Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Hospital de Braga escondeu 1.354 ajustes directos de 47 milhões de euros por mais de dois anos. Em muitos nem se sabe o que se comprou

    Hospital de Braga escondeu 1.354 ajustes directos de 47 milhões de euros por mais de dois anos. Em muitos nem se sabe o que se comprou

    Não se encontra nenhuma entidade pública com similar comportamento, nem de longe: a administração do Hospital de Braga ‘borrifou-se’ nos prazos para registo no Portal Base de quase dois mil contratos, dos quais cerca de 1.400 estiveram mais de dois anos (e por vezes mais de três anos) a aguardar a sua publicação. Praticamente todos os contratos em atraso são ajustes directos (a empresa escolhidas a dedo), numa parte substancial nem sequer há um contrato escrito, e noutros nem sequer se sabe aquilo que foi adquirido e se foi efectivamente recepcionado. Para ‘recuperar o atraso’, os serviços administrativos fizeram trabalho extraordinários em 2023: por exemplo, em apenas um mês (Maio) foram inseridos no Portal Base cerca de um milhar de registos respeitantes a ajustes directos celebrados em 2020 e 2021. Uma enxurrada atrasada para dificultar a detecção de compras suspeitas. A administração do hospital, integrada na nova Unidade Local de Saúde do Alto Minho, e que é presidido por João Porfírio de Oliveira, diz estar tudo bem, alegando que “nenhuma entidade veio colocar em causa a legalidade dos atos de autorização e pagamento da despesa pública dos procedimentos contratuais em causa”. Pudera: na altura em que o Tribunal de Contas elaborou relatórios sobre compras em unidades de saúde em 2020 e 2021, o Hospital de Braga não tinha ainda quase nada metido no Portal Base.


    A administração do Hospital de Braga, presidida por João Porfírio de Oliveira – que entretanto passou a liderar a nova Unidade Local de Saúde do Alto Minho – escondeu durante mais de dois anos para cima de um milhar de contratos por ajuste directo celebrados durante os anos de 2020 e 2021. Estes contratos por ajuste directo envolvem, no total, mais de 47 milhões de euros, não incluindo IVA, e violam todas as regras de transparência impostas pelo Código dos Contratos Público, que, por princípio, impõem a divulgação no prazo de 20 dias úteis a partir da decisão da compra de bens ou aquisição de serviços.

    De acordo com um exaustivo levantamento do PÁGINA UM à plataforma de contratação pública, o Portal Base, o Hospital de Braga somente no ano passado divulgou informação sobre 425 ajustes directos para a compra de bens e aquisição de serviços concretizadas em 2020, num total de 20.064.978 euros, e sobre 929 ajustes directos feitos em 2021, envolvendo um total de 27,1 milhões de euros. Também se encontram mais 600 ajustes directos celebrados em 2022 cujos prazos de divulgação no Portal Base foram largamente ultrapassados, e que totalizam 12,1 milhões de euros.

     Não se encontra nenhuma outra entidade pública em Portugal com este tipo de comportamento, ou seja, com violações sistemáticas nos prazos de divulgação, sobretudo tendo em conta serem ajustes directos. Em muitos casos, mesmo em contratos muito significativos, nem sequer existe contrato escrito, aproveitando um regime de excepção no decurso da pandemia. Deste modo, nem sequer se sabe ao certo, em variadíssimos casos, que tipo de bens ou produtos e quantidades foram efectivamente adquridas e entregues.

    O caso paradigmático é o ajuste directo de quase 2,6 milhões de euros celebrado em 16 de Julho de 2020 com a Merck Sharp & Dohme, cuja divulgação no Portal Base apenas ocorreu 4 de Maio de 2023, ou seja, mais de 33 meses depois. Apesar do montante elevado, a única informação é ter-se tratado de “aquisição de medicamentos exclusivos”, que nem sequer são identificados e muito menos as quantidades. A administração justificou a ausência de contrato escrito com o facto de o fornecimento se fazer de imediato – em prazo inferior a 20 dias –, de a relação contratual se extinguir com o fornecimento e o contrato não estar sujeito a fiscalização prévia do Tribunal de Contas.

    Mas não se diga que esta prática – que constitui uma excepção ao princípio da transparência – seja uma prática comum. Pelo contrário, os ajustes directos para a compra de medicamentos em montantes acima de um milhão de euros são raros, sendo mais habitual que se enquadrem em acordos-quadro envolvendo várias unidades hospitalares (e até, por vezes, diversos medicamentos fornecidos por distintas farmacêuticas), em que, mesmo podendo não haver contrato, existem peças de procedimentos que mostram informação sobre os fármacos adquiridos.

    Número de contratos por procedimento inseridos no Portal Base em 2023 por ano da sua celebração. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.

    Também muito estranho é o ajuste directo celebrado com a Pfizer em 29 de Julho de 2020 para a aquisição de infliximab, para tratamento de doença de Crohn e colite ulcerosa. Note-se que, neste caso, este fármaco nem sequer é exclusivo da Pfizer, sendo também comercializado, por exemplo, pela Janssen e pela Merck Sharpe & Dohme. Este ajuste directo foi apenas divulgado no Portal Base em 9 de Maio de 2023, ou seja, quase três anos depois, sem qualquer contrato escrito, mesmo estando em causa uma aquisição de quase 1,3 milhões de euros deste medicamento.

    Mais uma vez, para além do enorme atraso na divulgação da informação na plataforma da contratação, aquilo que ressalta é a justificação para a ausência de contrato escrito onde fique claro a quantidade adquirida e o preço unitário. A administração presidida por João Porfírio de Oliveira usa, também neste caso, o curto prazo de entrega (apenas três), mas essa rapidez é estranha face a contratos similares para este mesmo medicamento.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM aos 21 contratos deste medicamento acima de meio milhão de euros feitos pelas diferentes unidades de saúde do SNS, todos tiveram prazos de execução (entrega final) superior a 200 dias, pelo que a generalidade teve de possuir contrato com indicação do preço unitário e quantidades adquiridas. Aliás, mesmo um novo contrato do Hospital de Braga de compra do mesmo infliximab realizado em 12 de Abril de 2021 – pouco mais de oito meses depois da anterior compra – teve um prazo de entrega de 365 dias. E, claro, por esse motivo teve contrato escrito, embora a administração do Hospital de Braga omita, na informação disponibilizada, a quantidade e preços unitários.

    Montante total (em euros) dos contratos por procedimento inseridos no Portal Base em 2023 por ano da sua celebração. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.

    Para adensar as fortes suspeitas da primeira compra (de Julho de 2020), acrescente-se que, em apenas dois anos (2020 e 2021), o Hospital de Braga terá gastado cerca de 2,3 milhões de euros, mas no período similar posterior, em 2022 e 2023, as diversas compras do mesmo fármaco não ultrapassaram, no conjunto, meio milhão de euros. Neste último período, o maior contrato ocorreu em 11 de Maio, ao abrigo de um acordo-quadro, por um valor de cerca de 211 mil euros e um prazo de execução de 245 dias. Por ser um contrato público de aprovisionamento, não foi reduzido a escrito, mas existem peças procedimentais com a lista de medicamentos e os preços unitários. E mais: se no contrato de Julho de 2020, no valor de 1,3 milhões de euros, o Hospital de Braga demorou quase três anos a registar a informação no Portal Base, neste contrato de Maio de 2023 só necessitou de 14 dias.

    Mas se uma grande parte dos ajustes directos dos anos de 2020 e 2021 estranhamente ‘esquecidos’ nos serviços administrativos do Hospital de Braga são relativos a medicamento, existem muitos que abrangem outra tipologia de bens ou serviços. No entanto, mesmo em contratos avultados, mantém o crónico problema: nem sempre se sabe do que se trata nem sequer imaginar questões relevantes como a formação do preço. Um exemplo escandaloso passa-se com o ajuste directo no valor de 735 mil euros com a PH Energia, uma empresa de comercialização de energia.

    Celebrado em 8 de Abril de 2021, com um prazo de execução de apenas cinco dias – o que dá um custo médio de 147 mil euros por dia – não foi alvo de contrato escrito, por alegados (e não justificados) “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” pelo Hospital de Braga. Na descrição do contrato no Portal Base surge a seguinte uma obtusa descrição: “Aquisição de PH Energia, Lda”. Resta acrescentar que, embora este contrato tenha tido data de 8 de Abril de 2021 somente foi inscrito no Portal Base em 16 de Maio de 2023, ou seja, 25 meses depois.

    João Porfírio Oliveira, foi presidente do Conselho de Administração do Hospital de Braga desde a sua passagem para a esfera pública em 2019, e pelos seus (bons) serviços foi alcandorado a presidente da recém-criada Unidade Local de Saúde do Alto Minho.

    Um grupo de contratos sem sequer serem reduzidos a escrito, e também com atrasos completamente anormais e à margem da lei – porque basta saber ler o Código dos Contratos Públicos para aferir a ilegalidade em prazos legais –, diz respeito a compras de bens e equipamentos relacionados com a pandemia. Neste lote destacam-se 12 ajustes directos com valores acima de 250 mil euros, a saber:

    1 – Aquisição de 300.000 testes no valor de 573.900 euros à empresa Alfagene, entregue com um prazo de cinco dias, que foi celebrado em 6 de Agosto de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 23 de Janeiro de 2023. Ou seja, mais de 29 meses depois.

    2 – Aquisição de um número indeterminado de máscaras no valor de 477.500 euros à empresa Colunex (que comercializa colchões ortopédicos), com um prazo de execução de três dias, que foi celebrado em 26 de Março de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 10 de Maio de 2023. Ou seja, mais de 37 meses depois. Este contrato não foi, obviamente, ‘apanhado’ pelo PÁGINA UM quando em 6 de Novembro de 2022 abordou os estranhos contratos da Colunex para fornecimento de equipamentos de protecção individual a preços especulativos, não sendo esse o seu core business. Na altura dessa notícia, o Hospital de Braga ainda tinha o contrato com a Colunex de 477.500 euros ‘sequestrado’, no segredo dos deuses.

    3 – Aquisição de um número indeterminado de kits de testes no valor de 426.762 euros à empresa Alfagene, com um prazo de execução de cinco dias, que foi celebrado em 15 de Janeiro de 2021 e conhecido no Portal Base apenas em 5 de Maio de 2023. Ou seja, mais de 27 meses depois.

    4 – Aquisição de um número indeterminado de kits de testes no valor de 426.762 euros também à empresa Alfagene, com um prazo de execução de 365 dias, que foi celebrado em 12 de Maio de 2021 e conhecido no Portal Base apenas em 26 de Maio de 2023. Ou seja, 24 meses depois.

    5 – Aquisição de um número indeterminado de kits de testes no valor de 426.762 euros ainda à empresa Alfagene, com um prazo de execução de 365 dias, que foi celebrado em 22 de Julho de 2021 e conhecido no Portal Base apenas em 2 de Junho de 2023. Ou seja, mais de 22 meses depois.

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    6 – Aquisição de 200.000 máscaras no valor de 414.000 euros também à empresa Colunex (que comercializa colchões ortopédicos), com um prazo de execução de oito dias, que foi celebrado em 4 de Junho de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 18 de Janeiro de 2023. Ou seja, mais de 31 meses depois. Também este contrato não podia ter sido detectado pela notícia do PÁGINA UM de 6 de Novembro de 2022 sobre os negócios da Colunex durante a pandemia.

    7 – Aquisição de um número indeterminado de kits de testes no valor de 344.485 euros ainda à empresa Alfagene, com um prazo de execução de cinco dias, que foi celebrado em 25 de Novembro de 2021 e conhecido no Portal Base apenas em 21 de Julho de 2023. Ou seja, quase 20 meses depois.

    8 – Aquisição de 3.000.000 de luvas de nitrilo no valor de 330.000 euros à empresa Interhigiene, com um prazo de execução de 30 dias, que foi celebrado em 15 de Outubro de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 24 de Janeiro de 2023. Ou seja, 27 meses depois.

    9 – Aquisição de 300.000 batas impermeáveis no valor de 297.000 euros à empresa Medline, com um prazo de execução de 10 dias, que foi celebrado em 1 de Outubro de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 24 de Janeiro de 2023. Ou seja, mais de 27 meses depois.

    10 – Aquisição de batas impermeáveis em número indeterminado no valor de 286.000 euros à empresa PTTEX, com um prazo de execução de 10 dias, que foi celebrado em 15 de Outubro de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 24 de Janeiro de 2023. Ou seja, também 27 meses depois.

    11 – Aquisição de equipamento não determinado no valor de 279.308 euros à empresa Clinifar, com um prazo de execução de 31 dias, que foi celebrado em 2 de Abril de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 10 de Maio de 2023. Ou seja, 37 meses depois.

    12 – Aquisição de 10 ventiladores no valor de 277.182 euros à empresa Teprel, com um prazo de execução de um dia, que foi celebrado em 2 de Abril de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 10 de Maio de 2023. Ou seja, também 37 meses depois.

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    Mas esta é apenas o lote dos maiores ajustes directos associados a equipamentos associados à covid-19, porque as compras de urgência durante a pandemia serviram de pretexto excelente para ajustes directos a torto e a direitos, sem controlo de quantidades e de preços unitários. E por vezes sem sequer se perceber ao certo aquilo que foi adquirido.

    Se se considerar a totalidade dos ajustes directos, de qualquer tipologia, celebrados em 2020 e 2021, mas apenas disponibilizados no Portal Base em 2023, contabilizam-se um com valor superior a 2,5 milhões de euros (beneficiando a Merck Sharpe & Dohme), um outro acima de um milhão de euros (beneficiando a Pfizer), quatro entre 500 mil e um milhão de euros (beneficiando a PH Energia, a Janssen, a Roche e a Alfagene), mais 23 entre 250 mil e 500 mil euros (sendo que quatro beneficiaram a Alfagene), e mais 71 com valor entre 100 mil e 250 mil euros.

    No total são 100 os contratos do Hospital de Braga acima de 100 mil euros celebrados em 2020 e 2021, mas com divulgação a ver a ‘luz do dia’ apenas ao longo do ano de 2023. Para se aquilatar da dimensão e gravidade deste comportamento da administração do Hospital de Braga, o PÁGINA UM analisou todos os contratos nas mesmas condições, tendo contabilizado um total de 327 contratos, envolvendo 79 entidades públicas. A centena de contratos do Hospital de Braga representam 31% do total, ou seja, praticamente um em cada três contratos acima de 100 mil euros com atrasos de divulgação da ordem dos dois ou mais anos são desta unidade hospitalar do Norte.

    Embora existam outros hospitais com contratos estranhamente esquecidos, o Hospital de Braga destaca-se a grande distância dos outros. A segunda unidade de saúde com mais contratos de 2020 e 2021 acima de 100 mil euros apenas divulgados em 2023 é o Centro Hospitalar do Algarve, que conta 33. Segue-se o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, com 27, e o IPO de Lisboa com 21. Mesmo centros hospitalares de maior dimensão similar ou superior ao de Braga estiveram longe daquele nível de comprometedor atraso. Por exemplo, o de Lisboa Central, que agrega o Hospital de São José, tem cinco contratos nas condições descritas, mas aí o grau de gravidade é reduzido, porque foram todos celebrados no decurso de concursos públicos. Ora, no caso do Hospital de Braga, dos 100 contratos em causa, 99 foram por ajuste directo.

    Exemplo de um contrato ‘obscuro’ do Hospital de Braga: um ajuste directo de 735 mil euros sem contrato escrito por alegada “urgência imperiosa”, executado em apenas cinco dias, e que tem a singela descrição de “Aquisição de PH Energia, Lda.”. O contrato tem data de 8 de Abril de 2021 mas o registo no Portal Base somente foi inserido em 16 de Maio de 2023.

    O modus operandi do Hospital de Braga para ‘resolver’ os atrasos colossais – e ‘esconder’ literalmente ajustes directos muito suspeitos – foi semelhante à táctica de fazer passar um elefante cor-de-rosa desapercebido pelo meio de uma cidade: entre uma manada de elefantes castanho.

    Com efeito, salvaguardando a analogia literária, o Hospital de Braga introduziu a informação dos contratos por ajuste directo de 2020 e 2021, com atrasos impressionantes, ao longo de 2023 por fluxos. Assim, dos 138 contratos introduzidos no Portal Base (e divulgados publicamente) em Janeiro de 2023,  apenas dois eram desse ano, sendo que 129 tinham sido celebrados em 2020, um em 2021 e seis em 2022.

    Nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2023, o Hospital de Braga somente deu a conhecer, no Portal Base, um total de 22 contratos. Todos tinham sido celebrados nos primeiros meses desse ano.

    E a seguir, houve certamente horas extraordinárias nos serviços administrativos. No mês de Maio de 2023, o Hospital de Braga introduziu no Portal Base um impressionante número de contratos: 1.134, dos quais 296 referentes ao ano de 2020 e mais 664 referentes ao ano de 2021.

    Foi, aliás, no seguimento desta ‘leva’ que o PÁGINA UM detectou aquilo que, na verdade, era apenas a ponta do icebergue, quando se noticiou, em 12 de Junho de 2023, que o “Hospital de Braga demorou mais de dois anos, e por vezes até mais de três anos, a disponibilizar pelo menos 32 contratos no Portal Base relacionadas com aquisições de equipamentos de protecção individual e materiais relacionados com a pandemia”. Visto está, a realidade mostrou que a situação era muito pior.

    Não chegou, contudo, o mês de Maio de 2023 – com a introdução de 1.134 contratos no Portal Base – para rectificar tudo. Em Junho desse ano ainda foram metido na plataforma da contratação pública mais 205 atrasados contratos celebrados em 2021 e ainda mais 143 contratos de 2022, que também estavam em violação do Código dos Contratos Públicos.

    Divulgação dos contratos no Portal Base pelo Hospital de Braga ao longo dos meses de 2023 em função dos anos em que foram celebrados (2020, 2021, 2022 e 2023). Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.

    Mesmo em Julho e Agosto, em pleno período de férias, a ordem foi para repor os atrasos. No primeiro destes meses foram ainda metidos no Portal Base 74 contratos de 2021 e mais 153 contratos celebrados em 2022, também todos com atraso. No segundo destes meses inseriram-se então o último contrato de 2021 em falta e mais 238 contratos do ano de 2022, também em violação das normas do Código dos Contratos Públicos. Somente em Setembro de 2023 o Hospital acabou a empreitada de ‘enfiar elefantes cor-de-rosa’ no Portal Base, incluindo os restantes 55 contratos de 2022 que ainda estavam em atraso.

    O PÁGINA UM contactou a administração do Hospital de Braga sobre estas matérias em meados do mês passado, começando por receber, como resposta, que deveria ser considerada uma resposta alegadamente enviada ao PÁGINA UM no Verão passado. Reiterando que existiam novos elementos a necessitar de esclarecimentos e comentários, a administração do Hospital de Braga acabou por responder.

    Oficialmente, o Hospital de Braga salienta que a sua passagem para a esfera pública, em Maio de 2019, com o fim da parceria público-privada, “não o sujeitou às limitações constantes do Código dos Contratos Públicos por um ano”, acrescentando que um diploma (Decreto-Lei nº 10-A/2020) – logo no início da pandemia, que permitiu uma simplificação das compras – “tornou viável a discussão quanto à suspensão daquele prazo inicialmente concedido”.

    Saliente-se, contudo, que aquilo que está sobretudo em causa nem sequer o tipo de procedimento escolhido, mesmo se o Hospital de Braga mostre ser adepto incondicional dos ajustes directos, mas sim a determinação daquilo que foi verdadeiramente adquirido (quase impossível de saber sem contrato escrito) e sobretudo a divulgação da informação pública no Portal Base, que não é uma questão de somenos.

    a person walking up some steps in front of a building

    Por outro lado, ressalve-se que diploma de simplificação das compras durante a pandemia, se permitiram contratos por ajustes directo sem limite, não eliminaram a obrigatoriedade de divulgação no Portal Base. Com efeito, no artigo 2º desse diploma salienta-se expressamente que “as adjudicações feitas ao abrigo do presente regime excecional são comunicadas pelas entidades adjudicantes aos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela respetiva área setorial e publicitadas no portal dos contratos públicos [Portal Base], garantindo o cumprimento dos princípios da publicidade e transparência da contratação”.

    Ou seja, claramente o Hospital de Braga estava e sabia estar em falta, até porque não se encontra, nem de longe, nenhuma outra entidade pública com este grau de violação de prazos.

    Em todo o caso, a administração do Hospital de Braga menospreza a gravidade da situação, dizendo que “a não publicitação dos contratos no Portal Base […], não afeta a validade do procedimento de concurso público, pelo que, caso fosse vontade […] em ocultar, omitir ou deturpar informação, não teria encetado as diligências necessárias à publicitação dos contratos”.

    Esta, diga-se, é uma afirmação capciosa, porque, com os escandalosos atrasos em mais de um milhar de contratos, abrangendo mais de 47 milhões de euros, o Hospital de Braga passou pelo crivo da generalidade dos relatórios do Tribunal de Contas, designadamente daqueles que incidiram nos anos da pandemia, uma vez que esta entidade se socorre, em grande parte, aos contratos que se encontram no Portal Base.

    Um exemplo flagrante disso observa-se no quarto relatório de acompanhamento dos contratos isentos de fiscalização prévia por causa da pandemia, publicado em Julho de 2022: enquanto o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (que integra o Hospital de Santa Maria) surge referido por 49 vezes e está em primeiro lugar do top 25 dos adjudicantes, o Hospital de Braga (que é uma unidade de grandes dimensões) é apenas referido uma singela vez quando surge numa tabela que o coloca apenas no lugar 46 do top 100 dos adjudicantes. E isto sucede por uma razão simples: à data, ao contrário das outras unidades de saúde, o Hospital de Braga escondia os contratos.

    person walking on hallway in blue scrub suit near incubator

    A administração do Hospital de Braga ainda acrescentou ao PÁGINA UM que “os contratos ora publicitados contém toda a informação necessária a permitir concluir pelo cumprimento dos princípios da transparência e da publicidade, conquanto foram assegurados os princípios gerais inerentes à contratação pública, não tendo sido afetada a concorrência e a prossecução do interesse público, nem violado o dever de imparcialidade”. Uma afirmação que não encontra sustento nos exemplos acima apontados pelo PÁGINA UM, e que somente por economia de tempo não se acrescentaram mais.

    E, por fim, a administração do Hospital de Braga acrescenta também que, até agora, “nenhuma entidade [com atribuições legais, depreende-se] veio colocar em causa a legalidade dos atos de autorização e pagamento da despesa pública dos procedimentos contratuais em causa”. Essa afirmação, convenhamos, é verdadeira, razão pela qual o PÁGINA UM vai endereçar todos os elementos recolhidos nesta investigação ao Tribunal de Contas, ficando depois a aguardar a sua reacção.

    N.D. 03h00 de 21/02/2024 – Feitos diversos acrescentos, sobretudo a inclusão das ligações ao Portal Bases dos 12 contratos numerados, bem como a inclusão de um ficheiro com todos os contratos ‘atrasados’ (de 2020 e 2021 mas divulgados apenas em 2023) com valor superior a 100 mil euros.


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  • Concurso público: 50 milhões de euros para limpar vegetação na rede ferroviária

    Concurso público: 50 milhões de euros para limpar vegetação na rede ferroviária


    O controlo da vegetação em zonas em redor de edifícios, passagens de nível e estruturas especiais da rede ferroviária nacional vai custar à Infraestruturas de Portugal mais de 50 milhões de euros nos próximos cinco anos. Os três contratos foram assinados no passado dia 8, mas apenas divulgados na sexta-feira no Portal Base, no decurso de um concurso público bastante renhido em que participaram 11 empresas.

    O concurso foi dividido em três lotes – Norte, Centro e Sul –, sendo que o valor das adjudicações coincidiu com o preço-base previamente definido. No caso do lote 1, respeitante à região Norte, no valor de cerca de 17,8 milhões de euros (a que acresce IVA), foi ganho pela Silvexplor, uma empresa unipessoal da Mortágua, com experiência no sector, mas que nunca ganhara um contrato tão chorudo. Até agora, o contrato de montante mais elevado era de cerca de 277 mil euros para a reabilitação e gestão de áreas florestais da Tapada Nacional de Mafra.

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    O contrato para a região Centro, no valor de um pouco mais de 12,5 milhões de euros (sem IVA), foi ganho por um consórcio formado pela Somafel – uma empresa do Grupo Teixeira Duarte, especializada em manutenção ferroviária – e a empresa Floresta Bem Cuidada, sediada na Guarda.

    Esta segunda empresa – gerida por Orlando Faísca, que presidente também à Associação Empresarial da Região da Guarda – ganhou, sozinha, o terceiro lote, para a região sul do país, por um valor de 11 milhões de euros (sem IVA).

    De acordo com os contratos, a execução destas tarefas pode ser prorrogada, com a concordância das partes, por mais dois anos, o que significa que apenas haverá novos contratos em 2031. Em anos anteriores, a Infraestruturas de Portugal fazia o controlo de vegetação e desmatação nas infraestruturas rodoviárias, para prevenção de incêndios florestais, através de contratos pontuais, quase todos por ajuste directo.

    aerial photography of train tracks near forest

    Os três contratos celebrados pela Infraestruturas de Portugal para o controlo de vegetação em infraestruturas ferroviárias integram o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 16 e 18 de Fevereiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

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    Nos últimos três dias, de sexta-feira até ontem, no Portal Base foram divulgados 869 contratos públicos, com preços entre os 17,00 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, ao abrigo de acordo-quadro – e os 17.684.053,95 euros – para aquisição de serviços de controlo de vegetação e desmatação, pela Infraestruturas de Portugal, através de concurso público.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 25 contratos, dos quais 17 por concurso público, cinco ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 16 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Infraestruturas de Portugal (com a Iberdrola, no valor de 4.539.822,21 euros); dois do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (um com a Alnypt, um no valor de 3.256.722,00 euros, e outro com a Vertex Pharmaceuticals, no valor de 472.520,56 euros); dois da EEM – Empresa de Electricidade da Madeira (um com a Schneider Electric Portugal, no valor de 532.978,63 euros, e outro com a Enging – Make Solutions, no valor de 258.830,00 euros); Museus e Monumentos de Portugal (com a J. Kugel Antiquaires, no valor de 420.000,00 euros); três do Hospital do Espírito Santo de Évora (um com a Abbvie, no valor de 220.320,00 euros, outro com a Amgen Biofarmacêutica, no valor de 164.904,40 euros, e outro com a Pfizer, no valor de 159.696,45 euros); Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (com a Uniself – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, no valor de 209.267,29 euros); quatro da Unidade Local de Saúde de Santa Maria (dois com a Octapharma – Produtos Farmacêuticos, um no valor de 181.350,00 euros, e outro no valor de 129.412,00 euros, outro com a Astellas Farma, no valor de 148.407,00 euros, e outro com a Vertex Pharmaceuticals, no valor de 147.662,55 euros); Município do Funchal (com a Prospectiva – Projectos, Serviços e Estudos, no valor de 124.432,50 euros); e a Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano (com a Gilead Sciences, no valor de 103.200,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 16 a 18 de Fevereiro

    1Aquisição de serviços de controlo de vegetação e desmatação em edificado

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Silvexplor – Sivicultura

    Preço contratual: 17.684.053,95 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    2Aquisição de serviços de controlo de vegetação e desmatação em edificado

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Somafel – Engenharia e Obras Ferroviárias; Floresta Bem Cuidada, Lda.

    Preço contratual: 12.516.859,70 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Aquisição de serviços de controlo de vegetação e desmatação em edificado

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Floresta Bem Cuidada, Lda.

    Preço contratual: 11.036.051,20 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Aquisição de serviços de disponibilização e locação de meios aéreos – DECIR 2024 – Aviões Anfíbios Médios

    Adjudicante: Estado Maior da Força Aérea

    Adjudicatário: AGRO-MONTIAR – Sociedade de Serviços Aéreos para Agricultura e Fogos

    Preço contratual: 10.181.328,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    5Aquisição de serviços de disponibilização e locação de meios aéreos – DECIR 2024 – Helicópteros Ligeiros

    Adjudicante: Estado Maior da Força Aérea

    Adjudicatário: HTA – Helicópteros

    Preço contratual: 8.055.600,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no período de 16 a 18 de Fevereiro

    1 Fornecimento de energia eléctrica às instalações do Grupo das Infraestruturas de Portugal – Janeiro a Abril de 2024

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Iberdrola

    Preço contratual: 4.539.822,21 euros


    2Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Santo António

    Adjudicatário: Alnypt, Sociedade Unipessoal

    Preço contratual: 3.256.722,00 euros


    3Suporte aplicacional ao sistema EcoStruxure

    Adjudicante: EEM – Empresa de Electricidade da Madeira

    Adjudicatário: Schneider Electric Portugal

    Preço contratual: 532.978,63 euros


    4Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Santo António

    Adjudicatário: Vertex Pharmaceuticals

    Preço contratual: 472.520,56 euros


    5Aquisição de escultura em âmbar de uma Nossa Senhora com o Menino, pertencente às colecções reais

    Adjudicante: Museus e Monumentos de Portugal

    Adjudicatário: J. Kugel Antiquaires

    Preço contratual: 420.000,00 euros


    MAP

  • É o ‘estado a que chegámos’ que abriu as portas ao populismo

    É o ‘estado a que chegámos’ que abriu as portas ao populismo


    No ‘Arranhadelas’, a rubrica do Serafim, o Mascot aqui no PÁGINA UM, glosava-se hoje, gozando, com o facto de o Público, tal como a generalidade dos media, ignorar os pequenos partidos (ainda) sem assento parlamentar. E esse desprezo assume-se em pleno, quando se mostra pacífico, nas televisões, que apenas os partidos com deputados (numa Assembleia da República) já dissolvida merecem participar em debates do tipo duelo, concedendo ainda por cima um duelo especial para os dois partidos de um ‘Bloco Central’ que se perpetua.

    Compreendo as razões deste modelo – seria quase impraticável a realização de 153 debates, se se incluíssem duelos com os 18 partidos e coligações (contabilizando os participantes no círculo de Lisboa) –, mas não menos relevante é apontar a responsabilidade da comunicação social em manter um espírito democrático numa… democracia.

    people walking on grey concrete floor during daytime

    Na democracia, não se aplica somente o princípio ‘uma pessoa, um voto’; isso é pouco, ou quase nada, para consolidar esse regime. A imprensa não pode, em Portugal, em período eleitoral, fazer de conta que, na hora da cobertura, nem sequer tem de fazer os trabalhos mínimos.

    Tem sido, na minha opinião, as enormes dificuldades ‘impostas’ pela imprensa em ‘ouvir’ novas propostas, que tem mantido no poder, quase ininterruptamente dois partidos que, ao fim de 50 anos, deixam mais do que um amargo de boca a uma geração que nasceu ou cresceu em Liberdade. Os Governos PS e PSD (com umas coligações à mistura), com ou sem maioria, conduziram-nos a um país de compadrios, de partidocracia, de esquemas, de obscurantismo, de impunidade política e criminal.

    Não se ter contrariado ao longo de décadas este bipartidarismo – pelo contrário, a media mainstream promoveu-o –, com as dificuldades de crescimento de novos partidos e movimentos políticos (com novas ideias), descambou no “estado a que chegámos”, parafraseando Salgueiro Maia. E, por triste ironia, abriu portas a um crescente descontentamento colectivo, que primeiro se foi ‘escoando’ para a abstenção, mas que agora se vira para o voto, um voto no populismo que, começando por uma linha de xenofobia, se foi amenizando para recolher todos os descontentes. E são muitos.

    shallow focus photography of condenser microphone

    Talvez após o dia 10 de Março, mesmo que não se confirme a ascensão de um populismo – e que, se surgir, não perigará os alicerces do sistema democrático, se a Justiça (Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, tribunais administrativos e judiciais, e Procuradoria Geral da República) estiver atenta, activa e preventiva –, a imprensa faça uma reflexão.

    Uma reflexão sobre a sua (perdida) acção de ‘fiscalização’ da acção governativa, que perdeu.

    Uma reflexão sobre o seu (perdido) papel de denunciador das falhas governativas ou das injustiças sociais, tornando-se um agente promotor do ‘agenda setting’, e não um mero comunicador das mensagens e narrativas governamentais e empresariais.

    Uma reflexão sobre o seu (perdido) papel de estimulador das actividades cívicas e até políticas dos diversos agentes sociais.

    E, por fim, uma reflexão sobre a forma como nunca concedeu as mesmas oportunidades ao surgimento de partidos alternativos aos ‘mesmos do costume’, mesmo que seja no curto período das campanhas eleitorais.

    Nesse último aspecto, com os parcos meios ao seu alcance, o PÁGINA UM mostra, com um singelo mas simbólico contributo, como é uma democracia plena: ouvir todos em pé de igualdade. A oitava entrevista da HORA POLÍTICA, que hoje publicamos, iniciativa que inclui partidos com assento parlamentar (Iniciativa Liberal e Chega) e sem assento parlamentar (Nova Direita, Volt Portugal, RIR, Aliança, PURP e Nós, Cidadãos), é um exemplo do papel sério que se ‘exige’ à comunicação social num sistema democrático.

    A caminho da segunda semana da HORA POLÍTICA, apenas faço votos pessoais para que, até dia 4 de Março (com a derradeira entrevista ao mais antigo partido, o PCP), consigamos o pleno. Seria também um sinal de que todos os partidos (sobretudo aqueles com assento parlamentar) compreendem as regras leais do ‘jogo democrático’.


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  • Principal accionista da Global Media estabeleceu sede numa ‘caixa de correio’ de um ‘cowork’

    Principal accionista da Global Media estabeleceu sede numa ‘caixa de correio’ de um ‘cowork’

    Numa ‘guerra fraticida’ que tem ‘liquidado’ a credibilidade dos títulos da Global Media, os quatro sócios da empresa maioritária, a Páginas Civilizadas – onde ainda se insere o fundo das Bahamas ‘chumbado’ pelo regulador por questões de transparência –, acharam por bem arranjar um local expedito enquanto decorrem as negociações entre Marco Galinha e o World Opportunity Fund para uma saída airosa de um negócio rocambolesco. Não é um ‘vão de escada’; mas é uma ‘caixa de correio’ num espaço de cowork, em open space, no primeiro piso de um prédio no Saldanha. O PÁGINA UM foi visitar o espaço, enquanto se anunciava a nomeação dos novos administradores da Global Media e se retirava da discussão um aumento de capital de cinco milhões de euros. Perspectiva-se assim um rápido desmembramento do grupo de media, restando saber quem fica com a dívida de 7,5 milhões de euros ao Estado e com o Diário de Notícias, que vende menos de 1200 exemplares em banca.


    No epicentro de uma ‘guerra’ de accionistas sobre a gestão da Global Media, a accionista maioritária – a Páginas Civilizadas, ainda controlada pela World Opportuny Fund, em negociações com o Marco Galinha para a sua saída desta empresa – está remetida não para uma sede de ‘vão de escada’, mas quase.

    Depois da demissão no final de Janeiro de José Paulo Fafe de CEO da Global Media, cargo para o qual tinha sido indicado pelo fundo das Bahamas, os sócios da Páginas Civilizadas – WOF (51%), Grupo Bel (10,21%), Norma Erudita (28,57%) e Palavras de Prestígio (10,22%) – não encontraram melhor solução do que meter a sede social no primeiro andar do número 6 da Avenida da República, em Lisboa, saindo do Taguspark.

    Nova sede da Páginas Civilizadas, accionista maioritária da Global Media, no número 6 da Avenida da República, num ‘cowork’, que lhe serve apenas para receber correspondência.

    A localização parece bastante central, tem mesmo uma saída do metro do Saldanha literalmente à porta, mas trata-se de um movimentado cowork gerido pela Avila Spaces, com um open space e algumas salas de reunião para entre cinco e 10 pessoas. Mas o uso que a Páginas Civilizadas tem neste cowork, segundo apurou o PÁGINA UM, que visitou o local esta tarde, será apenas o de escritório virtual, um serviço que custa entre 60 e 87 euros por mês. O valor mínimo permite a recepção de correspondência e o uso de morada para efeitos de sede social. Foi no passado dia 9 que os sócios da Páginas Civilizadas – que tem um capital social de cerca de 2,8 milhões de euros – passaram a assumir o cowork da Avila Spaces como sede social.

    Recorde-se que, conforme o PÁGINA UM revelou em investigação feita em Outubro do ano passado, a Páginas Civilizadas – a principal accionista da Global Media (50,25%) e que detém 22,35% da Agência Lusa, maioritariamente estatal – tem apenas dois funcionários desde a sua criação em Setembro de 2020, começando por ter a sua sede no mesmo edifício do Grupo Bel. Aliás, serviu desde sempre como veículo financeiro para Marco Galinha estar na Global Media. Ao contrário de Kevin Ho e João Pedro Soeiro – os outros dois accionistas de referência –, Marco Galinha nunca quis ser accionista directo da Global Media, metendo o dedo através da Páginas Civilizadas, permitindo assim uma contabilidade ‘paralela’.

    Tanto assim que, apesar de não lhe ser conhecida actividade concreta, a Páginas Civilizadas apresentou uma facturação de mais de 6,2 milhões de euros no ano passado. Mas para essa facturação, os dois funcionários tiveram de tratar de gastos superiores a 5,7 milhões de euros, o que, para além de outras despesas, entre as quais pagamentos de juros de quase 290 mil euros, deu para ter um lucro de 29 mil euros.

    Localização da sede da Páginas Civilizadas é excelente: tem à porta, literalmente, uma saída (e entrada) para o metropolitano do Saldanha.

    A entrada do WOF em Setembro do ano passado trouxe apenas uma redefinição da estrutura accionista da Páginas Civilizadas, que dois meses antes, em 21 de Julho,  já sofrera alterações indirectas, por via da compra por Marco Galinha das participações detidas na Palavras de Prestígio pela Parsoc e Ilíria.

    Estas duas empresas, curiosamente, colocam-se agora como a solução para a crise da Global Media, integrando o ‘consórcio’ de interessados na compra do Jornal de Notícias, O Jogo, Revistas JN História, Notícias Magazine, Evasões e Volta ao Mundo. As duas últimas revistas são já, actualmente, propriedade da Palavras de Prestígio, no seguimente do acordo em Setembro passado com a WOF.

    Certo é que a situação financeira da Páginas Civilizadas estará agora em piores condições do que no final de 2022, meses antes da aquisição da maioria do capital pelo WOF, que agora estará a tentar desfazer-se do investimento depois da decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em lhe retirar os direitos de voto por causa da Lei da Transparência dos Media. Em 2022, o passivo da Páginas Civilizadas era de 6,1 milhões de euros.

    Marco Galinha fundou a Páginas Civilizadas em 2020, e em 2022 já ia com um passivo de mais de seis milhões de euros. A empresa começou por estar sediada no edifício do Grupo Bel, passou depois para o Taguspark (com a compra da quota maioritária pelo fundo das Bahamas) e agora acaba de se ‘estabelecer’ num movimentado cowork em pleno Saldanha.

    A nomeação de uma nova administração da Global Media – onde pontifica como CEO o ex-padre Vítor Coutinho, antigo vice-reitor do Santuário de Fátima – deixa mais dúvidas do que certezas quanto ao destino da Global Media como grupo íntegro, sobretudo porque caiu, na ordem de trabalhos da assembleia geral de hoje, um aumento de capital de cinco milhões de euros para atenuar mais um ano de prejuízos.

    Ganha assim força um desmembramento a curto prazo da Global Media, com a venda dos títulos que, do ponto de vista da contabilidade analítica, ainda dão lucro, com o Jornal de Notícias á cabeça. Isso pode significar, se as autoridades de regulação o permitirem, que a Global Media fique apenas com os títulos com prejuízo e economicamente inviáveis, como o Diário de Notícias (que vende menos de 1200 exemplares diários em banca), me ainda grande parte do passivo, entre o qual se encontra uma dívida assumida de 7,5 milhões ao Estado e mais 647 mil euros de serviços à Lusa não pagos.


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  • Vizela 6.1

    Vizela 6.1


    Sendo certo que, mais uma vez, cheguei uns minutos atrasado, ao ponto de no elevador do piso -2 para o piso +3 – para se chegar à edénica Varanda da Luz tenho de passar sempre pelo ‘inferno’ de descer ao -2 para seguir para o +3 –, ter sabido pelo intercomunicador de um polícia que o jogo já começara, daí só ter começado a escrever esta crónica ao minuto 13 (oh! diabo), porque tive de ir ainda buscar o farnel, dar dois dedos de conversa a uma leitora confessa do PÁGINA UM, e subir umas escadaria de causar enfartes, estou hoje com um feeling – vá lá, à portuguesa, uma fezada – de ser este o dia para me deslumbrar com o almejado 15 a 0.

    (goloooooooo…. já está: depois de uma cena do típico goleiro de pés cegos, perante a proximidade de um avançado, a defesa do Vizela aos papéis, e à segunda insistência lá marca o David Neres)

    Bom, faltando 14, e já com um falhanço de permeio, explico as razões da fé: primeiro, está bom tempo. Não é o empapado de Guimarães, que ‘roubou’ dois pontos na semana. Ou contribuiu, porque a outra parte se deveu a não se ter feito um corno para se ganhar, mesmo com o habitual ‘Big Brother’, ou seja, a expulsão (e merecida, sem faccionismos) de um adversário. Depois, hoje deram-me um cartão de acreditação que está guilhotinado no canto inferior direito. Será, de certeza, um sinal de boaventura – calma, não é o César Boaventura, condenado na semana passada por corrupção a favor do Benfica sem, oh claro, o Benfica saber, mesmo se a palavra Benfica é citada 64 vezes na sentença do juiz. E, se se confirmar o 15-0, deverá depois haver também uma explicação científica para o fenómeno do cartão guilhotinado, pelo menos equivalente à ciência do Doutor Filipe Froes sobre a tripla pandemia que ele anunciou em Novembro de 2022, e que nunca se viu. Depois, porque…

    (goloooooooo… Otamendi, nas alturas, a facturar, como se diz)

    Nem me deram tempo de explicar tudo. Assim não há condições. Estava para dizer que a terceira razão era o infortúnio do Vizela, que acabou de perder por lesão o seu guardião principal, Fabijan Buntic. Se antes deste jogo já tinham encaixado 38 golos na Liga desta época com o efectivo, imagino que terão uma média pior com o suplente. Aliás, entrou, levou logo um. Além disso…

    (golooooooo… Tiago Gouveia… 3-0. O regressado Tengstedt faz um chapéu para o poste, mas o miúdo não falha na recarga. É melhor pôr o resultado sempre que o Benfica marcar, de contrário arrisco perder-se a conta).

    E já agora, antes de continuar, um agradecimento ao Tengstedt por ter falhado um golo de calcanhar, e também ao fora de jogo do Rafa, que marcou, mas foi anulado. Se se metem a marcar de empreitada, esta crónica, escrita em tempo real, fica completamente atípica. Se repararem, nas outras, tento sempre escrever dois ou três parágrafos entre comentários às incidências do jogo, mas com golos à cadência de cinco minutos isto não fica fácil ao escriba compor um texto em estilo digno.

    Portanto, e finalmente com a possibilidade de escrever um segundo parágrafo sem acrescer nada sobre as incidências do jogo, lá em baixo no gramado, continuo: a quarta razão para a grande fé num 15-0 é por o Vizela ser o ‘lanterna vermelha’, um lugar propício para uma infernal gloriosa tarde de cabazada à antiga portuguesa. Se o Sporting até já consegue meter oito golos ao Dumiense e ao Casa Pia, mais fácil será enfiar mais 12 ao Vizela…

    (11, pá! 11… já só faltam 11… golooooooooooo… 4-0. David Neres numo belo remate corrido em assistência primorosa do Rafa)

    Agora a sério. Isto está a correr melhor do que eu pensava. Vou mesmo acreditar na história do cartão de acreditação guilhotinado no canto inferior direito… Além disso, os árbitros hoje vestiram-se de preto, lembrando os gloriosos tempos, antes do wokismo, em que um homem do apito que era homem do apito apenas de preto vestia, e nada mais. E o Benfica sempre se deu bem com árbitros que apitam de negro…

    (golooooooooo… 5-0. Rafa a marcar numa das suas arrancadas…)

    Qual acreditar? Qual fé, qual carapuça! É evidência! Vou passar a exigir ao Benfica que me passe a guilhotinar o cartão de acesso quando aqui vier escrever a crónica. E já agora: prefiro um ‘sumito’ à água engarrafada da Serra de Monchique que andam a fornecer no farnel. Tem pH de 9,5; demasiado alcalina.

    (e pronto!, intervalo; toda a gente satisfeita por aqui, excepção à equipa do Vizela, presumo, e aos duzentos adeptos que andaram 348 quilómetros para empochar este vexame que se anuncia)

    Entretanto, começa a segunda parte e, enquanto não surge novo golo, estou aqui a meter uma nova entrevista do Hora Política no Spotify e a descarregar as fotos para o WordPress. Enfim, enquanto aguardo pelo 15-0, o trabalho por aqui tem de avançar, que o PÁGINA UM não é só futeboladas.

    (porca miséria! Como é possível? Golo do Vizela! Como é possível!)

    Já me estragaram a tarde. Eu bem achei estranho que a segunda parte começasse quase em silêncio, sem as cantorias das claques. Entrou-se descontraído, e pronto: lá se foi pelo cano abaixo o meu sonho da crónica do 15-0, do ‘eu estava lá’, para inveja dos vindouros. Pelo menos que façam então um 16-1, que menos do que isto sempre será pouco. E mais do que isso já nem apaga o deslustre de apanhar um golo de uma equipa que, nesta época, é a menos concretizadora da Liga (20, agora). Caramba: ainda há menos de um mês levaram cinco sem resposta do Arouca!

    Enfim, respiremos fundo: sempre é bom lembrar as dificuldades passadas. Se hoje, daqui do alto de um descontraído 5-1, já damos mais que certo os três pontos, apesar das invenções do Roger Schmidt…

    (penalti a favor do Vizela… defendido pelo Trubin; acreditem, isto estava tão morno nas bancadas que eu, entretido numas pesquisas, só me apercebi de ter havido grande penalidade após a defesa guarda-redes do Benfica por via de um bruaá quase semelhante a um golo dos nossos)  

    Bem, continuemos. Falemos então das dificuldades passadas, que a quimera por hoje já foi. Na última vez que se defrontou o Vizela na Luz para a Liga, em 2 de Setembro de 2022, ganhámos apenas por 2-1, com um golo de penálti do João Mário aos 12 minutos de compensação, e esteve-se a perder entre os minuto 20 e 76. E na época anterior, em Março desse mesmo ano, não se fez melhor do que um empate a uma bola, e andou-se também atrás do prejuízo, ‘ó tio, ó tio’, depois do Taarabt ter feito das suas e sido expulso logo ao minuto 8. Por falar em expulsões: esta noite ainda não houve o momento ‘Big Brother’; ainda ninguém foi expulso. Só dois ou três amarelos. Além disso, aquele Vizela era do Álvaro Pacheco… Aquele boné tinha alguma coisa de mago, como o computador do Carlos Antunes a fazer previsões durante a pandemia.

    (e o jogo, lá em baixo, decorre morno; o Benfica ainda não teve, pelo que vi, uma única oportunidade de golo nesta segunda parte, e já vamos no minuto 87)

    Enfim, acho que encerro por aqui esta crónica; a crónica sobre o insucesso de se escrever uma crónica sobre o quimérico, o utópico 15-0.

    (caraças!, devia ter feito o lamento mais cedo: Marcos Leonardo marca o 6-1… sempre empatamos na segunda parte).

    Últimas substituições ali em baixo, onde, enfim, fiquei a saber que o Benfica tem um jogador chamado Benjamim Rollheiser! Ando mesmo afastado destas questões da bola. Fui agora ver: é um argentino de 23 anos, contratado no mercado de Inverno ao River Plate, e que até já jogara três minutos contra o Estrela da Amadora, mais quatro contra o Gil Vicente, e agora mais um minuto neste jogo, porque, entretanto, o homem de negro [engraçado, ontem revi, por acaso, quase todo o filme Homens de Negro, aquele dos alienígenas, com o Will Smith, antes da chapada, e o Tommy Lee Jones] apita para o fim do jogo. E pronto: mais três pontos, crónica concluída.

    Para a semana há mais. Portimonense: és o próximo candidato ao 15-0. Estás a ouvir-me, Roger Schmidt?Mas antes, vê lá se nos passas o Toulouse…

    Sim, Schmidt, tu aí que estás ainda a falar para os meus comparsas de profissão, enquanto eu, aqui de luzes vermelhas acesas, na Varanda da Luz, acabo de meter esta crónica online no PÁGINA UM: ainda acredito que sejas o ‘patinho feio’ que nos vais presentear com um 15-0. Mas, e digo eu que nem treinador de bancada sou, convém ser a jogar as duas partes como se fez hoje na primeira. Se queres a glória, jamais será sem um 15-0. E hoje perdeste uma boa oportunidade.


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  • Câmara de Cascais vai a tribunal justificar razões para esconder ‘estranhos gastos’ no apoio aos refugiados

    Câmara de Cascais vai a tribunal justificar razões para esconder ‘estranhos gastos’ no apoio aos refugiados

    Desde 2022, o município de Cascais destaca-se por ser a entidade pública que mais gastou em apoiar os refugiados ucranianos após a invasão da Rússia. Mas gastar mais – e foram 1,6 milhões de euros, 73% do total de todos os gastos por entidades públicas –, não significa gastar bem. Depois do terceiro contrato de aquisição de refeições e ainda de um ajuste directo com preços hiper-inflacionados ao Modelo Continente, o PÁGINA UM insistiu nos últimos meses, junto da autarquia liderada por Carlos Carreiras, para aceder a documentos operacionais e contabilísticos. Recebeu o silêncio como resposta. Uma intimação apresentada esta semana no Tribunal Administrativo de Sintra vai, para já, obrigar a câmara social-democrata a justificar-se. E espera-se, no fim, que seja mesmo obrigada a ceder os documentos que deverão esclarecer, por exemplo, como produtos no valor de 14 mil euros resultaram num ajuste directo de cerca de 180 mil euros.


    A Câmara Municipal de Cascais, liderada pelo social-democrata Carlos Carreiras, vai ter de justificar ao Tribunal Administrativo de Sintra, e bem, os motivos legais para não disponibilizar ao PÁGINA UM os documentos operacionais e contabilísticos de dois contratos por ajuste directo para alimentação a refugiados ucranianos. A intimação foi apresentada esta semana depois de meses de recusas por parte do município em esclarecer compras absurdas de bens alimentais e de higiene ao Modelo Continente e a aquisição de serviços de catering à empresa ICA.

    No primeiro caso, como noticiado pelo PÁGINA UM em Outubro passado, trata-se de um ajuste directo no valor de 166.124,88 (sem IVA) para a entrega em períodos mensais, durante um ano – a acabar em Junho próximo –, de cerca de uma centena de produtos. O ‘problema’ deste contrato estava sobretudo no facto de as quantidades constantes no caderno de encargos, aos preços unitários então praticados pelos supermercados do Grupo Sonae, deverem totalizar pouco mais de 14 mil euros. Ou seja, o valor dos bens previstos no contrato era mais de 10 vezes superior ao valor de mercado desses produtos, havendo uma diferença de mais de 160 mil euros, se se considerar o IVA.

    Quanto ao segundo caso, também noticiado pelo PÁGINA UM, mas em Setembro passado, tratou-se de mais uma aquisição de serviços à empresa ICA para fornecimento de refeições aos centros de refugiados em Cascais. Esse contrato, por ajuste directo, era o terceiro assinado em menos de dois anos, cada um com um custo de 250 mil euros. A autarquia sempre se recusou a permitir uma visita aos centros nem sequer indicou quantas pessoas estariam a ser alimentadas, de modo a conferir se a aquisição de serviços, que já totalizavam os 750 mil euros entregues à ICA.

    O interesse do PÁGINA UM sobre estes contratos deveu-se às indicações de haver excesso de compras para as necessidades reais. Saliente-se que o município de Cascais foi, de muito longe, a entidade pública com maiores gastos para suposto apoio à Ucrânia e sobretudo aos refugiados provenientes daquele país invadido pela Rússia.

    Com efeito, num levantamento realizado ao Portal Base em finais de Setembro do ano passado, o município de Cascais já gastara 1,6 milhões de euros para diversos fins relacionados com a Ucrânia, incluindo transporte, alimentação e mesmo obras públicas, dos quais quase 1,2 milhões de euros em 2022. Neste lote constavam duas empreitadas de obras públicas por ajuste directo com vista à remodelação de edifícios camarários. A autarquia também sempre recusou acesso aos locais e aos cadernos de encargos das obras entregues à Ediperfil (157.275 euros) e à Valente & Carreira (321.053 euros).

    Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais. Receber os louros pelos apoios, sempre quis; mostrar contas, nunca quis.

    Os montantes gastos pela autarquia de Cascais eram então, e continuam a ser, incomensuravelmente superiores aos das demais entidades públicas. Por exemplo, o segundo município que mais gastara, até Setembro, em apoio aos refugiados ucranianos era o de Ourém, com apenas 166 mil euros. A terceira entidade pública com maiores apoios era a Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional, com um pouco menos de 80 mil euros. O município liderado por Carlos Carreiras, segundo as contas do PÁGINA UM com base em contratos no Portal Base, totalizava 73% dos gastos públicos em apoio aos refugiados da Ucrânia, mas sempre sem haver possibilidades de ser, até agora, conferida a adequada aplicação das verbas.

    Algo que poderá agora mudar com o pedido de intimação agora feito no Tribunal Administrativo de Sintra do PÁGINA UM – o 20º processo que visa o acesso a documentos, através do FUNDO JURÍDICO, financiado pelos leitores. Nessa intimação, com carácter de urgência, solicita-se que a Câmara Municipal de Cascais seja obrigada a disponibilizar os contratos integrais (sem rasuras de nomes, como sucede no Portal Base), as requisições de produtos, as guias de remessa, facturas e outros elementos operacionais e contabilísticos relativos aos ajustes directos com a Modelo Continente e a ICA.


    N. D. O FUNDO JURÍDICO tem sido, através de donativos específicos dos leitores, a única forma que o PÁGINA UM tem de suportar os encargos com honorários e taxas de justiça, que, por regra, numa primeira fase, atingem sempre valores acima de 500 euros, acrescidos de mais gastos se houver recursos. Aliás, convém recordar que o PÁGINA UM tem mais de uma dezena de processos ainda em cursos, alguns deles com estranha morosidade, dois dos quais em fase de execução de sentença, ou seja, mesmo depois de sentenças favoráveis no tribunal administrativos as entidades mantiveram a recusa em ceder os documentos.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

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  • Pintar (de forma artística) um muro de 123 metros custa 100 mil euros

    Pintar (de forma artística) um muro de 123 metros custa 100 mil euros


    É mais um caso com enquadramento legal, mas de ética questionável: a Câmara Municipal de Almada decidiu contratar, sem qualquer concurso público ou prévio concurso de ideias, um artista plástico daquele concelho para uma “intervenção artística” num muro de 123 metros, pagando-lhe, com IVA, um total de 99.726 euros. A dita intervenção artística será feita na denominada Quinta do Almaraz, nas cercanias do castelo de Almada, sendo considerado um dos mais importantes sítios arqueológicos do primeiro milénio anterior à era cristã em território nacional.

    O contrato por ajuste directo foi celebrado no passado dia 5, e ontem publicado no Portal Base, tendo sido assinado pelo vereador das Obras Municipais, José Pedro Ribeiro, e os sócios da Coruja Lunática. A empresa foi criada apenas em Maio do ano passado, tendo como um dos sócios Tiago Vasco Proença, um artista de Almada que usa o nome artístico de Tiago Hesp.

    Embora o caderno de encargos não esteja inserido no Portal Base, apesar de se referir no contrato que o integra, e de não ter sido satisfeito um pedido do PÁGINA UM para ser enviado, o departamento de comunicação da Câmara Municipal de Almada adianta que, como a Quinta do Almaraz, “não se encontra aberta ao público, pretende-se, através de uma intervenção artística no muro, que [seja] transmit[d]a, a quem percorre a rua, o interesse, as descobertas e os trabalhos arqueológicos desenvolvidos neste local, e assim comunicar a importância histórica” deste local arqueológico.

    O referido muro tem uma extensão de 123 metros lineares, e uma área de aproximadamente 500 metros quadrados, ou seja, possui uma altura média de quatro metros, prevendo-se, como trabalhos, a desenvolver por Tiago Hesp, “a execução da criação artística e registo gráfico da transformação”, no contexto de um projecto de turismo sustentável daquele município.

    A autarquia de Almada defende que “a contratação do artista Tiago Hesp para a intervenção de recuperação e decoração do ‘Muro de Almaraz’, se deveu ao facto de “se reconhecer ao mesmo a capacidade criativa e a respetiva qualidade para a produção/execução do projeto”. Salientando-se que a escolha de artistas para a execução de obras pode ser feita por ajuste directo, sem concurso público, a autarquia de Almada não diz quem fez o ‘reconhecimento’ da capacidade criativa de Tiago Hesp, nem quais os critérios para a ‘eleição’ de alguém que, de forma artística, sem sequer se conhecer a ideia, vai pintar um muro por 100 mil euros.

    Tiago Hesp, nome arístico de Tiago Vasco Proença, criou a empresa Coruja Lunática em Maio do ano passado.

    Saliente-se, no entanto, que esta prática não é ilegal, estando enqudrada no Código dos Contratos Públicos, mas um ajuste directo para a criação de Arte, por ser uma escolha pessoal, acaba por constituir uma limitação ao surgimento de novas ideias e conceitos, bem como a novos artistas.

    O contrato entre a Câmara Municipal de Almada e a empresa Coruja Lunática integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no 5 de Fevereiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV


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    Ontem, dia 14 de Fevereiro, no Portal Base foram divulgados 785 contratos públicos, com preços entre os 31,11 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, ao abrigo de acordo-quadro – e os 2.630.731,00 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Centro Hospitalar São João, através de ajuste directo.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 12 contratos, dos quais sete por concurso público, um ao abrigo de acordo-quadro, quatro por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 14 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Centro Hospitalar de São João (com a Sanofi, no valor de 2.630.731,00 euros); Fundação para a Ciência e a Tecnologia (com a IP Telecom – Serviços de Telecomunicações, no valor de 1.542.800,00 euros); Unidade Local de Saúde de São João (com a Euromex – Facility Services, no valor de 966.205,29 euros); três do Estado Maior da Força Aérea (um com a General Dynamics, no valor de 527.472,00 euros, outro com a OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, no valor de 402.088,12 euros, e outro com a Leonardo MW LTD, no valor de 382.809,00 euros); dois do Município de Coimbra (um com a JMC Cleaning Services, no valor de 240.000,00 euros, e outro com a Interlimpe – Facility Services, no valor de 107.656,4 euros); Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia – Espinho (com a Ronsegur – Rondas e Segurança, no valor de 222.449,94 euros); Autoridade Nacional de Comunicações (com a INDRA – Sistemas Portugal, no valor de 184.595,45 euros); Munícipio de Fafe (com a CTT – Soluções Empresariais, no valor de 180.757,06 euros); Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (com a Werfen Portugal, no valor de 162.620,00 euros); Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (com a Stomacare – Entregas Médicas, no valor de 134.304,00 euros); e o Estado-Maior-General das Forças Armadas (com a CSL Behring, no valor de 110.000,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 14 de Fevereiro

    1Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar de São João

    Adjudicatário: Sanofi – Produtos Farmacêuticos

    Preço contratual: 2.630.731,00 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    2Empreitada de adaptação e reabilitação de edifício para instalação da Residência de Estudantes do Centro Histórico de Tomar

    Adjudicante: Instituto Politécnico de Tomar

    Adjudicatário: Luzecon – Sociedade de Construção e Restauro

    Preço contratual: 1.977.080,66 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Aquisição de direitos de passagem de cabo de fibra óptica entre Lisboa e Braga

    Adjudicante: Fundação para a Ciência e a Tecnologia

    Adjudicatário: IP Telecom, Serviços de Telecomunicações

    Preço contratual: 1.542.800,00 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    4Aquisição de serviços de limpeza – 1º trimestre de 2024

    Adjudicante: Unidade Local de Saúde de São João

    Adjudicatário: Euromex – Facility Services

    Preço contratual: 966.205,29 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    5Aquisição de equipamentos informáticos

    Adjudicante: Banco de Portugal

    Adjudicatário: BASEDOIS – Informática e Telecomunicações

    Preço contratual: 874.850,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 14 de Fevereiro

    1 Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar de São João

    Adjudicatário: Sanofi – Produtos Farmacêuticos

    Preço contratual: 2.630.731,00 euros


    2Aquisição de direitos de passagem de cabo de fibra óptica entre Lisboa e Braga

    Adjudicante: Fundação para a Ciência e a Tecnologia

    Adjudicatário: IP Telecom, Serviços de Telecomunicações

    Preço contratual: 1.542.800,00 euros


    3Aquisição de serviços de limpeza – 1º trimestre de 2024

    Adjudicante: Unidade Local de Saúde de São João

    Adjudicatário: Euromex – Facility Services

    Preço contratual: 966.205,29 euros


    4Aquisição de componentes essenciais à modernização das aeronaves P-3C

    Adjudicante: Estado Maior da Força Aérea

    Adjudicatário: General Dynamics    

    Preço contratual: 527.472,00 euros


    5Trabalhos de reparação na aeronave P-3C N/C 14808

    Adjudicante: Estado Maior da Força Aérea

    Adjudicatário: OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal

    Preço contratual: 402.088,12 euros


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  • World Opportunity Fund perde controlo da Global Media

    World Opportunity Fund perde controlo da Global Media

    Já tinha sido antecipado pelo PÁGINA UM, mas confirma-se duas semanas depois: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) retrou os direitos de voto ao World Opportunity Fund, que assim deixa de poder gerir, através da Páginas Civilizadas, a Global Media. Esta é a primeira vez que o regulador toma uma decisão desta natureza com base na Lei da Transparência.


    Era a decisão esperada, já antecipada pelo PÁGINA UM no passado dia 31 de Janeiro, e saiu esta noite: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) retirou os poderes de voto ao World Opportunity Fund, o fundo de investimentos das Bahamas que, através da empresa Páginas Civilizadas, controla a Global Media, detentora, entre outros, dos periódicos Diário de Notícias e Diário de Notícias e da rádio TSF. O fundo das Bahamas ainda terá 15 dias para recorrer dessa decisão para se tornar definitiva.

    É a primeira vez que o regulador toma esta posição que, na prática, concede aos restantes accionistas da empresa de media (João Pedro Soeiro e Kevin Ho) o total controlo dos destinos sem qualquer intervenção da Páginas Civilizadas. Por ironia, o empresário Marco Galinha, que continua a querer assumir um papel de charneira na resolução da crise financeira do grupo de media, com a decisão da ERC também perdeu, formalmente, o direito de intervir em decisões magnas, uma vez que a sua participação na Global Media é indirecta, através da Páginas Civiizadas.

    Recorde-se que a estrutura accionista da Global Media não se modificara com a entrada do fundo das Bahamas na Páginas Civilizadas; na verdade, a única alteração societária, que veio da descambar numa ‘tempestade mediática’, resultou na decisão de Marco Galinha em vender, em Setembro do ano passado, uma parte substancial da sua quota na Páginas Civilizadas, permitindo, ademais, que o World Opportunity Fund nomeasse dois dos seus três gerentes da empresa que já era a principal accionista da Global Media.

    No comunicado divulgado esta noite – e ainda a tempo de influir na assembleia geral da Global Media marcada para a próxima segunda feira, conforme o PÁGINA UM já antecipara –, a ERC salienta que “não sendo sanadas as dúvidas” colocadas sobre os investidores do World Opportunity Fund, se declarou uma “falta de transparência”. Nesses termos, e de acordo com a legislação, “os termos do artigo 14.º, n.º 4, da Lei da Transparência, a partir desta publicitação formal, “no limite das consequências legalmente previstas, ficará ‘imediata e automaticamente suspenso o exercício do direito de voto e dos direitos de natureza patrimonial inerentes à participação qualificada em causa’” do fundo das Bahamas, “até que a situação de falta de transparência da titularidade das participações qualificadas se encontra corrigida”.

    Conforme noticiado no final de Janeiro, o PÁGINA UM tivera acesso aos documentos enviados à ERC por correio registado pelo então representante do World Opportunity Fund em Portugal, José Paulo Fafe, onde se justificava que a UCAP Bahamas detinha 0,002% do capital do fundo, correspondente a “10 voting non participating shares”, denominadas “management shares” (acções de gestão), mas que, apesar disso, possui a “totalidade dos direitos de voto”.

    Deste modo, segundo os documentos, “as acções de Investidor não [tinham] direitos de voto”, tendo apenas “direito a participar integralmente nos lucros líquidos da Sociedade e são remíveis de acordo com as disposições” dos estatutos do fundo. Porém, recusara-se a identificar os investidores que, de acordo com a estrutura deste tipo de fundos, seriam, no máximo, 50 pessoas ou instituições.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário de José Paulo Fafe sobre esta matéria, mas não foi possível. Aliás, o antigo CEO da Global Media, que se demitiu em 31 de Janeiro, já nem sequer é o representante do fundo das Bahmas desde o passado dia 3 de Fevereiro, sendo que quem responderá agora será Clement Ducasse. Na verdade, tanto Fafe como o outro gerente nomeado pelo World Opportunity Fund, Filipe Nascimento, renunciaram aos cargos da Páginas Civilizadas, não se sabendo ainda se o fundo das Bahamas já os substituiu. Marco Galinha é o terceiro gerente, em minoria, da Páginas Civilizadas, por via de ser o sócio com maior participação naquela empresa a seguir ao World Opportunity Fund.


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  • Lucros da CP: ‘Milagre’ de 9,2 milhões de euros precisou de ‘injecções’ do Estado de 2,3 mil milhões de euros

    Lucros da CP: ‘Milagre’ de 9,2 milhões de euros precisou de ‘injecções’ do Estado de 2,3 mil milhões de euros

    Pedro Nuno Santos vangloriou-se de ter deixado a CP com lucro em 2022, a primeira vez em meio século. Mas é mesmo isso: vã glória, porque para esse ‘sucesso’ houve necessidade de ‘injectar’ mais de 2,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos, que nem sequer serviram para tirar a empresa pública da falência técnica, que ainda está com capitais próprios negativos de quase 1,9 mil milhões de euros. Numa primeira fase, entre 2015 e 2018, a opção do Estado foi fazer aumentos de capital para diminuir a dívida e reduzir lentamente os juros pagos, mas com a tutela de Pedro Nuno Santos a opção do Governo mudou. Assim, passou a atribuir subsídios à exploração, que funcionam como rendimentos, e influenciam directamente os resultados líquidos. Entre 2019 e 2022 foram enviados para a CP, só por essa via, 334 milhões de euros, que se somam aos 1,96 mil milhões de euros em aumentos de capital desde 2015. Deu para fazer uma festa: um lucro de 9,2 milhões em 2022.


    Foi preciso injectar quase 2,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos entre 2015 e 2022 para que a CP – Comboios de Portugal conseguisse finalmente, neste último ano, apresentar um lucro de 9 milhões de euros neste último ano. Aumentos de capital – sobretudo nos anos de 2015, 2016 e 2017 – e subsídios à exploração, em especial no período sob tutela governamental de Pedro Nuno Santos, acabaram por ser determinantes para mascarar uma situação que, sem engenharia financeira, manter-se-ia calamitosa.

    Uma análise detalhada do PÁGINA UM aos relatórios e contas entre 2015 e 2022 conseguem explicar o aparente ‘milagre’ de uma empresa pública que, há um ano, ainda se encontrava em falência técnica (com capitais próprios negativos de quase 1,9 mil milhões de euros) e um passivo de financiamento de cerca de 2,2 mil milhões de euros, e vendas que ainda não tinham recuperado os níveis pré-pandemia.

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    Com efeito, numa primeira fase, a partir de 2015, perante resultados negativos de mais de 161 milhões de euros, a opção do Governo (ainda de Passos Coelho até Novembro) foi de ‘tapar o buraco financeiro’ da CP com aumentos de capital. Foram, só em 2015, quase 683,5 milhões de euros. Este extraordinário esforço dos contribuintes teve resultados pífios: esse dinheiro esfumou-se em redução de dívidas de financiamento sobretudo de longo prazo, mas os resultados líquidos de 2015 mostraram-se catastróficos: prejuízos próximos de 279 milhões de euros.

    A receita para 2016 e 2017 foi a mesma: novos aumentos de capital, respectivamente de 655 milhões e 516 milhões de euros. E sempre com similar reflexo: prejuízos de 144 milhões e 111 milhões, respectivamente. Assim, em três anos (2015 a 2017), apesar da injecção estatal de mais de 1,8 mil milhões de euros, a CP apresentou prejuízos acumulados neste triénio de 533,7 milhões de euros.

    Mesmo assim, neste período (2015-2017), de entre os indicadores financeiros e de desempenho operacional mais revelantes, houve alguns sinais de ‘desanuviamento’ sobretudo na dívida de financiamento, com repercussões no serviço da dívida, e também nos custos de pessoal, apesar das vendas ficarem aquém dos valores contabilizados em 2014.

    Total de fundos públicos injectados na CP por aumento de capital e subsídios à exploração (em mihões de euros) entre 2015 e 2022. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas)

    Comparando com a situação de 2014, no final de 2017 as dívidas de financiamento de curto e longo prazo da CP tinham descido quase 1,6 mil milhões de euros, o que teve efeitos significativos na redução dos juros e de uma diminuição das taxas cobradas pelas instituições financeiras. Com efeito, se em 2014 a empresa teve de pagar mais de 207 milhões de euros aos bancos – um valor que representava muito mais do que os custos com pessoal (148 milhões de euros) e 71% das vendas desse ano –, três anos depois ‘apenas’ teve de desembolsar um pouco menos de 77 milhões de euros. Se tivesse de pagar os mesmos montantes de juros de 2014, o ano de 2017 teria fechado as contas com um prejuízo de 242 milhões de euros, em vez de um prejuízo de 111 milhões de euros.

    Convém, contudo, ter sempre presente que essa ‘melhoria’ (ou situação menos gravosa) resultou da tal injecção, sob a forma de aumentos de capital, de mais de 1,8 mil milhões de euros. Estes montantes serviram sobretudo para reduzir a escandalosa dívida financeira da CP que se situava próximo dos 4,2 mil milhões de euros em 2014, e que diminuiu, quatro anos depois, para os 2,6 mil milhões de euros. Uma redução de quase 1,8 mil milhões de euros. Mas isso mudou a gestão de uma empresa anormalmente deficitária.

    Na análise possível, a partir dos relatórios e contas, entre 2015 e 2017, os resultados operacionais nunca apresentaram melhorias relevantes, sobretudo porque as vendas em qualquer dos anos deste triénio nunca superaram o valor de 2014. É certo que houve uma redução dos custos com pessoal – que passou a representar 44% das vendas em 2017, quando em 2015 chegou a 57% –, mas a rubrica de outros rendimentos registou uma significativa redução.

    Pedro Nuno Santos foi ministro das Infra-estruras e da Habitação entre Fevereiro de 2019 e início de Janeiro de 2023.

    Em 2018, o Governo ainda fez um aumento de capital, mas muito mais moderado: ‘apenas’ 81 milhões de euros, que se ‘esfumou’ em quase nada, uma vez que as dívidas de financiamento praticamente se mantiveram estáveis face ao ano anterior, e os juros pagos apenas diminuíram oito milhões de euros, passando para os 68 milhões. Por esse motivo, sem surpresa, num negócio pouco ‘elástico’, e mesmo com as vendas a aproximarem-se dos 300 milhões de euros, o ano de 2018 fechou com um prejuízo de 106 milhões de euros.

    E foi a partir de 2019, e com a entrada em funções em Fevereiro de Pedro Nuno Santos na pasta de ministro das Infraestruturas e das Habitação, a estratégia financeira na CP mudou-se radicalmente, passando para medidas que tivessem um reflexo imediato nos resultados operacionais e, cumulativamente, nos resultados líquidos de cada exercício.

    Assim, com Pedro Nuno Santos, o Governo abandonou o financiamento da CP através de aumentos de capital, mas passou a sustentá-la com fortíssimos subsídios de exploração, uma prática praticamente inexistente entre 2015 e 2018. Nesse quadriénio, os subsídios à exploração somente atingiram os 54 mil euros. De acordo com os relatórios e contas da empresa pública, a CP recebeu do Estado, como subsídios à exploração, 40 milhões de euros em 2019, mais 88 milhões em 2020, mais 89 milhões de euros em 2021 e, por fim, mais 116 milhões de euros em 2022.

    E foi esta injecção, e apenas por esta via, que a CP passou a ter lucro – que se diria completamente artificial – em 2022, conseguindo o ‘milagre’ aproveitado por Pedro Nuno Santos para relevar o suposto marco históricos dos lucros desta empresa pela primeira vez em 50 anos.

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    Com efeito, apesar dos montantes dos subsídios à exploração terem sido, entre 2019 e 2022, muito inferiores aos aumentos de capital entre 2015 e 2018 (334 milhões de euros vs. 1.9 mil milhões de euros), o impacte na demonstração de resultados é bastante diferente.

    Estes aumentos de capital serviram sobretudo para amenizar a situação deficitária de uma empresa pública em falência técnica e o seu efeito nos resultados de cada ano reflectem-se de forma indirecta e a longo prazo. No caso do aumento de capital se destinar a pagar dívidas a instituições financeiras, o efeito nos resultados líquidos provém apenas na redução dos juros, o que se mostra limitado. Ou seja, basicamente, os aumentos de capital não entram como rendimento e os eventuais efeitos, e de uma forma muito limitada, observam-se a jusante dos resultados operacionais.

    Ao contrário, os subsídios à exploração afectam de forma imediata os resultados operacionais, funcionando como se fossem vendas ou serviços prestados. Na verdade, estes subsídios à exploração, enquadrados no Contrato de Serviço Público, funcionam, na prática, como uma prestação de serviços: os contribuintes pagam, através do Estado, a disponibilidade de algo que, não sendo economicamente sustentável com o actual modelo de gestão, precisa de ajuda pública para se manter. No limite, os subsídios à exploração podem ‘entrar’ às 23 horas e 59 minutos de 31 de Dezembro e influenciam, de imediato, as contas do ano no seu exacto montante. Ou seja, servem para ‘mascarar’ os resultados operacionais ‘apagando’ uma eventual má gestão ou um negócio ruinoso.

    Evolução da dívida financeira da CP (curto e longo prazo) entre 2014 e 2018, em milhões de euros. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas). Análise: PÁGINA UM.

    Assim, em 2019 – ano que, mesmo assim, ainda contou com um aumento de capital da ordem dos 28 milhões de euros por parte do Estado –, a CP reduziu os seus prejuízos para os 52,5 milhões de euros, mas foi graças a vários factores não-operacionais: por um lado, os 40 milhões de euros em subsídios à exploração concedido por Pedro Nuno Santos, com o dinheiro dos contribuintes, e a um cenário macroeconómico mais favorável, que fez com que os juros descessem oito milhões de euros face ao ano transacto. Sem essa ‘ajuda’ os prejuízos de 2019 teriam sido quase similares aos de 2018.

    Nos dois primeiros anos de pandemia, os prejuízos da CP foram ainda mais amenizados pela via dos subsídios à exploração atribuídos por Pedro Nuno Santos. Em 2020, com as restrições, as vendas reduziram-se em 43% face ao ano anterior, mantendo-se os custos com pessoal, pelo que se não fossem os 88 milhões de euros em subsídios à exploração, o ano teria sido catastrófico. Foi de prejuízos (quase 96 milhões de euros), mas sem o ‘truque’ dos subsídios teria ultrapassado os 180 milhões de euros.

    No ano de 2021, apesar de um ligeiro aumento nas vendas, estas ainda se situaram a 64% do nível de 2019, pelo que foi, mais uma vez, a ‘injecção’ de dinheiros públicos chamada subsídios à exploração que amenizaram os prejuízos. Foram de 65,5 milhões de euros, mas teriam ficado acima dos 150 milhões de euros se não fosse o subsídio à exploração. Ou mais ainda se a taxas de juro não tivessem baixado significativamente, resultando numa remuneração média do passivo de apenas 1,1% em 2021, quando estava acima dos 2% antes da pandemia.

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    Esta variação pode parecer pequena, mas com dívidas de financiamento, como as da CP, acima dos 4 mil milhões de euros, isso reflecte-se em muitos milhões de euros a mais ou a menos. Por exemplo, em 2019, com uma remuneração média do passivo de 2,2%, a CP pagou 56 milhões de euros em juros, enquanto em 2021, com uma dívida de longo prazo quase inalterada, desembolsou 23 milhões de euros.

    Por fim, em 2022 – o tal ano do ‘milagre’ dos lucros da CP de 9,2 milhões de euros –, sendo certo que as vendas aumentaram face aos dois anos anteriores, ainda ficaram aquém dos melhores anos pré-pandemia. Com efeito, as vendas de 2022 totalizaram 277 milhões de euros, ainda bem abaixo dos 304 milhões de euros em 2019.

    Com os custos de pessoal em 2022 a ultrapassarem até qualquer um dos anos do período 2016-2021, o ‘milagre’ do lucro da CP explica-se de uma forma muito simples: nesse ano, Pedro Nuno Santos autorizou uma transferência total, a título de subsídios à exploração, de 116,2 milhões de euros, ou seja, mais 27 milhões de euros do que o valor injectado em 2021.

    Resultados líquidos consolidados (à esquerda) e resultados expurgados dos subsídios à exploração e dos juros pagos (à direita), em milhões de euros, entre 2015 e 2022. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas). Análise: PÁGINA UM.

    Sem este subsídio à exploração, em vez de lucro de 9,2 milhões de euros haveria prejuízos de 107 milhões de euros. Se o subsídio de 2022 tivesse sido similar aos de 2020 e 2021 (próximo dos 90 milhões de euros em cada ano), o lucro esfumava-se e transformava-se num prejuízo em redor dos 17 milhões de euros. E isto mesmo com um aumento considerável das vendas, que passaram de 195 milhões de euros em 2021 para 277 milhões em 2022.

    Fácil se mostra assim concluir que, em anos seguintes, incluindo o exercício de 2023, está encontrada a fórmula para a CP apresentar lucros: fazer variar os subsídios à exploração, aumentando artificialmente os rendimentos, e com isso se apresentarão, voilà, sempre resultados positivos, lucros e até, se calhar um dia, distribuição de umas migalhas de dividendos. E os contribuintes, assim, até batem palmas aos gestores, esquecendo que, enfim, tudo isto se faz por um ‘passe de mágica’ do Governo, que ‘desvia’ dinheiro dos impostos transformando-os em subsídios à exploração.


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  • Filipe Froes: um charlatão vendilhão a tocar rabecão

    Filipe Froes: um charlatão vendilhão a tocar rabecão


    Apresentemos, brevemente, o Doutor Filipe Froes como cientista: no Scopus – uma base de dados que avalia o impacte científico – tem um h-index de 17, fruto de 62 artigos e 899 citações. É, temos de admitir, um desempenho bastante aceitável, embora a pandemia o tenha ajudado bastante: 31 artigos e 707 citações são posteriores a 2019.

    Apresentemos, brevemente, o Doutor Filipe Froes como marketeer: desde 2013 prestou-se, mesmo com exclusividade no SNS – e aproveitando-se de um regime especial dos médicos sindicalizados –, a fazer 342 serviços a farmacêuticas para lhes “vender o peixe” ou fazer lobby ou participar em brainstormings com o intuito de obter autorizações e negócios com o Estado. Ganhou, oficialmente, pelo menos, 475.519 euros [valores actualizados, a partir daqui, e tendo como fonte a pouco escrutinada plataforma do Infarmed). As suas relações com as farmacêuticas, depois de um inquérito a brincar da IGAS, estão agora a ser investigadas pelo Infarmed, conforme confirmação do respectivo Conselho Directivo ao PÁGINA UM em Novembro do ano passado, embora, enfim, a probabilidade de se querer apurar responsabilidades deverá ser inversamente proporcional ao aumento dos seus rendimentos provenientes das farmacêuticas.

    a pile of money with a stethoscope on top of it

    Posto isto, o Dr. Filipe Froes veio ‘denunciar’, por estes dias – e curiosamente depois de o PÁGINA UM ter revelado que um “artigo científico com ‘peer review’ concluía que as vacinas contra a covid-19 matam 14 vezes mais do que salvam” –, e do alto da sua habitual petulância e prosápia, em tom gozão, de que “anda[va] a circular nas redes sociais um texto recentemente publicado na ‘famosíssima’ [escrito entre aspas para ironizar] revista Cureus (“COVID-19 mRNA Vaccines: Lessons Learned from the Registrational Trials and Global Vaccination Campaign” […] sobre o suposto excesso de mortalidade associado à vacina RNA mensageiro contra a COVID-19”. Titulou o seu post com o sugestivo título: “Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?

    E vai daí, para contrariar um artigo científico – tratando-o por “texto” – lança-se logo aos autores, ao velho estilo do ataque ao mensageiro face à incapacidade de atacar a mensagem, reputando-os de “um dos grupos habituais de negacionistas”. Esta estratégia do Dr. Filipe Froes pode ter dado frutos nos idos de 2020, 2021 e até 2022, mas já não colhe em 2024. Não pode colher. Não pode ele dizer barbaridades e sair airoso, como naquela ocasião em que ‘explicou’ à Júlia Pinheiro que a fase endémica assim se chamava porque era o fim (END, em inglês) da pandemia. O seu tempo de vendilhão tem de terminar. A sua ‘Ciência’ tem os dias contados, mas exige-se, se não decência (que nunca a teve), pelo menos humildade.

    Por isso, aqui vamos tratar do Doutor Filipe Froes.

    Texto do Doutor Filipe Froes na rede social Facebook.

    O Doutor Filipe Froes lança-se particularmente a Peter A. McCullough, dizendo ser “sobejamente conhecido por ter vários artigos despublicados por erros metodológicos e conclusões não fundamentados”. Pesquisa-se e somente se encontra um seu artigo retirado (Withdrawn), sem ser apresentada a justificação, na revista na Current in Cardiology em Outubro de 2021, quando falar de efeitos adversos (neste caso, miocardites) era um ‘crime de lesa majestade’.

    No mês passado, Janeiro de 2024, sendo outros os tempos, um artigo de Peter A. McCullough (com Jessica Rose e  Nicolas Hulscher), intitulado “Determinants of COVID-19 vaccine-induced myocarditis“, sensivelmente similar ao outro, foi publicado na revista científica Therapeutic Advances in Drug Safety. E aí concluiu que o número de notificações de miocardite após a vacinação contra a covid-19 em 2021 foi 223 vezes superior à média de todas as vacinas combinadas nos últimos 30 anos. Isto representou um aumento de 2500% no número absoluto de notificações no primeiro ano da campanha quando se comparam os valores históricos anteriores a 2021.

    Enfim, mas vejamos: que tipo de “negacionista anti-ciência” será então este Peter A. McCullough, tão ostracizado, desprezado e espezinhado pelo Doutor Filipe Froes? Pois bem, é um médico cardiologista bastante conceituado antes da pandemia, com um h-index de 107, fruto de 750 artigos científicos e 48.756 citações.

    Recordemos o status do Dr. Filipe Froes: um h-index de 17, fruto de 62 artigos e 899 citações.

    Estamos conversados.

    Registo actual do Scopus de Peter A. McCullough, um dos co-autores do artigo da Cureus.

    Ou não.

    Porque o Doutor Filipe Froes não fica só atrás de Peter A. McCullough no que concerne à credibilidade e desempenho científico. Dois outros dos co-autores do artigo científico, que ele quis menosprezar, têm valores bem mais elevados no Scopus: Stephanie Seneff, uma investigadora do MIT (Cambridge), contabiliza um h-index de 36, fruto de 191 artigos e 4.837 citações, enquanto Kris Denhaerynck, um investigador da Universidade de Basel apresenta um h-index de 35, fruto de 127 artigos e 4.229 citações.

    Vamos lá recordar a performance do Dr. Flipe Froes: h-index de 17, fruto de 62 artigos e 899 citações.

    Portanto, estamos triplamente conversados.

    Mas há mais.

    O Doutor Filipe Froes usa o triste ‘argumento da maioria’ para concluir a ‘narrativa imposta’ de que as vacinas contra a covid-19 são seguras e eficazes, enquanto, por um lado, o Infarmed continua a esconder os dados do Portal RAM com os registos dos efeitos adversos (questão que se encontra em recurso no Tribunal), e quer ignorar diversos outros estudos que colocam em causa a estratégia de vacinação. Veja-se, aliás, o recente estudo científico desenvolvido na Áustria e com participação do norte-americano John Ioannidis, o mais prestigiado e citado epidemiologista mundial, que questiona a estratégia de se vacinar sucessivamente a população, em geral, com novos reforços.

    Registo actual do Scopus do Doutor Filipe Froes.

    Como co-autor, Ioannidis publicou no European Journal of Clinical Investigation, esse estudo que analisou epidemiologicamente a população daquele país europeu em função do estatuto vacinal e da ocorrência de infecção prévia por SARS-CoV-2, tendo concluído que a eficácia de uma quarta dose para prevenir a morte por covid-19 era fraca. E também já escrevera em finais de 2022 sobre a necessidade de rever a estratégia de vacinação.

    Convém dizer que John Ionnidis tem um h-index de 188, completamente estratosférico face ao h-index de 17 do Doutor Filipe Froes.

    Aliás, e ainda convém dizer também que o Doutor Filipe Froes foi um dos ‘peritos’ que andou a endeusar o molnupiravir, da sua ‘querida’ MSD, em Novembro de 2021, que veio a ser retirado do mercado nacional em Julho de 2023, sabendo-se pouco depois,  em dois artigos da Nature, em Setembro e ainda em Outubro, que causava e acelerava mutações no SARS-CoV-2. Pior a emenda do que o soneto.

    E o Doutor Filipe Froes, consultor e marketeer da MSD (e da Pfizer e da AstraZeneca e de mais duas dezenas de farmacêuticas) caladinho que nem um fuso.

    Aliás, além de promotor de vacinas contra a covid-19 para todas as idades (e quantas mais melhor, ignorando até a eficaz imunidade natural), o Doutor Filipe Froes fartou-se também de ser o marketeer de anticorpos monoclonais e antivirais (Evusheld, Paxlovid, etc.) que, ou foram sendo abandonados por ineficazes, ou passaram a ser um mero negócio mesmo perante a evidência dos seus fraquíssimos resultados a partir da Omicron.

    E o Doutor Filipe Froes caladinho que nem um fuso.

    O antiviral elogiado pelo Doutor Filipe Froes acabou por ser retirado do mercado, e mais tarde concluiu-se que criava e acelerava mutações no SARS-CoV-2.

    Mas o Doutor Filipe Froes, julgando-se ainda um ‘protegido’ da imprensa mainstream – que saudades terá ele desses nefastos tempos de inquisição –, acha que pode dizer todas as alarvidades em modo impune.

    Diz ele, para desancar, que a Cureus “divulga no seu site que demora em média 1,5 dias para a primeira decisão e 33 dias para publicar um artigo”, e que isso são “prazos irreais no mundo das verdadeiras publicações científicas”.

    Então, se assim é, que tal incluir nesse lote o famoso protocolo Corman-Drosten que validou a metodologia dos polémicos testes de detecção do SARS-CoV-2? O artigo que o consagrou foi submetido à revista Eurosurveillance em 21 de Janeiro de 2020, foi aceite em 22 de Janeiro de 2020 e publicado no dia 23 de Janeiro de 2020. Entre a submissão e a publicação passaram três dias. Portanto, isto já não são “prazos irreais no mundo das verdadeiras publicações científicas”, pois não, Doutor Filipe Froes?

    Fanfarronices à Froes para papalvos.

    Mas vamos lá ver o que é, efectivamente, a revista Cureus, tão desprezada pelo Doutor Filipe Froes.

    A Cureus foi fundada em 2009 em Silicon Valley como uma plataforma líder no movimento editorial de Acesso Aberto (Open Acess) com uma filosofia que enfatizava a credibilidade científica em detrimento do impacto percebido. Com uma gestão de peer review expedito publicou cerca de 32 mil artigos até ser adquirida pela Springer Nature, o grupo editorial responsável por dezenas de revistas científicas, entre as quais a Nature. E manteve a filosofia.

    Em Novembro de 2022, a ‘ciência’ de Filipe Froes garantiu uma “pandemia tripla”, um mix de covid-19, gripe e VSR. Nada sucedeu de anormal.

    Sobre a credibilidade da Cureus – que o Doutor Filipe Froes cataloga como uma das “revistas de ‘vão de escada’ que vivem destes expedientes para ter visibilidade” –, citemos as palavras de Joachim Krieger, director administrativo da Springer Nature Health quando a adquiriu em Dezembro de 2022:

    Estamos muito satisfeitos em receber Cureus na família Springer Nature. Com a sua abordagem à publicação centrada na comunidade e o novo pensamento e cultura inovadores que trarão, estou ansioso por trabalhar em conjunto para criar um repositório dinâmico e aberto de conhecimento médico acessível a todo o Mundo”.

    O ‘caixote de lixo’ no “vão de escada” do Doutor Filipe Froes não parece afinal cheirar assim tão mal ao executivo da Springer Nature. Pelo contrário.

    Mas, já agora, convém acrescentar que o fundador da Cureus, e ainda seu co-editor-chefe, de seu nome John R. Adler, é, enfim, um catedrático emérito da, enfim, Universidade de Stanford. No Scopus tem ele um h-index de 64. Que tal?

    Lembram-se do h-index do Doutor Filipe Froes? Exacto: apenas 17 (e nem é mau de todo). Falta-lhe é humildade. Pelo menos…

    Já agora, só para chatear mais: o outro co-editor-chefe da Cureus, o alemão Alexander Muacevic, tem um h-index de 37.

    Página de John R. Adler, professor da Universidade de Stanford, fundador da Cureus e actual co-editor-chefe, mesmo depois da sua aquisição pela Springer Nature.

    Portanto, vejam a bazófia do Doutor Filipe Froes no ataque a um artigo científico que não lhe dá jeito. Lança lama a quem muitíssimos melhores atributos detém.

    Mas voltemos ao artigo da Cureus sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, que terão causado 14 vezes mais mortes do que as vidas por si salvas. Será que teve uma revisão assim tão apressada?

    Vejamos: a revisão começou em 11 de Agosto de 2023 e terminou em 23 de Janeiro de 2024, e o artigo foi publicado no dia seguinte. Portanto, o peer review demorou afinal 173 dias, ou seja, mais de cinco vezes o tempo médio criticado pelo Doutor Filipe Froes (e que ele quis fazer crer que fora o tempo da revisão do artigo sobre os efeitos adversos das vacinas).

    Mas mesmo assim: 173 dias, será pouco ou muito tempo?

    O tempo é uma medida sempre relativa (e até subjectiva), por isso nada melhor do que ver na perspectiva dos tempos de revisão dos próprios artigos científicos do Doutor Filipe Froes…

    Vamos a isso.

    O seu mais recente artigo, como nono co-autor, publicado na BMC Infectious Diseases, teve um tempo de revisão de… 173 dias. Acreditem, igualzinho: foi recebido pela revista em 19 de Abril do ano passado e acabou aceite em 9 de Outubro.

    Caramba: terá sido bem revisto pelos pares? Será a BMC Infectious Diseases também uma revista de ‘vão de escadas’? Claro que não! A BMC Infectious Diseases é uma revista da Springer Nature… tal como a Cureus.

    Primeira página do artigo da Cureus, onde surge a data do início da revisão (11 de Agosto de 2023) e do fim da revisão (23 de Janeiro de 2024).

    Vamos então ao segundo mais recente artigo científico do Doutor Filipe Froes – onde ele surge como 33º de entre 37 autores (estas ‘molhadas’ em Ciência são muitos normais para melhorar o CV) – publicado na Intensive Care Medicine. Oh, diabo! Também é do grupo Springer Nature, a mesma da Cureus. Vamos a contas: foi recebido em 21 de Abril de 2023 e, depois de revista pelos pares, acabou aceite em 22 de Agosto do mesmo ano. Isto dá 123 dias. Ora bolas! Menos tempo do que o tal artigo da ‘péssima’ Cureus.

    Mas vamos agora escrutinar onde também o Doutor Filipe Froes, avesso a revistas de “vão de escada”, aprecia publicar. Um dos seus últimos artigos científicos saiu ainda no ano passado sob o título “COVID-19 Vaccination in the Portuguese Medical Community: An Unprecedented Campaign Coordinated by the Portuguese Medical Association”. Na verdade, é uma pura descrição da polémica campanha de vacinação de médicos não-prioritários contra a norma da DGS. Trata-se de um artigo de grande simplicidade, nas suas cinco páginas, mas o elemento mais interessante é publicação: Acta Médica Portuguesa, que, para quem não sabe, é a revista científica da Ordem dos Médicos.

    Ora, nem por acaso, o primeiro autor deste artigo (supostamente) científico é o Doutor Miguel Guimarães, então ainda bastonário da Ordem dos Médicos. Estava tudo em casa, portanto.

    E assim, por artes mágicas, este fabuloso artigo científico do Doutor Filipe Froes – o mesmo homem que chamou revista de ‘vão de escadas’ a uma revista da Springer Nature por se gastar ‘apenas’ 173 dias a aceitar um artigo – demorou cinco dias apenas a ser aceite na extraordinária Acta Médica Portuguesa. Cinco dias, atenção, que incluíram um fim-de-semana: o dia 4 de Fevereiro de 2023 foi sábado e 5 foi domingo. Portanto , uma ‘revisão’ em três dias úteis.

    Isto já é Ciência para o Doutor Filipe Froes.

    Referências aos prazos de recepção de um artigo que tem Filipe Froes e o ex-bastonário Miguel Guimarães que saiu publicado na própria revista científica da Ordem dos Médicos. A revisão demorou cinco dias.

    E se formos para os artigos da Pulmonology, a revista da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, onde o Doutor Filipe Froes também publica muito, a coisa não é muito melhor. Por exemplo, um recente artigo dele – que tem como co-autor o próprio presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais (os currículos científicos também se fazem assim, sem grandes preocupações de conflito de interesse) – foi recebido a 10 de Outubro do ano passado e aceite logo a 14 de Novembro, ou seja, 35 dias.

    Isto já é Ciência para o Doutor Filipe Froes.

    Mas vamos ser claros. Os tempos de ‘revisão’ são um falacioso indicador de qualidade [veja-se esta resposta de John Adler]. Em todo o caso, se algo de mal traz então abrangeu sobretudo a profusa publicação de artigos científicos em redor do uso de certos medicamentos contra a covid-19 com Ciência de duvidosa qualidade, e que muitas vezes contribuíram para calar vozes dissonantes. A eficácia dos lockdowns e das restrições, a implementação dos passaportes sanitários, a administração da vacinação em crianças e jovens, bem como a decisão de gastar milhões e milhões de euros em medicamentos patenteados, vieram de muitos artigos científicos ‘turbinados’ com ‘peer reviews’ à la carte.

    Uma interessante análise comparativa sobre a duração do processo de aceitação de artigos científicos durante a pandemia – e há muitas mais sobre o mesmo tema – comprova que diversas conceituadas revistas reduziram consideravelmente os prazos do processo de publicação. Por exemplo, a Eurosurveillance – onde foi publicado o polémico famoso protocolo Corman-Drosten – demorava cerca de 168 dias no processo de publicação e 106 dias na fase de revisão no período anterior à pandemia, mas durante a pandemia os prazos foram encurtados para 10 e 8 dias, respectivamente.

    woman in black tank top covering her face with her hands

    Das 14 conceituadas revistas científicas alvo dessa análise, fica-se a saber que, antes da pandemia, o tempo médio para todo o processo de publicação era de 117,4 dias e o de revisão de 95,9 dias, mas passou, durante a pandemia, para 60,3 e 51 dias, respectivamente. Além da Eurosurveillance, o Journal of Hospital Infection (10 dias), o Journal of Medical Virology (10,3 dias), o Travel Medicine and Infection Disease (12,6 dias) passaram a demorar menos de 20 dias no processo de revisão.

    E depois a Cureus é que é uma revista de ‘vão de escada’, Doutor Filipe Froes?

    Atine, homem!


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