Autor: Pedro Almeida Vieira

  • 29 milhões de euros em cinco anos: INEM banalizou ajustes directos

    29 milhões de euros em cinco anos: INEM banalizou ajustes directos

    Desde Julho de 2019, quase 29 milhões de euros foram gastos através de ajustes directos, apenas contabilizando os 76 contratos acima de 100 mil euros – assim foi a gestão do INEM, que vive sobretudo de taxas relativas aos seguros pagos pelos portugueses. Apesar de o mais recente ajuste directo – para a contratação de quatro helicópteros de emergência médica no valor de 12 milhões de euros – ter também como responsável o Governo anterior, certo é que o INEM, através do demitido presidente, Luís Meira, foi banalizando o recurso aos contratos de ‘mão-beijada’, beneficiando sistematicamente as mesmas empresas, sobretudo na gestão da frota, seguros, compra de viaturas e segurança. Neste último caso, a relação do INEM com a Prestibel já vem de muito longe, e tem contornos de escândalo: na última década, as duas entidades celebraram meia centena de contratos, sendo apenas dois por concurso público. Por sistema, nas ‘barbas’ do venerando Tribunal de Contas, os ajustes directos invocam a “urgência imperiosa”, que, em alguns períodos, durou anos.


    Nos últimos cinco anos, o uso de ajustes directos pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) banalizou-se. A concretização de mais um destes contratos, assinado na sexta-feira passada pelo demitido presidente Luís Meira, desta vez para não deixar o pais sem helicópteros de assistência médica, constitui apenas mais um dos 76 ajustes directos de montante relevante (acima dos 100 mil euros) celebrados nos últimos cinco anos. No total, desde Julho de 2019 até hoje, para esta tipologia, os ajustes directos atingiram quase 39 milhões de euros, superando largamente os contatos após concurso público (20 milhões de euros) e aqueles celebrados no âmbito de acordos-quadro (13 milhões de euros).  

    De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, uma parte muito significativa dos ajustes directos foi realizada no último ano e meio, por causa do aluguer dos helicópteros de emergência. Com efeito, em Agosto de 2018, o INEM tinha feito com contrato por concurso público com a Babcock por 38,75 milhões de euros, que veio a terminar em Dezembro do ano passado, representando um custo a rondar os 650 mil euros por mês. Mas por vicissitudes várias, o INEM mostrou-se incapaz de concluir novo concurso público ao longo do ano passado. Resultado: no antepenúltimo dia de 2023, o INEM fez um ajuste directo com a Babcock por 6 milhões de euros, mas apenas por seis meses, com um custo substancialmente superior ao contratos anterior, ou seja, um milhão de euros por mês.

    Com as propostas dos dois concorrentes abaixo de preço-base (54 milhões de euros), o concurso público lançado acabou anulado, e, deste modo, na iminência de ficar sem helicópteros de emergência, Luís Meira celebrou na sexta-feira passada um novo ajuste directo, desta vez com a empresa Avincis Aviation por 12 milhões de euros durante um ano, mantendo assim o valor mensal de um milhão de euros.

    Se os helicópteros marcam, também pelo montante, o peso dos ajustes directos nos últimos cinco anos de Luís Meira à frente do INEM, também a gestão da frota de ambulância e outros veículos foi um maná de ajustes directos, também sem explicação plausível. Sendo certo que finalmente se celebrou um contrato, com a empresa Kinto, do Grupo Toyota, após um concurso público internacional há cerca de dois meses – e que entrou em vigor em Junho, prolongando-se até Fevereiro de 2026, com um custo de quase 7,2 milhões de euros (sem IVA) –, o INEM só o fez depois de somar 10 ajustes directos consecutivos.

    Todos estes ajustes directos tiveram como beneficiário a empresa que agora ficou com o contrato. Os montantes envolvidos nesses ajustes directos não foram pequenos: entre 2022 e este ano, a Kinko recebeu em ajustes directos mais de 6,3 milhões de euros. No segundo semestre de 2019 e em 2020, esta empresa – então sob a denominação de Finlog – recebeu ajustes directos de 2,5 milhões de euros.

    Também os sucessivos ajustes directos para pagamento de licenças, actualizações e apoio técnico do Sistema Integrado de Atendimento e Despacho de Emergência Médica (SIADEM) – que entrou em funcionamento em 2009 nos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) – tem sido uma ‘renda’ apetecível para a empresa Integraph. Em contratos no sector informático, o mais difícil é ganhar o contrato de softaware, porque depois surgem rendimentos anuais. Nos últimos cinco anos, desde Julho de 2019, contabilizavam-se quase 3,2 milhões de euros. Mas desde 2009, esse montante já se aproxima dos 6 milhões de euros.

    Um outro importante fornecedor – e beneficiário – de serviços ao INEM por ajustes directos é a Fidelidade. Desde Julho de 2019, com Luís Meira a companhia de seguros garantiu 16 contratos de ‘mão-beijada’ no valor total de 3,3 milhões de euros. Na generalidade dos casos, usa-se o ‘esfarrapado’ – que o Tribunal de Contas continua a deixar passar incólume – da “urgência imperiosa”.

    Com efeito, não se compreende como podem existir sucessivos ajustes directos recorrendo sempre à mesma adjudicatária (beneficiada) alegando uma norma do Código dos Contratos Públicos que apenas permite ajustes directos “na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. Não lançar atempadamente concursos públicos é, por regra, algo que é imputável às entidades públicas, pelo que jamais poderiam usar esta norma para justificar tantos ajustes directos sucessivos.

    Beneficiários e valores (em euros) dos contratos celebrados pelo INEM por ajuste directo superiores a 100 mil euros desde Julho de 2019 até hoje. Fonte: Portal Base.

    Ainda acima de um milhão de euros, a SIVA conseguiu garantir a venda, através de quatro ajustes directos, de 34 Viaturas Médicas de Emergência a Reanimação (VMER) e duas outras viaturas, amealhando 1,6 milhões de euros desde o segundo semestre de 2019. Em todo o caso, o uso de contratos de ‘mão-beijada’ entre o INEM e a SIVA já foram muito mais florescentes: em 2008 e 2009, durante o Governo Sócrates, foram adquiridas por ajuste directo 168 VMER ao preço de 8,6 milhões de euros. E acrescente-se que a um preço unitário (52 mil euros) superior ao das recentes compras.

    A fechar o leque das empresas com mais de um milhão de euros de facturação com ajustes directos está a Prestibel, uma empresa de segurança, um sector onde os contratos de ‘mão-beijada’, mais uma vez sem intervenção do Tribunal de Contas, são recorrentes e frequentes. E usando um estratagema habitual: intercalando ajustes directos surge um contrato celebrados após um concurso público de curta duração.

    A relação comercial do INEM com a Prestibel é, aliás, paradigmática de um abuso evidente na opção pelos ajustes directos, que trespassa grande parte das entidades públicas, afectando não apenas a livre concorrência (prejudicando empresas concorrentes) como sendo uma ‘porta aberta’ à corrupção e à má utilização de dinheiros públicos, uma vez que os ‘acertos’ contratuais se fazem à porta fechada.

    De acordo com o Portal Base, de entre os últimos 50 contratos entre o INEM e a Prestbel, com início em 2014, alguns dos quais com duração de um mês, apenas dois foram por concurso público, mas de curta duração: o primeiro para os nove últimos meses de 2021 e o segundo para os nove últimos meses do ano seguinte. Não se consegue entender os motivos para uma entidade que necessita quotidianamente de serviços de segurança opta por concursos públicos com tão poucos meses de duração, dificultando depois a logística para novos concursos.

    Assim, a Prestibel teve direito a 48 ajustes directos entregues pelo INEM, sem qualquer concorrência – que existe e é muita, tanto assim que no concurso de 2022 houve 12 candidatos. Em todos estes ajustes directos – o último dos quais, por 144 mil euros, foi assinado em Maio por dois meses –, se invoca a urgência imperiosa. Imperiosa e urgente, na verdade, será uma investigação sobre a facilidade com que gestores públicos aplicam as excepções do Códigos dos Contratos Públicos, passando-as como regra.


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  • PÁGINA UM: um novo modelo para se financiar

    PÁGINA UM: um novo modelo para se financiar


    Há uma semana, de forma discreta, o PÁGINA UM fez dois anos e meio. Trinta meses. No decurso desta sua curta vida, julgo que temos marcado, em Portugal, o paradigma do jornalismo absolutamente independente num contexto de descredibilização e de profunda crise de valores (e crise financeira) da imprensa mainstream.

    O projecto jornalístico do PÁGINA UM nasceu de uma ideia quase utópica num mercado nacional de pequena dimensão: fazer um jornalismo independente, irreverente e incómodo, com acesso completamente livre e vivendo apenas de donativos dos leitores.

    Mesmo com esta fasquia radical, fizemos em 30 meses um trabalho de que, sem falsas modéstias, nos podemos orgulhar, incluindo a nossa luta pela transparência da Administração Pública, sobretudo por ter sido feito por uma equipa de três jornalistas profissionais, até ao início deste ano, e agora apenas com dois.

    Nestes 30 meses ‘aprendemos’ ( e eu em particular, porque tenho garantido a manutenção de notícias e outros conteúdos, incluindo trabalho em fins-de-semana e curtas férias) há limites humanos e financeiros na nossa acção se o PÁGINA UM mantiver uma postura irredutível no exclusivo apoio financeiro por parte dos seus leitores.

    Ao fim de dois anos e meio, o PÁGINA UM, através da sua empresa gestora (criada em Abril de 2022), conseguiu angariar dos seus leitores cerca de 100 mil euros (um pouco menos de 43 mil em 2022; e 56 mil no ano passado). Foi com este dinheiro que sustentámos não apenas o trabalho jornalístico como os gastos operacionais decorrentes de um jornal digital com periodicidade diária, tendo contado, também, com muito trabalho pro bono de diversos colaboradores. Não houve um único dia sem novas notícias e novos conteúdos. Mas muito ficou por publicar não por falta de coragem, mas apenas por falta de tempo face às restrições humanas e financeiras.

    Ao fim destes dois anos e meio, o PÁGINA UM conseguiu, fruto de uma gestão muito rigorosa, (pequenos) saldos positivos nas suas contas dos anos de 2022 e de 2023. Não pedimos empréstimos (nem um euro) e o nosso passivo é virtualmente zero (aquele que consta nos balanços são contribuições que acabaram pagas no mês seguinte ao encerramento das contas). Mas isso vale de pouco. O PÁGINA UM está num impasse financeiro: queremos fazer muito mais, mas é humanamente impossível por falta de recursos. Não entraremos em falência (muito longe disso), mas também as perspectivas de crescimento no actual modelo de negócio são escassas, quando se tem um orçamento mensal que, em muitos meses, não atinge sequer os 5.000 euros. Este valor mensal é ridículo – na esmagadora maioria dos principais órgãos de comunicação social é inferior ao que ganha apenas o director.

    Vista da actual redacção do PÁGINA UM.

    Por isso, assumindo o risco de imagem, e conscientes de que os leitores que actualmente nos financiam são os melhores leitores que um jornal pode ter – valorizam o nosso trabalho, mesmo com acesso livre –, julgamos que temos provas dadas de independência que nos permite, colocando-nos sempre à prova, arriscar passar a abrir a possibilidade de receber donativos de empresas e entidades empresariais. Obviamente, reservando sempre o direito de recusa.

    Esse eventual aumento de receitas será crucial não apenas para optimizarmos as nossas instalações – que estão, neste momento, subaproveitadas por não termos capacidade financeiras de ter mais jornalistas nem dar eventual formação a estagiários – como também ‘aliviar’ o meu trabalho para outras actividades e para outras tarefas de investigação mais aprofundada.

    Sabemos que essa abertura a donativos empresariais representa perigos de imagem e de credibilidade ao PÁGINA UM, mas também sabemos que é no quotidiano que demonstramos a nossa isenção e independência. Por esse mesmo motivo, decidiu-se que os donativos empresariais passam a estar acessíveis, mas apenas em condições especiais.

    Primeiro, cada empresa ou entidade privada pode conceder, em condições normais, um máximo de 500 euros por semestre, sendo que valores superiores carecem sempre de uma publicitação da sua existência, com a identificação da entidade e do montante e de uma declaração da inexistência de qualquer contrapartida, ou seja, as verbas doadas não se destinam a cobrir (ou a não cobrir) uma determinada área. As empresas e entidades privadas estão também impedidas de usar os donativos ao PÁGINA UM como forma de marketing.

    two human hands painting

    O PÁGINA UM manterá o acesso livre aos conteúdos do jornal, a ausência de publicidade ou de parcerias comerciais e a recusa de aceitação de apoios financeiros do Estado (ou das autarquias ou ainda de empresas públicas).

    Independentemente do sucesso desta ‘proposta’ do PÁGINA UM, continuamos a contar com os apoios financeiros imprescindíveis dos nossos leitores – sem os quais não poderíamos existir.  E garantimos que não ‘venderemos a alma ao diabo’: na véspera de uma ‘concessão editorial’ por razões financeiras, garanto aos leitores (e aos detractores), o PÁGINA UM fecha. Mas esse dia, se existir, ainda estará muitíssimo longe, vos garanto.


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  • Governo paga salários milionários a consultores da Ernst & Young

    Governo paga salários milionários a consultores da Ernst & Young

    Uma das mais conhecidas consultoras internacionais, a Ernst & Young – ou simplesmente EY – tem muitos motivos para sorrir, e mais ainda para rir: está a facturar como nunca em contratos com entidades públicas. No primeiro semestre de 2024, a ‘máquina registadora’ já superou mais de 4 milhões de euros em contratos públicos, quase tanto quanto todo o ano passado. O trabalho tem estado agora concentrado sobretudo na gestão de projectos associados ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), como é o caso do ajuste directo assinado anteontem com o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN). Através de um ‘estratagema’ que ainda tem de ser validado pelo Tribunal de Contas, a EY vai receber de ‘mão-beijada’, em apenas quatro meses, um total de 350 mil euros por prestação de serviços, o que resulta num ‘salário’ médio por consultor a tempo inteiro de 16 mil euros por mês. As relações políticas com esta consultora vêm de longe, mas consolidaram-se com o actual Governo: o próprio ministro da Economia, Pedro Reis, nem se importou este mês de participar num vídeo institucional da própria EY.


    O Governo contratou por ajuste directo, através do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), a consultora Ernst & Young (EY) para controlar e monitorizar um dos programas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que visa promover a transição digital na componente de justiça económica e ambiente de negócios. O ajuste directo, no montante total (com IVA) de 350.697,60 euros, tem uma vigência de apenas quatro meses, servindo para pagamento a quatro consultores a tempo inteiro e a dois consultores seniores a 75% do tempo – ou seja, dará um pagamento médio mensal por consultor de quase 16 mil euros.

    Para um ajuste directo de montante tão elevado – e que necessita ainda de visto do Tribunal de Contas –, o IRN usou um dos mais estapafúrdios esquemas para contornar um concurso público, que implicaria concorrência indesejável à EY e a formação de um preço justo: a urgência imperiosa. Com efeito, de acordo com o contrato assinado anteontem, fundamentou-se o ajuste directo por “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante”, neste caso pelo INR, e simultaneamente por não ser possível cumprir os prazos inerentes aos demais procedimentos. Mas isso também só pode ser invocado se as circunstâncias “não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.

    O ministro Pedro Reis ao lado de Rosália Amorim, directora de marketing da EY, este mês, num evento na sede da consultora. Foto: EY (Facebook)

    Ora, não apenas o PRR já há muito está em fase de implementação, mas longe de estar concluído, como, no caso concreto da principal tarefa agora a desenvolver pelos consultores da EY – “controlo e monitorização, em articulação com o IRN, I.P., do programa da componente C18 [relativo à] Justiça Económica e Ambiente de Negócios no âmbito do PRR e dos projetos associados” –, as actividades estavam já concretamente previstas desde Fevereiro de 2021, ou seja, há mais de três anos. Por outro lado, teria de ser provado que a entidade pública não teria capacidade, com os seus meios humanos, de executar as tarefas.

    Além de apoios à transição digital nos tribunais e nos processos de recuperação de créditos, recuperação de empresas e de insolvência, também desde 2021 estavam previstas intervenções no âmbito do PRR nas área do IRN, designadamente o desenvolvimento do sistema de informação Empresa 2-0, uma nova plataforma englobando a criação, gestão e encerramento de empresas, e o e-Residency, destinada a empresas estrangeira que tenham o propósito de estabelecer sede em Portugal. A plataforma Empresa 2.0 até já teve a sua primeira versão lançada há mais de um ano, em Maio de 2023.

    De acordo com o caderno de encargos deste ajuste directo, a EY vai fazer basicamente trabalho que, em princípio, poderia ser desenvolvido por técnicos próprios da Administração Pública, o que permitiria não apenas poupanças ao erário público mas também evitaria a transferência de informação para uma consultora que trabalha sobretudo para o sector privado. Com efeito, de entre as tarefas dos seis consultores – ou ‘cinco e meio’, uma vez que os seniores estarão a 75% do tempo efectivo – está a conceção ou revisão da metodologia de gestão, acompanhamento e controlo de programas e projetos no IRN, assim como a implementação e utilização de ferramentas ou aplicações informáticas associadas a essa função, bem como a elaboração de diversos relatórios.

    Evolução dos montantes (em euros) dos contratos públicos da EY desde 2009 por data de celebração. Valores de 2024 dizem respeito aos contratos já publicitados até 26 de Junho. Fonte: Portal Base.

    Existem também tarefas bastante ambíguas no caderno de encargos – ou mesmo ‘esotéricas’ por não terem um significado concreto – como seja “promover uma dinâmica de permanente colaboração e interação entre as diversas unidades orgânicas do IRN, I.P., com os restantes organismos do Ministério da Justiça e eventualmente de outras entidades envolvidas no âmbito da execução do PRR”.

    Noutros casos, aparentemente, os consultores da EY serão ‘espiões’, uma vez que ficam responsáveis pelo “desenho dos fluxos de processos, mapeamento das jornadas dos utilizadores (cidadãos e trabalhadores do IRN) e a especificações funcionais e desenho da experiência associados aos processos transversais aos diferentes ciclos de vida, designadamente Gestão de Utilizadores, Reporting, Notificações e Agendamentos, entre outros, essenciais para dotarem as equipas de desenvolvimento de Sistemas”.

    A facilidade com que as empresas de consultadoria ‘entram’ na acção administrativa e governativa causou recentemente uma pequena celeuma política quando o Ministério da Saúde contratou uma consultora para a auxiliar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde, tendo o PÁGINA UM revelado que a IQVIA estabelecera 54 contratos durante os Governos Costa.

    No caso da EY, o ano de 2024 tem sido de ouro, com muito euro da Administração Pública à mistura. Até este mês, e apenas para os contratos já publicados até hoje no Portal Base a EY já garantiu de entidades públicas contratos no valor de 4,1 milhões de euros, destacando-se o contrato de quase 2,7 milhões de euros (neste caso ganho em concurso público) celebrado com o Instituto de Informática para aquisição de serviços de implementação e subscrição SAAS para a Plataforma Integrada de Gestão do Risco. Note-se que 14 dos 21 contratos obtidos pela EY foram de ‘mão-beijada’, incluindo mesmo um que teve como objectivo o “apoio à realização da ‘Avaliação do Risco de Fraude e Medidas Antifraude Eficazes e Proporcionais’ no âmbito dos projetos de financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”, o que se mostra, no mínimo irónico e absurdo.

    O desempenho da EY tem-se reforçado com o actual Governo, contando já com 12 contratos, e ainda recentemente o ministro da Economia, Pedro Reis, participou no evento e disponibilizou-se mesmo para gravar um vídeo institucional para a consultora. O primeiro semestre deste ano perspectiva assim uma facturação com a Administração Pública bem superior ao ano passado. Nos 12 meses de 2023 cifrou-se nos 4,6 milhões de euros. Este valor já suplantava qualquer um dos anos anteriores. Antes de 2018, a facturação da EY em contratos com a Administração Pública não chegava ao patamar anual de um milhão de euros.

    Em simultâneo ao ‘assalto aos contratos públicos’ sem haver sequer questionamento público, a EY tem apostado fortemente em parcerias com os principais grupos de media, como tem sucedido com o Expresso e o Jornal Económico – onde, aliás, a ex-directora do Diário de Notícias e TSF e actual directora de marketing desta consultora, Rosália Amorim, é colunista, apesar de não se identificar como funcionária da EY.


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  • Jantar da Presidência: 54 mil euros deu para alguns encherem ‘a barriga de Camões’

    Jantar da Presidência: 54 mil euros deu para alguns encherem ‘a barriga de Camões’

    No célebre poema Cena do Ódio, escrito de um jorro em 1915, Almada Negreiros vociferava: “E inda há quem faça propaganda disto: a pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões”. Exageros de vate à parte, até por os versos seguintes fazerem referências pouco abonatórias, e injustas, à beleza das mulheres portuguesas, na verdade nem todos enchem “a barriga de Camões”; mas quem a enche, enche-a bem. Eis uma história exemplar de um repasto escondido (e irregular) no Dia de Portugal e de Camões, que custou quase 54 mil euros à Presidência da República, na coimbrã Quinta das Lágrimas, ligada à família da ministra da Justiça, Rita Júdice, e que está numa situação financeira de ‘ir às lágrimas’. Está em falência técnica.


    No âmbito das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, no início deste mês a Presidência da República destacava que teriam lugar em Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Coimbra e em Genebra, Berna e Zurique, na Suíça. No caso da cidade do Mondego, a nota salientava que, acompanhado por Luís Montenegro, Marcelo Rebelo de Sousa visitaria a Biblioteca Joanina e presidiria à Cerimónia Evocativa dos 500 anos de Camões, que se realizou na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, “terminando o dia com um espectáculo musical no Páteo das Escolas”.  

    No próprio dia 10 de Junho, a Presidência da República divulgava, em destaque o cerimonial na Universidade de Coimbra, que demorou uma hora e meia, profusamente fotografado, e também o concerto nocturno “Eram tudo memórias de alegria”, no Pátio das Escolas. Mas nada se referiu nem se fotografou nas horas de intervalo entre o cerimonial e o tal concerto. E não foi por ter sido período particularmente desagradável, pelo contrário.

    Hoje, o Portal Base revela o que se passou entre esses dois momentos: um jantar de gala na Quinta das Lágrimas, um local ligado a Camões – por ser o poeta que eternizou a fonte ligada aos amores de Pedro e Inês –, mas também à actual ministra da Justiça, por via da família Júdice, que gere a empresa que beneficiou do ajuste directo no valor de 53.924,93 euros.

    De acordo com Portal Base, o contrato foi adjudicado pela Secretaria-Geral da Presidência da República no passado dia 29 de Maio por ajuste directo, alegando-se uma norma do Código dos Contratos Público que não poderia ser invocada, porque apenas se aplica a contratos de valor inferior a 20 mil euros, sendo que o contrato ficou próximo dos 54 mil euros. No limite, a Presidência da República teria sempre pelo menos de fazer uma consulta prévia a pelo menos três entidades, tendo em conta que tal já se pode aplicar quando os contratos são inferiores, como foi o caso, a 75 mil euros.

    Não se sabe também, até pela ausência de fotografias, quantos convidados estiveram presentes, uma vez que não houve sequer contrato escrito, justificando-se essa ausência, impedindo assim o estabelecimento de um preço unitário, com recurso a mais uma norma de excepção que prescinde desse acto de transparência se a aquisição de serviços se fizer no prazo máximo de 20 dias e for de imediato consumido.

    Jantar ‘oferecido’ na Quinta das Lágrimas foi exclusivo para académicos, políticos e diplomatas presentes nas efeméride do Dia do Camões.

    A única informação oficial é a breve descrição do objecto do contrato: “Jantar de abertura das comemorações dos 500 Anos de Camões oferecido por SEXA PR ao Corpo Diplomático e entidades académicas da Universidade de Coimbra – Catering, palamenta, iluminação, som e estruturas”.

    Saliente-se que a empresa Quinta das Lágrimas, fundada nos anos 90 por José Miguel Júdice, deixou de ser familiar, estando agora sob controlo (60%) pela Oxy Capital, uma sociedade gestora detida por Miguel Callé Lucas, que também tem participações na imprensa regional, surgindo mesmo como director-adjunto do Diário de Leiria. No entanto, o administrador-delegado continua a ser Miguel Júdice, filho de Luís Miguel Júdice e irmão da ministra da Justiça, Rita Júdice, que há pouco mais de uma década chegou a ser administradora da Quinta das Lágrimas.

    A empresa Quinta das Lágrimas já viveu, aliás, tempos muito mais bonançosos, que teve o seu auge no início do século quando chegou a ter o seu restaurante Arcadas com uma estrela Michelin. Embora ainda não tenha apresentado contas referentes ao ano passado, os prejuízos de 2022, superiores a 423 mil euros, apenas contribuíram para agravar uma situação financeira desesperante.

    Mesmo escolhida para um ajuste directo irregular pela Presidência da República, a empresa da Quinta das Lágrimas está em falência técnica.

    A empresa manteve-se em falência técnica, já com um capital próprio negativo em 2022 a superar os 3,8 milhões de euros, apresentando um passivo de 18,1 milhões de euros. Grande parte deste montante, cerca de 14 milhões de euros, era financiamento bancário, o que torna o seu futuro praticamente insustentável. Em 2022, quando as taxas ainda estavam baixas, a empresa teve de desembolsar mais de 347 mil euros em juros.

    O jantar da Presidência da República, por isso, não vai, em abono da verdade, salvar a situação financeira da Quinta das Lágrimas que, pela análise das demonstrações financeiras, é quase de ‘ir às lágrimas’.


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  • Na região mais pobre, Ponta Delgada paga a 600 magistrados um jantar de 100 euros por estômago

    Na região mais pobre, Ponta Delgada paga a 600 magistrados um jantar de 100 euros por estômago

    Há 75 mil açorianos pobres, quase um terço da população do arquipélago, mas a autarquia de Ponta Delgada ficou tão agradada em ter o Congresso do Ministério Público na sua terra que achou boa ideia oferecer ao sindicato organizador, através de uma empresa municipal, o repasto de encerramento. E não foi um jantar volante com garrafas de sumo: foi um opíparo jantar de gala que custou quase 63 mil euros, ficando assim em cerca de 100 euros por cada estômago. Além disto, por ironia, apesar do discreto mas majestático evento ter-se realizado no início de Março, a empresa municipal demorou mais de dois meses a assinar o contrato com o empresário que forneceu o jantar, o que significa que esta refeição teve contornos de ilegalidade. As entidades envolvidas – o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, a autarquia de Ponta Delgada e a empresa municipal Coliseu Micaelense – também não quiserem explicar os fluxos financeiros no âmbito do congresso, que envolveram outros apoios e pagamentos.


    Quase um em cada três açorianos (31,4%) estava em risco de pobreza no ano passado, divulgou ontem o Instituto Nacional de Estatística, mas isso não incomodou a autarquia de Ponta Delgada que, através da empresa municipal Coliseu Micaelense, se dispôs a suportar os encargos do jantar de gala de encerramento do recente congresso organizado pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). A ‘prova do crime’ – ou seja, o uso de dinheiros públicos para custear seis centenas de refeições de luxo, na noite de 2 de Março –, foi agora descoberta pelo PÁGINA UM no autêntico ‘palheiro’ que é o Portal Base, sendo que a empresa municipal da autarquia açoriana, com liderança social-democrata, apenas consumou a contratação por ajuste directo mais de dois meses depois do repasto, o que, além de tudo o resto, constitui uma violação das normas do Código dos Contratos Públicos.

    Embora o congresso tenha sido uma iniciativa exclusiva de um sindicato, foi a empresa municipal Coliseu Micaelense, que gere o teatro local onde também se realizou o congresso, que decidiu contratar os serviços de catering para o jantar de encerramento. A factura, com IVA, chegou aos 62.655 euros, o que, considerando a capacidade oficial do espaço para jantares (599 lugares), e as informações sobre o número de participantes, representa um custo médio para o erário público de cerca de 100 euros por estômago. Além disto, também houve outros apoios financeiros da autarquia de Ponta Delgada, estabelecidos através de um protocolo, mas cujos termos se desconhecem, uma vez que tanto o município como o SMMP não o quiseram disponibilizar ao PÁGINA UM. Refira-se, em todo o caso, que no site do congresso não surge, até agora, a menção a quaisquer patrocinadores.

    Realizado entre os dias 29 de Fevereiro e 2 de Março, este congresso, o décimo terceiro, foi promovido, como habitualmente, pelo SMMP, tendo tido a presença da própria procuradora-geral da República, Lucília Gago. O encerramento contou com a presença do presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro. O último dia coincidiu com o congresso da União Internacional de Procuradores e Promotores do Ministério Público dos Países de Língua Portuguesa, onde se debateu a independência e o estatuto socioprofissional dos magistrados do Ministério Público.

    Acabados os trabalhos, a independência aos ‘costumes disse nada’, e as bocas e estômagos dos magistrados e convidados saciaram-se num repasto de 100 euros em pleno teatro com as mesas convenientemente montadas na zona da plateia e primeiro balcão. Apesar de o PÁGINA UM ter pedido esclarecimentos, por duas vezes, e feito um contacto telefónico à empresa municipal Coliseu Micaelense sobre as razões para ter suportado os custos de um jantar de gala ao preço de 100 euros por cabeça, não se obteve qualquer resposta.

    Em todo o caso, o contrato de aquisição do jantar por ajuste directo é inequívoco: foi a empresa municipal Coliseu Micaelense a contratar por ajuste directo um empresário em nome individual, Carlos Fernando Santos Furtado – que nunca antes fizera qualquer negócio com entidades públicas –, que gere um negócio de catering no concelho da Lagoa, usando a marca Q’enosso. Esta denominação é a mesma de uma empresa que Carlos Furtado dissolveu em 2018. É, aliás, através da página no Facebook do Q’enosso que se identificam as únicas fotografias do jantar, mas antes da chegada dos convivas. Numa das fotos surge o menu, embora ilegível.

    Lucília Gago, procuradora-geral da República, esteve presente no Congresso do Ministério Público. À direita, num dos almoços, mais frugal, com sumos de garrafa à disposição.

    Curiosamente, no site do congresso, apesar de constaram largas dezenas de fotografias do evento, não surge qualquer imagem do jantar de gala. Somente aparecem algumas fotos das refeições mais informais e frugais, realizadas na marina, no decurso dos três dias da programação. Numa dessas refeições até surge a procuradora-geral da República sentada a uma mesa onde se vê garrafas de sumo ‘industrial’, o que denuncia que essas não custaram certamente 100 euros por cabeça.

    Apesar da existência da prova factual de o jantar ter sido pago pela empresa municipal da autarquia de Ponta Delgada, presidida pelo social-democrata Pedro Nascimento Cabral, advogado de profissão, o SMMP não admite que tenham sido dinheiros públicos a custear o derradeiro repasto do seu congresso. A assessoria de imprensa do SMMP, relevando ter este congresso sido ainda organizado pela anterior direcção – presidida por Adão Pedro, substituído em Abril por Paulo Lona –, salienta que foi celebrado “um protocolo com a autarquia de Ponta Delgada, traduzido num apoio financeiro, recebido pelo SMMP, valor pelo qual o SMMP pagou inclusive IVA”, considerando ser “normal, para a realização de eventos desta natureza, recorrer a parcerias pontuais, numa óptica de valorização das entidades envolvidas”.

    Numa segunda fase da investigação do PÁGINA UM, o SMMP admitiu que “foi celebrado, entre outros, um protocolo de cooperação para a organização do XIII Congresso,  entre a CMPD [Câmara Municipal de Ponta Delgada] e o SMMP, conferindo ‘um apoio financeiro, destinado à comparticipação dos custos inerentes à organização do XIII Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público”, acrescentando que nesse âmbito o sindicato se comprometeu a “aplicar o apoio financeiro atribuído exclusivamente para os efeitos previstos na Cláusula Primeira do protocolo”.  

    A fonte oficial do SMMP diz que, em relação “ao jantar que encerrou o evento […],  assim como de outros serviços prestados pelo Coliseu Micaelense,  os mesmos constam em duas facturas emitidas pelo Coliseu Micaelense (e pagas pelo SMMP) respectivamente, nos valores de 44.283 euros  e 46.0031,67 euros, num total de 90.314,67 euros”. Apesar de se ter pedido, as facturas não foram enviadas ao PÁGINA UM. O SMMP não quis também revelar o protocolo nem as condições aí estabelecidas, incluindo o finaciamento autárquico. Também não explicou que serviços prestados pelo Coliseu Micaelense constam nas duas alegadas facturas nem tão-pouco o motivo para, formalmente, ter sido a empresa municipal a organizar e a pagar um jantar de luxo para um evento daquele sindicato.

    Aspecto das mesas do jantar de gala de encerramento do congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público pago com dinheiros públicos.

    Além disso, como se desconhecem todos os fluxos financeiros entre as três entidades envolvidas – SMMP, autarquia de Ponta Delgada e a Coliseu Micaelense –, a hipótese de o sindicato ter recebido dinheiro da município para depois entregar à empresa municipal mostra-se bastante plausível. Nessas circunstâncias, nada de substancial muda, ou seja, o jantar de gala dos magistrados foi pago com dinheiros públicos.

    Saliente-se que apesar de ser usual a existência de apoios públicos em eventos desta natureza, nomeadamente de cedência de espaços a título gratuito ou com descontos – por exemplo, a preço de tabela, o teatro de Ponta Delgada, onde se realizou o congresso custa 4.500 euros por dia –, não se encontrou nenhum outro caso de uma autarquia a pagar directamente um jantar de gala que fosse da responsabilidade de um sindicato, ainda mais de magistrados do Ministério Público.

    Acrescente-se ainda que a situação financeira do SMMP é desafogada, registando, no ano passado, rendimentos de quase 826 euros e um lucro de 173 mil euros. Nos últimos cinco anos, os lucros acumulados deste sindicato ascenderam aos 680 mil euros e conta actualmente com capitais próprios superiores a 1,7 milhões de euros.

    O PÁGINA UM também contactou a Pocuradoria-Geral da República – que, obviamente, não tem responsabilidade sobre o SMMP – para saber se considerava ético o uso de dinheiros públicos num evento de magistrados do Ministério Público, e em especial para suportar um jantar de gala desta natureza, mas não obteve qualqyer reacção.

    No decurso dos trabalhos do congresso, a frugalidade foi a nota dominante. No fim, o jantar de gala foi ‘outra fruta’, que, talvez por pudor, não surge na galeria de fotos do congresso.

    Evidente, para já, é a irregularidade do contrato face às normas do Código dos Contratos Públicos, uma vez que o ‘repasto de gala’ se realizou no dia 2 de Março, mas o ajuste directo somente foi celebrado no passado dia 10 de Maio, após uma decisão da administração da empresa pública em 17 de Abril. Isto é, o contrato foi celebrado mais de três meses depois da execução do serviço. Nenhum problema haverá para os magistrados que deglutiram os 100 euros de comida e bebida do jantar de gala, mas os administradores da empresa municipal de Ponta Delgada podem vir a ter problemas se o Tribunal de Contas se debruçar sobre este contrato irregular.

    Quanto aos mais de 75 mil açorianos em risco de pobreza – ou seja, os tais 31,4% –, esses continuarão em risco de pobreza, ou melhor, continuarão pobres sem grandes probabilidades, se a gestão de dinheiros públicos se mantiver nesta linha, de saberem sequer o que é um jantar de 10 euros, quanto mais de 100.


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  • Coisa

    Coisa

    Nenhuma outra coisa se afigura mais obscura ao génio e simultaneamente mais clara ao néscio do que a natureza das coisas. Sendo tudo e nada, tocando o corpóreo e o incorpóreo, tangendo o incognoscível e o sabido, tratando do desmesurado infinito e do imensurável infinitésimo, tropeçando no inanimado e no animado, e transcorrendo o nominado e o inominado – que, em abono da verdade, podem ser a mesma coisa, dependendo do conhecimento das coisas que cada um detém –; repito de novo: e transcorrendo o nominado e o inominado, dissertar sobre coisas pode resultar em tratado de epistemologia, ou simplesmente redundar em sudário de imbecilidades. Sai sempre uma das duas coisas.

    Fina e ténue é a fronteira entre uma coisa e uma outra. Temo, assim, que, por ausência de aptidão, por falhas de preparação, e por inabilidades de volição, abrolhe deste texto coisas sem jeito, triste desenlace para quem, em seu íntimo, até almejava coisa grande, nada menos que coisa maior que Da Natureza das Coisas, do filósofo romano Tito Lucrécio Caro – ou, para dar ares de coisa grandíloqua, do autor do poema De Rerum Natura, que isto de escrever em latim é outra coisa.

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    Antevejo que escrevendo eu assim todas estas coisas sem conta, pensareis, talvez com razão, que me deu coisa má, que já não digo coisa com coisa, e que, enfim, este texto não é lá grande coisa. E, de facto, não estou bem em mim, que ontem sucederam-me coisas do arco-da-velha, que desconfio terem sido coisas do coisa-ruim. Apenas vos digo que se me ficaram bem pretas as coisas, e só depois de obrar coisas e loisas consegui escafeder-me do demo.

    Portanto, não tive sezão para melhor endireitar a coisa, ou seja, compor um decente texto. E, por isso, se desprazimento aqui vos trago, desculpai qualquer coisinha. Ou então, parafraseando Machado de Assis nos prolegómenos de Memórias Póstumas de Brás Cubas, se esta coisa não te agradar, fino leitor, talvez seja melhor te pagar “com um piparote, e adeus”. Ou coisa e tal.


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  • O Triunfo dos Porcos no Jornalismo português

    O Triunfo dos Porcos no Jornalismo português


    Uma semana depois de ser confirmado aquilo que era óbvio em contratos da Global Media – que o jornalista-comercial Domingos de Andrade mercadejava notícias a troco de contratos com autarquias –, sem se lhe ouvir entretanto qualquer piu nem haver demissão de cargos editoriais, anuncia-se a concretização da ‘transferência’ dos periódicos Jornal de Notícias e O Jogo e da rádio TSF para a novel empresa Notícias Ilimitadas.

    Eu já ‘dou de barato’ que não haja um sistema de garantia de idoneidade para se ser detentor de um órgão de comunicação social, pelo menos a partir de uma determinada dimensão, mas pelo menos deveria haver um mecanismo oficioso de decência que impedisse que uma pessoa como Domingos de Andrade, um marketeer travestido de jornalista (encartado ainda por cima pela indescritível Comissão da Doutora Licínia Girão), assumisse um papel de relevo numa obscura transferência de títulos históricos da imprensa nacional detida por uma empresa (Global Media) em processo de vampirização financeira e com dívidas colossais ao Estado (com o beneplácito do Governo socialista) para uma novel empresa (Notícias Ilimitadas), que dizem os media ser constituída pela Parsoc (30%), pela OTI Investimentos (25%), por Domingos de Andrade (20%), pela Mesosytem (15%) e pela Ilíria (10%).


    Mas isso é o que se diz, porque não há, no domínio público, nenhuma informação que confirme a estrutura societária desta empresa que apenas detém um capital social de 50 mil euros, o que não dá sequer para pagar os salários de um mês dos cerca de 150 trabalhadores que para si transitam. Na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) nada consta, no registo da constituição da empresa somente surgem os administradores, e no registo do beneficiário efectivo não surge ninguém como detentor de mais de 25% do capital social. Evidente se mostra, pelo menos pelo baixíssimo capital social, que quem vai mandar no Jornal de Notícias, O Jogo e TSF não serão sequer os accionistas formalmente desconhecidos mas os ainda mais ignotos financiadores. Ter no meio disto Domingos de Andrade a liderar o processo é assustador: nem sequer muito para os trabalhadores dos órgãos de comunicação social, que aparentemente já se conformaram em contribuir para a mercantilização do jornalismo, mas para os contribuintes.

    Não é, aliás, preciso ser mago nem especialista em contabilidade (e em finanças criativas), mesmo se os contornos deste negócio Global Media-Notícias Ilimitadas sejam muito estranhos (para não dizer obscuros), para perceber o que se vai passar a seguir. A Global Media – com um passivo gigantesco e uma dívida ao Estado superior a 10 milhões de euros – e o seu accionista Páginas Civilizadas vão desenvencilhar-se, sem pagar os impostos, da participação na Lusa, recebendo um pecúlio que servirá para retribuir empréstimos aos próprios accionistas, e continuarão a deixar o Diário de Notícias definhar até à insolvência com um passivo colossal, incluindo dívidas fiscais. Depois, virá o Estado lamentar a perda de um título centenário, e arranjará forma de mais uns aventureiros, tipo Marco Galinha, darem a sua bicada para salvar o tal título histórico, transformado agora em ‘pasquim de fretes’, com a benesse de um perdão fiscal e limpeza de dívidas a terceiros. Nisto, ficam a salvo os títulos agora vendidos pela Global Media. Isto tresanda tanto a podridão…


    Aquilo que mais assusta, porém, é que esta descarada negociata da Global Media – que vai custar muito aos contribuintes e mais ainda à credibilidade do jornalismo – não mostra apenas a vitória dos ‘patos bravos’, com Marco Galinha à cabeça (nunca ninguém investigou a forma como se processou a venda ao fundo das Bahamas enquanto se pagavam empréstimos aos accionistas com o dinheiro que deveria pagar impostos ao Estado) e Domingos de Andrade na ilharga.

    Temos ainda a situação da Trust in News, uma empresa com capital social de 10 mil euros, cujo sócio único (Luís Delgado) deveria ter sido logo ‘placado’ quando, ao fim do primeiro ano de existência (em 2018), já devia quase um milhão de euros ao Estado, e que, como não foi parado, agora está com um passivo de 30 milhões de euros e dívidas ao Estado superiores a 11 milhões de euros. Tudo isto vai custar aos contribuintes muito dinheiro. Tudo isto custou credibilidade à imprensa. Tudo isto se fez com ‘fretes’ e compromissos políticos ao mais alto nível. Mas o que custa mais é que, como não há qualquer regime de idoneidade, Luís Delgado que, a não ser que seja criminalizado pelas dívidas à Segurança Social, somente perderá os 10 mil euros de capital social. E até se pode meter em mais aventuras editoriais.

    Temos ainda a situação aflitiva da Impresa e da SIC, em situação financeira desesperada há décadas, e que somente se tem salvado da falência pelo ‘estatuto’ da família Balsemão, financiando-se agora não pelas actividades operacionais mas através de um sistema que soa a um esquema Ponzi: a emissão de novas obrigações já servem só para pagar as obrigações anteriores. Até ao dia em que nada mais pingar.

    E isto é apenas uma amostra. Hoje, nenhum grupo de media com alguma dimensão vive de forma desafogada e transparente. Como se viu não apenas com o fundo das Bahamas, mas ainda há pouco com a Alpac Capital, dona da Euronews e dos jornais portugueses ‘Nascer do Sol’ e ‘i’, que foi multada em 100 mil euros pela Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) por diversas infrações, entre as quais a falta de transparência quanto ao representante do fundo até à falta de identificação de investidores. Os ‘testas-de-ferro’ do fundo, que aparenta ter capitais húngaros, também foram multados, mas nada os impede de se manterem à frente dos destinos de um grupo de media. Tudo bons rapazes.

    Até a Medialivre, que aparenta folga financeira, teve necessidade de pedir sscretismo ao seu contrato parassocial à ERC, que lhe concedeu a benesse. Que esconde a empresa que detém o Correio da Manhã, a CMTV e agora o canal Now? Aliás, como o PÁGINA UM referiu recentemente, como a Medialivre tem Cristiano Ronaldo como sócio, beneficia de um regime de protecção especial que lhe permite não ter de identificar os beneficiários efectivos.

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    Hoje, vê-se como solução para a crise da imprensa a existência de reforçados apoios do Estado, esquecendo que é sobretudo a falta de qualidade e o viés criado por ‘mercadores da imprensa’ que mais contribuem para o afastamento do público e para a desvalorização (financeira) do papel dos jornalistas.

    Hoje, banalizaram-se muitas práticas terríveis – como as notícias pagas, as parcerias comerciais e a auto-censura com eventuais comparticipações financeiras –, e isso deveu-se à sua aceitação pelos jornalistas, que se calam e que até criticam ou ostracizam quem as denuncia. Há, além disso, uma espécie de omertà, de silêncio cúmplice, porque (quase) todos têm telhados de vidro, (quase) todos receiam represálias, (quase) todos pactuam para não afectar empregos, prebendas, amizades e ambições. Tem sido tudo isto a matar o Jornalismo, enquanto Luís Delgado vive na sua quinta em Santo Estêvão, o inenarrável Domingos de Andrade se vai tornar no homem-forte de um novo grupo editorial e a família Balsemão insufla ‘oxigénio’ em mais uma emissão obrigacionista depois das ajudas do Novo Banco. Presumo que “vai ficar tudo bem”. Assistimos, na verdade, ao Triunfo dos Porcos que emporcalham a democracia.


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  • Paxlovid: Portugal anda a comprar agora ‘restos de colecção’ de antiviral da Pfizer

    Paxlovid: Portugal anda a comprar agora ‘restos de colecção’ de antiviral da Pfizer

    Foi endeusado pela imprensa, anunciado como uma “arma terapêutica” para dar “paz na batalha contra a pandemia”. O antiviral Paxlovid, da farmacêutica norte-americana Pfizer, fez vendas estratosféricas em 2022, totalizando 18 mil milhões de dólares nesse ano. Mas dúvidas sobre a sua eficácia e a ocorrência de recaídas em 20% dos doentes tirou fôlego ao fármaco ‘vendido’ pela imprensa e pelos ‘marketeers de bata branca’. No ano passado até deu prejuízo nos Estados Unidos com as receitas globais a decaírem 92%. No primeiro trimestre deste ano novo tombo: queda de 50% face aos magros resultados do período homólogo de 2023. Pouco isso importou em Portugal. Após uma misteriosa compra de 20 milhões de euros no final de 2022, feita pela Direcção-Geral da Saúde, recorrendo a uma norma revogada, que possibilitou a celebração do negócio sem contrato escrito, nos últimos dois meses uma dezena de unidades de saúde local andaram a comprar Paxlovid, já a preço de saldo. E isto mesmo depois de investigadores da própria Pfizer terem publicado um artigo científico a assumir a fraca valia do fármaco no tratamento da covid-19. A DGS não quis explicar ao PÁGINA UM sequer onde se gastaram os 20 milhões de euros em comprimidos. Agora, são mais 645 mil euros, porque a Pfizer está a despachar os stocks a ‘preço de saldo’.


    Nos primeiros meses de 2022, a imprensa portuguesa destacava um antiviral de administração oral contra a covid-19 produzido pela Pfizer, “campeã de vendas” nos Estados Unidos. A revista Visão, num artigo de Maio desse ano, questionava mesmo: “Perante a importância do Paxlovid, surge a dúvida: Por que razão não está ainda disponível no nosso País?”. Seguia-se a resposta do pneumologista Filipe Froes, um dos médicos com mais ligações comerciais às farmacêuticas, incluindo a Pfizer, que garantir que desde Janeiro daquele ano, a Direcção-Geral da Saúde estava a preparar uma norma “para a utilização o mais racional e equitativa possível deste medicamento”.

    Froes era, então, um dos consultores da DGS para a definição das terapêuticas anti-covid, e assegurava que “o Paxlovid é essencial para controlar a circulação do vírus na comunidade e, sobretudo, para diminuir a gravidade da pandemia na população, sobretudo na mais vulnerável”. Passados dois meses, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que mantém fortes ligações comerciais à Pfizer, dizia mesmo que “a mortalidade associada à doença podia ser muito menor se o país apostasse mais” no Paxlovid. No Expresso, falava-se no Paxlovid como “a arma terapêutica” produzida pela Pfizer “para conseguir a paz na batalha contra a pandemia“. O endeusamento embevecido na imprensa portuguesa ao fármaco da farmacêutica norte-americana era um prolongamento do que sucedia na imprensa mainstream internacional

    Dois anos, depois há duas coisas essenciais que se sabe sobre o Paxlovid – e uma que o PÁGINA UM hoje revela.

    A primeira é que, efectivamente, o Paxlovid foi um inusitado “campeão de vendas”, mas apenas por vida das campanhas de marketing político e de influência por ‘marketeers de bata branca’. Aprovado em Dezembro de 2021 nos Estados Unidos e no mês seguinte na Europa, este antiviral inventado em poucos meses – e numa fase em que a pandemia já se encontrava a estabilizar, com a dominância da menos agressiva variante Omicron –, a Pfizer mesmo assim conseguiu catapultar este seu novo fármaco para um nível elevadíssimo. Em 2022, de entre o seu portefólio de medicamentos, o Paxlovid facturou 18,933 mil milhões de dólares, que comparava com apenas 76 milhões de dólares que conseguira vender no primeiro mês (Dezembro de 2021) após a aprovação pela Food & Drug Administration (FDA). Este volume de negócios colocou o Paxlovid na segunda posição de vendas, apenas através da vacina Comirnaty, que em 2022 vendeu 37,8 mil milhões de euros.

    Grande parte deste sucesso comercial instantâneo deveu-se à ajuda do Governo Federal norte-americano que, sem a existência de uma eficácia garantida, financiou na íntegra a administração do fármaco nos Estados Unidos, que custava, em média, por tratamento de cinco dias cerca de 529 dólares, mesmo se o custo de produção rondava apenas 13,38 dólares, o que resultava num lucro excepcional. Porém, a Administração Biden deixou de garantir esse pagamento no ano passado, o que causou um descalabro nas previsões de facturação. No relatório e contas do ano passado ficou a saber-se que as receitas do Paxlovid desceram a nível mundial para apenas 1,279 mil milhões de dólares – uma queda de 92% face ao ano anterior –, sendo que deu mesmo prejuízo nos Estados Unidos (cerca de 1,3 mil milhões), por via de devoluções. O Paxlovid caiu para a sétima posição dos medicamentos da Pfizer e o seu destino parece traçado: o abandono por inutilidade.

    Notícia da Visão de Maio de 2022, como exemplo da ‘visão’ delicodoce do Paxlovid que contribuiu, com a ajuda de ‘marketeers de bata branca’ para pressionar a compra de 20 milhões de euros deste fármaco pela Direcção-Geral da Saúde.

    E a razão nem advém sequer de já não ser necessária uma terapêutica para a covid-19. Necessária será porque o SARS-CoV-2, já endémico, mantém-se letal para uma pequena faixa da população vulnerável. Tanto assim é que, por exemplo, em Portugal registou-se já este mês, até ontem, a morte de161 pessoas por esta doença, de acordo com os dados da DGS. Mas o Paxlovid, neste cenário, vale zero – ou, pelo menos, não vale aquilo que custa.

    Com efeito, é a própria Pfizer que, implicitamente, o admite agora. Num artigo científico publicado em Abril passado na conceituada revista científica The New England Journal of Medicine, integrado na fase 2-3 dos ensaios clínicos da própria Pfizer, os investigadores da própria farmacêutica chegaram à conclusão que “o nirmatrelvir-ritonavir [princípios activos do Paxlovid] não foi associado a um tempo significativamente mais curto para o alívio sustentado dos sintomas da covid-19 em comparação com o placebo, e a utilidade do nirmatrelvir-ritonavir em pacientes que não apresentam alto risco de contrair covid-19 grave não foi estabelecida”.

    Note-se que estes ensaios foram conduzidos entre Agosto de 2021 e Julho de 2022, sendo certo que, mesmo demorando dois anos a serem publicados numa revista científica, a administração da Pfizer já teria há muito tempo informações sobre os resultados decepcionantes em termos de eficácia do fármaco.

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    Compras da Administração Biden e marketing agressivo permitiu à Pfizer vender 18 mil milhões de dólares no primeiro ano do Paxlovid. Queda nas receitas no ano seguinte foi de 92% e começou a dar prejuízo no mercado norte-americano.

    Além disto, o Paxlovid já registava outro problema. Depois do tratamento, 20% dos pacientes sofriam ‘recaídas’ (denominado, em inglês, por rebound). Ao contrário, em pacientes que não usaram Paxlovid só cerca de 2% registaram esse fenómeno.

    Aliás, apesar desse evento adverso estar a ser cada vez mais consolidado em artigos científicos – do qual é exemplo um publicado no passado dia 14 de Novembro no Annals of Internal Medicine –, já era conhecido desde o início da sua comercialização. Por exemplo, em Julho de 2022 o presidente norte-americano Joe Biden sofreu um rebound após tratamento com Paxlovid. Também Antony Fauci alegou ter sofrido este evento. Na altura, o médico da Casa Branca, Kevin O’Connor, garantia que eram situações raras, e a própria FDA informara que os ensaios clínicos da Pfizer os rebounds tinham uma probabilidade de ocorrência entre 1% e 2%. Mas afinal o rebound é de 20%, conforme confirmou um artigo científico em Novembro passado, seja, pelo menos 10 vezes mais do que inicialmente indicado.

    Certo é que, em Portugal, estas questões essenciais são pouco relevantes na hora de comprar medicamentos a determinadas farmacêuticas, porque conta sobretudo o marketing e as influências dos ‘marketeers de bata branca’. Através de uma compra milionária de quase 20 milhões de euros – cuja informação somente foi revelada no revelada no Portal Base mais de 11 meses depois –, a DGS adquiriu no último dia do ano de 2022 um número indeterminado de unidades de Paxlovid. Nunca se soube as unidades compradas nem sequer o preço unitário porque não houve sequer contrato escrito, tendo-se usado uma norma que já tinha sido revogada. O Tribunal de Contas, que se saiba, nunca se pronunciou sobre esta grosseira irregularidade

    Também se desconhece os mecanismos de distribuição das unidades de Paxlovid compradas pela DGS no final de 2023, nem sequer se sabe quais as unidades de saúde que as facultaram a doentes. O obscurantismo é a imagem de marca dos fármacos relacionados com a pandemia.

    Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer. A farmacêutica norte-americana conseguiu, com uma campanha de marketing agressiva, vender 18 mil milhões de dólares num fármaco que sabia ser pouco eficaz. Agora, vende os ‘restos de colecção’ a países como Portugal.

    Mas apesar desta compra volumosa em finais de 2022, aparentemente o stock de Paxlovid em Portugal já se ‘esfumou’, quer por ter eventualmente sido consumido na totalidade ou por perda de validade, o que neste caso aparente ser pouco provável porque houve autorizações de extensão de validade por mais 24 meses.

    Certo é que nos últimos dois meses houve uma dezena de unidades locais de saúde (ULS) que, sem razão aparente, decidiram fazer compras de Paxlovid, que atingem, neste momento, um montante de 645.300 euros. A maior destas compras foi feita este mês, no dia 12, pelo Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, que gastou 198 mil euros, seguindo-se a ULS de Lisboa Ocidental – que integra o Hospital de São Francisco Xavier –, com 135 mil euros. Com compras acima dos 50 mil euros encontram-se mais três unidades de saúde: a ULS do Algarve (72 mil euros), o Hospital Amadora-Sintra (86.400 euros) e a ULS do São João (90 mil euros).

    Os montantes relativamente baixos face aos 20 milhões gastos pela DGS no final de 2022 não se explica apenas por uma eventual menor quantidade. Na verdade, aparentemente, a Pfizer está a fazer ‘preços de saldo’ perante o descalabro do negócio com este antiviral de evidente baixa eficácia e com elevada taxa de rebounds. De facto, se no auge do marketing em 2022, a farmacêutica conseguia ‘despachar’ um tratamento de cinco dias por cerca de 500 euros – ou seja, 100 euros por dia –, agora está a exigir um pagamento de apenas 30 euros por comprimido, o que perfaz um custo por tratamento de cinco dias (com dois comprimidos) de 300 euros.

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    ‘Vai ficar tudo bem’, prometia-se. Mesmo gastando ao desbarato…

    Mas, convém, repetir que o Paxlovid já mostrou para que serve; e não é propriamente para salvar muitas vidas – e não é por não ‘querer’; é mais por não ‘poder’.   

    Como habitualmente, o PÁGINA UM não teve reacção da DGS às questões colocadas sobre as compras de Paxlovid em 2022, nomeadamente a distribuição e consumo pelas unidades de saúde em Portugal, e sobre os dados da própria Pfizer relativos à baixa eficácia deste fármaco. Nesse aspecto, apesar de dizerem que Rita Sá Machado é “perspicaz, tímida, mas divertida”, tem semelhanças com Graça Freitas no culto do obscurantismo sobre gastos públicos.


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  • A Ameaça do Advogado Alves da Alves & Associados

    A Ameaça do Advogado Alves da Alves & Associados


    O PÁGINA UM peregrina, desde há mais de dois anos, num pântano que envolve duas figuras gradas da actual política portuguesa: a actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e o actual vice-presidente da bancada social-democrata na Assembleia da República, Miguel Guimarães. Há dois anos, como bastonários da Ordem dos Farmacêuticos e dos Médicos, respectivamente, decidiram ser bons samaritanos e apelaram à bondade dos portugueses para apoiarem na luta contra a pandemia e depois fartaram-se de dar a cara enquanto distribuíram equipamentos de protecção individual e materiais diversos a instituições de solidariedade social e mesmo a hospitais.

    Uma investigação do PÁGINA UM quis ver as contas e descobriu, depois da obtenção da documentação por via do tribunal administrativo, que afinal, além de questões éticas – quase toda o financiamento veio de farmacêuticas, mais de 1,2 milhões de euros, não declarados no Portal da Transparência e Publicidade –, toda a campanha esteve assente em irregularidades e ilegalidades gritantes, a começar pelo facto de a conta receptora dos donativos ser titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, e a desembocar em fugas ao fisco (não pagamento de imposto de selo), em facturas falsas, em declarações falsas com repercussões fiscais e em condições propícias para a criação de um ‘saco azul’ de mais de 968 mil euros.

    Desde o processo no Tribunal Administrativo de Lisboa para acesso aos documentos contabilísticos, iniciado em 2022, a Ordem dos Médicos garantia que todas as iniciativas da campanha solidária estavam a ser alvo de uma auditoria da consultora BDO, e que seria divulgada quando concluída. Mas nunca foi. E só agora, com uma nova intervenção do Tribunal Administrativo de Lisboa, já este ano, surgiu afinal a tal auditoria.

    Não quero, desde já, revelar os pormenores desta auditoria da BDO, mas sempre poderei dizer que se fosse apresentada não por uma auditora registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) mas por um aluno da cadeira de Auditoria, o ‘chumbo’ seria a única opção sensata. Por um simples ‘pecado original’: a auditoria ignora olimpicamente – com intenção ou negligência – que a conta bancária era de três pessoas (Guimarães, Martins e Alves) e não de nenhuma das Ordens profissionais, e por isso nem sequer revela (como deveria) que todos os fluxos financeiros se concentravam aí, apesar de a facturação seguir para a Ordem dos Médicos.

    A intenção desta auditoria – que não se sabe sequer se foi paga, porquanto o contrato nunca foi publicitado no Portal Base –, plasmada naquele texto a que o PÁGINA UM teve acesso (apenas após nova intervenção junto do Tribunal Administrativo), parece mais do que óbvia. E daí termos pedido esclarecimentos e apontado factos à BDO para obter comentários. E perante a recusa desta sociedade de auditoria em comentar alegando “segredo profissional”, reagi, respondendo que o que estava em causa eram “evidentes erros primários de auditoria com influência numa avaliação independente e rigorosa”, acrescentando que enviaria “as grosseiras falhas à CMVM para os efeitos legais atendíveis”, concluindo, por fim, que “as auditorias não servem para ‘lavar’ ilegalidades”. Na verdade, estando a notícia ainda em preparação, a CMVM será obviamente contactada.

    selective focus photography of three books beside opened notebook

    A BDO não apreciou esta argumentação legítima de um jornalista, em avaliar o seu trabalho (que tem repercussões públicas), e aparentemente instruiu – e diz-se aparentemente porque não me foi remetida procuração – o advogado Pedro Guerra Alves, detentor da cédula profissional 52266L, a escrever-me. Como ignorava que uma das funções de um advogado é ameaçar com processos judiciais um jornalista no exercício da sua actividade, e como o conteúdo da sua carta é claramente uma tentativa de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar – sendo uma obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos, conforme preconiza o Código Deontológico dos Jornalistas, no seu ponto 3 –, tomei a decisão de revelar o seu conteúdo.

    E comunicarei formalmente esta ameaça do advogado Pedro Guerra Alves à Ordem dos Advogados, à Entidade Reguladora para a Comunicação Social e ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (agora com uma nova composição), ponderando, se este tipo de pressões ilegítimas se mantiverem, informar as organizações internacionais que monitorizam a liberdade de imprensa nos diversos países.


    O original pode ser lido AQUI.

    Exmo. Senhor Pedro Almeida Vieira,

    Encarregou-nos o nosso cliente BDO & Associados Sociedade de Revisores Oficial de Contas, Lda. de informar V. Exa, de que, em virtude do teor das suas comunicações anteriores, todos os contactos com a BDO ou seus colaboradores devem passar a ser efetuados através da nossa sociedade.

    A atuação da BDO & Associados, SROC, pauta-se sempre pelo estrito cumprimento da lei, pelo que nos reservamos o direito de reagir em conformidade sempre que a conduta profissional da BDO & Associados, SROC, for posta em causa, nesse sentido não serão admitidas mais afirmações como as constante [sic] do ultimo mail de V. Exa. sob pena de termos de defender em sede próprio o ressarcimento de eventuais danos reputacionais que possam decorrer.

    Por outro lado, recomendamos a V. Exa. que antes de emitir qualquer opinião, deve proceder ao estudo dos temas, uma vez que as questões colocadas por V. Exa. evidenciam graves falhas no que respeito ao conhecimento do regime legal ou regulatório aplicável a atividade da auditoria, desigualmente no que respeitas [sic] as regras da sua supervisão e de execução dos trabalhos.

    Com os nossos melhores cumprimentos,

    Best Regards,

    Pedro Guerra Alves | Advogado

    E-mail enviado às 17h27 de 18 de Junho de 2024


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  • Jornalismo: quatro notas sobre o pântano

    Jornalismo: quatro notas sobre o pântano


    Primeira nota

    Domingos de Andrade que, como administrador da Global Media estabelecida contratos comercias para os jornais e rádios onde tinha funções editoriais, acabou há um ano por ser multado em 1.000 euros pela inútil Comissão da Carteira Profissional do Jornalista (CCPJ), que nem sequer lhe cassou a certeira. Regressou há um par de meses como uma espécie de ‘salvador’ de alguns dos títulos da Global Media depois da fugaz e tempestuosa passagem do fundo das Bahamas – uma das histórias mais ‘mal-contadas’ da imprensa portuguesa e dos ‘estranhos’ negócios de Marco Galinha.

    Enquanto decorrerem as movimentações para uma perfeita negociata, cuja factura vai ser paga pelos contribuintes, em que títulos ainda lucrativos da Global Media passam para ‘especuladores da imprensa’, onde Domingos de Andrade surge como cabecilha e sócio, eis que se confirmam, através de notícias do Correio da Manhã, que o dito, segundo escutas do Ministério Público, mercadejava os cargos editoriais e mexia os cordelinhos para notícias favoráveis para certas individualidades. Depois disto, Domingos de Andrade mantém-se em silêncio. Os Conselhos de Redacção dos títulos da Global Notícias, onde ele é director, estão caladinhos que nem um fuso – dizem-me que há lá jornalistas, mas eu duvido; há sim pessoas com carteira profissional mas o hábito não faz o monge. A ERC nem um ai. A CCPJ nem um ui, mas também ‘isto’ não conta porque aparenta agora só existir para a sua presidente andar a passear pelo país em fúteis palestras enquanto tudo arde.

    Mistério ainda maior é haver leitores que compram jornais ou ouvintes que sintonizam a rádio onde Domingos de Andrade dita as linhas editoriais…

    Domingos de Andrade: e não se demite? E a ERC e a CCPJ nada dizem? E os Conselhos de Redacção da Global Media, ainda existem?

    Segunda nota

    Com uma pequenina referência no canto superior direito a informar o co-financiamento pela União Europeia, mas sem grafismo distinto do restante conteúdo noticioso, o Correio da Manhã dedica hoje uma página inteira em ditirambos à… União Europeia.

    Parece piada, mas não é: meteram uma jornalista recém-formada (Filipa Novais, CP 8511) a elogiar, também pela voz da comissária europeia Elisa Ferreira, a maravilha que foi aumentar a impressão de moeda para, entre outras coisas, encher os bolsos dos accionistas das farmacêuticas e fazer disparar a inflação e depreciar as poupanças e os rendimentos (que é o que sucede quando o BCE estimula a dívida pública como se não houvesse amanhã).

    Hoje também, mas no Diário de Notícias, a mesma Elisa Ferreira tem direito a uma longa entrevista onde vende o seu ‘peixe’ – neste caso, António Costa para o Conselho Europeu. Procurei, mas não encontrei em nenhum canto, qualquer referência, como no Correio da Manhã, de ter esta conversa sido também co-financiada pela União Europeia. Mostra-se assim legítimo questionar se houve e não foi metido, ou se a Global Notícias anda a ser totó, não fazendo o que o Correio da Manhã, e porventura outros fazem: publicar notícias co-financiadas.

    Aliás, espero a toda o momento que as páginas dos jornais, ou os conteúdos dos outros meios de comunicação social, passem a ostentar o devido (e merecido) patrocínio da própria entidade que é abordada. Até para clarificar o regabofe.

    Notícias co-financiadas pela União Europeia a elogiar a acção da União Europeia. Para quando notícias co-financiadas pelo Governo a elogiar a actividade do Governo? Ou, porque não, partidos políticos ou empresas? Ou isso já se faz sem declarar?

    Terceira nota

    Por momentos, na quinta-feira passada, fiquei preocupado com o departamento de marketing da Media Capital. Anunciava-se na TVI, para o dia seguinte, uma investigação sobre os efeitos adversos das vacinas. Camandro: então querem ver que chateiam a Pfizer que financia nesta próxima terça-feira um ‘summit’ da CNN Portugal no Hotel Pestana com quatro jornalistas ‘mestres-de-cerimónia’? Ah!, não se preocupem: afinal, o Exclusivo da jornalista Sandra Felgueiras só encontrou o caso português de uma infeliz senhora que teve “um azar de 0,0004%” em ficar de cadeira de rodas com mielite. Nada mais.

    Não há crise e salvaram-se 20 milhões de pessoas, garantem-nos. E, aliás, como publicita – no sentido de publicidade – no Correio da Manhã, tudo graças à Comissão Europeia, mais os contratos secretos, combinados por WhatsApp, da senhora Ursula von der Leyen…

    Não há miocardites, nem pericardites, nem trombocitopenias imunológicas, nem AVC, nem mortes fetais, síndrome de Guillain Barré ou outras doenças autoimunes, nem herpes zooster aos pontapés, nem processos judiciais a correrem no Reino Unido, nem artigos científicos a associarem (como hipótese muito plausível) os programas massivos de vacinação ao excesso de mortalidade, nem a constatação de um ex-bastonário da Ordem dos Médicos ter escondido um parecer que não aconselhava a vacinação de crianças e adolescentes saudáveis, nem a contabilização das mortes suspeitas que constam na base de dados da Agência Europeia do Medicamento..

    Este é o jornalismo de investigação que qualquer departamento de marketing dos grupos de media adora: parece que vai morder, mas afinal afaga.

    Avancemos, pois, descansados, para o ‘summit’ da Pfizer no Hotel Pestana: os croquetes by CNN Portugal devem ser excelentes. Ali é que se faz política de Saúde da boa.

    Afinal, não passa tudo de “um azar de 0,0004%”. Está tudo bem. Pode avançar o ‘summir’ da CNN Portugal patrocinado pela Pfizer.

    Quarta nota

    Anuncia-se para o fim do mês a MediaCon, que se apresenta como “um encontro de jornalismo organizado por dezasseis órgãos de comunicação social portugueses que querem discutir, em conjunto a comunidade, o presente e futuro do jornalismo e da democracia”. E dizem que representam a comunicação social não-tradicional, deduzindo-se assim que o PÁGINA UM ao não ter sido sequer convidado ou sondado, e não integrando (acho) o ‘legacy media’, não pertence a este ‘clubinho’ que, entre outros, inclui órgãos de comunicação social subsídio-dependentes de fundações internacionais que balizam ‘temas queridos’ ou mesmo uma secção de um jornal mainstream (o Azul, do Público), que já mostrou ser um ‘pronto-a-vestir’ de notícias.

    Quando o PÁGINA UM – um projecto independente, sem ideologia nas abordagens temáticas, de acesso livre e apenas financiado pelos leitores –, e ainda por cima com maior visibilidade real do que os auto-intitulados media não-tradicionais, é tratado assim, apetece chamar Cristo para desancar nestes vendilhões do templo. O jornalismo está ‘sequestrado’ de alto a baixo.    

    Indicadores de tráfego do PÁGINA UM em Maio deste ano em comparação com o Mensagem de Lisboa, o Fumaça, o Gerador e o Coimbra Coolectiva. Ver AQUI em tamanho maior.

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