Visão e de outras publicações, não queremos (nem nos permitiriam) viver com um passivo de 11,4 milhões por via de calotes fiscais ou por empréstimos da banca. Ter empresas de media com endividamentos de milhões e dívidas ao Fisco pode ser fácil e cómodo, mas não se faz aí verdadeiro jornalismo. Pelo contrário, mata-se o jornalismo.

    Pedi ao Midjourney para imaginar uma reunião na sede do PÁGINA UM daqui a 20 meses… Na verdade, pode ser qualquer uma destas quatro alternativas… Excepto a gravata.

    Por esse motivo, sabemos o “custo da independência”. E não é apenas o de sofrer os ataques de alguns colegas de profissão – e sobretudo da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (que mantém há um mês um vergonhoso frete sob a forma de falsa deliberação, votada fora das reuniões ordinárias, feita à margem de qualquer ética, na homepage do Sindicato dos Jornalistas).

    Esse “custo da independência” é o de mantermos uma dimensão pequena, com uma redacção minúscula e com um (extraordinário) punhado de colaboradores (quase todos pro bono) que oferece uma diversidade ao PÁGINA UM que muito me orgulha.

    Mas, na verdade, aquilo que me orgulha mais é o reconhecimento dos leitores. E mais não digo, que amanhã é um novo dia e há mais notícias para revelar. Sempre para os leitores. Sempre com os leitores. Obrigado por tudo. E continuem a ler e a apoiar o PÁGINA UM.

  • Manuel Pizarro pressionado para explicar promiscuidades na estratégia de comunicação do Serviço Nacional de Saúde

    Manuel Pizarro pressionado para explicar promiscuidades na estratégia de comunicação do Serviço Nacional de Saúde

    O Ministério da Saúde até fez um concurso público – que é raro em contratos de assessoria de imprensa e comunicação – e os montantes em causa são modestos. Mas as relações da empresa vencedora, que irá definir o plano e estratégia de comunicação da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, levantam suspeitas: a LPM Comunicação, fundada por um conhecido consultor de marketing do Partido Socialista, tem sete farmacêuticas no seu portfólio, e mais uma dezena de outras entidades do sector da Saúde. Em reacção à notícia do PÁGINA UM na sexta-feira passada, o Chega quer agora explicações do ministro Manuel Pizarro na Assembleia da República.


    A presença do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, na Assembleia da República foi requerida com carácter de urgência pelo partido Chega para ser explicada a contratação da LPM Comunicação pela Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), de acordo com um take da Lusa divulgado este fim-de-semana pela generalidade da imprensa.

    No decurso de uma investigação do PÁGINA UM, divulgada sexta-feira em exclusivo, sobre a contratação da empresa fundada pelo conhecido consultor de marketing político do Partido Socialista, Luís Paixão Martins – que há vários anos legou a administração da empresa ao seu filho João –, o partido liderado por André Ventura diz que esse acordo comercial revela “preocupações pertinentes sobre possíveis conflitos de interesse, uma vez que a DE-SNS é uma entidade estatal que terá responsabilidades importantes na gestão, supervisão e monitorização do Sistema Nacional de Saúde, bem como na definição de diretrizes e normas que afetam tanto os fornecedores quanto os utentes e as empresas privadas do setor”.

    Luís Paixão Martins, fundador da LPM e pai do actual administrador único da empresa que vai gerir a comunicação da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde. (DR)

    Em causa, como revelou o PÁGINA UM, não estão os procedimentos da contratação – que até foi ganho em concurso público (o que é raro no género) e por um valor ligeiramente abaixo do preço base –, mas sim as ligações da LPM com farmacêuticas e outras empresas, incluindo o grupo privado do sector da saúde Lusíadas.

    De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, a LPM identifica como seus clientes, apenas no sector da Saúde, sete farmacêuticas – AbbVie, Bluepharma, Daiichi-Sankyo, Gedeon Richter, GlaxoSmithKline, Novartis e Viatris –, uma empresa de homeopatia (Boiron), duas entidades na área do diagnóstico – a empresa Hologic e a Associação Portuguesa das Empresas de Diagnósticos Médicos (Apormed) –, uma empresa hospitalar privada (Lusíadas), uma fundação associada a uma farmacêutica (Fundação Bial), duas organizações não-governamentais sem fins lucrativos (Liga Portuguesa contra o Cancro e a União das Associações das Doenças Raras de Portugal) e ainda três sociedades médicas (Sociedade Portuguesa de Senologia, Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia e Sociedade Portuguesa de Cardiologia). Esta última sociedade médica é aquela que mais financiamento obtém do sector farmacêutico desde 2017, enquanto a penúltima se encontra no top 10.

    Contudo, apesar disso, nos critérios de avaliação das candidaturas, cujo processo acabou por ser instruído pelos SPMS, não houve qualquer critério de índole ético que pudesse excluir candidatos que tivessem conflitos de interesse por deterem relações comerciais com entidades privadas do sector da saúde ou com alguma que estivesse sob a supervisão directa ou indirecta da DE-SNS.

    Lista dos 17 clientes do sector da Saúde detidos pela LPM. Falta a actualização para incluir a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde.

    Pelo contrário. Além do preço (com um peso de 30%), a “experiência na Área da Assessoria de Imprensa no Setor da Saúde” era um dos critérios explícitos de avaliação qualitativa das propostas, com um peso de 35%.

    Ou seja, não houve qualquer cláusula que obrigasse a uma exclusividade, para garantir independência e evitar transmissão de informação privilegiada entre a DE-SNS e clientes da empresa de comunicação vencedora.

    Deste modo, a LPM até acabou fortemente beneficiada por possuir contas de 17 clientes na área da Saúde, incluindo as sete farmacêuticas e até um hospital privado.

    Em todo o caso, este “problema” seria similar se a escolhida fosse a Creative Minds, que no seu site expõe os seus 28 clientes no sector da Saúde, embora sem incluir tantas empresas de grande dimensão. Com efeito, no meio de pequenas e médias empresas, destaca-se apenas, no sector farmacêutico, a portuguesa Medinfar.

    Pelo caminho, neste concurso, ficou a Kicab, a empresa pertencente a Rui Neves Moreira, que foi assessor de imprensa no Hospital de São João, tendo sido escolhido por Fernando Araújo para o assessorar nas primeiras fases de instalação da DE-SNS. Esse contrato, com a duração formal de 9.000 euros por apenas 25 dias de trabalho, levantou celeuma no início deste ano, por envolver um custo de 360 euros por dia.

    O contrato foi assinado em Maio, mas apenas divulgado no dia 8 deste mês no Portal Base, e surge no decurso de um concurso público, envolvendo mais duas empresas (Creative Minds e KICAB), para assessorar a equipa de Fernando Araújo a instalar uma estrutura. Na prática, a DE-SNS vai centralizar algumas das funções políticas e administrativas que estavam dispersas pelo próprio Governo e por duas entidades públicas: a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).

    O contrato, que estará em vigor dutante oito meses, não será directamente muito lucrativo para a LPM, estando dentro dos padrões do mercado para a contratação de um só assessor com alguma experiência. O preço do contrato – 22.380 euros (sem IVA), perfazendo cerca de 2.800 euros por mês, durante os oito meses de duração – até ficou ligeiramente abaixo do preço base, que era de 23.600 euros, o que denota o interesse na aquisição deste cliente público. Na verdade, por exemplo, comparando o montante deste contrato com o volume de negócios da LPM em 2021 – as contas relativas ao ano passado ainda não se encontram disponíveis –, estamos perante uma gota de água.

    Com efeito, embora conhecida por ser uma empresa de comunicação próxima do poder, o Estado e a Administração Central e Local nem são assim tão bons clientes em termos de facturação. Em 2021, as receitas da LPM totalizaram 5.976.574 euros, e os seis contratos públicos nesse período (Região de Turismo do Algarve, Direcção-Geral do Património Cultural, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género e Câmara Municipal de Almada, com dois) ascenderam aos 153.770 euros. Ou seja, o sector privado representou 97,4% da facturação da LPM.

    Chega quer explicações de Pizarro sobre definição da estratégia de comunicação do SNS por uma empresa com (demasiadas) ligações ao sector farmacêutico.

    Porém, no mundo da comunicação empresarial, ter uma porta de passagem para o poder mostra-se fundamental. E assim, mais importante do que uma verba num contrato público, ostentar na carteira um organismo estatal com o quilate da DE-SNS vale ouro.

    Mesmo quando existe em contrato uma “cláusula de direitos sobre a informação”, que estipula que a LPM não pode usar nem ceder a terceiros a informação da DE-SNS sem autorização prévia. E mesmo que as empresas de comunicação jurem, a pés juntos, que usam (ou colocam em práticas) as chinese walls, quase sempre mais míticas do que verídicas.

  • Ivermectina: Abandono de programa no Peru fez disparar mortalidade total

    Ivermectina: Abandono de programa no Peru fez disparar mortalidade total

    Em 17 de Novembro de 2020, o recém-empossado presidente do Peru, Francisco Sagasti, deu ordens para suspender um programa de administração profiláctica e terapêutica baseada na ivermectina, que começara a ser usada em Maio. Um estudo publicado este mês numa revista científica do grupo Springer Nature (a dona da Nature) revela que, afinal, a ivermectina estava a dar excelentes resultados e que a decisão política se tornou um desastre: o Peru acabou por ser o país mundial mais atingido pela pandemia. Os autores do estudo científico apontam críticas ao reguladores e à indústria farmacêutica por diabolizarem a ivermectina, e falam mesmo da pressão da Merck, que detinha a patente deste fármaco antes de ser oferecida nos anos 80 para combate à cegueira-dos-rios. A Merck estava então interessada no seu novo fármaco, o molnupiravir, que já lhe fez facturar 5,7 mil milhões de dólares. Mas não fará muito mais, porque, entretanto, apesar dos influencers da Medicina, foi já retirado do mercado por ineficácia.


    Uma análise revista pelos pares (peer review) publicada este mês na conceituada revista científica Cureus – que integra a editora Springer Nature, a dona da Nature – sugere que a decisão do antigo presidente peruano Francisco Sagasti de suspender em Novembro de 2020 o uso de ivermectina como terapêutica preventiva contra a covid-19 terá causado uma escalada de mortes naquele país sul-americano.

    O Peru destaca-se nas estatísticas internacionais como o país com maior taxa de mortalidade atribuída à covid-19 com um espantoso rácio de 6.572 óbitos por milhão de habitantes – que corresponde a 0,65% da população –, quase duas vezes mais do que o valor registado em Portugal.

    Francisco Sagasti assumiu o cargo em 17 de Novembro de 2020 e deu imediatamente ordens para terminar com o uso de ivermectina no Peru. A mortalidade por covid-19 disparou.

    Apesar de contar com apenas 33 milhões de habitantes, a mortalidade no Peru associada oficialmente ao SARS-CoV-2 foi extremamente elevada: 221.364 óbitos, ficando apenas atrás dos Estados Unidos (quase 1,17 milhões de mortes), Brasil (um pouco menos de 705 mil mortes), Índia (quase 532 mil mortes), Rússia (400 mil mortes) e Reino Unido (cerca de 228 mil mortes).

    No entanto, a generalidade destes seis países registou taxas de mortalidade entre os 2.500 óbitos por milhão e os 3.500, com excepção da Índia que, apesar do mediatismo dos números absolutos (por ter uma população de 1,4 mil milhões de habitantes) contabilizou somente uma taxa de 378 óbitos por milhão.

    O estudo com data de publicação na revista científica, desenvolvido por três investigadores, associados à Canadian Covid Care Alliance, não se circunscreveu porém a uma mera análise à mortalidade atribuída ao SARS-CoV-2, abrangendo a mortalidade por todas as causas e especificamente a que atingiu os maiores de 60 anos, para evitar factores estatísticos de confundimento. E teve sempre como referência a suspensão do uso da ivermectina – um fármaco considerado uma das wonder drugs, mas que recebeu acérrimos ataques quando começou a ser usado off label por diversos médicos e mesmo por departamentos de saúde de alguns países.

    Governo peruano implementou programa assistencial com recurso a ivermectina em larga escala em Maio de 2020, mas foi abandonado no meio de uma pressão internacional, encabeçado pela media, sobre a alegada ineficácia. O estudo agora publicado mostra que abandono da terapêutica coincidiu com subida repentina de mortalidade, e não há outros factores explicativos.

    E até foi o caso do Peru. Com o eclodir da pandemia, que registou o primeiro caso que atingiu este país no final de Fevereiro de 2020, as mortes começaram a subir, e mantiveram-se elevadas, acima dos 600 óbitos por dia (equivalente a cerca de 200 em Portugal), mesmo com um forte lockdown iniciado em 16 de Maio e que se estendeu até final de Junho. Mas enquanto decorreriam essas restrições, o Ministério da Saúde do Governo peruano, então liderado por Martin Vizcarra, implementou um programa nacional de tratamentos hospitalares e ambulatoriais com ivermectina, embora em algumas regiões o fármaco já estivesse sendo usado.

    Embora a distribuição de ivermectiva tenha sido diferente em alguns dos 24 estados peruanos, numa dezena acabou por ser alvo de um programa específico de larga escala dinamizado pelo Ministério da Defesa, a Mega-Operación Tayta (MOT), em colaboração com agências governamentais.

    Segundo os autores do estudo publicado na Cureus, “o objectivo do MOT era alcançar todas as partes de uma região-alvo usando equipas de resposta rápida em parceria com as autoridades locais de saúde”, e sempre que “essas equipes detectaram casos de covid-19 em cada casa administraram ivermectina aos doentes e familiares e forneceram comida para encorajar o seu isolamento por 15 dias”.

    Estudo científico analisou evolução da mortalidade total no grupo populacional dos maiores de 60 anos, à luz do programa de administração da ivermectina, e descarta existência de factores de confundimento estatístico.

    Tendo em conta que o uso de ivermectina para combate à covid-19 teve inícios e extensão distinta nos diversos estados peruanos, os investigadores conseguiram assim determinar a evolução da mortalidade em função da utilização daquele fármaco, retirando quaisquer factores externos que pudessem levar a conclusões enganosas.  

    De acordo com os resultados do estudo, nos 10 estados peruanos abrangidos pelo programa MOT, com a introdução da ivermectina como terapêutica e profilaxia, o excesso de mortes por todas as causas caiu em média 74% em 30 dias e em 86% ao fim de 45 dias após a data do pico de mortes. Para os 14 estados com distribuições de ivermectina administradas localmente, o excesso de mortes caiu 53% e 60%, respectivamente ao fim de 30 e 45 dias.

    Em Lima, a capital do Peru, onde os tratamentos com ivermectina foram adiados até Agosto de 2020, quatro meses após o surto inicial de pandemia, o excesso de mortes foi mais brando, caindo apenas 25% ao fim de 45 dias após a data de pico de mortes, que se verificou em finais de Maio. Esta evolução ocorreu sem existir outras explicações fundamentais, tais como a existência de novas variantes ou alterações na mobilidade da população, ou até mesmo de acréscimos de imunidade natural ou de grupo.

    Os autores do estudo – os norte-americanos Juan J. Chamie e David E. Scheim e a canadiana Jennifer A. Hibberd – concluem que, no Peru, “o uso profilático de ivermectina pode ter contribuído para a redução média de 74% no excesso de mortes 30 dias após o pico de mortes nos 10 estados abrangidos pelo programa MOT”, enquanto a redução média terá sido de 53% no excesso de mortes naquele período nos estados.

    Porém, com a destituição em Novembro de 2020 de Martin Vizcarra, e a chegada ao poder de Francisco Sagasti, que tomou posse no dia 17 daquele mês, toda a estratégia baseada no uso de ivermectina foi abandonada, no decurso de uma forte campanha mediática que diabolizou aquele fármaco, criado pela Merck, mas já sem patente. E, com efeito, de forma quase imediata, como mostram os autores da análise publicada na revista Cureus, a mortalidade total começou a crescer repentinamente até Fevereiro de 2021, conforme um gráfico que apresentam.

    E, efectivamente, os casos mortais no Peru, de acordo com os dados do Our World in Data, que estiveram abaixo dos 150 óbitos diários entre Outubro e finais de Dezembro de 2020, dispararam para valores absolutamente anormais. Em Fevereiro foram atingidos valores diários acima dos 500 óbitos atribuídos à covid-19, e em finais de Abril houve dias a superarem as 800 mortes.

    Gráfico inserido no estudo publicado na revista Cureus. Decisão política de abandono do programa da ivermectina teve consequências desastrosas.

    Os autores do estudo relatam também os bons resultados do uso de ivermectina na província indiana de Uttar Pradesh, e denunciam também a manipulação e erros em ensaios clínicos que acabaram por afectar a reputação deste fármaco de baixo custo.

    “Nas últimas décadas, os medicamentos genéricos geralmente se saíram mal perante a concorrência com ofertas patenteadas, com base na infeliz vulnerabilidade da Ciência à mercantilização e à captura regulatória”, adiantam os autores, exemplificando com o caso de uma terapia tripla para úlceras pépticas, que apresenta uma eficácia de 96%, e que agora é o padrão terapêutico, mas cujo uso foi sendo adiado até que as patentes de dois medicamentos paliativos mais vendidos para esse problema gástrico expirassem.

    E apontam ainda que “tal viés potencial contra a ivermectina foi sugerido por um comunicado de imprensa de 4 de Fevereiro de 2021 da Merck, de que estava desenvolvendo sua própria terapêutica patenteada para covid-19”, alegando que havia “uma relativa falta de dados de segurança” para a ivermectina.

    Ao contrário dos novos fármacos contra a covid-19, que antes de mostrarem eficácia contaram sempre com o apoio de influencers da Medicina, a ivermectina foi sempre um fármaco menosprezado e até “difamado”, muitas vezes catalogado de remédio apenas usado para uso veterinário.

    Com efeito, a norte-americana Merck – que oferecera a patente da ivermectina para o Programa Africano de Controle da Oncocercose (cegueira dos rios) – haveria de conceber um fármaco, o molnupiravir, sob a marca comercial Lagevrio, que obteve autorização em finais de 2021 na Europa e foi logo bastante elogiado por vários especialistas, estando à cabeça, em Portugal, o actual bastonário da Ordem do Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, e o pneumologista Filipe Froes, um médico do SNS, consultor da Direcção-Geral da Saúde e um dos mais promíscuos consultores de farmacêuticas.

    Recorde-se, porém, que o molnupiravir acabou ingloriamente os seus dias em Julho passado, depois de evidência da sua completa ineficácia. Mas antes da retirada do mercado, confirmada pelo Infarmed em 17 de Julho, a Merck embolsou com este “embuste”, e com a conivência de reguladores e o apoio de influencers de Medicina, um total de 5,7 mil milhões de dólares em receitas só no ano passado.

  • Fogo no Bairro Alto no quarteirão do PÁGINA UM

    Fogo no Bairro Alto no quarteirão do PÁGINA UM


    O incêndio que eclodiu esta manhã na Rua do Norte, em Lisboa, ocorreu em pleno quarteirão onde se situa a sede do PÁGINA UM, mas não afectou as nossas instalações. O prédio atingido encontra-se devoluto há cerca de duas décadas. e pertence à Câmara Municipal de Lisboa. Apesar de ostentar um aviso de um projecto camarário para a construção de 45 apartamentos T0, T1 e T2 nunca existiu qualquer movimentação de obras, mesmo depois do anúncio do programa governamental Mais Habitação. Só há, na verdade, propaganda municipal.

    De acordo com fontes contactadas pelo PÁGINA UM, o prédio camarário estaria a ser usado por sem-abrigos, embora se desconheça ainda as causas para o início do fogo, sendo descartado qualquer curto-circuito, uma vez que o prédio não possui instalação eléctrica operacional.

    O incêndio já foi dado como extinto, tendo sido combatido sobretudo pelos Sapadores de Lisboa, estando ainda em fase de rescaldo, mantendo-se, por agora, ainda dois veículos defronte ao edifício camarário. Houve registo de dois bombeiros com ferimentos ligeiros.

    Devido ao facto de os prédios da zona do Bairro Alto, pela sua construção mais antiga, possuírem muita madeira, o fumo ainda se mantém intenso, persistindo também nas instalações do PÁGINA UM, onde esta notícia foi escrita.

    Apesar destas circunstâncias, que obrigará a uma suspensão temporária do uso das nossas instalações, o PÁGINA UM continuará a manter o seu ritmo de trabalho.

    Enquanto isso, fazemos votos que a autarquia de Lisboa continue o seu Programa Renda Acessível, com menos propaganda e mais obra, construindo mesmo fogos de habitação. Nem que seja para evitar que os seus edifícios devolutos sejam, afinal, pastos para (outros) fogos.

  • ‘Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!’

    ‘Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!’

    O programa Falar Global da CMTV é o paradigma da actual promiscuidade entre negócios e jornalismo: o apresentador, Reginaldo Rodrigues de Almeida, é professor universitário e detém carteira profissional de jornalista, mas em paralelo é gerente da sua empresa unipessoal, a Kind of Magic, que vai assinando contratos de prestação de serviços de comunicação e publicidade. O à-vontade é tão grande que, no último programa, Reginaldo Rodrigues de Almeida até trata a presidente da Ciência Viva, com quem já estabeleceu quatro contratos com dinheiros públicos, por “minha querida”. Não se sabe se a relação com Isaltino Morais é assim tão calorosa, mas a Kind of Magic tem já uma espécie de avença anual com a autarquia de Oeiras para garantir promoção e publicidade no programa da CMTV. O Estatuto do Jornalista, se fosse cadáver, estaria agora a dar voltas na tumba.


    “Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!” – foi assim que o jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida, por entre efusivos cumprimentos a quatro mãos, se despediu de Rosalia Vargas, presidente da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência Viva, no seu mais recente programa televisivo, transmitido na segunda-feira passada na CMTV.

    Se essa excessiva informalidade num jornalista pode parecer estranha, mesmo num programa de divulgação de Ciência, acaba por se compreender num facto: Reginaldo Rodrigues de Almeida – que é jornalista com carteira profissional 5887, mas também administrador da Universidade Autónoma de Lisboa com os pelouros de Comunicação e das Relações Externas e de Acção Social – tem um larga relação de negócios com a Ciência Viva, presidida por Rosalia Vargas desde 1996.

    Reginaldo Rodrigues de Almeida, jornalista, professor e empresário, cumprimentando Rosalia Vargas. O apoio da Ciência Viva à CMTV vai para além da divulgação científica. Há, por ali, negócios que são incompatíveis com o jornalismo.

    Quer através da sua empresa unipessoal, a Kind of Magic, quer a título pessoal, Reginaldo Rodrigues de Almeida tem somado nos últimos anos contratos com a Ciência Viva, sempre por ajuste directo, para a produção de conteúdos e apoio à comunicação institucional. O Estatuto do Jornalista proíbe estas práticas, exactamente para evitar aquilo que Reginaldo Rodrigues de Almeida faz depois: promover sistematicamente Rosalia Vargas, através do seu programa Falar Global.

    Apresentado em nota final do programa como tendo o apoio da Ciência Viva, da Vila Galé e da INOV INESC, não existe no Portal Base qualquer contrato entre a Cofina, dona da CMTV, e a Ciência Viva, pelo que se deve concluir que esse apoio anunciado não será financeiro para o canal televisivo.

    Na verdade, de acordo com consultas ao Portal Base, tem sido apenas a empresa Kind of Magic Unipessoal – apenas detida por Reginaldo Rodrigues de Almeida – que tem beneficiado economicamente desta relação: Desde 2015 foram já assinados três contratos com Rosalia Vargas, sempre por ajuste directo.

    No seu programa, Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida destaca amiúde produtos tecnológicos de empresas privadas.

    O primeiro no valor de 66.000 euros, para “aquisição dos serviços de produção de documentários e reportagens relativos à história dos edifícios que albergam os Centros Ciência Viva”; o segundo em Outubro de 2019, no valor de 15.000 euros, por “serviços para produção de conteúdos para jornal impresso, para newsletters digitais, co-gestão das redes sociais e realização de entrevistas no âmbito do Ciência 2019”; e o terceiro em Maio de 2020, no valor de 12.000 euros, para “aquisição de serviços de produção e comunicação de conteúdos no âmbito do Festival da Ciência Online 2020”.

    No caso do segundo contrato, o caderno de encargos estipulou, entre outras funções incompatíveis com a função de jornalista, por serem da área do marketing, que a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida produzisse e editasse o jornal oficial do Encontro Ciência 2019 e realizasse 10 entrevistas diárias durante os três dias do evento. Um dos entrevistados foi o primeiro-ministro António Costa.

    Além desses três contratos, Reginaldo Rodrigues de Almeida ainda fez, a título pessoal, outro contrato em finais de Janeiro de 2021 com Rosalia Vargas para “aquisição de serviços especializados de apoio à estratégia de comunicação institucional da Rede de Clubes Ciência Viva na Escola”. O contrato nem sequer foi reduzido a escrito e ter-se-á executado em apenas dois dias a um custo de 17.500 euros, ou seja, 8.750 euros ao dia.

    Programa da CMTV, com ficha técnica reveladora de ser de informação, está inundado de promiscuidades: apresentador, que é jornalista, detém empresa unipessoal que assina contratos de comunicação com entidades públicas que surgem nas reportagens.

    Mas não tem sido apenas com a Ciência Viva – e com a sua “eterna” presidente – que Reginaldo Rodrigues de Almeida tem feito negócios com a sua carteira de jornalista sempre presente. No penúltimo episódio do seu programa Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida foi, como jornalista, o cicerone do programa dedicado sobretudo ao evento Ciência 2023 realizado na Universidade de Aveiro.

    Mas, em paralelo, o mesmo Reginaldo Rodrigues de Almeida, através da sua Kind of Magic, sacou 24 mil euros num contrato com a Universidade de Aveiro para a “aquisição de serviços de gestão, realização e produção de conteúdos relativos ao plano de comunicação do evento Ciência 2023, a decorrer nos dias 5, 6 e 7 de julho”.

    Ou seja, não tendo o dom da ubiquidade, Reginaldo Rodrigues de Almeida conseguiu estar no mesmo sítio – Universidade de Aveiro – a exercer duas funções, mas incompatíveis: jornalista, para o programa de informação Falar Global, e produtor de conteúdos para um plano de comunicação de um evento. Sem surpresa, no programa Falar Global, o primeiro-ministro António Costa foi entrevistado, o mesmo sucedendo com Rosalia Vargas, presidente da Ciência Viva, e também Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro, que também contratara a empresa Kind of Magic.

    No programa, o próprio Reginaldo Rodrigues de Almeida entrevista, ao longo de mais de três minutos a comissária do evento, Helena Vieira. O plano de comunicação traçado pela Kind of Magic parece coincidir com a cobertura do programa da CMTV apresentado pelo jornalista e gerente da Kind of Magic.

    Reginaldo Rodrigues de Almeida esteve na Universidade de Aveiro como jornalista, para o programa de informação da CMTV, e como gerente da Kind of Magic, exercendo o papel de produtor de conteúdos para o plano de comunicação do evento, tendo facturado 24.000 euros por esta segunda função.

    Mas há ainda uma terceira entidade que se destaca nas relações comerciais do jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida: a autarquia de Oeiras.

    Nos últimos três anos, a Kind of Magic tem conseguido, desde 2020, uma espécie de avença anual por ajuste directo para “prestação de serviços de emissão de conteúdos” de promoção do conceito Oeiras Valley no próprio programa Falar Global – que, saliente-se, é um programa de informação da CMTV, onde na ficha técnica consta os nomes dos responsáveis editoriais da televisão da Cofina: Carlos Rodrigues (director), Paulo Oliveira Lima (director executivo), João Ferreira, Pedro Carreira e Rui Quartin Costa (subdirectores).

    Embora não se conheçam todo os pormenores por não terem sido publicados no Portal Base os cadernos de encargos, os três contratos – cada um no valor exacto de 49.999,82 euros, assinados em Setembro de 2020, em Setembro de 2021 e em Dezembro 2022 – mostram similaridades.

    Por exemplo, no contrato do final do ano passado, Reginaldo Rodrigues de Almeida, gerente da Kind of Magic, garantiu à autarquia liderada por Isaltino de Morais a produção de “26 conteúdos publicitários para divulgação da marca Oeiras Valley, no programa ‘Falar Global’ da CMTV”, que é apresentado pelo jornalista… Reginaldo Rodrigues de Almeida. Note-se que os programas de informação não podem ter conteúdos publicitários, e muito menos através de jornalistas.

    Printscreen do registo como jornalista de Reginaldo Rodrigues de Almeida, retirado hoje da base de dados da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

    No seu programa, Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida destaca amiúde produtos tecnológicos de empresas privadas, mas ignora-se se existem contrapartidas financeiras, uma vez que apenas em contratos com entidade públicas é obrigatória a sua publicitação. Em todo o caso, a maioria dos trabalhos da Kind of Magic serão para empresas privadas. No ano passado, apenas terá sido assinado um contrato público de cerca de 50 mil euros, com a autarquia de Oeiras, e a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida facturou 284.427 euros.

    Saliente-se que o objecto social da Kind of Magic é vasto, mas incompatível como o Estatuto de Jornalista, uma vez que inclui a “assessoria de imprensa, marketing e comunicação” e ainda “consultoria de imagem, comunicação e de gestão”, bem como “formação nas mesmas áreas”.

    O PÁGINA UM tentou obter esclarecimentos e comentários de Reginaldo Rodrigues de Almeida sobre as actividades incompatíveis entre jornalismo e negócios, ainda mais num programa de informação, mas não obteve qualquer reacção.

  • Google e YouTube no tribunal por censurarem candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr.

    Google e YouTube no tribunal por censurarem candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr.

    De respeitável e temido (pelas corporações) advogado de causas ambientais, Robert F. Kennedy Jr. não tem tido agora vida fácil nos Estados Unidos a defender os seus princípios, sobretudo desde que, durante a pandemia, começou a tecer críticas à narrativa oficial sobre a origem do SARS-CoV-2 e a segurança das vacinas contra a covid-19. Oriundo de uma das famílias com mais história na política norte-americana, Kennedy propôs-se enfrentar o actual presidente Joe Biden nas primárias democratas a iniciar em Fevereiro do próximo ano. E acusa agora o Google e o Youtube de o censurarem numa parceria com o Governo Federal. O caso está agora nos tribunais, num processo que promete: ali se determinará se é lícito que empresas tecnológicas definam o que é ou não desinformação e penalizem sem apelo quem foge da “linha”.


    O candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr. apresentou ontem uma queixa no Tribunal do Distrito Norte da Califórnia contra o Google e a sua subsidiária YouTube. Em causa está, segundo político democrata, uma alegada colaboração entre o Google e o Governo Federal para desenvolver e aplicar regras sobre “desinformação” com o objectivo de censurar oponentes políticos da Administração Biden.

    Robert F. Kennedy Jr. – um advogado conceituado que se destacou, desde os anos 90, pela seu activismo em questões ambientais, muitas vezes contra corporações – tem sido, nos últimos anos, particularmente crítico sobre o uso de determinados produtos químicos tóxicos, questionando também a origem do SARS-CoV-2 e manifestando preocupações sobre a segurança das vacinas contra a covid-19.

    Robert F. Kennedy Jr., de respeitado advogado de causas ambientais até à censura pelas redes sociais. Sinal dos tempos modernos.

    O Google e o Youtube têm, sobretudo desde a apresentação da sua candidatura às primárias democratas, removido vídeos de Robert F. Kennedy Jr. por suposta “desinformação médica”, mesmo se,em muitos casos, nem sequer são abordados temas relacionados com a saúde pública. De acordo com um comunicado da campanha de Kennedy – sobrinho do assassinado presidente norte-americano John F. Kennedy –, o Google está a violar a Primeira Emenda, uma vez que a acção da empresa tecnológica, que controla o YouTube, se baseia numa parceria público-privada que depende de fontes governamentais.

    De acordo com um comunicado da campanha de Kennedy – que defrontará Biden nas primárias a partir de Fevereiro de 2024 –, embora o YouTube se tenha tornado “uma plataforma importante para o discurso político nos Estados Unidos, uma praça digital em que os eleitores confiam como um local para obter notícias e opiniões sobre questões do dia”, tem-se constatado que “o Google censurou inúmeros americanos por causa das suas opiniões críticas às narrativas do Governo norte-americano”. E diz ainda que “Kennedy é apenas a vítima mais proeminente dessa campanha de censura”, concluindo que “esse grau de censura de um importante candidato presidencial não tem precedentes na História americana”.

    Um dos exemplos mais paradigmáticos ocorreu em Março passado quando discursou no Instituto de Política de New Hampshire, onde Robert F. Kennedy Jr, salientou que “ uma das razões pelas quais estou pensando em concorrer à Presidência é superar a polarização tóxica que divide republicanos e democratas, permitindo que as elites capturem o nosso Governo e saqueiem o nosso país”. O vídeo foi censurado pelo Youtube, e está agora somente no Substack.

    “O Governo [norte-americano] não pode censurar seus críticos”, defende Scott Street, da JW Howard Attorneys, o advogado que lidera a acção judicial, citado pelo site da campanha de Kennedy. “O Governo não pode fazer isso directamente e não pode fazer isso autorizando entidades privadas como o Google a actuarem como censores. Esse princípio é fundamental para a democracia americana, especialmente quando se trata de discurso político; trata-se de preservar a liberdade dos eleitores para falar, ouvir e pensar por si mesmos.”

    Com esta acção, Robert F. Kennedy busca providência cautelar (injunction, em inglês) para proibir o Google de se basear nas suas políticas de alegado combate à “desinformação” para censurá-lo durante a sua campanha presidencial. O caso já foi atribuído ao juiz Nathanael Cousins.

    Apesar de ainda estar atrás de Joe Biden nas intenções de voto nas primárias do Partido Democrata, Kennedy tem conseguido granjear apoios, embora a maioria da imprensa mainstream lhe esteja a mover uma campanha de ataque reputacional. Esquecendo propositadamente o seu passado respeitável – por exemplo, foi considerado Heroe for the Planet pela Time Magazine e recebeu variadas distinções por lutas ambientais –, apelidando-o constantemente de anti-vaxxer, mesmo se ele nunca se manifestou contra as vacinas, mas sim sobre a sua segurança.

  • Empresa municipal do Porto avalia desempenho do jornal Público com um “índice de qualidade do fornecedor”

    Empresa municipal do Porto avalia desempenho do jornal Público com um “índice de qualidade do fornecedor”

    A organização de uma conferência de dois dias para celebrar o primeiro aniversário da secção de Ambiente do jornal Público esteve assente num contrato de prestação de serviços, onde se estipulou não apenas a escrita de notícias e outros conteúdos como a possibilidade de uma empresa municipal do Porto poder avaliar o desempenho com base em oito critérios. Se o Público tiver entre 86 e 100 pontos no Índice de Qualidade do Fornecedor será “Aprovado” e considerado de “elevada confiança”. Não deve ser difícil: basta (continuar a) portar-se bem.


    O Portal Base continua a espraiar, em todo o esplendor, a mercantilização da imprensa portuguesa, mas um contrato ontem divulgado naquela plataforma da contratação pública faz tudo ascender até níveis de bizarria jamais vistos: o jornal Público predispôs-se, através do estipulado no caderno de encargos de um contrato de prestação de serviços com a Empresa Municipal de Ambiente do Porto (Porto Ambiente), a ser “objeto de avaliação de desempenho” com critérios como qualidade, prazo, requisitos de facturação, flexibilidade, disponibilidade de contacto, capacidade de resolução de problemas, assumpção de código de conduta e promoção de requisitos sustentáveis.

    O caderno de encargos do denominado “procedimento pré-contratual de ajuste directo, segundo o regime geral, para a participação da Porto Ambiente na Conferência Internacional Cidade Azul”, acompanha um contrato assinado em Maio, mas somente esta segunda-feira tornado público.

    Empresa municipal do Porto pagou 15.000 euros ao Público para conferência que teve a abertura de Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto.

    Em termos concretos, o contrato de prestação de serviços foi a forma de a autarquia do Porto apoiar uma conferência do Público para celebrar o primeiro aniversário do projecto editorial Azul, um suplemento supostamente jornalístico mas associado a polémicos contratos de prestação de serviços, conforme já revelado pelo PÁGINA UM. Mas, em vez de ser um patrocínio ou apoio com contrapartidas meramente publicitárias, a Câmara Municipal do Porto quis mais.

    E assim, a empresa municipal Porto Ambiente pagou 15.000 euros para se associar, de forma dissimulada, à conferência organizada nos passados dias 11 e 12 de Maio, no Pavilhão Rosa Mota, mas com contrapartidas sob a forma de notícias. Com efeito, nos “requisitos técnicos” do caderno de encargos ficou estabelecido que o Público, além de diversas acções de promoção da autarquia do Porto, organizaria a conferência e teria a responsabilidade pela cobertura da conferência em vídeo e textos.

    No caderno de encargos ficou previsto “1 (um) conteúdo alusivo à Porto Ambiente de forma institucional e 1 (um) conteúdo alusivo ao Pacto do Porto para o Clima”, além da “inclusão de artigos no suplemento encartado do jornal Público, sobre projetos da Porto Ambiente – Pacto do Porto para o Clima, bioresíduos e sensibilização” e ainda de uma “visita à ilha de compostagem em Paranhos”.

    No segundo dia da conferência, esteve presente o Presidente da República.

    Embora neste último caso, o texto tenha sido publicado na ambígua secção Estúdio P, mas sem referência a ser publicidade da Porto Ambiente, a cobertura do evento, pago com dinheiros municipais, foi feito na secção Azul pela jornalista Aline Flor. Na sessão de abertura estiveram presentes o então director do Público, Manuel Carvalho – que não fez referência ao apoio financeiro, como contrapartida de prestação de serviços, por parte da Câmara Municipal do Porto – e o presidente desta edilidade, Rui Moreira, o financiador, que não foi assim identificado. O autarca teve seis minutos de intervenção, sem referência ao contrato de prestação de serviços.

    Na página da conferência, com a lista dos oradores, surge a referência à Porto Ambiente como co-organizadora apenas com um minúsculo logótipo, mas nenhuma referência é feita em duas notícias assinadas pela jornalista Aline Flor, tanto na do primeiro dia, como na do segundo dia, onde se destaca a presença do Presidente da República. No entanto, o “branding” estava implícito na associação entre a secção Azul, do Público, e a cidade do Porto, uma vez que a conferência foi baptizada de Cidade Azul.

    Porém, cinco dias depois, a 17 de Maio, o Público colocaria, como um artigo noticioso normal, um texto da jornalista estagiária Maria José Coelho, mas editado pela jornalista Ana Fernandes, onde se elogiou o trabalho da empresa municipal Porto Ambiente na reciclagem de resíduos durante as festas académicas na cidade.

    Caderno de encargos elenca oito critérios de avaliação do desempenho do Público na prestação dos serviços contratados pela Porto Ambiente, interferindo na linha editorial do jornal.

    Contudo, onde efectivamente se mostra a bizarrice deste acordo comercial é na cláusula 7ª sobre a “avaliação de desempenho do Contraente Privado”, isto é, do Público, cujo resultado “será divulgado anualmente”, e do qual resultará um “Índice de Qualidade do Fornecedor”, utilizando os critérios ponderados. E, aparentemente, a Porto Ambiente exige elevada excelência.

    Com efeito, para o Público ser “Aprovado”, precisa de uma classificação entre 86 e 100 pontos, de modo a ser considerado um “fornecedor de elevada confiança”, com um “risco de falha diminuto com base num histórico de desempenho isento ou quase isento de falhas”, Entre uma pontuação de 71 e 85, há lugar a um raspanete, com referência a “Sugestões de Melhoria”. Se o Público tiver esta classificação será considerado um “fornecedor de confiança”, com um “risco de falha baixo com base num histórico de desempenho regular”.

    Extracto do caderno de encargos entre o Público e a empresa municipal Porto Ambiente com a fórmula de cálculo do Índice de Qualidade do Fornecedor.

    Já se tiver menos de 70 pontos, então o Público ficará “Reprovado”, sendo considerado um “fornecedor de risco”, uma vez que o “risco de falha é elevado com base num histórico de desempenho irregular que não oferece confiança no cumprimento das obrigações”.   

    O contrato, que teve como gestora por parte da Porto Ambiente, a sua coordenadora de Comunicação e Imagem, tem outras cláusulas pouco ortodoxas para a linha editorial de um jornal, como seja a necessidade de reuniões com representantes da empresa municipal “sempre que necessário”, e através de uma “convocatória escrita” e como uma “agenda prévia contendo os assuntos a debater”.

    Por outro lado, o Público ficou com o dever de “guardar sigilo sobre toda a informação e documentação, técnica e não técnica, comercial ou outra, relativa à Porto Ambiente, de que possa ter conhecimento ao abrigo ou em relação à execução do contrato”, excepto aquela que já for pública.

  • Dona da revista Visão usa “empresa de fachada” para assinar contratos públicos

    Dona da revista Visão usa “empresa de fachada” para assinar contratos públicos

    Luís Delgado, proprietário único da Trust in News, encontrou um expediente para contornar as regras de contratação pública que impedem pagamentos a empresas com dívidas ao Estado: criou uma empresa para assinar contratos e depois canalizar o dinheiro público para a esfera das suas revistas. A TIN foi criada em Setembro de 2020 e já fez 22 contratos públicos, até com o Governo, para pagar eventos e publicidade em diversos jornais e também para subsidiar o Jornal de Letras. Este é o quarto artigo de investigação do PÁGINA UM sobre a escandalosa situação financeira da empresa que detém, entre outras, as revistas Visão, Exame, Caras e Activa e ainda o Jornal de Letras, que inclui uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros.


    Para contornar a situação de um “calote público” da Trust in News – a dona das revistas Visão, Exame, Caras, Activa e Jornal de Letras –, que em quatro ano já chegou aos 11,4 milhões de euros, o empresário Luís Delgado está a usar exclusivamente uma “empresa de fachada” para continuar a fazer contratos públicos.

    O código de contratação pública exige que, mesmo em ajustes directos, seja apresentado sempre o comprovativo de situação regularizada relativamente a contribuições para a Segurança Social e a impostos devidos ao Estado no momento de pagamento de facturas.

    Luís Delgado (à direita), único dono da Trust in News, conseguiu o prodígio de comprar revistas que ainda não pagou, usando dinheiro do Novo Banco, que ainda não reembolsou, e aumentar a dívida ao Estado em 11,4 milhões de euros. Tudo em pouco mais de cinco anos.

    Ora, para que tal não sucedesse, Luís Delgado criou em meados de Setembro de 2020 – quando a dívida ao Estado estaria já acima dos 5 milhões de euros – a TIN Publicidade e Eventos, Lda., com um capital social de apenas 100 euros.

    A Trust in News investiu 80 euros, ficando a outra quota de 20 euros em Ana Luzia Delgado, uma provável familiar de Luís Delgado, eventualmente filha, por indicar a mesma morada e ser solteira. O objecto social desta empresa, sediada no mesmo sítio onde está a gerência da Trust in News e as redacções das suas revistas, é a “promoção de eventos, produção e organização de espetáculos, publicidade e serviços de marketing, venda de conteúdos, venda e reserva de ingressos para espetáculos, organização de feiras, congressos e outros eventos similares”.

    Apesar de todas as empresas de media possuírem departamentos comerciais e de marketing, foi a TIN, tendo como gerente único Luís Delgado, que passou em exclusivo a assinar contratos com entidades públicas, mesmo quando claramente tinha a ver com negócios das revistas da Trust in News. De acordo com o Portal Base, desde 2020 foram assinados pela TIN – e não pela Trust in News – 22 contratos envolvendo 14 entidades públicas, com um montante total de 756.364 euros. Aplicando-se a lei, a Trust in News não poderia aceder a estas verbas.

    Montantes (em euros) dos contratos assinados entre entidades públicas e a TIN Publicidade e Eventos, Lda. desde Dezembro de 2020

    No primeiro ano de existência, a TIN apenas assinou dois contratos, no valor de 81.099 euros, aumentando para 264.158 euros no ano seguinte. No ano passado, os seis contratos renderam 211.218 euros. No presente ano, em pouco mais de meio ano, a TIN já facturou praticamente 200 mil euros em seis contratos.

    O mais surpreendente é que uma dessas entidades é a Secretaria-Geral da Educação e Ciência – ou seja, com o Governo – que, quase se diria religiosamente, para oficializar uma compra anual acima dos 44 mil euros de assinaturas em papel e digital do Jornal de Letras. Nos últimos três anos, apenas para assinar esse contrato, a TIN facturou 133.291 euros.

    Mesmo assim, a Câmara Municipal de Oeiras – uma das autarquias nacionais que mais dinheiro distribuiu às empresas de media – lidera no montante dos contratos com a TIN, através de dois contratos para a organização do World Press Photo. Este evento, tradicionalmente organizado pela revista Visão, propriedade da Trust in News, já deu uma receita de 159.052 euros à TIN.

    Registo das contas da TIN que mostra que não tem trabalhadores nem gastos com pessoal. Serve apenas para assinar contratos, receber dinheiros públicos e canalizá-los para a Trust in News, que tem uma colossal dívida pública.

    A terceira entidade com maiores verbas envolvidas em contratos com a TIN é o Instituto Camões, envolvendo três contratos para encartes também no Jornal de Letras, no valor de 124.463 euros. Aliás, o Jornal de Letras é um dos jornais que sobrevive sobretudo à conta de apoios deste género por parte do Estado. E isso já sucedia mesmo quando integrava o portfolio da Impresa. Porém, também o Instituto Camões estaria legalmente impedido de fazer pagamentos se fosse a Trust in News a assinar o contrato.

    Além destas entidades, destacam-se também nos apoios duas entidades tuteladas pelo Governo: a Águas de Portugal – que pagou já 60 mil euros pelo polémico patrocínio dos Prémios Verdes da revista Visão, que envolve conteúdos comerciais escritos por jornalistas, que já mereceram a intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) –, a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, entidade que responde directamente a António Costa, que pagou 17 mil euros pela “aquisição de serviços para elaboração, produção e distribuição de uma revista” na Visão durante o Verão de 2021, e ainda a Imprensa Nacional – Casa da Moeda, que pagou nos últimos anos à TIN mais de 39 mil euros por publicidade nas revistas da Trust in News.

    De resto, nas outras entidades destacam-se sobretudo Câmaras Municipais, como a de Lisboa – que, com a EGEAC, assinou contratos de quase 69 mil euros –, de Sintra (11.050 euros), Aveiro (7.000 euros) e Torres Vedras (5.100 euros).

    Existem claras evidências de a TIN ser uma “empresa de fachada” para sobretudo facilitar recebimentos em contratos públicos que exigem situação fiscal e de segurança social regularizada. Com efeito, como se observa nas contas de 2022 desta empresa, consultadas pelo PÁGINA UM, não existem trabalhadores registados nem activos não correntes. Coincidindo com a sede da Trust in News, a TIN serve, na verdade, apenas para meter o nome no contrato. Por outro lado, a totalidade das receitas – até um pouco mais, no último ano – são desviadas para a rubrica fornecimentos e serviços externos. Ou seja, tudo indica que, sendo recebido o dinheiro dos contratos, a Trust in News apresenta uma factura de serviços à TIN para receber as verbas públicas.

    frozen bubble, soap bubble, frozen
    Mafalda Anjos (à esquerda) e Natalina de Almeida (à direita) impedem o PÁGINA UM de usar fotografias de eventos públicos que divulgam nas redes sociais. O PÁGINA UM não conseguiu, apesar das tentativas, obter quaisquer comentários ou esclarecimentos de Luís Delgado.

    Em suma, este esquema permite que a TIN, que facturou em serviços e subsídios 586.634 euros em 2022, disponibilize todos os rendimentos para a Trust em News, mantendo um endividamento extremamente baixo e uma dívida ao Estado irrelevante, e apenas transitória. E a Trust in News pode continuar, livremente, a endividar-se. E, aparentemente, já com “carta branca” de Fernando Medina, uma vez que, ao longo de toda esta semana, foi-lhe pedido um comentário a esta situação, com envio de documentação, mas nunca se obteve qualquer resposta formal.

    Se assim continuar o silêncio, confirma-se que é possível uma empresa com um capital social de 10 mil euros continuar a funcionar sem problemas com uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros. E possível, sobretudo, se for uma empresa de media com determinado pedigree.


    N.D. O PÁGINA UM tem realizado esta investigação utilizando as demonstrações financeiras da Trust in News desde a sua criação em 2017, tendo feito essa aquisição junto da Base de Dados das Contas Anuasi. Por uma questão de transparência e de serviço públicos, disponibilizamos aos leitores esses relatórios financeiros relativos anos anos de 2017, de 2018, de 2019, de 2020, de 2021 e de 2022. Disponibilizam-se também as contas da TIN Publicidade e Eventos, Lda. de 2022.