Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Metam a amnistia onde o sol não brilha

    Metam a amnistia onde o sol não brilha


    Em Dezembro do ano passado, após ver-me obrigado a recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder a documentos em posse da Ordem dos Médicos, publiquei um artigo de investigação que revelava as negociações, à margem das normas da DGS, entre a Ordem dos Médicos e o almirante Gouveia e Melo para a vacinação de médicos não-prioritários em Fevereiro de 2021. Além de ser ilegal, estávamos perante uma grave falha de ética, até porque, semanas antes, Gouveia e Melo substituíra Francisco Ramos por irregularidades similares no programa de vacinação contra a covid-19, que então se iniciara num (então) cenário de escassez de doses.

    O artigo intitulava-se “Gouveia e Melo ‘mercadejou’ administração de vacinas a médicos não-prioritários uma semana após tomar posse na task force”, tendo como antetítulo “Factura ao Hospital das Forças Armadas associada a donativos não declarados de farmacêuticas à Ordem dos Médicos”. Como baseado em documentos, mostrados à luz das normas em vigor e às competências que então o actual Chefe de Estado-Maior da Armada detinha, se tivéssemos num país decente, aquele conjunto de artigos que então se publicou no PÁGINA UM daria mais do que um (nunca mais concluído) inquérito da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

    Mas como estamos num país indecente, o almirante Gouveia e Melo viu na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) uma excelente guarita para descredibilizar, não apenas o meu trabalho, como também para me punir.

    E assim, munindo-se de recursos humanos da Armada – o Almirante Gouveia e Melo mandatou o seu próprio porta-voz para apresentar uma queixa contra um jornalista sobre um assunto que nada tinha a ver com as suas funções militares –, a sua queixa foi recebida de braços abertos por dois dos membros do Secretariado da CCPJ, que lestos concluíram que eu fizera “acusações sem provas”.

    E foi-me aberta instrução, dirigida por um jornalista do Correio da Manhã com responsabilidades editoriais no CMTV. Instrução à qual, formalmente, me pronunciei em Agosto passado, segundo normas do Direito Administrativo, porque a CCPJ rege-se por normas legais, e não pelas chico-espertices e demais safadezas da quadrilha (N.B.: não é a primeira acepção do termo na Infopédia) que integra o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.

    Artigo de investigação do PÁGINA UM baseou-se em documentos obtidos após uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Andava eu, curioso, em saber que sairia da instrução do meu processo disciplinar, e eis que recebo hoje o seguinte e-mail da CCPJ, que transcrevo na íntegra (com negritos da minha responsabilidade):

    “Incumbe-me a Secção Disciplinar desta CCPJ de informar V. Exas. do despacho emitido por essa Secção e que a seguir se transcreve:

    ‘Encontra-se a decorrer a instrução do processo disciplinar nº 1/2023, sobre possível infração do dever previsto na alínea c) do nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista, punível com uma das sanções disciplinares previstas no artigo 8º do Estatuto Disciplinar dos Jornalistas, contudo, como:

    • Os factos foram praticados em data anterior a 19 de junho de 2023;
    • Os factos imputados não integram a prática de qualquer ilícito penal;
    • As sanções aplicáveis não são superiores a suspensão ou prisão disciplinar.

    (Artigo 6º – amnistia de infrações disciplinares e infrações disciplinares militares)

    Entende-se estarem reunidos todos os requisitos para que o presente processo disciplinar seja abrangido pela amnistia concedida pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, publicada no D.R. n.º 149/2023, 1.º suplemento, série I, de 2/8/2023, págs. 2 a 7 (por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude).

    Face ao exposto, e para que o procedimento disciplinar possa ser considerado extinto, vem a Secção Disciplinar perguntar a V. Exa. se não se opõe ao encerramento do processo por aplicação da referida Lei.

    A minha resposta só poderia ser a seguinte:

    Tendo sido informado de que, estando a decorrer a instrução do processo disciplinar nº 1/2023, no decurso de uma queixa do Chefe de Estado-Maior da Armada, Almirante Gouveia e Melo (que os membros do Secretariado da CCPJ, lestos, consideraram ser merecedor de infracção disciplinar, mesmo estando os factos por mim relatados a serem alvo de uma inspecção da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde), sou agora informado de um despacho emitido pela Secção Disciplinar propondo a extinção do processo ao abrigo da amnistia concedida pela Lei nº 38-A/2023.

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    Como não necessito de amnistias para defender, como jornalista, o meu trabalho que, ainda mais neste caso em concreto, reputo de rigoroso e pertinente, não poderia jamais aceitar que a CCPJ pudesse deixar no ar qualquer dúvida sobre essa matéria, pelo que aguardava com interesse a finalização da instrução do processo disciplinar.

    Donde, nem sequer agradecendo a V. “oferta”, como presente envenenado, serve a presente missiva para esclarecer que, OBVIAMENTE, oponho-me à extinção do processo disciplinar, reiterando, contudo, que a instrução não se prolongue ad aeternum. A única decisão que me satisfará é o arquivamento por ausência de quaisquer indícios de violação das normas previstas no Regulamento Disciplinar. Não preciso de outros ‘empenhos’.

    Na verdade, poderia ter sido mais sintético, e respondido com o título deste editorial: “Metam a amnistia onde o sol não brilha”.

  • Hospital de Santa Maria: Contratos do fármaco para tratar gémeas luso-brasileiras escondidos do Portal Base

    Hospital de Santa Maria: Contratos do fármaco para tratar gémeas luso-brasileiras escondidos do Portal Base


    A administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte nunca registou as compras das duas doses de Zolgensma usadas para o tratamento das gémeas luso-brasileiras, que terão beneficiado de ‘cunhas’, conforme revelou na sexta-feira passada uma reportagem da TVI. Também a compra de outra dose, administrada num outro caso mediático em 2019, não se encontra referenciada no Portal Base. De acordo com uma análise do PÁGINA UM, o Estado já terá gastado 20,7 milhões de euros em 10 doses deste fármaco, mas os custos de terapias inovadoras já vão nos 46,7 milhões desde 2018, com a introdução de outro fármaco, produzido pela Biogen. Os dois fármacos estão, contudo, longe de se mostrarem milagrosos, somando já inúmeros efeitos secundários graves, incluindo mortes, que estarão a abrandar o entusiasmo no seu uso, ainda mais tendo em conta os preços milionários praticados.


    O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – a empresa pública que gere o Hospital de Santa Maria – nunca registou no Portal Base as compras do fármaco onasemnogene para tratar em 2019 as duas gémeas luso-brasileiras e também a bebé Matilde, cujo caso espoletou uma enorme onda de solidariedade. O fármaco, comercializado sob a marca Zolgensma, tem vindo a ser usado como terapia genética para a atrofia muscular espinhal, sendo considerado um dos mais caros do Mundo. O custo por toma (única) ronda os 2 milhões de euros. O Conselho de Administração era então presidido por Daniel Ferro, que foi substituído em Fevereiro passado por Ana Paula Martins.

    De acordo com a consulta do PÁGINA UM ao Portal Base, a primeira compra registada por um hospital português ocorreu apenas em 28 de Julho de 2020, ou seja, largos meses após o tratamento das duas gémeas e da bebé Matilde. Esta compra, realizada pelo Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, não teve contrato escrito, mas terá sido para apenas uma criança, uma vez que o preço foi de 1.945.000 euros (sem IVA incluído). A justificação para a inexistência de contrato escrito, tendo a farmacêutica Avexis como adjudicatária, foi a “urgência imperiosa”. O prazo para a execução do contrato foi 157 dias, o que significa que a entrega do fármaco foi posterior a Julho de 2020.

    As gémeas luso-brasileiras Lorena e Maitê, agora com quatro anos, receberam terapia genética em 2019 num processo polémico. Contratos de aquisição não foram sequer registados no Portal Base. Foto retirada do Instagram dos pais, denominado ameemdobro.

    Tanto esta compra como uma outra realizada pelo Centro Hospitalar Universitário de São João – pelo mesmo valor em Abril de 2021 – ocorreram antes da conclusão da avaliação do financiamento por parte do Infarmed ao fármaco inventado pela Avexis, que viria a ser comprada em 2018 pelo gigante farmacêutico suíço Novartis, e actualmente denomina-se Novartis Gene Therapies.

    Com efeito, somente em 14 de Outubro de 2021, o regulador liderado por Rui Ivo Santos concluiu, apesar de reconhecer “o efeito benéfico” do onasemnogene, que “não existe demonstração de valor terapêutico em relação a um outro fármaco já no mercado, o nusinersen, comercializado sob a marca Spinraza. Este medicamento, produzido pela farmacêutica Biogen, foi o primeiro a obter autorização da Agência Europeia do Medicamento, em 2017, mas a frequência das tomas, depois das administrações iniciais, é de quatro em quatro meses.

    Como cada dose de nusinersen tem um custo de cerca de 67 mil euros, o custo anual ronda os 200 mil euros, donde a médio prazo o Zolgensma acaba por ser mais económico. Aliás, na generalidade dos novos fármacos, o preço colocado pelas farmacêuticas é definido muito em função dos custos das alternativas terapêuticas ou nas poupanças em internamentos. Daí que o Infarmed tenha salientado que “o custo da terapêutica com Zolgensma (onasemnogene abeparvovec) é inferior ao custo da terapêutica com nusinersen”.

    Hospital de Santa Maria lidera custos com terapias genéticas para a atrofia muscular espinhal.

    Em todo o caso, já depois dessa decisão, que teve como consequência a possibilidade de o Estado comparticipar a terapia com o Zolgensma, de acordo com o Portal Base apenas foram adquiridas cinco doses deste fármaco, todas pela valor unitário de 2.069.947 euros (IVA incluído): três pelo Centro Hospitalar Universitário do Porto (duas em Maio e outra em Junho de 2022), outra pelo Centro Hospitalar de Gaia-Espinho (em Maio de 2022) e outra pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (em Maio deste ano). Esta última compra de Zolgensma foi a única, até agora que teve contrato escrito.

    Considerando as compras registadas por agora no Portal Base, o Estado português já gastou assim cerca de 14,5 milhões de euros na aquisição de sete doses de Zogensma, valor que sobe para quase 20,7 milhões de euros se se incluírem as duas doses administradas às gémeas luso-brasileiras e outra à conhecida bebé Matilde, agora com quatro anos.

    Os custos nas terapêuticas para a atrofia muscular espinhal são, contudo, muito superiores, porque os gastos com a aquisição do primeiro fármaco (Spinraza, da Biogen), têm estado a aumentar. De acordo com o Portal Base, desde 2018 foram feitas 67 compras por diversas unidades hospitalares, com um custo total de um pouco mais de 26 milhões de euros. O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte é aquele que mais compras tem feito com 11,7 milhões de euros. Segue-se o hospital de Coimbra com quase 6,1 milhões de euros.

    Registo dos contratos no Portal Base para aquisição do fármaco Zolgensma, onde não constam as compras de 2019 feitas para três tratamentos em 2019.

    Este medicamento da Biogen tem sido, porém, usado por muitos mais hospitais em comparação com o fármaco da Novartis: além dos já referidos, também os centros hospitalares de São João (Porto), do Porto, de Lisboa Central, de Garcia de Orta e do Algarve já adquiriram doses de Spinraza. Deste modo, no total, o tratamento da atrofia muscular espinhal atinge já os 46,7 milhões de euros.

    E diga-se que os gastos têm tendência a aumentar, até porque Biogen e Novartis até aparentam não estar em concorrência. Ainda recentemente, em Junho deste ano, a própria Biogen divulgou aos investidores um estudo que supostamente comprovava a melhoria da eficácia do medicamento da Novartis (Zolgensma) se fosse posteriormente adicionados os tratamentos com o seu fármaco Spinraza. Saliente-se que, por ambos serem fármacos muito recentes, a sua eficácia e os perfis de segurança a longo prazo ainda não estão completamente definidos.

    Embora se tenha de considerar que as crianças em tratamento se encontram bastante vulneráveis aquando do tratamento, certo é que no portal EudraVigilance, gerido pela Agência Europeia do Medicamento, já foram notificados quatro casos fatais associados ao uso do Spinraza. Em Outubro do ano passado, após duas destas mortes, o CEO da Novartis veio a público assegurar que a falha nas estimativas de receitas daquele medicamento não se deviam a esses casos.

    Zolgensma é considerado o fármaco mais caro do Mundo, mas apresentou-se como uma terapia de uso único para substituir um medicamento da Biogen que custa 200 mil por cada ano de tratamento contínuo.

    Em relação ao fármaco da Biogen, apesar de também se dever a um maior uso em comparação com o medicamento da Novartis, os efeitos adversos também não são nada negligenciáveis. Também de acordo com o portal EudraVigilance, associado ao uso de Spinraza (nusinersen) estão notificados 173 casos fatais só no último triénio, dos quais 55 já este ano, 51 no ano passado e 67 em 2020.

    Por estas ou outras razões, as receitas deste fármaco da Biogen têm estado em declínio: em 2017 começou com uma facturação de 362,5 milhões de dólares e atingiu o seu máximo em 2019, com receitas de 543,2 milhões de dólares. No ano passado situaram-se nos 458,8 milhões de dólares, uma queda de cerca de 15% face ao máximo, algo que não constitui um bom desempenho económico para uma terapia para uma afecção crónica.

  • Elefante na sala: excesso de mortalidade total pelo quarto ano consecutivo

    Elefante na sala: excesso de mortalidade total pelo quarto ano consecutivo


    Nem depois de um morticínio sem precedentes nas últimas décadas, o número de óbitos regressa a valores normais. Nos 10 primeiros meses deste ano, a mortalidade total continua anormalmente elevada, mesmo após pandemia e considerando o envelhecimento populacional. Análise do PÁGINA UM mostra que até finais de Outubro registaram-se 3.476 óbitos a mais. São 11 mortes por dia. Mas este valor ainda se mostra mais dramático porque calculado num cenário sem ocorrência da pandemia. O Governo continua sem apresentar um relatório prometido em Agosto do ano passado sobre o excesso de mortes em 2020 e 2021. E a situação actual mostra que é preciso saber o que aconteceu em 2022 e agora em 2023.


    Até final de Outubro tinham sido contabilizados 97.199 óbitos por todas as causas e será provável que dentro de uma semana se atinja a fasquia das 100 mil mortes este ano. Dito assim, sem contexto, pode significar pouco.

    Mas numa análise estatística do PÁGINA UM, adiante-se já, estamos perante a confirmação da existência de um enorme elefante na sala: pelo quarto ano consecutivo, e apesar da já elevadíssima mortalidade de 2020 e 2021 – no decurso da pandemia da covid-19, em que se abandonou à sorte todas as outras maleitas, e antes do programa de vacinação –, o ano de 2023 continua a ser demasiado funesto. Tal como já fora o ano passado. E agora não há já o SARS-CoV-2 para culpar. Em quanto? Mais 3.476 óbitos. São mais de 11 mortes a mais por dia.

    Sendo certo que, comparando com os três anos anteriores, o período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro do presente ano apresenta já menor mortalidade (98.947, em 2020; 103.048, em 2021; e 101.861, em 2022), seria mais do que expectável que o número de óbitos fosse muitíssimo menor, por força da ‘redução’ dos mais vulneráveis. Na verdade, Portugal deveria estar a ‘beneficiar’ do morticínio de 2020, 2021 e 2022, pelo que, a não ser por um gravíssimo problema de saúde pública que está a ser escondido, numa situação normal seria expectável que o presente ano registasse um número de óbitos até inferior ao período pré-pandémico. Até porque a ‘razia’ causada pela pandemia incidiu na população mais idosa.

    Refira-se que este incremento não se pode justificar por causas demográficas, por via do aumento dos idosos na população portuguesa, porque esse acréscimo, embora evidente, não suporta o excesso de mortalidade do último quadriénio. Se analisarmos os últimos 20 anos, é expectável um acréscimo de mortalidade de apenas 525 pessoas por causa do envelhecimento populacional.

    Ora, se não houvesse pandemia nem desnorte do Serviço Nacional de Saúde (SNS) – teria sido expectável que, nos primeiros 10 meses de 2020 tivessem morrido 92.148 pessoas, mas acabou por se registar um acréscimo de 6.799 óbitos. A culpa, apontou-se então, foi toda do SARS-CoV-2. O desvio em 2021 foi ainda superior: morreram 103.048 pessoas em vez das expectáveis 92.673, ou seja, mais 10.375 óbitos. A culpa foi do SARS-CoV-2 e de não estar muita gente vacinada, assim justificaram as autoridades e dos ditos peritos.

    Mortalidade expectável (série 2004-2019) e mortalidade efectiva entre 2004 e 2023 nos 10 primeiros meses do ano. Fonte: INE e SICO. Análise: PÁGINA UM. Nota: valor de base comum do gráfico é 60.000 óbitos.

    Mas em 2022, com uma significativa redução da letalidade do SARS-CoV-2 – por via do surgimento da variante Omicron e supostamente da vacinação massiva –, o excesso de mortalidade em Portugal manteve-se ainda em valores elevados. De acordo com a análise do PÁGINA UM, o desvio nos primeiros 10 meses, face ao valor expectável, foi de mais 8.663 óbitos.

    No presente ano, e nem sequer considerando a mortalidade excessiva do triénio anterior, seria expectável que entre Janeiro e Outubro houvesse menos 3.476 óbitos do que os que efectivamente foram registados pelo Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).

    Em suma, considerando os quatro anos (2020, 2021, 2022 e 2023) houve 29.313 óbitos a mais. Estes valores já incorporam o acréscimo expectável de 5.250 mortes devido ao envelhecimento populacional, o que dramatiza mais a situação actual e dos três anos anteriores.

    Saliente-se, no entanto, que numa situação normal, após um ou mais anos de mortalidade acima da média, por via de uma crise sanitária, seria praticamente certo observar-se uma redução bastante relevante no período seguinte. Por exemplo, entre 2004 e 2019 somente em quatro anos se observou uma mortalidade muito próximo valor previsto, mas nunca houve mais do que um ano acima do valor da linha de tendência. Significa então que continuam existir causas, mesmo se desconhecidas ou escondidas, para o excesso de mortalidade.

    Excesso (vermelho) e défice (verde) de óbitos face ao valor expectável de mortalidade nos primeiros 10 meses de cada ano, tendo como referência a série 2004-2019. Fonte: INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Convém referir que o PÁGINA UM continua ainda a aguardar a decisão de um recurso no Tribunal Central Administrativo Sul para aceder à base de dados integral do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO) para analisar as causas de morte nos últimos anos, para assim identificar os desvios mais relevantes.

    Embora esta análise estatística deva ser complementada com os dois próximos meses (Novembro e Dezembro), o inexplicado excesso de óbitos pelo quarto ano consecutivo nos primeiros 10 meses, com desvios tão elevados, atinge dimensões escandalosas, só ultrapassado, talvez, pelo silêncio da imprensa mainstream (que durante a pandemia matraqueou sem ceder com número de mortes por covid-19) e pelo desinteresse cúmplice do Ministério da Saúde.

    Recorde-se que, em Agosto de 2022, a então ministra da Saúde prometeu um “estudo aprofundado” sobre o excesso de mortalidade. Tanto a elaboração do estudo como o excesso de mortalidade continuam, embora sem confirmação no primeiro caso, face ao número de meses que já leva. E ambos, tanto o estudo como o excesso de mortalidade, não têm data para terminar.  

  • Global Media: beneficiário do fundo das Bahamas é um especulador ‘globetrotter’ francês de 40 anos

    Global Media: beneficiário do fundo das Bahamas é um especulador ‘globetrotter’ francês de 40 anos


    Parece um jogo do gato e do rato. Ontem, a Global Media actualizou finalmente a sua estrutura acionista e identificou o fundo das Bahamas como sócio da empresa que detém a maioria do capital e o controlo da maioria dos oito membros do Conselho de Administração. Mas ‘esqueceu-se’ de dizer qual o homem que está mesmo por detrás do fundo. Já não precisa de esconder mais: o PÁGINA UM encontrou-o no Registo Central do Beneficiário Efectivo. O novo homem-forte do grupo de media – que gere o DN, JN e TSF – é mesmo novo: Clement Ducasse é um francês de 40 anos, mas que, contudo, mostra ser uma ‘raposa velha’ no lucrativo mundo das offshores, surgindo referenciado nos Paradise Papers.


    Foram três, mas deveriam ter sido quatro. Na comitiva da administração da Global Media – proprietária do Diário de Notícias, do Jornal de Notícias e da TSF – ontem recebida em audiência pelo Presidente da República, estiveram apenas presentes Paulo Lima de Carvalho, José Paulo Fafe e Diogo Agostinho. O trio deveria ser um quarteto para reflectir a nova imagem deste grupo de media.

    Mas se os conhecedores do estrito mundo da imprensa nacional pensam que o quarto, com falta de comparência, seria Marco Galinha, o ainda CEO da Global Media, desenganem-se: quem faltou mesmo foi o francês Clement Ducasse, o novo mas ainda ‘escondido’ homem-forte, que, mesmo se indirectamente, através da World Opportunity Fund, passou desde o mês passado a controlar um dos mais importantes grupo de media nacionais. O PÁGINA UM pode garantir que é este o homem, e não uma empresa que co-fundou (Union Capital Group), por detrás da cortina de um estranho negócio que coloca importantes jornais e rádios a serem controlados a partir das Bahamas, um país das Caraíbas.  

    O francês Clement Ducasse é o beneficiário efectivo do fundo das Bahamas que controla agora a Global Media.

    Apesar de rodeado de grande secretismo, a venda de 51% das quotas da empresa Páginas Civilizadas concretizou-se, como anteontem o PÁGINA UM revelou, apenas no  passado dia 23 de Outubro com o registo no Portal do Ministério das Finanças da nova estrutura societária, confirmando-se assim que Marco Galinha ‘renunciou’ ao controlo indirecto da Global Media. O líder do Grupo Bel, que entrara no mundo da imprensa em 2020, possui agora uma participação pouco relevante tanto na Páginas Civilizadas como na Global Media.

    Com efeito, por via da aquisição de 51% das quotas da Páginas Civilizadas, que tem um valor de apenas 1,4 milhões de euros, a World Opportunity Fund Ltd tem agora direito a indicar dois dos três gerentes, o que implica que passará também a ter direito de controlo sobre a Global Media. Como a Páginas Civilizadas detém directa e indirectamente 50,23% da Global Media (e também 22,35% da Agência Lusa), será Clement Ducasse que determinará a escolha do CEO do grupo de media e uma parte do Conselho de Administração, actualmente constituído por oito membros.

    De acordo com a pesquisa inicial do PÁGINA UM, soube-se que a World Opportunity Fund Ltd – sedeada no Winterbotham Place Marlborough & Queen Street, em Nassau, nas Bahamas – está cotado na Bahamas International Securities Exchange como fundo mutualista regulado, sob controlo da The Winterbotham Trust Company Limited.

    Paulo Lima de Carvalho, José Paulo Fafe e Diogo Agostinho, administradores da Global Media, ontem no Palácio de Belém, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

    Esta gestora de activos tem, apenas naquele país das Caraíbas, a responsabilidade de administrar 35 fundos distintos, entre os quais o White Conch Fund, World Oil System Fund, Victorem Global Performance Fund, Quercus Multi-Strategy Fund, Planifolia Trade Finance Fund, Envision Special Fund, Americas Energy Growth Fund, OCIM Mining Fund, Emerging Energy Services Fund e AsiAmerica Fund.

    Mas apesar de se saber que o fundo está integrado no Winterbotham Group, fundado em 1990 por Geoffrey Hooper, uma holding financeira que inclui uma panóplia de negócios a partir das Bahamas – com empresas-filhas localizadas em Porto Rico, Ilhas Cayman, Uruguai, Hong Kong e Austrália – não havia uma confirmação oficial independente sobre quem, pessoa ou empresa, detinha o controlo efectivo do investimento.

    Na verdade, somente ontem a Global Media procedeu no Portal da Transparência ao registo da alteração da estrutura societária da Páginas Civilizadas. E consegue-se provar isso de uma forma simples: o PÁGINA UM gravou a consulta do registo no dia 1 de Novembro, e não havia então sinais do fundo das Bahamas.

    Mas uma consulta específica na base de dados do Registo Central do Beneficiário Efectivo do Ministério da Justiça deu um nome em concreto: Clement Ducasse, que, curiosamente, continuava sem estar associado ao World Opportunity Fund Ltd, sócio maioritário da Páginas Civilizadas, no registo alterado ontem no Portal da Transparência dos Media, gerido pela ERC.

    Nascido na França, Clement Ducasse fará 41 anos dentro de duas semanas e está no mundo dos negócios desde os 24 anos, quando, depois de um bacharelato em Administração de Empresas na ESSEC Business School em Paris, co-fundou a Union Capital Group, tendo a partir daí expandido actividades e dinheiros pelos quatro cantos do Mundo, com especial incidência nas Bahamas (onde está sedeado o Capital Union Bank), Dubai, Hong Kong, Singapura, Suíça, Taiwan e Estados Unidos.

    Na sua nota biográfica, Ducasse refere que a Union Capital Group, fundada em 2006, “se tornou uma bem-sucedida consultora financeira especializada em mercados de capitais, derivados e soluções estruturadas, dedicada ao setor de private banking na Suíça, Europa e América Latina”, e diz ainda, sobre si, que “acredita que nesta fase de elevada polarização da riqueza, uma abordagem transparente e baseada em parcerias com os investidores acabará por prevalecer sobre soluções escaláveis ​​e orientadas para a tecnologia”. Além destas funções, o investidor francês apresenta-se como administrador da Lake Geneva Investments Partners. Mas é quase impossível encontrar o rastro a todos os seus interesses, porque entra e sai de empresas com a maior das facilidades, em qualquer parte do Mundo. E com a maior diversificação. Ducasse tem mesmo negócios no sector da música, no seu país-natal.

    Diário de Notícias é o mais antigo jornal de âmbito nacional de Portugal. Vai passar a ser ‘gerido’ a partir das Bahamas.

    Aquilo que Clement Ducasse não diz nada é sobre as suas ligações a um vasto conjunto de empresas em paraísos fiscais, o que acabou por o levar a ser identificado por ligações a diversas empresas associadas aos Paradise Files, divulgados em 2017 pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ). Operando a partir de Genebra e de Nassau, nas Bahamas, o novo homem-forte da Global Media tinha ligações – como accionista, director ou representante legal – a cinco entidades apanhadas na “teia” dos negócios de paraísos fiscais.

    O PÁGINA UM enviou questões a Clement Ducasse, endereçando mensagens para duas das empresas onde detém interesses, mas nenhuma teve resposta.

  • Sai mais uma ciclogénese explosiva, um rio atmosférico e um comboio de tempestades para a mesa do canto…

    Sai mais uma ciclogénese explosiva, um rio atmosférico e um comboio de tempestades para a mesa do canto…


    Sou um jornalista que adora mistérios – que, na verdade, revelam tão-só uma coisa: ignorância. E adoro mistérios porque detesto a ignorância. A minha própria, para começar.

    E, por isso mesmo, por pura ignorância minha continua a ser um mistério para mim os recorrentes temas abordados pela directora-adjunta do jornal/rádio Observador, Filomena Martins.

    gray asphalt road under gray clouds

    Por Zeus!

    Por Hermes!

    Por Tyche!

    Por Néfeles!

    Por Zéfiro!

    Por Éolo!

    Por Bóreas!

    Por Notus!

    Por todos os Anemois!

    Por Tutatis!

    Filomena Martins diz, na sua biografia, que “depois da paixão pela história e da prática obsessiva na área da arqueologia”, acabou licenciada em Comunicação Social, tendo passado pelo Record, Correio da Manhã, Sábado e Diário de Notícias, antes de ingressar em Março de 2015 no Observador. E conclui: “O resto é história”.

    Não é só história; é meteorologia também, mas da dura, ao melhor estilo do jargão meteorológico, onde não há apenas chuva, sol, humidade relativa, pressão atmosférica e, vá lá, um ‘anticiclonezito’ dos Açores.

    Não. A directora-adjunta do Observador – que em 44 textos escritos este ano, 34 vezes dedica-os à meteorologia – não é assim tão simplista. Por exemplo, hoje anuncia que a tempestade Domingos “não será tão devastadora como a sua ‘irmã’ Ciarán, porque a ciclogénese explosiva se produzirá no mar”.

    Na pena de Filomena Martins, aquilo que em tempos não muito longínquos seria, enfim, um temporal outonal – cujos estragos causados se devem mais ao péssimo planeamento biofísico do território (o saudoso arquitecto Ribeiro Teles explicava isso muito bem) e à ainda pior gestão de equipamentos urbanos (a começar pelas sarjetas) – transforma-se numa “das mais violentas tempestades a atingir o Reino Unido nesta altura do ano”, sendo a “depressão mais grave e profunda da temporada”; é, enfim, “trocando por miúdos”, para citar textualmente a directora-adjunta do Observador, é “um ciclone bomba”.

    E porquê? Porque, explica ela, “a forma como evoluiu o tornou raro, mesmo muito raro. Falamos de uma tempestade em que a pressão atmosférica deve cair 29 hPA num só dia, quando o limite de uma ciclogénese já explosiva na nossa latitude costuma ser de 20/24 hPa em 24 horas. Ou seja, a intensificação vai acontecer de uma forma extremamente rápida, daí tornar-se tão violenta”.

    Eis o melhor estilo do atirar um número ao calhas e com uma unidade sobre a qual o vulgo nada sabe e a jornalista nada explica. Só para impressionar e assustar. Ah!, já agora hPa são hectoPascais, que são 100 Pascais, coisa que a jornalista Filomena Martins acha que não precisa de dar nem de contextualizar. Antigamente, usava-se mais os bares, mas agora não deve ser tão vendável… As voltas que o circunspecto Anthimio de Azevedo deve estar a dar…

    green leaf tree under cloudy sky

    Tudo nos textos meteorológicos de Filomena Martins – que seguem uma escola, mas em que ela se transforma em sacerdotisa – remetem para o trágico, fatal, sinistro, aterrorizante, cruel, diabólico – e patético, acrescento eu.

    Nunca na minha vida (como técnico e como jornalista), em que me debrucei e li muito sobre eventos meteorológicos extremos, alguns com tendência crescente de frequência, tinha assistido, como no último ano, a títulos da imprensa como – e vou citar títulos da Filomena Martins – “rio atmosférico atravessa centro do país”, ou ainda “Portugal atingido por um comboio de tempestades”, ou ainda “Furacão Franklin+DANA espanhola = nova tempestade”, ou ainda “Oscar: vem aí uma tempestade rara para esta altura do ano. E pode trazer um “rio atmosférico” na quarta-feira”, ou ainda “Esta quarta foram batidos seis recordes de temperaturas de abril. Mas o pior chega amanhã”, ou ainda “Vêm aí dois dias com umas gotas de chuva. E depois uma semana de forno, em que se pode chegar aos 35ºC”, nestes casos sempre com mapas de amarelo para cima e nunca muito abaixo de vermelho, que melhor sempre se mostra meter encarnado em cima de vermelho.

    A loucura que se passou na pandemia – com a comunicação social a desejar e a promover o “quanto pior, melhor” – está agora a tentar seguir o seu caminho com as alterações climáticas, onde se confunde e exagera cada evento meteorológico diário, como se fosse, cada pingo de chuva ou cada subida de nível do mercúrio, uma prova irrefutável do aquecimento global.

    Como tenho defendido, e continuarei a defender, existem evidências de uma intensificação de fenómenos climáticos em determinadas regiões do Mundo que devem merecer acção – e mais de adaptação já do que de inversão de emissões –, mas não pactuo com falácias, nem hipocrisia e não assino linhas de comunicação que assentam no susto, no pavor, na manipulação. Ainda há duas semanas abordei essa questão num absurdo artigo do Expresso sobre a Torre de Belém.

    Pior ainda, sou visceralmente contra a banalização comunicacional de eventos meteorológicos, através da emissão de constantes alertas amarelos, laranjas e vermelhos pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). E sou contra o uso de jargão técnico que, no contexto do quotidiano, são percepcionados de uma forma distinta. Não cuidar da comunicação, exagerando e exacerbando, faz-me sempre lembrar a história do lobo e do Pedro: com tanto alerta, certo dia ninguém acreditará nas Filomenas Martins – como eu já não acredito.

    E isso não é necessariamente bom, nem sequer para as causas que supostamente certos jornalistas, por moda, defendem sem saberem da poda. E sou sobretudo contra este nível de comunicação porque serve para desculpar tudo e um par de botas, como se tem visto com o (contínuo) excesso de mortalidade em Portugal.

  • Covid-19: Governo socialista paga à Sanofi e GSK 90.823 euros por cada dose injectada

    Covid-19: Governo socialista paga à Sanofi e GSK 90.823 euros por cada dose injectada


    Os polémicos acordos de aquisição prévia (APA) de vacinas contra a covid-19 concederam milhões e milhões às farmacêuticas através de contratos leoninos. Mas quem se atrasou nos ensaios clínicos deveria ficar sem nada, porque os APA deixavam de vigorar. Seria o caso do consórcio da francesa Sanofi e da britânica GlaxoSmithKline que produziram a vacina VidPrevtyn. Mas o Governo português quis ser benevolente e, sem qualquer obrigação e em cenário de excesso de oferta, comprou-lhes mais de 830 mil doses. Para nada, a não ser desviar 7,2 milhões de euros dos contribuintes portugueses para os bolsos dos accionistas das duas farmacêuticas. Segundo um organismo da União Europeia, até ao mês passado, foram administradas em Portugal apenas 79 doses da VidPrevtyn. Ou seja, 0,0095% do total comprado. E a probabilidade de um português vacinado ter recebido uma dose desta vacina é de 0.0003%.


    Os acordos de aquisição prévia (APA) de vacinas contra a covid-19 concederam milhões e milhões às farmacêuticas em contratos leoninos com compras garantidas. Mas, sabe-se agora, que até quem se atrasou nas aprovações dos ensaios clínicos, e que deixou de estar abrangido pelos APA, teve direito ao seu quinhão graças à ‘benevolência’ do Governo português. Foi o caso da francesa Sanofi e a britânica GlaxoSmithKline (GSK).

    Como vincou recentemente o próprio Tribunal de Contas numa auditoria à gestão das vacinas contra a covid-19 , não havia obrigatoriedade de qualquer compra da vacina da Sanofi e da GSK, baptizada de VidPrevtyn. Mas o Governo português, mesmo já num cenário de excesso de oferta, em finais de 2022, comprou-lhes 830.440 doses. Para nada, adiante-se já, a não ser o benefício para os accionistas da Sanofi e GSK que receberam 7,2 milhões de euros dos contribuintes portugueses.

    E diz-se para nada, em temos de eventual benefício de imunização, porque, segundo um organismo oficial da União Europeia, em Portugal, até ao mês passado, foram administradas apenas 79 doses da VidPrevtyn. Ou seja, 0,0095% do total comprado. Como a validade é curta, o lixo é o destino final.

    Inicialmente, em 2020, a Sanofi e a GSK até estavam optimistas na ‘corrida às vacinas’, tendo sido das primeiras farmacêuticas a assinarem os polémicos contratos com a Comissão von der Leyen. O acordo – do qual apenas se conhece uma versão cheia de rasuras – foi celebrado em 18 de Setembro de 2020, mesmo antes dos contratos assinados com a Pfizer e com a Janssen, respectivamente, em Outubro e Novembro desse ano.

    Mas enquanto a Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen conseguiram acelerar os ensaios e obter autorizações da Agência Europeia do Medicamento (EMAS) ainda em 2020 ou início de 2021, a vacina da Sanofi e a GSK foi sofrendo atrasos sucessivos. E só conseguiu aprovação em 10 de Novembro de 2022, ou seja, já com a procura de vacinas em forte declínio e com os países europeus inundados de doses adquiridas ao abrigo dos APA, mas que já não conseguiam escoar.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, celebrou contratos secretos com as farmacêuticas.

    O enorme atraso face à concorrência teve assim também uma consequência nefasta para a Sanofi e a GSK. Conforme uma recente auditoria do Tribunal de Contas salienta, “existia uma garantia de compra, por parte dos Estados-Membros, de todas as doses iniciais a eles alocadas, salvo quanto à vacina Vidprevtyn [Sanofi e GSK)], cuja compra era facultativa”.

    Contudo, mesmo havendo excesso, e não sendo assim obrigatória nem necessária qualquer aquisição, o Governo decidiu comprar à mesma as vacinas Vidprevtyn. De acordo com referências que surgem no relatório do Tribunal de Contas, numa nota de rodapé da página 51, numa primeira fase o Governo português até decidiu cancelar uma encomenda à Sanofi e GSK de 19.200 doses, mas acabou por pagar-lhes 165.888 euros a título de “indemnização”, ou seja, 8,64 euros por dose não entregue.

    No entanto, depois disso o Governo acabou mesmo assim por comprar, a partir de Novembro do ano passado, um total de 830.440 doses, conforme consta de um quadro do relatório do Tribunal de Contas. Considerando o custo unitário de 8,64 euros, o preço destas vacinas atingiu assim quase 7,2 milhões de euros.

    Quadro retirado da página 51 do Relatório n.º 13/2023 do Tribunal de Contas intitulado “Auditoria à vacinação contra a COVID-19“, com data de Setembro de 2023, que lista as vacinas por marca efectivamente encomendadas.

    Poder-se-ia defender que a aquisição da vacina Vidprevtyn fazia sentido se alguma vantagem clínica houvesse sobre a concorrência. Não foi o caso. Na altura da aquisição, em finais de 2022 e já no início deste ano, decorria então o terceiro reforço (booster), estando já vacinada praticamente toda população mais idosa. Os menores de 50 anos manifestaram uma procura diminuta. E as novas vacinas da Sanofi e GSK foram colocadas não nos braços dos portugueses, mas no canto dos armazéns frigoríficos.

    Com efeito, as doses da vacina Vidprevtyn – que, repita-se, não eram de compra obrigatória, ao contrário das da Pfizer, Moderna, Janssen e AstraZeneca – praticamente não saíram das embalagens. Embora o Tribunal de Contas não chegue a debruçar-se sobre o desperdício em concreto das doses da vacina Vidprevtyn – mas refere, por exemplo, que na vacina da Novavax “o desperdício foi de quase 100% das doses encomendadas –, sabe-se, na verdade, quantas foram efectivamente administradas até ao passado dia 5 de Outubro.

    Assim, com registo obtido hoje a partir do site do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) – um organismo oficial da União Europeia –, verifica-se que, de um total de 28.3 milhões de doses administradas em Portugal, a vacina Comirnaty (Pfizer) foi a mais usada, com quase 18 milhões de doses (63,5% do total), a que acrescem mais 2,9 milhões da ‘versão’ bivalente (10,3%). Ou seja, em cada 10 doses administradas em portugueses, mais de sete foram produzidas pela Pfizer. As receitas da venda das vacinas contra a covid-19 por esta farmacêutica norte-americana totalizaram cerca de 74,6 mil milhões de dólares em 2021 e 2022 a nível mundial. Muito mais atrás surge a Spikevax, da farmacêutica Moderna, com 3,9 milhões de doses em Portugal, se incluirmos a bivalente, representando assim 13,9% do total administrado.

    Quantidade de doses de vacina contra a covid-19 administradas em Portugal por marca até 5 de Outubro de 2023. Fonte: ECDC.

    Já com pouca expressão, muito decorrente dos efeitos secundários detectados, surgem as vacinas da AstraZeneca (Vaxzevria) e da Janssen, com 2,3 milhões (8%) e 1,1 milhões (4%) de doses, respectivamente.

    E depois destas, surgem então mais cinco vacinas sem qualquer expressão: as duas vacinas de origem chinesa – Sinovac e Beijing CNBG – tiveram administradas 12.864 e 5.619 doses, respectivamente; a vacina Nuvaxovid foi dada a 338 pessoas, a Covaxin a 244 pessoas e, por fim, a VidPrevtyn foi administrada a… 79 pessoas. Exacto: 79 pessoas, o que significa 0.0003% do total das doses administradas.

    Ou seja, o Governo português, podendo optar por não comprar as 830.440 doses à Sanofi e GSK, porque nem sequer faziam falta, poupando assim cerca de 7,2 milhões de euros às finanças públicas, acabou por gastar esse dinheiro para injectar 79 pessoas. Perante o excesso de oferta de outras vacinas, de compra obrigatória, significa assim que o Governo pagou, por cada dose efectivamente administrada da vacina VidPrevtyn, um total de 90.823 euros.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário sobre esta matéria do Ministério da Saúde, mas como habitualmente sem sucesso.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde, recusa mostrar contratos das compras de vacinas. Mesmo daquele contrato que resultou num custo efectivo de 90.823 euros por dose administrada.

    Recorde-se que o PÁGINA UM tem, desde 31 de Dezembro do ano passado, uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o Ministério do Manuel Pizarro a entregar os contratos das vacinas contra a covid-19, mas expedientes dilatórios e tentativas de ludibriar a juíza do processo estão a adiar uma decisão.

    Recentemente, o Ministério da Saúde conseguiu convencer a juíza do processo no Tribunal Administrativo de Lisboa de que os contratos entre a Direcção-Geral da Saúde e as farmacêuticas estariam no site da Comissão Europeia, o que é falso. Certo é que a juíza solicitou então a tradução desses alegados documentos, dando cinco dias para entrega. Mas o Ministério da Saúde conseguiu uma prorrogação de 30 dias e, na semana passada, mais uma segunda prorrogação de mais 20 dias, concedida pela juíza em novo despacho, fazendo com que uma intimação urgente esteja ao fim de 10 meses no mesmo sítio que começou.


    N.D. Caso queira fazer um donativo dirigido em exclusivo ao FUNDO JURÍDICO, para suportar as despesas com os processos de intimação do PÁGINA UM, utilize preferencialmente a plataforma do MIGHTYCAUSE. Se preferir usar outros meios, pode assim recorrer mas agradecíamos um aviso para procedermos ao depósito na plataforma. Se necessitar de esclarecimentos, escreva-nos para geral@paginaum.pt.

  • Novo ‘patrão’ da Global Media integra empresa ‘complexa’ com 35 fundos nas Bahamas

    Novo ‘patrão’ da Global Media integra empresa ‘complexa’ com 35 fundos nas Bahamas


    E fez-se alguma luz, mas ainda há muitas sombras. O registo do negócio entre o empresário Marco Galinha e a World Opportunity Fund associado à principal accionista da Global Media mostra que o fundo das Bahamas não vem só pelo investimento, mas sim para controlar a gestão dos órgãos de comunicação social como o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias e a TSF. Mas aquilo que continua sem se saber é quem está por detrás do investimento, para o qual bastaram 1,4 milhões de euros. No entanto, uma investigação do PÁGINA UM revela quem é a empresa gestora do fundo das Bahamas, a Winterbotham Trust Company Limited, que, além de gerir mais 34 fundos nas Caraíbas, foi identificada no Bahamas Leaks, num processo subsequente ao Panama Papers, revelado pela Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.


    Apenas através da compra de uma quota no valor de 1,4 milhões de euros, um fundo das Bahamas, sobre o qual se ignora os investidores, vai passar a controlar a administração dos periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias, bem como a rádio TSF. A confirmação advém da concretização do negócio já anunciado no mês passado, mas que apenas foi registado no Portal do Ministério das Finanças na segunda-feira da semana passada, dia 23 de Outubro, e que permitirá agora que o World Opportunity Fund Ltd indique dois dos três gerentes da empresa Páginas Civilizadas, a principal accionista da Global Media. Recorde-se que a Páginas Civilizadas, um ‘veículo empresarial’ criado por Marco Galinha em 2020 para entrar no negócio dos media – detém directa e indirectamente 50,23% da Global Media e também 22,35% da Agência Lusa.

    De acordo com a informação consultada pelo PÁGINA UM sobre a alteração do contrato, a World Opportunity Fund Ltd – sedeado no Winterbotham Place Marlborough & Queen Street, em Nassau, nas Bahamas – adquiriu 51% da Páginas Civilizadas, por duas vias: um lote de 38% comprado à Palavras de Prestígio (detida integralmente pelo Grupo Bel de Marco Galinha) e outro lote de 13% adquirido directamente ao Grupo Bel. Deste modo, a Páginas Civilizadas passou a ter quatro sócias: a World Opportunity Fund Ltd, com 51%; a Norma Erudita – com 28,6%, sendo que a maioria desta empresa (51%) é detida pelo Grupo Bel e a restante parte por uma empresa do empresário de resinas António Mendes Ferreira –, e a Palavras de Prestígio e o próprio Grupo Bel, com 10,2% cada.

    Marco Galinha vendeu maioria das quotas da principal accionista da empresa que controla Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF.

    No entanto, embora a maioria da quota já lhe concedesse um direito dominante, o acordo assinado estabeleceu uma norma específica da estrutura de gestão para clarificação, prevendo-se que o conselho de gerência passasse a ser “composto por três gerentes, dividido em dois grupos” específicos. O denominado grupo A, com dois gerentes, será controlado em exclusivo pelo World Opportunity Fund Ltd, ficando o terceiro elemento na decisão do Grupo Bel.

    Como a Páginas Civilizadas tem a maioria dos votos na Assembleia Geral da Global Media – e esta empresa tem, neste momento, oito membros do Conselho de Administração –, será previsível que o fundo das Bahamas também queira exercer influência maioritária no grupo de media. Mesmo com mexidas nos últimos meses, os interesses de Marco Galinha, através do Grupo Bel, permitiam-lhe dominar o Conselho de Administração da Global Media, onde actualmente apenas Kevin Ho King Lun – um dos accionistas, com 23,35% – não está sob seu controlo.

    Esta alteração da estrutura de gerência da Páginas Civilizadas clarifica, de forma evidente, que o World Opportunity Fund Ltd não pretendeu apenas fazer um investimento, para diversificar rendimentos, mas sim que pretende ter uma acção directa e controladora na gestão de um dos mais importante media portugueses, com históricos periódicos como o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias, ambos fundados no século XIX.

    Diário de Notícias é o mais antigo jornal de âmbito nacional de Portugal.

    Mas, continua a subsistir a questão fundamental: quem está por detrás deste fundo das Bahamas?

    De acordo com a pesquisa do PÁGINA UM, o World Opportunity Fund Ltd está cotado na Bahamas International Securities Exchange como fundo mutualista regulado, sob controlo da The Winterbotham Trust Company Limited. Esta gestora de activos tem, apenas naquele país das Caraíbas, a responsabilidade de administrar 35 fundos distintos, entre os quais o White Conch Fund, World Oil System Fund, Victorem Global Perfomance Fund, Quercus Multi-Strategy Fund, Planifolia Trade Finance Fund, Envision Special Fund, Americas Energy Growth Fund, OCIM Mining Fund, Emerging Energy Services Fund e AsiAmerica Fund.

    No caso específico do sócio maioritário da Páginas Civilizadas não está disponível qualquer informação na bolsa de valores das Bahamas, dando erro quando se procura informação detalhada. Deste modo, desconhece-se assim o património ou carteira de investimentos, bem como a pessoa responsável pela gestão.

    No entanto, a empresa gestora do fundo que agora controla a Global Media não é assim tão desconhecida. Integrada no Winterbotham Group, fundada em 1990 por Geoffrey Hooper, a The Winterbotham Trust Company Limited apresenta-se como um banco e empresa fiduciária, administradora e correctora de fundos de investimento a partir das Bahamas, fazendo parte de uma panóplia de empresas-irmãs localizadas em Porto Rico, Ilhas Cayman, Uruguai, Hong Kong e Austrália.

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    Gestora do fundo que controlará a Global Media também administra mais 34 fundos de investimento nas Bahamas.

    O Winterbotham Group detém também interesses no sector imobiliário, segurador e até na gestão de carreiras desportivas, através da SeventyTwo Sports Group. Por exemplo, o tenista russo Andrey Rublev, actual número 5 do ranking ATP, é um dos clientes desta empresa.

    Mas o facto de a gestão do fundo World Opportunity Fund Ltd – formalmente considerado em Portugal uma empresa, que agora até possui um número fiscal (980798116) – ser feita pelo Winterbotham Group não significa que seja esta empresa que vá controlar efectivamente a Páginas Civilizadas, e em consequência a maioria da administração da Global Media, dona do Jornal de Notícias, Diário de Notícias e TSF e accionista da Agência Lusa.

    Sendo sobretudo um veículo financeiro e de investimento, com regras, os fundos de investimentos podem ser abertos ou fechados, sendo que, neste último caso, quem controla são o(s) detentor(es) do capital que formou o fundo. Ora, no caso do World Opportunity Fund essa informação não está disponível, ainda mais por estar num paraíso fiscal. No limite, e por hipótese académica, qualquer pessoa com recursos financeiros pode ser o investidor. Até o próprio Marco Galinha.

    Certo é que quem investiu – e convém recordar que um fundo de investimento procura apenas rendimentos – dificilmente contará com um retorno a curto prazo: desde 2017, a Global Media acumula 42 milhões de euros em prejuízos. No entanto, a Páginas Civilizadas pode não reflectir esses prejuízos, por não ser uma holding da Global Media, e até conseguir canalizar receitas dos media que controla para obter lucros.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social ainda não obrigou a mostrar o beneficiário efectivo da World Opportunity Fund.

    Para aumentar mais as dúvidas sobre quem, de facto, controlará um dos mais relevantes grupos de media português, acrescente-se que a Winterbotham Trust Company Limited foi identificada no Bahamas Leaks, num processo subsequente ao Panama Papers revelado pela Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. De acordo com o registo da Consórcio, a gestora do fundo que controla agora a Global Media teve 2303 entidades relacionadas com o Bahamas Leaks.

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) poderá obrigar, contudo, se assim desejarem os membros do Conselho Regulador, a Páginas Civilizadas a identificar quem está por detrás do fundo. Mas até agora, no Portal da Transparência dos Media, ainda continua desactualizada a informação respeitante à estrutura societária da Páginas Civilizadas, não estando sequer identificado o novo sócio, a World Opportunity Fund Ltd, nem o beneficiário efectivo. Talvez, antes do regulador ‘acordar’, o PÁGINA UM venha a encontrar o fio à meada que ainda falta.

  • Eu quero estar no ranking dos jornalistas mais odiados pelas agências de comunicação

    Eu quero estar no ranking dos jornalistas mais odiados pelas agências de comunicação


    Quando se pensa que já se chegou ao fundo do poço, há sempre alguém que puxa por uma picareta e continua a cavar. Se estiver muito duro, vai mesmo com martelo pneumático. É neste estado que se encontra o jornalismo português: ainda longe de atingir um fundo por mais baixo que esteja.

    O caso da eleição pelos funcionários das agências de comunicação – que trabalham para empresas privadas e instituições públicas – dos “jornalistas mais admirados”, ou amados, e também do top 15 das equipas de jornalistas, mais parece uma ‘rábula’ do PÁGINA UM que, ao longo dos últimos dois anos, tem denunciado, com casos e nomes concretos, a promiscuidades de alguns jornalistas e directores editoriais que somente têm contribuído para o pântano da imprensa. Imaginei fazer um trabalho dessa natureza, mas daria demasiado trabalho e aumentaria ainda mais o lote de ‘inimigos’ entre a classe.

    Não precisei disso. Houve mesmo uma consultora, a Scopen, que se predispôs, recorrendo a votos das agências de comunicação, a uma eleição dos ‘jornalistas mais fofinhos’ – daqueles que o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas aprecia, que a Comissão da Carteira Profissional do Jornalista ama e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social glorifica. E assim se destacou os seguintes jornalistas, por ordem de preferência: Joana Petiz (Novo), Ana Marcela (Eco), Maria João Vieira Pinto (Marketeer), Maria João Lima (Marketeer), Ana Maia (Público), Carla Borges Ferreira (Eco), Miguel Prado (Expresso), Cátia Rocha (Observador), Fátima de Sousa (Briefing), Margarida Vaqueiro Lopes (Exame), Isabel Vicente (Expresso), Mariana Bandeira (Jornal Económico), Karla Pequenino (Público), Ricardo Costa (SIC), Mariana Dias (Dinheiro Vivo), Rosália Amorim (TSF), Vítor Andrade (Expresso), Fernando Paulo (Imagens de Marca), Maria Teixeira Alves (Jornal Económico), Nuno Vinha (Jornal Económico), Carla Jorge (Lusa), Susana Oliveira (Lusa), Pedro Duriães (M&P), Bruno Roseiro (Observador), Tiago Neto (Sábado), Bento Rodrigues (SIC) e Cláudia Silva Carvalho (Time Out).

    A informação oficial indica, não os mencionando, que houve mais 105 jornalistas referenciados pelos funcionários das agências de comunicação como “best journalist to work with”.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Que as agências de comunicação tenham perdido o pudor, não surpreende. Tudo se faz já às claras com directores de jornais a darem boas-vindas a parceiros comerciais das empresas gestoras de órgãos de comunicação social e jornalistas a fazerem simultaneamente trabalho de marketing e escrita de notícias (ou publicidade encapotada em notícias). Mas, pelos Céus, listarem publicamente os best journalists to work with? Assumirem que trabalham com jornalistas e assumem que gostam mais de um do que de outros?

    Mas para que esta patetice se transformasse em drama teria de se colocar a cereja no topo do bolo. Por exemplo, a revista Forbes – um dos títulos da Media N9ve, que integra o semanário Novo, agora dirigida por Joana Petiz, titulou ontem: “Jornalista da Media9 é a mais admirada pelas agências de relações públicas”.

    O jornal ECO também se congratulou com o facto de ser “um dos meios de comunicação social com menções por parte dos profissionais de agências de comunicação quando questionados sobre os ‘jornalistas que mais admiram’”, destacando mesmo as posições das suas duas jornalistas, Ana Marcela e Carla Borges Ferreira.

    O incómodo que este ranking causou na classe – obrigando mesmo o Sindicato dos Jornalistas a fazer um comunicado de imprensa relâmpago – só demonstra que se está perante a lei da barata: quando há agências de comunicação que ‘amam’ jornalistas, e listam duas dezenas, então é porque há 200 que, escondidos, chafurdam na promiscuidade.

    Por isso mesmo, só aceitarei um dia estar num ranking se for sobre os mais odiados pelas agências de comunicação – seria um fidedigno indicador de estar a fazer um trabalho rigoroso, sem vergar a interesses económicos ou políticos, em prol do verdadeiro jornalismo.

  • Fim de festa: SEF revela, em catadupa, ajustes directos engavetados há meses, e até anos

    Fim de festa: SEF revela, em catadupa, ajustes directos engavetados há meses, e até anos


    Na hora de arrumar gavetas, na transição para o novel Agência para a Integração, Migração e Asilo, a direcção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras andou numa azáfama a divulgar no Portal Base um vasto conjunto de ajustes directos que há meses aguardavam a sua divulgação. Ou seja, eram desconhecidos. E em alguns casos sempre às mesmas empresas.

    Só na semana passada foram finalmente publicitados na plataforma da contratação pública 16 contratos celebrados por ajuste directo pelo SEF em 2022. E até há dois que foram assinados em 2021, e que só agora se tornam conhecidos. Mesmo nos contratos assinados este ano, o atraso é, na maior parte das vezes significativo: o Código dos Contratos Públicos determina a sua divulgação no prazo de 20 dias, mas somente dois, de entre os 31 contratos analisados com preço superior a 40 mil euros, cumpriram essa norma.

    Ao centro, Paulo Leitão Batista, último director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

    Os contratos em causa são sobretudo ajustes directos para a aquisição de serviços de vigilância, de alimentação, de limpeza e de viagens, sendo o de maior valor o celebrado em 20 de Julho deste ano com a Securitas, para dois meses, no valor de 802.600 (sem IVA). Este contrato demorou assim 100 dias para ser revelado. Os quatro maiores ajustes directos são, aliás, com aquela empresa de segurança. O segundo mais valioso é de 644.425 euros e demorou 278 dias a ser conhecido. O terceiro é de 503.668 euros, tendo sido assinado há quase um ano (7 de Novembro de 2022). E o quarto teve um valor de 475.346 euros, e ainda é mais antigo: foi celebrado em 3 de Junho de 2022, demorando assim 512 dias a ser conhecido no Portal Base.

    O PÁGINA UM já tinha revelado na passada semana alguns dos contratos do SEF divulgados com atraso, mas sem sequer se imaginar então que se estava perante a ponta do icebergue: se na notícia de 26 de Outubro se revelava que o antecessor da AIMA se esquecera de divulgar quatro ajuste directos no valor global de 900 mil euros durante mais de um ano, na verdade se consideramos os contratos acima de 100 mil euros já se contabilizam 11. Estes contratos com mais de um ano ‘empoeirados’ totalizam 2.535.806 euros, que se transformam em mais de 3,1 milhões de euros se se incluir o IVA.

    No total dos contratos com preço superior a 40 mil euros divulgados pelo SEF na semana passada, apenas quatro foram antecedidos por concurso público, todos no sector das viagens, embora a Top Atlântico tenha sacado um ajuste directo de 300.000 euros, que foi assinado em 18 de Janeiro do ano passado, demorando assim 646 longos dias a ser colocado no Portal Base.

    Securitas acumulou contratos por ajuste directo para vigiar instalações de uma força de segurança do Estado.

    Considerando apenas os ajustes directos acima dos 40 mil euros, o preço contratual total atinge quase 6,8 milhões de euros. O maior beneficiário dos ajustes directos do SEF nesta amostra foi a Securitas com 13 contratos, e um valor global (sem IVA) de 4.548.705 euros. Segue-se a empresa de limpeza Fine Facility Services, com quatro ajustes directos e 720.595 euros em caixa, e as empresas de refeições ICA e ITAU, com três cada, embora a primeira tenha arrecadado um pouco menos de 250 mil euros e a segunda um pouco mais de 514 mil euros. .

    A agência de viagens Top Atlântico também conta três contratos agora divulgados pelo SEF, embora dois tenham sido por concurso público. Significa quase 890 mil euros amealhados, cerca de 590 mil foram por ganhos após vencer a concorrência. A Creative Minds foi a empresa com menos facturação no lote destes contratos, mas o seu contrato bate o recorde de atraso: 898 dias: o ajuste directo foi assinado em 11 de Maio de 2021.

    Recorde-se que o SEF, criado em 1986, foi oficialmente extinto este domingo, dando lugar à AIMA, presidida por Luís Goes Pinheiro, concretizando a materialização de uma decisão política anunciada pelo Governo há três anos na sequência do homicídio de um ucraniano no aeroporto de Lisboa. As valências que este organismo de segurança concentrava, no âmbito do controlo das fronteiras, ficarão agora a cargo de cinco entidades, para onde irão migrar os seus 1.708 trabalhadores: a Polícia Judiciária, a PSP, a GNR, a AIMA e o Instituto dos Registos e Notariado.

    Lista de contratos celebrados pela SEF com preço superior a 400 mil euros e divulgados na semana passada. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.

    Ainda está a ser ponderada a passagem de alguns funcionários para a Autoridade Tributária ou para a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros.

    O novo modelo português, que não encontra paralelo na União Europeia e que levanta muitas dúvidas quanto à sua eficácia, ainda está a arrancar ainda em modo de meio-gás. Embora as funções administrativas se tenham iniciado ontem, a AIMA ainda nem sequer dispõe de uma plataforma online, e desconhece-se qual a data exacta do seu lançamento.

    Entretanto, a inexistência de um site significa que certos processos administrativos por via online ficam em suspenso, não sendo possível, por exemplo, a potenciais imigrantes avançar com pedidos de Autorização de Residência.

    Mas não é só no plano digital que esta nova agência ainda não se encontra a funcionar em pleno. Também no que respeita a balcões físicos, que serão 34 a nível nacional, não foram ainda divulgadas quaisquer moradas. Com esta restruturação, a AIMA fica com mais de 300 mil pedidos de legalização de imigrantes em mãos.

    Um total de 15 contratos integram o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre a passada sexta-feira e domingo. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV/MAP


    Nos últimos três dias, de sexta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 835 contratos públicos, com preços entre os 13,54 euros – para aquisição de medicamentos, pela Unidade Local de Saúde de Matosinhos, ao abrigo de acordo-quadro – e os 3.046.000,00 euros – para empreitada de reabilitação e reconstrução de cemitério, pelo Município de Machico, através de concurso público.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 15 contratos, dos quais sete por concurso público, um ao abrigo de acordo-quadro, seis por ajuste directo e um através de consulta prévia.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 30 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (com a Interlimpe – Facility services, no valor de 2.750.210,99 euros); Banco de Portugal (com a Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados, no valor de 1.800.000,00 euros), que já foi abordado nesta notícia; 15 do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (com a Securitas – Serviços e Tecnologia e Segurança, um no valor de 802.599,52 euros, outro no valor de 664.425,28 euros, outro no valor de 503.668,41 euros, outro no valor de 475.345,70 euros, outro no valor de 273.595,72 euros, outro no valor de 273.461,82 euros, outro no valor de 273.329,74 euros, outro no valor de 272.265,67 euros, outro no valor de 236.188,84 euros e outro no valor de 142.316,66 euros; com a Alive Portugal – Agência de Viagens, no valor de 300.000,00 euros; com a Fine Facility Services, um no valor de 284.742,00 euros, outro no valor de 199.319,40 euros, e outro no valor de 179.584,96 euros); três do Hospital de Braga (um com a Biogen Portugal, no valor de 725.558,42 euros, outro com a Astellas Farma, no valor de 172.800,00 euros, e outro com a Novartis Farma, no valor de 125.007,85 euros); Unidade Local de Saúde de Matosinhos (com a Daiichi Sankyo, no valor de 489.600,00 euros); Fundação INATEL (com a Enforcesco S.A., no valor de 372.270,81 euros); Autoridade Tributária e Aduaneira (com a Opensoft Soluções Informáticas, no valor de 343.200,00 euros); Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (com a Vertex Pharmaceuticals, no valor de 299.747,47 euros); dois do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (um com a Alexion Pharma Spain, no valor de 170.734,00 euros, e outro com a Octapharma, no valor de117.000,00 euros); Águas do Tejo Atlântico (com a A2O – Água, Ambiente e Organização, no valor de 144.593,87 euros); Município de Aveiro (com a Arfus – Sociedade de Construções, no valor de 135.805,00 euros); RSTJ – Gestão e Tratamento Resíduos (com a Betão Liz, S.A., no valor de 135.728,50 euros); Aquanena – Empresa Municipal de Águas e Saneamento de Alcanena (com a Teletejo – Energia e Comunicações, no valor de 134.800,00 euros); e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (com a Rui Pena, Arnaut & Associados – Sociedade De Advogados, no valor de 112.500,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 27 a 29 de Outubro

    (todos os procedimentos)

    1 Reabilitação e reconstrução do Cemitério do Porto da Cruz

    Adjudicante: Município de Machico 

    Adjudicatário: Socicorreia – Engenharia

    Preço contratual: 3.046.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    2Aquisição de consumíveis e locação de robot para cirurgias   

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central

    Adjudicatário: Excelência Robótica Portugal           

    Preço contratual: 2.759.862,28 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Aquisição de serviços de higiene e limpeza

    Adjudicante: Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo

    Adjudicatário: Interlimpe – Facility services 

    Preço contratual: 2.750.210,99 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    4Aquisição de serviços de assessoria jurídica    

    Adjudicante: Banco de Portugal       

    Adjudicatário: Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados         

    Preço contratual: 1.800.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    5Reabilitação de estrada municipal

    Adjudicante: Resulima – Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos

    Adjudicante: Duque & Duque – Terraplanagens

    Preço contratual: 1.148.923,05 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no período de 27 a 29 de Outubro

    1 Aquisição de serviços de higiene e limpeza

    Adjudicante: Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo

    Adjudicatário: Interlimpe – Facility services 

    Preço contratual: 2.750.210,99 euros


    2Aquisição de serviços de assessoria jurídica    

    Adjudicante: Banco de Portugal       

    Adjudicatário: Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados         

    Preço contratual: 1.800.000,00 euros


    3Serviços de vigilância e segurança humana

    Adjudicante: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras 

    Adjudicatário: Securitas – Serviços e Tecnologia e Segurança

    Preço contratual: 802.599,52 euros


    4Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Hospital de Braga

    Adjudicatário: Biogen Portugal         

    Preço contratual: 725.558,42 euros


    5Serviços de vigilância humana   

    Adjudicante: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras 

    Adjudicatário: Securitas – Serviços e Tecnologia e Segurança

    Preço contratual: 664.425,28 euros

    MAP

  • ERC: das cem páginas sobre o Notícias Viriato até à sem vergonha sobre a Global Media

    ERC: das cem páginas sobre o Notícias Viriato até à sem vergonha sobre a Global Media


    Na verdade, não quero ser acusado de desinformação. São mais de cem páginas. São 135 páginas. Atentem bem: 135 páginas. Os mestrados, por norma em diversas universidades, não podem ultrapassar as 80, por vezes bastam duas ou três dezenas. Mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social decidiu disponibilizar meios e tempo para uma investigação exaustivíssima ao sítio electrónico Notícias Viriato, que andou activo durante o período pandémico, mas que deixou de dar sinais de vida desde 1 de Fevereiro de 2022. Já lá vão quase 21 meses.

    Aliás, ninguém sabe do seu responsável, António Abreu, que, apesar do voluntarismo, não se poderia dizer jamais que fizesse jornalismo, apesar de estar inscrito na Entidade Reguladora para a Comunicação Social que, como se sabe, integra tudo e um par de botas.

    ERC: regulador que regula quem deve ser regulado.

    Enfim, mas certo é que alguém da ERC decidiu que, dando entrada uma denúncia sobre o Notícias Viriato por ser “um site de desinformação”, em 12 de Janeiro de 2020 – portanto, há mais de três anos e nove meses – se deveria fazer um tratado sobre a coisa. E, portanto, três anos e nove meses depois, lá temos a Deliberação ERC/2023/341 (OUT-NET), que, para efeitos de regulação (do ponto de vista académico, concedo que terá algum), serviria para pouco mais do que limpar o anel posterior se não fosse sair apenas em formato digital. Até porque não eram necessários três anos e nove meses nem 135 páginas para concluir, sobre um site que nem sequer está activo há mais de uma vintena de meses, o óbvio: “não sendo um órgão noticioso, mas apresentando-se como tal, o Notícias Viriato engana o público”.

    Mas, enquanto a ERC gasta tempo e meios para dissecar inutilmente o Notícias Viriato, já sobre a dívida colossal e escandalosa ao Estado por parte da Global Media moita-carrasco. Instado várias vezes pelo PÁGINA UM a explicar as razões pela qual não investiga as contas da Global Media – que tem participação na Agência Lusa – para saber o motivo de não estar identificada a entidade pública a quem esse grupo de media tem um calote de 10 milhões de euros, a ERC tergiversa.

    Atente-se às justificações hoje transmitidas por correio electrónico a um pedido de esclarecimento do PÁGINA UM.

    Embora diga que “não obstante, pontualmente e por razões proporcionais e necessárias, poder recorrer ao cruzamento com outras fontes disponíveis para verificar o cumprimento” das exigências de informação verdadeira no Portal da Transparência dos Media, a ERC diz depois que, como “o universo de regulados é vasto”, procura promover “o tratamento equitativo de todos eles”. Portanto, o pasquim da Vila da Pocariça deve ser regulado da mesma forma que a Global Media…

    [Bom, a atender pela actual tiragem do Diário de Notícias talvez até faça, assim numa primeira análise, algum sentido.]

    E depois confessa, em seguida, que “não dispõe de fundamento legal e meios para aplicar sistematicamente o grau de escrutínio” que o PÁGINA UM sugeriu: a simples análise dos Relatório e Contas, que qualquer licenciado em Economia, Gestão ou Contabilidade sabe fazer em cinco minutos.

    E, por fim, depois de umas considerações sobre a ausência de menção na lista de devedores à Autoridade Tributária e Aduaneira – e é esse mesmo um dos problemas da Global Media: uma tão grande dívida, que supostamente não será fiscal ou então está a ser escondida por razões políticas –, a ERC ainda diz que o objectivo da Lei da Transparência dos Media tem “implícito um horizonte temporal de médio/ longo prazo por forma a ser possível, correta e fidedignamente, ‘a promoção da liberdade e do pluralismo de expressão e a salvaguarda da sua independência editorial perante os poderes político e económico’”, concluindo que, “neste enquadramento, recomendamos que a informação da Plataforma da Transparência seja lida na sua globalidade e não num horizonte temporal de curto prazo”.

    Marco Galinha

    Basicamente, a ERC quer que o PÁGINA UM esqueça o assunto, porque a ERC não quer incomodar os negócios da Global Media, nem quer que se saiba quem autorizou, sem mexer uma palha, um acréscimo de calote público em sete milhões de euros em apenas um ano, nem quer investigar se houve ‘condições’ políticas e financeiras para que Marco Galinha e seus sócios continuassem docemente a agir como se nada se passasse.

    Para a ERC, andar por aí um órgão de comunicação social a dever 10 milhões de euros ao Estado, a acumular prejuízos de 42 milhões de euros desde 2017 e com estranhas movimentações da sua estrutura accionista, não é problema nenhum.

    Grave, grave será um site de uma só pessoa, inactivo desde Fevereiro de 2022, não é? Isso sim merece investigação detalhada de mais de dois anos com 135 páginas.