Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Congresso de jornalistas exige o que ninguém pede: inscrição com pagamento para cobertura noticiosa

    Congresso de jornalistas exige o que ninguém pede: inscrição com pagamento para cobertura noticiosa


    Em plena crise reputacional da Imprensa, a Comissão Organizadora do Congresso dos Jornalistas decidiu inovar duplamente: pediu apoio financeiro a 13 empresas e uma fundação – entre as quais dois bancos, a construtora Mota-Engil (onde é administrador Paulo Portas, antigo ministro e fundador nos anos 80 do semanário Independente), a Brisa, a REN, a Google e a Ikea – e mesmo assim ainda decidiu exigir pagamento de inscrição aos jornalistas que, sem participar nas moções, apenas desejem fazer a cobertura noticiosa dos debates. Além de o Estatuto dos Jornalistas não permitir a imposição de preços para o acesso de jornalistas a eventos públicos – e neste caso até está prevista a participação do Presidente da República e de seis deputados –, não se conhece casos similares de exigência de qualquer pagamento como condição de entrada a profissionais da imprensa. O PÁGINA UM, mais por uma questão de princípio e de prevenção, solicitou a intervenção urgente e em tempo útil da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que ainda na semana passada interveio num litígio por o partido Chega ter colocado obstáculos ilegais à acreditação do jornalista Miguel Carvalho.


    “Reitere o que entender, reiteramos a nossa resposta”. É assim que Pedro Coelho – jornalista da televisão SIC, professor universitário e presidente da organização do V Congresso dos Jornalistas –, respondeu ao PÁGINA UM, insistindo na aplicação de um pagamento prévio, em violação do Estatuto do Jornalista, para ser permitida a cobertura de um evento público onde, entre outros assuntos, se debaterá o financiamento da imprensa, mas em que a liberdade e o direito de acesso à informação se encontram omissos na programação.

    Com um interregno de sete anos, a Casa de Imprensa, o Clube de Jornalistas e o Sindicato de Jornalistas realizam um novo encontro desta classe profissional, aberto ao público, entre a próxima quinta-feira e domingo. Embora já previsto há mais de um ano, o congresso coincide com um período conturbado em algumas empresas de media, com destaque para a Global Media e a Trust in News. Daí que a organização tenha integrado, de forma extraordinária, na cerimónia de abertura, que terá a presença do Presidente da República, quatro depoimentos de jornalistas da TSF (Filipe Santa-Bárbara), Diário de Notícias (João Pedro Henriques), Jornal de Notícias (Alexandre Panda) e TSF (Mário Fernando).

    Pedro Coelho, jornalista da SIC e presidente do V Congresso dos Jornalistas, inovou: num evento público com financiamento de 13 empresas e uma fundação, exige pagamento prévio para ser possível a cobertura noticiosa dos debates.

    A componente financeira aparenta ser, pela sua predominância do programa do congresso, um dos temas centrais, embora estranhamente sem a participação de administradores das empresas de media, que no programa são ‘substituídos’ por jornalistas e directores dos diversos órgãos de comunicação social, alguns dos quais têm promovido e participado em eventos pagos por empresas privadas e públicas, contribuindo assim para uma descredibilização da profissão e da reputação da imprensa.

    Aliás, sem terem sido revelados os montantes concedidos nem as contrapartidas, as três entidades organizadoras aceitaram apoios financeiros do Grupo Brisa, da REN, da NOS, dos bancos Santander e Millennium BCP, da Mota-Engil, do Google, da Mercadona, da Delta, da seguradora Fidelidade, da KIAS, da Xerox, do IKEA e da Fundação Oriente. Além disso, contam ainda com apoios institucionais do Cenjor, Agência Nacional Erasmus, Fundação Inatel, Universidade Autónoma de Lisboa e Câmara Municipal de Lisboa. De entre estas 19 entidades privadas e públicas de relevância noticiosa, somente o Cenjor, um centro de formação de jornalismo, tem ligação directa a temas relacionados com a imprensa. A Mota-Engil conta, desde 2023, com Paulo Portas como administrador. Recorde-se que este antigo ministro e ex-líder do CDS fundou em 1988 o jornal Independente, mas as suas ligações aos media circuncrevem-se agora ao comentário político na TVI.

    Apesar de o V Congresso dos Jornalistas ser um evento explicitamente público – ou seja, não é fechado sequer em exclusivo ao jornalistas –, e tanto assim que conta com o “Alto Patrocínio” da Presidência da República, havendo também um debate com deputados de seis partidos (PS, PSD, Chega, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e PCP), a Comissão Organizadora, liderada por Pedro Coelho, exige um pagamento prévio aos jornalistas que apenas queiram fazer a cobertura dos eventos. Mesmo se estes explicitem que não pretendem qualquer tipo de participação, como seja votação de moções.

    Congresso dos Jornalistas é financiado por uma fundação e 13 empresas, entre as quais a construtora Mota-Engil, que tem Paulo Portas como administrador. O antigo ministro e líder dos CDS-PP, fundador do semanário Independente nos finais dos anos 80 (conhecido pela sua irreverência), mantém agora um pé na imprensa como comentador da TVI.

    Saliente-se que o direito de acesso a locais públicos e o exercício desse direito por jornalistas com carteira profissional estão explicitamente consagrados no Estatuto do Jornalista. Sendo que o congresso dos jornalistas é público – admitindo-se a inscrição, sob pagamento, também de não-profissionais do sector, que não têm direito a votar em moções –, o diploma legal de 1999 diz que “os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais [onde se realizam eventos em locais abertos ao público] quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei”.

    Ora, o condicionamento do acesso, como exige a Comissão Organizadora do Congresso dos Jornalistas, ao pagamento prévio de um montante, independentemente do valor, viola a lei. Aliás, a legislação refere que “nos espectáculos com entrada paga”, somente se os locais destinados à comunicação social se mostrarem insuficientes, podem ser aplicadas algumas restrições, mas ao nível de prioridades, sendo que os órgãos de comunicação de âmbito nacional e os de âmbito local do concelho onde se realiza o evento têm primazia sobre os demais. Mas está impedido que esse condicionamento seja feito sob a forma de pagamento.

    Aliás, se tal se verificasse poderia suceder uma espécie de “leilão de acesso” ou até uma imposição de pagamento arbitrário que, na prática, impedisse a cobertura noticiosa. Se esta prática de exigência de pagamento que a Comissão Organizadora do Congresso dos Jornalistas justifica como aceitável e legal passasse a ser prática comum, diversas entidades poderiam conseguir afastar ‘jornalistas incómodos’ exigindo, para a sua entrada, somas exorbitantes.

    Em todo o caso, e apesar do PÁGINA UM ter procurado junto da Comissão Organizadora que indicassem exemplos similares, até agora não são conhecidos outros casos em que os organizadores de um qualquer evento com interesse mediático tenham exigido uma inscrição com pagamento aos jornalistas para acederem aos locais.

    Independentemente do montante exigido para se aceder ao evento (20 euros) sobre o qual deseja fazer cobertura noticiosa – tanto que o jornal há meses tem uma secção especificamente dedicada à imprensa –, o PÁGINA UM solicitou uma intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social com carácter de urgência – e em tempo útil, como sucedeu (e bem) recentemente com a acreditação solicitada pelo jornalista Miguel Carvalho para acesso à convenção do Chega em Viana do Castelo.


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  • Covid-19: situação epidemiológica estável há 18 meses, mas DGS ‘inventa’ urgência de ‘booster’ a maiores de idade

    Covid-19: situação epidemiológica estável há 18 meses, mas DGS ‘inventa’ urgência de ‘booster’ a maiores de idade


    Desde Agosto de 2022, a mortalidade diária causada pela covid-19 nunca ultrapassou em qualquer mês a fasquia dos 10 óbitos, e a mediana está nos sete, exactamente o valor que se contabiliza nesta primeira quinzena de Janeiro. A covid-19, que desde Maio do ano passado está oficialmente endémica, ‘continua por aí’, mas sem constituir um risco de Saúde Pública relevante, sendo responsável apenas por cerca de 1,3% do total das mortes. Mas com o anormal acréscimo da mortalidade das últimas semanas, que o Ministério da Saúde recusa analisar, a Direcção-Geral da Saúde decidiu promover mais um ‘booster’ da vacina contra a covid-19. No comunicado de imprensa desta entidade, agora liderada por Rita Sá Machado, diz que esta recomendação foi “precedid[a] de avaliação pela Comissão Técnica de Vacinação Sazonal”. O parecer, porém, não foi disponibilizado ao PÁGINA UM, que o pediu por três vezes. Não admira: não existe formalmente qualquer “Comissão Técnica de Vacinação Sazonal“.


    Sem qualquer alteração relevante nos principais indicadores epidemiológicos, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) passou a recomendar a vacinação contra a covid-19 para os maiores de 18 anos. A instituição agora liderada por Rita Sá Machado salientou ontem, em nota de imprensa, que esta mudança nas recomendações – que inclui também o alargamento da vacinação contra a gripe para a faixa etária dos 50 aos 59 anos – foi “precedid[a] de avaliação pela Comissão Técnica de Vacinação Sazonal”.

    O PÁGINA UM, apesar de ter solicitado por três vezes esse parecer à assessoria de imprensa da DGS, recebeu como resposta um triplo silêncio. Saliente-se, porém, que não existe formalmente, ao contrário do indicado pela comunicação da DGS, uma Comissão Técnica de Vacinação Sazonal. Existia já, antes da pandemia da covid-19, uma Comissão Técnica de Vacinação, constituída por um grupo de peritos para acompanhamento dos planos de vacinação contra diversas doenças, e a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), criada em finais de 2020, que tem o seu último parecer publicado em Março do ano passado.

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    Em todo o caso, e independentemente de se estar perante um pico de mortalidade total – nas últimas três semanas (22 de Dezembro a 11 de Janeiro) registaram-se 10.072 mortes, uma média diária de 480 óbitos –, os casos positivos de SARS-CoV-2 e as fatalidades causadas pela covid-19 encontram-se em valores que se podem considerar normais na actual fase endémica.

    Com efeito, analisando os dados oficiais desde 22 de Dezembro de 2023 até 11 de Janeiro deste ano, contabilizam-se apenas 3.024 positivos – a estratégia e os critérios para a realização de testes modificaram-se em meados de Setembro de 2022 –, contabilizando-se 131 óbitos por covid-19. Este número indica uma média diária próxima de seis óbitos, com uma variação entre os dois (dia 26 de Dezembro) e os 10 (dia 28 de Dezembro). Este ano, o número máximo atingiu-se no passado dia 8, com nove óbitos, mas nos dias 10 e 11 registaram-se apenas quatro.

    Considerando o período posterior à declaração pela Organização Mundial da Saúde do fim da Emergência de Saúide Pública de Importância Internacional, em 5 de Maio do ano passado, a mortalidade causada pela covid-19 nas últimas semanas não mostra qualquer anomalias. Aliás, se compararmos as últimas três semanas como período homólogo anterior (22 de Dezembro de 2022 a 11 de Janeiro de 2023), a situação actual até é mais favorável: 131 óbitos agora; 171 óbitos no período anterior.

    Evolução epidemiológica da covid-19 desde o dia da declaração do fim da Emergência

    Caso se queira comparar ainda com os dois períodos anteriores subsequentes, ainda mais se releva que o cenário não parece justificar um programa de vacinação para grupos etários que nem em pleno pico pandémico, ainda com fraca imunidade natural, tinham risco relevante, em especial pessoas sem comorbilidades relevantes.

    De facto, no período de 22 de Dezembro de 2021 a 11 de Janeiro de 2022, os dados oficiais apontam para 847 óbitos por covid-19, ou seja, mais de seis vezes os valores actuais, enquanto no mesmo período de 2020-2021 a mortalidade associada ao SARS-CoV-2 foi de 1.859 óbitos, isto é, 14 vezes superior aos valores actuais. Além disso, em Janeiro de 2021 havia uma tendência crescente de infecções – o que está longe de suceder agora –, que levaria, a par do colapso das unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde e de uma vaga de frio, que a mortalidade por covid-19 chegasse a rondar quase os 300 óbitos em alguns dias.

    Observando também a evolução da mortalidade ao longo dos últimos meses – e mesmo ao longo de 2023, num período em que a imprensa mainstream simplesmente deixou de acompanhar a covid-19 depois de uma overdose noticiosa de quase três anos –, destaca-se, do ponto de vista de Saúde Pública, uma ‘normalidade’: a covid-19 contribui para cerca de 1,3% das mortes e desde Agosto de 2022 todos os meses estiveram abaixo de uma média diária de 10 óbitos, sendo que a mediana é de sete, o valor actual do presente mês de Janeiro.

    Mortalidade média diária atribuída à covid-19 entre Março de 2020 e Janeiro de 2024 (até ao dia 11). Fonte: DGS. Análise: PÁGINA UM.

    Para um termo de comparação, no Verão de 2022, em vésperas de se levantar praticamente todas as restrições, a mortalidade por covid-19 ainda atingiu os 33 óbitos diários em Junho (987 nos 30 dias) e o pior desse ano foi Fevereiro, com 1.116 óbitos, o que dá uma média diária de 40.

    Em todo o caso, estes valores já eram muito mais baixos dos que se registaram no Inverno de 2020-2021, embora os critérios dessa contabilização sejam muito discutíveis,uma vez que bastava haver um teste positivo no momento da morte para o óbito ser declarado como causado pela covid-19. Por isso, em Janeiro de 2021 estão referenciados oficialmente 187 óbitos de média diária (5.805 nos 31 dias) e no mês seguinte uma média diária de 127, resultante de 3.557 mortes.

    A estratégia de vacinar constantemente a generalidade da população contra a covid-19, através de sucessivos reforços, foi posta em causa por um estudo científico que tem como co-autor o mais prestigiado epidemiologista mundial, o norte-americano John Ioannidis. Baseado num estudo observacional realizado na Áustria, os investigadores concluíram que a eficácia da quarta dose de vacina para impedir a morte por covid-19 não é significativa, além de conferir uma imunidade muito transitória e em rápida quebra.

    person holding white plastic bottle

    Além disso, o estudo salienta que “a imunidade natural pode ser um determinante principal da proteção imunológica numa população”, pelo que, atendendo ao risco-benefício, as vacinações adicionais deixam de ser uma opção aceitável na fase endémica da covid-19.

    Recorde-se que o PÁGINA UM ainda continua, através de iniciativas do seu FUNDO JURÍDICO, a aguardar decisões dos tribunais administrativos relacionados com intimações para acesso a informação de Saúde, nomeadamente a base de dados integral do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), a base de dados dos internamentos, a base de dados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19, os contratos de compra de vacinas (que excedem em muito as necessidades) e diversa outra informação sobre a gestão da pandemia. Em alguns casos, os processos de intimação estão em curso há quase dois anos.


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  • Falar Global: programa da CMTV vai assumir (finalmente) que não é conteúdo informativo

    Falar Global: programa da CMTV vai assumir (finalmente) que não é conteúdo informativo


    Em Novembro passado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) já abrira um processo de contra-ordenação por violação da Lei da Televisão, uma vez que o programa Falar Global tinha conteúdos comerciais e era assumido pela CMTV como informação. Para tentar corrigir esta situação, Reginaldo Rodrigues de Almeida, o apresentador que andava a assinar com a sua empresa contratos comerciais para patrocinar este programa, suspendeu a carteira profissional de jornalista, mas foi continuando os seus negócios. No início deste mês, sacou um novo patrocínio de Isaltino Morais para promover no Falar Global a marca Oeiras Valley. A direcção editorial da CMTV, na iminência de nova sanção da ERC, decidiu que o programa é aquilo que tentava não ser: um conteúdo comercial incompatível com a presença de jornalistas.


    Ao jornalismo o que é do jornalismo; e ao marketing o que é do marketing. A direcção editorial da CMTV decidiu esta semana passar a retirar quaisquer referências ao carácter informativo do polémico programa Falar Global, emitido semanalmente naquele canal televisivo do grupo MediaLivre (ex-Cofina Media). Na ficha técnica vai deixar de constar a menção a ser um programa da responsabilidade da direcção de informação da CMTV, e não será permitida a participação de qualquer jornalista. O programa destaca sobretudo temas de tecnologia e inovação, promovendo produtos e também instituições universitárias e empresas, mas até agora mostrava-se aos telespectadores como se fosse um produto informativo.

    Esta decisão surge após o PÁGINA UM ter detectado mais um contrato de 50 mil euros, assinado já este mês entre a empresa Kind of Magic, detida pelo co-autor do Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida, e a Câmara Municipal de Oeiras para “aquisição de conteúdos publicitários de divulgação da marca ‘Oeiras Valley’ naquele programa. Aquele empresário é também professor da Universidade Autónoma de Lisboa, sendo membro dos Conselhos Científico e Pedagógico.

    Reginaldo Rodrigues de Almeida, professor da Universidade Autónoma de Lisboa, usou carteira profissional de jornalista para montar um programa de informação que, na verdade, estava ‘inundado’ de conteúdos comerciais escondidos.

    Em Novembro passado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC)  já instaurara um processo de contraordenação à Cofina Media por causa deste programa semanal por transmitir conteúdos comerciais num programa supostamente informativo com a participação de jornalistas (Reginaldo Rodrigues de Almeida e Suely Costa) e onde surgia uma ficha técnica que incluía mesmo o nome do director daquele canal televisivo e também do Correio da Manhã, Carlos Rodrigues.

    O regulador, conforme noticiado pelo PÁGINA UM em Novembro passado, analisou três programas de Reginaldo Rodrigues de Almeida na CMTV, e destacou que “a participação de jornalistas em conteúdos que resultam do pagamento de contrapartidas por entidades externas compromete não só o seu direito à autonomia e independência, como também o seu dever correspondente”, acrescentando também que “a salvaguarda da independência editorial implica a definição de uma clara esfera de proteção face aos interesses promocionais de entidades externas à redação”.

    E concluía ainda que “daí decorre que a transparência e independência editorial não podem ser caucionadas de forma cabal em conteúdos pagos que são escritos por jornalistas”, o regulador destaca a singularidade de o jornalista, que é um dos autores do programa e que o apresenta [Reginaldo Rodrigues de Almeida] ser o proprietário da empresa (Kind of Magic) que celebrou os dois contratos com as entidades externas ao órgão de comunicação social, o Município de Oeiras e a Universidade de Aveiro, dos quais resultaram os conteúdos exibidos nas três edições do ‘Falar Global’ aqui em análise”.

    Ficha técnica do programa Falar Global emitido no passado dia 9 de Janeiro. Será o último com referência à direcção de informação da CMTV, assumindo-se a partir de agora como um conteúdo comercial.

    Além de dar um conjunto de ‘recados’ críticos à CMTV, a ERC decidiu ainda decidiu remeter a sua deliberação para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) para “averiguação de eventual incumprimento dos deveres profissionais dos jornalistas”. Antes desta decisão, podia-se assistir no Falar Gobal às conversas de Suely Costa, que se apresentava como jornalista de forma explícita, a auxiliar a promoção da venda, por exemplo, de auriculares com purificação de ar, de caixotes de lixo que fecham os sacos e até de cotonetes electrónicos.

    Ora, de acordo com a Lei da Televisão, “os serviços de programas televisivos e os serviços de comunicação audiovisual a pedido, bem como os respectivos programas patrocinados”, devem ser “claramente identificados como tal pelo nome, logótipo ou qualquer outro sinal distintivo do patrocinador dos seus produtos ou dos seus serviços”. Algo que não sucedeu pelo menos nos casos dos diversos contratos públicos revelados em Agosto passado pelo PÁGINA UM.

    Além de contribuir para desprestigiar a profissão de jornalista, a violação deste princípio de separação entre informação e conteúdos comerciais conduz a uma contraordenação considerada grave, que, no caso em apreço pode valer à nova dona da CMTV, que tem como sócio principal o futebolista Cristiano Ronaldo, uma multa entre os 20 mil e os 150 mil euros.

    Nos últimos programas de 2023, já em consequência da deliberação da ERC, extremamente crítica para a CMTV, o apresentador do programa, Reginaldo Rodrigues de Almeida, e Suely Costa – que conduzia sempre uma rubrica com o mesmo convidado da empresa iServices, chegando mesmo a promover a compras dos produtos divulgados – deixaram de se apresentar como jornalistas.

    Começando com uma curta rubrica dedicada à Ciência e Tecnologia em 2015 na CMTV, Reginaldo Rodrigues de Almeida foi transformando o Falar Global num programa comercial ‘travestido’ de informação.

    Segundo apurou o PÁGINA UM, os dois terão entregado a carteira, uma vez que os seus nomes já não surgem no registo público da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), por a actividade comercial ser incompatível. No entanto, se a CCPJ assim quiser – ou estiver interessada em contribuir para terminar com a promiscuidade entre jornalismo e actividades comerciais –, poderá ainda accionar mecanismos sancionatórios contra aqueles dois jornalistas com carteira suspensa.

    Segundo revelou ao PÁGINA UM fonte oficial da CMTV, além da retirada de menção a um alegado carácter informativo do Falar Global, será feita “uma alusão clara” de o programa ser “da responsabilidade da produtora Kind of Magic”, e que sempre que forem emitidos conteúdos relacionados com a marca “Oeiras Valley” – como Isaltino Morais pretende dar a conhecer aquele município português – haverá referência expressa. A mesma fonte adiantou que a CMTV irá comunicar ao regulador a mudança de procedimentos, até para evitar um agravamento da sanção pelas violações à Lei da Televisão cometidas


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  • PRR ‘electriza’ Saúde: 788 veículos eléctricos custam 26 milhões de euros

    PRR ‘electriza’ Saúde: 788 veículos eléctricos custam 26 milhões de euros


    O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) está também a servir para que a Saúde siga agora sobre ‘rodas ecológicas’. Os contratos decorrentes de um mega-concurso público, aberto no Verão passado, já começaram a ser assinados para entregar quase 800 viaturas eléctricas às cinco ex-Administrações Regionais de Saúde (ARS) e às oito Unidades Locais de Saúde (ULS) já existentes no ano passado. O grande vencedor foi a Stellantis Portugal, a sucursal nacional da empresa que fabrica, entre outras, as marcas Peugeot, Citroen e Opel. No total, o Estado vai gastar quase 26 milhões de euros para a nova frota automóvel eléctrica.


    Diversas entidades do Serviço Nacional da Saúde já começaram a celebrar contratos de aquisição de veículos eléctricos ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que deverão totalizar mais de 25 milhões de euros, incluindo IVA. O primeiro contrato foi assinado em Novembro do ano passado – entre a Unidade Local de Saúde de Matosinhos e a Caetano TEC, no valor de quase 315 mil euros, para a aquisição de 10 viaturas –, enquanto o mais recente se celebrou em 22 de Dezembro, embora apenas divulgado anteontem no Portal Base, no valor de mais de 12,5 milhões de euros.

    Tanto este último como os restantes cinco contratos que integraram o plano de compra de veículos eléctricos para o sector da saúde tiveram como adjudicante a Stellantis Portugal, a sucursal nacional da empresa que fabrica, entre outras, as marcas Peugeot, Citroen e Opel. Este grupo foi, aliás, o grande vencedor do concurso público aberto em Junho do ano passado pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) com um preço base de 24,2 milhões de euros.

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    O referido concurso público foi divido em cinco lotes, os três primeiros para a aquisição de um total de 719 furgões de cinco lugares, o quarto para 53 ligeiros de passageiros e o quinto para 16 furgões fechados. No total serão adquiridos 788 veículos.

    Cada um dos lotes tinha a distribuição do número de veículos para as diversas entidades, nomeadamente as Administrações Regionais de Saúde (ARS) do Norte (350 veículos), do Centro (117 veículos), de Lisboa e Vale do Tejo (123 veículos), do Alentejo (17 veículos) e do Algarve (42 veículos). As restantes entidades a receber veículos eléctricos com fundos do PRR foram as oito Unidades Locais de Saúde já existentes no ano passado, designadamente do Alto Minho, do Nordeste, de Matosinhos, da Guarda, de Castelo Branco, do Norte Alentejo, Baixo Alentejo e do Litoral Alentejano.

    Devido ao elevado montante, este concurso público dos SPMS atraiu muito interesse, concorrendo, além da Caetano TEC e a Stellanis Portugal, mais quatro empresas: Onda Predilecta, Ambienti d’Interni, Works4Pros e Lux Concept.

    De acordo com os dados disponíveis através do Portal Base, não é ainda claro se os lotes 4 e 5 – com vista à aquisição de 53 e 16 viaturas, respectivamente, foram já integralmente decididos. Quanto aos outros três lotes é já garantido terem sido ganhos pela Stellanis: o primeiro por quase 10,8 milhões de euros (quase 35,9 mil euros por cada um dos 300 veículos), o segundo por cerca de 10,7 milhões de euros (pelo mesmo preço unitário, relativo a 299 veículos) e o terceiro por aproximadamente 4 milhões de euros (cerca de 33,2 mil euros para cada um dos 120 veículos).

    Este terceiro lote, integralmente destinado à ARS de Lisboa e Vale do Tejo teve o contrato assinado em 28 de Novembro do ano passado, enquanto para os outros dois lotes ganhos pela Stellantis foram celebrados os contratos para entrega das 350 viaturas à ARS do Norte, pelo valor de cerca de 12,45 milhões de euros (IVA incluído), de 15 viaturas à ARS do Alentejo, no valor de 538 mil euros, de 14 viaturas à ULS da Guarda e de outras 14 à ULS de Castelo Branco, ambas no valor de um pouco mais de 502 mil euros, e ainda de 12 viaturas à ULS do Nordeste, no valor de 430 mil euros.


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  • Estranhos negócios: Fundo das Bahamas comprou empresa com passivo de 6 milhões para controlar grupo de media com passivo de 55 milhões

    Estranhos negócios: Fundo das Bahamas comprou empresa com passivo de 6 milhões para controlar grupo de media com passivo de 55 milhões


    No epicentro de uma ‘crise’ não apenas financeira mas também política, continua sem se conhecer os investidores do fundo das Bahamas que quiseram controlar a Global Media, um dos mais importantes grupos de media em Portugal, incluindo os históricos periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias. Mas mais do que inquirir sobre quem está por detrás do World Opportunity Fund, há a ‘pergunta de um milhão’: sabendo-se que teve oportunidade de vasculhar contas e operações contabilísticas antes de concretizar a compra da quota a Marco Galinha, por que motivo o fundo das Bahamas foi adquirir uma empresa com um passivo de seis milhões de euros para depois poder controlar outra com um passivo de 55 milhões de euros, ainda por cima quase falida? E por onde andou o regulador no segundo semestre de 2023? E o Governo, que sabia da dívida de 10 milhões de euros ao Estado por parte da Global Media, não sabia de nada?


    Apesar de o controlo do World Opportunity Fund sobre a Global Media se ter concretizado apenas em 23 de Outubro do ano passado – com a aquisição da quota de Marco Galinha por um pouco menos de 1,1 milhões de euros –, o actual CEO deste grupo, José Paulo Fafe, já se encontrava como gerente da Páginas Civilizadas desde 24 de Julho, ou seja, a interferência do fundo das Bahamas iniciou-se muito antes da formalização do acordo de compra.

    Na verdade, ao contrário daquilo que indiciam as trocas de acusações entre os diversos accionistas da Global Media, a venda da quota de Marco Galinha, até então o sócio maioritário do grupo de media, ao fundo das Bahamas não se fez de forma repentina nem sem que as duas partes conhecessem, em concreto e por antecipação, a situação financeira em detalhe e os objectivos para o futuro. Até Marco Galinha, que não se desfez por completo da sua participação na Global Media, mantendo uma posição indirecta de um pouco menos de 25%.

    Ascensão e queda: Marco Galinha (ao centro) teve em 2020 uma entrada fulgurante como empresário dos media, mas está já de saída, sendo apenas o quarto maior accionista da Global Media. Conseguiu, com a venda ao fundo das Bahamas, fugir literalmente do ‘olho do furacão’.

    Como costuma ser habitual em negócios deste género, o World Opportunity Fund tratou logo de meter José Paulo Fafe na gerência da Páginas Civilizadas mesmo antes da compra de parte das quotas daquela empresa, que lhe daria o controlo indirecto da Global Media. Por regra, esse processo – que se denomina, em inglês, due diligence – permite uma averiguação detalhada dos activos e dos passivos de quem compra, para assim validar o interesse na aquisição sem surpresas à posteriori. O fundo das Bahamas passou assim, através de Fafe, a conhecer não apenas as demonstrações financeiras (e o relatório e contas) da Global Media, onde se destacava o passivo de quase 55 milhões de euros em 2022, como as operações contabilísticas em detalhe ao longo de vários meses.

    Neste contexto, mostra-se bastante estranho que numa newsletter do início deste ano da Comissão Executiva da Global Media, já presidida por José Paulo Fafe, surjam acusações contra a anterior administração – liderada por Marco Galinha (que ainda se mantém na administração sem funções executivas) – de ter solicitado a fornecedores que “somente facturassem após a conclusão do negócio com o World Opportunity Fund”. Se tal ocorreu, também é certo que apenas por falta de cuidado na due diligence. Além disso, recorde-se que José Paulo Fafe e Marco Galinha mantinham relações há muitos anos, tanto assim que o primeiro refundara o semanário Tal&Qual em 2021 com autorização do segundo, uma vez que o título daquele período está registado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) como marca da Global Media.

    Aliás, a entrada da World Opportunity Fund fez-se sentir logo nos primeiros meses de 2023 com a renúncia de praticamente toda a administração anterior de Marco Galinha, onde pontuavam Helena Ferro de Gouveia – agora com uma veniaga na autarquia socialista de Almada –, Guilherme Pinheiro, Domingos de Andrade (que acumulava funções editoriais) e João Pedro Soeiro. A renúncia deste último, em 5 de Maio do ano passado, mostra-se estranha, porque continua a ser detentor directo de 20,4% do capital social da Global Media.

    José Paulo Fafe entrou, como ‘ponto de contacto’ da World Opportunity Fund, na Páginas Civilizadas antes da aquisição da quota a Marco Galinha.

    Já terá sido dinheiro do World Opportunity Fund a entrar em finais de Junho na Global Media para concretizar um aumento de capital, subsequente a uma redução para cobertura de prejuízos. Nessa altura, numa fase avançada das negociações para a compra da Páginas Civilizadas pelo fundo das Bahamas – e com José Paulo Fafe como gerente dessa empresa que controla a Global Media –, entrou em numerário, mediante a emissão de 417.792 novas acções, um total de 1.558.364,16 euros. Como a Páginas Civilizadas detém 50,2% do capital da Global Media, o World Opportunity Fund entrou, por aqui, com cerca de 780 mil euros. Desconhece-se por agora se houve entrada de mais verbas sob a forma de empréstimo de accionistas, uma forma expedita usada anteriormente, de modo a se obter rentabilidade mesmo em situação de prejuízos, e também para ser mais fácil recuperar os montantes investidos.  

    Contudo, em tudo isto, mais estranho do que a própria entrada do World Opportunity Fund, um veículo de investimento que visa lucro contínuo, como accionista da Global Media – em situação económica e financeira periclitante há anos, com prejuízos acumulados de 42 milhões de euros desde 2017 –, acaba por ser a opção pela aquisição da Páginas Civilizadas, uma vez que esta empresa, criada em 2020 por Marco Galinha, apresentava um passivo no final de 2022 de mais de 6,1 milhões de euros. E isto com um capital próprio de pouco mais de dois milhões de euros. Ou seja, a World Opportunity Fund, ao comprar 51% da Páginas Civilizadas não pagou a Marco Galinha apenas 1,02 milhões de euros; também assegurou a responsabilidade por 51% do passivo, ou seja, mais de três milhões de euros. João Paulo Fafe revelou em audição no Parlamento que o World Opportunity Fund terá gastado 7 milhões de euros para adquirir a posição de 51% nas Páginas Civilizadas a Marco Galinha.

    O percurso da curta vida da Páginas Civilizadas tem, na verdade, algumas situações peculiares. Constituída em 2 de Setembro de 2020 para servir de veículo financeiro para a entrada de Marco Galinha como accionista da Global Media, a Páginas Civilizadas não tem actividade editorial propriamente dita, tanto assim que contava em 2022 com apenas dois funcionários com um salário médio a rondar os 2.000 euros. Contudo, mesmo sem qualquer actividade que tal justificasse a empresa apresentou nesse ano uma facturação de mais de 6,2 milhões de euros, sendo que se contabilizaram gastos superiores a 5,7 milhões de euros, resultando, com outras despesas, entre as quais pagamentos de juros de quase 290 mil euros, um lucro de 29 mil euros.

    Em Julho do ano passado, o PÁGINA UM começou a questionar Fernando Medina, ministro das Finanças, sobre as dívidas de 10 milhões de euros ao Estado por parte da Global Media, dos quais cerca de 7 milhões assumidas ao longo do exercício de 2022. O governante recusou sempre responder. Este mês, o CEO da Global Media, José Paulo Fafe, admitiu que a empresa deve, actualmente, 7,5 milhões de euros.

    Que serviços (e a quem) a Páginas Civilizadas prestou com dois empregados, é uma incógnita; e para onde se destinou o dinheiro dos gastos, também se desconhece. Uma hipótese para tamanho volume de negócios terá sido a facturação de determinados serviços executados pela Global Media, uma situação que, uma due diligence, certamente detectaria como irregular e até bastante lesiva para os outros accionistas do grupo de media.

    Analisando as demonstrações financeiras da Páginas Civilizadas dos seus três primeiros anos de existência (2020, 2021 e 2022), há muitos aspectos sombrios. Quando a criou, Marco Galinha não incorporou logo na Páginas Civilizadas os investimentos na Global Media e na Lusa, nem tão pouco lhe chegou dinheiro fresco dos seus então sócios a título de capital social de dois milhões de euros: o Grupo Bel e as Páginas de Prestígio, ambas ainda sob seu controlo. Com efeito, no balanço de 2020 ainda não constava qualquer valor na rubrica de investimentos financeiros, e a maior rubrica dos activos (então de 2.193.774 euros) era referente a “outras contas a receber”.

    Ignora-se se o Grupo Bel e a Páginas de Prestígio chegaram alguma vez a fazer entrar dinheiro na Páginas Civilizadas, porque as demonstrações de fluxo de caixa entregues na Base de Dados das Contas Anuais estão vazias nos três anos de exercício (2020, 2021 e 2022) consultados pelo PÁGINA UM. Certo é que 2021 foi, na verdade, ano para fazer engordar o passivo da maior accionista da Global Media e da Lusa. Nesse ano, os dois funcionários conseguiram facturar um pouco menos de 165 mil euros, e entre gastos e outros ganhos, a Páginas Civilizadas até acabou o ano com um lucro de 78 mil euros.

    Marco Galinha controlava a Global Media desde 2020, mas com a ‘sangria financeira’ e o calote ao Estado, começou a desfazer-se dos investimentos e também da crise, entretanto ‘chutada’ para um fundo das Bahamas.

    Porém, em contrapartida, o passivo – que em 2020 era de 191 mil euros – disparou para os 10,6 milhões de euros. Uma parte deste passivo deveu-se a um financiamento de longo prazo de quase 3,4 milhões de euros – além de outro de curto prazo de cerca de 560 mil euros –, mas aparentemente a Páginas Civilizadas terá passado a assumir dívidas de outras entidades, em princípio da Global Media. Isto porque em 2021 o activo da Páginas Civilizadas passou já a incluir as participações directas na Global Media e na Lusa (valorizadas em 5,7 milhões de euros), mas no passivo, além dos quase 4 milhões de empréstimos bancários, acresceram aproximadamente 6,7 milhões de euros de “outras contas a pagar”. A quem? E por que actividade? Mistérios não esclarecidos pela gerência da empresa que já em Outubro do ano passado foi questionada pelo PÁGINA UM.

    Em 2022, com o extraordinário e inexplicável aumento da facturação, embora os seus lucros tenham sido de apenas 29 mil euros, é certo que o passivo da Páginas Civilizadas desceu, situando-se, mesmo assim, nos 6,1 milhões de euros, ou seja, três vezes superior ao capital próprio. Essa redução ter-se-á devido sobretudo ao pagamento de devedores, porque houve uma redução da rubrica “outras contas a receber”, que terá permitido o abate de uma parte da dívida do ano anterior. No entanto, isto são suposições, tendo em conta a ausência de esclarecimentos da gerência das Páginas Civilizadas e da ausência de dados nas demonstrações de fluxos de caixa.

    Por outro lado, a dívida de longo prazo diminui apenas para os 738 mil euros, mas em compensação a rubrica de “outras contas a pagar” (que não são fornecedores) continuou alta, situando-se nos 4,8 milhões de euros.

    Ivan Hooper (à esquerda), CEO da The Winterbotham Trust Company Limited, e Clement Ducasse (à direita), sócio da UCAP Bahamas Limited, são respectivamente administrador e gestor do World Opportunity Fund, conforme registo no Securities Commission of the Bahamas (SCB). Não se conhece a identidade dos investidores.

    Em suma, nesta análise financeira do PÁGINA UM às contas da maior accionista da Global Notícias, que detém também quase um quarto do capital da Lusa, talvez o maior mistério seja mesmo conhecer não tantos os investidores individuais mas sobretudo a razão pela qual um fundo de investimento das Bahamas compra parte de uma empresa (a Páginas Civilizadas) já fortemente endividada ao fim de três anos, que detém, por sua vez, uma empresa de media (Global Media) com prejuízos acumulados de quase 42 milhões de euros desde 2017, e ainda com uma dívida ao Estado que, no final de 2022, ascendia aos 10 milhões de euros.

    Saliente-se ainda que o PÁGINA UM tentou ao longo do último semestre do ano passado que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) explicasse as razões pela qual não investigava em detalhe as contas da Global Media – que ainda por cima tem participação na Agência Lusa, uma empresa maioritariamente pública – para saber o motivo de não estar discriminado no Portal da Transparência o calote de 10 milhões de euros ao Estado, e conhecer outras informações relevantes. A ERC tergiversou sempre.

    Em Novembro passado, por exemplo, o regulador respondeu ao PÁGINA UM que, “não obstante, pontualmente e por razões proporcionais e necessárias, poder recorrer ao cruzamento com outras fontes disponíveis para verificar o cumprimento” das exigências de informação verdadeira no Portal da Transparência dos Media, como “o universo de regulados é vasto”, procurava promover “o tratamento equitativo de todos eles”. Portanto, para o regulador, avaliar o pasquim da Vila da Pocariça [N. D., que não existe] parecia ser uma prioridade similar à da Global Media. O impacte da crise nesta empresa, com efeitos até políticos, e com eventuais consequências financeiras para os contribuintes, tem demonstrado o contrário.


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  • Global Media: Fundo das Bahamas é um ‘clube de ricos’ (prestes a ser salvo pelo Estado português)

    Global Media: Fundo das Bahamas é um ‘clube de ricos’ (prestes a ser salvo pelo Estado português)


    Não pode haver maior ironia: dirigentes políticos da esquerda portuguesa estão já a fazer apelos para uma intervenção do Estado com vista a salvar a Global Media, que é desde Outubro do ano passado controlada por um ‘clube de ricos’. Apesar de o segredo ser a alma do negócio, e estarmos num cenário financeiro das Bahamas (um paraíso fiscal), o PÁGINA UM sabe que o World Opportunity Fund é, pela sua arquitectura, um veículo financeiro onde só se entra a dedo – e não mais do que 50 empresas e indivíduos – e com um cheque à cabeça de não menos de meio milhão de euros para institucionais. Conheça mais um capítulo desta investigação do PÁGINA UM que desde Agosto do ano passado aborda a crise financeira da dona do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF – quando então o regulador, os partidos e os próprios jornalistas (que agora fazem greve) andavam a ver navios.


    É como se fosse um exclusivo ‘clube de ricos’: não entra quem quer, mas sim quem pode. O World Opportunity Fund – o fundo das Bahamas que controla desde Outubro do ano passado a Global Media, em suposta crise financeira – tem condições de grande selectividade, estando fechado a um número bastante limitado de investidores com uma subscrição mínima inicial de meio milhão de dólares.

    Ao contrário do que sugeriu o CEO da Global Media, José Paulo Fafe – que tem essa função por nomeação do fundo das Bahamas –, em recente entrevista ao jornal ECO, o World Opportunity Fund não tem “três mil” ou “dez mil” investidores. Na verdade, de acordo com a pesquisa do PÁGINA UM aos poucos dados disponibilizados pela Securities Commission of the Bahamas (SCB), o fundo que agora controla diversos órgãos de comunicação social portugueses – destacando-se os periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias e a rádio TSF – é um fundo fechado classificado como SMART Fund (acrónimo de Specific Mandate Alternative Regulatory Test Fund) do tipo 007. Este tipo de fundos de investimento beneficia de um regime mais flexível de controlo por parte da comissão de valores mobiliários, e as sete tipologias existentes servem sobretudo para compartimentar o número e classe de investidores.

    A Couple Walking on Beach

    No caso específico do World Opprtunity Fund – cuja data precisa de criação não se apurou, mas já surge referenciada por documentos da SCB em Janeiro de 2021 –, a sua tipologia 007 significa basicamente que está vocacionado para investidores institucionais, como fundos de pensões, fundos de fundos (FOF) e estruturas master-feeder; no entanto, pessoas físicas e entidades privadas também são elegíveis como investidores.

    Num panfleto de uma instituição financeira daquele país das Caraíbas (Equity Bank and Trust Bahamas) explica-se que os investidores elegíveis para fundos de investimento similares ao World Opportunity Fund devem ser bancos ou entidades financeiras, incluindo seguradoras, empresas com pelo menos 5 milhões de dólares de activos ou então indivíduos com um património superior a um milhão de dólares ou com rendimentos mínimos de 200 mil dólares nos últimos dois anos e expectativas razoáveis de manter esse fluxo no ano em curso.

    Os ‘investidores super-qualificados’, como se refere no aludido panfleto, só podem ser 50, no máximo, com um investimento inicial de meio milhão de euros, estando subjacentes reforços. O número de investidores e a sua identificação, bem como o investimento de cada um, consta de documentos a enviar à SCB, de acordo com legislação específica das Bahamas especificamente para o SMART Fund do tipo 007. Contudo, isso não significa que essa informação seja pública. Por exemplo, embora no Bahamas International Securities Exchange esteja cotado o net asset value (NAV) do World Opportunity Fund, actualmente nos 903,5 dólares, não se sabe sequer quantas unidade de participação foram emitidas, e portanto qual o montante global. Em todo o caso, fundos desta natureza, até pela ‘qualidade’ dos investidores não faz subscrições pelo valor mínimo.   

    Paulo Lima de Carvalho, José Paulo Fafe e Diogo Agostinho (que já renunciou), em visita ao palácio de Belém no início de Novembro passado. Ninguém continua a saber quem está por detrás de um obscuro ‘fundo de ricos’ que afinal está a afundar ainda mais uma empresa de media que já se encontrava em colapso.

    Nesse sentido, apesar do francês Clement Ducasse surgir como beneficiário efectivo no Registo Central do Ministério da Justiça português, pode nem sequer ter qualquer participação directa no fundo, como investidor. Na verdade, este tipo de fundos pode optar, como terão decidido os investidores do World Opportunity Fund, nomear um administrador e um gestor. Neste segundo caso, no SCB é identificado o UCAP Bahamas Limited, uma empresa de gestão de activos fundada por Clement Ducasse e pelo norte-americano Lawrence D. Howell.

    A intervenção da UCAP e do próprio Clement Ducasse será, contudo, de mero gestor quotidiano, e não propriamente de decisão estratégica, uma vez que, de acordo com o SCB, a entidade registada como administradora do World Opportunity Fund é a empresa The Winterbotham Trust Company Limited.

    Conforme o PÁGINA UM revelou em primeira mão no dia 1 de Novembro do ano passado, esta gestora de activos tem, apenas naquele país das Caraíbas, a responsabilidade de administrar 35 fundos distintos, entre os quais o White Conch Fund, World Oil System Fund, Victorem Global Perfomance Fund, Quercus Multi-Strategy Fund, Planifolia Trade Finance Fund, Envision Special Fund, Americas Energy Growth Fund, OCIM Mining Fund e Emerging Energy Services Fund.

    Ivan Hooper (à esquerda), CEO da The Winterbotham Trust Company Limited, e Clement Ducasse (à direita), sócio da UCAP Bahamas Limited, são respectivamente administrador e gestor do World Opportunity Fund, conforme registo no Securities Commission of the Bahamas (SCB).

    A empresa administradora do fundo que agora controla a Global Media não é assim tão desconhecida. Integrada no Winterbotham Group, fundada em 1990 por Geoffrey Hooper – e que tem agora o seu filho Ivan Hooper como CEO –, a The Winterbotham Trust Company Limited apresenta-se como um banco e empresa fiduciária, administradora e corretora de fundos de investimento a partir das Bahamas, fazendo parte de uma panóplia de empresas-irmãs localizadas em Porto Rico, Ilhas Cayman, Uruguai, Hong Kong e Austrália.

    O PÁGINA UM colocou questões e pedidos de esclarecimento a Ivan Hooper, CEO da empresa que administra o fundo das Bahamas, mas apesar de ter confirmado a recepção da mensagem de correio electrónico, ainda não respondeu.

    Saliente-se que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – que ontem revelou a abertura de um processo administrativo autónomo e de um procedimento de averiguações contra a Global Media – manifestou uma passividade desconcertante ao longo de vários meses do ano passado. No início de Agosto passado, o PÁGINA UM revelou que Global Media aumentara em 2022 a dívida ao Estado em mais de 7,1 milhões de euros, desviando esse dinheiro, que se deveria destinar aos cofres públicos, para reembolsar empréstimos aos seus sócios, entre os quais se encontrava o empresário Marco Galinha.

    De acordo com a análise à evolução financeira do grupo de media, então feita pelo PÁGINA UM, a dívida ao Estado aumentara de 2.905.183 euros em 2021 para 10.038.481 euros em 2022. Em anos anteriores, entre 2017 e 2021, o montante das dívidas ao Estado situava-se entre os 2,9 milhões e os 3,6 milhões de euros.

    Marco Galinha, actual membro do Conselho de Administração da Global Media, e seu antigo CEO. Em 2022 decidiu não pagar cerca de 7 milhões de euros de impostos ao Estado para desviar esse dinheiro para pagar empréstimos dos sócios, onde se integrava.

    Nessa notícia, o PÁGINA UM salientava que a Global Media estaria a esconder esse e outros dados financeiros relevantes no Portal da Transparência dos Media, gerida pela ERC, e denunciara o silêncio do Ministério das Finanças perante a opção da empresa então liderada por Marco Galinha de desviar 7,1 milhões de euros de impostos devidos para retribuir esse montante aos sócios relativamente a empréstimos.

    O PÁGINA UM, nesse artigo de há seis meses, salientava também já “um cenário de assustador colapso” da Global Media, bem patente em diversos indicadores económicos. Os prejuízos acumulados desde 2017 totalizam mais de 42,3 milhões de euros, que deverá aproximar-se dos 50 milhões com novos prejuízos em 2023. Esta sangria tem estado a reflectir-se na própria capacidade de investimento, tanto mais que o capital próprio da empresa estava a definhar a olhos vistos.

    Mesmo com injecções em numerário, a Global Media tem agora um capital social de 9,3 milhões de euros, que contrasta com quase 28,8 milhões de euros em 2017, e nesse ano o total do capital próprio até ultrapassava os 31,4 milhões de euros.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social: a ‘ver navios’ durante anos, vem agora abrir procedimentos contra a administração da Global Media quando o ‘iceberg já rompeu o casco’.

    Para mostrar o estado deplorável das contas da dona do Diário de Notícias, antes do aumento de capital, o ano de 2022 acabara com capitais próprios inferiores a 5,7 milhões de euros, por causa dos constantes prejuízos anuais.

    No entanto, apesar de a Global Media ter rectificado alguns dados no Portal da Transparência dos Media, manteve escondida a dívida ao Estado, e eventualmente outros passivos relevantes. Apesar das insistências do PÁGINA UM, a ERC nem sequer se mostrou interessada em Outubro passado a analisar os relatórios e contas da empresa agora liderada por José Paulo Fafe, alegando supostas limitações legais e incapacidade de analisar aqueles documentos.

  • Mortalidade elevada com actividade gripal em pico (nunca visto), mas vacinação nem é baixa

    Mortalidade elevada com actividade gripal em pico (nunca visto), mas vacinação nem é baixa


    A base de dados Flunet, da Organização Mundial da Saúde, analisados pelo PÁGINA UM, revelam que a actividade gripal em Portugal nunca esteve tão elevada desde os primeiros registos em 1995, após dois anos sem ‘sombra’ de vírus influenza, durante o auge da covid-19. Apesar dos espécimes detectados nas últimas semanas se deverem, em parte, à maior cobertura laboratorial, mostra-se evidente uma coincidência temporal entre a crescente maior actividade viral e uma maior mortalidade, que está em valores bastante elevados. A culpa será da fraca vacinação? Não será assim tanto, como se comprova com dados oficiais.


    A actual actividade gripal em Portugal está em níveis nunca registados, e uma das consequências imediatas tem sido o caos nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a subida da mortalidade para níveis muito mais elevados do que no período pré-pandemia.

    De acordo com os dados recolhidos pelo Flunet – um sistema mundial de informação de vigilância laboratorial da Organização Mundial da Saúde (OMS) –, desde 1995 nunca houvera registo tão elevado de espécimes de vírus influenza em Portugal como nas últimas duas semanas do mês passado.

    Person Holding Thermometer

    O recorde foi atingido na semana 51 de 2023, entre 18 e 24 de Dezembro, com o registo de 1.694 espécimes, com a esmagadora maioria (1526, ou seja, 90,1% do total) identificadas como pertencendo ao tipo A, mas de subtipo indeterminado. Os restantes espécimes eram de influenza A do subtipo H1N1 (159) – originário do surto de gripe suína de 2009 – e do subtipo H3 (apenas duas), além de constarem sete do tipo B de linhagem indeterminada.

    O anterior máximo, desde 1995, observara-se ‘fora de época’, entre 28 de Março e 3 de Abril de 2022, quando se contabilizaram, após cerca de dois anos sem sinal de vírus influenza – quando o SARS-CoV-2 dominou e fez ‘desaparecer’ a gripe’ –, 1.224 espécimes, também quase todas de influenza do tipo A (apenas 10 do tipo B), embora a esmagadora maioria sem determinação do subtipo. No entanto, nessa altura não foi registada nenhum espécime do subtipo H1N1.

    No período anterior à pandemia da covid-19, a quantidade de espécimes identificadas era muito menor, que também se pode explicar por uma menor cobertura laboratorial. Em todo o caso, nesse período, a semana com registo de maior número de espécimes ocorreu entre 4 e 10 de Fevereiro de 2019 com um total de 700, sendo que, neste caso, se destacava uma relevante presença de influenza A do subtipo H1N1, com 17% do total.

    Registo da Flunet relativo a Portugal no período 1995-2023. Fonte: OMS.

    Em anos anteriores apenas por uma vez se registou uma semana com mais de 500 espécimes identificados: entre 16 e 22 de Novembro de 2009, exactamente no pico da gripe suína. Nesse período foram contabilizados 511 espécimes, dos quais 489 de influenza do tipo A subtipo H1N1. Note-se, contudo, que a mortalidade então registada nesse mês (e no Inverno de 2009-2010) esteve bem abaixo dos valores registados em período homólogo do ano anterior, e dentro de valores expectáveis.  

    Independentemente dos factores extra-actividade viral, designadamente a maior cobertura laboratorial desde 2020 para a detecção do vírus influenza, mostra-se evidente que a gripe ‘bateu forte’, embora já começasse a dar mostras de evolução desfavorável. Na semana de 11 a 17 de Dezembro, já se observava um crescimento avassalador da actividade viral, contabilizando 1.039 espécimes, mais do dobro contabilizado na semana anterior. Na última semana de Dezembro, os valores foram inferiores aos da semana 51, mas mesmo assim registaram-se 769 espécimes, com um ligeiro declínio do subtipo H1N1.

    Em todo o caso, com ou sem responsabilidades exclusivas do surto gripal, a mortalidade total em Portugal começou a disparar a partir do dia 20 de Dezembro, passando pela primeira vez, desde o Inverno de 2022-2023, a fasquia dos 400 óbitos. No dia 28 atingir-se-ia os 512 óbitos, o valor mais elevado desde 9 de Fevereiro de 2021 – ou seja, desde o fim do período de maior mortandade da pandemia da covid-19.

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    A situação ainda pioraria nos primeiros dias do presente ano: dia 1 com 508 óbitos; dia 2 com 546; e dia 3 com 530. Entre a véspera do mais recente Natal (24 de Dezembro) e 6 de Janeiro deste ano, a média diária de mortes cifra-se em 487, um valor considerado bastante elevado para o período invernal. Neste período, a mortalidade causada pela covid-19 rondou cerca de 1,2% do total, ou seja, do ponto de vista de Saúde Pública um valor praticamente insignificante.

    Confrontando a mortalidade entre 1 de Outubro e 6 de Janeiro a partir de 2013, o período correspondente a 2023-2024 foi o terceiro pior, com 34.032 óbitos, pouco atrás de 2022-2023 (que já tivera uma actividade gripal relevante), mas mesmo assim com quase 2.900 mortes a menos do que os registados no período 2020-2021. A letalidade do período mais recente é, mesmo assim, significativamente superior aos anos anteriores à pandemia, não ‘beneficiando’ da ‘compensação demográfica’ decorrente da elevada mortalidade nos anos de 2020 a 2022. Saliente-se que a mortalidade tem atingido sobretudo os maiores de 85 anos, com sistemáticos dias com mais de duas centenas de óbitos.

    Mesmo os médicos considerados ‘peritos’ durante a pandemia da covid-19 têm defendido agora que o maior impacte do habitual surto gripal de Inverno se deve a uma menor protecção vacinal contra o vírus influenza por causa de “alguma fadiga pandémica”. É o caso do pneumologista Filipe Froes que ontem, em declarações à CNN Portugal, admite uma “menor taxa de cobertura vacinal [para protecção contra a gripe] na população de risco” face ao período anterior à pandemia.

    Mortalidade entre 1 de Outubro e 6 de Janeiro desde o período 2014-2015 até 2023-2024. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    O médico que se destaca por ser uma das figuras da Medicina portuguesa com mais relações comerciais com farmacêuticas disse ao canal televisivo que “temos 2,2 milhões de pessoas vacinadas, [e que] antes da pandemia eram mais de três milhões”, acrescentando ainda que “um em cada quatro idosos com mais de 75 anos não está [agora] vacinado”.

    Na verdade, foi a massificação da vacinação contra a covid-19 – e a não assumpção dos efeitos adversos por parte do Infarmed, que continua a ocultar, por decisão do seu presidente Rui Santos Ivo, os dados do Portal RAM, apesar dos esforços do PÁGINA UM – que têm afastado a população em idade de reforma de procurar neste Inverno a vacina contra a gripe, sobretudo na faixa entre os 60 e 80 anos.

    De acordo com os mais recentes dados da Direcção-Geral da Saúde, reportados a 19 de Dezembro de 2023, apenas 47% das pessoas deste grupo etário tinham recebido a vacina contra a gripe, quando em período homólogo de 2022 a cobertura era de 60%. No caso do grupo dos 70 aos 79 anos, a queda entre 2022 e 2023 é de cerca de 5 pontos percentuais (77% vs. 71,6%) e na faixa etária dos maiores de 80 anos é de um pouco menos de 4 pontos percentuais (79% vs. 75,6%).

    a man holding his hand up in front of his face

    Ora, segundo dados oficiais, provenientes do Vacinómetro, a cobertura vacinal contra a gripe foi de 83,9% na população com 65 e mais anos na época invernal de 2021-2022, por via da forte campanha que incluía a covid-19, o que representou um acréscimo de 13,5 pontos percentuais em comparação com o período homólogo de 2020-2021. Ou seja, a pandemia da covid-19 incrementou também a vacinação contra a gripe, mas foi a gestão dos programas que causou uma “fadiga”, embora os níveis actuais até ainda estejam ligeiramente acima do que se observava antes de 2020.

    De facto, por ironia, é um artigo científico de 2022 que tem Filipe Froes como primeiro autor que nega as declarações de… Filipe Froes à CNN Portugal. Com efeito, antes da pandemia, entre a população com idade entre os 60 e 64 anos apenas 42,8% se tinha vacinado, havendo anos anteriores em que estava abaixo dos 40%. No caso dos maiores de 65 anos, na época de 2019-2020, imediatamente antes da pandemia da covid-19, apenas 76% se tinham vacinado contra a gripe, enquanto a média no quinquénio anterior rondava os 65%.

  • Sem pandemia, contas da Joaquim Chaves Saúde afundam no ‘vermelho’ e despedir é a solução

    Sem pandemia, contas da Joaquim Chaves Saúde afundam no ‘vermelho’ e despedir é a solução


    A pandemia foi uma crise sanitária negativa para as populações, mas um maná para muitos empresários. Que o diga a holding Joaquim Chaves Saúde que facturou bem nos dois primeiros anos da covid-19 em Portugal, lucrando 12,2 milhões de euros em 2020 e 2021, e quebrando um ciclo negativo de prejuízos. Mas com o ‘desinvestimento’ público em redor do SARS-CoV-2, e com a necessidade de se virar para o mercado sem apoios públicos, a Joaquim Chaves Saúde afundou-se de novo nos prejuízos durante o ano de 2022, com um resultado negativo de quase 4,4 milhões de euros. Embora as contas de 2023 ainda não tenham sido apresentadas, o anúncio de despedimento de 92 funcionários não augura agora uma situação financeira saudável.


    Numa perspectiva financeira, depois da bonança, a tempestade. Ou, melhor dizendo, depois da pandemia, surgem os cenários sombrios. O anúncio do despedimento de 92 funcionários da Joaquim Chaves Saúde, holding familiar que detém cerca de 350 postos de recolha de análises, clínicas médicas, centros de radioterapia e clubes de fitness confirma que o ano de 2023 terá agravado uma situação financeira que antes de 2020 não era brilhante, e que só foi ‘mascarada’ pelos ‘balões de oxigénio’ que resultaram em fabulosos ganhos na realização de testes de detecção do SARS-CoV-2 e outros exames de diagnóstico.

    Com efeito, embora ainda seja prematuro conhecer o desempenho financeiro de 2023, a Joaquim Chaves Saúde já apresentara fortes prejuízos no ano de 2022, em consequência da redução significativa de análises associada à covid-19. Depois de um pico no início daquele ano com o surgimento da variante Ómicron, a estratégia de realização massiva de testes modificou-se e a empresa viu a sua actividade laboratorial nesse sector diminuir 56% face a 2021. Muito por essa quebra, a Joaquim Chaves Saúde acabou por apresentar em 2022 um prejuízo de quase 4,4 milhões de euros.   

    Esse desempenho ‘comeu’ uma parte relevante – mas longe de ser todo – o lucro acumulado nos dois anos da pandemia. Em 2020, a Joaquim Chaves Saúde acabou o exercício com resultados líquidos positivos de 4,7 milhões de euros. O ano seguinte, com a massificação dos testes de detecção do SARS-CoV-2, a empresa apostou fortemente no aumento da sua capacidade laboratorial, e terminou com lucros de 7,5 milhões de euros.

    Só em testes comprados por entidades públicas, a Joaquim Chaves Saúde facturou mais de 8,3 milhões de euros, destacando-se três ajustes directos concedidos pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares no valor de 5,3 milhões de euros. Recorde-se que em 2021, o Governo decidiu, sem uma justificação científica plausível, ‘varrer’ as escolas com testes mesmo a alunos e professores sem quaisquer sintomas e mesmo em estabelecimentos sem surtos. O maior contrato foi assinado em 6 de Abril de 2021, resultando na aquisição de cerca de 147 mil testes ao preço unitário de 20 euros. Contas feitas, entraram só com este contrato mais de 2,9 milhões de euros nos cofres da Joaquim Chaves Saúde.

    Estes dois anos de ‘ouro’ – em 2020 e 2021 houve um lucro acumulado de 12,2 milhões de euros – inverteram uma situação de prejuízos consecutivos nos períodos anteriores. De acordo com a consulta do PÁGINA UM às demonstrações financeiras da Joaquim Chaves Saúde, a empresa apresentou sempre prejuízos entre 2017 e 2019. No primeiro ano deste triénio, os resultados negativos foram de 229 mil euros, agravando para 309 mil em 2018 e subindo os prejuízos para os 1,7 milhões de euros. Ou seja, no triénio anterior ao início da pandemia a Joaquim Chaves Saúde apresentou um prejuízo acumulado de mais de 2,2 milhões de euros.

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    Os únicos dois anos com resultados positivos da Joaquim Chaves Saúde coincidem com dois ‘eventos’ interligados: o auge da pandemia da covid-19 e um forte incremento da contratualização com entidades públicas, que abrangeram também serviços de radioterapia e outras análises clínicas.

    Analisando os diversos contratos de empresas do universo da Joaquim Chaves Saúde no Portal Base desde 2009 mostra-se notório que somente a partir de 2020 os montantes passaram a ser relevantes. Antes do primeiro ano da pandemia, a Joaquim Chaves Saúde nunca ultrapassou a fasquia de um milhão de euros de facturação com entidades públicas, com os melhores a serem 2017 (537.766 euros) e 2019 (537.766 euros).

    A partir de 2020, a “torneira’ pública abriu. Nesse ano, as empresas do universo Joaquim Chaves conseguiram 14 contratos públicos, atingindo um total de cerca de 1,7 milhões de euros, mas estava ainda longe do que se atingiu nos dois anos seguintes. Em 2021 identificam-se 43 contratos no valor de quase 8,3 milhões de euros, e no ano seguinte os 37 contratos aproximaram-se dos 14 milhões de euros.

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    Neste montante está incluído a concessão da exploração da unidade de radioterapia do hospital de Évora, através de concurso público, no valor de mais de 10,6 milhões de euros. Este contrato tem duração de quatro anos, pelo que o impacte nas contas fica diluído, pelo que não evitou que as contas de 2022 ficassem no ‘vermelho’. Saliente-se ainda que os 18 contratos celebrados em 2023 com entidades públicas, por agora registados no Portal Base, se situam nos 2,8 milhões de euros.

    O fim da pandemia não é, contudo, apontada pela Joaquim Chaves Saúde como a causa dos despedimentos anunciados. Em comunicado ontem citado pelo Jornal de Negócios, a empresa justifica a medida para “garantir a sustentabilidade da empresa e a manutenção dos mais de 3.000 colaboradores”, mostrando-se “fundamental uma racionalização dos processos produtivos, quer com base nos investimentos tecnológicos entretanto implementados, quanto nos próprios procedimentos internos”. E diz ainda que, “nos últimos anos, apostou fortemente em equipas, infraestruturas e equipamentos numa perspetiva de crescimento de atividade que, dado o contexto atual do mercado, revelam-se sobredimensionadas, criando constrangimentos que agora se tornam indispensáveis resolver”.


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  • A ‘Censura do Bem’ é a pior das censuras

    A ‘Censura do Bem’ é a pior das censuras


    O Público – e falo do Público, porque fez ontem um trabalho sobre esta matéria – e outros órgãos de comunicação social ‘mainstream’ andam muito entusiasmados com a possibilidade de os ‘gigantes digitais’ combaterem a denominada ‘desinformação’ durante os actos eleitorais deste ano.

    Contas feitas, ao longo de 2024 haverá mais de 80 países a irem às urnas, incluindo os Estados Unidos, o Reino Unido, a Rússia, a Ucrânia, a Índia e, claro, Portugal. Estão ‘todos’ – não sei bem quem são os ‘todos’, mas encabeçados pelos directores dos media ‘mainstream’ – preocupados com os malefícios da ‘desinformação’ nas campanhas políticas, como se o Mundo só agora tivesse descoberto a existência de mentiras, de manipulações, de promessas faraónicas feitas por certos políticos. Eu, sinceramente, pensava que sempre foi assim e por todos quadrantes. Neste frenesi, Otto von Bismarck deve estar a rir-se na sua sepultura em Friedrichsruh – isto se não for, hélas, uma mentira a frase que lhe atribuem: “nunca se mente tanto como antes de umas eleições, durante as guerras e depois das caçadas”.

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    Sabemos bem, pela amostra dos últimos anos, como os ‘gigantes digitais’ actuam, e a forma tentacular com que seduzem e envolvem os media ‘mainstream’ (que aceitam a ‘linha’ directora adoçada com financiamentos para supostos ‘fact checkings’), catalogando e tratando a ‘desinformação’ com critérios do poder. A verdade, em tristes épocas, sempre se impôs pelo poder, em vencer em vez de convencer. Antes, e num sistema verdadeiramente democrático, quando a credibilidade da imprensa valia por si, a verdade sobrepunha-se à mentira através do debate e sobretudo do papel intermediador dos jornalistas. E da pluralidade de opinião. Acabava por ser premiada, pelos leitores, a imprensa que ‘dizia’ a verdade; e penalizada a que mentia.

    Agora, não! Tudo mudou. Agora, são os ‘gigantes tecnológicos’ que determinam a ‘verdade’, através de algoritmos comandados e manipulados à distância por ‘entes’ absolutamente nada democráticos (inalcançáveis e não-identificáveis), mas seguindo uma ‘narrativa’, determinando-se à priori se algo é verídico ou não, se algo é aceitável ou não, se algo é censurável ou não. Vimos isso na pandemia, onde, por exemplo, eu e muitos – e muitos com Ciência feita de décadas – fomos censurados por dá cá esta palha, sem apelo nem agravo.

    Tão fácil que foi então, e agora continua a ser, rotular, catalogar, censurar. Se o Facebook bloqueava, era porque se era negacionista, lunático, chalupa. Ainda hoje, por exemplo, a minha conta do Facebook está condicionada por ter divulgado notícias do PÁGINA UM baseadas em artigos científicos de revistas científicas com peer review. Julgo que o ‘castigo’ terminará em Março, pelo que talvez consiga, depois disto, ultrapassar as agora 20 ou 30 reacções por post. Nunca houve sequer oportunidade de apelação. Os ‘gigantes digitais’ são inalcançáveis.

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    E vimos isso, depois da pandemia, na invasão da Rússia à Ucrânia, onde também se permitiu a imposição de uma absurda censura aos órgãos de comunicação social russos, como se a Comissão Europeia se achasse detentora de um mandato paternalista considerando-nos inaptos por ineptos em distinguir a verdade da mentira, os factos da ficção.

    E vimos isso agora nas represálias de Israel à Faixa de Gaza, onde se ‘declarou’ como dogma que qualquer crítica aos israelitas será um discurso anti-semita e qualquer atitude de compaixão sobre os palestinianos passaria a ser considerada uma apologia ao terrorismo.

    E vemos agora em todas as questões fracturantes (e.g., alterações climáticas, migrações, género, etc.), onde quem quer fracturar deseja partir literalmente os seus opositores, promovendo medidas de cancelamento, de ostracismo, de silenciamento, de perseguição – e isto enquanto batem no peito clamando as virtudes da democracia. Mesmo os artistas, agora já nem podem ser subversivos, provocadores, imperfeitos, de contrário perdem o sustento.

    Por isso, quando vejo o entusiasmo da imprensa ‘mainstream’, da qual o Publico é um flagrante expoente nacional, congratulando-se orgasticamente pela intervenção censória dos ‘gigantes digitais’, identificando, desde logo a ‘desinformação’ como sinónimo (ou somente proveniente) do Trump, da extrema-direita e da Rússia, assusto-me com o triste caminho que estamos a trilhar.

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    A simplificação da origem da ‘desinformação’ tem um propósito: não é apenas calar (pela pior forma) opositores (mesmo que sejam pouco recomendáveis, como a extrema-direita ou regimes não-democráticos como a Rússia), mas validar como ‘verdades’ todas as mentiras, todas as manipulações, todas as promessas não cumpridas, todos os actos de corrupção moral e material dos políticos ‘mainstream’.

    Fazer esquecer, aliás, que foram eles, os políticos ‘mainstream’, com os seus actos e omissões. ‘benzidos’ por uma imprensa comprometida e vendida, que deixou de ser o ‘watchdog’ dos cidadãos, que ‘empurraram’ uma cada vez maior franja da população portuguesa (e ocidental) para os braços dos partidos populistas, antissistema e até de extrema-direita. Os europeus (e os portugueses incluídos) não se tornaram de repente fascistas: estão é fartos dos políticos que usurparam a expressão ‘partidos democráticos’. E começam também a estar fartos de uma imprensa que acha bem uma ‘Censura do Bem’.

    A ‘fúria’ em combater a ‘desinformação’ dos ‘outros’ com o borrão da censura, passando uma esponja pelas próprias mentiras, não é um acto democrático; é o acto próprio de uma ditadura. É um acto que deve ser denunciado pela Imprensa, nunca apoiado. É um ultraje aos princípios do Jornalismo achar que há ‘Censura do Bem’, ainda mais por ‘gigantes digitais’ que janelas opacas.

    Convençam-se: permitir ‘regulação’ através de ‘gigantes digitais’ não é regulação: é uma ditadura. Não se substitui o papel de uma Justiça lenta e coxa através de empresas que ‘silenciam’ carregando num botão. Isso é uma ditadura mesmo que supostamente esteja imbuída de santos princípios.

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    Convençam-se: não há ‘Censura do Bem’. Não há ‘Ditaduras do Bem’. Uma ditadura é uma ditadura – sempre será má. E sobretudo quando apadrinhada, como anda a suceder, pela própria imprensa ‘mainstream’.

    Convençam-se: a ‘desinformação’ combate-se sim com (boa) educação, (boa) formação e (boa) informação, para melhorarmos o entendimento das coisas por parte das pessoas, sem doutrinamentos nem dogmatismos; não se combate recorrendo à censura. E ver certa imprensa explicitamente a apoiar qualquer forma de censura faz-me dar voltas ao estômago. Por isso, camaradas jornalistas, preocupem-se, sim, em dar boa informação; apenas isso. E vigiem sim Governos e ‘gigantes digitais’. Já não será pouco. É muito – é, aliás, uma fundamental razão da existência do Jornalismo.


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  • Tal&Qual mente nas contas e ERC fica (mais uma vez) ‘a ver navios’

    Tal&Qual mente nas contas e ERC fica (mais uma vez) ‘a ver navios’


    Depois de ser alvo de um processo de contra-ordenação por reiterado incumprimento da Lei da Transparência dos Media, a empresa detentora do semanário Tal&Qual entregou entretanto dados financeiros falsos ao regulador. Os sócios da Parem as Máquinas – fundada por José Paulo Fafe, o actual CEO da Global Media, que a deixou em Maio do ano passado em falência técnica – decidiram finalmente preencher os registos do Portal da Transparência, mas sobrevalorizaram os activos e esconderam a existência de capitais próprios negativos superiores a 134 mil euros. Esta é, pelo menos, a quarta vez no último ano que o PÁGINA UM comprova que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) é enganada por empresas de media. Ou seja, o regulador anda sempre aos papéis.


    A actual gerência da empresa detentora do jornal Tal&Qual, a Parem as Máquinas Lda. – que foi fundada por José Paulo Fafe, actual CEO da Global Media – já entregou no Portal da Transparência dos Media diversos elementos financeiros cuja falta resultara num processo de contra-ordenação aberto no mês passado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, cuja coima pode atingir os 250 mil euros.

    Porém, há um problema: além de apenas ter enviado a informação financeira de 2022, continuando a omitir o ano de 2021, alguns indicadores económicos colocados no Portal da Transparência pela Parem as Máquinas são falsos, conforme o PÁGINA UM comprovou pela Declaração Anual de Informação Empresarial Simplificada (IES) daquela empresa, à qual a ERC não terá acedido ou não fez a conferência.

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    Com efeito, a empresa que publica o jornal Tal & Qual – um título que se mantém propriedade da Global Media, conforme se confirma pela consulta no Instituto Nacional de Propriedade Industrialsobrevalorizou no Portal da Transparência os seus activos, dizendo que totalizavam os 339.283,10 euros, quando na verdade se quedam nos 200.255,78 euros, dos quais cerca de 20% é um automóvel e 44% são dívidas de clientes. A empresa acabou o ano de 2022 apenas com um pouco menos de seis mil euros na conta bancária.

    Essa sobrevalorização de quase 140 mil euros – que não pode ser um mero lapso, porque a plataforma do Portal da Transparência dos Media ‘exige’ (tal como as regras contabilísticas) que o activo seja igual ao somatório dos capitais próprios e do passivo – permitiu sobretudo esconder a falência técnica da Parem as Máquinas.

    Conforme o PÁGINA UM já revelara no passado dia 14 de Dezembro, inserindo a IES de 2022 da empresa, os donos do Tal&Qual já tinham, no final de 2022, capitais próprios negativos de 134.027,32 euros – ou seja, os sócios tinham perdido todo o capital (social) investido e sobreviviam de empréstimos. Somando o capital próprio negativo de 134.027,32 euros com o passivo de 334.283,10 euros, o valor do actyivo nunca poderia ser de 339.283,10 euros. Por isso, a Parem as Máquinas informou a ERC que os capitais próprios eram de 5.000 euros para aparentemente tudo bater certo.

    Printscreen de hoje do registo dos indicadores financeiros de 2022 da empresa Parem as Máquinas no Portal da Transparência dos Media, gerida pela ERC.

    Numa situação normal, investida em poderes de regulação e verificação da veracidade da informação no Portal da Transparência dos Media – que está agora na berlinda a pretexto da identificação dos participantes do World Opportunity Fund que controla a Global Media –, a ERC deveria ter detectado as falsas informação, mas tal não sucedeu. Mais uma vez.

    Com efeito, sucedem-se os casos graves de lacunas, omissões e falsas informações prestadas por empresas de media ao regulador para efeitos de informação financeira e dos titulares de órgãos de informação de comunicação social.

    No último ano, o PÁGINA UM detectou, antes da ERC, que o Polígrafo omitira um fortíssimo financiamento pelo Facebook (além de não indicar correctamente quem era o director) e que tanto a Global Media como a Trust in News – detentora da Visão e de outros 16 títulos de imprensa – esconderam ao regulador (e ao público) as dívidas ao Estado (e outros detentores relevantes do passivo). Aliás, sobre a gestão (política) do Portal da Transparência dos Media, convém recordar que o PÁGINA UM conseguiu que o Tribunal Administrativo de Lisboa concedesse o direito de consulta dos pedidos de confidencialidade solicitados por diversas empresas, mas tal ainda não se concretizou porque e ERC decidiu recorrer.

    Extracto do balanço de 2022 da Parem as Máquinas constante da Declaração Anual de Informação Empresarial Simplificada (IES), onde se comprova a falência técnica e os activos inferiores aos declarados pela empresa no Portal da Transparência.

    Ainda sobre a Parem as Máquinas, foi entretanto corrigida ou actualizada a informação sobre os sócios, deixando de surgir o nome de José Paulo Fafe tanto como sócio como gerente. Sobre o responsável editorial do Tal & Qual, que em Dezembro era omisso, passou agora a coincidir com o que consta na ficha técnica deste semanário: Jorge Lemos Peixoto.  

    Saliente-se que, apesar da formalização da sua saída da empresa Parem as Máquinas (e do Tal&Qual) em finais de Maio, e a sua subsequente entrada em Junho na gerência da Páginas Civilizadas (dominada pelo fundo das Bahamas), José Paulo Fafe nunca se desligou da realidade do Tal & Qual. Na verdade, apesar de ser gerida pela Parem as Máquinas, o título deste semanário está registado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) como pertencente à Global Media. E além disso, actualmente a Páginas Civilizadas compartilha a mesma sede, no Tagus Park, da Parem as Máquinas e do semanário Tal&Qual.