Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Global Media e Páginas Civilizadas aproveitam ser accionistas da Lusa para lhe dar calote

    Global Media e Páginas Civilizadas aproveitam ser accionistas da Lusa para lhe dar calote


    Os órgãos de comunicação social da esfera da Global Media – onde se destacam os periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e a rádio TSF – não pagam há anos os serviços disponibilizados pela Lusa, que inclui o acesso à publicação de notícias e o acesso à base de dados fotográfica. O abuso destes accionistas minoritários (que detêm em conjunto 45,71%) só agora foi revelado num comunicado do Ministério da Cultura, onde se salienta que a conclusão da compra das participações daqueles accionistas privados estaria condicionada ao pagamento da dívida cujos valores não são revelados. Entretanto, o World Opportunity Fund já domina formalmente a cúpula da Global Media, após a nomeação na semana passada de dois gerentes da Páginas Civilizadas, um dos quais é João Paulo Fafe, antigo director do Tal & Qual. Curiosamente, a actual sede da Páginas Civilizadas é a mesma da redacção do Tal & Qual, no Taguspark.


    Mais do que a notícia de que o Governo não vai adquirir as participações na Agência Lusa detidas pela Páginas Civilizadas e pela sua subsidiária Global Media, a grande novidade trazida por um comunicado da imprensa do Ministério da Cultura, divulgado esta quinta-feira, é a revelação de que aqueles accionistas privados não pagam os serviços da agência noticiosa maioritariamente detida pelo Estado. Saliente-se que a Global Media é a detentora dos periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e da rádio TSF, tendo também participações em outros órgãos de comunicação social, incluindo o Diário de Notícias da Madeira.

    Em comunicado, o Ministério da Cultura apontou para a falta de consenso com o PSD como causa para abortar o negócios, mas salienta também que “o eventual sucesso da operação dependeria sempre da liquidação simultânea da dívida que as empresas do Grupo Global Media acumularam, ao longo dos anos, perante a Lusa, em decorrência dos serviços que lhes foram prestados pela Agência”. O comunicado do Ministério tutelado por Pedro Adão e Silva não indica os valores dos calotes, mas o PÁGINA UM revelou em Agosto passado que as dívidas da Global Notícias ao Estado e a outros entes públicos ascendia aos 10 milhões de euros, tendo aumentado sete milhões apenas em 2022.

    Confirmando ter havido “abertura” para “assumir uma posição mais significativa na estrutura accionista” da Lusa – o que a ocorrer significaria uma posição acima dos 95% do capital –, o Governo diz agora que “deixou sempre claro que se considerava obrigado a partilhar a sequência de decisões que pudesse vir a tomar com os partidos políticos com assento parlamentar, e designadamente com o maior partido da oposição”, o que veio a ser “feito desde o início, com total transparência, mesmo num contexto político que era ainda muito distinto do atual”.

    Nessa medida, o Ministério da Cultura, que tutela a Comunicação Social, salienta que “uma operação desta natureza implicava o cumprimento de um conjunto de outros requisitos, indispensáveis para salvaguardar tanto os interesses do Estado quanto os da Lusa”, onde se incluía “a liquidação da dívida que as empresas do grupo Global Media têm perante a Lusa”.

    O comunicado também refere que na quarta-feira da semana passada, dia 22, a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças apresentou mesmo “uma proposta formal de aquisição”, que incluía a liquidação integral da dívida do grupo Global Media à Lusa. Os valores não foram divulgados, alegando-se confidencialidade, o que levanta algumas dúvidas legais.

    Tudo à pala: órgãos de comunicação social da Global Media usufruíam dos serviços da agência noticiosa de capital maioritariamente do Estado e não pagavam, nem nunca os serviços lhes foram suspensos.

    Em todo o caso, adiante-se que a proposta do Estado nunca poderia ultrapassar, mesmo sem a dedução da dívida das duas empresas à Lusa, muito mais do que 2,5 milhões de euros, tendo em conta que a participação da Páginas Civilizadas na Lusa (22,35%) decorreu de uma aquisição à Impresa nos últimos dias de 2021 por 1,25 milhões de euros. A Global Media já era accionista da Lusa, com uma participação de 23,36%. Mas mesmo que o Governo aceitasse chegar ao dobro, os cinco milhões de euros seriam metade da dívida ao Estado por parte da Global Media.

    O comunicado do Ministério da Cultura diz ainda que era intenção do Governo levar a cabo no próximo ano uma nova revisão da indemnização compensatória – que este ano será de cerca de 14,3 milhões de euros – para “permitir isentar os órgãos de comunicação social do pagamento dos serviços prestados pela Agência Lusa”, sendo essa “uma forma concreta de apoiar a comunicação social no seu conjunto, com um instrumento não condicional, sem a complexidade de mecanismos de financiamento assentes em métricas sempre discutíveis, ou em escolhas discricionárias que devem estar totalmente afastadas da relação entre o Estado e os media.

    Para esta decisão, e para a falta de consenso, também não serão alheias as dúvidas sobre o futuro da Global Media, agora controlada por um fundo das Bahamas controlado por Clement Ducasse, um francês de 41 anos de que pouco se sabe.

    Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, revela no comunicado sobre o não-acordo da compra das participações da Lusa que era intenção do Governo tornar gratuitos os serviços da agência noticiosa para os diversos órgãos de comunicação social.

    No entanto, a sua presença já se evidencia de forma determinante na estrutura administrativa, uma vez que o World Opportunity Fund, o sócio maioritário da Páginas Civilizadas, já indicou na semana passada os dois gerentes (em três): Filipe Queirós Nascimento e José Paulo Fafe, que acumula já com o cargo de CEO da Global Media. Quanto a Marco Galinha, do Grupo Bel, está como gerente (sem poder de decisão) na Páginas Civilizadas e tem o simbólico estatuto de chairman da Global Media, mas também sem qualquer possibilidade de influenciar medidas mais fulcrais.

    No meio destas movimentações surgiu, entretanto, uma situação insólita detectada pelo PÁGINA UM: José Paulo Fafe, que refundou em 2021 o semanário Tal & Qual, abandonou a direcção daquele jornal em Maio passado e deixou mesmo de ser sócio da empresa que o detém (Parem as Máquinas, Lda.). Contudo, de acordo com os registos societários, a Páginas Civilizadas – que saiu da esfera do Grupo Bel com a posição maioritária assumida pelo fundo controlado por Clement Ducasse – está agora sedeada exactamente onde funciona a redacção do Tal & Qual e a empresa Parem as Máquinas, no escritório 481 no núcleo central do Taguspark.

  • Até os ‘Três Mosqueteiros’ já facturam (bem) com o imbróglio dos lixos italianos dos tempos da pandemia

    Até os ‘Três Mosqueteiros’ já facturam (bem) com o imbróglio dos lixos italianos dos tempos da pandemia


    Ontem foi celebrado um ajuste directo de 853.142,61 euros entre a Agência Portuguesa do Ambiente e a empresa Transportes Os Três Mosqueteiros. Este ser o destaque de hoje do PÁGINA UM, para os contratos divulgados no Portal Base, não se deve ao chiste causado pela denominação do adjudicatário – que, por si só, seria irrelevante – nem apenas pelo valor elevado para um ajuste directo, nem por o contrato abranger serviços que, na verdade, começaram faz amanhã dois anos (em 1 de Dezembro de 2021) e terminará daqui a um mês, nem ao facto de o contrato prever que o Estado ainda paga juros a 4%.

    Não. O contrato, sendo relevante por si, merece relevância para relatar um grande imbróglio político que vem desde Agosto de 2020 com custos elevados para o erário público. Ou talvez antes, em meados da década passada, no rescaldo dos negócios de gestão de resíduos urbanos em Itália, controlada por empresas associadas à Máfia, que deixaram um passivo ambiental de cerca de cinco milhões de toneladas de lixos mal-acondicionados.

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    Em boa ou má hora, conforme as opiniões, e tal como outros países europeus, Portugal aceitou receber resíduos de Itália para auxiliar numa solução solidária, embora esta fosse também uma forma de os sistemas de gestão de aterros facturarem mais.

    Assim, embora nem toda a quantidade fosse proveniente de Itália, em 2015 entraram em Portugal para operações de eliminação, na sua maioria para deposição em aterro, cerca de 13 mil toneladas de resíduos ‘estrangeiros’. Em 2019 a quantidade subia já para as 230 mil toneladas. E estava previsto continuar aquilo que já era um negócio com nenhumas vantagens ambientais.

    Considerando existir uma situação de pressão insustentável na capacidade de tratamento, pondo em causa a autossuficiência portuguesa na gestão dos lixos, nos primeiros dias de Janeiro de 2020, a secretária de Estado do Ambiente, Inês dos Santos Costa, emitiu num despacho para objectar as novas importações a partir de Fevereiro desse ano. E pouco tempo depois, em Maio, a pretexto da pandemia da covid-19, o Governo introduziu mesmo uma norma a suspender a importação de resíduos até ao final desse ano.  

    O Porto de Leixões foi um dos destinos dos resíduos italianos.

    O Ministério do Ambiente esclareceu o PÁGINA UM que, no seguimento dessa norma de Maio, “a APA informou as Autoridades Competentes dos países de origem de todos os processos de notificação afetados por esta decisão, bem como os respetivos notificadores (responsáveis pelos movimentos de resíduos em causa)”, mas “alguns notificadores entenderam continuar a enviar resíduos para Portugal para deposição em aterro, não reconhecendo a legitimidade” da decisão do Governo português.

    Saliente-se que os movimentos transfronteiriços de resíduos são realizados ao abrigo de regulamentos comunitários que, segundo o Ministério do Ambiente, não prevê a figura de suspensão de autorizações já atribuídas. E por isso algumas empresas não concordaram e seguiram com o transporte de resíduos para Portugal. Foi o caso da empresa italiana Enski Ambiente, que insistiu em descarregar 144 contentores nos portos de Sines e Leixões, no mês de Agosto de 2020, para os quais tivera uma prévia autorização.

    E a partir daí começou um braço de ferro. Numa primeira fase, as cerca de 3.800 toneladas tinham como destino previsto o aterro gerido pela Águas de Santo André, uma subsidiária da holding pública Águas de Portugal. Mas a APA intrometeu-se e mandou realizar análises que terão detectado “características de perigosidade” em 142 contentores, com concentração elevadas de hidrocarbonetos, chumbo, cobre e zinco.

    A gestão dos resíduos urbanos por empresas associadas à Máfia levou a despejos indiscriminados. Desde 2015, perante a incapacidade de gestão imediata, o Governo italiano optou pela exportação para tratamento e deposição em condições mais seguras.

    Tudo se complicou ainda mais. O Ministério do Ambiente exigiu então que autoridades italianas retomassem os resíduos e que fossem accionadas as garantias financeiras associadas ao movimento transfronteiriço para ressarcir Portugal dos custos incorridos com a gestão destes resíduos. Mas Itália não quis assumir responsabilidades, mesmo com a Comissão Europeia metida já ao barulho.

    E em Janeiro de 2021, a empresa exportadora responderia com um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa, visando a Presidência do Conselho de Ministros e a APA, onde solicitou uma indemnização de mais de oito milhões de euros. O advogado da empresa italiana é, saliente-se, José Eduardo Martins, ex-secretário do Ambiente e antigo deputado do PSD, que está integrado Abreu Advogados. Esta é a sociedade onde agora aparentemente será consultor Matos Fernandes, então ministro do Ambiente à data da polémica importação.

    Este ano houve mais evoluções, mas na barra dos tribunais. De acordo com fonte oficial do Ministério do Ambiente, “não tendo havido resposta das autoridades italianas nem do notificador, a APA interpôs, a 12 de Abril de 2023, uma ação administrativa conjunta (APA/Fundo Ambiental) contra o notificador e outros”.

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    Mas como todos estes processos são lentos, será previsível que Os Três Mosqueteiros, depois do contrato de ontem, e que termina no final do ano, venham a ter novo ajuste directo para mais tempo de armazenamento. O custo de armazemanento temporário é de cerca de 33 mil euros.

    A estes valores deve-se adicionar um pouco mais de 1,96 milhões de euros (IVA incluído) de um contrato da Mediterranean Shipping Company, em Dezembro de 2020, apenas para pagar um serviço de transporte dos resíduos italianos, que demorou três dias, desde os portos de Leixões e Sines até às instalações de armazenamento provisório da empresa Transportes Os Três Mosqueteiros.

    Embora uma Resolução do Conselho de Ministros de 23 de Maio deste ano não explicite que sejam os lixos italianos a causa, mostra-se evidente a que se referem os 11 milhões de euros, provenientes do Fundo Ambiental e destinados a “assegurar os processos aquisitivos relativos à imobilização dos contentores, à armazenagem dos mesmos e ao processo de eliminação que engloba o transporte dos contentores do local de armazenagem até ao local de tratamento, o tratamento e eliminação de resíduos e lixos perigosos, a higienização dos contentores e a sua entrega ao proprietário”.

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    Há negócios que saem caros. E quando são públicos, regra geral saem caros apenas aos contribuintes.

    O contrato entre a Agência Portuguesa do Ambiente e a Transportes Os Três Mosqueteiros para armazenamento dos resíduos italianos integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre 24 e 26 de Novembro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

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    Ontem, dia 29 de Novembro, no Portal Base foram divulgados 801 contratos públicos, com preços entre os 2,40 euros – para aquisição de serviço de cobrança de portagens, pelo Ministério da Defesa Nacional – Marinha, através de ajuste directo – e os 2.499.584,00 euros – para prestação de serviços de vigilância e segurança, pelo Centro de Emprego e Formação Profissional do Médio Tejo, também por ajuste directo.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados seis contratos, dos quais quatro por concurso público e dois por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados oito contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Centro de Emprego e Formação Profissional do Médio Tejo (com a PowerShield – Segurança Privada, no valor de 2.499.584,00 euros); Agência Portuguesa do Ambiente (com a Transportes Os Três Mosqueteiros, no valor de 670.531,11 euros); dois do Ministério da Defesa Nacional – Marinha (um com a Leonardo MW LTD, no valor de 488.988,83 euros, e outro com a Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Electrónica, no valor de 384.000,00 euros); Município do Barreiro (com a CGITI Portugal, no valor de 379.725,87 euros); Estado-Maior-General das Forças Armadas (com a CSL Behring, no valor de 110.000,00 euros); Município de Terras de Bouro (com a Medidata.Net – Sistemas de Informação para Autarquias, no valor de 108.195,00 euros); e o Instituto Nacional de Emergência Médica (com a WorldIT – Sistemas de informação, no valor de 100.000,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 29 de Novembro

    1 Prestação de serviços de vigilância e segurança

    Adjudicante: Centro de Emprego e Formação Profissional do Médio Tejo

    Adjudicatário: Powershield – Segurança Privada

    Preço contratual: 2.499.584,00 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    2Obras de remodelação e beneficiação do Serviço de Anatomia Patológica

    Adjudicante: Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil

    Adjudicatário: Tanagra – Empreiteiros

    Preço contratual: 1.686.061,20 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Empreitada de “Parque Verde do Louriçal”

    Adjudicante: Município de Pombal

    Adjudicatário: Delfim de Jesus Martins & Irmão, Lda.        

    Preço contratual: 747.397,84 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Armazenagem de resíduos perigosos provenientes de Itália

    Adjudicante: Agência Portuguesa do Ambiente

    Adjudicatário: Transportes Os Três Mosqueteiros

    Preço contratual: 670.531,11 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    5Empreitada de construção do “Sistema de Rega das Fontainhas e Quinta Grande”

    Adjudicante: AQG – Associação de Agricultores das Nascentes da Quinta Grande

    Adjudicatário: ERUMAD – Engenharia e Reabilitação Urbana       

    Preço contratual: 651.934,77 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 29 de Novembro

    1Prestação de serviços de vigilância e segurança

    Adjudicante: Centro de Emprego e Formação Profissional do Médio Tejo

    Adjudicatário: Powershield – Segurança Privada

    Preço contratual: 2.499.584,00 euros


    2Armazenagem de resíduos perigosos provenientes de Itália

    Adjudicante: Agência Portuguesa do Ambiente

    Adjudicatário: Transportes Os Três Mosqueteiros

    Preço contratual: 670.531,11 euros


    3Aquisição de serviços de sustentação aperfeiçoativa e evolutiva LYNX MK95A

    Adjudicante: Ministério da Defesa Nacional – Marinha

    Adjudicatário: Leonardo MW LTD    

    Preço contratual: 488.988,83 euros 


    4Aquisição de Upgrade Under Water Telephone (UWT)

    Adjudicante: Ministério da Defesa Nacional – Marinha

    Adjudicatário: EID – Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Electrónica

    Preço contratual: 384.000,00 euros 


    5Aquisição de serviços de gestão comercial, printing, envelopagem e finishing, IVR e execuções fiscais

    Adjudicante: Município do Barreiro

    Adjudicatário: CGITI Portugal

    Preço contratual: 379.725,87 euros


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  • Victor Emanuel Marnoto Herdeiro, um burocrata a torcicolar a transparência e os tribunais

    Victor Emanuel Marnoto Herdeiro, um burocrata a torcicolar a transparência e os tribunais


    Victor Herdeiro. Melhor. Escrevo em maiúsculas – e a nominata completa para apurar o destaque: VICTOR EMANUEL MARNOTO HERDEIRO.

    Para a esmagadora maioria dos leitores, esse nome nada dirá. Se acrescentar que é presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), já haverá alguns, talvez poucos, que saberão de quem se trata. E, aliás, muitos pouco sabem o que é isso da ACSS, e para que serve.

    Eu elucido melhor quem é, adiantando já ser ele um burocrata. Mas um burocrata especial. Victor Herdeiro é a personificação do burocrata que qualquer político adora, porque é daqueles dirigentes da Administração Pública que, caninamente – no sentido figurado do termo, mas no sentido literal da eficácia –, tudo fará para esconder o que houver por conveniente e que possa ser sensível politicamente, porque é daqueles que não está ao serviço dos cidadãos, antes se expressa um servidor dos governantes.

    Victor Emanuel Marnoto Herdeiro: o burocrata que aguenta uma sentença e dois acórdãos, e mantém a recusa em ceder a consulta de uma base de dados que não identifica as pessoas nos registos informáticos.

    Victor Herdeiro é, para trazer à memória dos leitores do PÁGINA UM, o amigo de longa data da ex-ministra da Saúde Marta Temido que, em Julho de 2022, fez desaparecer a base de dados da Morbilidade e da Mortalidade Hospitalar no Portal da Transparência. Por aquelas coincidências, logo após o PÁGINA UM ter escrito um conjunto de artigos de investigação sobre os internamento e a gestão das unidades de saúde durante a pandemia.

    Victor Herdeiro é também o burocrata que recusou ceder a consulta, a um jornalista, dos dados anonimizados provenientes da Base de Dados Nacional de Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH), que inclui toda a informação dos internamentos, sem qualquer identificação de pessoas. Uma possibilidade que não só existe como está, há muito, prevista nas próprias competências da ACSS.

    Mas para Victor Herdeiro, defensor-mor de ministros da Saúde, seria um horror que um jornalista com capacidade de análise de dados, independente, pudesse pegar em informação tão sensível politicamente.

    E vai daí que se anda há quase ano e meio a tergiversar tribunais, para trás e para a frente. A cada derrota, mais serpenteia para o litígio seguinte – sempre socorrendo-se de uma sociedade de advogados paga a peso de ouro, a BAS, que aliás tem ligações a Lacerda Machado, como há dias escrevi – e aproveitando-se da morosidade e letargia dos tribunais.

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    Vem Victor Herdeiro aqui agora à liça porque nos últimos dias tenho estado, com alguma lentidão, a complementar e actualizar a secção da Transparência, aqui no PÁGINA UM, com a informação mais relevante das cerca de duas dezenas de litígios que temos (concluídos e em curso, em diferentes fases) no Tribunal Administrativo, ou seja, intimações para a consulta de documentos e base de dados.

    E eis que esta madrugada consegui completar a ‘ficha’ relativa à ACSS, que foi, até agora, a mais morosa e trabalhosa – e compreenderão, assim, a minha ‘fúria’ por me encontrar num país supostamente em democracia que admite um Victor Herdeiro como burocrata. Ou então admite por não ser uma democracia.

    Senão vejamos, e podem acompanhar por aqui a cronologia mais relevante (sem os muitos requerimentos, pois em Direito Administrativo quase só há texto escrito).

    No dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho de 2022, o PÁGINA UM usou uma base de dados que esteve, durante um período, suspensa pela entidade presidida por Victor Herdeiro, que nunca mostrou de quem veio a ordem. A BD-GDH, pedida pelo PÁGINA UM, tem um potencial informativo muito superior.

    Depois de uma recusa formal ao meu pedido de acesso à base de dados dos internamentos, alguns meses mais tarde, em 24 de Novembro do ano passado, uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa a uma intimação deu razão ao PÁGINA UM, mesmo depois de a ACSS, através da sociedade BAS – a tal à qual Lacerda Machado está ligado – ter tentado convencer a juíza da impossibilidade técnica da anonimização da base de dados.

    Que fez o burocrata Victor Herdeiro despois da sentença?

    Recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, usando o dinheiro dos contribuintes.

    E levou sopa. Em Março deste ano, um acórdão deste Tribunal manteve a decisão da primeira instância sobre o acesso à base de dados dos internamentos.

    E que fez o burocrata Victor Herdeiro, muito zeloso de proteger o ‘coiro’ do Ministério da Saúde?

    Recorreu, mais uma vez, para a (suposta) derradeira instância, o Supremo Tribunal Administrativo, onde, por ordens de Víctor Herdeiro – ou sob o seu respaldo – se tentou convencer os conselheiros de que o meu pedido era “manifestamente abusivo”. Notem: num país democrático, um burocrata considera que um pedido de acesso a uma base de dados da Administração Pública por um jornalista seja considerado “manifestamente abusivo” para, assim, ser legítimo o impedir de informar.

    Perdeu terceira vez. Repito: o burocrata Victor Emanuel Marnoto Herdeiro perdeu em primeira instância, perdeu em segunda instância e perdeu em terceira instância.

    Entregou a base de dados?

    Não. Mandou um ficheiro Excel, mal-amanhado, com uma suposta password que nunca sequer chegou a abrir o que quer que fosse de relevante, e argumentando que teria de apagar e mutilar dezenas de variáveis da base de dados, a tal ponto que nem sequer se poderia ficar a saber quantos internados em concreto houve em determinado ano, quanto mais fazer qualquer avaliação digna desse nome. Basicamente, mandou sentença e dois acórdãos às malvas, e começou novo circo, porque, infelizmente, mesmo com sentenças e acórdãos em Portugal há sempre formas de o poder ignorar ordens de tribunais – o que mostra bem o (des)nível da nossa democracia.

    Desde Junho, de uma forma diplomática, tenho tentado obter acesso à base de dados – um direito que a Lei me consagra e três decisões de tribunais confirmaram.

    Mas o burocrata Víctor Herdeiro já sabe as águas onde se move.

    Sabe que a sua recusa, mesmo depois de uma sentença e dois acórdãos, não teve repercussão pública significativa. Raramente uma entidade pública é obrigada a dar documentos da importância de uma base de dados sobre os internamentos em Portugal – com a potencialidade de detectar lacunas ou problemas de Saúde Pública. Mas isto nenhum eco teve na imprensa mainstream, pois, enfim, esta não aprecia o que o PÁGINA UM faz (e que ela, com muitos mais meios, é incapaz de fazer somente por falta de coragem, porque existem muitos mais jornalistas tão bons ou mesmo muito melhores do que eu). Portanto, como burocrata, que protege o seu ‘amo político’, ignora-me e ignora o PÁGINA UM, porque ignora qualquer caso que não o belisque na opinião pública.

    Para ter acesso a uma base de dados da Administração Pública, e se houver um ‘Victor Herdeiro’ já não é suficiente ter uma sentença do Tribunal Administrativo, um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Eis a força e o poder de um burocrata em Portugal.

    Sabe também o burocrata Víctor Herdeiro como funcionam os Tribunais deste triste país, mesmo se os processos de intimação são classificados de “urgentes” – e assim de, repente, mesmo com uma sentença e dois acórdãos, e com o auxílio de uma sociedade de advogados paga pelos contribuintes, assim se entretém agora a tentar ludibriar a juíza responsável pela execução da sentença entretanto solicitada pelo PÁGINA UM no passado mês de Julho, depois de esgotada a paciência.

    Mas isto está longe de terminar, e acho que a ACSS, através da sociedade BAS – a tal do Lacerda Machado – já fez entretanto três ou quatro requerimentos, incluindo a inclusão de uma pen com ficheiros que, segundo me diz o meu advogado, não aparecem ainda no Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais (SITAF).

    O mais recente episódio é do início deste mês, e inclui uma tentativa de convencer a juíza, num processo que já foi decidido, a ouvir uma digníssima testemunha sobre a impossibilidade de anonimização de uma base de dados que já está per si anonimizada: “o Senhor Professor Doutor Luís Antunes, [que] exerce, entre outras, as funções de Encarregado de Proteção de Dados na Comissão Nacional de Eleições, de assessoria ao Encarregado da Proteção de Dados no Banco de Portugal, e é Diretor do Centro de Competências em Cibersegurança e Privacidade da Universidade do Porto”, como refere o requerimento da sociedade BAS, a tal que, a mando do burocrata Víctor Herdeiro, anda a receber bons pecúlios dos contribuintes portugueses para esconder informação a jornalistas incómodos.

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    Quem tem medo que se saiba do que padecem, e porque padecem, os portugueses, e como são tratados nos diversos hospitais portugueses?

    E querem saber a parte gaga desta bufa e lamentável opereta?

    A digníssima testemunha indicada pelo burocrata Víctor Herdeiro, o tal “Senhor Professor Doutor Luís Antunes” (que terá concordado na inclusão do seu nome), é sócio da HealthSystems, uma empresa de cibersegurança e protecção que só este ano já ultrapassou um milhão de euros de facturação em contratos públicos, sobretudo com hospitais tutelados pelo Ministério da Saúde, que tutela a ACSS, presidida pelo burocrata-mor e protector-mor Víctor Emanuel Marnoto Herdeiro. São ‘artistas’ destes, comprometidos até ao tutano, que vão dizer algo isento, não é?

    Enfim, depois de mais de 16 meses de batalha, incluindo passagem (teoricamente) favorável por três instâncias da Justiça portuguesa, ainda hoje não sei se vou ter acesso a uma base de dados vital para uma independente avaliação do sistema de Saúde Pública em Portugal.

    Neste momento, mesmo após três decisões favoráveis em tribunal, já não me surpreende absolutamente nada que haja mais um ‘golpe de asa’ do burocrata Victor Herdeiro, e/ ou mais uns empenhos da sociedade de advogados BAS, e/ ou mais um juiz que acordou estremunhado e decide dar o dito por não dito, e que tudo fique como um Governo quer: a parecer democrático, mas impedindo que um cidadão, e em particular um jornalista, tenha em concreto o direito de escrutinar a Administração Pública e as políticas públicas.

    Mas se esse dia ocorrer, se ficarmos perante a evidência de que somos um fracasso projecto de democracia, onde burocratas como Victor Herdeiro servem como barreira protectora dos políticos, vai custar-me imenso, horrores, até porque têm sido meses de luta extenuante (e quase nunca visível) na companhia do nosso advogado Rui Amores – que, aliás, não recebe tão bem como os advogados pagos pela ACSS com o dinheiro dos contribuintes.

    Mas, acreditem também: só desistirei de todas estas lutas se os leitores desistirem de um projecto jornalístico como o PÁGINA UM. Por isso, é tão importante ter os leitores ao lado deste jornal, até poque tem sido esse apoio, através do FUNDO JURÍDICO, que municia as batalhas de um David contra os Golias.

  • Paxlovid: Governo usou norma revogada para contrato secreto de 20 milhões com a Pfizer

    Paxlovid: Governo usou norma revogada para contrato secreto de 20 milhões com a Pfizer


    Foi mais um dos fármacos apontados como miraculoso durante a pandemia, e não se olhou a ‘burocracias’ nem a dinheiro. O Paxlovid, um antiviral da Pfizer, chegou apenas em 2021, mas rapidamente foi promovido por ‘peritos’, acabando também comprado pelo Governo português. Já se sabia que estaria a ser usado no país desde 2022, mas ignoravam-se pormenores sobre este fármaco que afinal causa um número elevado de recaídas. Na sexta-feira passada, no Portal Base surgiu finalmente informação demonstrativa de um modus operandi obscuro: a compra foi formalizada pela Direcção-Geral da Saúde em Dezembro do ano passado, há mais de 11 meses, custou 20 milhões de euros e para não haver contrato escrito nem caderno de encargos invocou-se o expediente de uma norma legal já revogada. A Pfizer, que vê esfumarem-se os anos de glória financeira, ‘agradece’ a falta de transparência.


    O Governo escondeu durante mais de 11 meses uma compra de quase 20 milhões de euros do fármaco Paxlovid, um antiviral de administração oral de eficácia muito duvidosa no combate à covid-19. A aquisição à Pfizer, feita pela Direcção-Geral da Saúde, somente surgiu na sexta-feira passada, mas a data do contrato no valor de 19.950.000 euros é de 31 de Dezembro do ano passado, constando apenas informação sintética sem qualquer contrato, alegadamente por ter sido feito por ajuste directo simplificado.

    Para o recurso ao regime de excepção do ajuste directo simplificado – que permite assim esconder os preços unitários, as quantidades adquiridas, as fases de entrega, as eventuais compras futuras e as possibilidades de devoluções por não administração –, o Governo invocou, sem justificar, um decreto-lei de Março de 2020 que estabeleceu “medidas excepcionais e temporárias” com a intenção de agilizar as compras urgentes de equipamentos, materiais e medicamentos contra o SARS-CoV-2.

    Paxlovid, um antiviral com contratos pouco claros.

    Porém, há um problema legal que o Portal Base desvenda: esse diploma (Decreto-Lei nº 10-A/2020) viu a parte respeitante ao “regime excepcional de ajuste direto simplificado” ser revogado no dia 30 de Setembro do ano passado, que fez cessar a vigência de dezenas de normas legais criadas pelo Governo socialista desde o início da pandemia. Ou seja, o Ministério da Saúde, através da DGS, jamais poderia contratualizar o Paxlovid usando um expediente que prescinde de procedimentos de contratação pública e omite informação sobre compras de milhões de euros.

    No entanto, em abono da verdade, até a data do contrato que consta agora no Portal Base poderá ser falsa. Com efeito, além desta compra de 20 milhões de euros do antiviral da Pfizer com data de 31 de Dezembro de 2022, não surge mais nenhuma na plataforma da contratação pública, mas o Infarmed revelara em Julho do ano passado – portanto, cinco meses antes – que o país tinha então “em stock 9.975 unidades do antiviral oral Paxlovid, de um total de 30 mil tratamentos adquiridos para este ano, dos quais foram já entregues em território nacional 10.000 unidades”. Ou seja, ou a data da celebração do contrato entre a DGS e a Pfizer é falsa ou então a Pfizer entregou fármacos à discrição sem qualquer acordo comercial prévio.

    Saliente-se que, no Verão do ano passado, o Infarmed também informara que também tinham sido adquiridas 5.000 unidades de Lagevrio à Merck Sharp & Dohme (MSD), mas não consta ainda qualquer contrato no Portal Base. Este fármaco da MSD, cujo princípio activo se denomina molnupiravir, acabou por ser retirado do mercado por ser ineficaz em Julho passado. O regulador liderado por Rui Santos Ivo também revelara que estava então em curso a aquisição de 1.728 tratamentos de Evushled e 300 de Xevudy, dois anticorpos monoclonais bastante caros com aprovação apressada pela Agência Europeia do Medicamento.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde, mantém como política habitual o total e absoluto obscurantismo sobre contratos associados à pandemia que envolvem muitos milhões de euros.

    O primeiro destes fármacos, comercializado pela AstraZeneca, acabou por ser comprado em Novembro do ano passado, custando 695 mil euros, mas no contrato publicado entretanto no Portal Base foi ilegitimamente rasurado o preço unitário, desconhecendo-se assim a quantidade adquirida. Em todo o caso foi mais um flop: em Janeiro deste ano, a Food & Drug Administration retirou a autorização deste fármaco nos Estados Unidos por ser também ineficaz.

    Quanto ao Xevudy, comercializado pela GlaxoSmithKline, não há registo de compra, até agora, no Portal Base, mas tal não significa que o Governo não esteja também a esconder as aquisições.

    Esta compra de Paxlovid no valor de 20 milhões de euros vem assim acentuar a obscuridade dos negócios envolvendo o Governo e as farmacêuticas, tanto mais que surgem cada vez mais evidências que muitos dos fármacos concebidos para combater o SARS-CoV-2 se mostraram ineficazes ou mesmo contraproducentes. No caso particular do antiviral da Pfizer, apesar de mostrar eficácia, tem um grave problema: depois do tratamento, 20% dos pacientes têm uma recaída (denominado, em inglês, por rebound). Ao contrário, em pacientes que não usaram Paxlovid só cerca de 2% registaram esse fenómeno.

    Aliás, apesar desse evento adverso estar a ser cada vez mais consolidado em artigos científicos – do qual é exemplo um publicado no passado dia 14 de Novembro no Annals of Internal Medicine –, já era conhecido desde o ano passado. Por exemplo, em Julho de 2022 o presidente norte-americano Joe Biden sofreu um rebound após tratamento com Paxlovid. Também Antony Fauci alegou ter sofrido este evento. Na altura, o médico da Casa Branca, Kevin O’Connor, garantia que eram situações raras, e a própria FDA informara que os ensaios clínicos da Pfizer os rebounds tinham uma probabilidade de ocorrência entre 1% e 2%. Mas afinal é de 20%, pelo menos 10 vezes mais.

    Informação minimalista no Portal Base ‘aguardou’ 11 meses e nem sequer há contrato nem sequer indicação de quantidades compradas. Tudo isto num contrato de 20 milhões de euros através de um procedimento que já não podia legalmente ser usado.

    Estes resultados decepcionantes deste fármaco, a par da redução do impacte da covid19 na Saúde Pública (e na comunicação social mainstream), tem causado estragos financeiros à Pfizer, apesar da aprovação definitiva da FDA em Maio passado pra doentes com sintomas fracos a moderados.

    No mês passado, a farmacêutica norte-americana reduziu em 13% das suas previsões de receita para este ano por causa da queda nas receitas de produtos para a covid-19, tanto de vacinas como de Paxlovid. A Pfizer viu-se obrigada a reduzir a sua previsão de venda do antiviral em cerca de 7 mil milhões de dólares, incluindo a reversão de receitas devida a devoluções de 7,9 milhões de unidades por parte do Governo federal dos Estados Unidos, que ‘oferecia’ o tratamento gratuitamente.

    Os anos de ouro da Pfizer – entre 2020 e 2022 – estão, aliás, agora a esfumar-se. No terceiro trimestre de 2023 – que registou um prejuízo líquido de 2,39 mil milhões de euros –, as vacinas contra a covid-19 registaram uma queda de receitas de 42% face ao período homólogo do ano passado, enquanto as vendas de Paxlovid baixaram 97%. Depois de as suas acções na Bolsa de Nova Iorque (NYSE) terem atingido um máximo próximo dos 60 dólares em Dezembro de 2021, as cotação está agora nos 30 dólares, uma queda de metade do seu valor, e pouco acima dos mínimos dos últimos cinco anos.

    Foto inserida num tweet do dia 9 deste mês da conta da Pfizer da rede social X, informando que o Paxloxid deixará de ser oferecido pelo Governo Federal dos Estados Unidos aos seus cidadãos. Situação financeira da farmacêutica não é, porém, agora para grandes risadas.

    E sem os contratos secretos na União Europeia, assumidos por Ursula von der Leyen – que provavelmente manterão receitas para fármacos desnecessários e até eventualmente contraproducentes –, o cenário financeiro para o futuro da Pfizer (e de outras companhias que lucraram com a pandemia) ainda seria mais sombrio.

    Saliente-se que o PÁGINA UM contactou o Ministério da Saúde para obter comentário sobre o contrato com a Pfizer para a compra de Paxlovid, mas como é hábito não houve resposta do gabinete de Manuel Pizarro.

  • Polígrafo: Fernando Esteves é o director editorial? FALSO!

    Polígrafo: Fernando Esteves é o director editorial? FALSO!


    Em caso de ferreiro, espeto de pau. O adágio popular bem se pode aplicar ao Polígrafo, o mais conhecido ‘fact checker’ português, fundado em 2018 para combater as ‘fake news’ e que teve uma função de ‘cão-de-guarda’ do Facebook a partir de 2020 contra conteúdos ‘classificados’ como falsos. Apesar de o jornalista Fernando Esteves, seu mentor, continuar a constar na ficha técnica como director do Polígrafo, a informação no registo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social é outra. A responsável editorial é afinal a jornalista Sara Beatriz Monteiro, mas que não assume. E Fernando Esteves diz ainda, na nota biográfica, ser ‘publisher’ da Media9. Também já não é.


    Apareceu há cinco anos, com honras de apresentação no Web Summit, e com nome da máquina que detecta mentiras. Tendo como mentor Fernando Esteves, ex-editor de Política da revista Sábado, o Polígrafo apresentou-se então para ocupar um nicho de ‘verificação de factos’, não propriamente da própria imprensa, mas dos protagonistas políticos.

    “A primeira vez que alguém for apanhado no Parlamento com uma declaração falsa, essa pessoa e todas as outras irão pensar duas vezes antes de fazerem outra declaração porque sabem que há um jornal que só existe para verificar aquilo que eles dizem”, prometia então Fernando Esteves numa notícia do Público em Novembro de 2018.

    selective focus photography of Pinocchio puppet

    O projecto – que germinara sob a aura das fake news do mandato de Donald Trump nos Estados Unidos – teve também como alvo as redes sociais. Fernando Esteves dizia então que “os media tradicionais são influenciados pelas redes sociais, onde encontramos uma coisa e o seu contrário. O Polígrafo nasce para fazer essa triagem, quero que seja uma espécie de Google da verdade.”

    Não sendo propriamente um Google, o Polígrafo transformou-se sim, sobretudo com a pandemia a partir de 2020, no ‘cão de guarda’ do Facebook para ‘apanhar’ e penalizar todas as opiniões que fugissem das ópticas governamentais e da Organização Mundial da Saúde. O Facebook é, aliás, um ‘sugar daddy financeiro’ deste verificador de factos, tendo a empresa de Mark Zuckerberg transferido já mais de 1,3 milhões de euros entre 2020 e 2022.

    Quanto à verdade prometida pelo Polígrafo, além de o PÁGINA UM ter detectado no início do Verão passado que a empresa do Polígrafo, a Inevitável e Fundamental – que tem como sócio (com 40%) o proprietário da Media9, N’Gunu Tiny –, há agora outro caso surpreendente: apesar de Fernando Esteves se manter na Ficha Técnica como seu director, essa informação que consta no site é falsa.

    Fernando Esteves congratulou-se há três semanas, na sua página do Facebook, com os cinco anos do Polígrafo, mas não dá sinais de vida no ‘verificador de factos’ desde Janeiro deste ano.

    E mais: na nota biográfica de Fernando Esteves no próprio site do Polígrafo, há outra mentira. Está escrito que “desde Outubro de 2022, acumula a direção do Polígrafo com as funções de Publisher da Media9, a empresa que detém o Jornal Económico e o Novo, bem como as licenças de publicação das revistas Forbes Portugal e Forbes África Lusófona”, mas tal não é verdade.

    No mês passado, a função de publisher da Media9 – cargo não reconhecido pela Lei da Impresa nem pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – passou a ser detida desde o mês passado por Filipe Alves, que acumula com a direcção do Jornal Económico.

    Com efeito, de acordo com o Portal da Transparência dos Media, regulada pela ERC – e cujo preenchimento é da responsabilidade das empresas que detém os respectivos órgãos de comunicação social –, o Polígrafo tem agora como responsável editorial a jornalista Sara Beatriz Monteiro, que acumula com a direcção do Viral Check, dedicado à análise da veracidade de notícias de saúde. A ficha técnica do Viral Check, hoje consultada pelo PÁGINA UM, está correcta: Sara Beatriz Monteiro surge como directora editoral, surgindo na sua biografia que ocupa essa função desde Setembro de 2022.

    Sara Beatriz Monteiro: para a ERC é directora editorial do Viral Check e também do Polígrafo, mas só assume a função do primeiro.

    No entanto, apesar de constar no Portal da Transparência dos Media também directora do Polígrafo, esta jornalista – que se formou em Ciências da Comunicação na Universidade do Porto em 2016 – refere apenas que “faz parte da equipa permanente” do verificador de factos que, falsamente, aponta Fernando Esteves ainda como director. E numa consulta aos arquivos da Internet, essa situação já ocorre pelo menos desde Agosto passado.

    A falsidade do nome do responsável editorial não é apenas uma formalidade nem um detalhe, mesmo se estamos perante um verificador de factos que assume a Verdade como parte da sua genética.

    A Lei de Imprensa concede uma grande relevância ao director de um órgão de comunicação social, concedendo-lhe competências na orientação e determinação dos conteúdos, na designação dos jornalistas com funções de chefia e coordenação, na representação do período (mesmo junto da administração ou gerência) e na presidência do conselho de redacção.

    Registo de hoje do Portal da Transparência dos Media relativo à jornalista Sara Beatriz Monteiro

    Em todo o caso, além do problema reputacional, esta informação falsa não tem uma sanção relevante: se a ERC quiser aplicar as sanções da Lei da Imprensa, a empresa detentora do Polígrafo fica sujeita a uma multa entre 500 e 2.500 euros.

    A saída de Fernando Esteves e a entrada em funções de Sara Beatriz Monteiro teria de ter sempre um parecer do Conselho de Redacção, uma vez que o Polígrafo tem mais do que cinco jornalistas.

    Refira-se ainda que o último texto publicado por Fernando Esteves no Polígrafo tem data de 2 de Janeiro deste ano, onde fez o fact checking sobre a informação de que João Galamba avisara José Sócrates em 2014 de estar a ser investigado no âmbito da Operação Marquês.

    Nota biográfica de Fernando Esteves no Polígrafo mantém-no como director deste fact checker e também como publisher da Media9. Mentira com direito a ‘pimenta na língua‘?

    Na actual ficha técnica do Polígrafo, hoje consultada pelo PÁGINA UM, além do nome de Fernando Esteves constar ainda falsamente como Director, surge ainda Gustavo Sampaio como director-adjunto. E em seguida, mesmo antes da lista de jornalistas da redacção – onde Salomé Leal é identificada como coordenadora e Sara Beatriz Monteiro é o último nome, sem qualquer relevância – está referenciado um denominado “Diretor de Operações”.

    Embora esse cargo não seja reconhecido pela Lei da Imprensa, o destaque concedido na ficha técnica evidencia um papel relevante na estrutura funcional da actividade jornalística do Polígrafo. Esta função é ocupada, desde Fevereiro deste ano, por Filipe Pardal, um ex-jornalista que foi, até Março deste ano, chefe de gabinete de Miguel Guimarães, o antigo bastonário da Ordem dos Médicos.


    N.D. O PÁGINA UM elaborou este artigo jornalístico com base em factos, consultando os registos do Portal da Transparência dos Media, cujo preenchimento é da responsabilidade da empresa detentora do Polígrafo, sendo que a validação e eventual fiscalização é uma função da Entidade Reguladora para a Comunicação. São factos já confirmados, que podem ou não ser comentados por terceiros. Por legítima opção editorial, o PÁGINA UM decidiu não contactar, desta vez, nenhum responsável editorial do Polígrafo, até porque, em solicitações anteriores para outros artigos, nunca o PÁGINA UM obteve resposta. Neste caso, mesmo que houvesse um comentário, este não alteraria os factos.

  • Expresso ‘trinca’ 23.985 euros para fazer notícias sobre dentes e saúde oral

    Expresso ‘trinca’ 23.985 euros para fazer notícias sobre dentes e saúde oral


    A palavra mágica é ‘media partner’, assim em inglês, mas, na verdade, significa tão-só uma prestação de serviços de um órgão de comunicação social com uma contrapartida monetária. Assim, se uma entidade ou empresa se quer promover ou fazer lobby, basta agora contratar uma empresa de media que disponibiliza jornalistas e comunicadores para ‘vender o peixe’ dos clientes. Ou as reivindicações, como as da Ordem dos Médicos Dentistas, que este mês, a troco de um pouco menos de 24 mil euros, conseguiu fazer sair uma mão-cheia de ‘notícias’, com a chancela de (suposto) jornalismo credível, num dos principais jornais portugueses. Mais um caso revelado pelo PÁGINA UM que mostra que, agora, com dinheiro e jeitinho, (quase) tudo se consegue na imprensa mainstream.


    Este mês, no jornal Expresso, os assuntos mediáticos não têm sido apenas dominados pela crise política, ou pelo conflito israelo-palestiniano, ou por outros temas candentes. Tem havido tempo e espaço para falar sobre muitos outros temas. Dentes, por exemplo. Ou mais propriamente das preocupações e reinvindicações da Ordem dos Médicos Dentistas.

    No dia 7 de Novembro, uma notícia assinada pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes naquele jornal dava conta das potencialidades de Portugal desenvolver o “turismo de saúde oral”, aproveitando para anunciar o congresso da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD).

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    Três dias depois, o mesmo jornal publicou novo artigo sobre dentição, desta vez com origem da Lusa, revelando dados de um estudo da OMD, e aproveitando para fazer eco das reivindicações do bastonário Miguel Pavão, que considerava que os números apurados por esta entidade “são preocupantes” e que demonstravam “a urgência da concretização de medidas há muito apresentadas pela Ordem, como a criação do cheque-dentista prótese e a criação de uma carreira especial no SNS capaz de atrair estes profissionais”.

    Como não há duas sem três, nesse mesmo dia, mais uma vez surgiu o jornalista Francisco de Almeida Fernandes a escrever um artigo jornalístico para o Expresso, incidindo sobretudo sobre um debate no congresso da Ordem dos Médicos Dentistas, em Matosinhos, com a moderação pelo ex-jornalista Paulo Baldaia, comentador de órgãos de comunicação social do Grupo Impresa – e que o apresenta como jornalista, embora já não o seja.

    Cinco dias mais tarde, no dia 15 de Novembro, mais dentes no Expresso, desta vez a compilação de declarações dos “protagonistas da apresentação do Barómetro de Saúde Oral no congresso da Ordem dos Médicos Dentistas”.

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    Como se ainda não bastasse, na edição semanal do Expresso do passado dia 17, mais uma notícia, também na versão em papel, com destaque à fotografia do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, e revelando que o “Governo comprometeu-se a criar 300 gabinetes de saúde oral até 2026”.

    A notícia tinha uma pequena caixa onde se referia que “a Ordem dos Médicos Dentistas, que assinala este ano o 25º aniversário, voltou a reunir-se na 32ª edição do seu congresso, a que o Expresso se associou como media partner”, acrescentando que “o evento dedicado aos profissionais da saúde oral serviu para debater os principais desafios e as mais recentes inovações médicas que se colocam à profissão de médico dentista em Portugal”.

    Apesar de referir, em diversas ocasiões que o Expresso se associou ao congresso como media partner, na verdade mais uma vez foi omitido que se tratou de uma prestação de serviços – o que significa que houve mercantilização de jornalistas e omissão da verdadeira causa para a saída das notícias (e o seu número e ângulo de abordagem).

    Assinado por jornalista e com declarações até do ministro da Saúde. Notícia ou conteúdo comercial? Aquilo que for, certo é haver um contrato de prestação de serviços no valor de quase 24 mil euros pago pela Ordem dos Médicos Dentistas.

    Com efeito, a cobertura noticiosa sobre saúde oral nestas duas semanas – que incluiu mesmo declarações políticas do ministro da Saúde – apenas foi possível não pelo interesse editorial, mas para cumprir um contrato de prestação de serviços no valor de 23.985 euros, que consta no Portal Base, uma vez que as ordens profissionais são equiparadas a entidades públicas. Como o montante sem IVA é inferior a 20 mil euros, a OMD e a Impresa – proprietária do Expresso – evitaram ter de expor por escrito uma evidência: o pagamento só seria feito se houvesse notícias na versão online e em papel, com a cobertura numa determinada abordagem.

    Recorde-se que já no ano passado a OMD tinha feito um contrato comercial com outra empresa detentora de órgãos de comunicação social para promover as suas reinvindicações e até o seu bastonário, o que incluiu uma entrevista no Diário de Notícias.

    Curiosamente, na agenda institucional do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Pavão, surge uma reunião a 26 de Junho passado com o “Diretor de Negócios do Expresso”, que será Miguel Pacheco, um ex-jornalista que chegou a ser director-adjunto do Dinheiro Vivo. Esta é, aliás, a parte mais perniciosa da promiscuidade deste tipo de ‘parcerias’: a ‘mensagem’, mesmo se publicitária ou panfletária, deve incorporar uma ‘linguagem jornalística’ para aparentar credibilidade para se mostrar mais eficaz. Claro, no processo, enganam-se os leitores, ouvintes e telespectadores, mas tornando-se, a prazo evidente, o que acaba por ser uma ‘facada’ no jornalismo sério.

    Recorde-se que a mercantilização de notícias – isto é, o uso de jornalistas para cumprirem contratos comerciais de prestação de serviços com conteúdos informativos – viola o Estatuto do Jornalista e mesmo a Lei da Imprensa, por constituir uma ingerência externa nos critérios editoriais.

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    Mas, como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social se tem mostrado bastante tolerante e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista completamente alheada do ponto de vista disciplinar, os órgãos de comunicação social têm usado e abusado de um expediente ao qual eufemisticamente denominam agora de media partner, sobretudo quando os contratos são com entidades públicas, uma vez que essas prestações de serviços acabam por ser revelados, mais tarde ou mais cedo, no Portal Base.

    O recurso a empresas de comunicação social, disponíveis em época de crise a direccionar jornalistas para criarem conteúdos favoráveis, tem aumentado nos últimos anos, não apenas com entidades públicas, mas sobretudo com empresas privadas.

  • Web Summit: AICEP ‘estoira’ 421.675 euros em alugueres de minivans

    Web Summit: AICEP ‘estoira’ 421.675 euros em alugueres de minivans


    Anteontem, o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) reuniu com a Embaixada da China sobre o ambiente de investimento em território nacional, com foco na fileira produtiva da mobilidade elétrica. Mas no início deste mês, decidiu alugar 50 minivans convencionais para transportar ignotos convidados para a Web Summit. Não foi a primeira vez: já no ano passado, a agência que procura investimento externo decidiu gastar uma boa maquia a levar gentes para uma zona bem servida de transportes públicos. A factura disto tudo já supera os 420 mil euros. Despesismo ou investimento? Da parte da AICEP ‘veio’ o silêncio.


    Na filosofia política que fez germinar, florescer e amadurecer a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), consolidada ao longo de décadas de um mix de marketing diplomático com arte da sedução, certamente não há despesas – há apenas investimento, porque a despesa, se improdutiva, ganha o sufixo ‘ismo’, tornando-se despesismo, enquanto os investimentos subentendem benefícios públicos futuros, mesmo se à primeira vista esse tal investimento surja aos olhos dos incréus como um gasto supérfluo que, enfim, se confunde com despesismo.

    Por esse motivo, por compreender que nem todos os gastos – aparentemente supérfluos – sejam mesmo uns despesismos incompreensíveis, o PÁGINA UM quis saber junto da AICEP o motivo pelo qual decidiu celebrar duas aquisições de serviços para transporte de passageiros para as últimas edições da Web Summit. Não houve resposta.

    Filipe Santos Costa, primeiro à direita, é o presidente da AICEP desde o Verão passado.

    Sabe-se assim apenas que, apesar da localização da Web Summit ser próxima da estação de metro do Oriente, o primeiro contrato de aluguer de minivans, assinado em Outubro do ano passado entre a AIECP e a Choice Car, custou 206.425 euros (IVA incluído). Para a edição deste ano – que decorreu entre 11 e 14 deste mês –, já por concurso público (em que apenas concorreu outra empresa), a Choice Car sacou mais 215.250 euros (IVA incluído).

    Em conjunto, deste modo, apenas em passeios de minivans, transportando não se sabe quantas pessoas, a AICEP pagou, para estas duas edições da ‘feira tecnológica’, um total de 421.675 euros para serviços de cerca de uma dúzia de dias. No caderno de encargos do último contrato apenas se refere que os “serviços serão prestados na área metropolitana de Lisboa e/ou regiões adjacentes à mesma, prevendo-se o transporte de passageiros entre o Aeroporto de Lisboa, as instalações da Feira Internacional de Lisboa, os diversos hotéis onde se encontram hospedados os participantes e outros locais e eventos organizados pela Web Summit”.

    Os montantes dispendidos pela AICEP para estas deslocações dariam para adquirir 63.890 bilhetes diários de metro, ou, se a opção fosse táxi, para pagar 28.783 viagens da redacção do PÁGINA UM até ao Centro de Congressos no Parque das Nações. Noutra perspectiva, daria mais de quatro mil passeios turísticos de tuk-tuk até ao Parque das Nações, ainda com direito a passagem por Marvila para desfrutar de street art e visitar a Fábrica de Unicórnios.

    António Costa Silva (ministro da Economia), Katherine Maher (CEO da Web Summit) e Carlos Moedas (presidente da Câmara Municipal de Lisboa) na abertura de oitava edição da ‘feira tecnológica’.

    Diga-se ainda que, apesar deste avultado ‘investimento’ de mais de 420 mil euros no comércio interno – uma vez que a Choice Car tem capital inteiramente lusitano, apesar da denominação em língua anglo-saxónica –, a presença da AICEP pela Web Summit tem sido sempre bastante discreta.

    Na última edição, o ponto alto atingiu-se no encontro do actual presidente da agência, Filipe Santos Costa, com uma comitiva de empresas luxemburguesas presidida pelo grão-duque herdeiro daquele país. O PÁGINA UM não conseguiu confirmar se Filipe Santos Costa se dirigiu até à Web Summit usando uma das minivans alugadas, que terão transportado um número indeterminado de pessoas a partir de incógnitos sítios para o Parque das Nações, e respectivo regresso.

  • Excesso de mortalidade a longo prazo em Portugal é quatro vezes superior ao da Suécia

    Excesso de mortalidade a longo prazo em Portugal é quatro vezes superior ao da Suécia


    O PÁGINA UM pegou nos dados das autoridades estatísticas e de saúde de Portugal e da Suécia, e analisou a evolução da mortalidade desde 2020 até Setembro do presente ano, e comparou com o período de 2015-2019. O sueco ‘patinho feio’ da pandemia, afinal mostrou ser um cisne, enquanto o ‘sucesso lusitano’ repetido pelo Governo de António Costa e ovacionado pelo Presidente da República acaba por se mostrar um desastre. Mostramos aqui os gráficos comparativos para um ‘tira-teimas’ sobre gestão de crise sanitária, onde se demonstra que em Portugal ainda estamos numa. E na Suécia não.


    Considerado sistematicamente como o irresponsável ‘patinho feio’ do Mundo Ocidental, um país promotor do ‘negacionismo’ – por não seguir as fortes restrições dos parceiros comunitários e o uso de máscara –, acusado de ter deixado ‘morrer velhinhos’, a Suécia foi ostracizada como ‘ovelha negra’ da gestão supostamente responsável da pandemia da covid-19.

    Nos primeiros meses da pandemia, em Março de 2020, com o choque das primeiras mortes causadas pelo SARS-CoV-2 a ecoarem numa imprensa histérica e governantes titubeantes, a gestão da Agência de Saúde Pública da Suécia, então liderada por Anders Tegnell, manteve-se firme ao não impor regras que afectassem em demasia o quotidiano dos cidadãos, incluindo os cuidados de saúde para outro tipo de afecções. No mês de Maio do primeiro ano da pandemia, a então ministra dos Negócios Estrangeiros daquele país nórdico, Ann Linde, garantia: “Isto não é um sprint; é uma maratona”.

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    E assim o demonstra uma análise de médio prazo quando se confronta o impacte da pandemia na Saúde Pública de Portugal face à Suécia: desde Março de 2020 até finais de Setembro deste ano, o excesso de mortalidade no nosso país é um pouco superior a quatro vezes a daquele país nórdico. Nesse período, registaram-se em Portugal mais 46.827 óbitos do que a média, correspondendo a um incremento de 12,0%, enquanto na Suécia o aumento foi de 8.849 mortes, ou seja, mais 2,8% do que a média.

    E a situação ainda piora quando se analisa os três últimos anos. Por exemplo, em 2023, até finais de Setembro, a Suécia até apresenta um ‘défice’ de mortalidade, estando com valores mais baixos do que no quinquénio anterior à pandemia, enquanto Portugal, face ao mesmo período de referência, ainda apresenta um acréscimo de 5,7%.

    A análise do PÁGINA UM – que se baseia nos dados estatísticos da mortalidade total por semana em cada um dos países, em que se confronta a mortalidade semanal desde 2020 com a média registada no período de 2015-2019 – permite revelar que foi sobretudo em 2021, no segundo ano da pandemia, que a gestão sueca mostrou ser a mais correcta.

    Com efeito, no ano de 2020, sobretudo por causa do incremento repentino de óbitos entre Março e Junho – com um pico a atingir quase mais 50% do que o normal, que se deveu sobretudo a erros assumidos nos cuidados dos idosos em lares –, a Suécia ainda registou um excesso de mortalidade de 7,1% face ao quinquénio pré-pandemia. Porém, mesmo assim já abaixo do excesso contabilizado em Portugal (11,4%). Em termos absolutos, a Suécia teve nesse ano mais 6.443 mortes do que a média do quinquénio anterior, enquanto Portugal contou mais 12.846 óbitos.

    Mortalidade em PORTUGAL entre a primeira semana de 2020 e semana 38 de 2023, e comparação com a média do quinquénio 2015-2019. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Apesar de Portugal ter supostamente aguentado melhor a denominada primeira vaga, na Primavera de 2020, os aumentos da mortalidade fizeram-se sentir a partir de Agosto, muito associado também à decisão política de adiar ou suspender consultas, diagnósticos, exames e cirurgias, inculcando também medo à população no acesso às urgências hospitalares.

    Aliás, o crescente incremento da mortalidade em Portugal atingiria o seu auge nas primeiras semanas de 2021, que coincidiu com uma vaga de frio e o colapso do Serviço Nacional de Saúde. Na terceira semana de Janeiro desse ano, o excesso de mortalidade superou os 70%.

    O intenso programa de vacinação contra a covid-19 em Portugal, não teve a prometida redução da mortalidade. Pelo contrário. Sobretudo a partir de Julho desse ano, o excesso de mortalidade semanal esteve quase sempre bem acima dos 10%, chegando a ultrapassar os 20% no final de Novembro. Ao invés, na Suécia registaram-se várias semanas com mortalidade abaixo da média pré-pandemia, e no cômputo de 2021 este país nórdico até apresentou um ligeiro decréscimo (menos 27 óbitos). E quanto a Portugal, a desgraça revelou-se: mais 14.006 mortes do que no quinquénio 2015-2019, representando um excesso de óbitos da ordem dos 12,7%.

    Mortalidade na SUÉCIA entre a primeira semana de 2020 e semana 38 de 2023, e comparação com a média do quinquénio 2015-2019. Fonte: Statistiska centralbyrån (SCB). Análise: PÁGINA UM.

    Com o surgimento da menos agressiva variante Ómicron – e com a covid-19 a deixar de ser uma preocupação de Saúde Pública –, a Suécia recuperou a sua ‘vida habitual’, em função dos ciclos habituais da mortalidade, apenas com um acréscimo relevante num curto período do Inverno de 2022-2023, mas compensado por posteriores períodos de menor letalidade. Assim, no ano de 2022, a Suécia contabilizou um acréscimo de apenas 2,6% face ao quinquénio pré-pandemia, e este ano (até finais de Setembro) apresenta uma redução de 1,7%. Ou seja, desde o início de 2021, a Suécia conta apenas mais 1.164 mortes do no período pré-pandemia, ou seja, somente mais 0,5%.

    Ao contrário deste cenário sueco, o panorama da Saúde Pública em Portugal agravou-se, enquanto as autoridades governamentais se mantiveram zelosamente obscurantistas, adiando as avaliações das causas do excesso de mortalidade.

    Com efeito, se o ano de 2021 teve a ‘desculpa’ de um Inverno calamitoso – em particular em Janeiro, com o recorde mensal de óbitos no século XXI –, não se encontra ainda explicação capaz (e científica) de desvendar o que sucedeu em 2022 com sucessivos meses de excesso de mortalidade total, incluindo Inverno, Primavera, Verão e Outono. Em 2002, enquanto a Suécia apresentava uma ligeira subida de 2,6%, Portugal teve um acréscimo de 12,7%, semelhante ao ano anterior, mas mais grave porque mostrou uma situação mais alargada no tempo, e portanto indiciadora de ser um ‘mal estrutural’ – e não conjuntural, num curto período, como um surto gripal.

    Evolução da variação da mortalidade total em Portugal e na Suécia desde a semana 1 de 2020 até à semana 38 de 2023. Base: 100 (média do quinquénio pré-pandemia). Fonte: SICO e SCB. Análise: PÁGINA UM.

    O presente ano não atinge em Portugal um acréscimo tão elevado (5,8% acima da média, resultando em mais 4.644 óbitos), mas é revelador de uma gravidade elevada, porque 2023 será o quarto ano consecutivo de excesso, uma situação inédita nos tempos modernos em situações de crise sanitária. E observando a tendência das semanas mais recentes – com excesso de mortalidade acima dos 10% –, não se augura um Inverno dócil.  

    As estimativas do PÁGINA UM – numa altura em que o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito regista já 103.541 mortes em Portugal até 20 de Novembro – é que até ao final de Dezembro se atinjam valores acima dos 117 mil óbitos. Será um valor abaixo dos 120 mil – que foram sempre ultrapassados em 2020, 2021 e 2022 –, mas mesmo assim 5% acima da média do quinquénio pré-pandemia. Ou seja, depois de três anos de ‘sangria’ de vulneráveis, a Ceifeira continua impávida em Portugal. E na Suécia não.

  • Turismo de Portugal entrega ‘jackpot’ a sociedade de advogados ‘amiga’ [act.]

    Turismo de Portugal entrega ‘jackpot’ a sociedade de advogados ‘amiga’ [act.]


    Se não há duas sem três, para a sociedade de advogados Clareira Legal depois de seis contratos houve um sétimo, e com direito a ‘jackpot’. Na semana passada, o Turismo de Portugal entregou de ‘mão-beijada’, e sem os estorvos de concorrência, um contrato no valor de 1,2 milhões de euros à sociedade fundada por André Luiz Gomes, conhecido por ter sido advogado de Joe Berardo. Os contratos anteriores, vistos na perspectiva do que está em curso, parecem uma ‘pechincha’: custaram, para o mesmo período, ‘apenas’ 190 mil euros.


    Todos os anos, desde 2017, a sociedade Clareira Legal – fundada por André Luiz Gomes, que ficou conhecido por ter sido advogado de Joe Berardo – podia contar com uma coisa: uma avença do Turismo de Portugal para patrocínio judicial e consultadoria em litígio com empresas concessionárias das zonas de jogo, ou seja, sobretudo casinos.

    Assim foi em 2017 – ainda a sociedade se denominava Luiz Gomes & Associados –, logo com um ajuste directo que, formalmente, se iniciou no dia 18 de Dezembro, e durou apenas 13 dias, pelo valor de 150 mil euros. Continuou em 2018, com a assinatura de novo ajuste em 29 de Novembro pelo valor de 190 mil euros, com a particularidade de ter efeitos retroactivos ao início daquele ano.  Repetiu-se a ‘dose’ de 190 mil euros em 2019, com similares circunstâncias: contrato de mão-beijada – leia-se, ajuste directo – celebrado já na segunda metade do ano, mas com efeitos a iniciar-se, mais uma vez, em Janeiro.

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    E escusado quase seria necessário acrescer que em 2020, 2021 e 2022 foi mais do mesmo: no primeiro destes anos, o contrato por ajuste directo de 190 mil euros foi assinado em 20 de Novembro; no segundo destes anos, o contrato de ‘mão-beijada’ calhou ter a data de 8 de Outubro; e no terceiro destes anos, lá se antecipou a ‘coisa’ para o início de Agosto.

    Sabendo-se que já se andava com seis contratos anuais por ajuste directo para o mesmo objecto, cinco dos quais ‘religiosamente’ com a mesma verba, não seria necessário ser-se ‘bruxo’ para prever como certo que este ano, mais dia menos dia, surgisse o habitual ‘beija-mão’ sob a forma de contrato por ajuste directo entre a administração do Turismo de Portugal, agora liderado por Carlos Abade, e pela Clareira Legal, que assumiu esta denominação no Verão passado.

    E assim foi, mas com direito a ‘jackpot’ para a sociedade de advogados: em vez de um ajuste directo com os habituais 190 mil euros, o Turismo de Portugal atribui um contrato de 1,2 milhões de euros, ou seja, o equivalente a mais de seis anos da ‘avença habitual’. No convite à apresentação da proposta para o ajuste directo “com base em critérios materiais” – que não são sequer justificados, pese embora a sociedade de advogados ostente um especialista em direito de jogos –, salienta-se apenas que o objectivo é representar o Turismo de Portugal “junto do Tribunal Arbitral no âmbito dos processos arbitrais propostos contra o Turismo de Portugal e/ ou o Estado português pelas empresas concessionárias das zonas de jogo”.

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    Por sua vez, o contrato não adianta muito mais, apenas referindo que o preço por hora de (suposto) trabalho será de 150 euros, um aumento de 43% face aos honorários praticados no contrato do ano anterior. Mesmo assim o Turismo de Portugal terá contratado 8.000 horas de serviços jurídicos à Clareira Legal, ou seja, 32 horas por dia útil do presente ano.

    O PÁGINA UM contactou o Turismo de Portugal no sentido de obter uma justificação com base legal para sete ajustes directos sucessivos no mesmo âmbito com a Clareira Legal, e sobretudo a razão de um contrato desta natureza em 2023 com um montante tão elevado – e com efeitos retroactivos, o que significa que à data da assinatura quase todo o serviço estava afinal já executado –, mas não obteve qualquer reacção.

    Sem resposta ficaram assim também as perguntas sobre os processos em concreto no Tribunal Arbitral que estiveram a ser patrocinados pela Clareira Legal e se existem garantias de que o sócio da Clareira Legal especialista em direito de jogo (Gonçalo Proença) nunca trabalhou, ou trabalhará, para as concessionárias dos jogos.


    N.D. Pelas 23:18 de 21/11/2023, o PÁGINA UM recebeu o seguinte esclarecimento do Turismo de Portugal:

    O contrato a que se refere o texto [acima] foi celebrado pelo Turismo de Portugal, em cumprimento da obrigação atribuída a este Instituto pelo Estado Português para assegurar os atos e os meios necessários para a representação na defesa do Estado Português, em três ações arbitrais. As ações foram propostas em 2022 e 2023 contra o Estado Português e o Turismo de Portugal, I.P. pelas concessionárias de três zonas de jogo e o valor global dos pedidos de compensação apresentados ascende a mais de 330 milhões de euros.

    A contratação em causa, respeitou integralmente as regras da contratação pública, e teve em consideração a escolha de um escritório de advogados especializado em direito público e, em especial, em contratos de concessões e, em particular, com uma experiência de vários anos no acompanhamento de concessões de exploração de jogos de fortuna ou azar em Portugal, atento o seu regime específico e de contornos muito particulares, circunstâncias determinantes nas ações arbitrais propostas, que aliás tinham ligação a outras ações judiciais já propostas e acompanhadas pelo referido escritório.

    Para a escolha da referida sociedade de advogados foi ainda determinante o facto de ter conseguido obter vencimento nas ações propostas pelas concessionárias perante os tribunais judiciais, protegendo e beneficiando assim o interesse público. Neste caso foi escolhido o prestador em quem se deposita confiança técnica e profissional, sendo que, nestes casos, as próprias Diretivas Comunitárias de contratação pública não se aplicam a este tipo de contratos.

    Daquele que é o conhecimento do Turismo de Portugal, não existe qualquer relação da sociedade de advogados contratada com empresas concessionárias da exploração de jogo em casinos em Portugal.

    Sobre esta matéria, o PÁGINA UM reitera que no contrato por ajuste directo deste ano, pelo valor de 1,2 milhões de euros (mais de um milhão de euros superior às seis avenças anuais anteriores), não se encontra justificação para o montante de horas pagas nas três acções arbitrais, nem ao incremento do preço à hora. O Turismo de Portugal defende que “respeitou integralmente as regras da contratação pública” quando, em sete contratos, todos foram por ajuste directo. Ou seja, aplica a excepção em sete dos sete contratos públicos assinado. O ajuste directo não é a regra do Código dos Contratos Públicos, mas constata-se ser a regra do Turismo de Portugal. Por outro lado, está por provar que a Clareira Legal seja a única sociedade de advogados capaz de defender o interesse público, pelo simples facto de nunca ter tido sequer concorrência. Se for mesmo melhor, em termos de relação qualidade-preço, por certo conseguirá provar isso num regime de livre concorrência, através de concurso público. De resto, o PÁGINA UM continuará a denunciar flagrantes actos de contratação pública, com recurso a dinheiros dos contribuintes, através de ajustes directos decididos por gestores públicos com ‘argumentos’ pouco transparentes.

  • Infarmed diz que contratos dos 33 tratamentos ‘milionários’ para atrofia muscular espinhal são confidenciais

    Infarmed diz que contratos dos 33 tratamentos ‘milionários’ para atrofia muscular espinhal são confidenciais


    Desde 2019, o Infarmed terá autorizado 33 tratamentos para a atrofia muscular espinhal, através da compra de um fármaco da Novartis, conhecido por ser ‘o mais caro do Mundo’, apesar de o Portal Base só registar sete aquisições por hospitais. Quando o PÁGINA UM perguntou as causas, o regulador disse que as compras foram contratualizadas com a Novartis no âmbito de um sistema específico para medicamentos inovadores, e o custo por toma será inferior a dois milhões de euros. Mas o Infarmed não quer mostrar os contratos, apesar do diploma legal, que enquadra a compra deste tipo de medicamentos, não prever a existência de qualquer cláusula de confidencialidade. O PÁGINA UM vai recorrer à Lei do Acesso aos Documentos Administrativos para ver os contratos e as avaliações, podendo avançar também para uma intimação no Tribunal Adminsitrativo.


    No segredo dos deuses – isto é, nos corredores do Infarmed, das administrações hospitalares, do Ministério da Saúde e da farmacêutica Novartis – é como estão as condições contratuais e o valor já gasto pelo Estado português no tratamento de 33 bebés afectados com atrofia muscular espinhal através do recurso ao Zogensma, considerado o medicamento mais caro do Mundo.

    O fármaco da Novartis esteve recentemente envolvido num escândalo que envolveu suspeita de influências ilegais do Presidente da República, que terá, de acordo com uma investigação da TVI, influenciado a sua aplicação em gémeas luso-brasileiras em 2019, no Hospital de Santa Maria, que, além disso, conseguiram nacionalidade portuguesa em tempo recorde.

    Mas mais grave ainda é o secretismo que envolve a aquisição de medicamentos ‘milionários’, que podem atingir os dois milhões de euros, uma vez que as negociações, contratos e avaliações são mantidos secretos pelo Infarmed. E isto quando um diploma legal de 2015, que define e regula o Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias em Saúde, não prevê qualquer confidencialidade; ao invés, estipula explicitamente uma dezena de condições a cumprir nos contratos entre o Infarmed e as farmacêuticas com medicamentos ou intervenções inovadoras e ainda em fase experimental, como é o caso do Zogensma para tratamento da atrofia muscular espinhal.

    O secretismo ainda é maior porque os centros hospitalares nem sequer estão a reportar fielmente no Portal Base as compras estabelecidas através dos contratos entre a Novartis e o Infarmed. Com efeito, há duas semanas, o PÁGINA UM revelara que constava no Portal Base a aquisição de sete compras de Zogensma, com cada dose a rondar os dois milhões de euros: uma em 2020 pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central; uma em 2021 no Centro Hospitalar de São João; quatro em 2022 (três no Centro Hospitalar do Porto e uma no Centro Hospitalar de Gaia-Espinho); e uma este ano (Centro Hospitalar de Coimbra).

    Mas, na verdade, terão sido já adquiridas 33 doses, pelo que assim a esmagadora maioria nem sequer foi colocada no Portal Base. E pior: ignora-se quanto já se gastou, uma vez que o Infarmed diz ser informação confidencial.

    Rui Santos Ivo; presidente do Infarmed: o secretismo de um regulador como forma de estar na Administração Pública, onde a protecção dos negócios das farmacêuticas se sobrepõe à transparência.

    De acordo com as informações detalhadas fornecidas pelo Infarmed a pedido do PÁGINA UM, as compras pelo SNS contabilizam quatros doses em 2019 – duas para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (ambas em Julho) e duas para o Centro Hospitalar de Coimbra (ambas em Outubro) –, seis doses em 2020 – quatro para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (duas em Fevereiro, uma em Março e outra em Julho), uma para o Centro Hospitalar de Coimbra (em Julho) e uma para o Centro Hospitalar do Porto (em Novembro) –, nove doses em 2021 – duas para o Centro Hospitalar do Porto (em Fevereiro e Julho), para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (em Março, Abril e Julho), outras três para o Centro Hospitalar de Lisboa Central (em Março, Abril e Dezembro) e uma para o Centro Hospitalar de São João (em Abril) – 11 doses em 2022 – cinco para o Centro Hospitalar do Porto (duas em Abril, uma em Fevereiro, uma em Março e uma em Junho), uma para o Centro Hospitalar de Lisboa Central (Março), uma para o Centro Hospitalar de Espinho-Gaia (em Abril) e duas para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (em Outubro e Dezembro) e duas para o Centro Hospitalar de Coimbra (ambas em Novembro – e três doses este ano – duas para o Centro Hospitalar de Lisboa Central (ambas em Janeiro) e uma para o Centro Hospitalar de Coimbra (em Abril).

    Numa primeira fase, o PÁGINA UM confrontou o Infarmed sobre os custos destas terapêuticas – com um preço de referência a rondar os dois milhões de euros – e as razões pelas quais nem todos os contratos estavam publicados no Portal Base. O Conselho Directivo do regulador começou por afirmar que, “para efeitos de aquisição por parte das entidades do Serviço Nacional de Saúde foram negociadas condições de aquisição mais favoráveis, em contrato celebrado com a empresa titular de Autorização de Introdução de Mercado, que estão abrangidas por cláusulas de confidencialidade”, acrescentando que no caso da terapêutica para a atrofia muscular espinhal “o pagamento é feito através de um contrato de partilha de risco assente no tipo de doente e no resultado clínico, e é feito num prazo de quatro anos”.

    Hospital de Santa Maria adquiriu doses que não declarou no Portal Base, tal como muitos outras unidades de saúde.

    Ou seja, segundo o Infarmed, “após o pagamento de uma primeira percentagem (anual), se o tratamento não apresentar as melhorias expectáveis, não existirá lugar à continuação do pagamento do medicamento por parte das unidades hospitalares”, referindo ainda que “o valor negociado e aprovado com a decisão de financiamento foi aplicado aos doentes que já tinham utilizado o medicamento até esse momento”. O Infarmed informou ainda o PÁGINA UM de que “existiu ainda um Plano de Acesso Precoce, colocado em prática antes da conclusão do processo de financiamento, onde foi incluído um tratamento sem custos”, que terá sido o da bebé Matilde.

    Atendível o facto de o enquadramento destes contratos não prever qualquer confidencialidade – pelo contrário, o diploma de 2015 estipula aspectos que devem ser incluídos, o que implica que possa ser confirmado por terceiros, incluindo jornalistas –, o PÁGINA UM voltou a questionar o Infarmed sobre a justificação legal para o secretismo.

    O Conselho Directivo do regulador liderado por Rui Santos Ivo, não fazendo referência ao diploma específico de 2015 – porque não prevê, de facto, qualquer secretismo – garante existir “enquadramento no regime legal aplicável, dentro do objetivo central de viabilizar um compromisso bilateral em sede de contrato de partilha de risco”. E acrescenta ainda que “este tipo de contrato é essencialmente regulatório, tendo um conteúdo normativo próprio que enquadra, nomeadamente, ‘as condições de comparticipação ou da decisão de aquisição mediante avaliação prévia da tecnologia de saúde, comprometendo de modo efetivo o titular dessas tecnologias com os objetivos do sistema de saúde’”.

    Zolgensma é considerado o fármaco mais caro do Mundo, mas apresentou-se como uma terapia de uso único para substituir um medicamento da Biogen que custa 200 mil por cada ano de tratamento contínuo. Quantas vidas já salvou e quanto já custou? Não se sabe porque é segredo.

    Mesmo sabendo-se que a transparência é um preceito não apenas legal mas também um princípio democrático, sobretudo quando estão em causa dinheiros públicos – e ainda mais numa situação de défice em termos de Saúde Pública –, o Infarmed diz ser aceitável este secretismo porque “em Portugal vigora o princípio da liberdade contratual e o princípio da legalidade (…) sem que exista qualquer proibição das partes contratantes estabelecerem por acordo entre si a confidencialidade de determinadas condições contratuais, na medida em que a lei lhes concede a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, desde que em obediência à lei e ao direito e dentro dos limites dos poderes conferidos e em conformidade com os respetivos fins”.

    E ainda, considera o Infarmed, que pela conjugação do regime do SINATS e de directivas comunitárias de transparência e de proteção de segredos comerciais, nada impede que “os preços finais pós-negociação não possam ser sujeitos a cláusulas de confidencialidade”.

    Ou seja, tal como sucedeu com as vacinas contra a covid-19, o Infarmed defende um segredo absoluto sobre quanto se pagou, e em que condições, quanto se devia pagar e quanto não se deveria pagar e pagou, e quanto se pagou a mais. E isto tudo, aos milhões de euros, sem sequer se saber se tudo o que se gastou dos impostos dos portugueses conseguiu salvar qualquer vida ou se apenas serviu para cumprir os objectivos dos accionistas das farmacêuticas.


    N.D. O PÁGINA UM considera inadmissível que, mesmo sabendo da bondade de medicamentos que podem salvar vidas, se pactue com secretismos. Vai por esse motivo solicitar formalmente os contratos e avaliações ao Infarmed deste e de outros medicamentos similares, podendo, em caso de recusar, apresentar uma intimação ao Tribunal Administrativo de Lisboa, com o apoio do FUNDO JURÍDICO.