Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Vacinas: Governo cessante autoriza despesa de 210 milhões de euros em mais doses que acabarão no lixo

    Vacinas: Governo cessante autoriza despesa de 210 milhões de euros em mais doses que acabarão no lixo

    Antes de sair, António Costa manteve as ordens recebidas de Bruxelas, através de uma Resolução de Conselho de Ministros de última hora publicada hoje em Diário da República: Portugal vai continuar a comprar vacinas contra a covid-19 como se estivéssemos no auge da pandemia. Este ano ficou garantida uma despesa de 103,3 milhões de euros, mantendo prevista a compra de mais 107 milhões de euros em 2025 e 2026. Desde Outubro do ano passado, já só foram administradas menos de dois milhões de doses, e se se mantiver o ritmo dos reforços até ao Inverno de 2026-2027, o desperdício financeiro (em benefício das farmacêuticas) atingirá os 550 milhões de euros, porque haverá cerca de 35 milhões de doses literalmente deitadas ao lixo por perda de validade. Quando a covid-19 deixou de ser um problema de Saúde Pública – este mês representa 0,17% das mortes –, e sabendo-se que há 1,7 milhões de cidadãos sem médico de família, esta estratégia mostra os paradoxos das políticas de Saúde Pública em Portugal.


    Preso pelos acordos secretos da Comissão von der Leyen com as farmacêuticas, o Governo cessante de António Costa decidiu no domingo passado, em Conselho de Ministros extraordinário, reprogramar as despesas pelas compras de vacinas contra a covid-19, autorizando para o ano de 2024 gastos da ordem dos 103,3 milhões de euros. Uma parte desta verba será para suportar encargos feitos no ano passado, mas apenas a serem pagos agora por causa de alegados atrasos de visto no Tribunal de Contas.

    Com a reprogramação desta despesa – a que acrescerão mais quase 107 milhões de euros em 2025 e 2026 –, confirma-se um desastre financeiro e de Saúde Pública: num país com mais de 1,6 milhões de cidadãos sem médico de família, vai continuar a haver dinheiro para comprar doses de vacinas contra a covid-19 que serão enviadas literalmente para o lixo, face à cada vez mais diminuta procura. Com efeito, estando a covid-19 endémica e com uma baixíssima mortalidade – este ano causou 197 óbitos, representando 0,6% dos óbitos totais, mas este mês de Março encontra-se abaixo dos 0,2% –, a procura tem sido bastante baixa.

    De acordo com os dados da Direcção-Geral da Saúde, entre Outubro do ano passado e o domingo passado, 24 de Março, foram administradas um total de 1.990.226 doses de reforço. Considerando o preço médio unitário de 15,5 euros, indicado num relatório do Tribunal de Contas, a despesa total terá ascendido a 30,8 milhões de euros, caso não existissem compromissos assumidos pela Comissão von der Leyen com a concordância dos diversos Governos da União Europeia de se comprar mais do que o necessário.

    people collecting trash in garbage truck
    Vacinas desperdiçadas: não serão enviadas para o lixo urbano, obviamente, mas serão inutilizadas cerca de metade das doses que serão adquiridas por Portugal desde 2020 até 2026.

    O Tribunal de Contas, num relatório de Setembro do ano passado, já apontava para um elevado desperdício financeiro pela inutilização de doses não administradas. O valor provisório então indicado, referente ao final de Dezembro de 2022, era de um desperdício de 3,5 milhões de doses com um valor de 54,5 milhões de euros. Porém, esse montante pecava já por defeito.

    Uma análise do PÁGINA UM, com base em informação oficial, mostrava que apesar de Portugal ter encomendado 61.19.803 doses de vacinas até 2022 somente tinha administrado, até então, 28.200.460 doses, considerando os dados do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC). Ou seja, como a partir dessa altura até agora acresceram cerca de dois milhões de doses, administradas, chega-se a um desperdício de mais de 40 milhões de doses.

    Mas entretanto, ainda se comprou muitas mais doses, e mais se comprarão, atendendo à cativação das verbas desde 2020 pelo Governo de António Costa. Apesar de os contratos celebrados pela DGS continuarem escondidos – o PÁGINA UM tem um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa que corre há quase 15 meses, embora seja considerado urgente –, fica-se a saber, através de sucessivas Resoluções de Conselho de Ministros quanto se gastou e se continuará a gastar em vacinas contra a covid-19 até, pelo menos, 2026.

    person holding white plastic bottle

    A primeira compra foi autorizada em 20 de Agosto de 2020, antes mesmo da aprovação das vacinas. Montante: 20 milhões de euros. Ainda nesse ano, em 17 de Dezembro, em vésperas da administração da primeira dose, o Governo de António Costa autorizou, para o ano seguinte, a realização de despesas de aquisição de vacinas e de logística no total de 195,5 milhões de euros.

    Menos de cinco meses depois, em 6 de Maio de 2021, uma nova autorização para realização de despesa adicional: mais 241.537.472 euros. Em 23 de Dezembro desse ano, autorizou-se mais compras de vacinas contra a covid-19 para 2022: e assim se concedeu liberdade para se gastar mais 291,4 milhões de euros. Mas não acabou por aí: em 17 de Novembro de 2022, o Governo Costa autorizou mais compras no valor de quase 70,6 milhões de euros. E menos de um mês depois, em 15 de Dezembro, ainda se adicionou mais uma autorização no valor máximo de mais de 57,8 milhões de euros.

    Nesta lógica de dividir uma factura cada vez mais crescente, em 7 de Setembro do ano passado, o Conselho de Ministros determinou que em 2023, apesar de a covid-19 deixar de ser uma preocupação pública relevante, se gastariam ainda mais 65,4 milhões de euros em 2023, mais cerca de 50 milhões de euros em 2024, mais 53,5 milhões de euros em 2025 e outro tanto em 2026.

    A decisão do passada domingo de um Governo em gestão altera os montantes de 2023 e 2024 – sem afectar a despesa previamente definida, e assegura a despesa pré-determinada para os anos de 2025 e 2026 – mostra sobretudo que Portugal, tal como os outros parcerias comunitários, está completamente preso aos negócios secretos assumidos secretamente por Ursula von der Leyen.

    António Costa e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que negociou contratos secretos com as farmacêuticas que resultarão seguramente, apenas em Portugal, no desperdício de 35 milhões de doses e quase 550 milhões de euros

    Somando toda a despesa feita e assumida desde 2020 pelo Governo português, Portugal deverá assumir encargos de 1,1 mil milhões de euros associadas à compra e armazenamento de vacinas contra a covid-19, dos quais 210 milhões de euros entre 2024 e 2026. Se o preço unitário rondar os 15,5 euros por dose, o valor indicado pelo Tribunal de Contas, então estará garantida a compra de quase 71 milhões doses.

    Contudo, contabilizando as doses já administradas (cerca de 30 milhões) e se o processo de reforço nos Invernos de 2024-2025, 2025-2026 e 2026-2027 for similar ao do mais recente, o nosso país apenas administrará 36 milhões de doses, o que significará que desperdiçará praticamente metade das doses adquiridas. Contas feitas, o processo de aquisição sob a batuta da Comissão Europeia entregará cerca de 550 milhões de euros aos cofres das farmacêuticas beneficiadas sem qualquer préstimo, uma vez que aproximadamente 35 milhões de doses serão deitadas para o lixo por nem sequer haver quem as queira receber de borla.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Recorde: Fisco vai gastar 35 milhões de euros por três anos de licenças e hardware

    Recorde: Fisco vai gastar 35 milhões de euros por três anos de licenças e hardware


    A Autoridade Tributária e Aduaneira vai pagar 35,2 milhões de euros em licenças de software e manutenção de hardware para os seus serviços durante os próximos três anos. O montante a pagar está distribuído em dois contratos assinados este mês com a IBM e a Timestamp, depois de concurso público, e foram ontem divulgados no Portal Base.

    No caso da sucursal portuguesa da IBM, o contrato agora celebrado, para vigorar até 2026, no valor total de quase 26,9 milhões de euros com IVA, vem no seguimento de um outro que decorreu entre 2021 e 2023, que incluía o licenciamento e manutenção do software usados pelos funcionários do Fisco. Tanto para a IBM como para a Autoridade Tributária e Aduaneira, este é o maior contrato público de sempre, ultrapassando o anterior para serviços quase similares estabelecido em Fevereiro de 2021 no valor de cerca de 21,4 milhões de euros.

    IBM logo

    Um segundo contrato, sobretudo para serviços de melhoria e manutenção do hardware, foi assinado com a Tiemestamp – uma empresa portuguesa de sistemas e tecnologias de informação com ligações comerciais à gigante tecnológica norte-americana Oracle – e o seu valor é consideravelmente mais baixo, embora num montante relevante: quase 8,4 milhões de euros. Esta empresa esteve associada ao caso das viagens pagas pela Oracle em 2017 a altos quadros do Estado.

    Os encargos associados à informática e automatização de processos pela Autoridade Tributária e Aduaneira têm vindo a aumentando consideravelmente nos últimos anos, e os contratos públicos que celebra atingem montantes cada vez mais elevados.

    Na lista ordenada dos 25 maiores contratos públicos da Autoridade Tributária Aduaneira – com valores que vão desde os 2,5 milhões até aos 21,9 milhões de euros (sem IVA), 19 são com empresas de tecnologia de informação, com a IBM a destacar-se, arrecadando os três maiores. Esta empresa tem ainda o 11º maior contrato. Nos últimos cinco anos, só com serviços ao Fisco, sobretudo venda de licenças de software, a gigante norte-americana facturou cerca de 72,4 milhões de euros desde 2019. Nos seis anos anteriores, apenas vendera ao Fisco pouco mais de 10,2 milhões de euros

    Apesar de a IBM bater a concorrência na facturação, a Timestamp segue próxima, porque conta larga dezenas de contratos, umas vezes sozinha e outra integrada com outras empresas. Contabilizando somente os contratos sem parceria, a Timestamp tem sete contratos no top 25 da Autoridade Tributária e Aduaneira, e facturou a esta entidade pública cerca de 55 milhões de euros (IVA incluído) desde 2019.

    Helena Borges, directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

    Fora do sector informático, os contratos mais elevados abrangem os sectores das limpezas (dois) e energético (quatro), com a Endesa a atingir o acordo comercial mais elevado: quase 9,5 milhões de euros por fornecimento de electricidade em Abril do ano passado por um período de apenas um ano. Com a excepção do contrato que ocupa a 25ª posição – um ajuste directo com a Samsic no valor de 2,5 milhões de euros –, todos estes contratos foram celebrados ao abrigo de um acordo-quadro ou após um concurso público.

    Os contratos celebrados entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e a IBM e a Timestamp integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados nos dia 26 de Março de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.


    Ontem, dia 26 de Março, no Portal Base foram divulgados 1179 contratos públicos, com preços entre os 4,90 euros – para aquisição de papel térmico, pelo Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, através de ajuste directo – e os 21.845.466,00 euros – para aquisição de modelo de licenciamento empresarial, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através de concurso público.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 25 contratos, dos quais 15 por concurso público, oito ao abrigo de acordo-quadro e dois por ajuste-directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 10 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (com a Novartis Farma, no valor de 3.905.560,00 euros); Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (com a Alexion Pharma Spain, no valor de 819.523,20 euros); três da Unidade Local de Saúde de Santa Maria (um com a Medtronic Portugal, no valor de 202.292,00 euros, outro com a Johnson & Johnson, no valor de 135.908,44 euros, e outro com a Biotronik Portugal, no valor de 104.532,90 euros); Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (com a Kyowa Kirinfarmacêutica, no valor de 151.845,00 euros); Município de Caldas da Rainha (com a GIS – Segurança Privada, no valor de 147.019,65 euros); Unidade Local de Saúde do Médio Tejo (com a Siemens Healthcare, no valor de 113.840,43 euros); Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus+ Educação e Formação (com a SoftwareOne Denmark Aps, no valor de 108.000,00 euros); e a Infraestruturas de Portugal (com a Efacec Energia – Máquinas e Equipamentos Eléctricos, no valor de 105.860,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 26 de Março

    1Aquisição de modelo de licenciamento empresarial

    Adjudicante: Autoridade Tributária e Aduaneira

    Adjudicatário: Companhia I.B.M. Portuguesa

    Preço contratual: 21.845.466,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    2Execução de empreitada denominada “Variante a Aljustrel na EN 263”

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Tecnovia – Sociedade de Empreitadas

    Preço contratual: 8.496.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Aquisição de modelo de licenciamento empresarial

    Adjudicante: Autoridade Tributária e Aduaneira

    Adjudicatário: Timestamp – Sistemas de Informação

    Preço contratual: 6.811.753,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Aquisição de serviços de disponibilização e locação de meios aéreos (DECIR 2024) – Lote 3

    Adjudicante: Estado Maior da Força Aérea

    Adjudicatário: Gestifly, S.A.

    Preço contratual: 5.519.778,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    5Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central

    Adjudicatário: Novartis Farma

    Preço contratual: 3.905.560,00 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 26 de Março

    1 Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central

    Adjudicatário: Novartis Farma

    Preço contratual: 3.905.560,00 euros


    2Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca

    Adjudicatário: Alexion Pharma Spain

    Preço contratual: 819.523,20 euros


    3Aquisição de consumíveis de pacing e próteses intracoronárias

    Adjudicante: Unidade Local de Saúde de Santa Maria

    Adjudicatário: Medtronic Portugal

    Preço contratual: 202.292,00 euros


    4Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte

    Adjudicatário: Kyowa Kirinfarmacêutica

    Preço contratual: 151.845,00 euros


    5Prestação de serviços de segurança e vigilância de instalações municipais

    Adjudicante: Município de Caldas da Rainha

    Adjudicatário: GIS – Segurança Privada

    Preço contratual: 147.019,65 euros


    MAP

  • Câmara de Cascais pagou 233 mil euros em almoços numa única factura, em tempo recorde, sem discriminação nem guias de entrega

    Câmara de Cascais pagou 233 mil euros em almoços numa única factura, em tempo recorde, sem discriminação nem guias de entrega

    A Câmara Municipal de Cascais aceitou pagar, em tempo recorde, uma factura de cerca de 233 mil euros de uma empresa fornecedora de refeições para refugiados ucranianos numa altura em que os seus centros estavam quase vazios. Ainda mais estranho, e contrariando mesmo o caderno de encargos, a autarquia liderada pelo social democrata Carlos Carreiras fez a transferência ainda durante a vigência do contrato, que decorreu desde 26 de Setembro do ano passado e o dia a seguir ao mais recente Natal, sem sequer se apurar o número de refeições supostamente distribuídas. A autarquia quer agora, num processo de intimação protagonizado pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Sintra, que o caso seja encerrado sem sequer explicar os motivos para não se revelarem guias de remessa e de recepção das refeições. Um caso que, na verdade, merecia mais ser tratado num tribunal penal do que administrativo, até porque em outro estranho ajuste directo com preços hiperinflacionados, envolvendo o Modelo Continente, a Câmara Municipal de Cascais – que fez contratos para apoio aos refugiados da Ucrânia de quase dois milhões de euros – diz que, afinal, não comprou nada à cadeia de supermercados. Mas diz isto sem apresentar provas, e apenas depois de ter sido obrigada pelo Trbunal Administrativo de Sintra a pronunciar-se.


    Um contrato com um preço estimado de 250 mil euros para fornecimento de alimentação ao centro de refugiados da Ucrânia em Cascais foi facturado quase na íntegra à autarquia apenas dois dias após o ajuste directo e o pagamento concretizou-se ainda no prazo de vigência, sem sequer especificar sequer número de refeições entregues. Esta situação ocorreu num momento em que os centros de refugiados naquele município estavam já com um número reduzido de ucranianos, segundo apurou o PÁGINA UM, e existem fortes suspeitas de não terem sido entregues grande parte das refeições, apesar do pagamento feito. A autarquia de Cascais sempre recusou divulgar ao PÁGINA UM elementos sobre os refugiados que apoiou desde a invasão da Rússia à Ucrânia.

    A factura deste contrato – o terceiro em cerca de dois anos, para o mesmo fim – foi enviada pela ICA – Indústria e Comércio Alimentar em 28 de Setembro do ano passado à Câmara Municipal de Cascais, com um valor total de 232.799,69 euros, mas sem explicitar o número de refeições nem a sua tipologia nem o número de beneficiários nem as condições de entrega. Na referida factura surge apenas a referência “Serviço Refeição – Almoços aos Refugiados” com a quantidade de “1 UN” [uma unidade], com um “Preço Unitário” de 189.268,04 euros, a que acresceu IVA a 23%. Se foram apenas almoços a serem fornecidos, e se se estipulasse um preço unitário de 10 euros, estaríamos perante mais de 23.000 refeições, o que, distribuídas pelo prazo do contrato, daria quase 260 refeições por dia.

    Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais. É possível pagar facturas de 233 mil euros com indicação de 1 unidade? Em Cascais, sim.

    Como revelou o PÁGINA UM, em Setembro do ano passado, este terceiro ajuste directo à empresa ICA estabelecia “a prestação de serviços de fornecimento de refeições conforme as necessidades até ao valor contratual máximo de 250.000,00 euros, pelo período estimado de 3 meses”, que incluía o “fornecimento diário até 4 refeições completas (pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar)” com entregas “nos centros de acolhimento a refugiados”, cujas “localizações e quantidades” deveriam ser acordadas com “o gestor do contrato”.

    Porém, ao longo do ano passado, a autarquia liderada por Carlos Carreiras – que foi de longe a entidade pública que despendeu mais dinheiros públicos alegadamente para apoio aos ucranianos após a invasão pela Rússia – nunca mostrou disponibilidade para facultar acesso ao PÁGINA UM aos centros de refugiados nem aos registos das pessoas apoiadas, obrigando assim à instauração de um processo de intimação no Tribunal Administrativo.

    Foi no decurso deste processo no Tribunal Administrativo de Sintra que o município de Cascais acabou por enviar cópia da factura, bem como a ordem de pagamento emitida em 7 de Novembro do ano passado, ou seja, a autarquia até pagou antes do fim do contrato, incumprindo, logo aqui, o caderno de encargos que a impedia de conceder adiantamentos.

    Factura da empresa ICA emitida em 28 de Setembro de 2023, dois dias após o ajuste directo e quando ainda faltavam 89 dias para o fim da vigência do contrato. Não consta a discriminação das refeições a entregar. Ver AQUI a cópia da factura(em melhor qualidade) e a ordem de pagamento.

    Mas o mais suspeito neste estranho contrato de alimentação está relacionado com a assumpção, agora, por parte da própria Câmara Municipal de Cascais, junto do Tribunal Administrativo de Sintra, de que não existirão quaisquer documentos que comprovem o número de refeições efectivamente entregues em cada um dos 91 dias do contrato.

    Relembre-se que numa reportagem do Diário de Notícias em Fevereiro do ano passado , Carlos Carreiras dizia que nos dois centros de acolhimento em Cascais, então existentes, estavam “apenas 132 cidadãos” ucranianos, acrescentando que se esperava que até ao final de Março esse número fosse “cerca de metade e que até Maio/ Junho já todos [tivessem] encontrado soluções”. Ou seja, perante a postura da Câmara de Cascais ignora-se quem comeu, e sobretudo quantas pessoas comeram, refeições no valor de 232.799,69 euros supostamente entregues pela ICA entre 26 de Setembro e 26 de Dezembro de 2023. E ignora-se sobretudo quem entregou e quem recebeu, porque a autarquia não quer revelar guias de remessa e de recepção, e quer mesmo que o Tribunal Administrativo de Sintra não a obriga a revelar dando por encerrada a lide com a simples entrega de uma factura e de uma ordem de pagamento.

    Ora, não é nada expectável – pelo contrário, a sua falta configura ilegalidades graves – que os serviços associados a uma facturação de um valor tão elevado, que se desenvolvia ao longo de 91 dias, se tenham feito sem qualquer requisição, sem qualquer guia de recepção, sem qualquer outra comunicação entre adjudicante e adjudicatária.

    Repasto em Junho do ano passado em Cascais aquando da visita do presidente da autarquia russa de Irpin a um dos centros de acolhimento de refugiados, mas onde estiveram a almoçar muitos portugueses. O contrato suspeito com a ICA foi celebrado em Setembro de 2023.

    Acresce também que a emissão da factura apenas dois dias após a celebração do contrato, e com o pagamento a ocorrer em 7 de Novembro, consubstancia uma irregularidade contratual, uma vez que na cláusula 13ª do Caderno de Encargos refere-se que “os pagamentos são efectuados no prazo de 60 dias após a entrega das respectivas facturas, as quais só podem ser emitidas após o vencimento das obrigações a que se referem, devendo conter a menção do número de compromisso e do número de requisição externa […].” Mais se adiantava, que “podem ser propostos pagamentos parcelares, não havendo, contudo, lugar a adiantamentos […]”, conforme é reiterado na cláusula 14ª.

    Para além de terem sido feitos pagamentos claramente antecipados – a transferência foi realizada pelo município 20 dias antes da data de vencimento da factura –, ignora-se nos documentos entregues entretanto  pela autarquia de Carlos Carreiras qual o motivo para o valor final ter sido de 189.268,04 euros sem IVA (232.799,69 euros com IVA) – e não de 250.000 euros sem IVA estabelecido em contrato – e quantas refeições afinal foram contratadas, uma vez que supostamente não existem documentos onde se indique o número total de refeições, a sua tipologia e o preço unitário.

    Na intimação junto do Tribunal Administrativo de Sintra, o PÁGINA UM tinha requerido que a Câmara Municipal de Cascais entregasse, entre outros elementos, a totalidade dos documentos que comprovassem a execução diária do fornecimento de refeições, com o número (em cada dia) de refeições (por tipologia) e o custo respectivo.

    Quanto ao ajuste directo para a compra de diversos produtos alimentares e não-alimentares ao Modelo Continente no valor de 166.124,88 (sem IVA) para a entrega em períodos mensais, durante um ano – a acabar em Junho próximo –, de cerca de uma centena de produtos, a autarquia de Cascais diz que, afinal, não comprou nada. O ‘problema’ deste contrato estava sobretudo no facto de as quantidades constantes no caderno de encargos, aos preços unitários então praticados pelos supermercados do Grupo Sonae, totalizarem pouco mais de 14 mil euros. Ou seja, o valor dos bens previstos no contrato era mais de 10 vezes superior ao valor de mercado desses produtos, havendo uma diferença de mais de 160 mil euros, se se considerar o IVA.

    green wheat field under blue sky during daytime
    Autarquia de Cascais celebrou contratos públicos de quase dois milhões de euros para apoio aos refugiados da Ucrânia, destacando-se entre as entidades públicas portuguesas. Mas, no momento de mostrar ‘contas’, fechou-se em copas.

    Somente com a intimação junto do Tribunal Administrativo de Sintra, a autarquia de Cascais veio agora revelar que este estranho contrato, denunciado em Outubro passado pelo PÁGINA UM,  afinal terá ficado “em águas de bacalhau”. Ao Tribunal Administrativo de Sintra, a autarquia diz que “até à presente data não foi efectuada qualquer encomenda àquela entidade [Modelo Continente] e por conseguinte não foi emitida qualquer guia de remessa, não foram emitidas quaisquer determinações ou comunicações por parte do gestor do contrato, não foram emitidas facturas por parte daquela empresa, nem existem ordens de pagamento no âmbito do referido contrato”. Informações que que, perante o histórico e comportamento da edilidade liderada por Carlos Carreiras, deveria necessitar de uma confirmação por parte de um entidade judicial com capacidades de investigação para aferir da sua veracidade.

    Recorde-se que, desde Junho de 2022, o PÁGINA UM tem-se debruçado nos estranhos contratos da autarquia de Cascais em em redor do apoio aos refugiados ucranianos, que chagaram quase aos dois milhões de euros (com IVA), e mesmo com a intervenção do Tribunal Administrativo tem feito finca-pé para manter o obscurantismo e evitar que se afira a legalidade dos seus procedimentos. A sentença deste processo ainda não foi declarada, estando o PÁGINA UM em fase de resposta jurídica aos argumentos da autarquia de Cascais durante a presente semana. Este é um dos 20 processos de intimação do PÁGINA UM para a obtenção de documentos administrativos financiados pelos leitores através do FUNDO JURÍDICO.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Transparência dos media: Futura dona do Jornal de Notícias esconde accionistas

    Transparência dos media: Futura dona do Jornal de Notícias esconde accionistas

    Depois do ‘furacão’ causado pela fugaz passagem de um obscuro fundo das Bahamas, não se pode dizer que prime pela transparência o plano de transferência de alguns dos títulos mais atractivos da Global Media, com o Jornal de Notícias à cabeça, para a esfera de uma nova sociedade de empresários. Pelo contrário. Criada no final do mês passado, com um capital social de apenas 50 mil euros, a Notícias Ilimitadas não revela qualquer accionista nem detentor de direitos de voto no Registo Central do Beneficiário Efectivo, contrariando uma lei de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, sendo que os administradores indicados (Alexandre Bobone, Diogo Freitas e Domingos de Andrade) declaram não terem qualquer participação accionista. O modelo sugerido para a ‘cisão’ dos títulos da Global Media, a ser autorizado pelo regulador e pelo futuro Governo, abre também a porta a uma eventual ‘Global Media tóxica’ com o Diário de Notícias à boleia. Ou seja, se a Notícias Ilimitadas ficar apenas com o direito de usufruto dos títulos, não assume assim qualquer parte do elevadíssimo passivo da Global Media, que atingia quase 55 milhões de euros em 2022, incluindo 10 milhões de dívidas fiscais. Se, com isto, e com a redução de receitas, a Global Media entrar em falência, o Governo pode então querer salvar o Diário de Notícias, assumindo dívidas e concedendo um perdão fiscal. Um precedente arrepiante…


    A falta de transparência continua a ensombrar os títulos jornalísticos ainda detidos pela Global Media. Após a retirada decretada na semana passada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) dos direitos de voto ao World Opportunity Fund – o fundo das Bahamas que chegou a controlar a administração da Global Media, através da maioria do capital da Páginas Civilizadas ao empresário Marco Galinha em Setembro do ano passado –, por não identificar os investidores, agora também se desconhece quem, efectivamente,  controla a nova empresa criada para concretizar a cisão dos títulos da Global Media.

    Com efeito, apesar de ter sido já constituída em finais de Fevereiro uma empresa – a Notícias Ilimitadas, com sede na Maia –, que já terá assinado um memorando de entendimento com os accionistas da Global Media com direito de voto válidos (Kevin Ho, José Pedro Soeiro e Marco Galinha), em concreto desconhecem-se os verdadeiros investidores. Sabe-se apenas que detém, por agora, um capital social de apenas 50.000 euros distribuídas por 10.000 acções nominativas.

    De acordo com uma consulta ao Registo Central do Beneficiário Efectivo (RCBE), a empresa Notícias Ilimitadas apenas identificou os três administradores – o jornalista e actual director-geral da TSF e do JN Domingos de Andrade, que também é agora administrador da Global Media, e os empresários Diogo Freitas e Alexandre Bobone, que preside –, mas nenhum deles indica que possui qualquer nível de controlo da empresa ou sequer direitos de votos.

    Saliente-se que, apesar de a Notícias Ilimitadas não deter ainda formalmente qualquer título de comunicação social – e, portanto, não estar, por agora, sujeita à Lei da Transparência dos Media –, o RCBE estipula a obrigatoriedade das sociedades comerciais manter um registo atualizado dos sócios, com discriminação das respetivas participações sociais, ou das pessoas singulares que detêm, ainda que de forma indireta ou através de terceiro, a propriedade das participações sociais, ou de quem, por qualquer forma, detenha o respetivo controlo efetivo.

    Ora, nenhuma dessa informação consta do registo referente à Notícias Ilimitadas, que, como indica apenas administradores, está ao mesmo (baixo) nível da ‘qualidade de transparência’ da World Opportunity Fund, que sempre indicou apenas no RCBE o nome e elementos do administrador, o francês Clement Ducasse.

    A forma pouco transparente como decorre o processo de cisão dos títulos da Global Media – com a entrada da Notícias Ilimitadas em jogo, depois do breve e conflituoso ‘reinado’ do fundo das Bahamas –, levanta sérias dúvidas sobre as operações financeiras em curso e sobre quem assumirá, no futuro, o elevadíssimo endividamento deste grupo de media.

    Fraca transparência nos negócios da Global Media tem sido o ‘código postal’ para a crise de títulos históricos da imprensa nacional. A crise vem de longe mas agudizou-se no ‘reinado’ de Marco Galinha, o responsável pela entrada do World Opportunity Fund no (seu) grupo de media.

    Recorde-se que a Global Media finalizou 2022 com um passivo de 54,9 milhões de euros, dos quais 11 milhões a instituições bancárias e 10 milhões de dívidas fiscais, das quais cerca de sete milhões criada ao longo desse ano. Ou seja, estava já há muito em situação financeira desastrosa, sendo garantido que concluiu 2023 com capitais próprios negativos. Este mês, a nova administração liderada novamente por Marco Galinha revelou que a demonstração de resultados preliminar aponta para um prejuízo de 7,2 milhões de euros, a transitar para um capital próprio que era de pouco mais de 5,7 milhões de euros em 2022. Efeito disto, sem que tenha sido aprovado qualquer aumento de capital. é a Global Media estar já em falência técnica, ou seja, com capitais próprios negativos de 1,5 milhões de euros. Em 2019, antes da ‘era Galinha’, os capitais próprios eram positivo de quase 15,5 milhões de euros. Além disto, cerca de metade dos activos da Global Media, no valor de cerca de 30,6 milhões de euros em 2022, eram constituídos por goodwill, de reduzidíssima liquidez e de valor de mercado bastante questionável por estar associado ao valor dos títulos, incluindo os arquivos históricos.

    No início de Fevereiro, o jornal Público avançou como hipótese mais provável que um grupo de empresários – onde se inclui os dois actuais administradores da Notícias Ilimitadas – viesse a comprar o JN, O Jogo e as revistas Evasões e Volta ao Mundo. Estas últimas são, na verdade, propriedade de Marco Galinha, através da Páginas de Prestígio, não estando integradas desde Setembro do ano passado na Global Media. No entanto, o jornal Eco concretizou que o negócio implicaria “a compra dos títulos, não de nenhuma empresa”, adiantando que os “actuais accionistas minoritário do grupo devem assumir uma posição na nova sociedade”, ou seja, na novel Notícias Ilimitadas – algo que não se consegue confirmar por ausência de informação no RCBE.

    A concretizar-se uma simples venda ou cedência dos títulos para uma empresa fora do universo da Global Media seguir-se-á então um modelo muito similar à que ocorreu com o Tal & Qual. Com efeito, este título encontra-se registado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial em nome da Global Media mas foi concedido o direito de usufruto à empresa Parem as Máquinas – curiosamente fundada por José Paulo Fafe em finais de 2020 – em (re)publicar o semanário. Obviamente, neste modelo não existe qualquer relação societária entre as duas empresas, antes apenas uma relação comercial com o eventual pagamento pelo uso da marca.

    Aliás, o objecto social da Notícias Ilimitadas sugere esta opção, uma vez que a empresa diz que a sua actividade, no âmbito estrito da imprensa, é de “difusão de actividades de terceiro designadamente por anúncio; editar, produzir, comercializar e distribuir jornais e revista e outros meios de comunicação social”.

    Transferência do título do Jornal de Notícias para a Notícias Ilimitadas sem assumpção do passivo vai agravar ainda mais as contas da Global Media, que deverá apresentar capital próprio negativo nas contas de 2023.

    Seguir este modelo para o JN, O Jogo, a TSF e as revistas Evasões e Volta ao Mundo pode ser um expediente atractivo para os accionistas (desconhecidos) da Notícias Ilimitadas (onde estarão, em princípio, também Marco Galinha, Kevin Ho e José Pedro Soeiro), mas potencialmente catastrófico para os credores da Global Media, incluindo o Estado. Isto porque sendo aceite pela ERC a transmissão dos títulos – e até os jornalistas e produção – da Global Media para a Notícias Ilimitadas, a sobrevivência daqueles órgãos de comunicação social fica garantida pela nova empresa sedeada na Maia, mas se a situação financeira da Global Media se deteriorar, e entrar mesmo em falência, o ‘calote’ não ‘infectará’ a Notícias Ilimitadas, mesmo se houver sócios ou accionistas comuns.

    Com a retirada dos seus títulos ainda rentáveis, a Global Media fica mesmo assim com dois ‘trunfos’, que valem muito pelo simbolismo: o Diário de Notícias (que detém a 100%) e o Açoriano Oriental (a 90%) são os mais antigos órgãos de comunicação social de Portugal. Daí que numa eventual falência da ‘Global Media tóxica’, pode vir a ‘salvação’, aceite e até recomendada por partido como o Livre e o PCP, através de uma operação de nacionalização com assumpção das dívidas e perdão fiscal pelo Estado.

    Saliente-se, por fim, que desde a entrada de Marco Galinha ao universo da Global Media em 2020, sucedem-se as empresas com nomes muito sui generis com um similar diapasão. Embora a novel Notícias Ilimitadas não venha a ser, em princípio, nem accionista nem subsidiária da Global Media, o dono do Grupo Bel mostra ser apreciador de nomes pomposos para empresas ligadas aos media. Foi ele que criou uma ‘matrioska’ de empresas, quando assumiu o controlo da Global Media, fundando a Páginas Civilizadas e ainda a Norma Erudita e a Palavras de Prestígio.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Curiosamente, esta última empresa, criada também por Marco Galinha em 2020, teve como sócios a Parsoc e a Ilíria – que agora surgem como eventuais accionistas da Notícias Ilimitadas –, mas as quotas foram adquiridas, sem qualquer explicação, pelo Grupo Bel pouco tempo antes da entrada do World Opportunity Fund na Global Media.

    O PÁGINA UM, no decurso da elaboração desta notícia, tentou obter comentários e esclarecimentos de Alexandre Bobone, presidente do C0nselho de Administração da Notícias Ilimitadas, e que surge como contacto no RCBE, mas não houve qualquer reacção.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Limpeza das estações do Metro de Lisboa custa 13 mil euros por dia

    Limpeza das estações do Metro de Lisboa custa 13 mil euros por dia


    A limpeza das estações do metro de Lisboa está a custar mais de 13 mil euros por dia. O contrato celebrado há um mês pelo Metropolitano de Lisboa, um ajuste directo com a multinacional Acciona Facility Services, de origem espanhola, foi apenas publicado na passada sexta-feira no Portal Base, embora esteja em vigor desde o início de Fevereiro.

    De acordo com o contrato e o caderno de encargos, os serviços incluem a limpeza das áreas públicas e de acesso reservado, bem como a recolha e remoção de resíduos e a manutenção do Auditório do Alto dos Moinhos, da Esquadra da PSP e a remoção de grafittis. Ao contrário da aquisição de serviços no ano passado, entregue por linha a distintas empresas, para este ano a Administração do Metropolitano de Lisboa decidiu englobar todas as linhas numa só empresa, pelo que são assim da responsabilidade da multinacional espanhola a limpeza das 17 estações da Linha Azul, uma as quais dupla (Marquês de Pombal), as 12 estações da Linha Amarela, as 11 estações da Linha Verde, uma das quais dupla (Alameda) e as 11 estações da Linha Vermelha.

    a blurry photo of a train coming in to a station

    Apesar de estar prevista a possibilidade de trabalhos suplementares, ou descontos em situação de ausência de trabalhadores em determinados piquetes, o contrato tem, para já, uma duração de dois meses, mas prorrogável mensalmente até ao final de Dezembro deste ano. Por cada mês, o Metropolitano de Lisboa pagará cerca de 326 mil euros, acrescidos de IVA, o que resulta em 401 mil euros por mês. Se o contrato continuar em vigor até ao final de 2024, custará cerca de 4,4 milhões de euros, incluindo IVA.

    Esta aquisição por ajuste directo – uma prática cada vez mais habitual para serviços de limpeza em empresas públicas, que passaram a preferir, mesmo se com maiores encargos para a Fazenda Pública, a contratação externa – deverá ser interrompido muito em breve, uma vez que já foi adjudicado o contrato saído de um concurso público aberto em Junho do ano passado. Este concurso recebeu propostas até 6 de Julho e foi recentemente adjudicado à Acciona Facility Service por um valor total de 11,7 milhões de euros por três anos. Com IVA, o montante total chegará quase aos 14,4 milhões de euros, o que dá um valor mensal próximo do montante do ajuste directo em curso.

    Apesar de aparentar ser um serviço bastante oneroso, certo é que área a limpar todos os dias haverá com fartura. Por exemplo, só na estação da Reboleira a limpeza envolve um átrio de 2.000 metros quadrados, dois cais de 1.100 metros quadrados, 10 escadarias fixas, uma galeria de ligação à estação ferroviária com 1.350 metros quadrados e ainda um gabinete de apoio à operação, um posto de vendas, duas salas de pessoal, 11 vestiários e afins, e ainda cinco instalações sanitárias.

    a woman sitting on a bench in a subway station

    O contrato por ajuste directo celebrado entre o Metropolitano de Lisboa e a Accional Facility Services integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados nos dias 22 a 24 de Março de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.


    Nos últimos três dias, de sexta-feira até ontem, no Portal Base foram divulgados 1174 contratos públicos, com preços entre os 8,00 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Hospital da Senhora da Oliveira Guimarães, ao abrigo de acordo-quadro – e os 15.855.379,00 euros – para fornecimento de electricidade, pelo Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, também ao abrigo de acordo-quadro.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 20 contratos, dos quais 12 por concurso público, cinco ao abrigo de acordo-quadro, dois por ajuste-directo e um por consulta prévia simplificada.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 20 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Metropolitano de Lisboa (com a Acciona Facility Services, no valor de 3.587.804,33 euros); Transtejo – Transportes Tejo (com a Petrogal, no valor de 1.238.879,50 euros); Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (com a Baxter Médico-Farmacêutica, no valor de 408.340,61 euros); Unidade Local de Saúde de Almada-Seixal (com a B. Braun Medical, no valor de 327.600,00 euros); Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (com a Gilead Sciences, no valor de 310.650,00 euros); Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (com a ITAU – Instituto Técnico de Alimentação Humana, no valor de 288.642,24 euros); Município de Guimarães (com a SPMR Arquitectos, no valor de 270.400,00 euros); Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (com a General Electric Healthcare Portugal, no valor de 269.900,12 euros); três do Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil (dois com a Merck Sharp and Dohme, um no valor de 247.500,00 euros, e outro no valor de 133.307,40 euros, e outro com a Janssen Cilag, no valor de 124.985,70 euros); Unidade Local de Saúde de Gaia/Espinho (com a GLINTT – Helthcare Solutions, no valor de 227.316,75 euros); Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (com a Quilaban, S.A., no valor de 216.000,00 euros); Centro Hospitalar de Setúbal (com a Iberdrola, no valor de 203.000,00 euros); dois do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira (um com a Oliveira Leitão & Pena, S.A., no valor de 149.982,84 euros, e outro com a Takeda – Farmacêuticos, no valor de 121.198,00 euros); Centro para Excelência e Inovação para a Indústria Automóvel (com a Esss – Engineering Simulation And Scientific Software Portugal, no valor de 115.064,20 euros); Centro Hospitalar de Setúbal (com várias farmacêuticas, no valor de 110.590,82 euros); Unidade Local de Saúde do Algarve (com a B-Simple Healthcare Solutions, no valor de 106.757,67 euros); e o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (com a Biotronik Portugal, no valor de 104.400,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 22 a 24 de Março

    1Fornecimento de electricidade

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central

    Adjudicatário: Petrogal

    Preço contratual: 15.855.379,00 euros

    Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


    2Empreitada de substituição de conduta

    Adjudicante: Associação de Beneficiários da Obra de Rega de Odivelas

    Adjudicatário: Oliveiras, S.A.

    Preço contratual: 150.000,88 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Empreitada de construção de interceptores e sistemas elevatórios

    Adjudicante: Águas do Tejo Atlântico

    Adjudicatário: Camacho – Engenharia

    Preço contratual: 4.680.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Aquisição de serviços de limpeza

    Adjudicante: Metropolitano de Lisboa

    Adjudicatário: Acciona Facility Services

    Preço contratual: 3.587.804,33 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    5Empreitada de Construção de Lar Residencial Sénior e Centro de Dia

    Adjudicante: Associação da Casa dos Professores e Educadores de Gaia

    Adjudicatário: Atlântinível – Construção Civil

    Preço contratual: 2.997.913,12 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no período de 22 a 24 de Março

    1 Aquisição de serviços de limpeza

    Adjudicante: Metropolitano de Lisboa

    Adjudicatário: Acciona Facility Services

    Preço contratual: 3.587.804,33 euros


    2Aquisição de combustíveis

    Adjudicante: Transtejo – Transportes Tejo

    Adjudicatário: Petrogal

    Preço contratual: 1.238.879,50 euros


    3Aquisição de medicamentos exclusivos Baxter

    Adjudicante: Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental

    Adjudicatário: Baxter Médico-farmacêutica

    Preço contratual: 408.340,61 euros


    4Aquisição de kit para cirurgia endoscópica

    Adjudicante: Unidade Local de Saúde de Almada-Seixal

    Adjudicatário: B. Braun Medical

    Preço contratual: 327.600,00 euros


    5Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil

    Adjudicatário: Gilead Sciences

    Preço contratual: 310.650,00 euros


    MAP

  • Ivermectina: Acordo judicial obriga autoridade do medicamento dos Estados Unidos a ‘tirar o cavalinho da… Internet’

    Ivermectina: Acordo judicial obriga autoridade do medicamento dos Estados Unidos a ‘tirar o cavalinho da… Internet’

    Numa das campanhas mediáticas ‘mais sujas’ contra um fármaco comercialmente pouco interessante para a Big Pharma, por já não ter patente, a ivermectina chegou a ser apodada como um mero desparasitante para cavalos ou vacas durante a pandemia da covid-19, quando alguns resultados se mostravam auspiciosos. A Food & Drug Administration ‘ajudou ao festim’ com um comunicado e posts nas redes sociais em que apelava de forma sensacionalista ao não uso de fórmulas veterinárias, sem relevar o potencial interesse na prescrição por médicos de fórmulas humanas. Numa acção judicial intentada por três médicos, a FDA acabou esta semana por aceitar eliminar o comunicado e todos os textos nas redes sociais, entre os quais um que se intitulava “Tu não és um cavalo. Tu não és uma vaca. A sério, pessoal. Parem de tomar ivermictina para a covid.” A autoridade norte-americana do medicamento tem agora um prazo de três semanas para “tirar o cavalinho da chuva”; neste caso, os seus polémicos conteúdos da Internet.


    Em situações normais, um fármaco demora anos a fio, por vezes diversas décadas, até estabelecer um consenso entre os investigadores, e as decisões das autoridades do medicamento em manter ou não a sua comercialização depende de um contínuo avolumar de ensaios clínicos e de acompanhamento da sua aplicação pelos médicos em doentes reais.

    Mas durante a pandemia, esse ‘circuito natural’ da Ciência foi modificadode forma drástica. Enquanto novos fármacos foram rapidamente aprovados e quase ‘endeusados’, resultando em negócios chorudos – como sucedeu com o remdesivir, o Paxlovid e molnupiravir, este último já retirado do mercado, por ser ineficaz e até promover mutações do SARS-CoV-2 –, outros foram metidos foram difamados em três tempos, mesmo se vários médicos os foram prescrevendo quase às escondidas, temendo represálias.

    People Wearing DIY Masks

    O caso mais conhecido sucedeu com a ivermectina, que, até ao início de 2020, era um dos fármacos mundiais mais amado pela Organização Mundial de Saúde, elogiada por médicos e investigadores. Os louvores vinham de todos os lados, sobretudo da comunidade de farmacologia, e logo no título de artigos científicos, que a consideravam uma wonder drug, um fármaco maravilhoso, ao lado da penicilina e da aspirina.

    Entre 1990 e 2019, o Google Scholar contabiliza cerca de 16.400 artigos sobre a ivermectina. Nenhum a maldiz. Pudera: o seu descobridor, o japonês Satoshi Omura e o irlandês William Campbell – que a “purificou” – foram galardoados com o Prémio Nobel da Medicina em 2015, pelas maravilhas produzidas por este “milagre da terra”.

    Mas, no decurso da pandemia, quando vários médicos começaram a testar diversos fármacos já existentes para outras doenças, a ivermectina foi estranhamente amaldiçoada, e metida no mesmo ‘saco’ da cloroquina e da hidrocloroquina.

    Apesar de vários médicos a nível mundial continuarem, durante os anos da pandemia, a prescreverem a ivermectina – e em alguns países, como no Peru, chegou-se a usar de forma preventiva, embora fosse depois abandonada, com efeitos que não foram os melhores –, muitas autoridades e ‘peritos’ associados a farmacêuticas montaram, com o apoio da imprensa mainstream, uma das mais eficazes campanha de difamação de um fármaco.

    white house carrying a wheeled box close-up photography

    Um dos eventos mais relevantes sucedeu em Agosto de 2021, quando a Food & Drug Administration decidiu lançar um comunicado para recomendar que não fosse feita auto-medicação com ivermectina, sobretudo através de fórmulas usadas para tratamento veterinário.

    A autoridade norte-americana destacava o “interesse crescente num medicamento chamado ivermectina para a prevenção ou tratamento da covid-19 em humanos”, referindo que, além de “certas formulações para animais”, e acrescentava que, no caso de uso humano, “os comprimidos de ivermectina são aprovados em doses muito específicas para tratar alguns vermes parasitas, e existem formulações tópicas (na pele) para piolhos e doenças de pele como rosácea”. E a FDA alertava que tinha recebido “vários relatos de pacientes que necessitaram de cuidados médicos, incluindo hospitalização, após automedicação com ivermectina destinada a gado”.

    Salientando então não haver ainda conclusões sobre a eficácia do fármaco, a FDA fazia recomendações sobre os perigoso de tomar “grandes doses de ivermectina”, remetendo para a necessidade de ser um médico a prescrever uma receita, se assim fosse por ele determinado, e a toma ser “exactamente como prescrito”.  E concluía: “nunca use medicamentos destinados a animais em si ou em outras pessoas. Os produtos de ivermectina para animais são muito diferentes daqueles aprovados para humanos. O uso de ivermectina animal para prevenção ou tratamento de covid-19 em humanos é perigoso”.

    Mas aquilo que seria uma recomendação óbvia para a generalidade dos fármacos com uso humano e veterinário – ou seja, uma pessoa não deve automedicar-se e ainda menos com fórmulas ou doses usadas em animais – acabou por ser um ‘ferrete’ na ivermectina que passou a ser usado pela imprensa e pelos promotores de medicamentos novos. E a a culpa foi inteiramente da FDA, que usou a mensagem do seu comunicado nas redes sociais de modo enviesado.

    Tanto no Facebook como no Twitter (actual X) e no LinkedIn, a FDA apelava ao não uso de ivermectina veterinária de forma sensacionalista: “Tu não és um cavalo. Tu não és uma vaca. A sério, pessoal. Parem de tomar ivermictina para a covid.” E assim foram lançados os dados para continuamente maldizer a ivermectina, confundindo-se uso veterinário com uso humano.

    Em pleno ano de 2024, ainda se está longe de um consenso sobre a eficácia da ivermevtina no combate ao SARS-CoV-2, mas o seu interesse científico é por demais evidente. Só desde Janeiro deste ano, o Google Scholar regista a publicação de 719 artigos científicos; alguns não encontrando eficácia, outros apontando vantagens. O mais recente foi publicado há duas semanas na revista científica Heliyon, da conceituada Elsevier, da autoria de três investigadores chineses que, numa meta-análise envolvendo 33 outros artigos com dados quantitativos sobre a ivermectina, concluíram que este fármaco “pode reduzi o risco de necessidade de ventilação mecânica e de efeitos adversos em doentes com covid-19 sem aumento de outros riscos”, acrescentando que “na ausência de melhor alternativa, os médicos podem usá-la com precaução”.

    Ora, mas do ponto de vista mediático a ivermectina continuava ‘conspurcada’ pelo comunicado e posts de Agosto de 2021 da FDA, algo não foi suportado de forma indiferente por alguns médicos. Três deles – Mary Talley Bowden, Paul Marik and Robert Apter, medicos no Estado norte-americano de Louisiana – interpuseram uma acção contra a FDA por extravasar as suas atribuições.

    Anteontem, numa decisão histórica, num acordo firmado em tribunal, a FDA aceitou retirar no prazo de 21 dias – e nunca mais republicar – os controversos conteúdos colocados nas redes sociais sobre a ivermectina em 21 de Agosto de 2021, bem como a apagar o seu comunicado de imprensa daquele mês, cuja primeira versão é de 5 de Março de 2021.

    Comunicados e posts nas redes sociais da FDA ajudaram a criar a ideia de a ivermectina ser um mero medicamento de uso veterinário.

    De igual modo, também será apagado um post do Twitter de 26 de Abril de 2022 com o sugestivo título: “Hold your horses, y’all. Ivermectin may be trending, but it still isn’t authorized or approval to treat covid-19”, onde a autoridade norte-americano do medicamento não escondia o entusiasmo em manter a artificial má-fama de um fármaco de já não tem patente e é, por isso, bastante barato, ao contrário do remdesivir, comercializado pela Gilead, e do Paxlovid, comercializado pela Pfizer.

    Em declarações ontem à revista norte-americana Newsweek, fonte oficial da FDA defendeu que “a agência optou por resolver este processo em vez de continuar a litigar sobre declarações com entre dois e quase quatro anos”, mas acrescentou que “não admitiu qualquer violação da lei ou qualquer irregularidade, discordando de que “excedeu a sua autoridade ao emitir as declarações contestadas no processo”, e dessa forma, mantém “autoridade para comunicar com o público sobre os produtos regula.”

    Em Agosto do ano passado, uma análise revista pelos pares (peer review) publicada na revista científica Cureus – que integra a editora Springer Nature, a dona da Nature – concluiu que a decisão do antigo presidente peruano Francisco Sagasti de suspender em Novembro de 2020 o uso de ivermectina como terapêutica preventiva contra a covid-19 terá causado uma escalada de mortes naquele país sul-americano.

    Trecho do acordo judicial onde a FDA aceita retirar o seu comunicado e os posts das redes sociais sobre a ivermectina.

    O Peru destacou-se nas estatísticas internacionais como o país com maior taxa de mortalidade atribuída à covid-19 com um espantoso rácio de 6.572 óbitos por milhão de habitantes – que corresponde a 0,65% da população –, quase duas vezes mais do que o valor registado em Portugal.

    Os autores daquele estudo relataram também os bons resultados do uso de ivermectina na província indiana de Uttar Pradesh, e denunciam também a manipulação e erros em ensaios clínicos que acabaram por afectar a reputação deste fármaco de baixo custo.

    “Nas últimas décadas, os medicamentos genéricos geralmente se saíram mal perante a concorrência com ofertas patenteadas, com base na infeliz vulnerabilidade da Ciência à mercantilização e à captura regulatória”, alertaram os autores, exemplificando com o caso de uma terapia tripla para úlceras pépticas, que apresenta uma eficácia de 96%, e que agora é o padrão terapêutico, mas cujo uso foi sendo adiado até que as patentes de dois medicamentos paliativos mais vendidos para esse problema gástrico expirassem.

    E apontam ainda que “tal viés potencial contra a ivermectina foi sugerido por um comunicado de imprensa de 4 de Fevereiro de 2021 da Merck, de que estava desenvolvendo sua própria terapêutica patenteada para covid-19”, alegando que havia “uma relativa falta de dados de segurança” para a ivermectina.

    aerial photography of mountain
    Peru foi um dos países que começou a usar ivermectina como prevenção da covid-19, mas uma posterior decisão política abandonou a campanha de medicação. Resultado: a mortalidade total aiumentou.

    Com efeito, a norte-americana Merck – que oferecera a patente da ivermectina para o Programa Africano de Controle da Oncocercose (cegueira dos rios) – haveria de conceber um fármaco, o molnupiravir, sob a marca comercial Lagevrio, que obteve autorização em finais de 2021 na Europa e foi logo bastante elogiado por vários especialistas, estando à cabeça, em Portugal, o actual bastonário da Ordem do Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, e o pneumologista Filipe Froes, um médico do SNS, consultor da Direcção-Geral da Saúde e um dos mais promíscuos consultores de farmacêuticas.

    Recorde-se, porém, que o molnupiravir acabou ingloriamente os seus dias em Julho passado, depois de evidência da sua completa ineficácia. Mas antes da retirada do mercado, confirmada pelo Infarmed em 17 de Julho, a Merck embolsou com este “embuste”, e com a conivência de reguladores e o apoio de influencers de Medicina, um total de 5,7 mil milhões de dólares em receitas só no ano passado.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Câmara de Portimão usa especificações técnicas com 14 linhas ‘cheias de nada’ para suportar contrato de 910 mil euros

    Câmara de Portimão usa especificações técnicas com 14 linhas ‘cheias de nada’ para suportar contrato de 910 mil euros

    Dois dias depois da primeira notícia do PÁGINA UM, a Câmara Municipal de Portimão, liderada pela socialista Isilda Gomes, apagou o registo original do Portal Base sobre o ajuste directo para programação das comemorações do centenário da cidade, e criou um novo, acrescentando-lhe o caderno de encargos. Com isto, fez-se mais luz sobre a polémica e irregular escolha do italiano Giacomo Scalisi para programar as comemorações dos 100 anos da cidade algarvia: além da ausência de fundamentação adequada para evitar um concurso público, o caderno de encargos para um contrato de 910 mil euros é um chorrilho de banalidades que nem sequer defende o município em caso de incumprimento. E muito menos consegue justificar a razão de Giacomo Scalisi (com a sua cooperativa) ser a única pessoa (entidade) capaz de programar e gerir as festividades. Além disso, o caderno de encargos tem uma cláusula de confidencialidade e sigilo, o que contaria a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, e o director artístico trabalhou pelo menos dois meses sem qualquer suporte legal.


    São apenas catorze as linhas com palavras a sustentar um ajuste directo de 910 mil euros. Ontem, o município de Portimão decidiu colocar no Portal Base o caderno de encargos que acompanha (e integra) o contrato celebrado pela presidente da autarquia, a socialista Isilda Gomes, e o director artístico da cooperativa Lavrar o Mar, o encenador italiano Giacomo Scalisi, para a aquisição de serviços de criação e execução de um denominado “projecto artístico” que consiste na programação e pagamento de eventos comemorativos dos 100 anos daquela cidade algarvia.

    Conforme o PÁGINA UM revelou na passada segunda-feira, para programar eventos culturais do primeiro centenário da cidade de Portimão, a autarquia local contratou a cooperativa algarvia Lavrar o Mar, presidida pelo encenador italiano Giacomo Scalisi, por um valor de 740 mil euros, que ascende a 910 mil euros com IVA incluído. O contrato celebrado no final de Fevereiro, e divulgado no início da semana passada, invocava um falso argumento previsto pelo Código dos Contratos Públicos, para um ajuste directo desta natureza, porque equipara a programação e gestão de 38 eventos culturais e festivos – que se iniciaram no passado mês, e se prolongam até ao final do presente ano – à aquisição (compra) de obra de arte, contratação de um artista ou de um espectáculo.

    Um cumprimento sorridente entre Isilda Gomes e Giacomo Scalisi a selar um ajuste directo de 910 mil euros de dinheiros públicos inundados de irregularidades.

    O registo inicialmente inserido no Portal Base (com o número de identificação 10605060) foi integralmente apagado pela autarquia de Portimão – porventura, numa tentativa de negar a veracidade de alguns aspectos da primeira notícia do PÁGINA UM sobre este assunto – e, em sua subsituição, criou ontem um novo registo nesta plataforma oficial dos contratos público (com o número de identificação 10626097) onde acrescentou algumas peças procedimentais antes não divulgadas, designadamente a carta convite e o caderno de encargos.

    Este último documento, apesar de possuir 14 páginas, ‘gastas’ com generalidades e cláusulas habituais que acabam repetidas no contrato, somente dedica 14 linhas às especificações técnicas. Por norma, seria de esperar num caderno de encargos para um contrato de programação cultural que nas especificações técnicas estivesse listados e discriminados os eventos ou tipologias de eventos a ser obrigatoriamente executados, até pelo simples facto de assim se justificar o valor do contrato e, em certa medida, poder avaliar-se à posteriori se o adjudicatário cumpriu integral ou apenas parcialmente o contrato.

    Porém, as singelas 14 linhas das especificações técnicas, que fazem parte da cláusula 14º do caderno de encargos com 14 páginas, diz apenas que a autarquia pretende a “concepção e operacionalização do projecto artístico de comemorações do centenário da Cidade de Portimão”, acrescentando que “a entidade a contratar [sabendo a autarquia que seria a Lavrar o Mar] deverá, em coerência com o projecto artístico para as Comemorações, a apresentar até Novembro de 2023 e após a aprovação do mesmo pelo Executivo, planear as tarefas necessárias à operacionalização do programa, designadamente coordenando a sua pré-produção e produção, assegurando a contratação dos espectáculos programados e a assistência técnico-artísticas aos mesmos, realizando o acompanhamento das companhias e artistas e promovendo a sua interação com os públicos”.

    Isilda Gomes lidera a autarquia de Portimão há 10 anos.

    E terminam, as ditas especificações técnicas, referindo que “as tarefas atrás indicadas serão acompanhadas pelo Município através de reuniões regulares com o Director artístico do Projecto e com outros colaboradores e da elaboração e apresentação de relatórios e memorandos escritos”, assumindo que “todos os encargos inerentes à execução do projecto que venha a ser aprovado serão da responsabilidade da entidade a contratar”.

    Além de se assumir, neste aspecto, que o ajuste directo que se pretende sustentar numa criação artística foi, na verdade, a contratação de um programador, sob a denominação de “Director artístico do Projecto”, nada nas curtas e vagas especificações técnicas do caderno de encargos se pode encontrar uma razão para a escolha da autarquia de Portimão, com dinheiros públicos, pelo programador Giacomo Scalisi.

    Recorde-se que o município de Portimão defendeu, na passada segunda-feira, que a escolha da Lavrar do Mar teve como pressupostos “o desenho e operacionalização de um programa de comemorações [que] exige que o mesmo seja acompanhado artisticamente por uma entidade de reconhecida competência no domínio da programação artística, visando assegurar a articulação entre os vários setores da produção e o acompanhamento de públicos em coerência com o programa artístico a conceber”, e também a necessidade de que a entidade escolhida possuísse “um conhecimento profundo não só de programação, mas também das companhias e artistas que possam vir a integrar o programa das Comemorações do centenário da Cidade de forma a potenciarem as interações artísticas e formativas entre os artistas e os públicos”.

    As especificações técnicas de um ajuste directo de 910 mil euros ocupa 14 linhas cheias de nada.

    E a mesma fonte oficial da autarquia liderada por Isilda Gomes salientou então ao PÁGINA UM que Giacomo Scalisi e a Lavrar o Mar seria a única entidade capaz para “colaborar, com valor acrescentado, face a outras eventuais opções [por exemplo, concurso público para se procurar alternativas de programação] , na conceção e operacionalização do projecto artístico de comemorações declinando-o através de um planeamento adequado num conjunto de tarefas de conceção, pré-produção e produção que lhe caberá, depois, coordenar”, será a entidade Lavrar o Mar”. Ou seja, para o município socialista o “serviço pretendido apenas pode ser confiado” à Lavrar o Mar, o que se mostra duvidoso face às especificidades técnicas do caderno de encargos.

    De acordo com o programa já disponível pela Câmara Municipal de Portimão, apenas dois dos espectáculos do centenário da cidade serão produzidos pela Lavrar o Mar: o primeiro, em Outubro, é do próprio Scalisi; e o outro será um espectáculo que combina dança e música da autoria da bailarina e coreógrafa Madalena Victorino, co-diectora artística da cooperativa. Dos restantes eventos, que decorrem entre Fevereiro e Dezembro de 2024, encontram-se concertos, espectáculos circenses, exposições e outros eventos com a produção executiva ou organização por outras entidades, que foram programados pela cooperativa a partir do ajuste directo.

    Uma outra evidente irregularidade deste contrato por ajuste directo está no facto de Giacomo Scalisi e a sua cooperativa – cujas contas não são públicas, ao contrário do que sucede com empresas – terem começado a trabalhar para a autarquia de Portimão, e a dar a cara publicamente pela programação do centenário da cidade, muito antes da assinatura do contrato de 910 mil euros, algo que o Código dos Contratos Públicos não permite. Com efeito, no passado 12 de Dezembro, dia da Cidade de Portimão, foi já Giacomo Scalisi o cicerone da apresentação do esboço da programação, prometendo então que haveria uma “forte presença de espectáculos de novo circo, de teatro, de música, de dança, das artes plásticas”, cuja intenção seria “construir uma ocupação progressiva da cidade de Portimão”.

    Ora, uma das cláusulas do contrato refere que este somente “produz efeito a partir da data de aposição da última assinatura”, terminando no final do presente ano. Tanto Isilda Gomes como Giacomo Scalisi assinaram o contrato na tarde do dia 26 de Fevereiro, ou seja, o director da Lavrar o Mar esteve mais de dois meses a trabalhar para a autarquia sem qualquer suporte legal.

    Saliente-se também que o caderno de encargos possui uma cláusula de sigilo e confidencialidade “sobre todos os assuntos previstos no objecto da contratação”. E acrescenta mesmo que as duas partes (autarquia e Lavrar o Mar) devem “tratar, como confidenciais, todos os documentos a que tenham acesso no âmbito do seu desenvolvimento, abrangendo essa obrigação os seus agentes, funcionários, colaboradores ou terceiros que se encontrem envolvidos na prestação de serviços ou no procedimento ao qual o mesmo deu origem”. Essa cláusula contraria, obviamente, a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Açores: SATA gasta 1,8 milhões de euros em ajuste directo de segurança ‘escondido’ durante três anos

    Açores: SATA gasta 1,8 milhões de euros em ajuste directo de segurança ‘escondido’ durante três anos


    [Nota 17:08 de 21/03/2024: por lapso, no cálculo do valor global do contrato, considerou-se o IVA de 23%; na verdade, nos Açores o IVA dos serviços é de 16%, pelo que, sendo o contrato sem IVA de 1.470.714 euros, o valor global foi de 1.7096.028,24 euros, ou seja, cerca de 1,7 milhões de euros, e não cerca de 1,8 milhões de euros (que seria com IVA a 23%. O mesmo sucede com o valor do contrato de 2017. Alteraram-se os valores no corpo do texto, que não têm relevância significativa, mas manteve-se o título por uma questão de ‘integridade’ da notícia]


    A subsidiária do Grupo STA que gere as pistas do arquipélago dos Açores escondeu, durante mais de três anos, a divulgação de um ajuste directo de 1,7 milhões de euros para serviços de segurança dos aeródromos das ilhas do Pico, São Jorge, Graciosa e Corvo. Os serviços englobavam segurança privada no âmbito aeroportuário, para os postos de controlo, de acessos de pessoas, de viaturas, de bagagens, de carga e correio e de artigos transportados, com vista à proteção de pessoas e bens, assim como à prevenção da prática de atos ilícitos contra a aviação civil.

    De acordo com o Portal Base, a SATA – Gestão de Aeroportos somente ontem, dia 19 de Março, inseriu o registo do contrato com a empresa açoriana Provise que foi celebrado em 1 de Fevereiro de 2021 – ou seja, há mais de 37 meses. Como o ajuste directo tinha a duração de 36 meses, significa que a empresa pública somente divulgou o contrato um mês depois daquele ter terminado. O Código dos Contratos Público estipula que as entidades públicas adjudicantes têm a obrigação de inserir a informação dos contratos por ajuste directo no prazo máximo de 20 dias úteis.

    white and blue airplane on airport during daytime

    Além deste atraso, e porque a administração do Grupo SATA não respondeu aos pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, ignora-se as razões para ter sido a Provise a escolhida para os serviços de segurança, uma vez que tal ocorreu após todas as candidaturas apresentadas num concurso público lançado no início de 2020 terem sido excluídas, conforme consta na fundamentação do ajuste directo de 2021.

    Saliente-se que a Provise – que também terá sido excluída do concurso público em 2020 – foi a empresa contratada por concurso público em 2017 – divulgado, neste caso, e curiosamente, apenas três dias depois da assinatura do contrato – por um prazo também de três anos, mas por um valor substancialmente mais baixo: cerca de 1,01 milhões de euros, com IVA incluído. Ou seja, o ajuste directo teve um custo de 68% superior ao do contrato de 2017, que terminou no início de 2020.

    A SATA – Gestão de Aeródromos, é uma das três subsidiárias do Grupo SATA, sendo, tal como a holding, fortemente deficitária. Em 2022 registou um prejuízo de 511 mil euros, por uma razão de ‘mercearia’: os serviços prestados nos aeroportos e aeródromos açorianos renderam uma receita de um pouco menos de 3,5 milhões de euros, mas para tal gastou-se quase 1,2 milhões de euros e mais 3,2 milhões de euros em fornecimentos e serviços externos. No ano anterior, o prejuízo foi de apenas 10.494 euros, mas por via de um subsídio à exploração de 547.117 euros do Governo Regional, que não se repetiu em 2022.

    A situação do Grupo SATA, porém, é muito pior em termos de resultados consolidados. Em 2021 e 2022 registaram um prejuízo acumulado de quase 95 milhões de euros, mas mesmo assim ‘maquilhados’ com subsídios à exploração próximos de 89,6 milhões de euros, uma parte por via do contrato de serviço público (para compensar a Tarifa Açores, que beneficia os passageiros com residência fiscal nos Açores), que só em 2022 atingiu os 28 milhões de euros, e outra grande parte por via do contrato de concessão com o Governo Regional dos Açores. Em suma, sem ajudas estatais, a transportadora aérea dos Açores apresentaria um prejuízo, em apenas dois anos, de quase 185 milhões de euros. Nesse ‘oceano’ de prejuízos, um estranho ajuste directo de 1,8 milhões esquecido durante três anos é, na verdade, uma ‘gota de água’.

    O contrato celebrado pela SATA e a Provise integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no dia 19 de Março de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.


    Ontem, dia 19 de Março, no Portal Base foram divulgados 1015 contratos públicos, com preços entre os 3,40 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Hospital da Senhora da Oliveira Guimarães, ao abrigo de acordo-quadro – e os 139.000.000,00 euros – para fornecimento, instalação, montagem e entrada em exploração de cabo de fibra ótica submarino de telecomunicações, pela Infraestruturas de Portugal, através de consulta prévia.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 20 contratos, dos quais 12 por concurso público, quatro ao abrigo de acordo-quadro, um por consulta prévia e três por ajuste-directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 25 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: SATA – Gestão de Aeródromos (com  a Provise, S.A., no valor de 1.470.714,00 euros); 11 do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (dois com a Novo Nordisk, um no valor de 606.765,60 euros, e outro no valor de 405.135,96 euros, dois com a Uniself – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, um no valor de 526.224,00 euros, e outro no valor de 323.266,14 euros, seis com a Regina – Lavandarias Industrial, um no valor de 436.506,75 euros, outro no valor de 247.924,50 euros, outro no valor de 232.417,77 euros, outro no valor de 166.956,50 euros, outro no valor de 135.539,50 euros, e outro no valor de 132.077,40 euros, e outro com a Sá Limpa – Facility Services, no valor de 197.656,26 euros); Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (com a Vantive, Lda., no valor de 492.731,25 euros); Município de Elvas (com a Fidelidade – Companhia de Seguros, no valor de 418.137,68 euros); Município de Vila Nova de Gaia (com a Toyota Caetano Portugal, no valor de 399.920,00 euros); Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil (com a Gilead Sciences, no valor de 360.000,00 euros); Câmara Municipal de Serpa (com a Monumenta – Reabilitação do Edificado e Conservação do Património, no valor de 299.413,00 euros); Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (com a Getinge Group Portugal, no valor de 215.500,00 euros); dois do Município de Cascais (um com a OG Solutions, Consultoria de Gestão, no valor de 198.750,00 euros, e outro com a Deloitte Tax – Economistas Especialistas em Fiscalidade, no valor de 123.000,00 euros); Unidade Local de Saúde de São José (com a Regina – Lavandarias Industrial, no valor de 171.480,00 euros); dois do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira (um com a Daiichi Sankyo Portugal, no valor de 134.400,00 euros, e outro com a Biogen Portugal, no valor de 126.023,66 euros); Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (com a Fresenius Kabi Pharma Portugal, no valor de 103.080,00 euros); e o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (com a Transalpino – Viagens e Turismo, no valor de 100.000,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 19 de Março

    1Empreitada de construção, instalação e entrada em exploração de cabo de fibra ótica submarino

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Alcatel Submarine Networks

    Preço contratual: 139.000.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Consulta prévia


    2Empreitada de dragagens de manutenção nos canais, bacias e docas de recreio do Porto de Lisboa

    Adjudicante: APL – Administração do Porto de Lisboa

    Adjudicatário: Dravo, S.A.

    Preço contratual: 7.816.600,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Empreitada de reabilitação de 33 habitações

    Adjudicante: Município de Coimbra

    Adjudicatário: M. Kairos – Engenharia e Construção

    Preço contratual: 4.890.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Unidade Local de Saúde de Santa Maria

    Adjudicatário: Astrazeneca – Produtos Farmacêuticos

    Preço contratual: 4.079.942,17 euros

    Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


    5Construção de edifício destinado a Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, Centro de Dia e Serviços de Apoio Domiciliário

    Adjudicante: São Pedro – Centro Social da Sobreira

    Adjudicatário: Tree Civil, Lda.

    Preço contratual: 1.996.101,19 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 19 de Março

    1 Aquisição de serviços de segurança da aviação civil nos aeródromos das Ilhas do Pico, São Jorge, Graciosa e Corvo

    Adjudicante: SATA – Gestão de Aeródromos

    Adjudicatário: Provise, S.A.

    Preço contratual: 1.470.714,00 euros


    2Aquisição de medicamentos e outros produtos farmacêuticos

    Adjudicante: Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central

    Adjudicatário: Novo Nordisk – Comércio de Produtos Farmacêuticos

    Preço contratual: 606.765,60 euros


    3Prestação de serviços de fornecimento de alimentação

    Adjudicante: Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central

    Adjudicatário: Uniself – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados

    Preço contratual: 526.224,00 euros


    4Prestação de serviços de programa de diálise peritoneal

    Adjudicante: Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira

    Adjudicatário: Vantive, Lda.

    Preço contratual: 492.731,25 euros


    5Prestação de serviços de lavagem e tratamento de roupa hospitalar e fardamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central

    Adjudicatário: Regina – Lavandarias Industrial

    Preço contratual: 436.506,75 euros


    MAP

  • Regulador confirma perda de controlo da World Opportunity Fund na Global Media

    Regulador confirma perda de controlo da World Opportunity Fund na Global Media

    Já tinha sido antecipado pelo PÁGINA UM, mas formalizou-se hoje: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) suspendeu os direitos de voto e os direitos patrimoniais ao World Opportunity Fund, que assim deixa de poder gerir, através da Páginas Civilizadas, os periódicos da Global Media, entre os quais o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias. Esta é a primeira vez que o regulador toma uma decisão desta natureza com base na Lei da Transparência, abrindo assim as portas ao anunciado desmembramento do grupo de media. Resta saber quem vai pagar, no processo, as avultadas dívidas fiscais do grupo que regressa de novo às mãos de Marco Galinha.


    Faltava o formalismo, veio hoje em reunião da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O regulador dos media deu como verificada a falta de transparência do World Opportunity Fund, Ltd. (WOF), confirmando o projeto de deliberação aprovado no passado 15 de Fevereiro que formaliza a perda de direitos de voto do fundo das Bahamas sobre a participação de 51% do capital social da Páginas Civilizadas, que detém uma participação indireta de 25,628% na Global Notícias, mas que, na prática, a controlava.

    Em comunicado, a ERC salienta que “perante a ausência de elementos ou medidas tomadas pelos interessados que pudessem pôr fim à situação identificada [a recusa do fundo em identificar os seus investidores], o Conselho Regulador deliberou prosseguir com a publicitação da falta de transparência” no seu site, implicando de imediato a suspensão do exercício dos direitos de voto e dos direitos patrimoniais” do World Opportunity Fund tanto na Páginas Civilizadas como na Global Notícias.

    O regulador destaca que a sua deliberação “do Conselho Regulador “não restringe a possibilidade de transmissão da participação” do fundo das Bahamas, “desde que, sob prova bastante […] resulte uma inequívoca sanação da situação de falta de transparência identificada. Em concreto, significa que o empresário Marco Galinha, um dos sócios minoritários da Páginas Civilizadas – e que foi o responsável por introduzir o fundo das Bahamas no negócios do Grupo Global Media, inclusive concordando com a contratação de João Paulo Fafe antes da concretização da transacção em Setembro do ano passado – tem agora ‘carta branca’ para negociar ainda melhor a recuperação do que vendeu.

    Por outro lado, saído o fundo das Bahamas – que está longe de ter criado uma situação financeira grave, já que em 2022 a Global Media terminou o exercício com prejuízos acumulados de 42 milhões de euros desde 2017 e uma dívida ao Estado que aumentou 7 milhões de euros em apenas um ano -, Marco Galinha pode agora concretizar, com despedimentos colectivos à mistura, o desmembramento dos diversos órgãos comunicação social. Resta saber quem vai ficar com a dívida ao Estado, porque nesse processo de desmembramento, se as autoridades tributárias e a ERC permitir, pode bem suceder que o Jornal de Notícias, um título ainda apetecível, fique ‘limpo’ de dívidas, ficando todo o ‘calote’ à Autoridade Tributária em títulos que, mais tarde ou mais cedo, o mercado tratará de falir, excepto, claro, se o Estado intervir para o sanear


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Chega, ou quem tem medo de saber a verdade sobre a pandemia?

    Chega, ou quem tem medo de saber a verdade sobre a pandemia?


    Não sei quantas vezes já confessei – começo a concluir ser um lamento – que sou ideologicamente de esquerda, por acreditar na bondade do Estado Social e no papel de um Estado solidário com os desfavorecidos e promotor da igualdade de oportunidades numa lógica distributiva e equitativa. O mercado tem falhas, e aceito a existência de uma entidade ‘suprema’ que nos preste esse serviço a troco de impostos ou da produção de bens.

    Mas também já me vejo, vezes de mais, em demasia, frustrado com uma certa Esquerda que, tendo tido oportunidade de aplicar esses princípios do Estado Social, criou uma rede clientelar, promíscua e corrupta (moral e material), e acha agora, com um despudorado desplante, que os cidadãos são obrigados, agradecidos por cinco décadas de ’25 de Abril’, a continuar a gritar loas à Democracia que se deixou apodrecer, e ameaça que nos tornaremos todos fascistas, xenófobos, estúpidos e burros se olharmos para os apelos e acenos de partidos populistas.

    grayscale photo of man wearing goggles

    Saibamos que o crescimento dos partidos populistas – mais do que um sinal de uma direita verdadeiramente xenófoba (que a há, e deve ser atacada por via legal) – pode advir de uma falsa, ou fátua, luz de esperança que surge perante mentes influenciáveis. Porventura, e permitam o dichote, políticos como Ventura e partidos como o Chega serão uma desilusão, mas hoje tornam-se, em muitos aspectos da vida em sociedade, a nossa única esperança (em castelhano, esperança diz-se ilusión), porque antes deles, tivemos todos os partidos ‘tradicionais’ que nos foram iludindo, e nos acabaram por meter num país de desilusões, e de desiludidos deprimidos.

    No âmbito da pandemia, como cidadão e jornalista, através do PÁGINA UM, tenho procurado, não sozinho mas com pouquíssimo meios – porque a independência em Portugal não granjeia mecenas com milhões para apostar numa imprensa verdadeiramente livre –, confrontar os poderes instalados, o status quo, e abrir brechas em instituições públicas e privadas, denunciando irregularidades, ilegalidades e promiscuidades. Não com escritos populistas, nem com manipulações nem com as famigeradas fake news. Mas com artigos baseados em dados científicos, e sobretudo em pedidos incessantes que, em diversos casos, foi até onde se pode quando a Administração Pública é obscura e defende interesses não-públicos: os tribunais administrativos.

    Valeu-me isso, além de uma corja de haters – que agora até já gastam minutos a usar o ChatGPT para compor supostos enredos de minhas caricaturas –, já três processos em tribunal a aguardar julgamento, dois processos disciplinares na amoral Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e umas quatro abjectas deliberações censórias da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Ossos do ofício. Até porque apesar de isto se fazer, ao velho e conhecido método SLAPP, tudo está bem para a a imprensa mainstream, que nada diz – até acho que acha bem, porque não morre de amores pelo PÁGINA UM, por mor das denúncias das suas promiscuidades e comprometimentos bem aceites pela ERC e pela CCPJ, apesar das aparências.

    André Ventura, líder do Chega, anunciou que, com a nova bancada reforçada na Assembleia da República, irá forçar a criação de uma comissão de inquérito à gestão da pandemia em Portugal.

    Este Editorial vem, assim, a propósito de uma minha derradeira esperança (ou ilusão) que deposito – e custa-me imenso admitir – no anúncio de André Ventura e do Chega em lançar, na próxima legislatura, um inquérito parlamentar à gestão da pandemia, tanto do ponto de vista da Saúde Pública como da Economia (um pleonasmo, porque não há Saúde sem meios financeiros). É bom recordar que o Chega já tentara a formação dessa comissão parlamentar no final do ano passado, mas ‘chumbada’ pela generalidade dos partidos (excepção à Iniciativa Liberal, porque, segundo a então maioritária bancada socialista “a sua aprovação apenas contribuirá para minar a credibilidade das instituições parlamentares”, defendendo que o Governo gastou “o dinheiro que foi preciso para salvar vidas”. Também convém recordar – e também não esquecer a ideia obtusa e racista de Ventura em criar uma ‘cerca sanitária’ às comunidades ciganas em Maio de 2020, no início da pandemia – que o Chega assumiu a intenção de criar uma comissão de inquérito, agora reforçada, em Janeiro passado, em plena campanha eleitoral.

    Sinceramente, sobre a verdade na pandemia, não me interessam ideologias – pelo contrário, causam viés –, mas sim as intenções. Quero recordar que a pandemia da covid-19 foi a maior crise sanitária – e não apenas por causa do vírus – e a maior crise social das últimas décadas, que desencadeou uma galopante inflação (se bem que ‘detonando’ a partir sobretudo de 2022). E não pode ser esquecida para que volte tudo a repetir-se, e em pior grau se avançarem as regras do novo Tratado Pandémico, que pretende transferir soberanias para uma obscura Organização Mundial de Saúde (sequestrada por interesses farmacêuticos e fundações ‘cheias de boas intenções’) num sistema similar ao modelo chinês, onde o bem do formigueiro, ditado por uma elite, se sobrepõe sem pestanejar ao direito da formiga.

    Mais do que uma gestão de uma crise sanitária, a pandemia abriu um mundo de oportunidades de dinheiro fácil e sem controlo. A alegada urgência e a especulação alimentada por ‘peritos’ comprometidos permitiu negociatas e promiscuidades – de que, aliás, o PÁGINA UM tem tratado -, um sem-número de atropelos constitucionais às liberdades e garantias, e pior do que tudo isto, criou-se um manto de silêncio, promovido por uma vergonhosa imprensa – prostituída (é esse o termo) aos dinheiros das farmacêuticas (as provas são tantas, porque se faz sem pudor) -, por uma Administração Pública de gestores sem ética (que escondem e manipulam informação, de forma hipócrita) e por uma Justiça com problemas de independência. Depois de se andar a contar ao minuto as mortes supostamente causadas pelo SARS-CoV-2 – nem sequer causando espanto que em Janeiro de 2021 se tivesse atribuído cerca de 40% das mortes totais à covid-19, um evidente exagero face ao histórico da doença –, a ausência de respostas sobre um excesso de mortalidade pós-covid, e a ausência de perguntas da imprensa, é uma vergonha para uma Democracia. Faz lembrar as cheias de 1967 durante o Estado Novo, quando nem se soube ao certo o número de vítimas.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde durante os anos da pandemia, foi o maior obstáculo ao acesso à informação.

    Confesso, e isto depois de dois anos de trabalho com sete intimações nos tribunais administrativos: sinto-me, como cidadão e jornalista sedento de informação e de verdade, cansado de remar, não contra a maré, mas contra uma parede quase inquebrantável – e, por isso, o inquérito parlamentar anunciado pelo Chega parece-me um bálsamo, uma esperança – a minha ilusión.

    Faço esta declaração com um grande pesar (até ideológico), porque, ao longo dos últimos dois anos, eu e o PÁGINA UM – contra ataques soezes e a passividade absoluta e comprometida da generalidade da imprensa mainstream – procurámos exercer, dentro dos direitos e instrumentos de cidadania que uma Democracia nos fornece, uma das funções elementares do Jornalismo: obter informação em bruto sobre a pandemia para a analisar e fazer notícias. Não é para isto que serve a Imprensa?

    Batemos às portas de instituições, sempre fechadas, e mesmo da Justiça – e, até agora, em sete processos de intimação associados directa ou indirectamente com a pandemia, mesmo com supostas vitórias em tribunal, tudo englobado temos apenas uma ‘mão-cheia de (quase) nada’.

    Uma ‘mão-cheia de (quase) nada’ no meio de processos supostamente urgentes, mas que se prolongam por dois anos nos tribunais administrativos, fruto de subterfúgios e mentiras da Administração e perante, em alguns casos, juízes que aparentam estar tecnicamente impreparados sobre o que são bases de dados e sobre a própria aplicação do Regulamento Geral de Protecção de Dados, que hoje constituiu o mais apetecível álibi da Administração Pública para se esconder informações sensíveis.

    Vejam, em baixo, uma pequena resenha daquilo que o PÁGINA UM tem feito – e o muito pouco que tem conseguido, mesmo se gastámos – com o advogado Rui Amores, que tem intervindo em dezenas de requerimentos – e do que tem conseguido. Por isso, o inquérito parlamentar do Chega é, na verdade, de uma importância vital, até para obrigar os restantes partidos a esclarecerem-nos se a verdade, e a sua busca, é coisa de somenos importância numa Democracia plena.

    man and woman sitting on bench facing sea
    Portugal foi um dos poucos países europeus que intencionalmente escondeu informação sobre a efectiva situação dos lares de idosos, ignorando-se quantas pessoas aí morreram de covid-19 e de outras doenças.

    1 – Em 20 de Abril de 2022, o PÁGINA UM intentou uma intimação para acesso ao Portal RAM, uma base de dados sobre reacções adversas de medicamentos gerida pelo Infarmed para aceder à informação sobre as vacinas contra a covid-19 e o antiviral remdesivir. Num rocambolesco processo no Tribunal Administrativo, onde a juíza chegou a recusar aceitar documentos que provavam as mentiras do Infarmed e a anonimização dos dados, o recuso à sentença (saída no dia 8 de Março de 2023), anda a marinar no Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) há mais de um ano. De acordo com o registo da distribuição dos processos, apenas em 26 de Fevereiro passado, o recurso foi distribuído à desembargadora Joana Matos Lopes Costa e Nora. Os processos de intimação são considerados urgentes, mas este caso percorre tribunais administrativos há 23 meses.

    2 – Em 27 de Maio de 2022, o PÁGINA UM interpôs uma intimação contra a Direcção-Geral da Saúde para acesso a duas bases de dados – o Sistema de Informação de Certificados de Óbito (SICO) e o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) –, e a diversa informação epidemiológica associada à pandemia, entre as quais incidência e mortalidade nos lares de idosos, taxas de letalidades em função das variantes, infecções nosocomiais em unidades hospitalares, pareceres e actas das reuniões da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19. Num processo rocambolesco, a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa indeferiu a generalidade dos pedidos, considerando em alguns casos que a informação tinha sido dada (quando claramente não foi), noutros que a informação detinha demasiados dados nominativos (sem explicar o que é demasiado, quando os dados até são anonimizados), noutros assumiu que os processos estavam ainda em curso. O único pedido deferido foi o acesso às actas da CTVC, mas a DGS assumiu que estas, afinal, não existiam, o que constitui uma ilegalidade de funcionamento. O PÁGINA UM apresentou um recurso da sentença saída em 30 de Setembro de 2022, mas este apenas foi distribuído no TCAS à desembargadora Marta Cação Rodrigues Cavaleira este ano, no passado dia 17 de Janeiro. Se descontarmos o tempo do primeiro pedido do PÁGINA UM, ainda antes do seu nascimento formal em Dezembro de 2021 e mesmo o período de emissão de pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, decorreram quase 22 meses a decidir um processo considerado urgente.

    hospital bed near couch
    Portugal possui uma das melhores bases de dados mundiais (o SICO) para apurar as causas de morte, em tempo real, que permitiria identificar rapidamente os desvios e situações anómalas. Apesar de possibilitar a anonimização, o Ministério da Saúde nunca disponibilizou os dados em bruto a entidades independentes para se investigar o excesso de mortalidade em algumas faixas etárias.

    3 – Em 4 de Junho de 2022, o PÁGINA UM solicitou ao Ministério da Saúde acesso a documentos relacionados com a pandemia trocados entre esta entidade e diversas entidades nacionais e internacionais, listadas no requerimento, nomeadamente a Direcção-geral da Saúde, o Infarmed, as Administrações Regionais de Saúde, a Presidência da República, empresas farmacêuticas, a Comissão Europeia e a Agência Europeia do Medicamento. Em suma, pretendia-se analisar os arquivos da pandemia. A intimação foi indeferida, considerando que o pedido era manifestamente excessivo, abusivo e inexequível.

    4 – O processo de intimação sobre a Administração Central do Sistema de Saúde é o caso mais absurdo. Começou após esta entidade ter retirado do Portal da Transparência do SNS a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar em Agosto de 2022, logo após o PÁGINA UM ter escrito um conjunto de artigos de investigação sobre os internamentos e a gestão das unidades de saúde durante a pandemia. O PÁGINA UM requereu não apenas a reposição dessa base de dados como também o acesso a uma base de dados fundamental para a aferir os internamentos hospitalares: a base de dados dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH) – e teve de recorrer a uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa em 19 de Agosto de 2022. Em 24 de Novembro desse ano, uma sentença deste tribunal deu razão ao PÁGINA UM. A ACSS recorreu e perdeu no TCAS em acórdão de 4 de Janeiro de 2023. A ACSS voltou a recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, que manteve a decisão favorável ao PÁGINA UM em acórdão de 1 de Junho de 2023. Mesmo assim a ACSS foi procrastinando o acesso alegando a necessidade de anonimizar uma base de dados que não contém, per si, dados nominativos por estarem anonimizados. E tem procurado todos os subterfúgios em sede de execução de sentença (intentada pelo PÁGINA UM em 20 de Julho do ano passado) para evitar o cumprimento de uma sentença e dois acórdãos, suscitando uma infindável argumentário para levar a crer ao tribunal administrativo que pode manipular e mutilar uma base de dados de sorte a torná-la inútil. O mais recente episódio desta ‘novela’ surgiu em finais de Fevereiro deste ano, quando o novo juiz do processo, em substituição da anterior – que subiu para o TCAS – solicitou que o PÁGINA UM o informasse, apesar de estar tudo no processo, se a ACSS tinha cumprido a sentença e os dois acórdãos. Este caso é exemplar da atitude da Administração Pública: uma sentença e dois acórdãos depois, e transcorridos 19 meses, não se cumpre o determinado pelos tribunais, esperando-se uma desistência (por cansaço) ou a decisão de um juiz mais ‘simpático’.

    Marta Temido (ex-ministra da Saúde) e Victor Herdeiro (presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, ACSS), terceiro e quarto a contar da esquerda. Não foram apenas companheiros durante três mandatos na Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares; também fizeram um dueto em esconder e manipular informação durante a pandemia. A ACSS, mesmo depois de uma sentença e dois acórdãos desfavoráveis, mantém a recusa em fornecer acesso a uma base de dados anonimizada dos internamentos hospitalares.

    5 – Em 1 de Setembro de 2022, após a recusa do presidente do Instituto Superior Técnico (IST) em ceder os relatórios de previsão sobre a evolução epidemiológica, claramente alarmistas e de cientificidade muito duvidosa, o PÁGINA UM apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa. Por sentença de 27 de Janeiro de 2023, a juíza deu razão ao PÁGINA UM, mas em vez de se debruçar sobre todos os relatórios, conforme solicitado, apenas se pronunciou sobre o último relatório do IST, o que suscitou recurso de ambas as partes. O processo apenas subiu para o TCAS em Maio de 2023, mas depois esteve a marinar mais uns meses: apenas foi distribuído ao desembargador Marcelo da Silva Mendonça no passado dia 26 de Fevereiro. Apesar de ser um processo considerado urgente, esta intimação corre nos tribunais administrativos há já mais de 18 meses.

    6 – No último dia do ano de 2022, o PÁGINA UM apresentou uma intimação contra o Ministério da Saúde para acesso à totalidade dos contratos entre a DGS e as farmacêuticas para a compra de vacinas contra a covid-19. Quatro desses contratos encontravam-se inseridos no Portal Base, mas foram retirados depois da intimação do PÁGINA UM por ordens do Ministério da Saúde. No decurso do processo, o Ministério da Saúde, após ter, de forma patente, mentido ao Tribunal Administrativo de Lisboa, acabou por suscitar a eventual incompetência do direito nacional em dirimir esta questão, alegando que os contratos de compra pela DGS se encontram inseridos nos acordos secretos entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas. A decisão em primeira instância pela juíza do processo ainda não foi tomada mais de 12 meses depois do início, mesmo se as intimações desta natureza são consideradas urgentes.

    7 – Em 18 de Dezembro de 2023, o PÁGINA UM intentou uma intimação contra a Ordem dos Médicos para, entre outros documentos, o acesso a dois pareceres do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos de Agosto e Outubro de 2021 relacionados com a vacinação contra a covid-19 em menores de idades, que tinham sido ocultados pelo anterior bastonário Miguel Guimarães, eleito agora deputado pelo PSD. Uma sentença de 21 de Fevereiro deste ano determinou que a Ordem dos Médicos teria de facultar o acesso aos pareceres, mas até agora o actual bastonário, Carlos Cortes, não cumpriu a sentença.

    Vejamos se, com o inquérito parlamentar do Chega – e espero que com o apoio da generalidade dos deputados dos diversos quadrantes políticos e ideológicos –, estes impasses informativos se dissolvem, porque será essencial para o apuramento de uma verdade necessária para a Democracia. O silêncio e o encobrimento nunca enobrecem uma Democracia. E se o Chega está mesmo com boas intenções – a intenção de saber a verdade – e não quer ser um mero partido populista (que implode num próximo processo eleitoral), tem aqui um belo teste para a sua renovada bancada. Estejamos atentos, e esperançosos de que não sairemos desiludidos. E atento ao resto das suas políticas, na mesma linha de ‘fiscalização’ que merecem os demais.


    Caso queira fazer um donativo dirigido em exclusivo ao FUNDO JURÍDICO, que tem financiado os processos de intimação do PÁGINA UM nos tribunais administrativos, utilize preferencialmente a plataforma do MIGHTYCAUSE. Se preferir usar outros meios, pode assim recorrer mas agradecíamos um aviso para procedermos ao depósito na plataforma. Se necessitar de esclarecimentos, escreva-nos para geral@paginaum.pt. A gestão das verbas do FUNDO JURÍDICO, ao contrário das verbas destinadas à actividade do jornal (geridas pela Página Um, Lda.), é da minha inteira responsabilidade, de modo a serem consideradas donativos (e não receitas ou rendimentos), o que se mostra mais favorável contabilisticamente para o jornal.  


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt