Autor: Pedro Almeida Vieira

  • PÁGINA UM: Três anos juntos a caminhar por um jornalismo independente

    PÁGINA UM: Três anos juntos a caminhar por um jornalismo independente


    Três anos passaram desde o nascimento do PÁGINA UM, um projecto editorial que ousa ser diferente em Portugal. Três anos de desafios constantes, de estimulações intelectuais permanentes, mas também de desgastes profundos. Afinal, não é fácil nadar contra a corrente, remar num oceano mediático onde o comodismo, a dependência económica e o alinhamento ideológico tantas vezes sufocam aquilo que o jornalismo deveria ser: independente. Sim, independente é uma palavra que usamos sem qualquer ligeireza. No PÁGINA UM, a independência é a matriz que define cada linha que publicamos, cada tema que investigamos e cada poder que incomodamos.

    Este é um projecto único em Portugal. Um jornalismo verdadeiramente independente que não aceita parcerias comerciais, que não se verga perante os ditames do capital ou os caprichos do Estado. Vivemos apenas dos apoios dos nossos leitores, aqueles que compreendem e valorizam a necessidade de uma imprensa livre e sem amarras. E que desafios temos enfrentado! Desde processos judiciais que nos tentam silenciar, até pressões subtis – e outras nem tanto – que chegam de várias esferas dos poderes. Enfrentamos tudo isso de cabeça erguida, movidos pela certeza de que aquilo que fazemos é necessário.

    Ao longo destes três anos, o PÁGINA UM tem desbravado caminhos que muitos evitam. Investigámos e publicámos sobre temas que outros preferem ignorar. Desde a pandemia da covid-19 e a forma como os números foram manipulados e usados como instrumentos de controlo, até à falta de transparência nas contas das instituições públicas e privadas. Denunciámos práticas corporativistas e nepotismos que atravessam várias áreas da sociedade portuguesa. Recusámos ceder aos “temas tabu” que dominam boa parte da imprensa tradicional.

    Este é um jornal que não teme incomodar. E, por isso, temos sido alvo de processos movidos por aqueles que se sentem expostos ou ameaçados pelas verdades que trazemos a público. Esta semana, por exemplo, recebi um prazo curto para contestar duas acções judiciais: uma interposta pela Ordem dos Médicos e os médicos Miguel Guimarães, Filipe Froes e Luís Varandas; a outra interposta pelo Almirante Gouveia e Melo. Existem, pelo menos, mais dois. E são incontáveis já as queixas junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que move sempre processos, contribuindo, em vez de travar, para a estratégia conhecida por SLAPP (Strategic Lawsuits Against Public Participation), que têm como principal objectivo impedir, restringir ou penalizar a participação pública e a liberdade de imprensa.

    Mas também movemos os meios para lutar em prol do acesso à informação, cada vez mais agrilhoada. Nos últimos três anos interpusemos mais de duas dezenas de intimações nos tribunais administrativos, porque os princípios de transparência e responsabilidade devem ser defendidos. Nos próximos dias falaremos, aliás, de um desses casos que teve um desfecho ao fim de 29 meses, porque não desistimos jamais. E ainda esta semana apresentámos mais uma intimação, além de estarem a decorrer pedidos de parecer à Comissão do Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) em outros dos casos de obstaculização. As dificuldades são, contudo, imensas, mesmo quando os tribunais nos concedem razão. Por exemplo, uma petição do PÁGINA UM para acesso a um relatório de inspecção do Conselho Superior da Magistratura continua sem ser cumprido, mesmo depois de um acórdão do Tribunal Administrativo Central do Sul. Os mecanismos para obrigar as entidades a cumprir sentenças e acórdãos estão minados à partida, transformando-se em processos verdadeiramente kafkianos. Mas, apesar disso, a nossa missão mantém-se firme e clara, neste aspecto: trazer luz onde há sombra, mesmo quando isso significa desagradar aos mais poderosos.

    Mas estamos cientes dos custos, das críticas explícitas ou veladas ou mesmo dos boicotes. Curiosamente, os maiores sinais de desconforto têm vindo de onde eu, em particular, menos esperaria. Por mais que alguns queiram posicionar o PÁGINA UM num determinado espectro ideológico – e, absurdamente, há quem force meter-nos nos antípodas daquele que é, há décadas, o meu pensamento e postura –, a verdade é que somos vistos com desconfiança e desprezo, quando fazemos determinadas abordagens que desagradam, ou como instrumentos de esperança, por outros, quando as notícias ou artigos lhes parecem ‘simpáticos’. Talvez porque há agora uma crença enraizada de que o jornalismo deva ser uma extensão de uma agenda ideológica, o que jamais será o caso do PÁGINA UM.

    No eixo do poder, a reacção não é diferente: nem dirigentes nem candidatos do PSD ou do PS aceitaram, até agora, conceder-nos quaisquer entrevistas, mesmo tendo sido o único órgão de comunicação social a realizar, este ano, em duas circunstâncias, entrevistas aos candidatos às eleições legislativas e para o Parlamento Europeu. Esta ausência, contudo, não é um problema; será, a manter-se, uma flor na nossa lapela. Mais preocupado ficaria se houvesse escritores que se recusassem a sentar comigo na nossa Biblioteca do PÁGINA UM para falar de livros, de criação, de vida. Esses, sim, são os diálogos que marcam a História de um povo.

    No entanto, mais do que tudo, é importante destacar que este caminho de três anos jamais seria possível sem aqueles que nos leem e apoiam. Um profundo agradecimento a todos os nossos leitores, especialmente aos que acreditaram no PÁGINA UM desde o primeiro dia, e nos apoiam financeiramente de uma forma voluntária e de uma generosidade que nos afaga e estimula a continuar. São os leitores a apoiantes, nos momentos de maior pressão e de menor ânimo, a razão pela qual continuamos, e o vosso apoio é fundamental para a nossa existência. A vós, que não apenas desejam a continuidade deste projecto, mas também o seu fortalecimento, deixo o meu mais sincero agradecimento.

    Entramos no quarto ano com o mesmo entusiasmo que nos guiou desde o início, mas também com os pés assentes na terra. Sabemos que só poderemos fortalecer este projecto editorial com mais recursos. Para isso, precisamos de continuar a crescer, a conquistar mais leitores que vejam no PÁGINA UM não apenas um jornal, mas um baluarte do jornalismo independente em Portugal. Porque sem jornalismo livre, não há democracia verdadeira. E sem democracia verdadeira, não há futuro para uma sociedade que se queira justa e informada.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

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  • ‘Foge, cão, que te fazem barão’: Condecorações custam cinco milhões de euros desde 2021

    ‘Foge, cão, que te fazem barão’: Condecorações custam cinco milhões de euros desde 2021

    No século XIX, perante os exageros do reconhecimento desmesurado, surgiu o dichote: “Foge cão, que te fazem barão; para onde, se me fazem visconde”. Hoje, na Terceira República, já não há o perigo de se ‘apanharem’ títulos nobiliárquicos, mas há sempre uma grande chance de se levar uma alfinetada no peito ou um penduricalho no pescoço para a conveniente condecoração. O PÁGINA UM foi, por isso, pesquisar os contratos públicos para tentar perceber quanto se gastou, e quem gasta, na aquisição de medalhas e insígnias com que nos convencemos que somos os ‘melhores da Cantareira’. Além da tradição das condecorações sobretudo nas forças armadas e de segurança, bem como as concedidas pela Presidência da República, as autarquias também gastam que se fartam, e até o Fisco não se esquece da sua ‘medalhinha’. De entre as 104 entidades que, desde 2021, enaltecem feitos através deste ‘modus operandi’, a Marinha foi a mais gastadora: 675 mil euros.


    Portugal, país multisecular, pode não cometido feitos recentes dignos de louvor universal, mas a nível interno não nos podemos queixar da falta de brilho, pelo menos das insígnias e condecorações oferecidas amiúde. De facto, somos uma Nação que há muito deixou de conquistar mundos, mas que ainda exibe, com espantosa solenidade, a arte de premiar-se a si própria. Se não temos demasiadas invenções a propor ao mundo, nem pensamentos revolucionários nem epopeias para celebrar, nem guerras para combater ou pazes para estabelecer, inventam-se então glórias administrativas e até fiscais que colocam qualquer um na iminência de se tornar uma eminência no pódio da auto-celebração. Claro que, com custos, porque as medalhas e outros insígnias similares, mesmo que fossem de latão – e algumas são de ouro –, não caem do céu nem se fazem como a água-benta. Custam bom dinheiro e movimentam, além de muitas vaidades, um negócio apetecível.

    Num levantamento do PÁGINA UM aos contratos para a aquisição de medalhas e insígnias – que, em alguns poucos casos, incluem adereços ou outros ‘apetrechos’ similares (como taças) –, foram detectados 280 contratos no Portal Base, envolvendo mais de uma centena de entidades, para adquirir ‘lembranças’ para os ilustres agraciados, num período de apenas quatro anos. Estes contratos, celebrados entre Janeiro 2021 e final deste ano de 2024, somam um valor total de 4,05 milhões de euros, que se aproxima dos cinco milhões de euros, caso se inclua o IVA. E quase grande parte através de contratos de mão-beijada: 182 foram por ajuste directo ou similar (65%), 56 após consulta prévia (31%) e apenas 42 por concurso público (24%).

    Presidência da República é uma das ‘máquinas’ de condecorações do país. Foto: PR.

    Entre os organismos mais entusiastas nas medalhas estão os militares, as forças de segurança e a Presidência da República. No primeiro caso, em apenas quatro anos, os diversos ramos das Forças Armadas, incluindo o Estado-Maior-General, despenderam 1.227.199 euros (com IVA incluído) em medalhas e condecoração, estando a Marinha no topo. Desde 2021, o Estado-Maior da Armada gastou mais de 675 mil euros, dos quais 380 mil euros durante a liderança de Gouveia e Melo, que nas últimas semanas andou a distribuir comendas e medalhas, incluindo a Isaltino Morais, presidente da autarquia de Oeiras, que de imediato o apoiou na quase certa candidatura às Presidenciais de 2026.

    Por sua vez, o Exército gastou, em quatro anos, um total de 362.325 euros em condecorações, ficando-se as Força Aérea nos 237.204 euros. A cúpula – isto é, o Estado-Maior-General das Forças Armadas – teve um encargo, neste período, de 37.232 euros.

    No caso das forças de segurança, a militarizada – a Guarda Nacional República (GNR) – também adora medalhar-se: despachou, desde 2021, um total de 237.204 euros para sobretudo condecorar os seus elementos, que rondam os 23 mil. A Polícia de Segurança Pública (PSP) foi mais comedida, embora tenha um efectivo menor (um pouco menos de 21 mil agentes), e apenas gastou em medalhas 59.812 euros nos últimos quatro anos.

    A Presidência da República, através da sua Secretaria-Geral, é uma cliente habitual das empresas de medalhística. Ou melhor dizendo, de uma só: a Casa das Condecorações Helder Cunha, com quem, nos últimos quatro anos, celebrou 14 ajustes directos, sempre em valores baixos para, de forma muito conveniente mas pouco transparente, não ser obrigada a abrir concurso público. Certo é que, tudo a somar, só nestas insígnias para comendadores e outras insígnias de ordens honoríficas se gastaram 202.902 euros.

    Descontando a Ordem dos Contabilistas Certificados – que surge em destaque na lista (com gastos de 150.650 euros) por ser considerada uma entidade pública, mas o financiamento é sobretudo ‘privado’ –, são as autarquias que ocupam os restantes lugares no top 10 dos maiores apreciadores (e ‘consumidores’) de medalhas. Destacam-se Braga (148.415 euros), Cascais (126.014 euros), Loulé (113.332 euros) e Lagos (102.633 euros). O município de Castelo Branco (100.364 euros) fecha o lote de 12 entidades públicas que pagaram, desde 2021, mais de 100 mil euros para agraciamentos.

    Foto: Academia Militar.

    Em todo o caso, na lista compilada pelo PÁGINA UM encontram-se 67 Câmaras Municipais, além de duas juntas de freguesia (Santa Maria Maior, em Lisboa, e União de Charneca da Caparica e Sobreda, em Almada), que gastaram mais de 2,2 milhões de euros em medalhas. Além dos municípios já referidos, detectam-se mais 22 com gastos em medalhas acima dos 25 mil euros: Oeiras (86 360 euros), Guimarães (84 304 euros), Vila Nova de Famalicão (81 478 euros), Mortágua (74 703 euros), Faro (72 200 euros), Peso da Régua (60 202 euros), Almada (59 279 euros), Seixal (58 972 euros), Vila Nova de Gaia (55 350 euros), Barcelos (55 229 euros), Fafe (49 735 euros), Tavira (49 174 euros), Palmela (48 824 euros), Póvoa de Varzim (48 559 euros), Guarda (41 620 euros), Sintra (39 975 euros), Funchal (37 757 euros), Vila do Conde (35 117 euros), Oleiros (30 553 euros), Trofa (29 690 euros), São João da Pesqueira (28 876 euros), Ansião (25 483 euros).

    Também o Governo e a Administração Pública directa têm aberto os cordões à bolsa para conceder ‘graças’. Por exemplo, em Abril deste ano, a Presidência do Conselho de Ministros gastou 23.616 euros para adquirir medalhas comemorativas da participação nas ações militares da Revolução dos Cravos. Em Junho de 2021, o Ministério da Defesa fez um contrato, após consulta prévia, no valor de 22.075 euros para, durante três anos, serem fornecidas “medalhas de condecoração”. Também se encontraram três contratos da Assembleia da República, um por ano, para as medalhas do Prémio Direitos Humanos. Não são baratas: pelas seis medalhas, em ouro, atribuídas em três anos, o Parlamento gastou 47.847 euros. Em média, cada uma ficou em quase oito mil euros. Mas a Assembleia da República não foi a única entidade pública a conceder medalhas em ouro: no final de 2023, por exemplo a autarquia de Castelo Branco adquiriu 10, tendo cada uma custado, com IVA, cerca de 4.250 euros.

    Merecem também destaque os três contratos da Autoridade Tributária e Aduaneira, todos deste ano. O primeiro serviu para comprar “1.000 medalhas com símbolo” do Fisco, no valor total de 9.840 euros, o que se pode considerar um preço unitário comedido. Já os dois outros contratos, de Julho passado, serviram para comprar “medalhas comemorativas de 40 anos de serviço público”, sem um número determinado no contrato (e o caderno de encargos não consta no Portal Base), bem como as caixas. Cada um destes contratos rondou os 23 mil euros.

    Em muitos casos, condecorações servem para que os condecorados não esqueçam quem os condecorou. Foto: Marinha.

    De entre as outras entidades com montantes apreciáveis de gastos em medalhas destacam-se ainda a Fundação INATEL (79.450 euros), a Direcção-Geral da Educação (77.378 euros), a empresa municipal lisboeta EGEAC (70.528 euros), o Instituto do Emprego e da Formação Profissional (41.279 euros), o Banco de Portugal (28.855 euros) e a Imprensa Nacional – Casa da Moeda (28.608 euros), bem como diversas universidades, ordens profissionais e até hospitais. Convém, contudo, salientar que os valores apurados pelo PÁGINA UM podem pecar por defeito, uma vez que na pesquisa no Portal Base podem constar contratos não detectados pelo facto de a sua descrição não mencionar palavras como medalhas, condecorações ou insígnias. Além disso, em compras mais pequenas, muitas as entidades públicas podem não ter registado os contratos se o procedimento adoptado tiver sido o ajuste directo simplificado.

    Em todo o caso, assim se prova que, mesmo já sem caravelas nem fulgores inventivos, Portugal continua a navegar com mestria nos mares do auto-elogio, não sendo já sequer necessário erguer castelos ou cravar padrões em terras distantes. A glória das insígnias reluzentes surge agora sob a forma de medalhas e fita para pendurar entregues a torto e a direito. Os elogios ficam com quem recebe; a factura é paga pelos contribuintes.


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  • 29 meses após um arrogante ‘não’, presidente do IST vai ter de mostrar 51 ‘esboços embrionários que consubstanciam meros ensaios para eventuais relatórios’ sobre a pandemia

    29 meses após um arrogante ‘não’, presidente do IST vai ter de mostrar 51 ‘esboços embrionários que consubstanciam meros ensaios para eventuais relatórios’ sobre a pandemia

    Num país onde há cientistas que, por ocuparem uma cátedra, ‘falam de cátedra’ sem humildade científica, um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul veio dar este mês uma lição ao presidente do Instituto Superior Técnico (IST). Após Rogério Colaço ter recusado divulgar, de forma arrogante, relatórios sobre a situação epidemiológica da covid-19 no Verão de 2022, uma luta judicial do PÁGINA UM ao longo de quase 30 meses teve finalmente um desfecho: o IST vai ter o mesmo de revelar o conteúdo integral de 52 relatórios, elaborados em parceria com a Ordem dos Médicos, que ‘ajudaram’ a prolongar o estado de pânico durante a segunda metade da pandemia. O PÁGINA UM já conseguira em primeira instância que o IST cedesse o último relatório (nº 52) que, com base em estimativas enviesadas e especulações de escasso rigor e transparência, atribuíra centenas de mortes às festas populares e aos festivais de música no Verão de 2022. Com episódios caricatos e pouco edificantes para a academia, o IST chegou a dizer que não elaborara qualquer relatório mas sim “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório’. Agora, tem de mostrar mais 51, mesmo se mantiver a espúria tese dos “esboço embrionário”.


    Senhor Pedro Vieira,

    O sr André Pires [do gabinete de comunicação] respondeu exatamente de acordo com as instruções dadas por mim. O pedido formal ao presidente do IST está respondido e a resposta é negativa.

    Rogerio Colaço

    Presidente do IST

    Foi desta forma, seca e arrogante, enviado pelo Galaxy pessoal às 12 horas e 19 minutos do dia 30 de Julho de 2022, que o catedrático Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico (IST), recusou ceder ao PÁGINA UM a cópia de um relatório de investigadores desta (suposta) prestigiada instituição universitária pública de Portugal sobre a situação epidemiológica da pandemia. Em pleno Verão do terceiro ano da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, estando um curso um alívio significativo das medidas restritivas, incluindo a ‘retoma’ de festividades, mas havendo muitos ‘especialistas’ a desejarem manter níveis de pânico elevado, o IST fizera divulgar, através da agência Lusa, um relatório ‘bombástico’ que concluíra que as festas populares e festivais de música em Lisboa tinham estado “na origem de 340 mil casos de covid-19” que teriam causado “a morte de 790 pessoas”.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusou divulgar os relatórios em 2022. Vai ter de ceder por ordem do tribunal.

    Mas quando o PÁGINA UM pediu a um dos autores desse estudo, Henrique Oliveira, que mostrasse o relatório escrito e o ficheiro de dados que o suportava, as portas fecharam-se. Este relatório inseria-se num parceria entre o IST e a Ordem dos Médicos que se terá iniciado em Julho de 2021, com pompa e circunstância: Rogério Colaço e Henrique Oliveira, por parte da instituição universitária, e Miguel Guimarães e Filipe Froes, por parte da associação profissional de clínicos, tinham até promovido uma conferência de imprensa, apresentando um novo indicador de avaliação do estado da pandemia, supostamente melhor do que as da Direcção-Geral da Saúde, por ser “uma ferramenta que resulta de um trabalho colaborativo”, desenvolvida através da “agregação de competências”. Nesse momento, Filipe Froes orgulhava-se por ter participado numa “equipa coordenada pelo Dr. Miguel Guimarães”, então bastonário da Ordem dos Médicos, cuja associação com o IST “abrir[a] as portas do futuro para parcerias e sinergias (…) em que todos somos vencedores”.

    Porém, na hora da verdade, “as portas do futuro”, e do suposto conhecimento científico – que deve ser confrontado – fecharam-se. E começaram a surgir as mais estapafúrdias desculpas numa triste novela pouco edificante para uma universidade pública.

    Quando o PÁGINA UM apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o IST a fazer aquilo que deveria ter sido feito de forma natural, a instituição liderada por Rogério Colaço ‘inovou’ pelo absurdo: considerou, em finais de Setembro de 2022, que aquilo que fora divulgado seria “um esboço embrionário, que consubstancia[va] um mero ensaio para um eventual relatório”. A intenção era clara: querer convencer o tribunal a não se aplicar a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Pouco mais tarde, ainda em sede de processo de intimação, o IST diria que nunca negara “ter elaborado um ensaio, apenas afirm[ara] que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E acrescentava que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas.”

    A Lusa noticiou, em 28 de Julho de 2022, as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o suposto impacte das festividades em Junho desse ano na transmissão e mortes por covid-19. A instituição universitária, que faz Ciência, quis convencer o Tribunal Administrativo de que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”.

    Em resposta, neste jogo do gato e do rato, a juíza de primeira instância exigiu, em Novembro desse ano, que o IST lhe enviasse o documento em envelope lacrado que considerava “um esboço embrionário” para apurar se era um “esboço” ou uma desculpa esfarrapada. Mesmo perante esta suprema humilhação – uma instituição universitária a ver-se forçada a mostrar se andava a mentir ao tribunal –, o IST continuou perseverou: em vez de enviar o original, remeteu uma cópia com “anotações manuscritas a lápis”, em mais uma vã tentativa de ver o relatório considerado um “esboço”. Somente com uma nova entrega revelou então que se estava perante 52 relatórios, com o último a ser aquele que se referia às festividades.  

    Finalmente, em Janeiro de 2023, o Tribunal Administrativo de Lisboa tomou uma decisão, mas para grande surpresa, apesar de ter concedido o direito de o PÁGINA UM ter acesso ao Relatório 52, a sentença não se pronunciou sobre os outros 51 relatórios nem sobre os ficheiros de dados. O IST acabou por enviar o Relatório 52, que seria ‘esmiuçado’ pelo PÁGINA UM em Fevereiro do ano passado. Esta semana, aproveitando as evoluções tecnológicas, o PÁGINA UM usou o ChatGPT para uma análise ao Relatório 52 com base em critérios de “rigor académico, transparência, clareza e impacte científico”, elaborada “de forma isenta e detalhada”.

    Numa análise de três páginas, o ChatGPT atribuiu uma avaliação de 12 (em 20) à equipa de investigadores do IST, coordenada pelo catedrático Rogério Colaço, e salienta que “o Relatório Rápido nº 52 […] é um documento tecnicamente competente, mas apresenta falhas significativas que comprometem a sua utilidade como ferramenta de apoio à decisão”, acrescentando que “a falta de transparência nos dados e metodologias, combinada com mensagens contraditórias, reduz a sua credibilidade e impacto académico”. E sugere recomendações como seja “detalhar as metodologias utilizadas, especialmente para estimativas contrafactuais; publicar os dados brutos e aumentar a transparência das fontes; incluir variáveis adicionais e explorar contextos sociais e económicos mais amplos; [e] garantir maior consistência na comunicação para evitar mensagens ambíguas”.

    Rogério Colaço, cidadão português nascido em Soure em Junho de 1968, conjunturalmente presidente do Instituto Superior Técnico, vai ter de entregar 51 relatórios elaborados por uma instituição universitária pública, ao cidadão Pedro Almeida Vieira, nascido em Coimbra em Novembro de 1969, conjunturalmente director do jornal PÁGINA UM.

    Tanto o PÁGINA UM como o IST – que ainda tentou ‘sacar’ do tribunal a cópia que enviara em envelope selada – recorreram da sentença, por razões diferentes. Apesar de ter entregado o último relatório, o IST argumentou junto do Tribunal Central Administrativo do Sul que a sentença estava errada, enquanto o PÁGINA UM alegava que a juíza Telma Nogueira erradamente não se pronunciara sobre os outros 51 relatórios – que também deveriam ser disponibilizados – nem sobre os ficheiros com os dados.

    E é sobre este recurso que o Tribunal Central Administrativo do Sul veio agora pronunciar-se, mais de dois anos e cinco meses depois do pedido inicial do PÁGINA UM, através de um histórico acórdão.

    Apesar de o IST, em sede de contra-alegação, ter chegado a defender que ficara “apenas provada [na primeira sentença] a existência do relatório intitulado Relatório Rápido n.º 52, não se provando a existência de outros elementos”, e que “cabia ao recorrido [PÁGINA UM] fazer prova da existência dos restantes relatórios, assim como, dos alegados ficheiros informáticos com dados numéricos”, os desembargadores Marcelo Mendonça, Ilda Côco e Ana Lameira consideraram o óbvio. “Não é difícil perceber que, tendo sido elaborado pelo Recorrido público [IST] o relatório n.º 52 sobre a avaliação epidemiológica da covid-19, a ordem numérica, cronológica e lógica das coisas impele-nos a concluir que terão de existir 51 relatórios antecedentes vindos da safra do Recorrido público”, salientam.

    Os desembargadores consideraram também que “um relatório sobre a avaliação epidemiológica da covid-19 que surge depois de um trabalho prévio de análise, estudo ou tratamento de dados coligidos segundo uma determinada metodologia, a partir de um sítio da internet de acesso público (da Direcção Geral da Saúde), em que se utilizou um determinado programa de análise matemática, nada tem de esboço ou de rudimentar, pois que, atentas tais características, o conteúdo ou a informação escrita que daí emerja já não pode ser encarada como um mero rascunho”.

    O Relatório Rápido nº 52 do IST assegurava que que houvera um aumento das infecções com as festividades populares no Verão de 2022, mas tal não sucedeu. O relatório divulgado pela Lusa em finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, o IST recusou essa validação externa. As festas populares em Lisboa no Verão de 2022 tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos positivos de SARs-CoV-2 regrediram face a Maio.

    E acrescentam ainda os desembargadores que mesmo que esses documentos contenham “ainda estimativas, cujas respectivas conclusões e resultados extraídos ainda carecem de análise e confirmação”, são sempre documentos administrativo, pois “se de um relatório se trata, algum conteúdo útil há de abordar e relatar, ainda que preliminarmente, não se admitindo que essa eventual provisoriedade seja motivo para negar o acesso ao conteúdo ou informação escrita já existente”. E concluem ainda que, mesmo se se estivesse perante direitos de propriedade intelectual ou segredo relativo à propriedade intelectual, “o princípio vigente é o da acessibilidade”.

    Em todo o caso, o acórdão considerou que o IST não está obrigado a facultar os ficheiros informáticos usados para a elaboração dos relatórios – e necessários para efeitos de replicação dos resultados, como se mostra necessário em Ciência –, uma vez que os desembargadores consideraram que o PÁGINA UM fez um pedido “vago, genérico e indeterminável, porque desprovido de informação concreta que melhor especifique, por exemplo, a origem, a índole, o hiato temporal, a autoria ou o local específico de arquivo electrónico donde possam ser extraídos tais elementos”.

    Saliente-se que, sem desprimor da decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul, o pedido sobre os ficheiros era não apenas exacto como óbvio em ciências exactas: um relatório com resultados de modelos quantitativos avançados tem sempre subjacente um ficheiro de dados numéricos. Ou seja, para cada relatório existirá necessariamente um ficheiro de dados numéricos. Mas o óbvio em ciências exactas não é, aparentemente, o óbvio em ciências jurídicas.

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    Agora, o IST está intimado a facultar, no prazo de 10 dias, que terminará nos primeiros dias de 2025, os 51 relatórios em falta. Se assim desejar pode fazê-los acompanhar, voluntariamente, dos ficheiros numéricos para eventual replicação dos relatórios. Se não incluir esses ficheiros numéricos, então reforçam-se as ‘críticas’ da análise crítica do ChatGPT que sustenta a “falta de transparência” do Relatório nº 52, uma vez que, entre outros aspectos, “Não são apresentados os dados brutos utilizados para calcular os indicadores e fazer previsões, dificultando a replicação dos resultados”.

    Note-se que esta luta judicial do PÁGINA UM implicou, além de desmesurado tempo, o pagamento de taxas de justiça próximo de mil euros, tendo contado com o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Quando os relatórios do IST forem finalmente entregues, o PÁGINA UM vai divulgá-los na íntegra e pedirá uma análise do seu rigor por parte do Conselho Científico daquela instituição que integra a Universidade de Lisboa.


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  • ‘Comprador misterioso’ de pintura de Paula Rego é a autarquia de Cascais, através da Fundação D. Luís I

    ‘Comprador misterioso’ de pintura de Paula Rego é a autarquia de Cascais, através da Fundação D. Luís I

    Num mercado de arte bastante competitivo, as pinturas de Paula Rego, mesmo as de menores dimensões, não são nada baratas, até pela raridade com que surgem em leilões. No mês passado, um pequeno quadro em pastel sobre papel, inspirado no conto do Capuchinho Vermelho, foi arrematado por 293 mil euros, incluindo comissões, mas a leiloeira infomou então que o comprador era um “cliente português que pediu para manter o anonimato”. Sabe-se agora que, afinal, a aquisição foi feita pela Fundação D. Luís I, pertencente à autarquia de Cascais. que é o seu principal ‘mecenas’. Mas há agora outro mistério: de acordo com o contrato, o negócio entre a fundação e a leiloeira somente começou a tomar forma cerca de duas semanas após o leilão, e o contrato acabou assinado só na semana passada.


    A Fundação D. Luís I – entidade da autarquia de Cascais responsável pela gestão dos espaços do município – é o ‘comprador misterioso’ de uma obras mais emblemáticas da série ‘Capuchinho Vermelho’, de Paula Rego, que foi vendido em leilão no passado dia 14 de Novembro.

    Intitulada originalmente intitulada “Mother wears the wolf’s pelt” (“A mãe a usar a pele do lobo”), a leiloeira Veritas Art Auctioneers revelara apenas que o quadro de Paulo Rego – um quadro em pastel sobre papel de 84 por 67 centímetros – tinha sido adquirido por um “cliente português que pediu para manter o anonimato“, de acordo com a Lusa. A estimativa de preço situava-se entre os 180 mil e os 250 mil euros, tendo o quadro sido arrematado por 240 mil euros (valor do martelo), o que resultou num preço final de 293.136 euros, atendendo à comissão da leiloeira de 18% e ao IVA sobre esta parcela.

    ‘Mother wears the wolf’s pelt”, pintura executada em 2003 por Paula Rego

    Esta obra integra um conjunto de seis pinturas de Paula Rego, executadas no início deste século, alusivas ao conto do Capuchinho Vermelho escrito o século XVII, a partir de recolhas orais do francês Charles Perrault, e, mais tarde, reescrita pelos germânicos Jacob e Wilhelm Grimm. Antes desta venda tinha estado exposta no Museu de Serralves, em 2004 e 2005, depois em Barcelona, em 2017, e ainda nesse ano e no seguinte num museu de arte em Melbourne, tendo estado depois brevemente numa exposição Casa das Histórias Paula Rego (CHPR) em 2018.

    O desvendar do mistério da identificação do comprador deste importante quadro de Paula Rego por valores elevados – embora modestos para algumas das suas obras maiores, como o painel “Avestruzes Bailarinas do filme ‘Fantasia’ de Walt Disney”, vendido em Londres no ano passado por 3,5 milhões de euros –, não foi ainda assumido pela Fundação D. Luís I, mas está já confirmado por um contrato estabelecido por esta entidade e a leiloeira no passado dia 16 deste mês.

    Neste contrato, assinado pelos administradores da Fundação D. Luís I, Salvato Teles de Menezes e Ana Padrão, omite-se, porém, a aquisição do quadro no leilão, referindo-se que o valor da compra foi definido de acordo com uma proposta de 27 de Novembro – ou seja, já depois da data do leilão – e deliberada mais tarde pelo Conselho Directivo no dia 11 do presente mês de Dezembro.

    a large pyramid shaped building sitting on top of a lush green field
    Pintura adquirida pela fundação da Câmara Municipal de Cascais vai integrar o espólio da Casa das Histórias Paula Rego.

    Esta aquisição pode considerar-se como avultada para a Fundação que tinha, no final do ano passado, um património líquido de pouco mais de três milhões e, apesar de cerca de 206 mil euros, recebeu 438 mil euros de subsídios da própria Câmara Municipal de Cascais.

    A obra deverá ainda este ano integrar o espólio de Paula Rego na ‘sua’ Casa das Histórias, projectado pelo arquitecto Eduardo Souto de Moura. No contrato de compra-e-venda é, aliás, referida a importância deste quadro que colmatará “a inexistência de pinturas deste período na colecção da CHPR”, possibilitando também uma melhor compreensão para a “linha de investigação que a artista definiu quando se propôs, em 1976, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, a ‘ilustrar mais prolificamente os contos tradicionais portugueses ou integrar esses contos eternos na nossa mitologia contemporânea e experiência pessoal através da pintura”.

    Esta pintura, criada em 2003, a última da série que reinterpreta o conto clássico do Capuchinho Vermelho, mostra uma mulher sentada, vestida de veludo vermelho e adornada com uma estola de pele, remetendo para temas como o poder matriarcal e a transformação, mas mantendo, ao mesmo tempo, uma tensão narrativa que é marca distintiva desta artista falecida em Junho de 2022, aos 87 anos.

    O díptico “Dancing Ostriches from Walt Disney’s ‘Fantasia’ (1995), pastel em papel colado sobre alumínio, é a obra mais valorizada de Paula Rego, tendo sido leiloada no ano passado por 3,5 milhões de euros em Londres.

    Recorde-se que no final de Outubro passado, a Câmara de Cascais revelou que comprara a pintura “Rei Canuto”, executada por Paula Rego em 1977, pelo valor de 262.500 euros a uma coleccionadora estrangeira, embora a aquisição tenha sido concluída em 2023.

    Antes, em Setembro de 2022, o município adquiriu também, depois de negociações com a família da pintora, o quadro “The Exile” por 240 mil euros. Poucos meses mais tarde, em Dezembro desse ano, foi a vez da então Direcção-Geral do Património Cultural desembolsar 424 mil euros pelo quadro “O impostor”, pintado em 1964.


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  • Crise na habitação: concelhos de Lisboa e Porto perderam seis mil casas numa década

    Crise na habitação: concelhos de Lisboa e Porto perderam seis mil casas numa década

    Novas dinâmicas de construção e factores financeiros e conjunturais estão a causar uma redução líquida do parque habitacional em importantes concelhos do país desde 2012. Apesar do Instituto Nacional de Estatística ter revelado hoje que Portugal superou em 2022 a fasquia dos seis milhões de fogos, o valor mais elevado de sempre, uma análise do PÁGINA UM descobriu que cidades como Lisboa, Porto, Loures e Amadora apresentam reduções relavantes face ao ano de 2012. Na região metropolitana da capital são os municípios da Margem Sul e Mafra que mostram mais dinamismo, enquanto que a ‘atracção urbanística’ no Norte se deslocou para as subregiões do Cávado, Ave e Tãmega e Sousa, que já apresentam mesmo taxas de crescimento superiores ao Algarve. E há concelhos do interior e nas regiões autónomas em curioso contra-ciclo.


    Os municípios de Lisboa e Porto perderam, no conjunto, quase seis mil fogos do seu parque habitacional numa década, de acordo com informação hoje revelada pelo Instituto Nacional de Estatística, que actualizou os números de alojamentos familiares respeitantes ao ano de 2022.

    Uma análise do PÁGINA UM à série histórica desde 2012 revela que, no caso dos dois principais municípios do país, a crise habitacional se explica bastante pela estagnação da construção e remodelação. Ao invés de um crescimento a nível nacional, mesmo se ténue – havia mais 104.750 alojamentos em 2022 em comparação com 2012, ultrapassando-se pela primeira vez na História os seis milhões de fogos habitacionais –, a cidade de Lisboa registou um decréscimo de 0,9%, significando uma redução de 3.020 fogos (de 323.196 para 320.176), enquanto o Porto perdeu 2.834 fogos, passando de 137.793 para 134.959, ou seja, uma redução de 2,1%.

    window, travel, lisbon

    Mesmo se na região administrativa da Grande Lisboa, os fogos habitacionais ainda cresceram (+0,35%, significando mais 3.706), as dinâmicas urbanísticas estão alteradas face ao que sucedeu até à primeira década deste século. As zonas de suburbanas mais antigas estão a perder dinamismo construtivo. Por exemplo, o concelho de Loures registou uma diminuição de 1.216 fogos (-1,22%) neste período, passando de 99.567 para 98.351. Outro caso de perda foi o da Amadora, que diminuiu em 566 fogos (-0,64%), descendo de 88.007 para 87.441.

    Mesmo em concelhos extensos e com um passo de grande dinamismo, e especulação à mistura, estiveram agora mais ‘recatados’ entre 2012 e 2022. Sintra registou um aumento de 1.554 fogos (+0,85%), atingindo 184.580 em 2022. Cascais cresceu 1.608 fogos (+1,47%), alcançando 111.003, enquanto Oeiras apresentou um acréscimo de 789 fogos (+0,91%), totalizando 87.074.

    Entre os concelhos com maior dinamismo na Área Metropolitana de Lisboa destacam-se Montijo (+5,06%), Seixal (+4,93%), Palmela (+4,86%), Mafra (+4,43%), Sesimbra (+4,11%) e Odivelas (+3,23%), reflectindo um crescimento acentuado, impulsionado pela procura de novas habitações em zonas periféricas. Por outro lado, a estagnação ou saturação são evidentes em concelhos como Vila Franca de Xira (+0,56%) e Almada (+0,57%), onde o parque habitacional está praticamente estabilizado nesta última década.

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    Porto foi o 20º concelho do país que mais parque habitacional perdeu em termos relativos

    A descentralização para zonas periféricas, como Mafra e Montijo, reflecte um fenómeno de suburbanização mais afastada do principal pólo de atracção e com ligações menos directas por transportes públicos. A pressão demográfica e a procura por terrenos acessíveis têm assim transferido o foco da construção para fora do centro urbano.

    No caso da Área Metropolitana do Porto (AMP) também se observa uma dinâmica diversificada, mas tendo como ponto comum a perda do parque habitacional na principal cidade. Entre os concelhos com maior crescimento destacam-se Valongo (+3,26%, +1.321 fogos), Póvoa de Varzim (+3,09%, +1.092 fogos), e Trofa (+2,40%, +377 fogos). Outros concelhos, como Vila do Conde (+2,28%, +869 fogos), Espinho (+1,88%, +298 fogos) e Vila Nova de Gaia (+1,79%, +2.548 fogos), também registaram aumentos, embora com valores médios anuais a rondar os 0,2% ao ano.

    Além do Porto, há sinais de estagnação e de declínio urbanístico em algumas zonas suburbanas. O caso mais evidente é a Maia – que apresentou uma ligeira diminuição de 50 fogos (-0,08%) –, mas o município de Matosinhos (+0,7%) está praticamente com o mesmo número de alojamento de 2012.

    bridge, house, village
    Dinãmicas urbanísticas no Norte estão mais fortes nas subregiões do Ave, Cávado e Tâmega e Sousa.

    Na região Norte, o fraco dinamismo urbanismo Este contraste reflete uma realidade comum às duas principais áreas metropolitanas: o crescimento das periferias em detrimento dos centros. A ‘migração’ da construção na região Norte desviou-se para outras sub-regiões, sobretudo para o Cávado e o Ave.

    Com efeito, a região do Cávado registou um crescimento expressivo de 5,1% (+9.751 fogos), o maior do país, com destaque para quase todos os seus municípios: Amares, Barcelos, Braga, Esposende e Vila Verde. A única exceção foi Terras do Bouro, que não acompanhou esta tendência.

    Já a região do Ave apresentou um crescimento de 4,7%, o segundo maior do país, O destaque vai para o concelho de Vizela, que cresceu 9,2% e se posiciona como o terceiro município mais dinâmico do país em termos urbanísticos, apenas atrás da Madalena, na ilha do Pico, nos Açores (+14,3%), e da Golegã (+12,1%). Estes dois últimos são os únicos municípios do país com uma taxa de crescimento médio anual superior a 1% entre 2012 e 2022.

    A dicotomia litoral-interior agravou-se evidente. De entre os 78 concelhos com perda de parque habitacional entre 2012 e 2022, a esmagadora maioria são do interior, com destaque para Tarouca (-9,8%), Penela (-8,4%), Coruche (-4,7%), Mação (-4,6%), São Vicente (-4,3%), Soure (-4,2%), Sardoal (-4,0%), Nordeste (-3,6%), Chamusca (-3,3%), Avis (-3,1%), embora surjam outros municípios de áreas metropolitanas. Por exemplo, o Porto foi o 20º concelho com maior perda relativa do património habitacional.

    A view of a city from the top of a hill

    Em todo o caso, as dinâmicas urbanísticas dependem muito de circunstancialismos. Mesmo existindo bastantes municípios do litoral com maiores crescimentos no número relativo de alojamentos habitacionais, encontram-se alguns casos curiosos:  Madalena (+14,3%), Golegã (+12,1%), Campo Maior (+8,7%), Corvo (8,4%, embora se refira apenas a mais 16 fogos), Velas (+5,7%), Manteigas (+5,7%), Odemira (+5,7%) e Penedono (+5,5%), Vila Nova de Paiva (5,5%), Calheta (Madeira, +5,2%) e Oliveira de Frades (+5,1%)

    Apesar de ainda ter concelhos com forte dinamismo urbanístico, a região do Algarve está longe do fulgor de outrora, tendo registado um cr5escimento de 3,76% (+12.984 fogos) entre 2012 e 2022, impulsionado pela procura turística e pela atractividade residencial. Concelhos como Loulé (+4,15%, +4.312 fogos) e Portimão (+3,89%, +3.256 fogos) são exemplos desta vitalidade das betoneiras, mas a taxa de crescimento está já abaixo das registadas pela sub-região do Ave, do Cávado e do Tâmega e Sousa.


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  • Tiago Salazar

    Tiago Salazar

    Na vigésima segunda sessão da BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com o jornalista e escritor Tiago Salazar.



    Contador de histórias por natureza, e por excelência, Tiago Salazar encontrou no jornalismo e na literatura as suas formas de expressão privilegiadas, embora também percorra as estradas alfacinhas mostrando as estórias e vivências de Lisboa, que já lhe serviam de mote para livros.

    Formado em Relações Internacionais, estudou Guionismo e Dramaturgia em Londres, mas durante anos o jornalismo ‘conquistou-o’, colaborando com o Diário de Notícias, a revista Grande Reportagem, e, mais tarde, a Time Out Lisboa.

    Viajante incansável, muitas das suas ‘aventuras’ acabaram em livro, como são os casos de ‘Viagens sentimentais’ (2007), ‘A casa do Mundo’ (2008), ‘As rotas do sonho’ (2010), ‘Endereço desconhecido’ (2011), partindo de um programa de televisão, e ‘Crónica da selva’ (2014).

    Mas tem sido no romance que Tiago Salazar se tem destacado, designadamente com ‘O baú contador de histórias’ (2014) e ‘A escada de Istambul’ (2016), a que se juntam, mais recentes, dois romances do género histórico: ‘O Magriço’ (2020) e ‘O pirata das Flores’ (2021).

    Tiago Salazar fotografado no PÁGINA UM.

    Nesta conversa com Pedro Almeida Vieira para a Biblioteca do PÁGINA UM, Tiago Salazar conversa sobre a sua paixão pelas viagens, pelo jornalismo e também pelas personagens que encontra ou (re)cria nos seus romances. E a conversa também para as dificuldades da escrita em Portugal, até por via de Tiago Salazar estar agora a escrever com o apoio de uma bolsa literária. Mas também fala da vida e da anarquia…

    Entre os romances patentes na Biblioteca do PÁGINA UM, Tiago Salazar recomenda os romances ‘O Grande Cagliostro’, de Carlos Malheiro Dias, publicado em 1905, ‘Hora de Sertório’, de João Aguiar, publicado em 1994, e ‘A casa do pó’, de Fernando Campos, publicado em 1986.

    Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Tiago Salazar.

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  • Mónica Bello

    Mónica Bello

    Na vigésima segunda sessão da BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com a jornalista e escritora Mónica Bello.



    Iniciou-se no jornalismo em 1988, n’O Independente, onde editou o Caderno 3, tendo regressado, anos mais tarde, para assumir o cargo de directora-adjunta, e, em mais de três décadas, Mónica Bello desempenhou mais cargos de edição executiva: na revista Volta ao Mundo, no jornal Diário Económico e no site de informação Dinheiro Vivo.

    Integrou ainda a equipa fundadora do jornal i, como subdirectora, e foi ainda directora-adjunta da revista Grande Reportagem e do jornal Diário de Notícias.

    As suas vivências jornalísticas levaram-na também ao mundo dos livros. Em 2006, publicou ‘A costa dos tesouros’, sobre navios afundados e património cultural subaquático na costa portuguesa. E em 2020, publicou também ‘A vida extraordinária do português que conquistou a Patagónia’, sobre um português aventureiro no extremo meridional do continente sul-americano. De permeio, em 2012, escreveu, em co-autoria, dois livros de receitas para crianças, Este mês estreou-se, finalmente, no romance, com ‘A jóia que o rei não quis’, que ficciona uma história verdadeira envolvendo um punhal do século XIX, que pertence agora à Fidelidade, a mais antiga seguradora portuguesa em actividade.

    Mónica Bello fotografada no PÁGINA UM.

    Nesta conversa com Pedro Almeida Vieira – um reencontro depois de se terem cruzado na revista Grande Reportagem no final dos anos 90 –, Mónica Bello fala do seu percurso jornalísticas e duas suas aventuras nestas lides que a levaram a conhecer alguns dos temas que transpôs para os livros, bem como da ‘feitura’ do seu primeiro romance.

    Entre os romances patentes na Biblioteca do PÁGINA UM, Mónica Bello recomenda os romances ‘Uma fazenda em África’, de João Pedro Marques, publicado em 2012, ‘O cemitério dos eternos prazeres’, de Domingos Amaral, publicado em 2024, e ‘Equador’, de Miguel Sousa Tavares, publicado em 2003.

    Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Mónica Bello.

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  • Estoril 3.0

    Estoril 3.0


    Aquele golo sofrido, no fim-de-semana passado, no último lance do jogo contra o AVS – que nem sei bem o que significa – doeu muito. Não tivesse o Trubin despachado tão mal aquele atraso, não houvesse falta, não tivesse a defesa do Benfica andado a ver navios…  Enfim, o prazer faz-se pagar caro, mas, de igual sorte, quanto mais tarde chega, mais saboroso parece ser. E estou confiante, depois de mais um percalço do Sporting, graças ao excelente treinador João Pereira (longa vida lhe desejava eu aos comandos dos lagartos, mas, infelizmente, como o peru, não sobreviveu à quadra), desta vez é que é: vamos mesmo chegar ao Natal em primeiro lugar. Presumo eu, que comeceu esta crónica pouco depois dos primeiros pontapés, ali em baixo.

    Nisto, depois de tudo o que se passou com o Roger Schmidt, prenunciar o Benfica em primeiro lugar é melhor do que aquela filhó que chega à mesa, dourada como o sol deste Inverno, estaladiça na borda e macia no centro, com um aroma subtil de aguardente a aquecer a alma.

    Não há melhor. Nem que fosse uma daquelas rabanadas que se desfazem na boca, banhada em calda de açúcar e canela, húmida e perfumada, como se trouxesse o abraço do Natal num pedaço.

    O Benfica em primeiro no Natal será melhor do que uma fatia generosa de bolo-rei, de brilhantes frutas cristalizadas, de crocantes nozes e amêndoas, daquele que liberta perfume a laranja e vinho do Porto, ou melhor, aquilo é mais do Douro, ou, vá lá, de Vila Nova de Gaia.

    (tudo calmo ali em baixo, já agora… e já agora, poderia o Benfica ofertar uma fatia de bolo-rei que este famigerado farnel merecia melhorias; se melhoraram o treinador, metendo o Lage, não sei a razão para manterem o lanche como está…)

    Enfim, continuemos nestas analogias. Acrescento eu que ver o Benfica no topo da clasificação será mais apetitoso do que qualquer tronco de Natal, mesmo se com aquela textura cremosa de chocolate, laivos de açúcar como neve fresca em decoração, a envolver as papilas num abraço de sabores.

    Nem qualquer sonho se iguala, que sonho já vivem agora os benfiquistas depois do pesadelo alemão – e mesmo que fosse um daqueles sonhos que parecem flutuar, leves como uma nuvem, por terem sido fritos até à perfeição, com a superfície caramelizada e polvilhada de açúcar.

    E metam também os pudins de ovos em calda de caramelo, ou as broas-de-mel em farinha de trigo ou as tartes de amêndoa de crosta dourada – tudo perde no confronto com o Benfica em gloriosa posição.

    (é goloooooooo; golooooooooooooo… já está. O nosso PAVlidis a dar-nos melhor música do que o Vangelis!)

    E digo mais agora, que o primeiro lugar me parece garantido: nem todo o ouro, nem todo o incenso, nem toda a mirra valem mais do que este momento. Exagero? Talvez. Acho que exagero mesmo. Quer dizer, pelo ouro de todo o Mundo eu até prescindia – que não sou doido –, mas só para que pudesse guardar uma pequena porção. Para quê? Ora, para alguns reforços cirúrgicos na ‘janela de Janeiro’, claro, que o assalto final à época não se faz com romantismos, mas com pragmatismo. E, além disso, temos a Champions, e eu não quero mais ver derrotas desta varanda.

    Em todo o caso, sendo certo que o ouro pode comprar jogadores, não compra o espírito. Não compra o grito da multidão, o abraço colectivo nos golos, nem o sabor desta vitória. Aquilo que desejo vincar é que o Benfica no topo, antes deste Natal, transcende qualquer presente material. É um presente que se sente, que nos percorre as veias e nos aquece melhor do que qualquer lareira da casa das nossas avós.

    O prazer de ver este nosso Glorioso no cume da tabela não é só estatística; é a chegada de triunfo que, como dizia Nietzsche, só se torna verdadeiramente glorioso depois de superados os obstáculos. E superámo-los: os percalços com o Roger Schmidt, o renascimento com Bruno Lage, e até os deslizes que pareciam comprometer o destino.

    (chega o intervalo, e o Benfica, na verdade, não deslumbra, mas mostra-se competente, mas tem de marcar mais golos para nos sossegar)

    Enquanto isto, filosofo mais, enquanto os guerreiros descansam, sobre esta reconfortante sensação que é o prazer, e que, desde tempos imemoriais, tem sido um tema central da Filosofia – e que me parece ter nesta Da Varanda da Luz o local ideal para uma competente dissertação.

    Sabemos que o prazer para os antigos gregos, mesmo sem saberem nada das artes da ludopédia, não era apenas uma questão de experiência, mas de equilíbrio e significado. Epicuro, frequentemente mal compreendido como hedonista, defendia que o verdadeiro prazer residia na ausência de dor, tanto no corpo quanto na alma. Para ele, a gratificação era maior quando obtida com moderação, ponderação e, sobretudo, depois de se ultrapassarem grandes dificuldades.

    (e recomeça o jogo; força Benfica!)

    Por outro lado, Aristóteles via o prazer como um complemento da virtude; era bom, mas nunca deveria ser o objectivo em si. Para ele, o esforço e a excelência eram a chave para uma vida bem vivida, e o prazer surgia como uma consequência natural desse caminho. Talvez devessem mesmo experenciar a dor de ter um treinador como o Roger Schmidt no início da temporada… – ou, para quem é do sportinguista, ver o João Pereira a desbaratar um início perfeito do Ruben Amorim, que, aliás, quis ir sofrer para Manchester.

    Passando agora dos antigos para os modernos. Sobre o prazer, podemos sempre recorrer ao útil Nietzsche, que desafiou o ideal da busca pelo conforto. A sua ideia de amor fati, ou o amor ao destino, sublinha que é no confronto com as adversidades que se encontra o verdadeiro sentido da existência. Não sei ainda bem se isto se aplica ao futebol. Aplica-se?

    (ai ai ai!, desgraça! Penalti contra o Benfica. Grande porcaria… espera… espera… o VAR ‘anulou’, ou melhor, o árbitro reverteu a decisão depois de ir ver o VAR. Alivio! Depois da dor pela antecipação de uma desfeita, foi como se viesse o prazer depois de uma dor percebida)

    Suspiro, aliviado. Tréguas para continuar a filosofar nesta Varanda da Luz. E respondo à pergunta. Claro que sim. Se o amor fati nos ensina a abraçar o destino, com todas as suas adversidades, então aplica-se, sim, ao futebol. E porquê? Porque o futebol, como a vida, não é uma sucessão de vitórias fáceis e momentos perfeitos; antes sim, é feito de frustrações, de reviravoltas, de lesões inesperadas, de golos sofridos no último minuto – como aquele contra o AVS, que ainda me dói só de lembrar. O amor fati é isso: aceitar que a dor faz parte do jogo da vida, e é precisamente essa dor que torna as vitórias mais doces.

    Quando pensamos na travessia inicial desta época, com Roger Schmidt a transformar-se numa fonte de frustração, ou quando olhamos para o Sporting – cujo início parecia prometer glórias, apenas para que o João Pereira desmoronasse tudo como um castelo de cartas –, percebemos que o futebol é um microcosmo da existência humana. É a luta contra as probabilidades, o confronto com a imperfeição, que dá significado ao jogo. Nietzsche diria, se vivesse agora, que, ao amar essas adversidades, ao encontrar beleza nas derrotas e nos momentos de dúvida, crescemos enquanto adeptos – e enquanto seres humanos.

    (goloooooooooo!!!! Benfica! Zeki Amdouni, acabadinho de entrar, e logo a marcar. Alívio. E o Natal está a 17 minutos de chegar, mais os descontos)

    E veja-se: se não fosse pelo sofrimento inicial, e até o sofrimento deste jogo, que houve, onde encontraria eu o sabor pleno do momento actual? O Benfica em primeiro lugar antes do Natal é um presente que só faz sentido porque passámos por altos e baixos. Se a vitória fosse certa, constante, garantida, perderia o seu valor. O futebol seria uma monotonia, sem emoção, sem intensidade. A glória de PAVlidis a marcar hoje, como se fosse o outro Vangelis a compor uma sinfonia em campo, mostra-se arrebatadora porque é fruto de esforço, de trabalho, e, sim, de dor superada… Acho que estou a exagerar, mas, enfim, quem não…

    Talvez seja isso que Nietzsche, mesmo antes do futebol ser inventado como o conhecemos, nos ensina: não há prazer genuíno sem luta, não há glória sem adversidade. Por isso, amar o destino, com as suas curvas e tropeços, constitui uma declaração de amor ao futebol em toda a sua imprevisibilidade. Por isso, sim, o amor fati aplica-se ao futebol – e talvez o futebol, no fundo, seja um dos maiores exercícios de amor fati na vida moderna. Afinal, que outra paixão nos leva a sofrer tanto e, ainda assim, a amar cada instante?

    No coração de cada adepto, sinto agora nestes benfiquistas, um pouco mais de 60 mil aqui no estádio, reside um ethos semelhante ao dos filósofos: o prazer supremo destas últimas semanas, e de hoje em particular, esteve inextricavelmente ligado à paciência, sobretudo com o alemão, ao esforço, à espera e, muitas vezes, à dor de suportar derrotas e empates. Não é o sabor mais ou menos fácil das vitórias sucessivas com o Bruno Lage que agora cativa; é o momento glorioso que chega após uma sequência de desafios superados.

    (e golooooooooooo… 3-0; novamente o suíço com o nome esquisito, que me parece que está a ficar melhor do que o Seferovic)

    Termino, como termina o jogo, em glória, afirmando que o Gloriosa, nesta temporada, será é o exemplo perfeito desta Filosofia da Ludopédia aplicada à vida. Qualquer adepto já saberia que as conquistas mais satisfatrórias são aquelas que surgem depois de períodos de frustração. E agora, basta seguir o caminho. Alvalade será o próximo bastião a quebrar: dizem-me que já sem o João Pereira… Agora, até podiam contratar o Pep Guardiola…


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  • Gouveia e Melo: como um acórdão e um comunicado mostram um homem sem qualidades

    Gouveia e Melo: como um acórdão e um comunicado mostram um homem sem qualidades


    Esta semana, Gouveia e Melo – que em três anos de liderança como Chefe do Estado-Maior da Armada nada fez do que se pavonear, aproveitando um passado de seis meses como mestre de logística em 2021 – anunciou a passagem à reserva porque, palavras suas, “não faz sentido, depois de sair da Marinha, continuar como uma sombra relativamente à Marinha”.

    Pessoalmente, nunca tendo eu sequer passado pela ‘tropa’ por razões oculares, entra-me pelos olhos uma evidência: Gouveia e Melo nunca será uma sombra para a Marinha; será sim uma lamentável e indelével nódoa.

    Mesmo não comungando do militarismo, considero inegável o papel fundamental dos militares, tanto em tempos de paz como de guerra. Na verdade, é em paz que os militares exercem melhor o seu múnus, porque são eles que melhor percebem os horrores da guerra, assim melhor intercedem para um equilíbrio dos humores dos políticos. E é nessa linha que se espera dos militares, sobretudo daqueles que assumem especiais responsabilidades de topo, um código de honra e de compromisso com a instituição que servem, colocando o dever acima de vaidades ou ambições pessoais. Esse código de honra deveria traduzir-se em liderança pelo exemplo, em discrição e em resultados concretos, e não em protagonismos oportunistas que, longe de fortalecerem a instituição, a desgastam e a fragilizam. Gouveia e Melo personifica a falta de honra e a abundância de oportunismo.

    O mais recente caso da anulação dos castigos a militares do NRP Mondego, decretado por um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), é porventura o melhor exemplo para caracterizar um homem sem qualidades que chegou a um lugar que jamais deveria ter ocupado, mas que, hélas, o Princípio de Peter o estimula a seguir em frente, agora para Belém.

    E a cereja no cimo deste nauseante ‘bolo’ é um comunicado de ontem à noite do gabinete de comunicação da Marinha, que foi, certamente, obrigada a emitir. E que deve ser confrontado com outro comunicado de Maio passado – citado pela imprensa, embora sem estar agora no seu site – de que fora “afastada, pelos tribunais administrativos, a suspeição sobre imparcialidade levantada pelos militares relativamente ao comandante da Zona Marítima da Madeira, na qualidade de oficial instrutor do processo, e ao comandante naval, na qualidade de entidade com competência disciplinar”.

    Diz o seguinte este lamentável comunicado ao melhor estilo do ‘sacode a chuva do capote’:

    Relativamente à notícia divulgada esta noite sobre o anulamento de castigos pelo Tribunal no âmbito do processo relacionado com o Navio Mondego, importa esclarecer que o processo em questão diz respeito ao castigo aplicado pelo Comandante Naval, e não pelo Chefe do Estado-Maior da Armada, como está a ser referido.

    Há neste comunicado, desde logo, uma postura inqualificável. Gouveia e Melo, desde o início deste incidente em Março do ano passado – quando 13 militares recusaram cumprir uma missão de acompanhamento de um navio russo ao largo da Madeira por falta de condições de navegabilidade do navio de patrulha –, quis aplicar logo castigos públicos, escondendo fragilidades e assim aumentar a sua aura de homem providencial – o homem providencial e populista que, ainda há pouco tempo, no passado mês de Maio, garantia que se “a NATO nos exigir, vamos morrer onde tivermos de morrer para a defender”. Deve ter falado por todos, menos por ele.

    Recordemos que Gouveia e Melo, violando a decência e estuprando a honra militar, foi célere a ir à Madeira dar uma reprimenda aos militares do NRP Mondego em praça pública, em púlpito virado para as câmaras de televisão, logo no dia seguinte. Não foi só humilhante; foi um claro sinal de justiceirismo. Gouveia e Melo empenhou os meios da Marinha para aplacar a sua fúria sobre os militares que mostraram a vergonhosa situação de um país com uma quase inigualável História Naval, em vez de assumir falhas estruturais. Depois daquela aparição, e de notícias nunca desmentidas de que penas dos sargentos seriam agravadas para “sublinhar o grau de responsabilidade“, só se poderia esperar um julgamento militar justo sob uma condição: sem Gouveia e Melo como Chefe do Estado-Maior da Armada.

    NRP Mondego

    Por esse motivo, quando o comunicado de ontem da Marinha – que, obviamente, ainda tem o dedo de Gouveia e Melo, pois somente deixará as suas funções no próximo dia 27 – diz que o acórdão do TCAS, iniciado com uma feliz formulação (“Em Nome do Povo”), se refere ao “castigo aplicado pelo Comandante Naval, e não pelo Chefe do Estado-Maior da Armada, como está a ser referido”, não entramos somente num jogo de semântica e de manipulação. Estamos perante uma descarada tentativa de desresponsabilização e de falsificação moral da realidade. Não é um mero jogo de palavras; é uma demonstração inequívoca de subversão dos factos para proteger a vaidade e o ego de quem prefere escapar ileso ao peso das suas acções. Isto não é liderança; é um exercício de mesquinhez que deixa, não uma sombra, mas uma nódoa de oportunismo e ausência de carácter.

    Senão vejamos, e até ‘descontando’ o manifesto interesse de Gouveia e Melo, logo em Março do ano passado, de castigar os alegados insubordinados, descartando responsabilidades atribuídas a si, como líder da Marinha.

    Com efeito, o acto considerado nulo pela TCAS não é um processo que “diz respeito ao castigo aplicado pelo Comandante Naval”. Aquilo que foi considerado nulo foi, objectiva e juridicamente, o acto de 1 de Julho de 2024. citado logo na primeira página do acórdão, “proferido pelo CHEFE DO ESTADO MAIOR DA ARMADA – CEMA, que indeferiu o recurso hierárquico interposto” pelos militares. Ou seja, o acto de Gouveia e Melo.

    E esse acto de Gouveia e Melo não é um acto de somenos importância, uma assinatura de cruz, a concordar com os castigos aplicados pelo Comandante Naval; é sim um longo despacho que o acórdão do TCAS transcreve ao longo de 13 páginas. Repito: 13 páginas, o que significa que houve uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze páginas, onde Gouveia e Melo – mesmo não as tendo escrito – concordou com todos os procedimentos seguidos pelos subordinados (e controlados) que conduziram o processo disciplinar aos militares que ele queria ver castigados.

    Jamais pode Gouveia e Melo, com um pingo de decência, tentar passar pelos pingos da chuva e achar que nos consegue convencer que não foi conivente com a nomeação como instrutor de um oficial que foi envolvido nos factos que resultaram em responsabilidade disciplinar, que houve limitações na defesa dos militares e alegados atropelos na produção de prova e à pronúncia sobre a prova carreada para os autos.

    Início do acórdão do TCAS, “em nome do Povo”, que identifica o acto que foi sujeito à providência cautelar.

    Aliás, basta verificar a forma como o despacho – considerado cheio de nulidades pelo acórdão do TCAS – expressa a opinião de Gouveia e Melo face aos argumentos da defesa dos militares.

    Vejamos no caso de ter sido nomeado um instrutor que esteve directamente envolvido nos acontecimentos – uma falha grave detectada pelo TCAS –, Gouveia e Melo escreve no despacho:

    Como tal, no meu despacho de 10.07.2023, para o qual remeto no aplicável, indefiro o incidente de suspeição do VALM CN [Vice-Almirante Comandante Naval], por não resultar dos autos qualquer evidência de um eventual preconceito ou interesse pessoal deste contra os Recorrentes, que possam indiciar, com o mínimo de objetividade, uma violação dos princípios de isenção e de imparcialidade, ao ponto de comprimir ou sonegar as suas garantias de defesa. Do supra exposto, resulta, então, inequivocamente, que o oficial instrutor e o VALM CN se encontravam plenamente legitimados para intervir no processo disciplinar, improcedendo, sem mais considerações, o que foi propugnado pelos Recorrentes sobre a falta de imparcialidade ou de isenção destes.

    Ou seja, Gouveia e Melo tinha obrigação de saber que havia uma ilegalidade, e fazer justiça – recusou e foi, assim, o responsável máximo pela concretização dos castigos, que se consumam apenas depois do recurso hierárquico.

    Sobre a situação de não terem sido concedidos os direitos aos militares durante o processo disciplinar – outra grave falha detectada pelo TCAS –, Gouveia e Melo escreve no seu despacho:

    Acresce também referir que, no âmbito do seu processo formativo, os militares são elucidados sobre os diplomas regulamentares fundamentais da Marinha, entre eles, o RDM [Regulamento de Disciplina Militar], pelo que não colhe invocar a ignorância sobre os conceitos legais aí prescritos, nomeadamente do direito ao silêncio e da constituição de defensor, para o efeito previstos no artigo 77.º e no n.º 3 do artigo 94.º, para arguirem, sem mais, a nulidade da prova produzida.

    Sobre o direito de os militares poderem requerer diligências, até para se provar que o NRP Mondego não reunia mesmo as condições de navegabilidade em 11 de Março – tanto mais que foram levantadas suspeitas de eliminação de provas sobre o estado do navio –, Gouveia e Melo mostrou-se extremamente claro em concordar com o instrutor. Vale a pena citar esta parte do seu despacho:

    Idêntico raciocínio e linha orientadora se aplica, aliás, à restante prova requerida, como o pedido de reconstituição dos factos ocorridos no dia 11.03.2023 no NRP Mondego com a presença de toda a guarnição, incluindo os arguidos, e submetidos às condições meteorológicas existentes à data. É que tal reconstituição, além de impertinente e dilatória, afigurava-se objetivamente inexequível, não só pela impossibilidade de se garantir o exato estado operacional do navio à data dos factos, como a questão das condições meteorológicas e da missão que lhe fora atribuída, neste caso, por ser impossível posicionar o navio russo no local e nas coordenadas em que se encontrava.

    Concomitantemente, não se podia também deixar de atender aos elevados encargos financeiros que uma operação com essa envergadura acarretaria, para não mencionar os prejuízos para a atividade operacional e, por conseguinte, para o interesse público prosseguido pela Marinha.

    Quanto à recusa do pedido de prova pericial, concretizado pela inclusão de um perito designado pela defesa para inspecionar o navio, deveu-se, essencialmente, ao facto de já ter sido efetuada uma inspeção técnica ordenada pela Superintendência do Material, do qual emergiu o devido relatório, traduzindo-se numa produção antecipada de prova, cf. artigo 419.º do CPP, subsidiariamente aplicável, justificada com o receio de vir a tornar-se difícil, senão impossível, a sua realização a posteriori e nas mesmas condições. E acresce que, ao contrário do pretendido pelos Recorrentes, sempre seria inadmissível a inclusão de peritos externos à Marinha, pois, tratando-se de um ramo das Forças Armadas, e ante as missões que lhes são cometidas, acarretaria riscos para a segurança nacional, que sempre se impõem salvaguardar.

    Também não se mostra atendível o facto de terem suscitado a falta de imparcialidade do relatório junto do processo de inquérito que corre termos no DIAP de Lisboa sob o Proc. n.º 43/23.6NJLSB, pois, além da jurisdição disciplinar se distinguir da jurisdição penal, enquanto decorrência do princípio da independência previsto no n.º 1 do artigo 9.º do RDM, facilmente se infere que o simples facto de terem peticionado uma nova peritagem na instância criminal, não afasta nem sonega a prova pericial que foi admitida no processo disciplinar.

    Este tipo de argumento é extraordinário. Como pode o líder da Armada – com sonhos de ser um Presidente da República – blindar decisões questionáveis sob o manto da autoridade e do interesse público, sacrificando a justiça e os direitos dos seus militares? Argumentar que uma reconstituição dos factos seria “impertinente e dilatória” porque não se poderia recriar o “exato estado operacional do navio” ou as “condições meteorológicas” é desviar o foco do essencial: a busca pela verdade.

    Em 16 de Março, poucos dias depois do incidente, Gouveia e Melo foi pessoalmente dar uma repreensão, em palanque…

    Como Presidente da República, irá também relativizar ou ignorar a lei sempre que considerar que o seu conceito de ‘interesse público’ é mais relevante? Esse padrão de comportamento não é apenas perigoso, mas profundamente incompatível com a dignidade do cargo que aspira ocupar.

    Mais extraordinário ainda é Gouveia e Melo considerar inadmissível a inclusão de peritos externos à Marinha, sob o pretexto de riscos para a Segurança Nacional. Esta linha de raciocínio revela uma recusa em aceitar escrutínio independente, essencial para garantir a transparência e a credibilidade de qualquer investigação. A Segurança Nacional é uma preocupação legítima, mas invocá-la como obstáculo absoluto apenas levanta mais dúvidas sobre a lisura do processo.

    Por fim, a rejeição da imparcialidade do relatório técnico, escudando-se numa suposta independência entre jurisdição disciplinar e penal, é um malabarismo argumentativo. É como se a existência de uma verdade objectiva fosse irrelevante, desde que os processos internos possam ser conduzidos sem questionamentos externos.

    Por tudo isto, o comunicado da Marinha não faz mais do que reforçar a impressão de que há algo a esconder. Quando a lógica se torna um exercício de obstrução, em vez de um caminho para esclarecer os factos, o verdadeiro interesse público é o primeiro a ser traído.

    … e na presença da comunicação social.

    Pessoalmente, até aceito que um cidadão queira salvar o coiro quando é apanhado com as calças na mão depois de uma patifaria. Mas, caramba, Gouveia e Melo é ainda um militar, líder da Armada e putativo candidato a Presidente da República, levado aos ombros por certa imprensa. Deveria, pelo menos, comportar-se como um adulto mediano, e assumir as suas responsabilidades no decurso de um processo disciplinar iníquo.

    Quando um líder da Armada, com ambições presidenciais, opta por usar o peso da sua posição para esconder fragilidades e desviar responsabilidades, e ainda usa os recursos de comunicação para manipular a realidade, a mensagem que transmite não é apenas de fraqueza, mas de indignidade. Por isso, Gouveia e Melo mostra ser um homem sem qualidade – ou, pelo menos, um homem com uma única má qualidade: a mesquinhez.


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  • A ingénua busca do Eldorado

    A ingénua busca do Eldorado


    Infiltrara-se em Artur Matos uma inquietação quase impercetível desde que aceitara a encomenda de Elias Mukuba. Não era apenas o peso da tarefa, ou as sugestões habilidosas do angolano que se impunham como exigências. Era algo mais profundo, uma sensação persistente, uma moinha incómoda que o observava com um olhar inquisidor e de desconfiança sempre que estava não apenas a escrever, mas também a respirar.

    Embora estivesse em África há mais de dois anos, somente na primeira conversa com Mukuba, e consequente início da feitura do livro, Artur sentiu que estar numa terra outrora subjugada pelos seus antepassados era uma forma de exílio peculiar. Não era exilado de um território físico, mas de um lugar onde a sua voz pudesse ser ouvida sem suspeição.

    Essa desconfiança, compreensível e desconfortável, andava agora a assombrá-lo. Reconhecia que, como português, carregava o fardo de uma História que nunca vivera, mas cuja sombra parecia inevitavelmente moldar a sua presença. Mais do que uma barreira de comunicação, era um abismo moral. Como alguém que herdou o privilégio e a memória selectiva de uma potência colonial, poderia ele contar a História de Benguela com a autenticidade que Mukuba exigia?

    A questão não era apenas intelectual; era visceral, uma colisão entre a vontade de narrar e a impossibilidade de o fazer sem ser julgado. Artur tentava racionalizar o paradoxo. Afinal, as palavras eram livres, não eram? A linguagem, pensava ele, constituía, assim com esse tom formal, a ferramenta universal para superar as barreiras da História e das identidades. Porém, esta certeza tremia, ou soçobrava mesmo, quando confrontada com a verdade de que as palavras que escolhia carregavam o peso das escolhas que outros fizeram antes dele.

    Por exemplo, como explicar, sem paternalismo, sem nostalgia ou heroísmo, o avanço dos portugueses pela costa africana? Como descrever sem cair no erro de romantizar o roubo ou de demonizar a sobrevivência? Cada linha que escrevia parecia uma ponte frágil sobre águas tumultuosas.

    E havia ainda a questão da vontade própria. Mukuba, com a sua presença imponente e as críticas afiadas, tinha um poder que não era apenas editorial. Ele era o filtro entre Artur e o público. Seria possível encontrar a verdade na História de Benguela sem essa verdade relatada por um escritor alóctone passar pelo crivo de um editor autóctone? Artur já se conformara que, ali, não se livraria de responder, ou corresponder, a vontades alheias, tanto as de Mukuba quanto as da História maior que pairava sobre ambos.

    E foi nesse estado de espírito que Artur escreveu, reescreveu, reformulou, poliu e refinou o segundo capítulo da História de Benguela, embora ciente de que qualquer palavra arriscaria ser palco de uma batalha entre o que queria dizer e o que seria aceite.

    Os portugueses foram, de facto, os primeiros a olhar para a costa africana com os olhos gulosos de quem procura tesouros onde antes havia apenas lendas”. Esta frase inicial, tão cuidadosamente pensada, permanecia no texto, mas já lhe parecia carregar uma intenção com diversas leituras. Artur sabia que as palavras não podiam apenas relatar os factos; precisavam de reconhecer as nuances, os desalinhamentos de poder e as perspetivas que eram frequentemente varridas para debaixo do tapete.

    Portanto, na reunião semanal, foi ali logo que Mukuba encalhou.

    – “Tesouros onde antes havia apenas lendas”? – começou, pousando o manuscrito com uma leveza que desmentia o peso das suas palavras. – Parece-me, Matos, que continua a escrever com os olhos cobiçosos dos seus antepassados, de quem chegou para explorar, e não de quem sofreu a exploração.

    Artur, já habituado às críticas, manteve a compostura. Sabia que responder impulsivamente seria um erro.

    – É uma forma de enquadrar a perspectiva europeia sem a endossar – argumentou, controlando a voz. – Não digo que havia apenas lendas, mas que era assim que os navegadores viam a costa. Para eles, era um mapa em branco, mesmo que não fosse. Acreditavam que a seguir ao Bojador, o abismo os engoliria…

    Mukuba inclinou-se para a frente, os olhos semicerrados como se tentasse avaliar até onde Artur acreditava naquilo que dizia.

    – Muito bem, mas pergunto: e para os que viviam aqui? Acha que o “mapa em branco” não tinha já marcas de sangue, comércio e pertença? É isso que tem de mostrar, Matos. Senão, o seu texto será só mais um a perpetuar a história de uns indignos vencedores.

    Artur não tinha resposta imediata, mas percebias as razões de Mukuba. A dificuldade estava, porém, em encontrar a forma de equilibrar a narrativa, que mostrasse, sem ofender mais, que existiam diferenças de tecnologia, de avanço entre europeus e africanos naquelas épocas. Manteve-se calado, a escutar enquanto o editor dissertava.

    – Matos – continuou Mukuba, já num tom de quem conversa com um adolescente preguiçoso –, “tesouro” não é apenas ouro, prata e pedras preciosas. Para os povos que aqui viviam já, o tesouro era a terra. Ou acha que as conchas, o peixe, os zimbos, e até o sal não tinham valor? Tem de abandonar a lente do navegador europeu.

    Artur respirou fundo. De todas as frases que ouvira até então, esta era a que mais o enervava. “A lente do navegador europeu” era quase um insulto, e Mukuba detinha um talento especial para atingir nervos expostos. Artur viu-se a reagir.

    – Elias, desculpe dizer-lhe, mas se a tarefa é contar a História de Benguela, tem de se começar com os navegadores. Foram eles os primeiros a registar, em escrita, o que encontraram.

    Mukuba apoiou-se na cadeira, os dedos entrelaçados em frente ao rosto, os olhos semicerrados como se fosse um professor cansado das desculpas de um aluno.

    – E os que já estavam lá, Matos? Não percebe que a História já estava escrita, mesmo que não com a sua preciosa tinta europeia? – Mukuba inclinou-se ligeiramente, os dedos a tamborilar na mesa. – Cada sulco no chão, cada canção que ecoava nas libatas, era já uma linha dessa história. Vocês, europeus, só chegaram e rasgaram as páginas.

    Artur abriu a boca para ripostar, mas Mukuba levantou a mão num gesto que dizia, sem palavras, que ele ainda não tinha acabado.

    – E já agora, se vai usar o termo “temeridade”, explica-me isto: o que é mais temerário, Matos? Navegar mares desconhecidos ou sobreviver ao saque e à pilhagem de invasores que chegam com armamento que nunca viram na vida?

    Caiu um silêncio na sala. Elias gostava de pausas dramáticas, mas Artur não lhe queria dar o prazer de o sentir intimidado. Ajustou os papéis que tinha à frente como quem afirma que ainda detém o controlo.

    – Concordo que sobreviver é bastante temerário nessas circunstâncias – concedeu Artur, sabendo que, em situações como aquela, a diplomacia era uma excelente maneira de salvar o pouco de auto-estima que ainda tinha, sentindo que os dólares lhe faziam falta se não os tivesse. – Mas isso não anula o feito de desafiar o Cabo Bojador. A História tem de reconhecer que havia coragem e ousadia no gesto dos portugueses.

    Elias soltou uma gargalhada seca.

    – Claro. Coragem e ousadia. Foi isso que motivou Gil Eanes e os seus patrícios – ironizou Mukuba, com um riso seco. – Coragem e ousadia. Não foi a vontade de agradar ao rei nem a ganância de ser o primeiro a trazer boas novas. Não, foi coragem pura, e a límpida ousados, virtudes desinteressadas, quase angelicais.

    Artur não respondeu, desviou o olhar, ajustando os papéis à sua frente. Começara a habituar-se àironia afiada de Elias. Em vez de contra-argumentar, quis que ele avançasse para os parágrafos seguintes, onde nenhum tom apologético sobressaía. Artur mergulhara em relatos precisos sobre as primeiras viagens de Diogo Cão, que em 1483 avistara a foz do rio Congo. Era impossível, julgava, não se fascinar com os detalhes: os padrões erguidos nas praias, as trocas hesitantes entre marinheiros e nativos, e até a audácia de levar reféns para Portugal, como se fossem amostras de uma terra distante. Era História pura, com todas as suas contradições.

    Mas, claro, Mukuba tinha as suas opiniões.

    – A sua narração parece um diário de aventura, Matos. – Ele apontava com o lápis para o parágrafo onde Artur descrevia os “encontros cautelosos” de Diogo Cão com os nativos. – “Cautelosos” é uma palavra gentil, não acha? Especialmente quando sabemos que esses encontros acabavam com reféns e pilhagens.

    – Elias, tentei equilibrar o tom. Se for demasiado crítico ou cáustico, ninguém vai ler isto sem pensar que é propaganda.

    – Propaganda, Matos? Chamar as coisas pelo nome é propaganda? Se os portugueses capturaram pessoas, então escreva: capturaram. Não diga “acolheram” ou “receberam”. Escreva: roubaram.

    Artur saiu da reunião com mais um maço de dólares, e enfiou-se em casa. E assim os padrões deixaram de ser símbolos de progresso para maculados marcos de uma posse ilegítima. E as viagens, que antes soavam como jornadas heróicas, tornaram-se episódios de exploração mascarados de descoberta.

    Dias depois, enviada a versão revistas, Mukuba ligou-lhe.

    – Vê, Matos? Nem eles encontraram o ouro que procuravam até Angola, e isso porque estavam cegos pela ganância. A verdadeira riqueza de África sempre esteve nas pessoas, na terra, na cultura. Mas isso nunca foi suficiente, pois não?

    Artur não respondeu logo. No outro lado da linha, fechou os olhos por um momento, tentando não explodir.

    – Elias, este livro tem de ser um diálogo entre o que sabemos hoje e o que foi feito na altura – retorquiu Artur, controlando a voz –. Não posso mudar o passado. Só posso contar a História.

    – Mas a História tem sempre duas faces: uma História certa e a uma História errada, Matos. E a História certa não é só a dos conquistadores; é a de quem resistiu.

    No final, mais uns dias transcorridos, o segundo capítulo tornou-se uma narrativa de desencontros. Relendo o texto antes de o enviar a Mukuba, Artur sentia um desconforto crescente, como se cada frase cedida fosse também uma concessão da sua integridade enquanto escritor. Era verdade que o texto estava mais equilibrado, mais sensível às vozes e sensibilidades de quem resistira, mas a sensação de perda da sua autonomia permanecia.

    Ele questionava-se: onde terminava a honestidade histórica e começava a imposição de uma narrativa alheia? Seria ele um escritor genuíno ou apenas um escriba a soldo, como constava terem sido os cronistas de antanho, moldando as palavras para agradar à crítica do poder e às expectativas de uma leitura contemporânea? Cada linha parecia agora carregada de um peso que não lhe pertencia inteiramente, como se a sua voz fosse agora somente um fino eco moldado pelas vontades alheias.

    Ao ceder à inclusão do diálogo ficcional entre Diogo Cão e o soba, Artur sentiu-se especialmente vulnerável. Não que o diálogo fosse desonesto ou inverosímil – pelo contrário, ele sabia que trazia vida à narrativa –, mas a sensação de ter sido forçado a imaginar aquelas palavras fazia-o questionar a fronteira entre História e ficção.

    No entanto, outra parte de si sentia-se estranhamente orgulhosa. A versão final, por mais distante que estivesse da sua visão inicial, parecia mais completa, mais fiel à complexidade dos eventos que narrava. Era como se o conflito com Mukuba fosse uma espécie de cadinho literário, onde a sua escrita era testada, desafiada e, no fim, refinada. A questão primordial se mantinha, porém: até que ponto essa, diga-se assim, maturidade não era, na verdade, uma capitulação? Enquanto imprimia o manuscrito, Artur sentiu-se dividido entre a sensação de ter criado algo de valor e o receio de que, ao fazê-lo, tivesse traído algo de essencial em si mesmo. “Talvez escrever História não seja diferente de navegá-la”, pensou, um sorriso cansado surgindo no canto dos lábios. “Ambos exigem que nos adaptemos às marés, mesmo quando elas nos afastam da rota que julgávamos certa.”

    Artur terminara o capítulo com a chegada dos portugueses à região de Benguela, ainda esperançosos de ambição, mas prenunciando hostilidades e desilusões. Tudo isto se tornara um compromisso desconfortável, mas necessário. E quando recebeu nova chamadade, Artur não conseguiu evitar perguntar, ao telefone, quando o editor lhe anunciou a aprovação:

    – Está feliz agora?

    Mukuba respondeu-lhe apenas:

    – Não, Matos… Mas está melhor.

    [continua…]


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